Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidades Fabiano Lemos Pereira Licenciaturas em Música a distância: um estudo dos cursos da Universidade Aberta do Brasil Rio de Janeiro 2019
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Fabiano Lemos Pereira
Licenciaturas em Música a distância: um estudo dos cursos da
Universidade Aberta do Brasil
Rio de Janeiro
2019
Fabiano Lemos Pereira
Licenciaturas em Música a distância: um estudo dos cursos da Universidade Aberta do
Brasil
Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Formação Humana.
Orientadora Profa. Dra. Raquel Villardi
Rio de Janeiro
2019
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte. ___________________________________ _______________ Assinatura Data
P436 Pereira, Fabiano Lemos. Licenciaturas em Música a distância: um estudo dos cursos da Universidade
Aberta do Brasil / Fabiano Lemos Pereira. – 2019. 286 f. Orientadora: Raquel Villardi. Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centro
de Educação e Humanidades. 1. Educação – Teses. 2. Ensino superior – Brasil – Teses. 3. Professores -
Formação. I. Villardi, Raquel. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Centro de Educação e Humanidades. III. Título.
es CDU 378(81)
Fabiano Lemos Pereira
Licenciaturas em Música a distância: um estudo dos cursos da Universidade Aberta do
Brasil
Tese apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Formação Humana.
Aprovado em: 28 de junho de 2019 Banca Examinadora:
_________________________________________ Profª. Drª. Raquel Marques Villardi (Orientadora) Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ _________________________________________ Profª. Drª. Denise Barata Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ _________________________________________ Prof. Drª. Claudia de Cássia Capello
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ _________________________________________ Prof. Dr. Roberto Vianna da Silva Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO _________________________________________ Prof. Dr. Daniel Marcondes Gohn
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
Rio de Janeiro 2019
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a única pessoa que, apesar de tudo, dedicou a sua vida inteira a
me ajudar ao longo de toda essa vida independente da minha decisão: minha mãe. Te amo,
mãe!
AGRADECIMENTOS
Agradeço muito a minha família que me permitiu atravessar essa importante etapa de
minha formação humana, especialmente meu irmão Alexandre e minha tia Fátima.
Agradeço muito a Raquel, pela infindável disponibilidade, atenção e dedicação, sem a
qual eu jamais teria conseguido alcançar meu objetivo de me tornar doutor.
Aos professores, alunos e funcionários do PPFH por sua dedicação em tornar esse
mundo melhor.
Aos professores da Licenciatura em Música da UFRJ, CBM e UNIRIO que
participaram da minha trajetória desde o início.
A todos os professores que aceitaram ser entrevistados e aos alunos que responderam a
este questionário.
Aos cordenadores e secretários da Secretaria de Educação a Distância da UnB e
UFSCar.
Ao professor Daniel Gohn, que despertou meu interesse pela educação a distância e
pode participar das defesas de meu mestrado e doutorado.
Aos professores Claudia Capello, Roberto Vianna e Denise Barata por terem aceitado
participar da banca e contribuírem com este trabalho.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Manoel de Barros
RESUMO PEREIRA, Fabiano Lemos. Licenciaturas em Música a distância: um estudo dos cursos da Universidade Aberta do Brasil. 2019. 286f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2019.
Este trabalho teve como proposta investigar os cursos de Licenciatura em Música a distância oferecidos pela Universidade Aberta do Brasil (UAB) entre 2007 e 2017 por meio da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Questiona-se a formação do professor de Música voltada à educação básica apto para lidar com a diversidade cultural brasileira e alargar o capital cultural dos alunos. Foram feitas entrevistas semiestruturadas com docentes – coordenadores, professores supervisores, tutores presenciais e tutores a distância – e apresentado um questionário eletrônico com discentes, abrangendo os mencionados cursos de Licenciatura em Música. Objetivou-se discutir se as necessidades de um professor de Música para a educação básica estão contempladas nessas Licenciaturas, o que inclui a perspectiva multicultural e voltada ao acúmulo de capital cultural, além de as tecnologias digitais serem adequadas às metodologias. Após discutir as bases para a Educação Musical dos séculos XX e XXI, foram apresentados os conceitos de Educação Aberta, a precarização do trabalho do tutor e a quebra de paradigmas para o ensino de Música a distância. A apresentação da pesquisa foi dividida em cinco seções: (1) Diversidade cultural nos cursos de Licenciatura em Música; (2) Formação do professor voltada à educação básica; (3) Aprendizagem de Música como capital cultural; (4) Formação a distância para Licenciatura em Música; (5) Visões sobre a UAB. Os resultados obtidos apontam que ainda precisará ser feito um esforço maior para que as Licenciaturas em Música da UAB contemplem a diversidade cultural da atualidade e então consigam alargar o capital cultural dos alunos. Pode-se refletir que lidar com distintas culturas e voltar a nação para a construção de uma unidade nacional exige uma base cultural para desenvolver os processos formativos. Palavras-chave: Ensino de música a distância. Universidade Aberta do Brasil. Capital cultural.
Licenciatura em Música online. Educação a Distância (EaD).
ABSTRACT
PEREIRA, Fabiano Lemos. Distance Music Undergraduate degrees in music: a study of the Open University of Brazil. 2019. 286 f. Thesis (Doctorate in Public Policies and Human Education) – Education College, Rio de Janeiro State University, Rio de Janeiro, 2019. This paper had as proposal to investigate the Distance Education Undergraduate Courses in Music offered by the Open University of Brazil (UAB) between 2007 and 2017 by means of the University of Brasilia (UnB) and Federal University of São Carlos (UFSCar). It questions whether the Music Professor’s formation focused on basic education makes them apt to deal with Brazilian cultural diversity and to broaden the cultural capital of the students. Semi-structured interviews were conducted with teaching staff members – Coordinators, Supervising Professors, both in-class and distance education Tutors – and a digital survey with students, covering the undergraduate courses in Music from UAB through UFSCar and UnB. The objective was to discuss whether the needs of a Music Professor focused on basic education are contemplated in the Bachelors in Music by the UAB, which includes the multicultural perspective and focused on the accumulation of cultural capital, in addition to digital technologies are appropriate to the methodologies. After discussing the bases for musical education in the XX and XXI century, the concepts of open education, the precariousness of the tutor's work and the break of paradigms for the distance education of Music were presented. The presentation of the research has been divided in five sessions: (1) Cultural diversity in Music bachelors’ courses; (2) Professor’s training for basic education; (3) The learning of music as cultural capital; (4) Distance learning for Music Bachelors; (5) Perceptions about the UAB. The results show that a greater effort still needs to be made so that the UAB Music Degrees contemplate the current cultural diversity and then manage to broaden the cultural capital of the students. It can be concluded that dealing with distinct cultures and uniting the nation to build a national unity requires a cultural basis to develop the training processes. Keywords: Distance music learning. Open University of Brasil. Cultural Capital. Online
music licenciate degree. Distance Learning.
RESUMEN PEREIRA, Fabiano Lemos. Licenciaturas en Música a distancia: un estudio de los cursos de la Universidad Abierta de Brasil. 2019. 286 f. Tesis (Doctorado en Políticas Públicas y Formación Humana) - Facultad de Educación, Universidad del Estado de Río de Janeiro. Este trabajo tuvo como propuesta investigar los cursos de Licenciatura en Música a distancia ofrecidos por la Universidad Abierta de Brasil (UAB) entre 2007 y 2017 por medio de la Universidad de Brasilia (UnB) y la Univerisidad Federal de São Carlos (UFSCar). Se cuestiona la formación del Profesor de Música orientada a la enseñanza básica habilitado para lidiar con la diversidad cultural brasileña y ampliar el capital cultural de los alumnos. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con docentes - Coordinadores, Profesores supervisores, Tutores presenciales y Tutores a distancia - y un cuestionario electrónico con discentes, abarcando los cursos de Licenciatura en Música de la UAB a través de la UFSCar y UnB. Se objetivó discutir si las necesidades de un profesor de Música para la enseñanza básica están contempladas en las Licenciaturas en Música por la UAB, lo que incluye la perspectiva multicultural y volcada a la acumulación de capital cultural, además de las tecnologías digitales ser adecuadas a las metodologías. Después de discutir sobre las bases para la educación musical del siglo XX y XXI, se presentaron los conceptos de educación abierta, la precarización del trabajo del tutor y la ruptura de paradigmas para la enseñanza de la música a distancia. La presentación de la investigación se divide en cinco secciones: (1) La diversidad cultural en los cursos de licenciatura en música; (2) Formación del profesor orientado a la enseñanza básica; (3) Aprendizaje de música como captital cultural; (4) Formación a distancia para Licenciatura en Música; (5)Visiones sobre la UAB. Los resultados obtenidos apuntan que aún necesitará hacer un esfuerzo mayor para que las Licenciaturas en Música de la UAB contemplen la diversidad cultural de la actualidad y entonces consiga agarndar el capital cultural de los alumnos. Puede reflejarse que lidiar con las distintas culturas y unir a la nación para la construcción de una unidad nacional exige una base cultural para desarrollar los procesos formativos. Palabras clave: Enseñanza de música a distancia. Universidad Abierta de Brasil. Capital
cultural. Licenciatura en Música online. Educación a Distancia (EaD).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 - Quantidade de cursos oferecidos de Licenciaturas em Arte por linguagens 2014 ................................................................................................................... 51
Gráfico 2 - Matrículas em cursos de Licenciaturas em Arte em por linguagens em 2014 ................................................................................................................... 52
Gráfico 3 – Concluintes em cursos de Licenciaturas em Arte por linguagens 2014 ............ 53Gráfico 4 – Evolução de matrículas em Licenciatura em Música no Brasil no século
XXI .................................................................................................................... 55Quadro 1 – Períodos da educação musical nos séculos XX e XXI ...................................... 95Figura 1 – Mapa conceitual sobre os quatro elementos da Educação .............................. 101Gráfico 5 - Renda familiar em cursos selecionados com mais de 10 mínimos (%) –
ENADE (3º ciclo) ............................................................................................ 103Gráfico 6 - Renda familiar em cursos selecionados (%) – 3º ciclo ................................... 104Gráfico 7 – Evolução em matrículas em Licenciatura em Música a distância ................... 122Gráfico 8 – Evolução de concluintes em Licenciatura em Música a distância .................. 123Gráfico 9 – Polos presenciais de música em âmbito público por região, em 2012 ............ 129Quadro 2 – Docentes entrevistados .................................................................................... 165Gráfico 10 – Universidades da UAB .................................................................................... 167Gráfico 11 – Polos da UAB .................................................................................................. 167Gráfico 12 – Ano de ingresso dos alunos ............................................................................. 168Gráfico 13 – Ano de conclusão dos cursos pelos alunos ...................................................... 168Gráfico 14 – Estados que residem os alunos ........................................................................ 169Gráfico 15 – Faixa etária dos alunos .................................................................................... 169Gráfico 16 – Renda familiar dos alunos (em salários mínimos) .......................................... 169Gráfico 17 – Nível de escolaridade de pai e mãe ................................................................. 170Gráfico 18 – Pessoas com nível superior no núcleo familiar próximo dos alunos ............... 171Gráfico 19 – Presença de músico na família ........................................................................ 171Gráfico 20 – Trabalho como músico profissional ................................................................ 172Gráfico 21 – Atuação como músico amador ........................................................................ 172Gráfico 22 – Atuação como professor de Música ................................................................ 173Gráfico 23 – Setor em que trabalha ...................................................................................... 173Gráfico 24 – Frequência de abordagem de peculiaridades regionais ................................... 175Gráfico 25 – Diversidade social no curso ............................................................................. 175Gráfico 26 – Diversidade racial mencionada no curso ......................................................... 176Gráfico 27 – Interdisciplinaridade nos cursos ...................................................................... 177Gráfico 28 – Competências desejáveis para um professor de Música – Ordem 2 ............... 178
Gráfico 29 – Áreas em que alunos sonham trabalhar futuramente ...................................... 180Gráfico 30 – O quanto o aluno tocou ou cantou de cada gênero musical [música de
instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras)] ....................... 181Gráfico 31 – O quanto o aluno estudou teoricamente de cada gênero musical [Música de
instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras)] ....................... 181Gráfico 32 – Competências desejáveis de um professor de Música privilegiadas no
curso ................................................................................................................ 184Gráfico 33 – Conhecimentos considerados importantes pelos cursos .................................. 185Gráfico 34 – O quanto o aluno tocou ou cantou de cada gênero musical [Canções
infantis (educativas ou de grupos populares voltados para público infantil)] . 185Gráfico 35 – O quanto o aluno estudou sobre cada gênero musical [Canções infantis
(educativas ou de grupos populares voltados para público infantil)] .............. 186Gráfico 36 – Importância das atividades no currículo da Licenciatura em Música ............. 188Quadro 3 – Lista de competências do professor de Música na educação básica segundo
os docentes ...................................................................................................... 189Gráfico 37 – Com que frequência o aluno tocou ou cantou de cada gênero musical ........... 191Gráfico 38 – Com que frequência o aluno estudou teoricamente sobre cada gênero
musical ............................................................................................................ 192Gráfico 39 – Música relacionada à cultura familiar ............................................................. 194Gráfico 40 – Diversificação de mídias de materiais didáticos ............................................. 196Gráfico 41 – Tipos de mídias utilizadas nos cursos ............................................................. 196Gráfico 42 – Ferramentas de mídia mais usadas no curso ................................................... 197Quadro 4 – Ferramentas de mídia utilizadas durante o curso ............................................ 197Gráfico 43 – Atividades consideradas importantes nos encontros presenciais .................... 203Gráfico 44 – Atividades impossíveis de serem realizadas online ........................................ 204Gráfico 45 – Participação dos alunos na escolha de conteúdos, formas de avaliação e
quando aprender .............................................................................................. 208Gráfico 46 – Utilização de materiais didáticos interativos ................................................... 211Gráfico 47 – O que os cursos privilegiam nos encontros presenciais? ................................ 212Gráfico 48 – Importância de o tutor presencial ter formação em Música ............................ 213Gráfico 49 – A importância dos docentes e discentes para a aprendizagem a distância ...... 215Quadro 5 – IDHM e IDHM educacional de 2013 dos polos das Licenciaturas em
Música da UAB ............................................................................................... 220Figura 2 – Fluxograma cognitivo das disciplinas da UFSCar .......................................... 222Quadro 6 – Categorias de disciplinas em educação musical .............................................. 238Figura 3 – Transmissão dos saberes musicais .................................................................. 246
LISTA DE SIGLAS
BNCC Base Nacional Curricular Comum
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
DAW Digital Audio Workstation
EaD Educação a Distância
EAD Educação Aberta e a Distância
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
EJA Educação de Jovens e Adultos
IDH-E Índice de Desenvolvimento Humano Educacional
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IES Instituições de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/96)
MEC Ministério da Educação
MIDI Musical Instrument Digital Interface
MOOC Massive Open Online Courses
OOUK Open University of United Kingdom
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PNC Plano Nacional de Cultura
PNDL Programa Nacional do Livro Didático
PNE Plano Nacional de Educação
PPP Projeto político-pedagógico
PROLICENMUS Programa Pró-Licenciatura da UFRGS
REA Recursos educacionais abertos
SEMA Superintendência de Educação Musical e Artística
TCC Trabalho de conclusão de curso
THE Teste de habilidade específica
UAB Universidade Aberta do Brasil
UEMA Universidade Estadual do Maranhão
UFRB Universidade Federal do Recôncavo Baiano
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
UnB Universidade de Brasília
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 16
1 O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA .......................................... 20
1.1 Música: educação e cultura ...................................................................................... 25
1.2 Educação musical para a educação básica no Brasil ............................................. 37
1.2.1 Educação musical, ensino de instrumentos e musicalização ...................................... 37
1.2.2 A legislação da Música na educação básica ............................................................... 42
1.3 Bases para educação musical no século XX ........................................................... 60
1.4 Bases para educação musical no século XXI .......................................................... 81
2 A LICENCIATURA EM MÚSICA E A UNIVERSIDADE ABERTA DO
BRASIL ..................................................................................................................... 99
2.1 A Universidade Aberta do Brasil (UAB) .............................................................. 100
2.1.1 O conceito de Educação Aberta ................................................................................ 110
2.1.2 O papel da universidade na UAB ............................................................................. 114
2.1.3 O docente da UAB e a precarização do trabalho ...................................................... 116
2.2 As Licenciaturas em Música a distância ............................................................... 120
2.2.1 O projeto Pró-Licenciatura na UFRGS ..................................................................... 124
2.2.2 As Licenciaturas em Música pela UAB .................................................................... 126
2.2.2.1 A UnB ....................................................................................................................... 126
2.2.2.2 A UFSCar ................................................................................................................. 127
2.2.3 Atividades presenciais: polos de apoio e tutores ...................................................... 130
2.3 O ensino de Música a distância .............................................................................. 136
2.3.1 Aspectos metodológicos ........................................................................................... 136
2.3.2 Aspectos tecnológicos .............................................................................................. 147
2.3.3 Quebra de paradigmas .............................................................................................. 153
3 NARRATIVAS POLIFÔNICAS: APRESENTAÇÃO ....................................... 163
3.1 Realidade sociocultural dos discentes ................................................................... 166
3.2 Diversidade cultural ............................................................................................... 174
3.2.1 Diversidade regional, social e racial ......................................................................... 174
3.2.1.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 174
3.2.1.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 176
3.2.2 Interdisciplinaridade e diálogo com outras artes ...................................................... 177
3.2.2.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 177
3.2.2.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 178
3.2.3 Diversidade de religiões ........................................................................................... 179
3.2.3.1 A perspectiva dos discentes ..................................................................................... 180
3.2.3.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 182
3.3 A formação do professor de Música ...................................................................... 183
3.3.1 Preparação para a educação básica ........................................................................... 183
3.3.1.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 183
3.3.1.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 186
3.3.2 Preparação para conservatórios de música ............................................................... 186
3.3.2.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 186
3.3.2.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 188
3.3.3 Competências para a educação básica ...................................................................... 189
3.3.3.1 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 189
3.3.3.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 189
3.3.4 A educação básica e diversidade de gêneros musicais ............................................. 190
3.3.4.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 190
3.3.4.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 193
3.4 A aprendizagem de música como capital cultural ............................................... 193
3.4.1 O sucesso escolar nas aulas de música ..................................................................... 194
3.4.1.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 194
3.4.1.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 195
3.4.2 O acesso aos recursos materiais ................................................................................ 195
3.4.2.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 195
3.4.2.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 198
3.4.3 O perfil cultural dos discentes .................................................................................. 199
3.5 A formação a distância para o professor de Música ........................................... 200
3.5.1 Entre a tradição e a inovação .................................................................................... 200
3.5.1.1 A perspectiva dos discentes ..................................................................................... 201
3.5.1.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 201
3.5.2 Disciplinas práticas ................................................................................................... 203
3.5.2.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 203
3.5.2.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 204
3.5.3 Criação, apreciação musical e execução musical ..................................................... 205
3.5.3.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 205
3.5.3.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 206
3.6 Visões sobre a UAB ................................................................................................. 207
3.6.1 Educação aberta ....................................................................................................... 208
3.6.1.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 208
3.6.1.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 208
3.6.2 Mídias digitais: interatividade e autonomia .............................................................. 210
3.6.2.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 210
3.6.2.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 211
3.6.3 Os encontros presenciais ........................................................................................... 212
3.6.3.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 212
3.6.3.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 213
3.6.4 A equipe polidocente ................................................................................................ 215
3.6.4.1 A perspectiva dos discentes ...................................................................................... 215
3.6.4.2 A perspectiva dos docentes ....................................................................................... 216
3.6.5 Sobre o fim dos cursos de Licenciatura em Música na UAB ................................... 216
4 A POLIFONIA EM ANÁLISE .............................................................................. 220
4.1 O perfil sociocultural dos discentes ....................................................................... 220
4.2 Diversidade cultural ............................................................................................... 222
4.3 Formação do professor de Música ........................................................................ 228
4.4 Música e capital cultural ........................................................................................ 233
4.5 Formação a distância .............................................................................................. 242
4.6 Valores sobre a UAB .............................................................................................. 249
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 257
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 261
ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido ...................................... 276
ANEXO B – Questionário eletrônico destinado a alunos ........................................ 278
16
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como proposta analisar os cursos de Licenciatura em Música
oferecidos a distância pela Universidade Aberta do Brasil – UAB.
A UAB surgiu por meio do Decreto nº 5.800/06 como política pública que visa
estabelecer um sistema nacional de ensino a distância e ampliar o acesso à educação superior
pública nas diversas regiões do país, a fim de reduzir a desigualdade de cursos oferecidos em
regiões mais privilegiadas e interiorizar a educação superior. A prioridade da UAB é oferecer
licenciaturas e a formação continuada para a educação básica.
Até o ano de 2017, apenas a UnB e a UFSCar criaram cursos de Licenciatura em
Música para atender à demanda destes pela UAB. Esses cursos foram oferecidos desde 2007 e
encontram-se vigentes até o momento de conclusão da pesquisa, sendo importante observar
que desde 2016 não houve processo seletivo para novos alunos em nenhuma das duas
universidades por falta de repasse de verba da UAB; há nova previsão de oferta para 2019 na
UnB e não há previsão para a UFSCar.
Além dessas universidades públicas, a Licenciatura em Música também foi oferecida
pela UFRGS entre 2006 e 2012 no âmbito do programa Pró-Licenciatura (PROLICENMUS),
com oferta de processo seletivo discente por um único edital e fora do âmbito da UAB. Ainda
em 20191 foi iniciado o curso de Licenciatura em Música Popular pela UEMA, no âmbito da
UAB, e de Licenciatura em Música pela UFRB, além da previsão de início para a UNEB2.
O uso das tecnologias digitais poderia trazer aos cursos novas possibilidades de
organização do conhecimento, o que implicaria a quebra de paradigmas de ensino de Música.
É necessário questionar se a formação do professor de Música por meio da UAB está inserida
dentro desse novo paradigma e contempla a multiculturalidade ou apenas torna o professor
um mero reprodutor de modelos instrucionais de Música dentro dos moldes estéticos
tradicionais.
Foram estudadas as universidades públicas que atualmente oferecem cursos de
Licenciatura em Música no Brasil pela UAB: a UnB e a UFSCar, com delimitação temporal a
partir de sua criação, em 2007, até 2017.
1 Informações obtidas nos seguintes sites: http://emec.mec.gov.br/emec/consulta-
cadastro/detalhamento/d96957f455f6405d14c6542552b0f6eb/NDUwMw==/9f1aa921d96ca1df24a34474cc171f61/NDY2Nw e http://emec.mec.gov.br/emec/consulta-cadastro/detalhamento/d96957f455f6405d14c6542552b0f6eb/NTY4/9f1aa921d96ca1df24a34474cc171f61/NDA. Acesso em 07 out. 2018.
2 Segundo consulta ao sítio http://emec.mec.gov.br/ com a palavra chave Música. Acesso em 07 maio 2019.
17
Portanto, deixaremos de lado o estudo dos cursos da UFRGS, oferecidos para uma
única turma, os cursos de pós-graduação em Música a distância, ou graduações a distância
oferecidas por universidades privadas e os cursos de graduação iniciados a partir de 2018
pelas UEMA, UFRB e UNEB.
Como questão central da pesquisa, cabe-nos indagar se a política de formação de
professores de Música para a educação básica pela UAB está sendo posta em prática para
formar um profissional dotado de habilidades, capaz de lidar com a diversidade do cenário
cultural atual e alargar o capital cultural dos alunos. Nosso pressuposto é de que a discussão
sobre os cursos a distância oferecidos por meio de tecnologias digitais para Música não se
encontra pronta, ou seja, é um processo em movimento e em contínua discussão.
Diante desse fato, torna-se necessário realizar a pesquisa para compreender como a
formação docente voltada para a formação de professores da educação básica vem sendo
realizada em cursos de Licenciatura em Música a distância.
Como objetivo geral, a pesquisa pretende compreender se e como as necessidades de
um professor de Música para a educação básica estão sendo contempladas nos cursos de
Licenciatura em Música da UAB.
Os objetivos específicos são: (1) discutir a formação docente para a educação básica
em Música, sob a perspectiva de uma formação multicultural e voltada ao acúmulo de capital
cultural; (2) compreender o sistema UAB e investigar se a utilização das tecnologias digitais e
metodologias atendem à formação do professor de Música e o tornam apto à educação básica;
(3) apresentar a discussão sobre a formação do professor de Música e Educação Musical na
educação básica partindo do ponto de vista de alunos, professores e gestores.
O interesse pela pesquisa surgiu na vivência anterior como aluno de disciplinas de um
curso de Licenciatura em Música a distância em pesquisa empírica de mestrado (PEREIRA,
F., 2014), além de minha experiência como tutor a distância da UnB entre 2014 e 2019. A
descrição de situações ocorridas durante minha atuação de 2016 a 2019 será utilizada como
parte empírica da pesquisa, com finalidade descritiva.
Desejando ampliar o olhar sobre o processo de ensino e aprendizagem de música
mediado por tecnologias digitais e sob uma perspectiva multicultural, consideramos que a
presente pesquisa torna-se necessária.
Muitas pesquisas sobre Educação a Distância são voltadas somente para o olhar
docente ou tecnológico, sendo majoritariamente focadas em estudos de casos (GOHN, 2009;
MANCEBO et al., 2015). Há poucas pesquisas que abordam o assunto Educação Musical a
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distância e, quando o fazem, persiste o foco no papel do tutor para o ensino de Música ou na
produção de material didático, sempre ligada à instituição de ensino que o pesquisador integra.
Esta pesquisa se justifica pela necessidade de um olhar para a Licenciatura em Música
oferecida pela UAB sob a ótica da formação multicultural e da dilatação de capital cultural
voltada à educação básica.
Analisamos o processo de formação do professor licenciado em Música. Também
elaboramos um estudo sobre a estrutura da UAB e a utilização das tecnologias digitais para a
aprendizagem de “música como forma significativa” (SWANWICK, 2003). A seguir,
realizamos uma entrevista semiestruturada com discentes e docentes dos cursos da UAB, o
que inclui professores supervisores, tutores a distância, tutores presenciais e coordenadores.
Como trabalho de campo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas via
webconferência com docentes da UnB e da UFSCar: gestores – coordenadores de curso e
coordenador de tutoria –, tutores – presenciais e a distância – e professores supervisores.
Além das entrevistas, foi enviado um questionário eletrônico a alunos da UnB e da
UFSCar contendo questões sobre diversidade cultural do curso, mídias e Universidade Aberta
do Brasil e Licenciatura em Música, além de informações socioculturais dos alunos.
Optamos pela formatação da tese utilizando lista de siglas, mantendo a transcrição
integral sem o advérbio sic para corrigir vícios de linguagem dos entrevistados ou mesmo
para acordos ortográficos anteriores ao de 2009. Todas as transcrições em língua estrangeira
foram traduzidas pelo autor e serão indicadas sem a expressão “tradução nossa”.
A presente pesquisa está estruturada em quatro capítulos.
Primeiramente, discute-se o papel da Música na educação básica, analisa-se como vem
ocorrendo o ensino de Música nessa etapa da educação e a formação multicultural do
professor de Música. Para isso, foi crucial o olhar sobre a obra de Pierre Bourdieu (1989;
2003; 2014), em especial o conceito de capital cultural. Bourdieu amplia o conceito de capital,
identificando três formas de capital: econômico, social ou simbólico e cultural. O enfoque
ocorreu sob a reprodução do capital cultural institucionalizado como inculcação do habitus na
educação superior sob cultivo da percepção do mundo social e apreciação de gostos da classe
dominante que tendem a se reproduzir na educação básica; no caso da Música foi adjetivado
por M. V. M Pereira (2012) como habitus conservatorial para apontar práticas ocorridas em
conservatórios de música que são replicadas nas universidades.
Com a intenção de aprofundar a discussão, foram apresentadas as principais propostas
de educadores musicais dos séculos XX e XXI, além de uma definição de conceitos e
objetivos relacionados à Educação Musical, incluindo a vigente legislação da educação básica.
19
Em seguida, apresentam-se aspectos da UAB e a inserção do curso de Licenciatura em
Música a distância, buscando apontar as ferramentas metodológicas e tecnológicas para a
formação do professor de Música para a educação básica. O conceito de educação aberta foi
utilizado com a função de abranger a UAB. Também foi empregado o conceito de música
como espaço intermediário (SWANWICK, 2003) para compreender a formação de
professores pelas universidades integrantes da UAB, investigando se elas possuem o objetivo
de formar um docente para a educação básica.
Ulteriormente, realiza-se a pesquisa de campo com docentes e discentes, apresentando
os principais resultados por meio de gráficos e transcrição das falas mais relevantes das
entrevistas realizadas com docentes e questionário eletrônico com discentes. A apresentação
desses resultados será dividida em cinco seções, além das informações socioculturais: (a)
Diversidade cultural nos cursos de Licenciatura em Música; (b) Formação do professor
voltada à educação básica; (c) Aprendizagem de Música como capital cultural; (d) Formação
a distância para Licenciatura em Música; e (e) Visões sobre a UAB.
Depois disso, analisam-se os resultados das entrevistas com docentes e discentes
apresentados no capítulo anterior em idêntica estrutura de seções. Nessa análise serão
relacionadas as questões práticas trazidas por docentes e discentes com questões teóricas
relacionadas à formação docente para a educação básica, alargamento do capital cultural, uso
de tecnologias digitais para inovação do ensino de Música e aspectos do sistema UAB.
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1 O ENSINO DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Um trabalho sobre música é necessariamente um trabalho sobre cultura, uma vez que a
música é uma linguagem artística culturalmente construída. Pesquisar sobre ensino e
aprendizagem de Música na educação básica e na formação de professores para a educação
básica é necessariamente (re)pensar a relação entre educação e cultura, pois música gera uma
interface da escola com a cultura.
Pensar sobre música é algo que se faz desde os primórdios, pois há diversas teorias
sobre o surgimento da música3. No século V a.C., quando Pitágoras desenvolveu a teoria da
série harmônica e formulou o quadrivium, “foi a primeira estrutura de ensino europeia a
aprimorar a educação enfocando sete temas essenciais, depois conhecidos como as sete artes
liberais” (MARTINEAU, 2014, p. 7).
O trivium estruturava a Gramática, a Lógica e a Retórica, enquanto o quadrivium
surgiu para expressar os números, primeiro pela Aritmética, segundo pela Geometria, terceiro
pela Harmonia (Música) e quarto pela Astronomia (Cosmologia). “O objetivo de estudar essas
disciplinas era ascender de volta à Unidade através de uma simplificação, baseada na
compreensão adquirida pela prática de cada área do quadrivium” (MARTINEAU, 2014, p. 8).
Platão e Aristóteles escreveram sobre música, assim como Tomás de Aquino e uma
série de outros filósofos que estudaram o quadrivium e desenvolveram seus raciocínios
através dele. A Mousikê (união de poesia, dança e música) tinha a função de alimentar o
espírito, enquanto a ginástica servia ao corpo e a retórica, à mente. No entanto, cabe destacar
que o conceito atual de música é parte do conceito de Mousikê.
A música começa a ser teorizada e a fazer parte da formação humana na academia. Os
que pensavam sobre a música especulativa (ou teórica) eram os musicus, que gozavam de
status social de pensadores, enquanto os que praticavam a música eram denominados
joculatores, considerados à margem da sociedade.
Durante o período medieval a música europeia era praticada nas igrejas e ensinada
através da scholae cantorum, privilegiando a prática vocal em uníssono (cantochão) por
homens e, por vezes, acompanhamentos uníssonos, já os menestréis praticavam as músicas
profanas. Em ambos os casos o ensino se dava pela transmissão do mestre para o aprendiz e
de forma predominantemente oral.
3 Não iremos aprofundar o tema, tendo em vista o objetivo da pesquisa. Para conhecer algumas das principais
teorias sobre as teorias do surgimento da música, ver Radocy e Boyle (2012).
21
Ao longo dos séculos, o ensino baseado no trivium e quadrivium continuou a ser
perpetuado nas sociedades ocidentais. Alguns países propagaram essas ideias gregas
colonizaram países e impuseram esse modelo de educação a diversos países ocidentais e
orientais. Com a globalização, há uma preocupação cada vez menor com o ensino de música e
demais artes em detrimento dos conhecimentos matemáticos, científicos e da língua vernácula
e inglesa – imposta como língua global.
Em 1798, com a criação do Conservatório de Paris, um novo modelo de ensino foi
instaurado, sendo replicado inicialmente em toda a Europa e, a posteriori, em todo mundo.
Esse modelo ainda predomina em alguns cursos universitários de Música – mesmo nos cursos
de Licenciatura em Música nas disciplinas ligadas à música de cunho prático e teórico-prático.
No Brasil, o ensino de música foi trazido inicialmente pelos jesuítas e, posteriormente,
ensinado nas igrejas. Após a construção dos primeiros teatros, foi fundado por Francisco
Manuel da Silva o Conservatório Nacional de Música do Rio de Janeiro em 1841, o qual foi
nomeado depois de Escola Nacional de Música. Atualmente, o prédio abriga a Escola de
Música da UFRJ.
As artes em suas diversas linguagens têm o papel de buscar uma compreensão de uma
verdade histórica4, e sua presença desde a educação básica pode desempenhar esse papel.
“Toda obra de arte apresenta um duplo caráter em indissolúvel unidade: é expressão da
realidade, mas ao mesmo tempo cria a realidade, uma realidade que não existe fora da obra ou
antes da obra, mas precisamente apenas na obra”. (KOSIK, 1986, p. 115).
A análise de uma obra de arte pode gerar um movimento dialético entre a busca da
verdade interior e exterior à obra, sendo possível compreendê-las como um conceito de
mediação cultural ou simbólica em expansão à mediação material e política (CIAVATTA,
2014).
Sobre a afirmação anterior, no caso específico da música, há de se questionar o que
seria precisamente a arte ou a obra de arte. Se tomarmos como referência os períodos
históricos da música entre o paleolítico até o século X europeu, antes da criação da notação
musical com a utilização de neumas5, na qual a transmissão através da escrita era precária e
sem objetividade rítmica, ou ainda se considerarmos quaisquer povos que não se utilizaram da
notação musical, mas sim da transmissão oral, se torna complexo, uma vez que o som – 4 Principalmente do ponto de vista da grandeza da arquitetura, que é a expressão da realidade e ao mesmo tempo
se cria uma nova realidade, as demais obras de artes, sejam visuais ou não, também podem ser compreendidas da mesma forma.
5 Sistema de notação musical anterior à escrita convencional tradicional conhecida como partitura. Tal sistema foi utilizado durante o periodo medieval e no século XI substituído pela partitura, que passa a conter rítmo preciso.
22
considerado como objeto artístico ou matéria prima da música – se perde no tempo, ao
contrário das artes visuais. Nesse sentido, é difícil determinar o instante histórico preciso do
nascimento da obra musical e como era esta obra sem que haja a preservação de uma notação
precisa dessa música.
Com a notação musical convencional, começa a ser possível uma datação histórica
mais precisa para a música ocidental. No entanto, uma execução musical através de partitura,
mesmo que com acesso ao manuscrito original, não consegue reproduzir objetivamente todas
as nuances e intenções do compositor, porque há um processo de subjetividade na
interpretação das dinâmicas, afinação, questões estilísticas e estéticas características de um
determinado período histórico musical e social, tornando impossível a reprodução fiel da obra
conforme a concepção original. Cabe atentar que a partitura da música contemporânea de
concerto pode trazer uma escrita com maior possibilidade de improvisação e flexibilização da
interpretação que as músicas europeias anteriores.
O ensino de Arte, no qual está inclusa a Música como uma de suas linguagens, deve
ter por objetivo uma melhor compreensão da cultura da sociedade em que vivemos, tanto a
nível local quanto global, incluindo tempos diversos da história. Realizar uma crítica sobre o
objeto artístico e compreender seu valor, seja na cultura massiva urbana ou na arte dita
erudita6 consagrada, precisa ser algo a ser construído através da cultura escolar. Tal debate
deveria ser realizado também como tema transversal a todas as disciplinas. Considerar a
cultura de massa e suas diversas subculturas como objeto de apreciação, crítica e prática nas
aulas precisa ser tão importante quanto estudar as grandes obras consagradas pela classe
dominante nas diversas linguagens artísticas ao se objetivar uma educação crítica.
Ao confrontar culturas distintas e trabalhar a questão da tolerância e transmissão de
valores culturais, o indivíduo compreende o conjunto de práticas e saberes de determinado
grupo. Estar fechado a outras culturas que fogem a zona de conforto do indivíduo pode gerar
conflitos raciais, religiosos e sociais. No caso da arte, o simples fato de se conhecer uma obra
de arte superficialmente durante uma aula, sem ter acesso à frequência de locais de arte –
6A discurssão entre arte popular e arte erudita é ampla e subjetiva e, por esse motivo, esse debate não cabe nessa
pesquisa. Entende-se para este trabalho a música erudita como enraizada nas tradições da música secular e litúrgica ocidental, principalmente europeia, e denominada pela classe dominante como música de concerto, também chamada de música erudita, música “séria” ou genéricamente clássica, considerada por seus críticos como complexa e supostamente atemporal. Em oposição a essa definição, a música popular então teria baixa complexidade, baixo valor artístico para as classes dominantes (e para os críticos da música erudita) e de duração ligeira, visando obter popularidade e ser amplamente difundida entre a população. Não é objetivo deste trabalho o autor concordar ou contestar uma definição empíricamente sedimentada e propagada na universidade e na sociedade, ou ainda propor o rompimento dessa barreira entre popular e erudito.
23
museus, sala de concerto, teatro, roda de samba, baile funk, etc. – gera um conhecimento raso
sobre a obra em questão.
Sem acesso aos mesmos privilégios culturais das classes dominantes, as classes
populares se veem reféns da indústria cultural e desprovidas de familiaridade ao aparato
cultural da cultura dominante – inculcado pela escola como universalmente válido e objeto de
consagração artística –, comprometendo a compreensão crítica das obras de arte dos artistas
considerados consagrados. Da mesma forma, o oposto também ocorre, gerando uma
antagonia de referência de valores que determinam o valor de uma obra como menos
importante – como a chamada música ligeira – atribuída pela classe dominante. Nesse
sentido: (...) Assim como a música desperta primeiramente o sentido musical do homem, assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido, é nenhum objeto, porque o meu objeto só pode ser a confirmação das minhas forças essenciais, portanto só pode ser para mim da maneira como a minha força essencial é para si como capacidade subjetiva, porque o sentido de um objeto para mim (só tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai precisamente tão longe quanto vai o meu sentido, por causa disso é que os sentidos do homem social são sentidos outros que não o do não social. [é] apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém-cultivados, em parte recém-engendrados. Pois não só os cinco sentidos, mas também assim como os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor, etc.), numa palavra o sentido humano, a humanidade do sentido, vem a ser primeiramente pela humanidade do seu objeto, pela natureza humanizada. (MARX, 2008, p. 110).
Só sentimos um objeto como pertencente a nós quando este existe como capital ou é
imediatamente possuído, comido, bebido, trazido ao nosso corpo, habitado por nós ou usado
(MARX, 2008, p. 108). Com isso, a educação deve ser uma práxis que leve à emancipação
dos seus sentidos e da qualidade humana, levando à introjeção da cultura dominante como
uma forma de se romper com a própria lógica interna da exclusão escolar. No entanto, o
aparato para romper a lógica deve ser transmitido ao aluno em linguagem clara e devem ser
levadas em consideração as diversas culturas presentes em sala de aula.
Ocorre que de forma análoga ao discurso proferido por Karl Marx (2008), as Artes –
incluindo a música –, independente das análises formais estéticas, possuem também a função
de promover o lado emotivo do ser humano. Se tal concepção de educação outrora era tão
importante na formação do indivíduo, o mesmo não ocorre atualmente, pois no Brasil a escola
prioriza o lado científico, o ensino enciclopédico calcado em conteúdos, principalmente no
ensino médio. Essa afirmação pode ser constatada ao se observar na grade de disciplinas de
uma escola uma assimetria da quantidade de horas dedicadas às disciplinas científicas ou
24
técnicas comparadas às disciplinas relacionadas às artes, culturais ou que envolva atividades
físicas.
No entanto, se a educação for utilizada como aparelho ideológico do Estado para
impor alienação aos alunos, a escola reproduz os conceitos escolásticos tradicionais, logo não
induzirá a aquisição do capital cultural necessário, realizando então a reprodução da violência
simbólica e da manutenção de classes: Em toda a sociedade civilizada existem necessariamente duas classes de pessoas: a que tira sua subsistência da força de seus braços e a que vive de renda de suas propriedades ou do produto de funções onde o trabalho do espírito prepondera sobre o trabalho manual. A primeira é a classe operária; a segunda é aquele que eu chamaria de classe erudita. Os homens da classe operária têm desde cedo necessidade do trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam adquirir desde cedo o conhecimento, sobretudo, o hábito e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo na escola. (...) Os filhos da classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muita coisa a aprender para alcançar o que se espera deles no futuro. Necessitam de um certo tipo de conhecimento que só se pode apreender quando o espírito amadurece e atinge determinado grau de desenvolvimento. (...) Concluamos, então, que em todo Estado bem administrado e no qual se dá devida atenção à educação dos cidadãos, deve haver dois sistemas completos de instrução que não têm nada em comum entre si (DESTUTT DE TRACY, 1917, tomo I, apud FRIGOTTO, 2013, p. 2).
Tal ideologia pode reproduzir uma tendência dualista, conforme citação anteriormente
exposta. De forma análoga, o que se almeja atualmente em educação básica é uma formação
profissional técnica para a classe operária na escola pública, com o único intuito de formar
mão de obra para o mercado de trabalho, na qual a arte, assim como a filosofia e sociologia
são vistas como um certo “luxo” e não devem dispender muito o tempo do aluno.
A cultura da escola tem por função, objetivamente, conservar e inculcar ao aluno o
que se reduz à relação com a cultura que se encontra investida de uma função social de
distinção, só pelo fato de as condições de aquisição serem monopolizadas pelas classes
dominantes. O conservadorismo pedagógico, que em sua forma externa não assinala outro fim
ao sistema de ensino senão o de conservar-se idêntico a si mesmo, é o melhor aliado ao
conservadorismo social e político, já que, sob aparência de defender os interesses de um corpo
particular e de autonomizar os fins de uma instituição particular, ele contribui, por seus efeitos
diretos e indiretos, para a manutenção da “ordem social”. (BOURDIEU; PASSERON, 2014).
Nesse sentido, ao olharmos criticamente o projeto de educação no Brasil,
concordamos com Darcy Ribeiro ao afirmar que “a crise educacional do Brasil da qual tanto
se fala, não é uma crise, é um programa. Um programa em curso, cujos frutos, amanhã,
falarão por si mesmos”. (RIBEIRO, 2013, p. 20).
No presente capítulo, será apresentado um debate sobre o ensino de música na
educação básica e, a partir disto, pensar a formação desse professor de Música. Na seção 1.2,
25
será realizada uma discussão sobre a caracterização do ensino de música e suas diferenças
entre ensino de instrumento e musicalização, além de apontar uma perspectiva histórica da
legislação sobre ensino de música. Na seção 1.3 iremos expor uma perspectiva histórica do
ensino de música e as implicações metodológicas. Na seção 1.4 iremos buscar elementos que
caracterizem o professor do século XXI e discutiremos perspectivas a serem adotadas. Para
alcançar a finalidade da presente pesquisa, iremos propor uma perspectiva de ensino de
música calcada no multiculturalismo que possa ampliar o capital cultural do aluno, que será
discutido na seção 1.1.
1.1 Música: educação e cultura
O discurso por alusão e elipse que caracteriza a dissertação modal supõe a cumplicidade em e pelo mal-entendido que define a relação pedagógica em sua forma tradicional: emitindo numa língua que é pouco ou nada compreendida, o professor não deveria, em boa lógica, compreender o que lhe retrucam os estudantes; entretanto, do mesmo modo que, como observa Max Weber, a legitimidade estatutária do padre faz com que a responsabilidade do revés não recaia nem sobre o Deus nem sobre o padre, mas só sobre a conduta dos devotos, assim o professor que, sem confessá-lo e sem inferir todas as consequências, suspeita não ser perfeitamente compreendido pode, tanto quanto a sua autoridade estatutária não for contestada, considerar os estudantes como responsáveis quando não compreende suas palavras. (BOURDIEU; PASSERON, 2014 , p. 141).
O processo de apropriação cultural por parte do aluno é um processo de sustentação da
nação. Há diferentes manifestações da cultura que concorrem para distintos objetivos:
enquanto há traços culturais que marcam um processo de construção de uma identidade
nacional, há traços de cultura que determinam traços de classes sociais. Pierre Bourdieu trata
a cultura como uma forma de capital, que ele chama de capital cultural.
Pensar em ensino de música para a educação básica atual gera uma discussão
inevitável sobre a estética musical e metodológica. Considerar a escola como instituição
responsável por transmitir uma cultura dominante implica em conhecimentos musicais,
artísticos e culturais subestimados ou deslegitimados de acordo com os gostos e costumes da
classe dominante, que devem ser absorvidos pelos alunos independentemente de seu contexto
social.
Essa realidade inflige ao aluno aquilo que Pierre Bourdieu chama de violência
simbólica, forma de coação de uma imposição social ou simbólica fundada que induz o
indivíduo a se posicionar segundo critérios e padrões de discurso dominante de caráter
socialmente determinado e arbitrário. A escola é historicamente monocultural e responsável
por legitimar e transmitir esse arbitrário cultural ao aluno, o qual consiste na inculcação de
26
valores e normas de concepção cultural da classe dominante imposta a toda sociedade através
da formação escolar, reproduzido ao longo de sua vida – mesmo após a educação escolar.
Conforme concepção de Pierre Bourdieu, sendo o ambiente escolar o campo onde
ocorrem interações sociais entre indivíduos, grupos e estruturas sociais e onde também
ocorrem disputas dentro do mesmo espaço simbólico, gerando assim um código de valores
reconhecidos pela autoridade – nesse caso, o professor detentor do capital cultural dominante
–, o habitus legitima as ações e critérios em disputa dentro do campo através de um esquema
de ação, percepção e reflexão absorvida através do corpo da mente. Todas as vezes que duas populações, dois grupos de indivíduos, mas de cultura desigual, encontram-se em contato seguido, desenvolvem-se certos sentimentos, que predispõem o grupo mais cultivado, ou que se crê mais cultivado, a violentar o outro. Entre mestres e alunos há a mesma distância que entre duas populações de cultura desigual. E mais ainda, é difícil que possa haver, algum dia, entre dois grupos de consciência, uma distância mais considerável do que essa, já que uns são estrangeiros à civilização, enquanto os outros estão completamente impregnados dela. Entretanto, por sua própria natureza, a escola aproxima-nos estreitamente, põe-nos em contato de uma maneira constante. Quando se está perpetuamente em relação com indivíduos aos quais se é moral e intelectualmente superior, como não ter de si um sentimento exagerado, que se traduz no gesto, na atitude, na linguagem. (DURKHEIM, 1984, p. 162-163).
Segundo Pierre Bourdieu, o Habitus é um “sistema de disposições socialmente
constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio
gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de
agentes” (BOURDIEU, 2007c, p. 191).
Partindo do conceito de habitus de Bourdieu e o adjetivando como conservatorial para
relacionar a instituição histórica do conservatório, M. V. M. Pereira (2012) aponta o habitus
conservatorial presente na formação de professores, caracterizando-se por ser a matriz das
ideias e procedimentos expressos pelo currículo que determina e é determinado pela cultura
escolar do ensino superior de Música, legitimando a música erudita como a arte autêntica,
caracterizando a fruição de seu próprio campo estético e, assim, tomando a escrita musical e
as disciplinas teóricas como indispensáveis e as separando da prática, dificultando sua
inserção perenal em escolas de educação básica. Tal ideia é reforçada por Vandenberghe (2006), que ressalta que esta relação entre habitus e campo não é puramente circular. Nesta esteira, o habitus não simplesmente reproduz as estruturas. O modelo é ideal-típico, o que significa que ele nunca ocorre na realidade e, portanto, é puramente heurístico (ideia diretriz na pesquisa dos fatos). Desta forma, compreendemos o conceito de habitus conservatorial como uma descrição típico-ideal das modalidades de valoração musical que organizam as práticas de seleção e distribuição de conhecimento musical. O conceito abrange ainda a concepção de formação de professor de música, baseada nestes esquemas de valoração e organização das práticas, que legitimam a música erudita ocidental e seu valor inerente como conhecimento oficial específico a ser incorporado pelos agentes. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 135).
27
São disposições do ethos conservatorial:
- tendência a organizar as práticas de formação do músico para atuação profissional ou diletante no campo artístico; - forte propensão a compreender este processo de formação aos moldes dos ofícios medievais, onde a figura do professor é atribuída ao mestre, máximo conhecedor de sua arte; - inclinação para o favorecimento do individualismo, tanto no processo de ensino quanto na atuação musical (fábrica de solistas virtuoses); - tendência a forte enquadramento e forte classificação na organização curricular; - favorecimento da música erudita ocidental na seleção do conhecimento oficial; - supremacia do letramento musical; - tendência à valorização da performance em detrimento de outras áreas de formação (disposição ligada intrinsecamente à formação do músico como objetivo final do processo); - inclinação à separação disciplinar da teoria e da prática, mantendo-se a posição propedêutica da primeira em relação à segunda; - propensão à seletividade. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 146).
M. V. M. Pereira (2012, p. 230) conclui que o habitus conservatorial encontra-se
presente nos currículos das Licenciaturas em Música, modalidade presencial, analisadas em
sua pesquisa, sendo o foco do habitus conservatorial a performance. O currículo dessas
instituições tende a acreditar que o bom professor é necessariamente o bom músico e por isso,
as disciplinas de educação ocupam um lugar menos privilegiado no currículo – o termo
“músico professor” caracteriza uma formação técnica, artística, estética e profissional com
apelo à performance e o termo “professor de música” caracteriza profissionais preparados
para o ensino de música no espaço escolar. (PEREIRA, M. V. M., 2012). São características
do ensino conservatorial: - o ensino aos moldes do ofício medieval; - o músico professor como objetivo final do processo educativo (artista que, por dominar a prática de sua arte, torna-se o mais indicado para ensiná-la); - o individualismo no processo de ensino: princípio da aula individual com toda a progressão do conhecimento, técnica ou teórica, girando em torno da condição individual; a existência de um programa fixo de estudos, exercícios e peças (orientados do simples para o complexo) considerados de aprendizado obrigatório, estabelecido como meta a ser alcançada; - o poder concentrado nas mãos do professor
- apesar da distribuição dos conteúdos
do programa se dar de acordo com o desenvolvimento individual do aluno, quem decide sobre este desenvolvimento individual é o professor; a música erudita ocidental como conhecimento oficial; a supremacia absoluta da música notada – abstração musical; a primazia da performance (prática instrumental/vocal); - o desenvolvimento técnico voltado para o domínio instrumental/vocal com vistas ao virtuosismo; a subordinação das matérias teóricas em função da prática; - o forte caráter seletivo dos estudantes, baseado no dogma do ‘talento inato’. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 124).
Cabe atentar que tais paradigmas tentam ser quebrados com os princípios de modelo
de aprendizagem proposto por Green (2002), observadas a partir do ensino informal, na qual a
autora propõe um ensino paradoxal às características conservatoriais. Tais práticas
conservatoriais estão presentes na construção dos currículos universitários.
28
Trazendo a discussão do habitus conservatorial para a discussão curricular, é importante reconhecer que a noção de habitus confere uma interpretação mais dinâmica à compreensão das práticas conservatoriais. A compreensão destas práticas como um modelo reproduzido ad eternum não parece satisfatória, pois engessa-se num mecanismo reprodutivista e determinista. O modelo conservatorial é entendido como algo sólido, acabado, enquanto que o habitus indica que estas práticas são constantemente reproduzidas, atualizadas, e estas recriações das práticas se dão sempre a partir de uma matriz durável que não é estática. Neste sentido, como observado pela análise curricular aqui delineada, o conservatório não está sendo reproduzido, mas, tem orientado a construção curricular e suas propostas de reação a ele. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 150).
Uma vez que o habitus conservatorial dificulta a compreensão da música como
fenômeno social (PEREIRA, M. V. M., 2012), permanece a antinomia do fenômeno social da
música não ser tratado em aulas de música, pois sua análise seria reservada às disciplinas das
ciências sociais e humanas, não havendo assim uma práxis.
O habitus conservatorial legitima o conhecimento erudito através da hierarquização
das disciplinas de um curso superior de Música, de modo que a História da Música seja
necessariamente a ocidental, a Análise Musical tenha sempre repertório e padrão analítico
voltado para a música erudita e a Harmonia tenha regras datadas do barroco musical e com
isso a notação musical ocupa lugar central, onde seus princípios de organização formal como
o tonalismo e o contraponto tornam-se um jogo de regras “matemáticas” que produz o
paradoxo de tornar o aprendizado musical mais visual que auditivo (PEREIRA, M. V. M.,
2012).
O objetivo da formação em Licenciatura em Música não é formar músicos concertistas,
tal qual no Bacharelado em Música com foco em música erudita 7 . É indiscutível a
importância da escrita musical para um músico e para a ampla compreensão do processo
musical. No entanto, quando em um curso de Licenciatura em Música há grande ênfase na
leitura e escrita musical, questões importantes relacionadas a aprendizagem na educação
básica são deixadas de lado na graduação. A notação musical é entendida como veículo de uma cultura consagrada, preservada pelos conservatórios, que os professores tratam como se fosse compartilhada por todos, não só seu significado, mas também a relação com estes significados. Esta certeza é (ou deveria ser) garantida pela certificação concedida aos alunos pela prova de habilidades específicas e, se não, pelas disciplinas como a Introdução à Música. A questão envolvendo um currículo de licenciatura em Música se agrava quando pensamos no ensino de música voltado para a educação básica, que vive um processo de democratização do seu acesso. Esta massificação da escolarização implica em problemas com uma forma de ensino que se destina a um pequeno grupo de herdeiros. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 184).
7 Atualmente é possível encontrar cursos de Música com grau de Bacharelado em Música Popular Brasileira
(UNIRIO), Bacharelado em instrumento como Cavaco e Bandolim (UFRJ), que são tipicamente de música popular, ou mesmo instrumentos denominados populares, como o Bacharelado em Piano Popular (Conservatório Brasileiro de Música) ou outros.
29
Faz-se necessária formação de um professor de música que compreenda cultura nos
distintos extratos sociais, que considere o multiculturalismo presente no ambiente escolar
buscando os traços culturais como amálgama da nação, como traço unificador de
pertencimento nacional. Por outro lado, a cultura contém traços que dão o sentido de nação,
mas também possui elementos delimitadores de classes sociais. A cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade em seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Este efeito ideológico, produ-lo a cultura dominante dissimulando a função de divisão na função de comunicação; a cultura que une (intermediário de comunicação) também é a cultura que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante. (BOURDIEU, 1989, p. 10-11).
Partindo do pressuposto que a apropriação cultural por parte do aluno é um elemento
central a ser alcançado no ensino de Música na educação básica, questionamos se atualmente
os cursos de Licenciatura em Música estão alavancando o capital cultural dos alunos. Para
isso, o conceito de capital cultural será ampliado.
Bourdieu apresenta o conceito de capital cultural como uma das formas possíveis de
capital. Diferente do capital econômico ou capital social, o capital cultural está ligado ao
conhecimento, que é determinado pela cultura adquiridas através da família, da escola e das
relações sociais, que possuem forte relação com a classe social ao qual pertencem, assim
como o nível escolar e profissão dos pais. O acesso a esse capital cultural transmitido pela
escola apresenta a forma de reprodução dos valores da classe dominante, sendo a cultura
erudita tomada como padrão e legitimada pela instituição escolar.
Ocorre que essa transmissão é feita sem levar em consideração a cultura prévia do
aluno no trabalho pedagógico primário – trabalho realizado pela família e demais pessoas
que convivem com o aluno. Nesse caso, a linguagem adotada pelo professor detentor da
autoridade pedagógica que legitima seus saberes desconsidera o acesso à cultura erudita,
incluindo o acesso às artes e à literatura, tratando todos os desiguais de forma padronizada.
Por conseguinte, o fracasso escolar é atribuído pela escola e pelo juízo professoral como falta
de esforço por parte do aluno, atribuindo a meritocracia aos alunos que se esforçaram para
passar nos exames escolares.
Bourdieu (2000) identifica três formas distintas de capital: capital cultural incorporado,
objetivado e institucionalizado.
30
O capital cultural incorporado significa interiorização da acumulação de cultura por
um indivíduo e, por isso, não é transmissível a outros e necessita de tempo para aquisição e de
uma necessidade intrínseca de aquisição de uma libido pelo saber, que é socialmente
construído e envolve privações e renúncias em prol desta aquisição (BOURDIEU, 2000).
O capital cultural incorporado pode ser transmitido de forma inconsciente e através da
educação informal ou não formal. Por estar atrelado a singularidade biológica, não pode ser
herdado, no entanto, pode ser transmitido por vida de herança social e pelo capital cultural
incorporado por toda a família transmitida no início da infância (BOUDIEU, 2000).
O capital cultural objetivado está na relação entre os objetos em suporte físico e a
aquisição do capital cultural incorporado. São livros, discos, pinturas, instrumentos musicais e
outros. Cabe ressaltar que atualmente esses objetos podem existir através de formato digital,
sem suporte físico. Todavia, esses objetos por si só não são capazes de oferecer transmissão
de capital cultural, devendo o detentor dos bens culturais se apropriar destes bens materiais
através do capital econômico e dos bens simbólicos.
Bourdieu (2000) aponta que os materiais são vistos como meios de produção para
aquisição de maior capital cultural através da posse do capital cultural incorporado, devendo o
dono de estes dois capitais possuir ambos para conseguir efetivar a aquisição de capital
cultural, ao contrário do capital econômico, que basta que seja detentor dos meios de
produção. O autor ainda aponta que há o grupo dos dominados, que vendem seu capital
cultural em forma de produtos e serviços aos proprietários dos meios de produção. Nesse
sentido, o capital cultural objetivado: Subsiste como capital simbólico e concretamente ativo e eficaz apenas à medida que o agente se apropria e o utiliza como uma arma e equipamento em disputas que ocorrem no campo da produção cultural (arte, ciência, etc.) e, mais além, no campo das classes sociais. Lá os agentes põem suas forças em jogo e obtêm benefícios proporcionais ao nível de sua capacidade para dominar o capital cultural objetivado. (BOURDIEU, 2000, p. 146).
A libido pelo saber pode ser explicada pela motivação intrínseca de busca pelo
conhecimento apenas para satisfazer uma necessidade intelectual no que toca o capital
cultural incorporado (BOURDIEU, 2000, p. 139). Entretanto, essa busca por conhecimento
pode ter motivação extrínseca no desejo de um diploma acompanhado de uma expectativa de
aumento de capital financeiro. Nesse sentido, há um desejo pela conversão do capital cultural
em capital econômico. A mútua conversibilidade dos diferentes tipos de capital é o ponto de partida de estratégias destinadas a assegurar a reprodução do capital (e da posição ocupada no espaço social) com o menor custo de conversão possível de capital (trabalho de conversão e perdas inerentes à própria conversão). Os diferentes tipos de capital são
31
diferenciados de acordo com reprodutibilidade, isto é, em termos de facilidade com que eles podem ser transmitidos. (BOURDIEU, 2000, p. 161).
O capital cultural institucionalizado ocorre na forma obtenção de títulos acadêmicos,
que certifica a seu portador um valor duradouro e com validade legal de forma intransferível.
Através desse diploma, ocorre o reconhecimento do capital cultural possuído por determinada
pessoa. Dessa forma, “através da magia coletiva (...) se institucionaliza uma diferença
essencial entre o último candidato aprovado e o primeiro reprovado, que separa a competência
oficialmente reconhecida e garantidora do simples capital cultural”. (BOURDIEU, 2000, p.
147). Com isso, em uma instituição de educação básica ou superior que institui uma média 6
para aprovação, se confere o status de aprovado ao aluno que tirou 6,1 e reprovado ao aluno
com 5,9. Esses dois décimos separam institucionalmente o aluno taxado como mediano e apto
do aluno regular e não apto por meio dessa “magia” apontada por Bourdieu.
Bourdieu (2000) explicita que, pelo investimento de um valor em dinheiro para se
obter o diploma, torna-se possível um tipo de conversão entre o capital cultural e capital
financeiro, sendo necessário tempo para obtenção deste capital cultural como elemento de
conexão entre ambos. Outra conversão possível é de capital social em capital cultural, já que a
rede de relações pode contribuir para o acesso aos bens culturais, principalmente se o sujeito
pertencer à classe dominante – logo, possuidor de capital financeiro. Nesse sentido, uma
criança nascida em uma família com pais tendo grande pertencimento de capital cultural –
como professores ou outras profissões de nível superior – haverá por parte destes o
investimento do capital financeiro em boas escolas e universidades, a fim de garantir a
conversão futura do capital cultural em capital financeiro para perpetuação do padrão de vida
do(s) filho(s).
A posse de capital financeiro pode então ser um fator determinante, tendo em vista sua
possibilidade de conversão em capital cultural. Ter dinheiro possibilita acesso ao capital
cultural objetificado e possibilita a manutenção em cursos superiores para conseguir o
diploma – capital cultural institucionalizado. No entanto, o capital cultural incorporado é algo
a ser conquistado por esforço individual, e não há a possibilidade de ser obtido somente
através da conversibilidade do capital financeiro. Portanto, por um lado a classe social é
crucial para determinar o sucesso escolar, pois cria condições propícias de acesso e
permanência nos estudos, mas por outro esta por sí só não fornece nenhuma garantia de
sucesso.
32
No campo8 do ensino superior, a falta desses capitais pode gerar dificuldades de
acesso, permanência e conclusão dos cursos, corroborando para o fracasso acadêmico. O
baixo ingresso de alunos ocorre pelo nível de complexidade das disciplinas de ciências exatas
– como os cursos de engenharias –, devido à dificuldade de assimilação desses conteúdos
pelos alunos9, além dos Testes de Habilidades Específicas (THE) ocorrido nos curso de
arquitetura, moda, design e nos diversos cursos de bacharelados e licenciatura em artes em
suas diversas linguagens10.
A dificuldade de permanência ocorre nos cursos que possuem disciplinas que possuem
ethos de alto índice de reprovação ou por dificuldade de manutenção financeira, como nos
cursos em que é necessário que o aluno compre materiais e livros de alto custo, incompatível
com um padrão de vida econômico de classes mais baixas, mesmo nas universidades públicas.
A dificuldade de conclusão ocorre em cursos em que há requisitos posteriores ao
término da graduação para obtenção do diploma ou habilitação profissional, como, por
exemplo, o concurso de Residência para os médicos e a realização de exames como o da
Ordem dos Advogados do Brasil como condição para deixar de ser Bacharel em Direito e
atuar como advogado.
No caso de um curso de Licenciatura em Música, a ausência da frequência a concertos
e shows em período anterior ao ingresso na universidade gera no aluno uma dificuldade em
obter melhor compreensão dessa linguagem – baixo capital cultural incorporado. Para
ingressar na universidade, o THE testa o aluno em conhecimentos de teoria musical, solfejo,
percepção musical e performance vocal ou instrumental, deixando de lado questões de
história da música ou outra produção textual crítica sobre música. Dessa forma, é importante
diferenciar o conceito de habitus do conceito de capital cultural: O capital cultural enquanto habitus, conforme os exemplos apresentados até aqui, não vai muito além da ideia de que existe uma subcultura de classe que auxilia o processo de reprodução social. Entretanto, o conceito de capital cultural também é utilizado por Bourdieu numa acepção um pouco diferente. Capital cultural indica acesso ao conhecimento e informações ligadas a uma cultura específica; aquela que é considerada como a mais legítima ou superior pela sociedade como um todo. Uma das características consideradas típicas do grupo dominante é conseguir se legitimar e legitimar sua cultura como a melhor, i.e., a que tem valor simbólico. Também a classe dominante teria o poder de delimitar as informações que serão ou não incluídas no conjunto das informações legítimas. (...) Assim, novas tendências vão garantir que o acesso à cultura legítima seja facilitado a uns - pela familiaridade e sensibilidade e adquirida com o habitus - e dificultada a outros - aos que estão
8 Campo é um conceito utilizado por Pierre Bourdieu para fazer referência ao espaço simbólico onde ocorre a
luta de seus agentes e ocorre o poder simbólico. 9 Talvez por uma falta de metodologia com linguagem clara ao aluno e a correlação com elementos cotidianos do
aluno. 10 A propensão à seletividade é um dos argumentos apontados por M. V. M. Pereira (2012) para o habitus
conservatorial.
33
socialmente distantes e internamente despreparados pela ausência do habitus. (SILVA, 1995, p. 27).
Nesse sentido, sendo o habitus um “sistema de disposições, ele inclui tanto formas de
percepção do mundo social mais ligadas à estruturas de personalidade, quanto formas de
apreciação mais ligadas a gostos, preferências, escolhas” (SILVA, 1995, p. 25), no qual há a
legitimação dos gostos das classes dominantes. O habitus conservatorial faria com que a música erudita figurasse como conhecimento legítimo e como parâmetro de estruturação das disciplinas e de hierarquização dos capitais culturais em disputa. Neste caso, a História da Música se referiria à história da música erudita ocidental, o estudo das técnicas de análise teria como conteúdo as formas tradicionais do repertorio erudito, a Harmonia corresponderia, na maioria dos casos, ao modo ocidental de combinar os sons, investigando, quase sempre, as regras palestrinianas que datam do barroco musical. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 128).
Como consequência do alargamento do ingresso nas escolas públicas brasileiras para
as classes populares pelas políticas públicas de inclusão, o arquétipo de aluno idealizado
começa então a conviver com diferentes culturas presentes nas camadas populares. A classe
média então migra para as escolas particulares e o ensino público se mantém tradicional e
elitista, o que começa a gerar uma dificuldade para lidar com o arbitrário cultural dominante
presente na escola pública descontextualizado do cotidiano do aluno. Nesse sentido, torna-se
importante se pensar em uma educação multicultural, adaptada a uma realidade de educação
que não pode mais sobreviver tentando impor “pacotes”, modelos nos quais os alunos devem
se moldar e aceitar tudo prontamente sem levantar questionamentos.
Nesse sentido, compreender a multiculturalidade é um desafio não somente para o
professor de música, como para todos os professores. Para compreender o termo e sua
diferenciação com o multiculturalismo, Lazzarin assevera: O termo “multicultural” designa a característica de sociedades formadas por múltiplas comunidades culturais, que convivem entre si. Por ‘multiculturalismo’ entende-se certas abordagens de como os problemas e conflitos, gerados pela convivência entre essas comunidades ‘originais’, podem ser administrados. Portanto, o multiculturalismo constitui-se em uma dentre várias possibilidades de abordagem da multiculturalidade (LAZZARIN, 2008, p. 122).
Sendo o Brasil um país que já foi colonizado por portugueses e com a participação de
vários outros povos em seu processo histórico, as culturas tradicionais convivem com outras
culturas separadas por classes sociais. A escola liberal tradicional é monocultural e não
consegue olhar para as culturas não dominantes, priorizando o ensino cognitivo científico e a
transmissão do conhecimento curricular estático.
Segundo Candau (2008), há três abordagens para o multiculturalismo: o
multiculturalismo assimilacionaísta, no qual todos os grupos não têm o mesmo acesso aos
34
serviços, bens e direitos que outros grupos; o multiculturalismo diferencialista ou plural, que
propõe colocar ênfase no reconhecimento das diferenças, com uma visão estática e
essencialista da formação de identidades culturais que, na prática, favoreceu a criação de
apartheid socioculturais; e a perspectiva intercultural, na qual há uma promoção da inter-
relação entre diferentes grupos culturais concebidas em um contínuo processo de elaboração,
construção e reconstrução, não fixando as pessoas em determinados padrões culturais
engessados, compreendendo as raízes culturais como históricas e dinâmicas, favorecendo a
hibridização cultural e compreendendo que as culturas não são “puras”, tornando-se
consciente dos mecanismos de poder que permeiam essas culturas, propondo um
reconhecimento do “outro” para o diálogo, enfrentando os conflitos provocados pela
assimetria de poder entre esses diferentes grupos. A assunção da centralidade da cultura no plano do pensamento e da produção do conhecimento nas diferentes áreas disciplinares e interdisciplinares implica, assim, uma escolha que extrapola, ou melhor, que é anterior à escolha de possíveis interlocuções teóricas, conceitos centrais ou enfoques disciplinares. Operar com o conceito de cultura, nessa perspectiva, passa a ser uma condição de pensamento, um princípio orientador de leitura do mundo. Importa sublinhar que essa revolução conceitual foi sendo incorporada no âmbito de novos campos interdisciplinares de investigação bem como nas disciplinas tradicionais, por meio de movimentos de continuidades e rupturas em relação a algumas tradições já presentes no campo das ciências sociais, nas quais as questões do significado e do simbólico já ocupavam um lugar de destaque. Vale ressaltar, também, que esse movimento de incorporação far-se-á igualmente em função das respectivas especificidades dos campos de estudo, suscitando diferentes questões que serão significadas em função do sistema de significação teórica hegemônico em um determinado campo, no momento em que elas emergem como objetos de reflexão. (GABRIEL, 2008, p. 220).
Sendo assim, a partir do momento que a escola faz escolhas dos conteúdos, métodos e
organização de ensino sem levar em conta a diversidade cultural dos grupos que dirige,
reproduz o caráter monocultural assimilacionaísta da classe dominante, formando o que
Candau (2008) chama de daltonismo cultural, pois não enxerga o “arco-íris de culturas”
existentes naquele ambiente, adotando uma política escolar discriminatória e excludente.
Nesse sentido: Algumas destas implicações para os alunos/as, principalmente aqueles/as oriundos de contextos culturais habitualmente não valorizados pela sociedade e pela escola, são: a excessiva distância entre suas experiências socioculturais e a escola, o que favorece o desenvolvimento de uma baixa autoestima, elevados índices de fracasso escolar e a multiplicação de manifestações de desconforto, mal estar e agressividade em relação à escola. (CANDAU, 2008, p. 27).
Swanwick (2003) propõe que cada “sotaque” musical diferente seja igualmente válido
e que nenhum seja considerado essencialmente bom, pois “a música é ‘boa’, ‘certa’ ou
‘oportuna’ dependendo de quão bem ela funciona em ação, como práxis”. (SWANWICK,
2003, p. 39).
35
Longe de ser meramente um espelho, então, uma cópia de nossa sociedade em particular, o discurso musical pode ser também uma janela através da qual podemos vislumbrar um mundo diferente. Como todas as formas de discurso, a música liga o espaço entre indivíduos e entre diferentes grupos culturais. (...) embora a realização musical efetivamente desperte em um contexto social, ela é também ‘um modo único e diferente pelo qual as pessoas podem tanto se dar conta como transcender sua existência social. (SWANWICK, 2003, p. 42, grifo nosso).
O capital cultural adquirido irá determinar alguns gostos e maneiras do indivíduo se
comportar, falar, vestir-se ou mesmo gesticular. Dentro desses comportamentos sociais
adquiridos haverá diversas ramificações de comportamentos generalizadamente massificados
e impostos pela indústria cultural, pois há uma construção coletiva de identidade, porém com
a prevalência do sujeito, amplificada pela busca de gostos em redes sociais e outros meios de
comunicação.
Ademais, é comum se pré-conceber que em escolas públicas do subúrbio da cidade do
Rio de Janeiro os alunos gostem de funk. Tal fato se torna uma concepção idealizada desse
aluno. No entanto, por motivos religiosos, familiares ou culturais podem ocorrer gostos
musicais diferentes em indivíduos ou grupos. Dentro dos próprios gêneros musicais populares
é comum que os indivíduos se sintam pertencentes a “tribos” e usem roupas e vocabulários
para se identificar dentro daquele grupo.
Swanwick (2014) conceitua valoração como a aceitação de outro padrão musical
imposto por rotulações culturais – como “música de alto status” ou de tradição “séria” – e
com uma predisposição para transpor fronteiras musicais e aceitar as expectativas estruturais
dessa cultura ou subcultura. Sendo assim: Então, o objetivo final de um currículo de música não é transmitir uma seleção arbitrária ou limitada de valores idiomáticos, mas quebrar os limites dos ‘mundos restritivos da realidade culturalmente definida’ e promover a ‘crítica imaginativa’, tornando públicos procedimentos e critérios. (SWANWICK, 2014, p. 151).
Portanto, as classes populares devem romper com essa lógica para incorporar o capital
cultural dominante e então conseguir o status necessário para a superação desse sistema. Uma
vez que as classes populares detêm os conhecimentos reservados a elite, incluindo aspectos
culturais e artísticos, esta passa a ocupar o poder, e então consegue propor mecanismos de
libertação do oprimido.
Segundo Silva (2000), nossa identidade não é uma essência, um fato, ela não é fixa,
estável, homogênea, acabada e permanente, mas sim instável, contraditória, inacabada,
fragmentada e possui estreitas relações com as estruturas de poder, sendo uma construção um
processo, uma relação.
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Para Mancebo (2009), o consumo de massa e o conformismo cultural induzem a uma
estabilidade e maior velocidade que interferem em diversos âmbitos do cotidiano, como
trabalho, lazer, vida familiar, relacionamentos afetivos, que modificam as subjetividades,
delineando uma dinâmica subjetiva consumista que remete ao rápido envelhecimento do novo,
lidando com a descartabilidade e obsolescência programada.
Ao traçarmos um paralelo, podemos constatar a grande dificuldade dos professores
estarem por dentro da música “da moda”, já que a velocidade de sucessos da música popular
também acompanham essa fluidez de informações típica da pós-modernidade. Nesse sentido,
esta rápida mudança dos sucessos musicais entre alunos continua a ser vista pelo professor
como música “ligeira”, inferior aos “clássicos” imortalizados da MPB, jazz e música erudita,
entre outras e, por esse motivo, não são consideradas dignas de fazerem parte do repertório de
uma aula de música para a educação básica.
Na Inglaterra, houve uma tentativa de inserção das músicas populares nas escolas,
fenômeno que se replicou de forma semelhante, gerando um simulacro: Mais recentemente, em uma tentativa de reconhecer a realidade dessa música “lá de fora”, elementos da música popular entraram em cena na educação formal. Mas, para tornar-se respeitável e apropriadamente institucionalizada, a música popular tem de ser modificada, abstraída e analisada para se adequar às salas de aula, aos horários fixos e aos objetivos da educação musical. O impacto do nível de volume é reduzido, dançar é impraticável e o contexto cultural é excluído. Durante esse processo redutivo, a atividade frequentemente torna-se o que Ross chama “pseudomúsica” (SWANWICK, 2003, p. 52).
Quando se possui um pensamento, como o existente entre os professores de Arte, de
que a cultura deve ser o fio condutor para o pensamento artístico, o diálogo pode ser mais
fácil entre a comunidade escolar, ao invés de se focar somente no estudo da música –
performance, teoria, harmonia e arranjos. Porém, com o habitus conservatorial na formação
do professor de Música e um pensamento tecnicista desligado da prática das demais
linguagens artísticas, esse fio condutor pode ser perdido. Sendo assim: Contrariamente a sua representação empobrecida da violência simbólica que uma classe exerce sobre uma outra pelo intermediário da educação (representação comum, paradoxalmente, àquelas que denunciam uma dominação ideológica reduzida ao esquema da ingestão forçada e àquelas que denunciam uma dominação ideológica reduzida ao esquema da ingestão forçada e àquelas que dissimulam deplorar a imposição aos filhos dos ‘meios modestos’ de uma ‘cultura que não é feita para eles’), uma AP [ação pedagógica] dominante tende menos a inculcar a informação constitutiva da cultura dominante (nem que fosse pelo fato de que o TP [trabalho pedagógico] tem uma produtividade específica e uma duração tanto mais fraca quanto mais se exerce sobre grupos ou classes situados mais baixo na escala social) do que a inculcar o fato realizado da legitimidade da cultura dominante. Por exemplo: interiorizando naqueles que estão excluídos do número de destinatários legítimos (seja na maioria das sociedades, antes de toda educação escolar, seja durante os estudos) a legitimidade de sua exclusão; impondo o reconhecimento, por aqueles que ela relega a ensinos de segunda ordem, da inferioridade desses ensinos e
37
daqueles que os recebem; ou ainda inculcando, através da submissão às disciplinas escolares e da adesão às hierarquias culturais, uma disposição transmissível e generalizada a respeito das disciplinas e das hierarquias sociais. Em suma, em todos os casos, a principal força da imposição do reconhecimento da cultura dominante como cultura legítima e do reconhecimento correlativo da ilegitimidade do arbitrário cultural dos grupos ou classes dominados reside na exclusão, que talvez por isso só adquire força simbólica quando toma as aparências da autoexclusão (BOURDIEU; PASSERON, 2014, p. 63-64)
Essa exclusão denunciada por Bourdieu e Passeron acaba se confundindo no senso
comum com meritocracia, na qual o aluno teve a oportunidade de aprender, mas não se
esforçou o bastante. Tal fato merece atenção especial nos cursos de educação a distância, uma
vez que a evasão pode se confundida com o fato do aluno não se adaptar a forma de estudo
flexível e solitária11.
1.2 Educação musical para a educação básica no Brasil
No Brasil, o ensino instrumental ou vocal, durante a maior parte do século XX, foi
calcado nos elementos visuais da partitura e baseados em regras de harmonia e métrica
repassadas aos alunos de conservatórios de música e também nas escolas de educação básica
durante o período do canto orfeônico, posteriormente através da experimentação (Seção 1.3).
Com isso, será tratada neste capítulo a discussão e a caracterização do conceito de educação
musical e seus objetivos e metodologias na educação básica pública, incluindo a legislação e
suas implicações.
1.2.1 Educação musical, ensino de instrumentos e musicalização
Em suma, inferimos que não existe uma ideia comum sobre o papel que a música deve desempenhar na escolarização obrigatória dos indivíduos. Disto resulta uma grande diversidade de concepções dos perfis dos professores de música. Heiling e Aróstegui (2011, p. 217) afirmam que há uma grande lacuna entre teoria e prática em educação que é maior ainda na educação musical devido à forte ligação entre a música e a prática. Para eles, acreditar que ser um bom músico significa ser um bom professor de música é uma ilustração vívida desta lacuna não somente entre teoria e prática, mas entre educação e música. Pensar no professor de música moderno para o século XXI implica em aceitar que esta visão não é mais possível. Como também não é possível mais entender a educação musical como uma ornamentação para o currículo escolar sendo relevante apenas nos eventos e comemorações escolares. A compreensão da educação musical como uma contribuição para os objetivos gerais do currículo, para o desenvolvimento global dos seres humanos, onde está incluído o desenvolvimento de habilidades criativas e artísticas, torna-se uma meta. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 109, grifo nosso).
11 Embora as metodologias da EaD devam objetivar interações afim de quebrar a sensação de isolamento dos
alunos, um curso sem esta preocupação pode contribuir para que o aluno se sinta isolado e desmotivado.
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O habitus conservatorial, presente na formação de professores licenciados, gera
habilidades técnicas e teóricas que permitam a estes tocar e ensinar o aluno a tocar
instrumentos musicais, comumente flauta doce, violão e teclado ou canto. Isso acaba gerando
um professor que entende que o objetivo da aprendizagem nas escolas de educação básica é
fazer com que os alunos toquem esses instrumentos ou cantem. Aos alunos “sem talento”
pode ser reservado um status de ouvinte12 e pode-se cogitar como objetivo a formação de uma
plateia preparada para as músicas eruditas de concerto, associadas ao gosto da classe
dominante, inculcando todas as regras de comportamento em uma sala de concerto – como
aplaudir a uma sonata somente ao final dos três movimentos, entre outras regras.
Tal afirmação nos leva a pensar na seguinte questão: Atualmente, é indispensável que
um professor de música, para atuar no ensino fundamental, seja um músico virtuoso, tal qual
propõe o modelo conservatorial? Por outro lado, as competências do professor do século XXI
dispensam um aprimoramento técnico em performance e teoria musical?
Se considerarmos o ensino tradicional oferecido nos modelos conservatoriais, com o
foco metodológico nos autores das três primeiras gerações do século XX (Seção 1.3), na qual
se coloca a aprendizagem do domínio da escrita musical e a prática, além de professores
tocarem repertórios com dificuldade técnica média ou avançada, fica evidente a necessidade
de ser um professor virtuoso com domínio técnico em teoria musical, criação de arranjos e
instrumento ou canto para atuar em escolas de educação básica.
Por outro lado, cabe considerar que um ensino que apenas priorize uma crítica social
reflexiva do fenômeno musical desacompanhado de uma prática musical – e, portanto, o
professor sem nenhum conhecimento em um instrumento musical ou canto e teoria musical –
não oferece uma visão contínua do processo artístico e tende a fazer com que a arte não
desenvolva seu papel criativo e de desencadeador de um prazer estético, prejudicando a
compreensão da totalidade crítica das obras. A desvalorização do ensino artístico participa da desvalorização de todo ensino técnico, ou seja, de todo ensino das "artes mecânicas" que exige, sobretudo, o trabalho manual; ora, é significativo que o professor de desenho encontre algum prestígio somente no universo, globalmente desvalorizado, do ensino técnico. Além disso, o fato de que o ensino da história da arte esteja dissociado do ensino das técnicas artísticas e tenha sido confiado aos professores de história, disciplina canônica, manifesta a tendência de todo sistema de ensino francês em subordinar a produção de obras ao discurso sobre as obras. Mas, por outro lado, o ensino do desenho ou da música deve também sua situação subalterna ao fato de que a sociedade burguesa que exalta o consumo das obras atribua pouco valor à prática das artes recreativas e aos produtores profissionais de obras de arte. (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 99).
12 Tal fato era defendido por Heitor Villa-Lobos, conforme exposto na seção 1.2.
39
No entanto, tendo em vista as possibilidades de atuação do professor da educação
básica, não há a necessidade primária de um professor e músico virtuoso, e caso seja, tal fato
é auspicioso e impactará positivamente. Vivência em práticas musicais é algo importante,
contudo, o professor de música na educação básica precisa também realizar atividades que
envolvam a apreciação e vivência do aluno em práticas musicais com o viés crítico das
práticas culturais. Essa reflexão traz uma necessidade de reconfigurar a identidade do
professor tradicional: Pode-se dizer que os cursos superiores de formação de professores de educação musical durante anos têm estado fundamentados no modelo do profissional formado a partir da seguinte premissa: o professor de música é um músico. O alto status do conhecimento científico no currículo é evidente fomentando assim a identidade do músico em detrimento da identidade do professor. (MATEIRO, 2009, p. 64).
A noção de integração e intervenção traz a ideia de que, ao olhar o real das relações da
vida e do mundo do trabalho, o que importa realmente não é a crítica pela crítica ou o
conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática que
altere a realidade (FRIGOTTO, 2012). O autor ainda sustenta a ideia de que o conhecimento
acontece verdadeiramente na junção da teoria e da ação. Esse movimento, baseado na
dialética materialista, é caracterizado pelo autor como práxis (FRIGOTTO, 2012). A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação para transformar. (FRIGOTTO, 2012, p.80).
O processo de educação musical comumente se confunde com musicalizar os alunos,
uma vez que este pode ser tornar o objetivo principal13. No entanto, é importante diferenciar
educação musical de musicalização. Entende-se musicalização como a realização de
atividades ligadas à introdução de aprendizagem de música, principalmente aplicada às
crianças, tornando o aluno sensível à percepção auditiva com o objetivo final de “alfabetizar
musicalmente”, ou seja, capacitar o aluno a escrever na partitura convencional os sons
ouvidos14 através de uma série de atividades e jogos de respostas motoras a estímulos sonoros
que obtêm sucesso em seu ciclo quando o aluno domina a leitura e escrita musical, o solfejo e
o treinamento auditivo – transcrição de ritmos, melodias e harmonias no pentagrama. Para
13 Um exemplo dessa afirmação pode ser encontrado no uso do termo nos currículos de Licenciatura em Música.
Utilizo como exemplo os seis semestres da disciplina entitulada “Processos de Musicalização” (PROM) pela UNIRIO, considerado a disciplina central do curso. Disponível em: <http://www2.unirio.br/unirio/ cla/ivl/cursos/fluxogramas-dos-cursos-de-graduacao/fluxograma-bacharelado-em-mpb-arranjo/view>. Acesso em 05 abr. 2017.
14 Para maiores informações, ver as três primeiras gerações do século XX na seção 1.3 e seus respectivos autores principais.
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isso, podem ser utilizadas notações musicais alternativas ao pentagrama, porém sempre
visando ao final do ciclo se converter à notação musical tradicional.
A musicalização então é apenas uma etapa da educação musical, mas não deve ser o
único objetivo. Cabe atentar que a classificação dos sons através de processos tradicionais de
musicalização corresponde a alturas e durações, conforme padrões culturais europeus, como a
divisão por semitons15 e pulsações regulares16.
Tal ideia esteve presente na formação do professor licenciado em Música ao longo dos
séculos XX e XXI e acabou sendo replicada nas escolas públicas de educação básica como
uma aula de música calcada apenas no processo de musicalização, ficando a aula de música
com o objetivo similar aos dos conservatórios de música, porém com níveis de conhecimento
mais superficiais, com pequena chance de êxito se comparado aos conservatórios, o que gera
uma frustração no professor – e consequentemente no aluno.
Penna (2012) propõe que o processo de musicalização seja repensado como a inclusão
de aspectos de vertente sociológica e educacional que tentem responder aos problemas da
realidade brasileira, sendo eles (a) a reavaliação da música como linguagem socialmente
construída; (b) a reavaliação do acesso socialmente diferenciado à música, à arte e à cultura; e
(c) a reavaliação da escola e seus limites. A partir dessa reavaliação do conceito de
musicalização, o aluno estaria preparado na etapa da musicalização para o processo de
educação musical como um campo a ser socialmente construído e não apenas a sensibilização
sonora e a preparação para a aprendizagem tradicional. De acordo com essa nova proposta: Na perspectiva abordada, portanto, musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo. Pois nada é significativo no vazio, mas apenas quando relacionado e articulado ao quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos. (PENNA, 2012, p. 31).
Musicalização é uma disciplina obrigatória nos conservatórios de música antes ou
durante a aprendizagem de algum instrumento musical, ainda que esta contenha nome
diferente. A aula de um instrumento ou canto seria a disciplina responsável por colocar na
prática toda a teoria aprendida na musicalização, decifrando os códigos musicais e
transformando a informação contida na partitura em música.
15 Considerada pelos livros de teoria musical como a menor distância a ser percebida. No entanto, há unidades
menores denominadas comas, que acabam sendo usadas por outras culturas, como na música indiana. 16 Uma carcterística marcante da música europeia é a pulsação regular, fortemente ligada à dança ocidental. No
entanto, há músicas de diversas etnias que se caracterizam pela irregularidade do pulso, seguindo uma lógica distinta da cultura europeia.
41
Segundo Swanwick, há dois objetivos ao ensino de um instrumento: dar ao aluno o
domínio técnico do instrumento – uma atividade motora – e ajudá-lo a tocar de forma
expressiva. Sendo assim: Aprender a tocar um instrumento deveria fazer parte de um processo de iniciação dentro do discurso musical. Permitir que as pessoas toquem qualquer instrumento sem compreensão musical, sem realmente "entender música" - é uma negação da expressividade e da cognição e, nessas condições, a música se torna sem sentido (SWANWICK, 2012).
É comum em conservatórios manuais ou métodos de música com estudos técnicos, ou
manuais do instrumento para seguir as lições página após página. É possível uma
aprendizagem sem nenhum prazer estético e completamente desvinculada da cultura do aluno.
A prática musical oriunda de métodos de instrumentos musicais “escolares17” pode conter um
resultado estético existente apenas no ambiente escolar. A isso Swanwick denomina
subcultura da música escolar (SWANWICK, 2003).
Além das aulas de instrumentos musicais individuais de curta duração em
conservatórios guiadas pela partitura, é comum o aprendizado de instrumentos através de
grupos de instrumentação, homogêneas ou heterogêneas, que podem prescindir ou não da
partitura e de um processo de musicalização separado da prática. Em escolas de educação
básica, as práticas recorrentes são o canto coral ou a criação de bandas marciais como
alternativas a grupos musicais.
Educação musical é então o processo amplo de ensino e aprendizagem de música, que
vai além da musicalização e do ensino de instrumento, envolvendo um fazer musical mais
complexo. Segundo Rudolph (1996), foram identificadas nove áreas de aprendizagem de
música: (1) Canto solo ou em conjunto com repertório variado; (2) Performance solo ou em
conjunto com repertório variado; (3) Improvisação de melodias e harmonias; (4) Composição
e arranjo de músicas para determinados instrumentos; (5) Leitura e escrita musical; (6)
Apreciação e análise musical; (7) Avaliação de músicas e de performances musicais; (8)
Compreensão da relação entre música e outras artes e outras disciplinas; e (9) Compreensão
da cultura e da história da música.
Ao tentarmos definir o papel da educação musical para as escolas de educação básica
no Brasil, compreendemos que, embora todas as áreas descritas por Rudolph sejam
importantes para a formação de um professor de Música, se partirmos de um princípio de
17 Os instrumentos musicais presentes nas escolas também constam em currículos de Licenciatura em Música em
universidades que não disponibilizam cursos de bacharelado, ou mesmo em cursos a distância. Os mais utilizados são flauta doce soprano e instrumentos de percussão de altura não definida. Estes instrumentos não são escolhidos por justificativa pedagógica, mas pelo fato de terem um baixo custo financeiro. É comum a utilização de violão ou teclado como instrumento harmônico pelo professor.
42
educação musical multicultural voltado para a aquisição de capital cultural, a área de
compreensão da cultura não deve ser menos importante que as demais – tal qual é concebido
através do habitus conservatorial –, mas sim o ponto de partida para uma aprendizagem
crítica que deve permear as demais disciplinas.
As áreas de leitura e escrita musical e análise musical ocupam boa parte do currículo
das Licenciaturas em Música, enquanto as demais áreas são relegadas a segundo plano, ao
menos quantitativamente, conforme constatado por M. V. M. Pereira (2012). Tendo em vista
que a aquisição de capital cultural e educação musical intercultural é um importante objetivo
ao professor da educação básica, a ênfase nessas áreas como disciplina obrigatória dissimula
este intento. O habitus conservatorial permeia o currículo, na área de leitura e escrita musical,
gerando um aperfeiçoamento dessa área ao longo do curso daquilo que todo aluno já provou
saber no THE antes de ingressar na universidade.
Por conseguinte, entendemos que educação musical não deve ser somente vista como
um processo de musicalização ou ensino de instrumento, mas sim uma gama de
conhecimentos musicais que perpassa por uma perspectiva interdisciplinar e multicultural que
acarretará ganho de capital cultural ao aluno.
1.2.2 A legislação da Música na educação básica
A Música como conteúdo ou componente curricular formal aparece pela primeira vez
na legislação brasileira no artigo 47 do Decreto nº 1.331-A: “O ensino primário nas escolas
publicas comprehende 18 : (...) Póde comprehender tambem: (...) A geometria elementar,
agrimensura, desenho linear, noções de musica e exercícios de canto” (BRASIL, 1854, grifo
nosso). Tal decreto instituía a reforma no ensino primário e secundário do município da corte.
O termo “pode” dá à música um caráter secundário de importância e de não obrigatoriedade,
mas a coloca em evidência.
Com o Decreto nº 981, de 1890, os conteúdos explicitados deixam de ser genéricos e
passam a ser mais específicos e ter maior aproximação com o modelo adotado pelos
conservatórios: “Conhecimento e leitura das notas. [...] Conhecimento das notas, compassos,
claves. [...] Primeiros exercicios de solfejo. [...] Exercicios de solfejo. Dictados” (BRASIL,
1890). Esses, dentro do curso elementar, médio e superior. No Art. 28, “Cada um dos
18 Nesta pesquisa optamos por não utilizar o termo “[sic]” quando houver texto com norma ortográfica anterior à
vigente (2009).
43
estabelecimentos [de ensino] terá os seguintes professores: 1 de desenho; 1 de gymnastica,
evoluções militares esgrima; 1 de musica.” (BRASIL, 1890).
A partir do Art. 3º do Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931),
torna-se obrigatório o ensino de Música sob forma de “canto orfeônico” como disciplina entre
a 1ª e a 3ª séries das escolas do ensino secundário, posteriormente ampliada pelo Decreto nº
24.794, de 14 de julho de 1934 (BRASIL, 1934). Além de ampliar tal oferta a todo o ensino
primário e a todas as escolas ligadas ao Ministério da Educação e Saúde Pública, deixando
opcional aos estabelecimentos de ensino superior, “commercial e outros”, pela primeira vez o
artigo menciona que “O ensino do Canto Orpheonico em todo o paiz obedecerá a normas
estabelecidas pelo Governo Federal” (BRASIL, 1934, grifo nosso), tendo uma visão ampliada
ao território nacional. Antes, tais práticas se resumiam à Capital Federal da época.
Tal política pública estabelecida por Getúlio Vargas teve como escola de formação de
professores a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA) sob o comando de
Heitor Villa-Lobos, que chegou a escrever um guia prático como material didático, ministrar
algumas aulas e reger coros de estudantes em eventos oficiais. Durante o Estado Novo, em
1942, foi criado o Conservatório Brasileiro de Canto Orfeônico para complementar a
formação. A disciplina Canto Orfeônico tinha como diretriz pedagógica o civismo, a
disciplina e a educação artística.
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 4.024/61 (BRASIL,
1961a), não fez qualquer menção à Música. Quatro meses antes da criação da primeira LDB,
no mesmo ano, o Decreto nº 51.215/61 “estabelece normas para a educação musical nos
Jardins de Infância, nas escolas Pré-primárias, Primárias, Secundárias e Normais, em todo o
país” (BRASIL, 1961). Com isso, foi substituído o termo “Canto Orfeônico” por “Educação
Musical”.
Em 1932, foi produzido o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, e a partir das
ideias do Manifesto, em 1948, foi criada a Escolinha de Arte do Rio de Janeiro, que foi
posteriormente tomada como referência por Anísio Teixeira “para pensar o que de mais novo
e interessante poderia ser proposto como alternativa ao modelo oficial de escola” (SANTOS,
2012, p. 187). Começa-se então a falar de Arte-educação como experimentação e criação e se
desenvolvem as diversas linguagens artísticas de forma integrada. “Todo movimento de arte-
educação que inspirou a Escolinha de Arte, criada em 1948, acaba influenciando a Lei nº
5.692, de 1971” (SANTOS, 2012, p. 189), promulgada sob o regime militar dos anos 1960.
Com a LDB de 1971, desaparecem do texto da lei termos referentes à Música ou
Canto Orfeônico e surge o termo Arte-educação. As universidades começam então a criar
44
cursos de Licenciatura em Educação Artística, nos quais o professor precisa dominar as
quatro linguagens artísticas – Música, Artes Visuais, Dança e Teatro. Alguns cursos
ofereciam habilitação em uma das linguagens artísticas, o que significava que o aluno
precisava estudar as quatro linguagens com ênfase em uma delas.
A atual LDB, a lei 9.394 (BRASIL, 1996) passa a organizar as disciplinas de forma
mais livre, tendo a disciplina Arte como campo de saber obrigatório. O PCN subdivide a
disciplina nas mesmas quatro linguagens artísticas. Em 2008, a lei 11.769 alterou o artigo 26
da LDB e com isso a música passou a ser conteúdo obrigatório do ensino de artes e outras
disciplinas (BRASIL, 2008). A priori não se incluía a obrigatoriedade de aulas de Música no
currículo da educação básica, nem obrigava a presença de um professor especialista em
Música nessas escolas.
Seu artigo segundo foi vetado19: “O ensino da Música será ministrado por professores
com formação específica na área” (BRASIL, 2008). Na mensagem de veto há a seguinte
consideração: No tocante ao parágrafo único do Art. 62, é necessário que se tenha muita clareza sobre o que significa “formação específica na área”. Vale ressaltar que a música é uma prática social e que no Brasil existem diversos profissionais atuantes nessa área sem formação acadêmica ou oficial em música e que são reconhecidos nacionalmente. Esses profissionais estariam impossibilitados de ministrar tal conteúdo na maneira em que este dispositivo está proposto. (BRASIL, 2008).
Há interpretações ambíguas da Lei. Alguns gestores consideram que as escolas devem
se organizar para receber os profissionais habilitados e licenciados em Música, uma vez que
tais saberes são necessários à formação humana e devem ser transmitidos por um professor
licenciado e outros consideram que os conteúdos são transversais a outras disciplinas e o
simples fato de ouvir música em algum momento seria necessário.
As razões do veto geram algumas controvérsias. O texto da mensagem diz que há
profissionais atuantes sem formação acadêmica em música, porém, o Art. 62 da LDB aponta
que “a formação docente do profissional da educação far-se-á em nível superior ou a
modalidade normal para educação infantil ou nos cinco primeiros anos do ensino
fundamental” (BRASIL, 1996), o que anula a afirmação anterior.
Os governos dos municípios então tomaram algumas decisões para cumprir a lei:
realização de concurso público docente para a educação básica na área de artes com vagas
para Música20, ainda que de forma inexpressiva em relação ao total de concursos públicos;
19 Mensagem nº 662, de 18 de agosto de 2008. 20 Cito a Prefeitura Municipal de Mesquita (RJ) como exemplo de concurso público em 2011.
45
concurso para instrutores de música (nível médio) 21 ou instrutores de banda 22 (nível
fundamental) para suprir a demanda – embora estes não tenham formação superior e não
possam atuar diretamente na educação básica, os municípios ofertam como atividades
extraclasse, uma vez que a lei não obriga a disciplina; oferta de projetos na área de música por
contratos precários ou bolsas a instrutores, através de projetos como o Mais Educação,
oferecido no contraturno escolar; oferta de escolas de música ou conservatório público23;
oferta de cursos de atualização em Música para professores de Artes e professores
generalistas do 1º ao 5º ano; e a simples disponibilização de CDs e DVDs com shows e
concertos gravados para reprodução em bibliotecas sem qualquer debate. Tais práticas na
escola têm a função de apenas se cumprir a Lei nº 11.769/08 sem qualquer preocupação com a
qualidade do trabalho de Educação Musical.
A Lei nº 13.278/16 mais uma vez altera o ensino de Artes na educação básica
modificando o texto da Lei nº 11.769/08, passando então a contar com a seguinte redação:
“As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o
componente curricular de que trata o § 2º deste artigo” (BRASIL, 2016b). Há o prazo de
cinco anos para adequação à lei, o que significa que até maio de 2021 esta precisará estar em
execução em todas as escolas. Porém, o que não fica claro na lei é se as escolas precisarão ter
docentes para as quatro linguagens ou se um professor de Arte precisa ensinar
obrigatoriamente as quatro linguagens e retomar o papel do professor polivalente da LDB de
1971.
O inciso 2º diz que “O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais,
constituirá componente curricular obrigatório da educação básica” (BRASIL, 1996). Tal texto
foi alterado pela Medida Provisória 746 (BRASIL, 2016c), que excluía a Arte do ensino
médio, posteriormente retornando ao texto original através da Lei nº 13.415/17.
Em seu Art. 2º, registra: “O prazo para que os sistemas de ensino implantem as
mudanças decorrentes desta Lei, incluída a necessária e adequada formação dos respectivos
professores em número suficiente para atuar na educação básica, é de cinco anos”
(BRASIL, 2016b, grifo nosso). Destarte, até maio de 2021 as escolas terão que estar
adaptadas. Partindo do pressuposto de que a Lei nº 11.769 (BRASIL, 2008) implicava ter
professores de Música ou mesmo atividades musicais dentro de todas as escolas da educação
21 Cito os municípios de Armação dos Búzios (RJ) e São Pedro da Aldeia (RJ) como exemplos de concurso
público em 2012 e 2014. 22 Cito como exemplo o município de Macaé (RJ), através de concurso para a Secretaria de Educação em 2008. 23 Cito como exemplo os municípios de Casimiro de Abreu (RJ) e Macaé de concurso público para suas
fundações de cultura, ambos em 2011.
46
básica até 2011 e esta não foi cumprida em nível nacional até o presente momento,
indagamos: de que forma irá ocorrer com as quatro linguagens artísticas?
Sobre isso, algumas considerações merecem ser destacadas. Se a Lei nº 11.769 dizia
que “A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente
curricular de que trata o § 2o deste artigo” (BRASIL, 2008, grifo nosso), a Lei nº 13.278
retira o trecho que faz referências à interação da música ou outras linguagens artísticas com as
demais disciplinas. O que novamente se discute é se em 2021 deverá haver professores de
Arte com formação adequada e em quantitativo suficiente para atender a educação básica, que
inclui educação infantil e ensino fundamental, já que com a música isso não ocorreu dentro do
prazo.
Com isso, o desafio anterior de formar professores especialistas em Música ou
preparar o professor generalista que trabalha com turmas do 1º ao 5º ano e na educação
infantil para trabalhar a música dentro da disciplina Arte, algo que já não ocorreu, agora irá se
expandir também ao Teatro, Dança e Artes Visuais.
Em 2011, ano em que se encerrou o prazo de adequação à Lei nº 11.769/08, foi dada
entrada no processo24 que culminou com o Parecer nº 12/13 (BRASIL, 2013) homologado em
2016 (BRASIL, 2016a), quatro dias após a criação da Lei nº 13.278/16, que gerou a
Resolução nº 2/16 quatro dias adiante.
Essa resolução define diretrizes para a operacionalização do ensino de Música25 na
educação básica. Nela constam atribuições para as escolas, secretarias de Educação e
instituições formadoras, incluindo a criação de concursos específicos para a contratação de
professores licenciados em Música por parte das secretarias de Educação (BRASIL, 2016d).
A compreensão sobre a Revogação da Lei nº 11.769/13 pela Lei nº 13.289/16 é
juridicamente controversa. Se por um lado há o entendimento de que houve alteração no
inciso 6º da LDB e a antiga redação deva ser desconsiderada face à atual, não há um processo
de revogação expressa aberto até o presente momento26. Há ainda o entendimento de que a
Resolução nº 2/16 está em vigor independente da Lei nº 11.769/08 por não haver outra
resolução que substitua esta27, que não é incompatível com a Lei nº 13.278/16, uma vez que a
Música continua contemplada dentro do componente curricular arte.
24 Processo nº 23001.000072/2011. 25 O termo “Música” aparece com letra maiúscula nessa resolução (BRASIL, 2016d). Essa ortografia sugere uma
disciplina e não conteúdo, conforme expresso na Lei nº 11.769/08. 26 Ao realizar uma busca no site oficial do Planalto, consta que esta não está revogada expressamente.
Disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.769-2008?OpenDocument. Acesso em 09 out. 2017.
27 Ou seja, não há revogação tácita.
47
Devido à carência de professores em áreas como arte, professores de outras disciplinas
lecionando nessas áreas sem a formação específica para suprir a falta de profissionais pode ser
algo comum em regiões e em sistemas de ensino28. No ensino fundamental, em 2013 estimou-
se que na disciplina Artes ocorreu a maior incidência de professores sem licenciatura na área
específica: 92,3% dos docentes atuantes não possuíam Licenciatura em Artes ou em alguma
linguagem artística. Do total de professores de Artes, 54,6% possuem licenciatura em outras
áreas e 74,8% não têm nenhum curso superior, o que indica que 26,3% dos docentes atuantes
em 2013 sequer tinham concluído qualquer curso de licenciatura ou Pedagogia29.
Até maio de 2021, as escolas terão que estar adaptadas à Lei nº 13.278/16 e se repete o
erro da Lei nº 11.769/08: não há clareza quanto à forma como essas linguagens serão
distribuídas e a necessidade de recursos materiais, não se propõe a expansão dos cursos
superiores e a formação continuada. Embora a Resolução nº 2/16 (BRASIL, 2016d) tenha
regulado esses itens para a Música, incluindo a necessidade da criação de concursos públicos
e processos seletivos para licenciados em Música, e com isso de alguma forma ter
normatizado a necessidade de uma linguagem artística específica, o fato de esta ter sido
criado oito dias após a Lei nº 13.278/16 não pôs em prática essa ação, uma vez que foram
definidas diretrizes para a operacionalização de uma lei que já não existia no momento de sua
criação, o que põe em cheque uma discussão sobre a vigência da resolução. A trajetória do ensino e da aprendizagem das artes no Brasil é paralela à luta de profissionais comprometidos com a construção de politicas educacionais que subsidiam a qualificação das artes na escola. As lutas têm sido por um “saber de base”, um “saber específico”, que reconheça as artes como conhecimentos imprescindíveis na formação plena do cidadão, rompendo com a atuação polivalente estabelecida pela LDB nº 5.692/71, que incluía a “Educação Artística” no currículo como atividade complementar de outras disciplinas (BRASIL, 2016c, p. 112).
O trecho acima foi retirado da segunda versão da BNCC (BRASIL, 2016c). No
entanto, ele não foi mantido em sua versão final (BRASIL, 2017). Outros trechos sobre a
polivalência nas artes presentes na segunda versão da BNCC também desapareceram da
versão final, tais como: Entretanto, para evitar as posturas polivalentes, que diluem os conhecimentos artísticos em práticas generalistas, é preciso garantir que Artes Visuais, Dança, Música e Teatro tenham lugar qualificado, seja nos tempos escolares, seja nos
28 No âmbito público, um professor com a carga horária de 15, 16, 20 horas ou similares, recebe um adicional
provisório denominado “dupla”, “D.E” ou “dobra”, que multiplica total ou parcialmente o vencimento base para atender a essa demanda. Muitos professores aceitam por receber um salário baixo e necessitam complementação de renda. Alguns municípios operam por meio de contratos e outros por dobras ou ainda um misto de ambos para tentar atender a demanda.
29 Os dados foram gerados pelo Observatório Todos Pela Educação. Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/reportagens-tpe/30096/483-dos-professores-ensino-medio-tem-licenciatura-na-disciplina-que-ministram>. Acesso em: 02 mar. 2016.
48
espaços da escola e do entorno. Devem estar presentes nos currículos não como adorno, tampouco como atividade meramente festiva ou de entretenimento, mas como conhecimento organizado e sistematizado, que propicia aos/as estudantes a criação e a recriação dos saberes artísticos e culturais. (BRASIL, 2016c, p. 234).
Tal visão da separação dos componentes curriculares para professores das diversas
linguagens também é assegurada no ensino médio da versão antiga da BNCC. Por isso, no
ensino médio, Artes Visuais, Dança, Música e Teatro constituem os quatro componentes
artísticos obrigatórios e devem ser ministrados cada um pelo respectivo professor, formado
em uma das licenciaturas de cada campo artístico (BRASIL, 2016c, p. 517).
Apesar de os pareceres da versão final do BNCC serem favoráveis a essa ideia, como
aponta Lemos (2016), os trechos anteriores foram retirados da versão final da BNCC, não
ficando mais sugerido que precisará haver professores qualificados para as diversas
linguagens artísticas. Considerando a singularidade de cada uma das modalidades artísticas previstas na LDB – Artes Visuais, Dança, Música e Teatro –, reconhecida, traduzida e confirmada pela natureza essencialmente distinta dos processos formativos de seus respectivos profissionais e docentes, nos parece fundamental que o documento que estabelece a BNCC afirme a importância da atuação, a partir dos anos finais do ensino fundamental, de docentes com formação específica nas distintas modalidades artísticas. Parece-nos que, como documento normativo, a BNCC deva conduzir à abolição de práticas polivalentes que não mais coadunam com a realidade dos cursos de licenciatura no Brasil, que deixaram de ser polivalentes desde a década de 1990. Há que se ter em vista que as normativas da BNCC, que impactarão, inclusive, os processos de contratação e concursos públicos na área, não podem estar em descompasso com a evolução histórica dos processos formativos de docentes. Assim, recomendamos que o documento induza a que haja finalmente coerência e organicidade entre a especificidade da formação dos docentes nas distintas modalidades artísticas, a elaboração dos editais de concursos públicos e a consequente admissão de docentes especializados nos sistemas de ensino (LEMOS, 2016, p. 4).
Esse trecho faz parte de um parecer para a versão final da BNCC (LEMOS, 2016). No
entanto, o texto final da BNCC não faz menção a necessidade de docentes especializados. A
versão final BNCC passou a contar com o seguinte texto: Ainda que, na BNCC, as linguagens artísticas das Artes Visuais, da Dança, da Música e do Teatro sejam consideradas em suas especificidades, as experiências e vivências dos sujeitos em sua relação com a Arte não acontecem de forma compartimentada ou estanque. Assim, é importante que o componente curricular Arte leve em conta o diálogo entre essas linguagens, além de possibilitar o contato e reflexão acerca das formas estéticas híbridas, tais como as artes circenses, o cinema e a performance (BRASIL, 2017, p. 155).
Com isso, criou-se uma unidade temática denominada artes integradas que não
constava no texto anterior. Cada uma das quatro linguagens do componente curricular arte
“constitui uma unidade temática que reúne objetos de conhecimento e habilidades articulados
às seis dimensões apresentadas anteriormente” (BRASIL, 2017, p. 155).
49
Sendo assim, toda discussão sobre a polivalência em arte novamente poderá retornar,
uma vez que o termo componentes artísticos obrigatórios da segunda versão dão lugar a
unidade temática, deixando a possível interpretação da necessidade de um professor
polivalente para dar conta de toda esta unidade artística – o que gera uma superficialidade na
unidade e nenhum aprofundamento em uma área. Se buscarmos conhecer a história apenas pela leitura das leis produzidas, teremos uma visão bastante distorcida da realidade. Conformar-nos apenas com a sanção de leis que poderiam trazer benefícios à população é correr o risco de anulá-las. Para que se efetivem é necessário, em primeiro lugar, que conheçamos a realidade onde essa lei será aplicada, e em segundo, ações e investimento material e humano para que ela se realize. Nesse sentido, destacamos a necessidade de ações educativas que qualifiquem todo o processo histórico em que a educação musical passa a ser reconhecida como área de conhecimento específico. É o reconhecimento da música como um elemento essencial à formação humana, e a necessidade de formação para o professor de música, o primeiro passo para que a Lei nº 11.769/08 se torne a realidade nas escolas brasileiras (REQUIÃO, 2012, p. 380).
As reminiscências da arte-educação e da formação das licenciaturas da década de 1970
e 80 ainda se encontram presentes, agora travestidas sob a pretensão da interdisciplinaridade.
Por essa razão, 46 anos após a criação da antiga LDB, tal discussão ainda se faz presente. Ressalte-se que tal observação não se faz aqui em detrimento de uma desejável transversalidade ou interdisciplinaridade nas práticas pedagógicas, que abre perspectivas altamente positivas para os processos de ensino e aprendizagem. Muito pelo contrário, entendemos que é justamente o efetivo domínio das especificidades disciplinares que dá condições à construção de passarelas e diálogos entre os distintos saberes. A transversalidade e a interdisciplinaridade não podem se dar lá onde não haja conhecimento rigoroso dos conteúdos e das condições epistemológicas específicas a cada área implicada, do contrário arrisca-se estabelecer analogias vagas e infecundas, na contramão da intenção primeira de um enriquecimento do ensino e aprendizagem (LEMOS, 2016, p. 4).
O fato de existir no texto final do BNCC uma unidade de artes integradas não é em si
negativo, uma vez que a interseção entre as linguagens artísticas precisa promover um diálogo
entre as artes sob o fio condutor da cultura. A ocultação dos fatos anteriores a versão final da
BNCC não caracterizam a necessidade de uma prática polivalente em artes, mas a práxis já
ocorrida desde a criação da LDB até os dias atuais insiste no professor polivalente em arte, e
somado à falta de sua regulação se, corrobora para se trilhar um caminho regresso à arte-
educação.
Cabe questionar o que é interdisciplinaridade nas artes, como aponta Ana Mae
Barbosa: Estamos diante de uma deturpação do princípio da interdisciplinaridade. Batizados entre nós de polivalência, uma colagem amorfa de diferentes sistemas semióticos. Esta abordagem projeta no professor-estudante um conceito equivocado de arte, ligado à ideia de nonsense ou totalidade superficial – uma espécie de grande torta de vegetais e frutas mal misturados e assados cuja receita transmite aos seus alunos (BARBOSA, 1988, p. 17).
50
Uma vez que o texto final da BNCC (BRASIL, 2017) se absteve dos textos anteriores
que ressaltavam a importância da docência por linguagens artísticas, é fundamental a criação
de um parecer sobre a Lei nº 13.278/16. A Resolução nº 2/16 (BRASIL, 2016d) instituiu
diretrizes de operacionalização para a Música, incluindo a necessidade de professores e a
formação de novos professores para a Música, envolvendo o papel das escolas, secretarias de
Educação e Governo Federal.
Faz-se fundamental e urgente a criação de um texto substitutivo à Resolução nº 2/16
com o intuito de fazer menção à Lei nº 13.278/16 e estender a normatização já criada para
Música às Artes Visuais, Dança e Teatro. Isso colocaria fim a diversas possíveis
interpretações jurídicas sobre a validade da Resolução nº 2/16, que está entregue ao critério de
boa vontade interpretativa dos juristas e dos governantes sobre sua validade – e podemos
observar cotidianamente na experiência docente que, de forma geral, tal boa vontade
dificilmente ocorre quando se trata de arte.
Uma vez que o poder público incentive que tenha mais de um professor de arte
especialista em distintas linguagens artísticas atuando efetivamente em cada escola, tendo por
objetivo que haja um especialista em cada uma das quatro linguagens para cada escola e o
aluno tenha a opção de escolher a que ele mais se identifica – podendo ainda ser oferecido
oficinas de cada linguagem através de projetos, somado ao fato de haver nas escolas recursos
materiais que atendam a cada linguagem artística como instrumentos musicais, espaço
apropriado para teatro e dança etc. –, acreditamos que a lei pode ser um perfeito catalisador
para as necessidades do ensino de artes, podendo diversificar a proposta curricular da arte na
educação e ampliar o espaço de aprendizado para o aluno e para o professor, além de
remodelar a formação educativa discente e docente no território da arte. No entanto, tal
execução fica novamente a critério de uma boa vontade dos governantes.
Em consulta ao Censo da Educação Superior (BRASIL, 2015), podemos visualizar a
formação na área de Artes nas quatro linguagens artísticas e no curso de Educação Artística
(sem nenhuma habilitação), a quantidade de cursos presenciais e a distância (Gráfico 1), a
quantidade de alunos matriculados em cursos presenciais e a distância (Gráfico 2) e a
quantidade de alunos formados em cursos presenciais e a distância (Gráfico 3). Partindo desse
ponto, podemos tecer algumas considerações.
Em primeiro lugar, cabe observar que embora tenha ocorrido um crescimento no
quantitativo de cursos na modalidade a distância nos últimos anos, a quantidade de cursos na
área de Arte ainda é muito pequena em relação ao ensino presencial (Gráfico 1).
51
Gráfico 1 - Quantidade de cursos oferecidos de Licenciaturas em Arte por linguagens 2014
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Brasil (2015).
Cabe destacar que as Licenciaturas em Teatro e em Dança30 a distância ainda não
foram visadas pelas universidades privadas como oportunidade de nicho mercadológico,
tendo em vista as possibilidades de linguagens artísticas da formação do professor de Arte
segundo a Lei nº13.278 (BRASIL, 2016b), ficando então até o ano de 2016 reservado às
universidades públicas, conforme Gráfico 2.
30 O primeiro curso de Licenciatura em Dança a distância no Brasil foi criado em 2016 pela UFBA. Disponível
em: <https://sead.ufba.br/licenciatura-em-danca>. Acesso em 07 maio 2016.
- 50 100 150
Totalpresencial
Privadapresencial
Públicapresencial
TotalEAD
PrivadaEAD
PúblicaEAD
Totalpresencial
Privadapresencial
Públicapresencial
TotalEADPrivadaEAD
PúblicaEAD
Formaçãodeprofessordeteatro(artescênicas) 48 8 40 5 0 5
Formaçãodeprofessordemúsica 113 34 79 7 4 3
Formaçãodeprofessordedança 31 7 24 0 0 0
Formaçãodeprofessordeartesvisuaiseplásticas 137 55 82 17 6 11
Formaçãodeprofessordeartes(educaçãoartística) 55 22 33 3 2 1
QuantidadedecursosdeLicenciaturasemArte- 2014
52
Gráfico 2 - Matrículas em cursos de Licenciaturas em Arte em por linguagens em 2014
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Brasil (2015).
Outro fato a ser observado é que em todas as habilitações dos cursos de Licenciatura
em Artes na modalidade presencial, incluindo o curso de Educação Artística, a maioria das
matrículas, em 2014, está concentrada em instituições públicas. Ao contrário do que ocorre na
modalidade a distância, exceto o curso de Licenciatura em Teatro, que ainda não é oferecido
por nenhuma instituição privada, os demais cursos de Licenciatura em Arte a distância estão
concentrados majoritariamente nas instituições privadas (Gráfico 3).
- 5.000 10.000 15.000
Totalpresencial
Privadapresencial
Públicapresencial
TotalEAD
PrivadaEAD
PúblicaEAD
Totalpresencial
Privadapresencial
Públicapresencial
TotalEADPrivadaEAD
PúblicaEAD
Formaçãodeprofessordeteatro(artescênicas) 4.773 469 4.304 249 0 249
Formaçãodeprofessordemúsica 11.644 3748 7.896 3.211 2481 730
Formaçãodeprofessordedança 2.571 398 2.173 0 0 0
Formaçãodeprofessordeartesvisuais+plásticas 11.136 4060 7.076 6.565 5412 1153
Formaçãodeprofessordeartes(educaçãoartística) 2.478 1.225 1.253 4.214 4111 103
MatrículasdeLicenciaturasemArte2014
53
Gráfico 3 – Concluintes em cursos de Licenciaturas em Arte por linguagens 2014
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Brasil (2015).
Cabe atentar que a soma de alunos formados a distância nas linguagens artísticas
Música, Artes Visuais e Teatro (Gráfico 3) somam 1.056 alunos (50,4%) em 2014, contra
1.038 (49,6%) em Educação Artística. Em relação aos alunos concluintes em 2014 (Gráfico
3), 100% dos alunos formados em Educação Artística, na modalidade a distância, estavam no
ensino privado. Isso comprova que as universidades particulares detectaram um nicho
mercadológico de carência de professores de Arte e oferecem cursos sem habilitação em
qualquer linguagem, talvez como forma de abarcar um maior quantitativo de alunos para
obter maiores lucros.
- 500 1.000 1.500 2.000
Totalpresencial
Privadapresencial
Públicapresencial
TotalEAD
PrivadaEAD
PúblicaEAD
Totalpresencial
Privadapresencial
Públicapresencial TotalEAD
PrivadaEAD
PúblicaEAD
Formaçãodeprofessordeteatro(artescênicas) 581 110 471 49 0 49
Formaçãodeprofessordemúsica 1.296 471 825 439 376 63
Formaçãodeprofessordedança 299 67 232 0 0 0
Formaçãodeprofessordeartesvisuais 1.760 746 1.014 568 378 190
Formaçãodeprofessordeartes(educaçãoartística) 491 243 248 1.038 1.038 0
ConcluintesdelicenciaturasemArte2014
54
Se a obra, como estrutura significativa sui generis não é incluída na investigação e na análise da realidade social, a realidade social mesma se transforma num mero esquema abstrato ou num condicionamento social geral: a totalidade concreta vira falsa totalidade. Se a obra não é analisada como estrutura significativa cuja concreticidade se funda em sua existência como momento da realidade social, e se como única forma de ‘interligação’ entre obra e realidade social, então a obra se transforma de estrutura significativa relativamente autônoma em estrutura absolutamente autônoma: a totalidade concreta virou falsa totalidade (KOSIK, 1986, p. 126).
Se compreendermos a “obra” como gênese histórico-social, no caso, a disciplina Artes,
podemos concluir que o rompimento da totalidade perde seu fluxo contínuo e significativo e
pode ser rompida e desprovida do seu sentido. Consideramos que conglomerar Música, Dança,
Artes visuais e Teatro em uma única disciplina Arte na forma do professor polivalente seria
tão absurdo como tentar uma redução dos idiomas Inglês, Hebraico, Francês e Alemão na
disciplina “Língua estrangeira”, o que empobreceria o domínio de cada idioma. A partir da construção histórica das artes na escola brasileira e da legislação vigente, não há formação polivalente em Artes, mas licenciaturas que formam professores em um dos quatro componentes. Assim, o trabalho no Ensino Médio privilegia o aprofundamento sucessivo dos processos de ensino e de aprendizagem das artes, visando garantir ao estudante o direito a uma continuada autonomia no conhecimento artístico (BRASIL, 2016a, p. 517-518).
Esses dados apontam para o fato de que, a longo prazo, se tal proporção continuar, o
risco da educação a distância fazer retornar a Arte-educação polivalente da década de 1970 é
latente, pois esses professores não estão habilitados em nenhuma linguagem específica e
consequentemente não possuem conhecimento aprofundado, de fato, em nenhuma linguagem
– ou um conhecimento raso em quatro linguagens artísticas. Consta na BNCC31 que: O componente curricular Arte engloba quatro linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. Cada linguagem tem seu próprio campo epistemológico, seus elementos constitutivos e estatutos, com singularidades que exigem abordagens pedagógicas específicas das artes e, portanto, formação docente especializada. (BRASIL, 2016a, p. 112).
Em relação ao curso de Licenciatura em Música, se tomarmos como referencial os
matriculados em cursos presenciais de Licenciatura em Música em 2014 temos 32,1% dos
matriculados em instituições privadas contra 68,9% nas públicas (Gráfico 3). A taxa total de
concluintes é de apenas 11,1% do total dos inscritos para o mesmo ano em instituições
presenciais, e destes, 36,3% provêm de instituições privadas contra 63,7% formandos de
instituições públicas (Gráfico 4).
Se levarmos em consideração os mesmos padrões para o curso de Licenciatura em
Música a distância de 2014, 77,2% estão concentrados em instituições particulares contra
22,8% em instituições públicas, com a taxa total de concluintes de 13,6% do total de inscritos 31 Até o presente momento não há a versão definitiva da BNCC.
55
para o mesmo ano, sendo 85,6% dos concluintes oriundos das instituições privadas contra
14,4% das públicas (Gráficos 1 e 2).
Tal análise (Gráficos 2 e 3) indica que em 2014 as baixas taxas de concluintes em
relação aos matriculados do curso de Licenciatura em Música são similares entre os cursos
presenciais e online. Contudo, se tomarmos por referência as taxas de alunos concluintes das
instituições privadas a distância, temos uma taxa de concluintes maior nestas do que a de
concluintes dos cursos presenciais nas instituições públicas, se considerarmos que a taxa de
ingresso é inversamente proporcional.
Ao compararmos os números de matrículas de Licenciatura em Música de 2002 a
2015 do Censo da Educação Superior (Gráfico 4), observamos um aumento de 1.376,3% nas
matrículas – somando os cursos presenciais e a distância. A Lei nº 11.769/08, mesmo não
exigindo a obrigatoriedade de ter um professor de Música licenciado para as escolas,
contribuiu para o aumento das matrículas nas universidades. Se compararmos as matrículas a
partir do ano de 2008 até 2015 (Gráfico 4), constatamos um aumento entre o início e o fim do
período de 153,5% para os cursos presenciais e 211,1% para os cursos a distância.
Gráfico 4 – Evolução de matrículas em Licenciatura em Música no Brasil no século XXI
Fonte: Elaborado pelo autor, com base no Censo da Educação Superior de 2002 a 2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em 17 jan. 2017.
Embora a Lei nº 11.769 (BRASIL, 2008) tenha apresentado uma série de contradições
quanto à forma de docência e não tenha sido efetivamente cumprida após o prazo estipulado,
percebemos que houve uma elevação do quantitativo de matrículas em Licenciatura em
Música de 157,2% de 2008 para 2017 nos cursos presenciais e 195% para os cursos a
distância.
Portanto, a criação da lei pode ter sido um incentivador do grande aumento de
matrículas, associado a maior oferta de cursos em função da lei, que no senso comum, pelo
56
marketing32, foi – e ainda é – posta de uma forma aos alunos interessados como se a disciplina
Música fosse obrigatória em todas as escolas da educação básica, e por isso haveria uma
grande carência de profissionais no mercado de trabalho.
A modalidade a distância ajudou a ampliar o quantitativo de professores para atuar em
todas as áreas das artes, mas ao mesmo tempo oferecem cursos de educação artística sem
habilitação em nenhuma linguagem específica, oferecido principalmente pelas instituições
privadas com fins lucrativos.
Tendo em vista a análise da legislação sobre educação que envolve ensino de artes –
incluindo o seu histórico no Brasil e políticas públicas em educação na atualidade – e
relacionando com os dados estatísticos dos cursos de licenciatura em Música, concluímos que
a Lei nº 13.278/16 (BRASIL, 2016b) pode ser o incentivo para aumentar o quantitativo de
professores das linguagens artísticas de Teatro e Dança para as escolas, além das Artes
Visuais e Música.
Uma vez que a lei não deixa claro sobre a necessidade de haver professores de Arte
nas quatro linguagens artísticas e de que forma isso será implementado nas escolas, o Poder
Público pode incentivar a formação do professor de arte especialista em todas as linguagens
artísticas atuando efetivamente em cada escola. A lei pode ser um excelente catalisador para
as necessidades do ensino de artes, podendo diversificar a proposta curricular da arte na
educação e ampliar o espaço de aprendizado para o aluno e para o professor, além de
remodelar a formação educativa discente e docente no território da disciplina.
Caso contrário, não havendo interesse do Poder Público em atender às necessidades de
uma promoção social da escola através da arte, a Lei nº 13.278 (BRASIL, 2016b) apenas
servirá como uma espécie de novo retorno à arte-educação, ainda de forma mais caótica. Se
nas décadas de 1970 e 80 havia pouco preparo do professor na totalidade das diversas
linguagens artísticas com a habilitação rasa em uma dessas linguagens, atualmente isso pode
ocorrer nos cursos de arte-educação sem o direcionamento para nenhuma linguagem artística,
tal qual ocorre nas universidades particulares (Gráficos 2, 3 e 4).
Se a referida lei for interpretada pelos gestores no sentido da formação do professor
especialista em uma determinada linguagem artística com obrigatoriedade de lecionar as
32 As instituições escrevem textos ambíguos, a fim de sugerir ao candidato que há um grande mercado de
trabalho para o professor de Música, como o seguinte texto de um curso particular de Licenciatura em Música: “O debate sobre o papel da Arte na educação básica, em especial do conteúdo Música, ganha evidência na atualidade com a aprovação da Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008. Essa normativa altera a Lei nº 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), com vistas a dispor sobre a obrigatoriedade do ensino de Música na Educação Básica”. Disponível em: <http://www.unicbe.com.br/1.0/musica-licenciatura>. Acesso em 21 maio 2019.
57
demais linguagens – por a lei não obrigar professores especialistas para cada linguagem
artística –, certamente o padrão de qualidade do ensino de arte irá cair e a lei irá se tornar um
“ovo de serpente”, gerando mais um retrocesso nas políticas públicas em educação.
Podemos considerar que tal fato já ocorre, pois os livros didáticos de Arte adotados
pelo PNLD em 2017 para o segundo segmento do ensino fundamental33 contemplam todas as
artes de forma não cronológica e não específica por linguagens, obrigando o professor que
utilizar o livro a lecionar em todas as demais linguagens sob uma falsa perspectiva
transdisciplinar, conforme o manual do professor. A questão também é corroborada pelo fato
de até o ano de 2016 ainda ocorrerem muitos concursos públicos para professor de Arte sem
vagas específicas para as quatro linguagens, com os conteúdos de todas as linguagens em uma
única prova para todos os candidatos, bem como ocorria durante a vigência da arte-educação,
ainda com a criação de instrutores musicais de nível fundamental ou médio para oferecer
oficinas sem precisar de nenhuma formação em educação musical. Contudo, o problema é
dissimulado e tratado como interdisciplinaridade, sendo a utilização deste conceito
vulgarizada e problemática, conforme será discutido na seção 1.4.
Ao confrontar o número de matrículas de Licenciatura em Música com os de
Bacharelado em Música – em suas diversas modalidades: Bacharelados em Composição,
Regência, Música Popular Brasileira (MPB), Canto ou diversos instrumentos e outros –,
constatamos que a partir do ano de 2008, ano da criação da Lei nº 11.769, pela primeira vez o
curso de Licenciatura em Música atraiu mais alunos que o curso de bacharelado, conforme
constatado pelo número de matrículas, iniciando um grande crescimento da procura dos
cursos de Licenciatura em Música, ao mesmo tempo em que o Bacharelado se manteve com a
mesma média de matrículas34.
Como há uma grande carência de professores na área de Artes e na área de exatas –
abrangendo Matemática para o Ensino Fundamental e Física e Química para o Ensino Médio
–, é comum ver professores de outras disciplinas lecionando nestas áreas sem a formação
específica para suprir a falta de profissionais. No ensino fundamental, em 2013 estimou-se
que na disciplina Artes ocorreu a maior incidência de professores sem licenciatura na área
específica: 92,3% dos docentes atuantes não possuíam Licenciatura em Artes ou em alguma
33 Livros “por toda parte” e “projeto mosaico-arte”. O livro “por toda parte” contempla as quatro linguagens
artísticas para todos os anos finais do ensino fundamental, com o foco na arte contemporânea, incluindo a música contemporânea de concerto. O livro “projeto mosaico – arte” apenas contempla conteúdos sobre música para oitavo ano, em todos os demais anos os conteúdos são contemplados apenas através do CD de áudio. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/pnld-2017/>. Acesso em: 05 abr. 2017.
34 Fonte: Sinopse estatística da educação superior de 2002 a 2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em 12 ago. 2016.
58
linguagem artística. Do total de professores de Artes, 54,6% possuem Licenciatura em outras
áreas e 74,8% não tem nenhum curso superior, o que indica que 26,3% dos docentes atuantes
em 2013 sequer tinham concluído qualquer curso de Licenciatura ou Pedagogia 35 ,
contrariando o Art. 62 da LDB (BRASIL, 1996).
Curioso notar que mesmo com a carência de professores de Arte sem a Licenciatura, o
atual PNE menciona o incentivo de formação de maior quantitativo de professores apenas
para as áreas das ciências e da matemática, além do incentivo a formação de mulheres nos
cursos de pós-graduação em Engenharia, Matemática, Física e Química (BRASIL, 2014). Tal
constatação reforça o fato de que a área de arte e cultura não desperta a atenção na hora de
serem elaboradas as políticas públicas em educação no Brasil.
Se observarmos os dados da formação de mestres e doutores formados, a menor parte
fica concentrada na área de Linguística, Letras e Artes, sendo 4,5% no doutorado e 4,9% no
mestrado para o ano de 2014, e 5% no mestrado e 4,7% no doutorado para o ano de 2013 na
área de Linguística, Letras e Artes; a formação de mestre entre os anos de 2006 a 2012
continua apontando para a carência de formação nessa área (CNPQ, 2016). Tendo em vista
que a área de Arte é uma área de avaliação dentro da grande área de Linguística, Letras e
Artes, se entende que a Arte corresponde a uma parte ainda menor dentro desse universo.
Cabe atentar que o atual PNE (BRASIL, 2014) aponta para a necessidade de elevar
gradualmente o quantitativo de inscrições em programas de mestrado e doutorado em sua
meta 14, tal qual a meta 13 visa elevar a qualidade da educação superior através do número
crescente de mestres e doutores para 75%, sendo 35% doutores (BRASIL, 2014). Mesmo
assim, o PNE não aponta a carência na área de Linguística, Letras e Artes.
As Diretrizes, Estratégias e Ações do PNC atuam junto com os órgãos de Educação no
desenvolvimento de ações que insiram artes no ensino regular como instrumento e tema de
aprendizado (item 1.10.8), além de estabelecer programas de premiação para pesquisas e
publicações editoriais na área de crítica, teoria e história da arte, patrimônio cultural e projetos
experimentais (item 2.7.2). A referida lei diz em seu Art. 5º, inciso VI, que estimular a
presença da arte e da cultura no ambiente educacional é um objetivo do Plano Nacional da
Cultura (BRASIL, 2010).
Os currículos de licenciatura atualmente preveem o mínimo de 300 horas de estágio
supervisionado de forma presencial, de acordo com o artigo 65 da LDB, independente da
35 Os dados foram gerados pelo Observatório Todos Pela Educação. Disponível em:
<http://www.todospelaeducacao.org.br/reportagens-tpe/30096/483-dos-professores-ensino-medio-tem-licenciatura-na-disciplina-que-ministram>. Acesso em: 02 mar. 2016.
59
modalidade de ensino. Entretanto, esse estágio ocorre somente ao fim dos cursos – geralmente
no último ano – , no qual um aluno acaba fazendo uma quantidade muito pequena de efetiva
prática docente, ficando a maior parte do tempo reservada a observação de aulas e supervisão
coletiva. No entanto, em sua grade de disciplinas pode existir a prática de instrumentos
individuais ou em grupos pequenos desde o início do curso, caracterizando uma formação
mais técnica do que pedagógica (PEREIRA, M. V. M., 2012).
De acordo com as diretrizes nacionais curriculares do curso de Música (BRASIL,
2002), os conteúdos curriculares de um curso de Música foram classificados como: (a)
conteúdos básicos, relacionados com a cultura e as artes, envolvendo também as ciências
humanas e sociais; (b) conteúdos específicos à área da Música; (c) conteúdos teórico-práticos,
que permita a integração entre teoria e prática em arte musical e desempenho profissional,
como práticas de pesquisa, ensino, estágio e utilização de novas TICs. Tal parecer foi
revogado pelo Parecer 67/03 (BRASIL, 2003), que instituiu diretrizes curriculares a todos os
cursos de graduação, sem se atentar a quaisquer especificidades dos cursos.
Gainza (2003) propõe o aperfeiçoamento do professor como marco da educação
musical para o século XXI. É pertinente uma reflexão sobre a prática docente de um professor
de música durante o seu processo de formação e sua formação continuada ao longo da carreira
docente. Um grande problema a ser enfrentado na carreira docente do magistério público no
Brasil está na formação continuada.
No Brasil pode haver grande quantitativo de professores atuantes na educação básica
formados em universidades particulares ou públicas que não têm formação adequada para a
docência. Muitas vezes em universidades de ensino36, o acesso a um mínimo de cursos de
extensão, aperfeiçoamento e, principalmente, pós-graduação, se torna necessário para
caracterizá-la como universidade 37 . No entanto, há o problema de existirem poucas
universidades de pesquisa para oferecer tais cursos, principalmente longe dos centros urbanos.
36 A universidade de ensino, em oposição à universidade de pesquisa, é caracterizada por não ter
compromentimento com a pesquisa. No entanto, a universidade de pesquisa não se compromete somente por meio de cursos de pós-graduação, mas sim através de pesquisas envolvendo alunos de graduação.
37 De acordo com o Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, para caracterizar a instituição como centro universitário, é necessário 1/3 do corpo docente com mestrado e doutorado, programas de extensão nas áreas de graduação, iniciação científica (Art. 16); para caracterizar como universidade, além do 1/3 do corpo docente ter mestrado ou doutorado, programas de extensão nas áreas de graduação, iniciação científica, também precisa ter 1/3 do corpo docente em regime de tempo integral e oferecer regularmente quatro cursos de mestrado e dois de doutorado reconhecidos pelo MEC (Art. 17), além de 60% dos cursos de graduação serem reconhecidos e terem conceito satisfatório em avaliação externa. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _Ato2015-2018/2017/Decreto/D9235.htm>. Acesso em 27 mar. 2019.
60
Na prática, principalmente no âmbito municipal e estadual, conseguir a obtenção de
licença para estudos, para participar de congressos, simpósios, cursos de atualização ou pós-
graduação pode gerar uma dura negociação com a chefia, por vezes sem sucesso.
A Lei nº 11.738 (BRASIL, 2008) prevê um mínimo de um terço de horas para
planejamento docente. As secretarias de educação então oferecem cursos uma vez por ano –
comumente uma semana antes do início do ano letivo –, lecionada por vezes pelo
coordenador de disciplina da rede ou detentores de outros cargos comissionados, gerando um
resultado apenas alegórico, servindo apenas para que o professor cumpra a sua carga horária.
Muitas prefeituras não consideram cursos de pós-graduação, cursos de extensão ou
aperfeiçoamento realizados fora da prefeitura para fins de cômputo de horas de planejamento
e estudo, dificultando o incentivo de professores pós-graduados, evitando assim a formação
de professores mais preparados para um debate crítico, além de contrariar a meta 14 do PNE
que é de formar maior quantitativo de mestres e doutores.
Uma vez que em uma aula de Música é desejável o domínio de um instrumento
musical, regência ou voz, um professor que se ausenta de sala de aula para se aperfeiçoar
nesses quesitos, em cursos de pós-graduação, de extensão ou aperfeiçoamento, mesmo que
em uma instituição formal, também não obtém reconhecimento formal como formação
continuada.
Na prática, mudar o ethos presente nesses ambientes, onde o professor é visto como
alguém que quer “fugir” da sala de aula a todo custo e tal fato deve ser impedido pelos
diretores constitui um grande desafio para o Brasil, que ainda possui uma cultura do trabalho
voltada para fatores quantitativos ao invés de valorizar fatores qualitativos.
Com isso, a seguir iremos apontar os principais ideais metodológicos e autores de
educação musical do século XX, que comumente ocupam a centralidade dos conteúdos de
disciplinas que estudam a educação musical em cursos de Licenciatura em Música no Brasil.
1.3 Bases para educação musical no século XX
O ensino de Música e de artes em geral, até o século XV, na Europa, foi calcado no
modelo mestre-aprendiz, no qual o ensino do ofício de músico ocorria de forma análoga ao de
um artesão. O fato de o aprendiz executar uma masterpiece o tornava apto a ser um artista
reconhecido. No século XVI, em Nápoles, surgiu o primeiro conservatório com o intuito de
dar instruções às crianças órfãs e pobres, incluindo o ensino de Música. No século XVIII
surgiu o Conservatório Nacional de Música de Paris, que foi modelo para os demais
61
conservatórios. Conservatórios são instituições que têm por objetivo ensinar música, com
ênfase na música erudita de origem europeia, principalmente no período barroco, clássico e
romântico. Segundo Cunha (2009, p. 12-13), “seu objetivo era a formação musical, visando à
excelência da execução musical, tanto no canto quanto no instrumento.” Os alunos entravam
no conservatório ainda muito jovens, sendo também aceitos alunos mais velhos. Caso não
demonstrassem aptidão para o estudo da música eram excluídos do conservatório.
No Brasil, as primeiras informações musicais europeias foram trazidas pelos
portugueses aos índios através dos jesuítas. Com a vinda de D. João VI ao Brasil, houve na
Capital Federal um movimento de música erudita e foram concedidas bolsas de estudo para
alguns brasileiros irem à Europa estudar música. O ensino de música erudita no Brasil no
século XIX era então feito por aulas particulares. Em 1848, foi fundado o Conservatório de
Música do Rio de Janeiro, que em 1890 passou a se chamar Instituto Nacional de Música e,
em 1937, Escola Nacional de Música, estando vinculada à Universidade do Brasil (atual
UFRJ). Nos anos seguintes, conservatórios de música foram sendo criados em outras cidades
no Brasil.
O ensino de Música nos conservatórios privilegiava a prática instrumental
descontextualizada da contemporaneidade, com ênfase no repertório europeu, principalmente
dos séculos XVIII e XIX, também chamado de música erudita, música de concerto ou
vulgarmente de música clássica. As disciplinas mais comuns eram a Prática de instrumentos
musicais – apenas os instrumentos pertencentes à orquestra tradicional, principalmente do
período do classicismo, excluídos os instrumentos típicos de músicas populares –, Canto
Coral, Harmonia, Composição e Solfejo.
Do ponto de vista metodológico, nenhuma grande mudança ocorreu até o século XXI
no Brasil ou na Europa, uma vez que o ensino de música sempre ocorreu do mestre para o
aprendiz, tendo no conservatório – principalmente no modelo do Conservatório de Paris – um
modelo institucional para dar continuidade ao ensino oficial de música erudita europeia ao
redor do mundo. O modelo conservatorial tinha como uma de suas marcas o eurocentrismo, a prevalência da ‘cultura musical ocidental acadêmica’, nas palavras de Bruno Netl (uma cultura musical erudita europeia), identidade que privilegia a música escrita –“notated music” – que viria caracterizar, igualmente, os conservatórios de música instalados no Brasil no período do século XIX, e vigorar até hoje. Além de manter esse conjunto tomado da “tradição”, o modelo conservatorial tinha seu projeto fundado em analogias naturalizantes (SANTOS, 2012, p. 11-12).
Gainza (2003) apresenta uma classificação dos principais períodos do ensino da
música do século XX. O primeiro período foi o dos “precursores” do método de solmização
62
com tonic sol-fa, ocorrido no fim do século XIX e XX na Inglaterra e França, propagado na
década de 30 e de 40 do século XX por Carl Orff e Zoltán Kodaly, acrescentando recursos
como o manosolfa e as sílabas mneumônicas.
O segundo período, os “métodos ativos”, ocorreu na década de 40 e de 50 oriundo das
escolas ativas – Pestalozzi, Montessori, Froebel etc. – que encontrou em princípios
metodológicos de Émile Jaques Dalcroze a denominada Euritmia, na qual o uso do corpo e a
participação ativa em aulas de música proporcionou uma revolução na maneira de aprender
música, pois o aluno passa a ser sujeito do conhecimento psicofísico, assim como em Edgard
Willens.
O terceiro período, “dos métodos instrumentais”, nas décadas de 1950 a 70, colocou
em foco a formação de grupos instrumentais, com a preocupação metodológica na própria
música e sua preocupação estética, tendo seus representantes Shinichi Suzuki, Carl Orff ou
mesmo Zoltán Kodaly, o qual teve grande produção de solfejos e obras para coro. Uma vez
que a voz é um instrumento musical, o autor também representa este período.
O quarto período, dos “métodos criativos”, durante as décadas de 1970 e de 80 –
marcado pelos regimes militares na América Latina –, apresentou uma preocupação para que
os alunos criassem sua própria música, tendo a música de concerto contemporânea como
padrão estético para que o processo criativo discente ocorresse, sendo os principais
representantes George Self, John Paynter e Murray Schafer.
O quinto período, de “integração nos anos 80”, é marcado pelo fim dos regimes
militares na América Latina como um período multicultural onde surgem as áreas da
tecnologia educativa e tecnologia musical, a musicoterapia, novos enfoques corporais e a
preservação da identidade e raízes culturais.
O sexto período, denominado “os novos paradigmas”, ocorrido na década de 90,
continua com uma preocupação, por um lado, com a musicalização, priorizando modelos
como um conjunto de materiais, atividades e metodologias não-sequenciados e em contextos
específicos no lugar de métodos sequenciados por problemáticas específicas, e ainda
buscando novos olhares na estruturação do pensamento sobre ensinar, aprender e fazer música.
Cabe atentar que a autora faz referências apenas aos educadores musicais de prestígio
internacional, com métodos surgidos na Europa e na América do Norte. O presente trabalho
visa integrar os principais educadores musicais brasileiros através dos principais pressupostos
descritos por Gainza (2003).
Com base nessa classificação, serão apresentados a seguir alguns aspectos
metodológicos dos principais educadores do Brasil e da Europa do século XX, comumente
63
estudados como leitmotiv dos cursos de Licenciatura em Música na modalidade presencial e a
distância. Ao apresentar tais aspectos nessa seção, pretendemos situar o leitor nas principais
ideias de ensino de música no século anterior e, com isso, na seção posterior refletir sobre o
papel da música na educação básica no século XXI, expondo os conflitos e as semelhanças
entre os modos de pensar dentro de um novo contexto cultural, social e tecnológico. Como o
texto original de Gainza não faz menção a autores brasileiros, iremos realizar esta inclusão
com embasamento nos principais conceitos similares entre os autores brasileiros e
estrangeiros, considerando também o período histórico de referência.
Segundo Gainza (2003), o primeiro período é marcado por “métodos chave”, surgido
no fim do século XIX e início do século XX na Europa, que tiveram posterior repercussão nas
obras dos principais educadores século XX a partir da década de 1930. Entre eles, podemos
destacar John Curwen, Maurice Chevais e, no Brasil, Heitor Villa-Lobos.
O método Tonic sol-fa ou Tônica dó 38– assim chamado na Alemanha e traduzido para
o Português – de origem inglesa e autoria de John Curwen (1816-1880), foi publicado em
1858 sob o título Standard course of lessons on the Tonic Sol-fa method of teaching to sing39.
Além do dó móvel40, o mesmo método introduziu o manosolfa41.
Maurice Chevais escreveu três tomos do livro Éducation Musicale d’la Enfance. Cada
tomo, separado por faixa etária, propunha a aprendizagem de música para crianças focada no
canto e percepção musical, com inserção gradual de símbolos somente após tal vivência. Em
38 Solmização com tônic sol-fa: derivado do ensino de música na França, adaptado por John Curwen (1816-
1880) e posteriormente usado por Kodaly, principalmente para solfejo, a utilização das sílabas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e TI para serem escritas com a letra inicial de cada nome, ou seja, d, e, m, f, s, l e t. O “Ti” substitui o sí para que a letra t seja diferenciada da nota sol. O aluno deve cantar essas sílabas quando forem notas naturais, e as notas alteradas com bemol devem conter a letra “a” e com sustenido a letra “i”. Ex: Ré = Ré cantado; Ré sustenido = Ri cantado e Ré bemol = Rá cantado. A exceção ocorre para o lá bemol = “Ló”. (MATEIRO; ILARI, 2012, p, 71-73). Encontramos o termo tonic sol-fa traduzido como Tônica dó em Paz (2000).
39 Curso básico de lições Tônica Sol-fa do método de ensino de canto. (SILVA, 2012, p. 73). 40 Dó móvel: O aluno deverá cantar o solfejo transpondo-o para a tonalidade de dó maior ou menor independente
da tonalidade escrita no pentagrama. Dessa forma, o aluno é obrigado a realizar uma transposição instantaneamente para a tonalidade modelo de dó maior ou menor, mantendo o raciocínio entre as relações intervalares. Geralmente o Dó móvel é aplicado com altura relativa.
41 Manossolfa: Surgido de um recurso para facilitar a leitura à primeira vista do método de solmização com o tonic sol-fa (ou tônica dó) ou por John Curwen, consiste em uma sequência de gestos com a mão que simbolizam as alturas, independente de haver uma partitura. Ajuda a desenvolver a memória musical e torna o solfejo visualmente concreto. O movimento para cima e para baixo estabelece a mudança para o agudo e grave, respectivamente, e a velocidade de movimentação das mãos indicam a duração das notas, embora não ocorra uma precisão rítmica (colcheia, semínima etc.). (SILVA, 2012, p, 73-75). Um resquício do manosolfa é utilizado cotidianamente por músicos populares, principalmente em bandas de baile, nos quais os gestos manuais são feitos pelo crooner ou músicos para comunicar a tonalidade de uma música aos demais músicos em meio ao ruído de um palco em que a comunicação oral pode ser impossível, usando o movimento para cima para a tonalidade maior e para baixo para a tonalidade menor.
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1909, publicou o livro chansons avec gestes, no qual as atividades propostas uniam os
movimentos corporais ao texto das canções.
Compreende-se que o primeiro período da educação musical ainda não representava
uma quebra de paradigma do ensino de música dos séculos anteriores. No entanto, o fato de
alguns métodos proporem atividades educativas considerando o uso do corpo no fazer musical,
propostas de atividades musicais pensadas para crianças e a facilitação da leitura musical
através de notação alternativa, implicam em uma facilitação da aprendizagem da música e
levam a consequente ampliação da capacidade de mais alunos estarem aptos a aprender
música.
Até então, quem não conseguia aprender música de forma tradicional era visto como
sem talento ou sem dom para música e deveria desistir e ter uma compreensão de que música
não é para qualquer pessoa. A partir desses “métodos chaves”, inicia-se uma nova concepção
de educação musical afinada com as correntes da pedagogia das primeiras décadas do século
XX, como as escolas ativas – Pestalozzi, Froebel, Montessori etc.
Heitor Villa-Lobos foi um dos principais compositores brasileiros e desempenhou a
função de diretor do SEMA a convite de Getúlio Vargas e, embora não tenha criado uma
metodologia específica para ensino de Música para a disciplina Canto Orfeônico42, esta passa
a ser obrigatória nas escolas durante o início do governo Vargas, por meio do Decreto nº
19.890, de 18 de abril de 1931 (BRASIL, 1931). Com isso, Villa-Lobos ficou encarregado de
organizar e escrever os métodos – A coletânea de solfejos, Canto orfeônico e Guia prático – e
gerou um modelo de ensino de música padronizado, com conteúdos organizados por séries
para o curso primário e ginasial (PAZ, 2000, p. 18-20).
No conteúdo escrito por Villa-Lobos são privilegiadas as melodias folclóricas e de
músicas eruditas europeias, todas para coro orfeônico. Os conteúdos teóricos privilegiavam os
elementos clássicos da teoria musical tradicional. O Canto Orfeônico foi a disciplina
responsável pela musicalização de algumas gerações em escolas públicas e é até hoje
lembrado como o primeiro programa nacional de ensino de música no Brasil – embora tenha
se concentrado majoritariamente no Rio de Janeiro, então distrito federal.
Ao analisarmos as características didáticas do material pedagógico de Villa-Lobos e
compararmos com outros educadores musicais do século XX (MATEIRO; ILARI, 2012; PAZ,
2000), outras semelhanças foram encontradas, como as palavras rítmicas – ou silabação 42 A palavra orfeão remete ao canto coral coletivo. No entanto, o canto orfeônico concentra um grande número
de pessoas cantando em uníssono sem necessariamente ter uma técnica vocal elaborada, enquanto o canto coral tradicionalmente é realizado através de quatro naipes (soprano, contralto, tenor e baixo), que gera um resultado harmônico e/ou polifônico.
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mnemônica – semelhantes a Gazzi da Sá e Kodaly43, a solmização derivada do ensino de
solfejo francês com nomes grafados em letras minúsculas44 e o manosolfa, ambos também
utilizados por Zoltán Kodaly.
Assim como Orff, Villa-Lobos também desenvolveu a criação de programas de rádio45,
sendo estes os primeiros registros encontrados em nossa pesquisa de educação musical a
distância de transmissão massiva e de forma sistemática. Carl Orff elaborou um programa de
rádio denominado Orff-Schuelk – Music für Kinder na rádio Baviera, com sua primeira edição
em 1984 (BONA, 2012, p. 133). Segundo Kodaly, “a participação ativa no fazer musical é a
melhor forma de se conhecer música; o toca discos e o rádio não são mais do que acessórios”
(SILVA, 2012, p. 60).
Fernandes (2001) classifica Villa-Lobos como tendência escolanovista, o que estaria
mais próximo do segundo período classificado por Gainza (2003). No entanto, na perspectiva
deste trabalho, alguns quesitos presentes na literatura fazem com que a obra de Villa-Lobos
não se enquadre como escolanovista. No prefácio de um de seus livros de solfejo, ao
descrever a disciplina – na tríplice disciplina, civismo e educação artística –, Villa-Lobos
sugere a seleção de “ouvintes” e descreve o seguinte texto: Conferiu-se a denominação de “ouvintes” aos alunos que não têm disposição para a música. Esses alunos, depois de exortações, de estímulos etc., quase sempre se tornam afinados, accessíveis e recebem o ensino de música com boa vontade. Esta denominação dada em classe se estende também aos alunos já classificados e selecionados por vozes, que assistem em silêncio a um e outro grupo de alunos que recebem a aplicação e apuração das outras partes melódicas que constituem a música em preparo (VILLA-LOBOS, 1940, p. 3, grifo nosso).
Temos o entendimento de que um método no qual crianças são taxadas como
desafinadas e excluídas do grupo de cantores não pertence aos preceitos defendidos pela
Escola Nova, na qual a problematização e a solução pela criança precisam ser estimuladas
ativamente (LIBÂNEO, 1990). Villa-Lobos teria uma preocupação em formar ouvintes,
formar plateia, que são expressões por vezes conectadas a um projeto de formar o “gosto”, ou
“gosto estético”, ou ainda, o “gosto artístico”, “educar o ouvido e a alma” e o ouvinte então
tende a habituar ao que é “belo” (VILLA-LOBOS, 1971, p. 95-107).
43 A silabação correspondente às subdivisões rítmicas usadas por Villa-Lobos (ÁVILA, 2010, p. 14) foi utilizada
por Gazzi de Sá de forma quase idêntica a forma que Kodaly utilizava (SILVA, 2012, p. 78). 44 d = Dó; r = Ré; m = Mi; f = Fá; s = Sol; l = Lá; t = Si (ti). 45 Não conseguimos ter acesso aos programas radiofônicos de Villa-Lobos. A referência a estes programas
encontra-se na citação “Seus primeiros passos foram: a criação do curso de pedagogia e canto orfeônico, cursos de especialização e aperfeiçoamento, além de cursos de reciclagem intensivos: propaganda junto ao público mostrando a importância e utilidade do ensino de música, inclusive com programas radiofônicos” (PAZ, 2000, p. 13).
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O segundo período da educação musical ocorreu nas décadas de 40 e 50 do século
XX e dos denominados métodos ativos. Violeta Gainza classifica esse período pelas
“influências que começam a ter as contribuições filosóficas e técnicas da ‘escola nova’ no
campo da educação musical”46 (GAINZA, 2003). Os principais educadores musicais desse
período foram Émile Jacques Dalcroze, Maurice Martenot e Edgard Willens. No Brasil,
podemos identificar tais traços com Sá Pereira, principalmente associado a Willems. O
repertório utilizado por esses autores é baseado em músicas de tradição erudita europeia e de
canções folclóricas.
Os pressupostos da Escola Nova, ou tendência liberal renovada progressista, conforme
classificada por Libâneo são: a) Colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma; b) o problema deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; c) o aluno deve dispor de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de soluções; d) soluções provisórias devem ser incentivadas e ordenadas, com a ajuda discreta do professor; e) deve-se garantir a oportunidade de colocar as soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida. (LIBÂNEO, 1990, p. 12).
Émile Jaques-Dalcroze nasceu em Viena em 1865 e faleceu em 1950, em Genebra. O
ensino da rítmica teve maior repercussão entre educadores musicais, também foi usado por
dançarinos, atores e em escolas de jardim de infância na Europa. A premissa de Dalcroze era
de que a educação musical deveria partir da audição (escuta consciente) e que isso implica na
participação de todo o corpo, pois sons são percebidos por partes do organismo humano além
do ouvido (SANTOS, 2012, p. 19). A variação de tensão e repouso harmônico, caracterizado
pela dominante e tônica ou pergunta e resposta, causaria uma sensação de tensão e repouso
muscular. Segundo Santos, Dalcroze não pretendia que o ritmo vivenciado corporalmente
fosse apenas o elemento composto de diferentes durações, mas a “altura (posição e direção
dos gestos no espaço), a intensidade (dinâmica muscular) o timbre (diversidade de formas
corporais), a melodia (sucessão contínua de movimentos no tempo e no espaço)” (SANTOS,
2012, p. 21).
O ensino musical anterior ao Século XX era enciclopédico, focado na aprendizagem
taxonômica, que desconsiderava o uso do corpo como elemento importante e focava na
memorização, respostas mecânicas e disciplina em sala de aula. Dalcroze e os demais autores
do período focaram suas ideias no uso responsorial do corpo aplicado à pulsação da música,
além de abrir espaço para a improvisação – algo até então não explorado pelos métodos ou
manuais de ensino.
46 “Influencia que empiezan a tener los aportes filosóficos y técnicos de la ‘escuela nueva’ en el campo de la
educación musical”.
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Edgar Willems nasceu em 1890 na Bélgica e faleceu em 1978 em Genebra. Foi
professor do Conservatório de Genebra, ministrando aulas de Filosofia e Psicologia da
Música e Desenvolvimento Auditivo para adultos e para crianças a partir de 5 anos. Em seus
escritos não havia somente o manual para alunos executarem as tarefas, mas também bases
filosóficas e metodológicas das atividades aos professores, além de material sobre
musicoterapia (PAREJO, 2012). Foi pioneiro ao distinguir educação de instrução, superando
as visões tecnicistas e mecanicistas do ensino de música ocidental até o presente momento.
Willems faz uma crítica às associações da solmização com a tônica sol-fa e demais
recursos didáticos mnemônicos apresentados nos períodos anteriores, pois tais associações
que “podem ser úteis para trabalhar com grandes grupos quando não se pode acompanhar o
processo psicológico individualmente, mas adverte que não se deve ‘sobrecarregar o
subconsciente das crianças com associações que não sejam válidas para a vida toda”.
(PAREJO, 2012, p. 105). Com isso, percebe-se que as ideias de Willems estavam focadas em
cursos para poucos alunos e em ambiente específico de escola de música, pois ele dizia que
uma turma ideal não deveria exceder sete alunos – algo que soa utópico diante das escolas de
educação básica no Brasil. Willems produziu cinco livros com jogos, exercícios e instruções
ao professor, incluindo princípios da educação musical.
Maurice Martenot nasceu em Paris em 1898 e faleceu na mesma cidade, em 1980.
Martenot foi um educador musical que defendeu a ideia de que a música precisa estar
presente em todas as etapas do desenvolvimento da criança, desde o nascimento. Esta deve
ocorrer inicialmente através do canto e de uma audição apurada através da repetição,
posteriormente pela memória tátil e visual são acrescidas por meio de jogos rítmicos e
atividades de leitura musical. O autor acreditava que “o ensino da arte e, portanto, da música,
não pode ser reservado a uma parcela da sociedade que possui um desempenho acima da
média” (FIALHO; ARALDI, 2012, p. 159).
Tal fato deveria incluir o estudo do instrumento para diferentes faixas etárias. A
aprendizagem de Artes seria a única chance de o homem ter qualidade de vida e, com isso, as
artes oferecem algo que não se encontra nas atividades físicas, técnicas ou intelectuais,
configurando um antídoto contra a mecanização do mundo moderno (FIALHO; ARALDI,
2012).
Percebe-se que pela primeira vez a educação musical passa a ter não somente a
preocupação com a expansão do ensino de música a toda sociedade, mas também o
reconhecimento que determinadas classes possuem acesso ao ensino de música e estas tem
maior facilidade de aprendizado: maior aptidão “natural” ou “dom”. Nesse sentido, em
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períodos anteriores ao século XX, a aprendizagem da música em conservatórios manteve um
status elitista. Se Martenot constatou que houve maior facilidade de aprendizagem por parte
de um grupo, é porque o habitus foi inculcado desde a primeira educação ou durante o
trabalho pedagógico primário (seção 1.4).
Assim como os demais autores do período, Antônio de Sá Pereira destacou que a
musicalização, principalmente por meio de apreciação musical, deve preceder o ensino do
instrumento. No entanto, diferente de Martenot, destaca-se que a exclusão esteve presente,
uma vez que a psicotécnica do ensino elementar – baseada em Dalcroze no campo da rítmica
–, em uma de suas fases consistia de pré-selecionar os candidatos por meio de testes para
“saber se o candidato possui as condições mínimas e as aptidões necessárias ao trabalho”
(PAZ, 2000, p. 46).
A influência das escolas ativas se reflete na função do professor através de um ensino
intuitivo – Comenius, Locke e Pestalozzi –, no qual o professor leva ao aluno a resposta por
meio de perguntas, além de propor exercícios de desafios envolvendo o uso do corpo mediado
por gestos baseados na percepção auditiva.
A metodologia de Dalcroze é facilmente aplicada a qualquer espaço de educação
formal, informal e não formal, já que não há a necessidade prioritária de se ter instrumentos
musicais, algo bem comum nas escolas públicas de educação básica no Brasil. Tais ideias são
replicadas no método “o passo” (CIAVATTA, 2003), o qual é utilizado para musicalização
através de percussão corporal e instrumentos de percussão.
Todavia, se por um lado tais métodos estão atrelados à realidade das escolas, trabalhar
estes métodos pode gerar um comodismo para que nunca se tenha nas escolas recursos
materiais como forma de posteriormente aplicar esses conceitos em instrumentos musicais
presentes nas músicas ouvidas no cotidiano pelos alunos, o que gera maior conexão com uma
cultura mais próxima a realidade não-escolar: Partindo do pressuposto que não é corriqueiro
alguém sair de casa para assistir um show ou concerto com pessoas batucando no corpo ou
tocando latas recicláveis sem quaisquer outros instrumentos, isso geraria uma cultura
“artificial” ou o que Swanwick (2003) chama de subcultura da música escolar.
No terceiro período, nas décadas de 1950 a 70, Gainza (2003) qualifica de “os
métodos instrumentais”. Enquanto no segundo período a preocupação metodológica estava
centrada no sujeito do conhecimento, no terceiro período se concentrava no objeto do
conhecimento: a música. Destacam-se Carl Orff, Zontán Kodaly e Shinichi Suzuki.
O compositor Carl Orff produziu cinco volumes de seu livro Orff-Schulwerk. Com
uma preocupação voltada para o ensino instrumental, Orff projetou juntamente com o
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construtor de instrumentos Carl Maendler um instrumental específico para seu método
baseado principalmente no uso da escala pentatônica. Com essa ferramenta, os alunos
tocavam bordões47 e ostinatos48 como forma de facilitar a aprendizagem, ao mesmo tempo em
que músicas eram executadas desde o início das aulas.
Seu repertório era focado em canções infantis e folclóricas do Sul da Alemanha e da
Áustria, música presente em outras culturas, na renascença e no barroco. Outros aspectos
importantes em sua obra é o movimento gestual, a mnemonia aplicada a estes gestos e o uso
de partitura para percussão corporal como acompanhamento de uma melodia, geralmente
usando palmas, palmadas nos joelhos e pés, fazendo uso de uma linha de partitura para cada
parte do corpo em forma de grade.
Embora não seja o foco principal, Bona (2012) aponta que faz parte do princípio
gerador do material pedagógico Orff-Schulwerk, Elementare Musik, a improvisação melódica
vocal ou instrumental, improvisação rítmica métrica e amétrica, improvisação idiomática –
criação de texto e invenção de palavras – e improvisação de movimentos. Essa proposta
metodológica é dirigida a grupos pequenos.
Zoltán Kodaly é um compositor húngaro, nascido em 1882, que tinha como proposta
alfabetizar musicalmente, em âmbito nacional, o povo Húngaro pela partitura convencional.
Por isso, a metodologia de Kodaly foi concebida para ser aplicada diretamente nas escolas,
desde a educação infantil na Hungria. Tal proposta privilegia o uso da voz cantada na língua
vernácula, a fim de estabelecer uma identidade cultural por meio de melodias folclóricas e
temas eruditos em outros idiomas. Assim como em Orff, o solfejo rítmico é realizado através
da percussão corporal, com batidas de pés, estalo de dedos e palmas e faz uso de expressões
faladas utilizadas para auxiliar na memorização, como a pulsação cantada com a sílaba “tá” e
“ti” para a subdivisão em duas partes, derivado do sistema criado por Emile-Jaques Cheve
(SILVA, 2012).
Kodaly coletou muitas músicas folclóricas húngaras e músicas infantis. Existia o uso
de repertório erudito ocidental como repertório ensinado nas escolas. O autor utilizou a altura
relativa 49 para os solfejos com altura inicial, primeiramente sem pauta com letras para
47 Bordões são notas pedais ocorridas na parte grave (baixo) ou aguda que se repetem ao longo da música. É um
recurso usado nas composições eruditas europeias, principalmente no grave, que recebe o nome de baixo contínuo. Por serem notas repetidas, a execução é fácil nos instrumentos temperados, mas pode ser um desafio para instrumentos não temperados e para a voz.
48 Ostinato é a constante repetição de determinada célula rítmica ou melódica em trecho da música ou na música inteira.
49 Notas que podem ser cantadas a partir de qualquer tônica, mantendo a relação intervalar das demais com a tônica. Com isso, as notas são absolutas, pois determinam o intervalo cantado. O intuito é que a extensão vocal se adeque a tessitura vocal do aluno. Ex: Se um solfejo está escrito na tonalidade de Lá maior com notas muito
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representar notas musicais através da solmização com a Tônica sol-fa e posteriormente no
pentagrama. Era utilizado o manosolfa e o dó móvel, ambos já utilizados por John Curwen no
primeiro período da educação musical do século XX.
A obra pedagógica de Orff e Kodaly tem uma peculiaridade comum, que é a
preocupação com a organização dos conteúdos rítmicos e principalmente melódicos, de forma
progressiva, utilizando-se de escalas modais não heptatônicas50 – bitônicas, tritônicas etc.–,
privilegiando inicialmente intervalos de um tom ou mais até a inserção dos semitons (escala
hexafônca e hepafônica), que ambos os autores recomendavam ser inseridos quando o aluno
já tivesse em estágio mais avançado, porque se partia da premissa que o intervalo de semitom
era o mais difícil de cantar. O resultado sonoro inicial induz a músicas folclóricas, já que o
modalismo característico do folclore é usado em sua obra pedagógica.
No Japão, Shinichi Suzuki realiza uma proposta de educação musical focada no ensino
do violino e viola para crianças intitulada “educação no talento”, no qual o talento musical
não é visto como fruto do acaso ou herança, mas sim através de um estudo sistemático
realizado em um ambiente propício com instrução apropriada. Para Suzuki, a aprendizagem
instrumental não deve ser um privilégio para crianças prodígios, mas sim uma realidade para
todas as crianças (MATEIRO, 2012).
Suzuki observou que todas as crianças aprendiam seu idioma materno interagindo
principalmente com membros da sua família – tradicionalmente a mãe. O aluno ouve e se
acostuma com os sons da língua materna e repete constantemente sons e palavras através de
reforços positivos e cooperação (ILARI, 2012). Portanto, a tríplice professor-aluno-pais faz
parte da estrutura básica da metodologia de Suzuki, na qual a tarefa dos pais é algo
imprescindível na aprendizagem da criança. A mãe deve ser capaz de tocar o instrumento,
tendo noções antes de a criança fazer a aula de violino, transmitindo então a música de forma
semelhante à transmissão do idioma nativo.
Os métodos foram pensados para crianças a partir de dois anos de idade, devendo
chegar ao último dos dez livros por volta de sete anos de idade, atingindo certo padrão técnico,
repertório musical razoável e um ouvido apurado, pois por volta dessa idade as crianças
começam a dominar símbolos de suas culturas, pensando então em formas de abstração.
(ILARI, 2012). O método Suzuki dá grande importância à aprendizagem em grupo como
agudas, o aluno pode eleger outra nota como tônica mais grave (como Fá maior, por exemplo), no entanto, cantando o nome das notas de acordo com a tonalidade original (Lá maior, no exemplo).
50 As escalas heptatônicas (sete sons) são a base da música tonal e parte da música modal, que estruturou grande parte da música de concerto e música popular de indústria cultural urbana.
71
espaço para desenvolver as habilidades musicais e compartilhá-las com outras crianças e
adultos em aulas e apresentações.
No Japão, Suzuki elaborou essa concepção sobre o talento musical antes de surgirem
as teorias psicológicas da educação, como a do conceito de inteligência musical de Howard
Gardner (1995). Na visão de Suzuki, a função da família torna-se de suma importância à
medida que o ensino de música é comparado ao da aprendizagem de uma língua “materna”, e
que esta deva ser ensinada desde cedo pelos pais e pelo professor de música e estar presente
no ambiente familiar. Nesse sentido, pode-se colocar, por hipótese, que o grau de produtividade específica de todo trabalho pedagógico que não seja o trabalho pedagógico realizado pela família é função da distância que separa o habitus que ele tende a inculcar (sob a relação considerada aqui, o domínio erudito da língua erudita) do habitus que ele foi inculcado por todas as formações anteriores de trabalho pedagógico e, ao termo da regressão, pela família (isto é, aqui, o domínio prático da língua materna) (BOURDIEU; PASSERON, 2014, p. 94-95).
Se compreendermos a música como linguagem e compreendermos a analogia que
Suzuki fez entre o idioma materno e a música, os elementos de capital linguístico podem ser
pensados similarmente tal qual a música, principalmente se associado às canções.
Há uma grande dificuldade de aplicabilidade dos métodos do terceiro período em
escolas de educação básica, principalmente os que foram propostos por Suzuki e Orff, devido
ao fato das escolas não possuírem os instrumentos musicais adequados.
Para aplicar o método de Suzuki tal qual foi concebido, seria necessário cada aluno ter
seu próprio violino e que os pais soubessem tocar o instrumento – pilar principal que acaba
sendo esquecido na prática cotidiana de aplicação do método em conservatórios no Brasil.
Para usar o método Orff, haveria a necessidade de a escola ter o instrumental específico
necessário e, embora tal aparato instrumental seja fabricado no Brasil e esse método seja
aplicado em escolas públicas de outros países51, aqui não encontramos registro de uso desse
método em grande escala. O método Kodaly teve adaptações para ser utilizado no Brasil,
principalmente por ter muitos elementos em comum com o canto orfeônico realizado por
Villa-Lobos. Porém, o objetivo de uma alfabetização musical pela partitura, coral com
abertura de vozes e o solfejo não eram práticas do canto orfeônico.
Destacamos ainda que o papel do professor nos métodos ensinados do primeiro ao
terceiro período é focado no “músico professor” (PEREIRA, M. V. M., 2012), o qual deve ter
grande domínio da teoria musical e técnica instrumental e precisa repassá-los ao aluno.
51 Podemos citar o caso de escolas públicas em Sydney, conforme mostrado no curso “The Place of Music on
21st Century Education” oferecido pela University of Sydney através do site coursera. Disponível em: <www.coursera.com>. Acesso em 02 maio 2016. Destacamos a Alemanha, país de origem de Carl Orff.
72
Nesses moldes, o professor deve ser um excelente músico com alguma formação pedagógica.
Logo, o ensino desses métodos fica restrito à conservatórios de música no âmbito particular
ou público.
De acordo com uma visão multicultural, a estética musical desses três períodos
contempla apenas o folclore, sendo este um fio condutor da noção de nação, principalmente
no canto orfeônico e, portanto, uma cultura que permeia as diversas classes sociais. Por outro
lado, o amplo repertório de música erudita europeia corrobora para uma educação unicultural
reprodutiva das classes dominantes.
Nenhum dos três primeiros períodos considera a música popular como música para
prática em sala de aula. O primeiro e segundo períodos são mecanicistas, e o segundo e
terceiro período focado em uma prática instrumental repetitiva – e não na experimentação,
embora haja espaço para improvisação, porém não como princípio fundamental.
Portanto, tais premissas impactaram no ensino de Música em escolas e conservatórios,
principalmente o primeiro período que impactou o ensino de canto orfeônico obrigatório nas
escolas públicas, a ponto da Lei nº 11.769 (BRASIL, 2008) ser cotidianamente conhecida
como “a volta da música nas escolas” 52.
É importante destacar que no Brasil há uma vasta literatura sobre os autores
mencionados nos três primeiros períodos, assim como associações e institutos que promovem
cursos de atualização desses métodos destinados a professores de Música. Há propostas de
adaptação à realidade desses autores ao Brasil (MATEIRO; ILARI, 2012) ou proposta de
reorganização dos conteúdos de um autor (ÁVILA, 2010).
O quarto período é o dos métodos criativos, no qual o foco do ensino é a composição
por parte dos alunos, tendo ocorrido nas décadas de 70 e 80. Seus principais representantes
foram os compositores John Paynter e Murray Schafer e, no Brasil, Joachin Hans Koelheuter.
O padrão estético desse período foi o de música erudita contemporânea, incluindo a notação
musical utilizada por esses autores, assim como a valorização dos compositores de vanguarda
desses períodos, porque nos períodos anteriores esta estética era excluída das aulas de música. Antes, o conteúdo de uma aula de música em uma escola regular não era, no melhor dos casos, mais que um aditivo cultural, uma injeção de certas informações relativas à teoria e história da música. Em um sistema educacional projetado para que os professores se limitassem a transmitir informações, a música bastava por si só. Em todo caso, era difícil ver como se encaixa em sala de aula a possibilidade de fazer
52 Uma vez que a Lei nº 19.890 (BRASIL, 1931) instituiu o canto orfeônico como disciplina obrigatória e a LDB
de 1971 (BRASIL, 1971) instituiu a arte-educação, conforme vimos na seção 1.2, considera-se que a música deixa de existir como disciplina através desta lei e então se pede o retorno da música, que regressa não mais como disciplina, mas como conteúdo obrigatório. Porém, a música esteve presente durante a LDB de 1971, pulverizada com as demais linguagens artísticas. Portanto, não retornou pois não deixou de existir.
73
música (a menos quando se cantava em grupo). Portanto, no currículo geral não havia espaço para participação direta na verdadeira emoção artística da música, que foi relegada para oficinas fora do horário escolar, especialmente para instrumentistas talentosos53 (PAYNTER, 2009, p. 10).
Nascido em 1931, em Londres, John Paynter iniciou sua carreira como professor
generalista no ensino fundamental. Como padrão composicional do século XX, surgiram
novos sistemas composicionais como o atonalismo, serialismo, microtonalismo, música
aleatória, eletroacústica, eletrônica, entre outras. Tais padrões estéticos levaram os
compositores a realizarem estudos de manipulação de sons e ruídos como elementos de sua
composição, além da tecnologia ser incorporada ao fazer musical, sendo qualquer fonte
sonora considerada matéria prima para uma criação musical. (MATEIRO, 2012).
Sobre sua metodologia, o autor destaca que “O que aqui se expõe é uma visão de
educação musical e não um método de ensinar música. De fato, esta é precisamente uma área
que se devem evitar os métodos, porque eles são a antítese da mente criativa”. (PAYNTER,
1999, p. 29).
O compositor Raymon Murray Schafer nasceu em 1933, no Canadá. A descrição de
algumas de suas aulas foi retratada em seus livros. Algumas de suas ideias principais foram
(1) a paisagem sonora, que é a relação entre o som e o meio ambiente de determinado local,
chamando a atenção dos alunos para todos os sons ao seu redor, mesmo utilizando sons da
natureza como forma de composição; (2) a ecologia acústica, na qual Schafer destaca a
importância da redução de ruídos de máquinas pertencentes à paisagem sonora e a
consequente conscientização da redução ou eliminação desses ruídos desnecessários; (3) a
confluência das artes, também chamado Teatro de Confluência, a qual defende que seria um
novo teatro onde todas as artes possam se encontrar; (4) a relação entre a arte e o sagrado,
envolvendo aspectos perceptivos, afetivos, sociais, espirituais e intelectuais. (FONTERRADA,
2012).
Em seu livro O ouvido pensante (1991), Schafer descreve algumas de suas oficinas
realizadas em escolas canadenses – não necessariamente em escolas formais. Essas escolas
eram equipadas com instrumentos musicais padrão de uma orquestra do período clássico, na
qual os alunos aprendiam algum instrumento para praticar e criar em conjunto durante as
53 O texto em língua estrangeira é: “Antes, el contenido de una classe de música en la escuela no era, en mejor de
los casos, más que un aditivo cultural, una inyección de determinados datos sobre la teoría y la historia da música. En un sistema educativo pensado para que los professores se limitaran a transmitir información, la música solia conformar-se. En todo caso, era difícil ver cómo se encajaba en el aula la possibilidad de hacer música (a no ser que se tratara de cantar en grupo). Por lo tanto, en el currículo general no había sitio para la participación directa en la verdadeira emoción artística de la música, que fue relegada a sesiones fora do horario escolar, sobretodo para los instrumentistas dotados”.
74
aulas. Além dos instrumentos orquestrais, o autor explora o uso da voz e das palavras, como
onomatopeias, poemas sonoros, texturas corais, invenção de palavras sem sentido e a
invenção de novas línguas. Nesse sentido, o autor afirma: Como músico prático, considero que uma pessoa só consiga aprender a respeito de som produzindo som; a respeito de música, fazendo música. (...) As habilidades de improvisação e criatividade, atrofiadas por anos sem uso, são redescobertas, e os alunos aprendem algo muito prático sobre dimensões e formas dos objetos musicais (SCHAFER, 1991, p. 68).
Outras de suas ideias merecem ser destacadas para ajudar a compreender suas
posições perante a educação musical. São algumas delas (SCHAFER, 1991, grifos nossos):
“1. O primeiro passo prático, em qualquer reforma educacional, é dar o primeiro
passo prático”. Nesse sentido, Schafer diz que não se aprende música discursando sobre ela,
mas sim fazendo música.
“3. Ensinar no limite do risco”. Esse item aponta para a Pedagogia do Risco,
(SANTOS, 2012), pois a autora compara a segurança com o autoritarismo ou a escravidão,
em que recebemos ordens de um líder e devemos cumpri-las, e se agirmos dessa forma nós
não correremos riscos. A isso ela chama de pedagogia da segurança. Já a Pedagogia
Anarquista ou Pedagogia do Risco tem bases libertárias. Nesse sentido, Silvio Gallo afirma: A pedagogia libertária proposta pelos anarquistas que, através daquela mesma análise de Read, podemos definir como tendo por objetivo despertar em cada indivíduo a criatividade e permitir o desenvolvimento livre e autônomo de todas as suas potencialidades, sendo a fonte da singularidade, poderia ser identificada como uma pedagogia do risco, pois ao mesmo tempo em que se preocupa em criar condições estruturais para que cada um dos indivíduos desenvolva a sua singularidade, procura também trabalhar o processo de modo que dele brote a liberdade, uma construção coletiva do grupo de indivíduos. (...) Este é o sentido da educação anarquista no seio da sociedade capitalista, a criação de indivíduos críticos, conscientes e criativos, abertos para a amplitude social e, mais do que isso, em perfeita relação com ela. Com isso, respondemos àquela questão que levantamos algumas páginas atrás: a educação anarquista na sociedade capitalista tem a função de criar o novo, o diferente, quebrar as estruturas de reprodução da sociedade e, com isso, criar polos de resistência e focos de desenvolvimento de uma revolução social. (GALLO, 1990, p. 299-301).
“4. Não há mais professores. Apenas uma comunidade de aprendizes”. O
professor também aprende com o aluno logo, não deve haver uma relação vertical entre
professor e aluno.
Embora Schafer tenha escrito durante a década de 90, atualmente tal reflexão pode ser
repensada na aprendizagem informal de música hoje, na qual a atual noção de músico
autodidata se reconstrói à medida que através da internet se pode acessar videoaulas, tutoriais
e partituras em diversas mídias para aprendizes que se ajudam virtualmente através de fóruns
e redes sociais. Mesmo aquele que possui aula formal de música na escola pode ter uma
75
prática musical autônoma completamente distinta, conforme relatado por Swanwick (2003).
Essa comunidade de aprendizes atualmente é virtual e se expande a nível global, sendo
necessário o professor repensar seu papel.
Schafer também utiliza como estética para as aulas a música contemporânea de
concerto o padrão atonal e partitura gráfica. Esses gráficos, de certa forma, tomam
emprestados elementos da matemática e geografia – pois envolvem espacialidade – e,
portanto, trata de uma perspectiva de ensino através de letramento ao invés de alfabetização –
ou seja, com foco na leitura e escrita. A introdução da música pop nas aulas é um exemplo desse relaxamento; não porque a música pop seja necessariamente ruim, mas porque é um fenômeno social em vez de musical e, desse modo, impróprio como o estudo abstrato que a música deve ser, caso pretenda que seja considerada arte e ciência, por seus próprios méritos. (SCHAFER, 1991, p. 280).
Tal raciocínio não reflete a multiculturalidade de sistemas54 que o próprio autor
defende, tornando o conceito paradoxo, porque ele diz que “a música de outras culturas
também deveria ser estudada, para colocar a nossa em perspectiva adequada.” (SCHAFER,
1991, p. 296). Uma educação musical que leve em conta as relações de cultura não deve
considerar uma discussão social sobre música algo abstrato e que não deva ser parte da aula
de música, mas, inversamente, partir desse foco de uma discussão cultural para que então os
alunos possam também experimentar, sem necessariamente estarem preocupados apenas com
o resultado sonoro, mas sim com a percepção do fenômeno social e musical e sua crítica.
O alemão, radicado no Brasil, Joachin Hans Koelheuter nasceu em 1937. Foi flautista
e compositor, fundador do grupo Música Viva, em 1939, pioneiro na música contemporânea
no Brasil, incluindo o dodecafonismo. Foi professor de ilustres compositores de música
popular e erudita (NEVES, 1981, p. 85). Não teve nenhum contato com o ensino de música na
escola regular ou alguma política pública em educação, embora seu raciocínio sobre o ensino
de música seja fundamental aos estudantes das Licenciaturas em Música.
Uma premissa de seu trabalho pedagógico é: “O método de Keollreuter [sic] é não ter
método, depende da situação” (PAZ, 2000, p. 221). Há três premissas que norteiam este trabalho: 1) Não há coisa errada em música a não ser aquilo que não se pode executar; errado é sempre errado relativo a alguma coisa: o errado absoluto em música não existe. 2) Não acredite em nada que o professor diz; não acredite em nada que os professores dizem; não acredite em nada que você lê; não acredite em nada que você pensa; em outras palavras, questione sempre.
54 No que diz respeito à multiculturalidade de sistemas, o autor prega que há formas de composição distintas –
tonal, modal, atonal, microtonal, etc – assim como forma de escritas diferentes. Ainda nesta seção, mais à frente, o leitor irá encontrar um trecho que reflete parcialmente esse raciocínio. O termo multiculturalidade não reflete o conceito tratado por Candau (2008), que será descrito em 1.4.
76
3) Pergunte sempre: Por quê? Se o professor não pode explicar o porquê, precisa então pensar um pouco. (PAZ, 2000, p. 222).
Sobre o papel da cultura na visão de Koelheuter, o autor diz: Uma educação que tenda, essencialmente, ao questionamento crítico do sistema e não à sua reprodução, que tenda ao despertar e ao desenvolvimento da criatividade e não à adaptação e à assimilação, exige:
• que as culturas ocidentais tanto quanto as originárias, aborígenes, ainda existentes nesse planeta e, naturalmente, também no Brasil, sejam levadas em conta tanto quanto a ocidental;
• que as artes e a estética, em particular, como reflexões sobre o ato criador, encontrem lugar tão eminente quanto o das ciências e das disciplinas tecnológicas;
• que a prospectiva como reflexão sobre os fins, os valores e o sentido do futuro em vias de nascer e como tomada de consciência de nossas responsabilidades – temática mais importante do ensino pré-figurativo – ocupe espaço tão amplo quanto o do passado.
Pois só um conhecimento vivido nas culturas não ocidentais e originárias, isto é, um verdadeiro ‘diálogo das civilizações e culturas’ permite dar resposta às indagações de hoje, em escala planetária, integradora. Permite realizar a grande reviravolta cultural necessária, tornando relativo o que se convencionou chamar de ciências e artes, situando as duas áreas no contexto infinitamente mais vasto de uma sabedoria, na qual nossas relações com a natureza não são apenas de manipulação ou conquista, mas de amor e participação; uma abordagem em que o relacionamento de um com o outro e com a sociedade não é de um individualismo, mas de comunidade, onde nossas ligações com o futuro não são definidas por uma simples extrapolação do presente e do passado, mas por ruptura, superação e transcendência: a criação de um futuro realmente novo (KOELLHEUTER, 1997, p. 55, grifo nosso).
A isso, Koellheuter chamou de ensino pré-figurativo, ou seja, aquele que não remete
necessariamente às informações dadas pelas tradições ocidentais, mas sim pelos debates e
diálogos com o presente, através de vivências, nas quais se indicam caminhos e
controvérsias, sem necessariamente apresentar o conceito. Em consonância, Bourdieu e
Darbel apontam: Do mesmo modo que o aprendiz ou o discípulo pode adquirir inconscientemente as regras da arte, incluindo as que não são explicitamente conhecidas pelo próprio mestre, mediante uma verdadeira renúncia de si que exclui a análise e a seleção dos elementos da conduta exemplar, assim também o amador de arte pode, ao abandonar-se de alguma forma à obra, interiorizar seus princípios e regras de construção sem que, em momento algum, estes sejam trazidos à consciência e formulados enquanto tais, o que faz toda a diferença entre o teórico da arte e o conhecedor, quase sempre incapaz de explicitar os princípios de seus juízos. Neste domínio, como em outros (por exemplo, a aprendizagem da gramática da língua materna), a educação escolar tende a favorecer a retomada consciente de esquemas de pensamento, de percepção ou de expressão, já controlados inconscientemente, por um lado, ao formular explicitamente os princípios da gramática criadora, por exemplo, as leis da harmonia e do contraponto, ou as regras da composição pictural, e, por outro, ao fornecer o material verbal e conceitual indispensáveis para dar nome às diferenças, antes de tudo, percebidas de maneira puramente intuitiva (BOURDIEU; DARBEL, 2007, p. 105-106).
O ensino formal tradicional, principalmente os explicitados nos três primeiros
períodos, tende a focar na gramática da música, ou seja, a teorial musical e seus elementos
afins relacionados ao tonalismo e a criatividade é um ponto que aparece amarrado às regras
77
do tonalismo e, portanto, dependendo previamente dessas regras. A partir do quarto período,
os autores começam a questionar não somente a ausência da criatividade, mas a reprodução
da forma de se ensinar música sem composição, uma vez que a criatividade é essência de
todas as artes. Tal questionamento também gera um rompimento estético com a música tonal
e modal, permitindo maior expressividade. Por outro lado, cria-se um padrão estético
completamente distinto das culturas populares e músicas do cotidiano dos alunos, inclusive
sendo questionado se aquilo é, de fato, música.
Dessa forma, ao se considerar uma perspectiva de cultura como elo da criação de uma
identidade nacional, tal qual proposta no presente capítulo, a música produzida pelo quarto
período reproduz a música de concerto erudita da atualidade das camadas dominantes,
principalmente europeia, reproduzindo os valores dominantes e desvinculando a realidade das
classes populares. Contudo, para realizar sua prática tal qual a ideia dos autores, é preciso que
a escola possua todos os instrumentos de orquestra para os alunos praticarem. Se tal fato na
Europa ou América do Norte ocorre em escolas públicas, no Brasil tal fato é umbrático.
No Brasil, as aulas ou cursos que exploravam a criação e exploração dos sons
vinculada às correntes da música de concerto contemporânea ficaram conhecidas como
oficinas de música. O método passou a ser experimental, uma vez que a ênfase é sempre dada
ao trabalho do aluno e o professor atua como um estimulador sensível, e para isso precisa ser
um criador em potencial, tendo como princípios a sensibilização e a conscientização do
universo sonoro, experimentação, improvisação, apreciação crítica, estruturação e notação
contemporânea, além de interdisciplinaridade com características visuais, espaciais e
tecnológicas (PAZ, 2000).
Este período coincidiu com a criação da LDB de 1971, a qual instituía a arte-educação
no lugar da disciplina canto orfeônico. Uma vez que passa a não haver mais a obrigatoriedade
de um professor especialista em música, mas sim um professor licenciado em educação
artísticas que deveria dominar e ensinar as quatro linguagens – Artes Visuais, Dança, Teatro e
Música –, as oficinas de Música foram amplamete aceitas, pois o professor que não tocasse
nenhum instrumento musical poderia propor ao aluno criar livremente músicas sem nenhuma
preparação, se respaldando em uma concepção estética equivocada da música contemporânea
e na criatividade livre com respaldo nos autores do quarto período. Ademais, a atitude de um
professor pedir uma criação livre não significa, de fato, aplicar os referenciais de um método,
mas sim uma colcha de retalhos sem nenhuma preocupação metodológica embasada.
Ocorre que embora a pedagogia do risco (GALLO, 1990) encoraje ao aluno a
criatividade, há a necessidade de um professor bem preparado para trabalhar nesse ideal. Sem
78
isso, a aula pode ficar vazia, sem rumo ou sentido para quem está aprendendo e um
conhecimento raso para cada linguagem artística, o que não enriquece culturalmente o aluno.
Ao contrário de Schafer, que desconsiderava a música pop para o ensino, as ideias de
Koelheuter tendem a valorizar a música local e a música criada pela indústria cultural.
Segundo ele, nosso desenvolvimento musical é falho porque não está de acordo com a
sociedade e cada exercício precisa estar de acordo com um grupo social: um livro de solfejo
francês não deveria servir a pessoa que vive no rock, assim como em uma cidade do interior o
exercício teria que partir do folclore local, pois o ponto de partida é sempre o sensorial. (PAZ,
2000, p. 227).
O quinto período delimitado por Gainza (2003) é o período de integração, demarcado
pela volta dos regimes democráticos nos países da América latina. No Brasil, foi em 1985 que
ocorreu o fim do regime militar, tendo então como posterior reforma a Constituição de 1988,
em seu artigo 205, que além de delegar ao estado o papel da educação, também dá à família o
papel da colaboração e deixa aberta à sociedade a sua participação, o que anteriormente não
ocorria (BRASIL, 1988). Antes, as constituições davam à família a incumbência de ministrar
a educação junto com o estado (BRASIL, 1946) ou a educação é tarefa a ser "dada no lar"
(BRASIL, 1937).
Durante esse período, no ano de 1980, houve a criação do primeiro curso de pós-
graduação stricto-sensu no Brasil, oferecendo o Mestrado acadêmico em Música pela UFRJ,
tendo como áreas de conhecimento inicialmente Práticas interpretativas e Composição55. No
mesmo ano houve a implantação do primeiro doutorado em Artes no Brasil pela USP, sendo
que o primeiro mestrado em Artes havia sido implementado seis anos antes56. Em 1983 o
Conservatório Brasileiro de Música passou a oferecer o mestrado em Música, também tendo
destaque a criação do curso de Musicoterapia dez anos antes57. Em 1986, foi implementado
no Rio Grande do Sul o primeiro Programa de Pós-Graduação em Música da Região Sul na
UFRGS, tendo como áreas de concentração práticas interpretativas e a educação musical. A
mesma instituição foi a pioneira em implementar o primeiro doutorado em Música no Brasil
55 Informações do sítio eletrônico do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRJ. Disponíveis em: <
http://www.musica.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=60&Itemid=85> Acesso em: 02 maio 2016.
56 Informações do sítio eletrônico do Programa de Pós-Graduação em Música da USP. Disponível em: <http://www3.eca.usp.br/pos/ppgmus>. Acesso em 02 maio 2016.
57 Informações disponíveis no Sítio eletrônico do Conservatório Brasileiro de Música. Disponível em: <http://www.cbmmusica.edu.br/cbm-unicbe>. Acesso em 02 maio 2016.
79
nove anos depois, abrangendo como área de pesquisa a Educação Musical, Composição,
Práticas Interpretativas e Etnomusicologia/Musicologia58.
Na década de 1980 podemos constatar o registro de publicações seriadas acadêmicas
no Brasil na área específica de Música – desconsiderando pesquisas sobre música em artes,
educação ou humanidades. Cavazotti (2003) destaca que publicações de periódicos científicos
brasileiros de música ligados às associações ou instituições de nível superior surgiram na
década de 80, ocorrendo em 1983 o primeiro boletim da Sociedade Brasileira de Musicologia,
em 1984 a revista Pesquisa em Música com publicação trimestral pelo Centro de Pós-
Graduação, Pesquisa e Especialização do Conservatório Brasileiro de Música (CBM), em
1989 foi lançado o correspondência musicológica Euro-Brasileira, envolvendo três entidades
no Brasil e Alemanha – Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos, Institut für Studien der
Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e Akademie Brasil-Europa –, e em 1990 foi
publicado o primeiro número da Revista da Associação Nacional de Música de publicação
anual59.
O sexto período, iniciado na década de 1990, foi denominado de “novos paradigmas”.
Nesse sentido, Gainza (2003) diferencia método de modelo, no qual o método é sequenciado e
enfatiza determinado fator, como o corpo, método instrumental, coral e estando em um
contexto específico, como em um conservatório ou aulas de violino, enquanto o modelo é
compreendido como uma construção coletiva de um conjunto de materiais, atividades e
condutas que não pressupõem necessariamente uma sequência prévia e um contexto
específico, podendo ser combinado com outros modelos ou métodos.
Outro elemento que está presente no sexto período da educação musical é a busca pela
identidade cultural por meio da música e da educação musical nos países latino-americanos.
Pela produção acadêmica, principalmente na área da Etnomusicologia, seja no Brasil ou no
exterior, a academia passa a enxergar a música popular urbana e demais manifestações
musicais midiáticas como um elemento integrador para a aprendizagem do aluno, passando a
enxergar o repertório de gosto do aluno como o ponto de partida para a discussão e
aprendizagem, tirando o foco curricular exclusivamente dos grandes gênios da música erudita.
Outro problema relatado por Gainza (2003, p. 19) é que durante a década de 90 “os
professores ativos leem muito pouco ou nada, porque eles recebem baixos salários, falta
dinheiro para comprar livros e não se pode esperar para se sentir mais entusiasmo e motivação
58 Informações do sítio eletrônico do Programa de Pós-Graduação da UFRGS. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/ppgmusica/apresentacao/>. Acesso em: 02 jun. 2016. 59 Em1993 a UNIRIO iniciou seu mestrado em Música Brasileira.
80
para o trabalho que fazem. Isso resulta em um círculo vicioso”. No entanto, se em 2003 isso
era um empecilho, hoje com a popularização e baixo custo da internet, alunos e professores
têm acesso mais fácil e barato a muitos tipos de materiais, incluindo os REA, repositórios
virtuais de livros, bases de dados de periódicos, bancos de teses e dissertações online,
MOOCs e de cursos online de formação continuada gratuitos oferecidos por instituições
públicas ou associações sem fins lucrativos de acesso fácil e gratuito a textos, vídeos e
partituras que outrora ocorria de forma escassa.
Nesse período foi sancionada a atual LDB (BRASIL, 1996). Em 1997 e 1998 foram
publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais, que dividiram a área de Artes nas
linguagens Música, Teatro e Artes Visuais. Houve ênfase na criação de cursos superiores de
Licenciatura em artes nessas linguagens que passou a dar lugar ao polivalente das décadas
anteriores.
Na década de 1990, continuou a produção científica no Brasil, aumentando a criação
de pós-graduações em Música e escrita científica na área da música, já iniciados durante a
década de 80, trazendo à tona as ideias de educadores musicais que se destacavam no cenário
mundial. Fonterrada (2008) destaca Bennet Reimer, Keith Swanwick e David Elliot, sendo
estes dois últimos atuantes nas décadas do quinto e sexto período da educação musical do
século XX.
Keith Swanwick é regente, pianista, organista e compositor. O modelo TECLA60 de
Swanwick, de 1979, prevê a técnica ou aquisição de habilidades (skil acquisition) apenas
como uma atividade secundária na educação musical, juntamente com a literatura, sendo
prioridade a apreciação, composição musical e a performance.
O canadense David Elliot tem se destacado por suas pesquisas engajadas em questões
sociais. O autor define musicalidade como um conjunto multidimensional de conhecimentos,
e a escuta musical envolve construção de informações e conhecimento inter e intramusicais,
pois os conhecimentos exigidos para uma escuta efetiva são os mesmo exigidos pela prática
musical – criar ou compor (FONTERRADA, 2008, p. 114-115).
No Brasil houve uma grande mudança no modo de ensinar música com o inicio da
internet no país, com a ampliação das videoaulas de instrumentos musicais, a popularização
dos instrumentos eletrônicos, os tutoriais de ensino de instrumento através de revistas ou
interativos por CD-ROM. 60 (T)EC(L)A. No original, C(L)A(S)P. As letras que se apresentam entre parêntesis são consideradas atividades
secundárias, o que é priorizado no ensino tradicional. Temos Técnica, Execução, Composição, Literatura, Apreciação. Ou seja, o autor entende a execução, composição e apreciação musical como habilidades primárias e literatura e técnica como atividades secundárias.
81
Ao longo do século XX houve uma quebra de paradigmas estético-musicais e
educacionais que irão desencadear em um rizoma multicultural e social que reflete os desafios
educacionais do ensino de música para o século XXI. Traços de habitus conservatorial
esteviveram presentes nessas metodologias e ainda permeia o currículo de algumas
universidades61 que formam os professores de Música para a educação básica no Brasil – e ao
longo do mundo. Somente no fim do século XX é que, no Brasil, começa a haver uma
preocupação com pesquisas em educação musical que contenha críticas que irão gerar novas
visões de ensino de música.
Na seção seguinte iremos analisar as principais ideias e conceitos para o século XXI,
procurando identificar as principais características apontadas por pesquisas na área. Tendo
exposto o conteúdo da seção 1.1, será proposta uma base metodológica baseada no
multiculturalismo e aquisição de capital cultural, fazendo um alinhamento com a legislação
brasileira e o conceito de educação musical apresentado na seção 1.2.
1.4 Bases para educação musical no século XXI
Nenhuma teoria de educação musical que mereça algum crédito pode ser sustentada sem uma análise profunda da música como um elemento essencial na estrutura da experiência humana. Nenhuma prática sensível da educação musical pode acontecer sem pelo menos uma noção intuitiva da natureza qualitativa da resposta musical. Nenhum estabelecimento eficaz de políticas sobre conteúdo de currículos e avaliação dos alunos pode ser conduzido sem uma consequência do que é central para a experiência musical. Isso se aplica tanto ao currículo na educação superior quanto à educação nas escolas primárias e secundárias (SWANWICK, 2014, p. 17).
Na seção anterior, elencamos os seis períodos da educação musical no século XX,
conforme classificado por Violeta Gainza (2003). Ao se analisar as ementas de alguns dos
cursos de Licenciatura em Música, constata-se a hipótese proposta aqui de que o estudo dos
autores das quatro gerações e suas metodologias, principalmente das três primeiras, estão
presentes nas disciplinas centrais da área de educação musical de cursos de Licenciatura em
Música62. Nos capítulos seguintes iremos pesquisar se tal fato se repete nos cursos a distância
de Música ou se a aprendizagem por tecnologias digitais consegue superar tais barreiras.
61 Como o currículo da UFJF apresentado no trabalho de M. V. M. Pereira (2012). 62 Foi pesquisado aleatoriamente em planos pedagógicos de cursos superiores de música as palavras chave dos
autores tratados em 1.2. As ementas de cursos de Licenciatura em Música que constavam o nome dos referidos autores foram: Universidade Federal do Maranhão - <http://musica.ufma.br/ens/ppp_parfor_1a_licenciaturamusica.pdf>, Universidade Federal de São Carlos - <http://www.prograd.ufscar.br/projetoped/projeto_musica.pdf>, Universidade de Brasília - <http://www.ufjf.br/musicalicenciatura/files/2013/11/UFJF-IAD-PPC-LICENCIATURA-EM-MÚSICA-3.pdf> e Universidade Federal de Juiz de Fora - <http://www.ufjf.br/musicalicenciatura/files/2013/11/UFJF-IAD-PPC-LICENCIATURA-EM-MÚSICA-3.pdf>.
82
Ao buscar bases para educação de acordo com as ideias do século XXI em seu
contexto social e tecnológico, realizou-se uma pesquisa sobre o que é e como ensinar música
atualmente no contexto da educação básica, buscando assim criar uma caracterização da
primeira geração do século XXI.
Partindo de Gainza (2003, p. 12), “Se o século XX poderia ser justamente descrito
como o ‘século da criança’, o século XXI deveria tornar-se o ‘século do professor’, de sua
valorização e aperfeiçoamento”. Ainda: A realidade atual nos mostra repetidamente o poder criativo das novas gerações. É necessário que os professores de música e arte conheçam melhor uns aos outros, partilhem preocupações e reflitam abertamente os motivos em comum que os guiam, aprendendo a discernir o supérfluo do profundo, o falso do verdadeiro, o urgente do fugaz e desnecessário. Para isto, é urgente:
• Avaliar de forma realista a situação global do ensino de artes nos diferentes níveis de ensino, principalmente no ensino superior.
• Atualizar a base teórica e os materiais e técnicas de ensino nos diferentes programas e projetos de educação artística.
• Organizar seriamente as carreiras de nível superior, a especialização em música, que cuida de:
- Revitalizar o modelo de conservatório; - Humanizar (completar e “abrir”) as novas carreiras e ofertas universitárias; e - Atualizar as carreiras musicais tradicionais. (GAINZA, 2003, p. 12-13).
Partindo dos conceitos de ensino de música para elevar o capital cultural do aluno
dentro de uma perspectiva multiculturalista, a compreensão da cultura é algo que deve ter a
mesma importância que as demais áreas presentes na formação do professor de Música do
século XXI, partindo de um pensamento crítico e, a partir deste, trabalhar as demais áreas
com um viés crítico.
Ocorre que o habitus conservatorial inculcado na formação de professores atribui um
grande valor às áreas ligadas diretamente ao fazer musical e acaba relegando a ligação entre
música e cultura a um debate pouco importante nas aulas da educação básica, ocorrido apenas
quando sobra algum tempo na aula, depois de realizada as atividades musicais práticas – que
por vezes acaba não ocorrendo, tendo em vista a realidade brasileira da alta quantidade de
alunos por professor e falta de recursos humanos e materiais.
Isso não significa que o Professor de Música do século XXI não deva ter
conhecimentos musicais ou mesmo deixar de fazer música com os alunos da educação básica.
O fazer musical em uma aula de música na educação básica é algo imprescindível, pois o
aluno tem o contato concreto com diversas culturas a partir do momento que experimenta
sons e incorpora parte dessas culturas através do fazer musical, o que não é possível somente
pela apreciação de músicas ou vídeos. Atualmente, esse diálogo com diversas culturas pode
ser realizado em sala de aula e expandido com outras comunidades musicais pela internet.
83
Algumas questões levantadas por Violeta Gainza (2003) podem servir de ponto para
caracterizar o professor do século XXI, como a atualização das carreiras musicais. Há cursos
superiores fora do Brasil que estudam música através da perspectiva das ciências humanas e
sociais e suas tecnologias, como os cursos de Bacharelado em Etnomusicologia, Musicologia,
jazz e improvisação, mercado da música, produção de música para filmes, TV e jogos,
produção de música eletrônica63 ou produção musical64. Essa realidade ainda parece algo
muito distante no Brasil – ao menos nas instituições públicas.
Embora a presença desses bacharelados não contribua diretamente para a formação do
professor da educação básica, a possibilidade de inserção de disciplinas comuns desses cursos
ao de Licenciatura em Música, acrescida de estudos interdisciplinares, contribuiria para uma
formação musical fora do âmbito da música erudita, já que as universidades mantêm
disciplinas em comum com os bacharelados tradicionais focados em formar músicos
concertistas virtuosos.
A música popular vem ganhando espaço nas universidades, principalmente nas
últimas décadas. Os bacharelados em Música Popular Brasileira ou mesmo em instrumentos
populares, como bandolim ou cavaquinho65 parecem apontar alguma inovação. No entanto,
cabe atentar que: A música popular vem lutando por um espaço nas universidades, mas peca ao submeter-se às forças deste habitus. O que quer a música popular na universidade? Legitimidade, reconhecimento, status. Mas a própria música popular opera seleções em seu ingresso na universidade: não é toda e qualquer manifestação popular que adentra no âmbito do ensino superior, mas a boa música popular. Quais os critérios para esta seleção? Critérios estabelecidos pela ideologia musical incorporada, não todos, mas parte deles – complexidade, espiritualidade, universalidade... Tal fato reflete a luta pela posição privilegiada, a luta por uma maior cotação no valor como capital cultural. (PEREIRA, M. V. M., 2012, p. 145).
O ensino de música do século XXI pode ser caracterizado pelos debates em busca da
compreensão das necessidades do momento atual pelos cursos de formação continuada, pós-
graduações, publicações impressas e debates presenciais ou online. Algo que vem sendo
amplamente discutido são estudos de práticas não-formal e informal para incorporar a 63 Podemos encontrar os cursos citados nas seguintes instituições: Berklee Colegge of Music –
<https://online.berklee.edu/music-degrees>, University of Washigton – <https://music.washington.edu/bachelor-arts-ethnomusicology>, Australian National University – <https://music.anu.edu.au/future-students/undergraduate/bachelor-music>. Disponível em: 30 ago. 2016.
64 Existe o curso superior tecnólogo em Produção Musical oferecido por instutições particulares. No entanto, não há esse curso como Bacharelado, sequer oferecido por instutições públicas. Há o Bacharelado em Música e Tecnologia no Conservatório Brasileiro de Música.
65 De acordo com consulta no e-mec, atualmente o curso de bacharelado em MPB é oferecido pelas instituições UNICESUMAR, UNIRIO e CBM. O Bacharelado em Bandolim e Cavaquinho é oferecido somente pela UFRJ. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br>. Acesso em 16 set. 2016. Cabe atentar que há bacharelados em outros instrumentos populares, como guitarra elétrica ou outros. Não cabe aqui uma pesquisa aprofundada sobre o assunto, mas apenas ilustrar a existência destes como uma quebra do paradigma da música erudita.
84
educação formal – entende-se educação formal como a educação institucionalizada e objetiva
o diploma; A educação informal ocorre no dia-a-dia com o convívio social cotidiano, de
forma natural e objetiva resultados que nascem a partir do senso comum; A educação não-
formal ocorre em organizações, atividades, meios e formas variadas com objetivo de ensinar,
não é algo naturalizado, pois é construída sob certas condicionalidades e seu aprendizado não
é espontâneo e objetiva formar a identidade do cidadão para o mundo da vida66 (GOHN,
2015). Nesse sentido, a Educação Musical contemporânea demanda a construção de novas práticas que deem conta da diversidade de experiências musicais que as pessoas estão vivenciando na sociedade atual. Assim, transitar entre o escolar e o extraescolar, o formal e o informal, o cotidiano e o institucional, torna-se um exercício de ruptura com modelos arraigados que teimam em manter separadas esferas que na experiência vivida dialogam (ARROYO, 2000, p. 89).
Sendo assim, “a educação musical não é problemática até que venha à superfície em
escolas e colégios, até que se torne formal, institucionalizada.” (SWANWICK, 2003, p. 50).
Atualmente, ao tentar implementar projetos em escolas públicas de educação básica no Brasil,
o professor de Música pode esbarrar no fato de não haver quaisquer recursos materiais,
grande quantidade de alunos por turma, não poder fazer “barulho” em sala de aula para não
atrapalhar a concentração das salas vizinhas, entre outros fatores, bem como o gestor impor
quais músicas o professor deve ensinar ou mesmo não ter consciência do papel da arte e suas
diversas linguagens na formação do aluno.
Uma educação musical pode ser integralmente realizada através de projetos67 em que o
aluno possa ter mobilidade para escolher alguma oficina obrigatória de acordo com seu gosto,
como ter um leque de opções como canto coral, aprendizagem de instrumento em grupo,
criação de música – eletrônica ou acústica –, práticas em conjunto, entre outras, ambas
permeadas pela aquisição de capital cultural através de uma postura crítica sobre cultura e
sociedade. Tendo em vista a educação em tempo integral prevista no atual PNE, poderiam ser
oferecidas por centros de artes na esfera pública, fixos ou itinerantes 68 localizados
geograficamente em regiões próximas a escolas, que poderiam contar também com polos de
cultura nas escolas vinculadas aos centros de artes.
66 Para observar mais trabalhos sobre educação musical informal e não-formal, ver Arroyo (2000), Green (2002),
Gohn (2015). 67 Como exemplo de educação musical por projetos, Swanwick (2003) descreve o projeto Tower Hamels, música
numa escola escocesa, o ensino no Brasil e o mestre do tambor. 68 No caso de oficinas que não necessitariam de recursos materiais específicos, como flauta doce, a possível
mobilidade do professor as escolas é viável. Em casos como criação de música eletrônica, por exemplo, a mobilidade dos recursos materiais às escolas fica inviável.
85
Embora essa ideia possa parecer utópica mediante a realidade de muitas redes de
educação básica no Brasil, cabe atentar que o poder público precisará de alguma forma se
adequar à educação integral prevista no PNE para o ensino fundamental e pela MP 746 para o
ensino médio. A mera duplicação das disciplinas já existentes para o ensino fundamental não
trará ganho de capital cultural, assim como oferecer ao aluno práticas musicais sem um
professor que saiba direcionar tal prática a uma crítica do papel da cultura. Acreditamos que
uma gestão pública que acredite na construção de um projeto artístico e cultural consiga força
política para articular e viabilizar tais projetos através de parcerias entre as esferas municipais,
estaduais e federal para serem construídos centros de artes e cultura, ou ainda, realizar
parcerias entre escolas ou secretarias de educação com secretarias ou fundações de cultura
para a otimização do aparato cultural já existente seja voltado para a educação formal69.
As escolas também poderiam realizar mais parcerias independentes para assistir ou
participar de práticas artísticas informais no entorno da comunidade escolar, como escolas de
samba, sociedades musicais, salas de concerto, dentre outras práticas musicais. Cabe atentar
que tal prática poderia ocorrer como estratégia educacional para os centros urbanos e demais
áreas urbanas, mas certamente seria um grande desafio para as áreas rurais.
Acrescentamos o fato de que, com a Lei nº 13.278/16, uma educação multicultural em
Artes poderia ocorrer integralmente com projetos em Música, Teatro, Artes Visuais e Dança.
Com a disponibilização de recursos materiais e humanos adequados, seria possível que as
escolas ofereçam a disciplina Arte através de projetos interdisciplinares por linguagens,
envolvendo uma junção da prática artística e crítica social, possibilitando ao aluno se
inscrever naquela prática artística que mais se identifica, inclusive dentro de uma mesma
linguagem.
Tais projetos podem ser organizados sob o aspecto de educação não formal, uma vez
que esta pode ser definida como um “processo sociopolítico, cultural e pedagógico para a
cidadania, entendendo o sociopolítico como a formação do indivíduo para interagir com o
outro na sociedade” (GOHN, 2015, p. 29).
Sendo assim, a educação não formal faz o elo entre a educação formal e informal,
transmitida pela família, local que se vive, religião e classe social familiar. Não substitui a
escola, não substitui a educação formal, mas não pode ser vista como mero coadjuvante para 69 Como exemplo no interior do Estado do Rio de Janeiro podemos citar as escolas de dança, música e teatro da
Fundação Macaé de Cultura, Fundação Cultural Casimiro de Abreu, Fundação Rio das Ostras de Cultura e da Secretaria de Turismo, Cultura e Patrimônio histórido de Armação dos Búzios, nas quais convênios com escolas ou secretaria de educação nunca ocorreram ou atualmente não existem. Ocorrem processos seletivos para entrar nessas escolas, que variam entre sorteio, entrevista ou prova de ingresso, não conseguindo absorver a maior parte dos alunos interessados.
86
ocupar os alunos fora do período escolar de uma escola integral e poderá ocorrer tanto em
espaços não institucionalizados quanto nos institucionalizados, como no interior de uma
escola ou em um conselho gestor (GOHN, 2015). A educação não formal não é nativa, no sentido da herança natural; ela é construída por escolhas ou sob certas condicionalidades, há intencionalidades no seu desenvolvimento, o aprendizado não é espontâneo, não é dado por características da natureza, não é algo naturalizado (GOHN, 2015, p. 29).
É importante destacar que uma proposta de formação de professores em educação
musical para a educação básica não deve desconsiderar a aprendizagem da percepção musical,
escrita musical, harmonia, ou história da música, assim como não descartar a música erudita
europeia como um dos elementos estéticos, uma vez que seu conhecimento é muito
importante para a compreensão histórica do processo do fazer musical ocidental. No entanto,
as bases para aprendizagem de música no século XXI precisam ter como resultado uma
formação que deva levar em conta um domínio da linguagem musical crítica aos diversos
fenômenos sociais, culturas e subculturas existente no cotidiano escolar.
O ensino tradicional de Música leva em conta habilidades de execução, conhecimentos
de história da música ocidental europeia e teoria musical, ambos voltados para a música
erudita europeia, e com isso acaba preparando alguém capaz de transmitir esses conteúdos de
forma tecnicista e acrítica: forma-se, na prática, um “instrutor musical” em nível superior,
muito semelhante a um bacharel. Ocorre que se um Bacharelado em Música objetiva a
formação de um músico concertista – e não de um professor do instrumento –, a Licenciatura
deve preparar um professor para atuar na educação básica, não necessitando de formação
específica para o ensino do instrumento em cursos e conservatórios, tal qual apontado por
M.V.M Pereira (2012).
Para Swanwick (2014), a partir dos critérios de classificação e enquadramento
presente nos currículos, o professor age como instrutor musical quando estes critérios são
fortes e o docente tem objetivos comportamentais e mecânicos ou informativos sobre saber
música esperados do aluno, conteúdos previamente formulados sem a participação do aluno, o
que banaliza a atividade e coloca o controle do aprendizado nas mãos do professor e o aluno
pode então não ser capaz de se apropriar dele.
Ao tentar analisar a música popular sob a ótica dos mesmos padrões estéticos de
música erudita, que enaltece a melodia contrapontística e quebra de expectativa harmônica, e
aplicá-los à música popular presenta na indústria cultural, a conclusão é que esta música é
ruim. Tal fato é inculcado ao professor através do habitus conservatorial e é replicado nas
aulas de música de educação básica, validando cientificamente o gosto dominante e validando
87
um status de classe. Apenas alguns artistas de determinados gêneros musicais legitimados,
como bossa-nova, choro ou jazz, entre outros gêneros regionalmente consagrados, se
aproximam desses padrões estéticos e acabam sendo legitimados pela academia – e pela
classe dominante 70 – como a música popular legítima. Nesse sentido, dentro da música
popular, que toca jazz ou choro pode ser considerado erudito por seus pares.
Portanto, é preciso suplantar a Análise Musical e expandirmos à análise crítica
contemplando uma perspectiva interdisciplinar para que a música seja compreendida também
como um fenômeno humano e social, além de um fenômeno sonoro. Embora tal fato ocorra
na área de Etnomusicologia, é necessária a integração curricular voltada aos objetivos de
ensino da educação básica como transversal a metodologia e conteúdos na formação do
professor.
Se ainda considerarmos que a Música pode ser vista na escola como uma disciplina
recreativa com a função de distrair e relaxar para as disciplinas realmente importantes, a
escola então objetiva a aula Música em formação de plateia para concertos ou músicas
populares consideradas mais sofisticadas para os padrões da classe média alta e classe
dominante. Desde a institucionalização da escola, pares de oposição caracterizam a cultura escolar. Predomina ora um, ora outro termos dos seguintes pares (inclusive para qualificar a instituição escolar): oralidade/cultura letrada; permanência/mudança; velho/novo; antiguidade/modernidade (com seu ethos progressista); estático/dinâmico; passividade/atividade; música erudita/música popular; inferior/superior; coletivo/individual; emoção/razão; corpo/mente; cabeça/mãos (a divisão trabalhador intelectual / braçal, manual na moderna sociedade industrial). Esses termos vão construindo categorias que opões lado esquerdo e lado direito – este, relativo ao dinâmico, à mudança, à atividade, á tecnologia, à modernidade. Fala-se assim, de uma cultura acadêmica musical – “academic musical culture” (SANTOS, 2012, p. 12).
Pierre Bourdieu (2007b) questiona a neutralidade da escola e do conhecimento escolar,
argumentando que a transmissão dos conteúdos e avaliação são, fundamentalmente, os gostos,
as crenças, as atitudes e os valores dos grupos dominantes, apresentados dissimuladamente
como cultura universal.
A escola ao estabelecer currículos, métodos de ensino e formas de avaliação tem um
papel ativo no processo social de reprodução das desigualdades sociais. Mais que isso, ela
cumpre o papel fundamental de legitimar essas desigualdades, convertendo-as em diferenças
70 Se considerarmos, de forma caricata, que, ao contrário de uma elite europeia, a elite brasileira não tem o
hábito de apreciar músicas de concerto, mas apenas uma pequena parcela de seu repertório e artistas da MPB que têm aproximação estética com o jazz e música erudita, podemos inferir que há um arbitrário cultural nas escolas não somente para os padrões conservatoriais dos principais gênios da música, mas também de artistas brasileiros e americanos consagrados por essa elite social.
88
relacionadas aos méritos e “dons”, dissimulando as bases sociais que as sustentam. Tal fato
também é encontrado na formação do professor de Música, assim como nas demais
Licenciaturas. Não há indicio algum de pertencimento social, nem mesmo a postura corporal ou a indumentária, o estilo de expressão ou o sotaque, que não sejam objetos de ‘pequenas percepções’ de classe e que não contribuam para orientar – mais frequentemente de maneira inconsciente – o julgamento dos mestres. O professor que, ao julgar aparentemente ‘dons inatos’ mede, pelos critérios do ethos da elite cultivada, condutas inspiradas por um ethos ascético do trabalho executado laboriosa e dificilmente, opões dois tipos de relação com uma cultura à qual indivíduos de meios sociais diferentes estão desigualmente destinados desde o nascimento. A cultura de elite é tão próxima da cultura escolar que as crianças originárias de um meio pequeno burguês (ou, a fortiori, camponês e operário) não podem adquirir, senão penosamente, o que é herdado pelos filhos das classes cultivadas: o estilo, o bom-gosto, o talento, em síntese, essas atitudes e aptidões que só parecem naturais e naturalmente exigíveis dos membros da classe cultivada, porque constituem a ‘cultura’ (no sentido empregado pelos etnólogos) dessa classe. Não recebendo de suas famílias nada que lhes possa servir em sua atividade escolar, a não ser uma espécie de boa vontade cultural vazia, os filhos das classes médias são forçados a tudo esperar e a tudo receber da escola, e os sujeitos, ainda por cima, a ser repreendidos pela escola e por suas condutas por demais ‘escolares (BOURDIEU, 2007c, p. 55).
Cabe atentar para o fato de que muitos educadores fazem uma leitura rasa sobre
educar partindo do universo cultural do aluno – a pedagogia crítico-social dos conteúdos – e
acabam por somente reproduzir apenas o que a mídia e indústria cultural determina,
comumente presente no cotidiano de um aluno, tornando o conteúdo do debate escolar vazio e
não transpondo essa barreira, que precisa ser o papel da educação. Sendo assim, a proposta da
escola deve propor um ganho de capital cultural transversal a todas as disciplinas. Instigar a
expansão cultural precisa ser a tônica de qualquer prática educacional, não apenas a
preparação de mão de obra para o mercado de trabalho e ensino superior.
A escola pode ser a única chance de contato do aluno com uma crítica à massificação
da cultura e às culturas eruditas. Então, garantir o acesso ao aluno à cultura erudita é
importante, uma vez que para romper as estruturas de poder é preciso que o aluno
compreenda o código dos valores dominantes e, a partir dele, produza novos conhecimentos
que o rompa com essa estrutura. No entanto, esta deve ser uma via de mão dupla, onde é
igualmente importante os alunos e professores também estabelecerem contato com a cultura
popular de massas.
A partir disso, ao invés do dominado inculcar o discurso dominante através de uma
violência simbólica sobre uma das formas de poder simbólico – sendo a arte uma dessas
formas de estrutura estruturante –, a partir de uma postura crítica-social dos conteúdos que
possibilite o aluno se apropriar do saber dominante, partindo de sua realidade social e tendo
como ponto de chegada uma crítica dessa cultura dominante. Para isso, o aluno precisa
89
conhecê-la, não podendo o professor se privar de torná-la importante objeto de aprendizagem.
Sendo assim, “o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo
que o exercem” (BOURDIEU, 1989).
Cabe então a educação instigar ao aluno a compreender quem exerce o poder
simbólico e conscientizar da luta de classes para então romper com essa lógica. É preciso que
após partir do cotidiano do aluno, o professor de música ande na contra-hegemonia do gosto
musical imposto pela mídia, permeando diversos padrões culturais musicais existentes,
incluindo os da classe dominante. Para os indivíduos das camadas menos favorecidas, a escola permanece a única via de acesso à cultura, e com isso todos os níveis do ensino; portanto, ela seria a via real da democratização da cultura se não consagrasse, ignorando-as, as desigualdades iniciais em relação à cultura e se não chegasse com frequência – reprovando por exemplo um trabalho escolar por ser muito ‘escolar’ – a desvalorizar a cultura que ela mesma transmite em favor da cultura herdada que não leva a marca reles do esforço e tem, por isso, todas as aparências da facilidade e da graça (BOURDIEU; PASSERON, 2014, p. 38).
O trecho acima, originalmente publicado em 1970, se pensado atualmente sob o
prisma do amplo acesso à comunicação através da internet, a escola não é mais a única via de
acesso a cultura, portanto, sua função social deve ser repensada. A internet impulsiona a
quantidade de informações, cria uma cultura digital, modifica as práticas culturais e redefine o
papel da escola e do professor.
No Brasil, embora a democratização do acesso à internet esteja em constante evolução,
principalmente com o uso de smartphones através de linhas pré-pagas, ainda há grande
dificuldade de acesso, principalmente nas cidades de interior e nas periferias dos centros
urbanos, na qual as classes mais baixas da população têm dificuldade de acesso. Cabe refletir
que um usuário da internet pode continuar refém de ums cultura midiática de massa, uma vez
que as grandes empresas de comunicação controlam parte do conteúdo disponível na rede,
amplificando através dela o seu domínio.
Além dos pontos já discutidos anteriormente e levantados por Gainza (2003),
incluímos a necessidade de o professor de Música saber lidar com as tecnologias digitais
como parte importante dos saberes que alicerçam a base do professor de música do século
XXI. Além do uso como instrumento pedagógico, o computador é também um instrumento
musical que professores e alunos usam para criar e gravar música conectado a outros
instrumentos MIDI71 ou através de samplers.
71 O padrão MIDI é um protocolo de transferência de dados entre instrumentos eletrônicos e computadores.
90
Além das práticas populares tradicionais, projetos que envolvam música popular
eletrônica também devem estar presente no ensino de música, principalmente considerando
que em escolas públicas pode não haver instrumentos musicais disponíveis, mas sim contar
com laboratórios de informática, que podem criar música eletrônica gravada ou performance
acrescida ou não a instrumentos acústicos. O mesmo vale para utilizar aplicativos de celular e
tablets que os alunos podem possuir. Sendo assim, cabe também considerar nesse processo a
captação e criação de sons e ruídos para composição, conforme proposto pelos autores da
quarto período do século XX, agora então com o acréscimo de recursos eletrônicos e
colaboração em nuvem.
A tecnologia cria uma quebra de paradigma ao repensar as formas de ensino mediante
uma cultura digital cotidiana. Consequentemente, impactam na perda de sentido do papel do
professor no processo de ensino tradicional de música. Colocando a tecnologia no centro da
aprendizagem, sem a interferência de professores formados, alunos podem aprender por
vídeos e animações interativas, tutoriais em diversas mídias, formulários eletrônicos de
exercícios teóricos ou de percepção musical ou mesmo praticar um instrumento MIDI através
de software que traz feedbacks de acertos sem qualquer interferência humana, ainda buscando
ajuda de outros pares de aprendizes em fóruns e redes sociais. Nesse caso, o professor de
música do século XXI precisa saber se inserir não mais como aquele que irá transmitir as
informações ou animar as aulas, mas auxiliar aos alunos a saberem filtrar as informações
disponíveis e saber pesquisar como decifrá-las.
Maura Penna (2012) aponta que o padrão de referência e modelo que tem sido
utilizado nas escolas brasileiras tem sido a música erudita europeia e de base tonal. Vimos
anteriormente (seção 1.2) que os três primeiros períodos da pedagogia ativa foram calcados
em um modelo tonal ou modal europeu e o quarto período destoava desse padrão.
Entendemos que tal modelo tonal continua a ser aplicado no Brasil por ser legitimado pela
academia. Além disso, as músicas de gêneros populares brasileiros e a música pop nacional e
internacional possuem principalmente o padrão tonal ou ora modal, mas nunca atonal72 ,
conforme proposto pelos educadores do quarto período do século XX (seção 1.2).
Através de uma conexão MIDI, é possível controlar diversos instrumentos ou computadores, gravar multipista e criar novos sons. Para uso didático, há aplicativos que usam esse padrão de comunicação para que o aprendiz toque uma determinada sequência de notas preestabelecidas em um arquivo MIDI e dê um feedback da performance.
72 Embora não possamos afirmar que todas as músicas populares brasileiras e músicas pop nacionais e internacionais não são atonais, uma vez que seria impossível analisar todas as músicas presentes no mundo inteiro, podemos concluir tal fato através de uma amostragem ouvida empiricamente nas rádios e TV`s até o momento de conclusão dessa pesquisa que possivelmente não ocorrem procedimentos atonais, seriais ou microtonais na integridade da forma da música.
91
Cabe atentarmos ao fato de que o acesso à música por determinados grupos de
adolescentes ocorre em grande parte por gravações ou performance de DJs, não ocorrendo
mais uma performance “ao vivo” de músicos tocando instrumentos acústicos. Cantar
juntamente com um playback gravado e o público aceitar com normalidade em uma
performance “séria” era algo impensável nas décadas anteriores aos anos 70 do século XX. O
professor de Música pode não considerar o DJ como músico e a música eletrônica como
manifestação legítima. Atualmente, há o anseio de um aprendiz aspirar ser DJ e a aula de
música tradicional pouco ou nada contempla aspectos nesse sentido, ficando a aprendizagem
para DJs reservada a TV, internet e vídeos (ARALDI, 2009).
Se a aprendizagem de música eletrônica remete ao DJ ou produtor musical como
alguém que precisa dominar ferramentas digitais sem nenhum conhecimento de partitura,
tocar instrumentos harmônicos através de cifras alfanuméricas, ou tocar algum instrumento
por imitação pode ser o suficiente para o aprendizado de determinados estilos, embora limite
o músico a uma amostra em meio a diversas possibilidades, a partitura torna-se desnecessária.
Sendo assim, a televisão substitui o livro-texto, e o gravador, a partitura. Ainda não sabemos se a notação convencional vai sobreviver a esse golpe, porém a rápida ruptura que está passando nas mãos dos atuais compositores de vanguarda nos sugere que é preciso uma revisão total. No momento, entretanto, devemos lidar com uma multiculturalidade de sistemas, e todo esse assunto deve dar muito o que pensar ao educador (SCHAFER, 1991, p. 308, grifo nosso).
O ensino de Música na educação básica atualmente pode tanto se utilizar da tecnologia
para reproduzir músicas e filmes em momentos específicos das aulas ou acessar a internet ou
adotar uma metodologia da tecnologia como centralidade do processo de aprendizagem para
produção de conhecimento sobre música. A escola Northern Beaches Christian School73 é
considerada um exemplo disso. Com a divisão da turma em até 56 alunos de idades diferentes
(9 a 12 anos) com a atuação de dois professores simultaneamente, os alunos são postos em um
amplo espaço e divididos em sete grupos ou bandas de 5 a 6 alunos, no qual tem acesso a
tutoriais escritos através de computadores individuais e a parte prática através de salas com
instrumentos MIDI ou elétricos amplificados através de fones de ouvido em pequenas salas,
além de um palco para revezamento das performances com sons acústicos74. As performances
e composições são gravadas e distribuída em nuvem e o papel do professor é dar orientação
aos grupos.
73 Escola australiana que possui a tecnologia como centro da aprendizagem. 74 Informações extraídas do curso The Place of Music in 21st Century Education, oferecido pela University of
Sydney através do site Coursera. Disponível em <https://www.coursera.org>. Acesso em 07 ago. 2016.
92
Nesse caso, o foco estético da música deixou de ser a música erudita para trabalhar
com a música do cotidiano discente – no contexto, a música pop. A escrita musical passa a ser
algo secundário, ocorrendo através de cifras alfanuméricas com a letra da música75, no qual os
grupos se ajudam assistidos simultaneamente por dois professores, colocando a tecnologia
como peça chave da quebra de paradigmas. O papel do professor passa então a ser o de
incentivador para que o aluno pesquise que envolve a internet como o meio detentor de
informações sobre como executar determinados trechos de música no seu instrumento. Tal
prática se aproxima da abordagem de Lucy Green (2008).
Embora o padrão estrutural da Northern Beaches Christian School76 seja superior ao
padrão das escolas no Brasil – mesmo as escolas particulares –, sua metodologia baseada na
tecnologia como centro da aprendizagem parece apontar uma tendência mundial para o ensino
de Música em escolas da educação básica ao redor do mundo – e, consequentemente, o
professor irá precisar adquirir novas competências nos períodos posteriores do século XXI.
Certamente os países de terceiro mundo terão dificuldade em obter financiamento para a
aplicação desses projetos em escolas públicas. Logo, refletir sobre a tecnologia como centro
da aprendizagem é uma competência que os atuais estudantes de Licenciatura em Música
terão que lidar ao longo de sua futura carreira de professor, e portanto, ser objeto de estudo
das universidades.
A autoaprendizagem é objeto de estudos acadêmicos do último século. Corrêa (2009)
destaca que olhar e observar são procedimentos importantes para aprender música e a internet
serve como uma espécie de acervo, além de utilizarem aparelhos eletrônicos para tocar junto
com a gravação ou com outros alunos. Green (2002) também relata uma forma de
aprendizagem entre pares com níveis distintos. A partir dessa observação foi criado o
movimento musical futures77. O modelo de aprendizagem de Green (2008) propõe para o
ensino informal cinco princípios identificados a partir da aprendizagem informal: (1) iniciar
sempre a partir da música que o aprendiz desejar; (2) tirar as músicas de ouvido a partir de
gravações; (3) escolhem os colegas com quem irão trabalhar em grupo, envolvendo
observação e imitação; (4) tocar músicas “inteiras” e partindo do “mundo real”, ou seja, do
cotidiano dos alunos, independente da complexidade da música escolhida; (5) pôr ênfase na
criatividade, integrando ouvir, improvisar e tocar.
75 Tal qual ocorre na prática informal da música popular de instrumentos harmônicos na internet ou mesmo em
escolas de música. Esses materiais que outrora era comprado em bancas de jornais agora podem ser impressos através de sites ou vistos em aplicativos, que podem em um clique realizar modulações automáticas.
76 Escola privada localizada na cidade de Sidney (Austrália). 77 Disponível em: <http://www.musicalfutures.org>. Acesso em 01 nov. 2016.
93
A autoaprendizagem de música através de pares ou grupos põe em cheque o fato de
não haver mais um professor no centro, mas sim uma “comunidade de aprendizes”
(SCHAFER, 1991). Destacamos a existência de comunidades virtuais para se aprender e fazer
música em conjunto, como as redes sociais drooble e fleeber, nas quais músicos e aprendizes
compartilham vídeos e podem tocar juntos em jam sessions online, buscar músicos próximos
a sua localização para montar bandas ou grupo de estudo de acordo com o instrumento ou dar
aulas online por webconferência, independente de ter diploma – nesse caso, quanto mais
seguidores o usuário tiver, maior seu status.
Portanto, repensar os alicerces para a aprendizagem de música no século XXI consiste
não somente em quebrar os paradigmas estéticos musicais ligados ao ethos de classe
dominante, mas repensar o currículo em música e a metodologia de ensino, que precisa incluir
processos não formais e informais de aprendizagem, dar foco à discussão de aspectos
culturais e multiculturais, envolver elementos de tecnologia tanto no acesso à informação
quanto a utilização de instrumentos musicais eletrônicos, além de repensar a formação inicial
e continuada do professor.
É indispensável que a formação de professores de Música passe por uma perspectiva
interdisciplinar, contemplando as demais linguagens artísticas – de forma diferente da arte-
educação – além de se correlacionar com áreas afins, principalmente as linguagens – uma vez
que no ensino médio a Arte é colocada dentro da área de linguagens, códigos e suas
tecnologias. Para isso, além de haver um PPP de curso de Licenciatura em Música prevendo
atividades interdisciplinares e os docentes promovam constantes debates acerca de como
praticar a interdisciplinaridade, os acadêmicos precisam ver tal prática ocorrendo e fazer disso
uma prática docente na educação básica desde o estágio supervisionado até sua atuação
docente em escolas de educação básica.
Frigotto (2008) afirma que a interdisciplinaridade se torna um problema, ou sopa
metodológica, se descontextualiza de um processo histórico-materiais e de relações sociais
que favorece as classes dominantes convergido a interesses universalmente válidos, sendo
uma forma específica cultural, ideológica e científica de conceber a realidade, de representá-la,
e de agir concreto na história social. O autor afirma que é necessário romper com uma postura
de desenraizamento e ecletismo, tendo como condição prévia para a interdisciplinaridade que
as concepções de realidade, conhecimento e os pressupostos e categorias de análise sejam
criticamente explicitadas, criando múltiplos problemas e não justaposição arbitrária de
disciplinas e conteúdos.
94
O especialismo na formação e o pragmatismo e ativismo que impera no trabalho pedagógico constituem-se em resultado e reforço da formação fragmentária e forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar. Este viés de formação vai situar a questão pedagógica do trabalho interdisciplinar não no processo de produção e reprodução do conhecimento, mas nos métodos e técnicas de transmissão. (FRIGOTTO, 2008, p. 59).
Portanto, pensar em um conteúdo comum sistematizado para todas as linguagens
artísticas e engessar o conteúdo arte tal feito na arte-educação é criar uma justaposição
arbitrária de conteúdos e não se caracteriza com interdisciplinar, tal qual ocorre nos livros
didáticos de Arte da rede pública através do PNLD, tal qual visto na seção 1.2.2.
Procuramos identificar no Quadro 1 as principais características dos seis períodos do
ensino de música do século XX explicitados na seção 1.3 baseado em Gainza (2003),
expandindo para as características do ensino de música do século XXI de acordo com o que
aqui foi exposto, resumindo os principais pontos.
95
Quadro 1 – Períodos da educação musical nos séculos XX e XXI
Primeiro período
Segundo período
Século XX Terceiro período
Quarto Período
Quinto período
Sexto período
Século XXI
Demarcação cronológica
Décadas de 20 e 30
• Décadas de 30 e 40
• Décadas de 40 e 50
• Déca-das de 70 e 80
• Década de 80
• Década de 90
• Décadas 10 e 20
Caracterização
• Métodos chaves
• Métodos ativos • Métodos instrumentais
• Méto-dos
criativos
• Período de integração
• Volta a democracia
• Novos paradigmas
• Tecnologias digitais
• Instrumentos eletrônicos
• Revitalização do modelo
conservatorial
Princi-pais
ideias
• Solmização com a
tônica dó • Manosolfa • Facilitação
da aprendizage
m
• Euritmia • Ginástica
rítmica • Escuta
ativa
• Silabação mnemônic
a • Percussão
corporal • Aprendiza-
gem instrumen-
tal • Canto coral • Música
elementar
• Confluência das artes
• Paisagem sonora
• Notação gráfica,
aproximada e de roteiro
• Tecno-logias educa-cionais
• Terapias
• Busca pela identidade
cultural • “Modelos”
lúdicos artísticos e didáticos
• Reflexão sobre o ensino de
música
• Educação por
projetos • Expansão
de capital cultural
• Autoaprendizagem
com interação
social • Análise
crítica
96
Base metodológi-
ca
• Escolas tradicionais
• Passivida-de
• Intelectua-lismo
• Escolas ativas
• Movimento corporal
• Estímulo auditivo
• Psicologia • Sujeito musical • Alfabetização
musical
• Pedago-gia do risco
• Ecologia acústica
• Objeto sonoro
• Academicis-mo (pós-
graduações em música e periódicos)
• Multiculturalis-mo
• Multiculturalismo • Educação não-formal e informal
• Interdisciplinari-dade
Principais autores
• Maurice Chevais
• John Curwen • Heitor Villa-
Lobos • Gazzi de Sá
• Émile J. Dalcroze
• Edgard Willems
• Sá Pereira
• Zoltán Kodaly • Carl Orff
• Shinichi Suzuki
• John Paynt
er • R. M.
Schafer
• J. H. Koelhe
uter
• Keith Swanwick • David Elliot
• Lucy Green • Keith Swanwick
Estética musical
• Música tonal: Música erudita europeia até séc. XXI
Músicas infantis • Música modal:
Folclore
• Música atonal: Música
experimental Música
contemporânea
• Multiculturalismo de sistemas (voltado para
o atonalismo)
• Multiculturalismo de sistemas, incluindo música popular de
massas
Fonte: Elaborado pelo autor com base em Gainza (2003).
97
No presente capítulo, identificamos alguns aspectos metodológicos do ensino de
Música no século XX e XXI e promovemos uma discussão sobre capital cultural e
multiculturalidade. A partir da visão de alunos, professores e gestores de cursos de
Licenciatura em Música a distância entrevistados, iremos buscar a partir do capítulo 3
compreender de que forma tais aspectos teóricos apresentados são convergentes com a visão
desses atores, se o habitus conservatorial é preservado ou ocorre a proposta de uma educação
musical no contexto multicultural, e se a metodologia dos cursos a distância contemplam os
aspectos aqui identificados como necessidades de reflexão crítica do professor de música do
século XXI ou se é replicado as principais ideias de ensino de música do século XX como
utopia descontextualizada da questão social, cultural e tecnológica presente na atualidade.
Pela reminiscência do habitus conservatorial, identificamos empiricamente, e também
por relatos de professores descritos por Souza (2009), a prevalência da perspectiva de
educação musical com o ensino de instrumentos em aulas da educação básica baseado nos
pressupostos dos três primeiros períodos (seção 1.2). Ao se deparar com a realidade de uma
escola pública com muitos alunos por sala e sem recursos materiais, o professor cria a
alternativa de realizar ensino de leitura de partituras através de percussão corporal, por vezes
construindo instrumentos recicláveis com os alunos. Também é trabalhado o treinamento
auditivo através de ditados melódicos ou rítmicos simples e, quando não é possível – por falta
de instrumentos musicais ou porque o diretor não deixa o Professor de Música fazer
“barulho”78 –, o professor trabalha apenas com conteúdos de história da música, em muitos
casos sendo obrigado a trabalhar outras linguagens artísticas fora de sua área de formação,
principalmente artes visuais. Tal fato resulta na educação musical não romper com uma lógica
reprodutivista do ethos dominante.
Sendo a música como espaço intermediário das possibilidades de produção de
identidades culturais e a escola como instituição produtora de uma cultura, pensar no ensino
de música de forma crítica através de uma abordagem multiculturalista significa formar um
professor capaz de (re)pensar o que ensinar e como ensinar.
O grande desafio a ser considerado na formação de um professor de música da
educação básica é operar dentro dessa pluralidade de identidades e conhecimentos, rompendo
parcialmente com as diversas gerações do século XX. Cabe-nos então questionar a seguir se
isso ocorre nos cursos de Licenciatura em Música a distância, tendo em vista que as
tecnologias poderiam romper com os paradigmas educacionais e metodológicos.
78 Relato de experiência em diversas escolas públicas de educação básica em que atuei como professor de
Música ou professor de Arte.
98
O objetivo primordial e único da educação musical nas escolas primárias, secundárias e faculdades é suscitar a consciência e explorar, crítica e propositadamente, um contingente de procedimentos musicais, experimentando diretamente através da realidade de vários encontros interculturais. Um Segundo objetivo é participar na criação e na manutenção de eventos musicais na comunidade, eventos nos quais as pessoas podem se envolver e, assim, contribuir para a rica variedade de possibilidades musicais de nossa sociedade. Dessas maneiras, evitamos transmitir uma visão restritiva da música e da cultura e podemos ajudar a afastar o preconceito. A cultura humana não é algo a ser meramente transmitido, perpetuado ou preservado, mas está sendo constantemente reinterpretada. Como um elemento vital do processo cultural, a música é, no melhor sentido da palavra, ‘recreativa’, nos ajudando e, às nossas culturas, a renovar e transformar (SWANWICK, 2014, p. 154).
O professor de Música formado para atuar na educação básica precisa ter
competências que envolvam ter uma vivência em música, dominar as tecnologias musicais,
saber tocar algum instrumento musical ou cantar e ser capaz de proporcionar aos alunos uma
vivência e experimentação de diversos instrumentos musicais, sem ter como objetivo final na
educação básica apenas o domínio técnico do instrumento ou voz através de leitura de
partitura por parte do aluno, mas também criar oportunidades de aprendizagem permeadas
pela percepção da música como linguagem socialmente construída e pela importância de uma
compreensão crítica do papel da música na cultura, devendo o professor de música utilizar
uma proposta multicultural e interdisciplinar para alavancar o capital cultural dos alunos e
alcançar tal objetivo.
Sendo assim, questionamos se os cursos de Licenciatura em Música, de forma geral,
estão preparando professores para alavancar o capital cultural dos alunos da educação básica?
Uma vez que alguns cursos presenciais possam reproduzir o habitus conservatorial, conforme
apontado Pereira M. V. M. (2012), os cursos a distância pela UAB estão oferecendo uma
formação que contemple o aumento de capital cultural como elemento central ou replicando
virtualmente o habitus conservatorial ocorrido nos cursos presenciais? Esta questão será
abordada nos capítulos seguintes.
99
2 A LICENCIATURA EM MÚSICA E A UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
Os cursos a distância realizados com tecnologias digitais, ao mesmo tempo que podem
provocar a quebra de paradigmas educacionais, instituindo novos modelos de aprendizagem,
podem servir apenas para disponibilizar o conteúdo tradicional de forma digital, transpondo,
assim, o ensino tradicional para a tela do computador. Nesse sentido, torna-se importante
(re)pensar constantemente a aprendizagem a distância diante dos desafios específicos para a
aprendizagem de Música, principalmente considerando o constante avanço tecnológico que
experimentamos hoje.
O modelo conservatorial, ainda presente nas universidades, precisou de alguma forma
ser ao menos parcialmente desconstruído nas licenciaturas em Música oferecidas pela UAB,
pois o ensino de instrumento individual e de tradição oral precisou ser repensado, em função
da limitação das tecnologias digitais e de transmissão assíncrona. Embora seja possível que as
aulas de instrumentos ocorram individualmente via webconferências, as instituições públicas
não conseguem tal prática devido à padronização por turmas em um AVA e à necessidade de
um curso assíncrono.
Tal fato deveria gerar a construção de novos paradigmas educacionais. M. V. M.
Pereira (2012, p. 153) destaca que a luta contra o movimento conservatorial é recriada
continuamente, pois ainda “não há um movimento contra-hegemônico, um movimento
anticonservatorial, mas sim uma atualização desse modelo hegemônico, orientada pelo
habitus, incluindo-se a música erudita brasileira como conteúdo possível”.
No capítulo anterior, foi discutida a importância de a Educação Musical no ensino
básico resultar no alargamento do capital cultural do aluno. No entanto, tal ampliação só se
efetiva mediante o professor preparado para realizar este objetivo.
No presente capítulo, iremos discutir as bases da formação do professor de Música a
distância de forma que ele seja capaz de cumprir a função da Educação Musical conforme
discutida no capítulo 1. A educação superior a distância mediante tecnologias digitais, por ser
recente, caracteriza uma abordagem metodológica distinta da educação presencial. Iremos
investigar as especificidades metodológicas e tecnológicas do curso de formação de professor
de Música no Brasil no âmbito público.
100
2.1 A Universidade Aberta do Brasil (UAB)
A UAB é um programa do Ministério da Educação “voltado para o desenvolvimento
da modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de
cursos e programas de educação superior no País79”.
Para tal finalidade, a UAB não propõe a criação de novas instituições de ensino, mas a
articulação das já existentes, objetivando levar o ensino superior público aos municípios
brasileiros que não possuem cursos de formação superior ou cujos cursos ofertados não são
suficientes para atender a todos os cidadãos.
A UAB foi criada em 19 de dezembro de 2005; o uso da Educação a Distância em
cursos regulares, foi regulamentado pelo Decreto nº 5.622, de 2005, e instituído pelo Decreto
nº 5.800 em 8 de junho de 2006 (BRASIL, 2006). Trata-se de um sistema formado por uma
complexa rede, baseada em uma relação de parceria tripartite em que, em um vértice temos o
Governo Federal, num segundo vértice estão as instituições de ensino superior e, por fim, no
terceiro vértice temos os municípios ou os estados.
O Governo Federal coordena e controla o sistema por meio do MEC, com função de
regular e disponibilizar recursos para investimento e custeio, valores e número de bolsas a
serem pagas, assim como a criação de vagas nas IES para que estas possam contratar o
pessoal necessário à implantação do programa. As IES oferecem cursos na modalidade a
distância e são responsáveis por todo o aspecto pedagógico e operacional. Os municípios
colocam à disposição dos alunos a estrutura física necessária, nos polos de apoio presencial.
De acordo com o Decreto nº 5.800, o polo de apoio presencial é caracterizado como
“unidade operacional para o desenvolvimento descentralizado de atividades pedagógicas e
administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância pelas instituições
públicas de ensino superior” (BRASIL, 2006).
O modelo de docência adotado pela UAB é chamado polidocente (MILL, 2010); é
caracterizado, conforme a Figura 1, por quatro elementos: docência, discência, tecnologia e
gestão.
79 Disponível em: <http://uab.capes.gov.br/index.php.> Acesso em: 19 maio 2015.
101
Figura 1 – Mapa conceitual sobre os quatro elementos da Educação
Fonte: F. PEREIRA (2014, p. 77).
Devemos nos atentar ao fato de que os cursos de Licenciatura possuem baixa
expectativa salarial e há menor relação candidato/vaga nos exames de ingresso. Se
considerarmos como referência as universidades particulares no Estado do Rio de Janeiro, as
licenciaturas possuem duração média de três anos80 e dois anos para cursos de formação de
tecnólogos81 – média relativamente baixa, se comparada a cursos como Engenharia, Direito
ou Medicina. Os cursos de licenciatura possuem o valor de mensalidade mais baixo que 80 Como amostra, analisamos os currículos da Universidade Estácio e Universidade Cândido Mendes na cidade
do Rio de Janeiro, ambas na modalidade presencial, em que todos os cursos possuem duração de seis semestres, e o curso a distância da Universidade Metropolitana de Santos, que inclui Licenciatura em Música, com polos em Arraial do Cabo, Nova Friburgo, São Gonçalo e Nova Iguaçu, ainda sendo possível o professor já licenciado concluir a segunda licenciatura entre 12 e 18 meses. Disponível em: http://inscricoes.estacio.br/novo/index.html?po=mktSearch&gclid=CjwKEAjwz9HHBRDbopLGh-afzB4SJABY52oFDkW4LFssGhB4IBayYerN0VvjVw2H7BY2IHfcdcDIFRoCD97w_wcB, e http://www.ucam.edu.br/index.php/ensino/graduacao, http://wwwnovo.unimes.br/cursos_ead/musica/30/. Acesso em: 17 abr. 2017.
81 Foram utilizadas para pesquisa as mesmas instituições da nota anterior. A Universidade Estácio apresentou mais de 80% dos cursos de formação de tecnólogos, a maioria de gestão, com quatro semestres, com o curso de Gastronomia, Eventos e Jogos Digitais e Gestão de TI com cinco semestres e Gestão Hospitalar e Hotelaria com seis semestres. A Universidade Cândido Mendes possui três cursos tecnológicos, ambos com cinco semestres. A Universidade Metropolitana de Santos possui cinco cursos tecnológicos, todos com quatro semestres de duração. Disponível em: http://portal.estacio.br/graduacao.aspx, http://www.ucam.edu.br/index.php/ensino/graduacao e http://wwwnovo.unimes.br/graduacao_ead.php. Acesso em 17 abr. 2017.
102
cursos com expectativa salarial maior. Os cursos na modalidade a distância cobram
mensalidade mais baixa que os presenciais – podem custar menos da metade de um
presencial82 –, o que acaba atraindo alunos a um curso que ofereça maior chance de conclusão
a alunos de classes mais baixas que possuem pouco capital financeiro e tempo para investir
nesses cursos.
Nas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro, a média dos cursos de
licenciatura é de quatro anos, tanto para os cursos presenciais quanto para cursos a distância83,
não havendo licenciaturas no âmbito público com tempo inferior a esse.
Tendo como referência a sinopse de educação superior de 2016 (BRASIL, 2018),
69,3% do total dos cursos superiores do Brasil estão concentrados em instituições privadas e
30,7% nas públicas; dos cursos na modalidade a distância, a proporção de matrículas é de
91,8% para instituições privadas e 8,2% em públicas. Para os cursos de licenciatura, o total de
cursos em instituições privadas é de 47,5% contra 53,5% para as públicas; ao selecionar os
cursos de graduação na modalidade a distância na área de Educação – formação de
professores em licenciaturas em áreas específicas e em Pedagogia e Administração
Educacional –, a proporção é de 87,2% em instituições privadas e 12,8% em públicas. Com
base nesse panorama, pode-se ver o enorme crescimento das instituições privadas em diversas
áreas e a estagnação do setor público na EaD – inclusive em cursos de licenciatura.
Cursos de graduação que possuem longa duração, horário integral, alto custo de
despesas durante o curso – e alta mensalidade, no caso das universidades particulares –
inviabilizam o acesso e a permanência a famílias com baixo poder aquisitivo, que acabam
optando por cursos de menor duração, oferecidos preferencialmente em horário noturno ou a
distância e com custo baixo custo de manutenção.
82 Como exemplo, em 2017 a Universidade Estácio cobrava para licenciatura em História a mensalidade de R$
559,06 para o curso presencial e R$ 219,00 para o curso a distância, valor 53,6% menor. Outro exemplo: a Universidade Metodista de São Paulo, em 2017, cobrou R$ 643,65 para o curso presencial de licenciatura em Letras - Português, enquanto o mesmo curso a distância com polo no Rio de Janeiro tinha o valor de R$ 233,50, o que representa um valor 63,7% inferior, ou ainda R$ 329,95 para o município de Bauru, a 340 km de distância da sede do curso presencial e dentro do mesmo estado, um desconto de 48,7%. Disponível em: http://inscricoes.estacio.br/novo/index.html?po=mktSearch&gclid=CjwKEAjwz9HHBRDbopLGh-afzB4SJABY52oFW2t5gEvYXpAfDh5ckgHE7EFROH3dAZSmlW9UgHsAAhoC48bw_wcB, http://portal.metodista.br/letras-lingua-portuguesa, e http://portal.metodista.br/ead/graduacao-a-distancia/polos/rio-de-janeiro/letras-lingua-portuguesa. Acesso em 17 abr. 2017.
83 Para exemplificar, pesquisamos o fluxograma dos cursos presencial e a distância. Exemplificamos a seguir os cursos de Pedagogia da UERJ e Letras da UFF. Disponível em: http://www.dep.uerj.br/arqs/fluxogamas_cursos/pedagogia.pdf, http://www.dep.uerj.br/arqs/fluxogamas_cursos/pedagogia_licenciatura_cederj.pdf, http://cederj.edu.br/cederj/wp-content/uploads/2014/01/Matriz-Letras-2016.1.pdf e https://inscricao.id.uff.br/consultaMatrizCurricular.uff
103
Ainda que medidas afirmativas, como cotas sociais e raciais, sejam de extrema
importância para ampliar o acesso à educação superior pública, um ethos de classe acaba por
levar as camadas populares a cursos cuja conclusão considerem ser viável; assim, selecionam
cursos destinados a pobres, criando uma segregação educacional propagada pelas
universidades particulares – nas quais os cursos de licenciaturas são viáveis devido ao baixo
custo e à alta expectativa de emprego, devido ao desprestígio da carreira docente no Brasil84.
A procura por cursos de licenciatura acaba ocorrendo por famílias com menor poder
aquisitivo. Metade da sociedade brasileira reccebe em média três salários mínimos. Se
compararmos com o total da população, apenas 7% da sociedade representa o grupo que
recebe 10 salários mínimos. Ao comparar essa média com estudantes entre 2010 e 201285 que
possuem uma renda familiar de 10 salário mínimos (RISTOFF, 2016), os cursos de Direito,
Odontologia e Medicina são frequentados por alunos com rendimento mensal familiar
superior em quatro vezes ao curso de licenciatura em História ou ao restante da sociedade, ou
ainda, de 5,7 vezes superior a renda familiar de um estudante de Licenciatura em Pedagogia
(ver Gráfico 5).
Gráfico 5 - Renda familiar em cursos selecionados com mais de 10 mínimos (%) – ENADE (3º ciclo)
Fonte: Ristoff (2016, p. 32).
Sendo assim, enquanto entre 2010 a 2012 o curso de Medicina teve percentualmente
estudantes seis vezes mais ricos que a sociedade, o perfil do estudante de licenciatura em
Pedagogia e História se mantém próximo à média da sociedade86: 96% para os alunos de
84 Em 2015, apenas 2,4% de alunos brasileiros de 15 anos respondentes do questionário do PISA declararam ter
interesse pela carreira de professor de ensino básico. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2018-06/cai-percentual-de-estudantes-que-querem-ser-professores-diz-ocde. Acesso em: 7 maio 2019.
85 O terceiro ciclo do ENADE ocorreu entre 2010 e 2012 (RISTOFF, 2016). 86 Considerando que 50% da sociedade brasileira recebem até três salários mínimos (RISTOFF, 2016), os
valores foram calculados com base na porcentagem de cada curso sobre o valor total de 50.
104
Pedagogia e 88% aos alunos de licenciatura em História, enquanto o curso de Medicina fica
com apenas 18% (ver Gráfico 6).
Gráfico 6 - Renda familiar em cursos selecionados (%) – 3º ciclo
Fonte: Ristoff (2016, p. 39).
O fetichismo criado pela tecnologia na Educação como grande salvação da
interiorização do ensino a distância não basta se não vier acompanhado de políticas públicas
duradouras visando uma educação com qualidade reconhecida – seja presencial ou a distância
– que produza alunos com autonomia crítica. Para isso, é preciso investir em docentes
qualificados e considerar as vocações regionais a serem ofertadas a distância.
A UAB propõe uma política pública para “oferecer, prioritariamente, cursos de
licenciatura e de formação inicial e continuada de professores da educação básica” (BRASIL,
2006). Maria de Fátima Pereira (2014) defende que a EaD se apresenta como uma educação
para pobres, e seus quadros ideológicos são compostos por metanarrativas burguesas. Nesse
sentido, a euforia criada para o sistema de educação a distância como libertadora pode acabar
se tornando um ovo de serpente que pode sucatear a educação pública se não houver um
projeto de ações governamentais eficazes e duradouras que revertam esse quadro não somente
visando a mobilidade social, mas a autonomia intelectual desses alunos. É importante
compreender que a educação não pode ocorrer como projeto ideológico de subjetivação
doutrinária visando o controle social.
A EaD não é uma modalidade para os pobres; os cursos oferecidos a distância é que
perpetuam tais diferenças sociais, por serem de pouco prestígio para as classes dominantes.
Segundo o Conselho Regional de Farmácia, da área da saúde, os cursos de Medicina,
Odontologia e Psicologia foram os únicos que até 2017 não tinham uma vaga sequer
105
autorizada para o funcionamento na modalidade a distância 87 – cursos justamente com
estudantes mais ricos, apontados por Ristoff (2016).
Cursos como Medicina, Odontologia, Direito e Psicologia, que poderiam ser
expandidos para a modalidade semipresencial, com encontros semanais para uso de
laboratórios, acabam corroborando práticas elitistas visando apenas a contenção de novos
alunos formados objetivando a conservação do valor do diploma.
Com o slogan “A vida não é virtual”, a Federação Nacional dos Farmacêuticos alegou
que as graduações na área saúde devem ser pautadas em princípios humanos, éticos e
científicos, e que a interação social e as experiências interprofissionais precisam ser
desenvolvidas a partir dos anos iniciais e percorrer todo o processo de aprendizagem; por esse
motivo, não poderiam ser oferecidas na modalidade a distância. No entanto, todas as
graduações apontam para esses mesmo princípios, e a modalidade a distância, se calcada no
socioconstrutivismo, permite esse diálogo sem prejuízo à formação discente. Essa Federação
alega ainda que o contato humano direto e a supervisão próxima e direta são imprescindíveis
para o processo de aprendizagem, pois somente assim é possível vivenciar e incorporar
práticas inovadoras e de modificação da realidade, lidando com a construção das experiências
que o campo traz na vida real88.
Por outro lado, é comum observarmos profissionais da saúde, como psicólogos,
realizarem consultas por webconferência 89 , assumindo que a EaD possui aspectos
tecnológicos para supervisionar e curar pacientes e, paradoxalmente, um docente formado
pelos mesmos meios de comunicação seria impossibilitado para tal finalidade.
Em 2011, o Conselho Federal de Serviço Social promoveu uma campanha intitulada
“Educação não é fast-food” 90 . De acordo com essas ideias, houve debates dos quais
participou o Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior, nos quais
sua representante afirmou: “Entendemos que o ensino presencial tem caráter formador e
crítico, ao passo que a EaD enfraquece a educação pública superior no Brasil, impedindo o
estudante de vivenciar a interação entre ensino, pesquisa e extensão” (CONSELHO, 2014).
No entanto, essa crítica não levou em consideração que o ensino presencial não é
87 Disponível em: http://portal.crfsp.org.br/index.php/comunicacao/514-manchetes/8346-profissoes-da-saude-se-
reunem-para-definir-estrategias-contra-a-graduacao-na-modalidade-100-ead.html. Acesso em 29 abr. 2017. 88 Disponível em: http://fenafar.org.br/index.php/2016-01-26-09-32-20/fsa/1360-fenafar-lanca-campanha-contra-
ensino-a-distancia-para-os-cursos-de-farmacia. Acesso em 29 abr. 2017. 89 Diversos sites e profissionais autônomos oferecem consultas por Skype. Disponível em:
https://consultapsicologo.com.br. Acesso em 25 abr. 2017. 90 A expressão “educação fast-food” é utilizada para identificar os cursos que vendem diplomas.
106
necessariamente formador e crítico em todas as instituições. Logo, a modalidade a distância
não “enfraquece” a educação superior, pois os dados dos ENADEs, no entanto, ano após ano, mostram que esse temor [de que a EaD seja pior que a presencial] é injustificado: os estudantes da Educação a Distância, ao contrário do que se imagina, têm desempenho médio idêntico e, em alguns casos, superior ao da educação presencial. A cada dia fica mais evidente que a Educação a Distância, pelas novas metodologias e técnicas didático-pedagógicas à sua disposição, com o advento das novas tecnologias, da comunicabilidade móvel, facilita a apropriação dos conteúdos que devem ser estudados nas várias áreas do conhecimento. Fica também evidente que a EaD influencia positivamente, de modo marcante, a modalidade presencial, racionalizando a organização dos currículos, disponibilizando novas formas de apresentação de conteúdos, desenvolvendo novas técnicas de motivação da aprendizagem. Se a Educação a Distância brasileira seguir, por exemplo, a trilha da Open University, como os dados dos ENADEs parecem sugerir, não deverá tardar o dia em que a EaD brasileira conquistará a credibilidade de que desfrutam as boas instituições do país. Teremos então dado uma resposta contundente à exclusão e mais um passo decisivo rumo ao que todos desejamos: combinar a qualidade acadêmica com a democratização do acesso (RISTOFF, 2016, p. 59).
Para o curso de Direito, não há empecilhos comunicacionais ou práticas de
laboratórios peculiares à área da saúde que impedissem a criação desses cursos, uma vez que
é comum haver nessa modalidade cursos preparatórios para a área de Direito voltados para
concursos públicos91 ou prova da Ordem dos Advogados do Brasil92.
Portanto, pode-se concluir que o único fator de contenção da expansão desses cursos
via EaD é a preservação do status do diploma como capital cultural institucionalizado
(BOURDIEU, 2000) assegurado pela classe dominante, que então faz discurso visando criar
aversão à EaD objetivando manter tais privilégios às classes mais abastardas. Nesse sentido, o efeito de histerese é tanto mais marcante quanto maior é a distância em relação ao sistema escolar e mais fraca ou mais abstrata a informação sobre o mercado dos títulos escolares. Entre as informações constitutivas do capital cultural herdado, uma das mais preciosas é o conhecimento prático ou erudito das flutuações desse mercado, ou seja, o sentido do investimento que permite obter melhor rendimento do capital cultural herdado sobre o mercado escolar ou do mercado escolar sobre o mercado de trabalho; nesse caso, por exemplo, convém abandonar a tempo os ramos de ensino ou as carreiras desvalorizados para se orientar em direção de ramos de ensino ou carreiras de futuro, ao invés de se apegar aos valores escolares que proporcionavam os mais altos lucros num estado anterior do mercado. Ao contrário, a histerese das categorias de percepção e de apreciação faz com que os portadores de diplomas desvalorizados se tornem, de algum modo, cúmplices da sua própria mistificação, de vez que, por um efeito típico de alodoxia, atribuem aos diplomas desvalorizados que lhes são outorgados um valor que não lhes é objetivamente reconhecido: assim, se explica que os mais desprovidos de informação em relação ao mercado de diplomas – que, desde há muito, sabem reconhecer o
91 Disponível em: https://www.cursoenfase.com.br/enfase/cursosonline/52/Magistratura-Federal-e-
MPF?gclid=CjwKEAjw5_vHBRCBtt2NqqCDjiESJABD5rCJfKGcrY_L783ex0dxcX3olLxv2Upi1Z1klG8GJKRjYxoCiS_w_wcB. Acesso em 25 abr. 2017.
92 Disponível em: https://www.aprovaconcursos.com.br/oab/?gclid=CjwKEAjw5_vHBRCBtt2NqqCDjiESJABD5rCJwgNkqK8481FSxw45Ww13qZcGNqwuX5ubOAN0GJf7hBoCXfPw_wcB. Acesso em: 25 abr. 2017.
107
enfraquecimento do salário real por trás da conversão do salário nominal – possam continuar a buscar e aceitar os certificados que recebem em pagamento de seus anos de estudos (e, inclusive, quando são os primeiros a ser atingidos, por falta de capital social, pela desvalorização dos diplomas). (...) Sabendo que nas transações em que se define o valor de mercado do título escolar a força dos vendedores da força de trabalho depende, se se deixa de lado seu capital social, do valor de seus títulos escolares, e isso acontece tanto mais estreitamente quanto a relação entre o diploma e o cargo é mais rigorosamente codificada (é o caso das posições estabelecidas em oposição às posições novas), vê-se que a desvalorização dos títulos escolares serve diretamente aos interesses dos detentores de cargos; além disso, se os portadores de diplomas estão vinculados ao valor nominal dos diplomas, isto é, o que estes garantiam, em direito, no estado anterior, os detentores de cargos estão vinculados ao valor real dos diplomas, aquele que se determina no momento considerado na concorrência entre os titulares (os efeitos dessa espécie de desqualificação estrutural vêm se juntar a todas as estratégias de desqualificação acionadas pelas empresas, desde há muito tempo). Nessa luta tanto mais desigual quanto menor é o valor relativo do diploma na hierarquia dos diplomas e quanto mais desvalorizado é o mesmo, pode ocorrer que o portador de diplomas não tenha outro recurso para defender o valor de seu diploma a não ser recusar vender sua força de trabalho pelo preço que lhe é oferecido; nesse caso, a escolha de ficar no desemprego assume o sentido de uma greve (individual) (BOURDIEU, 2007c, p. 160-161).
Podemos tomar como exemplo a relação entre as licenciaturas e o total de estudantes
matriculados por modalidade para o ano de 2017 (Tabela 1).
Tabela 1 – Ingressantes em cursos de licenciatura presencial e a distância em 2014 Presencial % Licenciatura X Total
Total Licenciatura Pública 1.879.784 492.494 26,1% Privada 5.649.897 355.348 6,3%
A distância Total Licenciatura Pública 165.572 110.145 66,5% Privada 1.591.410 635.466 39,9%
Presencial e a distância Pública 2.045.356 602.639 29,5% Privada 7.241.307 990.814 13,7% Fonte: Elaboração própria, baseado em IBGE (2018).
Podemos ver na Tabela 1 que, em 2017, a diferença percentual de ingressantes em
licenciaturas a distância nas instituições públicas ocorreu na proporção de 1,5 em relação às
privadas. No entanto, as universidades privadas possuem cursos a distância com quantitativo
de alunos de licenciatura proporcional ao total superior a nove vezes em relação à modalidade
presencial; da mesma forma, as públicas têm três vezes mais, o que caracteriza que as
instituições particulares e públicas têm preferência por oferecer cursos online para
licenciaturas.
A Tabela 1 aponta também que em 2017 havia seis vezes mais alunos inscritos em
licenciaturas a distância de instituições privadas do que em licenciaturas a distância de
108
instituições públicas; além disso, há maior quantitativo de alunos matriculados em
Licenciaturas em Música a distância em instituições privadas que o total de alunos
matriculados em instituições públicas.
Tais dados apontam para o fato de as universidades privadas estarem priorizando os
cursos de licenciatura para a modalidade a distância e estarem formando online mais
licenciandos que as universidades públicas.
Enquanto a universidade pública não oferece vagas suficientes para formar professores,
as instituições privadas dominam esse nicho mercadológico. Logo, os empresários donos de
universidades se encarregam do papel de reforçar as metanarrativas burguesas apontadas por
Maria de Fátima Pereira (2014) – a universidade pública não acompanhou o crescimento da
demanda e se deixou ser abatida pela falta de políticas públicas de longo prazo.
Se o foco das universidades públicas na formação de professores atende a uma
demanda de profissionais para atuação na educação básica, uma vez que a remuneração do
professor é baixa na esfera pública e nos setores privados, a mobilidade social, entendida
como mudança de posição social de um indivíduo dentro de um extrato social, embora possa
ocorrer para estudantes com baixa renda familiar, acaba por gerar profissionais em um
mercado de baixa escassez que pode não gerar a mobilidade social para extratos da classe
média.
Um programa de formação de professores a distância é algo importante,
principalmente devido à carência de professores licenciados em determinadas regiões, que
não possuem profissionais ou o nível de evasão do magistério é alto. No entanto, nossa crítica
sobre esse sistema é pelo fato de os cursos de nível superior estagnarem na formação de
professores e a modalidade a distância não possibilitar alcançar outras carreiras inacessíveis
por razões apenas de cunho político – e não metodológico.
A articulação entre a UAB e as instituições ocorre por meio de editais publicados pelo
MEC, definindo os critérios de seleção, requisitos e condições para viabilizar sua atuação
nesse sistema. A UAB financia, por esses editais, os custeios para as instituições vinculadas,
para ofertas de bolsas e custeio para produção de material didático, bolsas para instrutores e
professores, recursos para a infraestrutura dos núcleos, recursos para salas de coordenação e
tutoria e recursos para a implementação dos cursos. Para atender a essa estrutura, a UAB formula e executa a prática de editais, contratos e convênios, consorciados ou diretamente com as instituições públicas de ensino superior integrantes do sistema UAB, para, mediante planos de trabalho específicos, transferir recursos com a finalidade de viabilizar a execução dos cursos de graduação a distância (SILVA, 2013, p. 106).
109
Cabe observar que o financiamento por meio de editais prevê orçamento por tempo
determinado para cursos de graduação, que são um projeto de execução de longo prazo – no
caso das licenciaturas, em média quatro anos, o que gera incerteza de continuidade desses
cursos.
Segundo Silva (2013), há risco de sustentabilidade no modelo tripartite praticado pela
UAB – o Governo Federal responsável pelos recursos, os municípios ou estados responsáveis
pelos polos e as IES responsáveis pelos cursos –; os municípios interferem e as instituições
não possuem autonomia, tendo ao findar o prazo de repasse a não garantia de continuidade
por parte do município ou verba da UAB; não há resoluções legislativas ou deliberativas ou
projetos estratégicos que visem dar continuidade aos cursos, o que compromete a
sustentabilidade do sistema.
Outro problema apontado por Silva (2013) é que há primazia da instalação de polos
com IDH-E elevado, o que prejudica a expansão harmônica no sistema UAB como política
pública para elevar o padrão de vida local, uma vez que não há nenhum polo da UAB em
municípios com IDH-E baixo. O autor conclui que tais fatores não levam em consideração o
objetivo principal da UAB, de “expansão pública da educação superior, considerando os
processos de democratização e acesso”, e não tem sido um elemento balizador na abertura de
polos.
Em 2016, a coordenadora da UAB pela UnB publicou um texto sobre os dez anos da
Universidade Aberta. Em um dos trechos, era dito: Até quando a UAB será apenas um programa de governo e irá se transformar numa política pública de Estado e não de governo, de modo que os riscos de o sistema acabar acabem também? Até quando o MEC e a Capes irão evitar o olhar benevolente para este Sistema que poderá apoiar e muito a consolidação das metas do PNE e ajudar o País a melhorar os índices da educação? Até quando teremos que provar o quanto podemos fazer para a melhoria da formação de professores e dos profissionais da educação no Brasil? Até quando teremos que implorar atenção, fomento, financiamento, TIC e diretrizes claras para este sistema que já dura 10 anos? Até quando vamos encerrar nosso dia de trabalho na UAB (como o de hoje) com o fantasma de que vamos acabar como tantos outros programas ligados às TIC no Brasil, que definharam até o seu encerramento? Será que há luz no fim do túnel??? Quero acreditar que sim... Por isso lutamos, apresentamos ideias, sugestões, queremos partilhar, compartilhar fazer junto! Mas precisamos expressar nossas preocupações e, sem a pretensão de avaliar, ficam aí algumas dicas, após 10 ANOS!!!
• A proposta brasileira construída por e nas universidades convencionais pode ser um caminho adequado para ampliar a oferta e democratizar o acesso, assegurando a qualidade. Foi acertada no início e continua sendo!
• Cenários otimistas neste momento dependem, todavia, de políticas públicas enérgicas, realistas e generosas que não estejam baseadas no
110
princípio equivocado e ilusório de que a EaD permite economizar recursos financeiros.
• É preciso mudar as formas de gestão dos recursos financeiros alocados às atividades de produção e funcionamento dos cursos que estão centralizadas nos órgãos superiores, com mecanismos muitas vezes pouco democráticos e transparentes, escapando totalmente ao controle dos professores e outros profissionais que realizam o trabalho. Tal é política equivocada, com fortes riscos de prejudicar a qualidade.
• A UAB, como programa de caráter emergencial e de continuidade insegura, gera precariedade no trabalho docente, podendo ter consequências negativas sobre a qualidade do ensino oferecido.
• A atual política faz economias justamente no financiamento e na organização do trabalho docente, um dos pontos mais complexos e cruciais para a qualidade do ensino oferecido (PIMENTEL, 2006, p. 1-2).
2.1.1 O conceito de Educação Aberta
A universidade do futuro está aberta a toda pessoa que pode participar do ensino com sucesso, portanto também para muitos adultos em idade média ou adiantada. Ela não impõe locais e horários de estudo compulsórios. Portanto, o estudo pode ser iniciado, interrompido e retomado, exatamente de acordo com as necessidades da vida e da carreira profissional dos estudantes. O estudo é realizado tanto em tempo integral quanto em tempo parcial, podendo-se alternar as duas formas. Onde isso for possível, o ensino se orienta mais pela prática profissional e pessoal dos estudantes. O estudo básico e o estudo de formação complementar se confundem e, em parte, estão inter-relacionados. A universidade do futuro emprega tanto componentes do ensino com presença quanto do ensino a distância e desse modo consegue, com vistas às formas de ensino e aprendizagem, uma flexibilidade jamais vista. Dependendo da inclinação e da necessidade, os alunos podem decidir entre os seguintes modos de estudar: seminários, aulas práticas, trabalhos com cursos de ensino a distância autoinstrutivos, estudo digital, estudo digital em todas as suas formas (por exemplo, multimídias, hipertexto e teleconferências), estudo autônomo aberto, bem como estudo fechado com pacotes de ensino rigorosamente estruturados. Também podem fazer combinações com esses modos de ensino, tanto paralela quanto sequencialmente. É possível inclusive fazer uso das ofertas de várias instituições ao mesmo tempo. Trabalha-se com módulos de ensino. Créditos obtidos em diferentes instituições são acumulados e servem de base para graduações. Pode-se recorrer tanto a uma assessoria intensiva de ensino quanto a uma assistência tutorial competente na respectiva área, especialmente como complementação do estudo autônomo aberto. Ambas as formas têm uma importância que jamais puderam ter no tradicional ensino em presença ou ensino a distância. A universidade do futuro é a escola superior flexível por excelência (PETERS, 2001, apud PIMENTEL, 2006, p. 69).
O projeto de Educação Aberta traz em seu bojo a possibilidade de fomentar, por meio
de práticas, recursos e ambientes abertos, variadas configurações de ensino e aprendizagem,
reconhecendo a pluralidade de contextos e as possibilidades educacionais para o aprendizado
e da vida (HILU; TORRES; BEHRENS, 2015). Em outra definição, Santos afirma que a
Educação Aberta é
um termo utilizado para descrever cursos flexíveis, desenvolvidos para atender necessidades individuais. É frequentemente utilizado em cursos que visam remover barreiras de acesso à educação tradicional, mas também sugere uma filosofia de aprendizagem centrada no aluno. Cursos baseados em aprendizagem aberta podem ser oferecidos num centro de estudo ou a maioria das atividades pode ser feita fora
111
desses centros (por exemplo, em casa). Em quase todos os casos são necessários materiais especialmente preparados ou adaptados (SANTOS, 2009, p. 290, grifo nosso).
Podemos constatar, de acordo com a educação praticada em uma universidade
“fechada93”, alguns entraves que prejudicam o ingresso e a permanência discente no curso,
como o nível de disputa (relação candidato X vaga), exigências específicas (prova de aptidões
e habilidades específicas prévias) e a dificuldade de concluir o curso.
Alguns autores, como Lewis e Spencer (1986), consideram a Educação a Distância
como subcategoria da Educação Aberta. No entanto, compreendemos que a Educação Aberta
independe da modalidade e pode ocorrer em também de forma presencial, embora a EaD
possua as ferramentas ideais para a Educação Aberta no quesito tempo assíncrono. O uso da
sigla EAD indica uma educação aberta e a distância.
A UAB, embora utilize o termo “aberta” em sua denominação, não pratica Educação
Aberta, uma vez que há exigência de exames de processo seletivo de ingresso e de THE`s
para os cursos de Música. Educação Aberta se opõe aos fechamentos impostos pela educação
superior tradicional, ainda pensada como projeto da classe dominante. Caracteriza-se
principalmente pela tentativa de superação das restrições, das exclusões e dos privilégios por
meio da derrubada de barreiras e obstáculos que impedem ou dificultam o conhecimento.
Pimentel (2006) preconiza que a Educação Aberta pressupõe alguns paradigmas
fundamentais, listados a seguir.
(1) O Paradigma da Diversidade refere-se à oferta institucional. Não poderá ser única,
mas sim variada no que diz respeito aos planos de estudos, aos conteúdos, aos
materiais e aos processos de aprendizagem e de avaliação. A diversificação da oferta é
condição imprescindível para que haja escolha;
(2) O Paradigma da Opcionalidade marca a atitude do estudante que escolhe, dentro das
opções, o que quer aprender;
(3) O Paradigma da Contratualidade encaminha e configura a opção feita. Isto é, o
plano que resultou das escolhas do estudante é validado pelo compromisso que ele
assume, responsavelmente, com a instituição; esta, por sua vez, garante-lhe os meios
para o concretizar;
(4) O Paradigma da maleabilidade tem o seu oposto na rigidez. Tanto a oferta quanto a
escolha deverão apresentar indicadores explícitos das transferências ou acumulações
possíveis. Pressupõe adaptação, contrariando qualquer padronização; 93 Utilizamos o termo “fechado” em oposição a aberto, uma vez que há inúmeras regras que burocratizam o
acesso e a permanência ao aluno em uma universidade – tanto presencial quanto a distância.
112
(5) O Paradigma da Flexibilidade considera-se a chave deste tipo de educação – a
Educação Aberta. É suposto que ela flexibilize o acesso, o percurso, o sucesso e o
perfil de entrada. A flexibilidade facilita a mudança, adéqua e facilita a adaptação.
Este será o paradigma central da Educação Aberta porque assume a opcionalidade,
associa a diversidade e a maleabilidade. Desse modo, através da aprendizagem aberta os alunos podem gerenciar seu próprio processo de aprendizagem através de escolhas – o que (material), qual sequência seguir (grade curricular), quando (tempo), como (metodologia), quais recursos técnicos (tecnologia), onde (local), quantas vezes interagir (frequência), quem contatar (equipe pedagógica ou apoio técnico), com quem estudar (colegas), como ser avaliado (sistema de avaliação) (OKADA, 2007, p. 1).
Santos (2009) apresenta algumas premissas da Educação Aberta: aprender no horário,
lugar e ritmo que satisfaçam suas necessidades e circunstâncias, sem exigências mínimas de
qualificação para a entrada do aluno; os estudantes devem escolher quando, o que e como
querem aprender.
Fraser e Deane (1997) apontam, ainda, como características da Educação Aberta: a
escolha de momentos de entrar e sair de um assunto, disciplina ou curso; o modo de
aprendizagem; o modo de atendimento; os recursos colocados à disposição para a
aprendizagem; o ritmo de aprendizagem; a interação entre os alunos; o apoio fornecido para
os alunos e os métodos de avaliação.
A elaboração de um material didático para a EAD não pode apenas replicar os textos
de livros ou artigos científicos utilizados na educação presencial, se não houver a apropriação
desses conceitos por parte do aluno. Villardi e Oliveira (2005) apontam duas condições
básicas para sistemas metodológicos em rede: um material didático estruturado sobre proposta
pedagógica que compreenda a atividade educativa sobre o ato de aprender no lugar do ato de
ensinar e a possibilidade de interação desse material, considerando ainda a preocupação com
sua clareza, visando à compreensão o mais próximo da interação comunicante do professor.
Nesse sentido, “a subutilização das ferramentas de interação pode significar um retrocesso na
definição das bases metodológicas que devem nortear os cursos a distância, mantendo-os
presos a um determinismo técnico” (VILLARDI; OLIVEIRA, 2005, p. 47).
Podemos constatar em cursos da UAB aspectos de reprodução da sala de aula
tradicional transposta para o virtual: lista de frequência (virtual e presencial), salas de aula
virtuais, turmas com grande quantidade de alunos – ideais apenas para MOOCs94, mas não
para universidades –, aulas expositivas, formulários de múltipla escolha e textos
94 Curso online aberto e massivo, do inglês massive open online course, são cursos livres destinados a grande
quantidade de alunos, com ou sem tutoria, com ou sem certificação – geralmente as certificações são pagas.
113
reaproveitados de livros ou artigos erroneamente utilizados em educação a distância. Nesse
sentido, na perspectiva de ensino, ele [o material didático] é elaborado, geralmente, sob a forma de um texto, cuja significação está sujeita a vários fatores, como, por exemplo, a parcialidade, uma vez que, ao se trabalhar com material escrito, trabalha-se, em consequência, com a abordagem de um autor sobre o assunto, o que significa que o que chega ao aluno é, quase sempre, uma determinada visão do assunto. Ou seja, enquanto ensino tradicional, a informação chega sob a forma de verdade absoluta, não sendo admitidas interferências, divergências ou mesmo troca de informações, o que faz com que haja simplesmente a transmissão de forma monofônica: o professor detém o saber e a ele cabe, por intermédio do texto, transferi-lo ao aluno. Nessa acepção, o professor se reduz a um texto informativo (VILLARDI; OLIVEIRA, 2005, p. 92).
Moore e Kearsley (2010) afirmam que um curso a distância é mais barato que um
curso presencial, uma vez que o material didático criado na fase de concepção do curso tem
alto custo, mas é utilizado em várias edições do curso, e isso gera baixo custo a longo prazo.
Com foco no custo financeiro, tal discurso é replicado como justificativa simplória para
privilegiar a criação de cursos a distância sem foco na qualidade docente. Cabe atentar que
tais premissas se aplicam somente aos cursos de metodologias tradicionais e instrucionais,
uma vez que, em cursos com perspectivas socioconstrutivistas e baseados na Educação Aberta,
os materiais precisam ser constantemente reavaliados e produzidos de acordo com os anseios
dos alunos; por isso, podem ter custo financeiro semelhante ou mais alto que o curso
presencial.
Rodrigo Schramm (2009) afirma que, embora exista um esforço para construir
ferramentas de ensino de Música sobre uma base construtivista, devido ao atual estágio
tecnológico, que não permite avaliar dinamicamente o aprendizado e subsidiá-lo
imediatamente com materiais e desafios alternativos, na prática “a maioria desses materiais
acaba tendo uma característica forte de instrucionismo e se reduzindo a um conjunto limitado
de conhecimentos” (SCHRAMM, 2009, p. 4). Portanto, elaborar um material didático
socioconstrutivista e calcado na aprendizagem aberta para um curso online requer grande
esforço da equipe, com base em uma concepção em constante reavaliação.
Outra dissenção que podemos apontar no sistema UAB em relação à Educação Aberta
é o ritmo da aprendizagem, com prazos predeterminados para envio de tarefas e realização de
provas, momentos para entrar e sair de um assunto em fórum e métodos de avaliação que
fazem com que o ensino continue fechado. O fato de as turmas terem acesso à disciplina com
todo o conteúdo preconcebido disponível por meio de AVA significa que o professor não
discutiu com o aluno o que deseja aprender e não preparou a metodologia de acordo com a
114
realidade de cada turma. Assim, a instituição é fechada e não rompe com o paradigma da
opcionalidade e flexibilidade da Educação Aberta. Nesse sentido, não se trata de considerar a Educação a Distância apenas como uma “segunda via”, de cunho compensatório, para quem não pode assistir às aulas ou apresenta uma defasagem na relação idade/série ou de utilizar a qualquer custo as tecnologias, mas sim de acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que está questionando profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educativos tradicionais e, notadamente, os papéis de professores e aluno. O que está em jogo na cybercultura, tanto no plano de redução dos custos como no do acesso à educação, não é tanto a passagem do “presencial” para a “distância” e, tampouco, da escrita e do oral tradicionais para a multimídia. É, sim, a transição entre uma educação e uma formação estritamente institucionalizada (escola, universidade) e uma situação de intercâmbio generalizado dos saberes, de ensino da sociedade por ela mesma, de reconhecimento autogerido, móvel e contextual das competências (VILLARDI; OLIVEIRA, 2005, p. 70).
2.1.2 O papel da universidade na UAB
A OOUK foi a primeira experiência em educação aberta e a distância; a partir dela,
passam a surgir outros modelos com grande acesso ao redor do mundo. No Brasil, em 1979, a
UnB resolveu encampar tal modelo e assinou um convênio com a OOUK, recebendo
gratuitamente o direito de tradução para a língua portuguesa e distribuição do seu acervo de
material didático. Por questões políticas, o programa se limitou ao Telecurso de 1º Grau e o
Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), não atingindo o nível superior (AZEVEDO,
2012). O modelo adotado pela UAB não pretendeu seguir a OOUK, mas sim o modelo da
UNED e da Telé-Université de Quebec, Canadá (PRETI; OLIVEIRA, 2012).
Fávero (2006) explicita a criação da Universidade do Rio de Janeiro, a primeira
universidade brasileira, pelo Decreto nº 14.343, de 1920, justapondo três escolas tradicionais
de caráter profissional – a escola politécnica, de Medicina e de Direito – sem a menor
integração entre elas. Darcy Ribeiro (2013) mencionou que, antes desse período, apenas os
abastados tinham dinheiro para enviar seus filhos para Coimbra estudar, e durante todo o
período colonial apenas cerca de 2.800 bacharéis e médicos foram formados para atender uns
15 mil fâmulos reais que viriam a ser a classe hegemônica; após o desembarque da corte no
Brasil, foram criadas as primeiras escolas isoladas, que não queriam ser aglutinadas, e por
ocasião da visita do Rei da Bélgica ao Brasil e para atender à necessidade de lhe dar o título
de doutor honoris causa, foi criada a primeira universidade brasileira.
Fávero (2006) destaca que na década de 1940 havia interesse de multiplicar as
universidades, mas com o predomínio do ensino da técnica profissional, sem a preocupação
com pesquisa e produção de conhecimento; a partir da década de 1980, conscientizou-se de
115
que o problema da universidade brasileira envolve não somente questões técnicas, mas um
caráter marcadamente acadêmico e político, constituindo um grande desafio para o futuro e
em permanente construção, exigindo análise e tratamento específicos.
Enquanto a UAB é um sistema que se presta a integrar as universidades públicas,
promover-se-ia a integração entre cursos de diferentes universidades ou consorciar diversas
IES para um debate de EaD a nível nacional, fomentando grupos de pesquisa e
intercambiando informações e disciplinas. No entanto, os cursos da UAB continuam sendo
oferecidos como “ilhas” isoladas em cada universidade, sem qualquer integração, tal qual a
primeira universidade do Brasil. Acrescenta-se um polo presencial com um tutor presencial e
coordenador de polo sem nenhum vínculo com a IES que oferece o curso.
Os tutores, principais agentes do ensino a distância, não possuem integração
acadêmica ou de pesquisa e se envolvem apenas com algumas poucas funções técnicas. Os
professores supervisores possuem um mínimo de integração com os centros acadêmicos das
universidades, mas não com outros cursos a distância da universidade ou de outras
universidades da UAB.
A UAB não é uma instituição universitária, mas sim um sistema integrado95 gerido
pela CAPES, que atua entre universidades, ou seja, não planeja uma nova instituição de
ensino. Portanto, a UAB não é instituição de ensino; logo, não é universidade; nem é aberta,
uma vez que os paradigmas da Educação Aberta citados por diversos autores (PIMENTEL,
2006; SANTOS, 2009; FRASER; DEANE, 1997; LEWIS; SPENCER, 1986) não são
praticados na UAB.
Apesar de não ser universidade, há certa intenção da UAB de se intitular
“universidade”, uma vez que tal instituição possui prestígio social. O mesmo ocorre com o
Consórcio Cederj96. Mancebo et al. (2015) identificaram em entrevistas presenciais que há
relatos de alunos que se consideram alunos do Cederj como se ele fosse universidade, e ocorre
uma tentativa de construir tal identidade. Haverá resistência às mudanças, não apenas porque nossas instituições estão trancadas em sistemas inteiramente rígidos. Um efeito de flutuar rumo ao currículos escolares centralizados – embora presumivelmente não intencional – é que o ensino tende a acontecer quase inteiramente nas salas de aula. (...) Além disso, uma vez que
95 Tal definição está no sítio oficial da Universidade Aberta do Brasil, em
http://uab.capes.gov.br/index.php/sobre-a-uab/o-que-e. Acesso em: 15 jul. 2015. 96 O Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj) é formado por sete
instituições públicas de ensino superior: CEFET, UENF, UERJ, UFF, UFRJ, UFRRJ e UNIRIO e conta atualmente com mais de 30 mil alunos matriculados em seus 15 cursos de graduação a distância. O consórcio é administrado pela Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj), vinculada à UAB. No edital de 2016.1 eram ofertadas 7.749 vagas para 14 cursos em 32 polos no Estado do Rio de Janeiro. O Consórcio Cederj foi uma espécie de piloto para o funcionamento da UAB.
116
cada escola, agora, é um pequeno negócio, correndo numa competição com outras da vizinhança, não parece que compartilhar a experiência de ensino e outros recursos será fácil. Por que uma escola melhoraria o perfil de outra? Ainda existe uma riqueza musical além dos portões individuais das escolas, se apenas pudermos mais sistematicamente encontrá-la e utilizá-la. Isso poderia ser conseguido dentro dos requerimentos dos Parâmetros Nacionais ou do Currículo Nacional. O que precisa surgir é uma maior coordenação de recursos dentro e fora da escola e uma nova atitude no emprego de pessoas e do tempo. Talvez iluminados mandarins educacionais e políticos de vários países pudessem reunir grupos de pessoas competentes e experientes para avaliar alternativas de modelos de horários e caminhos nos quais o acesso às artes, incluindo a música em toda sua diversidade, poderia ser organizado de forma mais profícua no currículo e na comunidade (SWANWICK, 2003, p. 115-116).
2.1.3 O docente da UAB e a precarização do trabalho
Nos cursos a distância, ocorre falta de padronização de nomes para a função do
professor na equipe polidocente da EaD. Nobre e Melo (2011), ao analisar artigos que
trataram de mediação pedagógica na EaD, encontraram termos como professor online,
professor-tutor, tutor, e-moderador, tele-professor ou tele-tutor, facilitador, formador pessoal.
Na estrutura docente das instituições ligadas à UAB não há a figura de um único docente para
cada disciplina, como em uma universidade tradicional, mas de uma equipe docente, podendo
ser caracterizada como polidocência (MILL, 2010). No entanto, os nomes utilizados para as
funções podem variar. Iremos nos referir a essa equipe com as seguintes expressões: professor
autor, professor supervisor, tutor a distância e tutor presencial.
Para entender um pouco melhor a função dessa equipe polidocente da UAB (MILL,
2010), tomamos por base a redação contida nas Resoluções nº 26/09 e nº 08/10 do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação. Iremos apontar apenas alguns dos principais
aspectos das atribuições de cada função comum em todos os documentos.
O professor autor ou conteudista é responsável pela produção do material didático
das disciplinas, planejando mídias variadas. É contratado via edital e pertence a instituições
em que é docente ou a outra instituição superior de ensino da mesma esfera. É remunerado
através de bolsa, sem perder seu vencimento base – mas nem todos os professores recebem
esta bolsa para atuar na EaD.
O professor supervisor ou professor pesquisador articula contato com o professor
autor – caso ele também não seja professor autor, o que é possível – e o tutor a distância, além
de formar, monitorar e acompanhar as atividades de rotina dos tutores a distância. Precisa ser
professor de um curso universitário presencial, de acordo com edital; é exigida a titulação
mínima de mestrado ou doutorado, além de experiência no ensino superior. O professor
117
supervisor docente de um curso presencial da instituição responsável dedica cerca de 20 horas
de sua carga horária para os cursos de educação a distância. Pode receber bolsa para
desempenhar essa função ou ser voluntário.
O tutor a distância é quem faz a ligação entre os alunos e a instituição, esclarecendo
dúvidas via internet, reforçando a aprendizagem, sendo responsável por uma disciplina. Deve
participar de curso de formação inicial, se comunicar com os alunos, auxiliar em seus estudos
individualmente ou em pequenos grupos, realizar semanalmente avaliação dos trabalhos e
interagir frequentemente com os alunos pela internet via AVA e outros meios de comunicação.
No caso da UAB, ele é escolhido por processo seletivo, sem vínculo empregatício; precisa
dispor de 20 horas semanais. É exigido nível superior como formação mínima e experiência
no magistério de qualquer nível ou vinculação a cursos de pós-graduação ou formação pós-
graduada. No caso dos cursos de Licenciatura em Música da UnB e UFSCar, não é
obrigatório que o tutor resida na cidade do curso presencial da universidade.
O tutor presencial auxilia presencialmente na resolução de dúvidas de uma turma em
todas as disciplinas, em grupos de estudo, plantões de dúvidas e contato, de acordo com as
instruções dos tutores a distância. Deve ter formação em licenciatura – não obrigatoriamente
no curso específico, no caso, Música –, além de ter experiência em magistério ou formação
pós-graduada; é responsável por uma turma de 25 a 30 alunos, além de entrar no AVA para
acompanhar o fórum do curso e se comunicar com outros docentes. É escolhido em processo
seletivo em parceria com a UAB, remunerado com bolsa de estudo de trabalho equivalente a
20 horas semanais. É o responsável por aplicar as provas presenciais obrigatórias e demais
atividades presenciais obrigatórias.
É importante destacar que, de acordo com a Portaria nº 183 (CAPES/MEC, 2016), não
há mais distinção entre tutor presencial e tutor a distância para compor o quadro de bolsistas
do Sistema UAB. Portanto, os cursos precisam administrar essas bolsas de acordo com a
decisão de seus gestores. Ainda, de acordo com o Decreto nº 9.057 (BRASIL, 2017), não são
mais obrigatórios os encontros presenciais.
Neves e Fidalgo (2012) fizeram pesquisa sobre a condição docente entre três
instituições a distância e concluíram que em uma delas, onde havia equipe de professores, os
tutores não se sentiam reconhecidos como docentes nem legitimados como tal pela instituição,
por pares e alunos97. Em depoimento, um tutor declarou que ele próprio se sente como
professor, pois tinha que cumprir as tarefas dele como tutor além das tarefas de professor.
97 As identidades das instituições referidas na pesquisa de Neves e Fidalgo (2012) foram preservadas, não sendo
possível identificar se se tratava de instituições públicas ou particulares e se pertenciam à UAB.
118
Segundo o entrevistado, o professor responsável não fazia nada do seu trabalho do curso a
distância e ainda recebia um salário infinitamente maior que o do tutor.
Tal falta de reconhecimento se dá além da forma simbólica e social, por motivo
trabalhista. Concordando com Maria de Fátima Pereira (2014), se entendermos que o
investimento em tecnologia reconfigura a relação entre produtividade e competitividade,
gerando a precarização do trabalho, principalmente nos países periféricos, podemos
considerar o crescimento da educação a distância superior no Brasil como um projeto de
manutenção dos privilégios aos que detêm a hegemonia de seu projeto. Portanto, as políticas
públicas em educação precisam contemplar uma visão igualitária de oportunidades discentes
– em que não seja mero projeto da burguesia de controle intelectual – e docentes – em que um
tutor exerce a mesma atividade do professor, mas tem reconhecimentos social e financeiro
diferentes.
O fato de que o tutor não tem condições de trabalho equiparadas ao professor
presencial, incluindo o tempo reservado para a produção acadêmica e a gratificação por
titulação, possibilita sucatear a educação superior se a EaD não for utilizada para quebrar tais
paradigmas e em seu lugar utilizar uma lógica financeira e coorporativa para conceder
diplomas em larga escala com baixos custos, tanto no campo das instituições privadas quanto
nas instituições públicas, como política de ampliação de ofertas de nível superior a qualquer
custo. A UAB possui um grande potencial para a oferta de vagas no ensino superior, ademais porque não considera os mesmos padrões de investimentos das IES; todavia, ao fazê-lo, muda estruturalmente o perfil da universidade, os rumos de sua valorização e prestígio por meio do sucateamento desse nível de ensino. Em acréscimo, contribui para a intensificação do trabalho docente e a dissociação entre “ensino-pesquisa-extensão”, o que, em conjunto com outros fatores, parece estabelecer fortes indícios de um reordenamento do ensino superior público, na mesma lógica do ensino superior privado e com apoio de uma política que carrega em seu núcleo o instrumental da educação pública. Conforme a Coordenação Geral do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes/SN, 2007), a UAB representa uma das maiores ameaças à universidade brasileira, além de levar ao descrédito o próprio sentido do ensino superior a distância, que funciona com boa adequação em outros países, pois no Brasil a UAB não representaria nem mesmo uma universidade em sentido pleno, uma vez que a pesquisa e a extensão inexistem (MANCEBO; MARTINS, 2012, p. 140).
As autoras destacam ainda que o corpo docente subcontratado e precário pode não ter
qualificação necessária em termos de titulação e produção acadêmicas, substituídas por uma
formação continuada de padrões insuficientes, com estrutura inadequada e sem um corpo de
funcionários, tratando a educação como mercadoria, promovendo um modelo de substituição
tecnológica e racionando os gastos públicos com base em uma parceria entre Estado e
mercado que cria redes ou consórcios com o objetivo de “retirar o máximo rendimento com
119
um mínimo de recursos, com o que se reduz, por exemplo, a formação de professores à mera
capacitação e treinamento, reduzindo o processo formativo à lógica técnico-informacional”
(MANCEBO; MARTINS, 2012, p. 142).
Conforme aponta Giovanni Alves (2013, p. 1), “precariado é a camada média do
proletariado urbano constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com inserção
precária nas relações de trabalho e vida social”. A Portaria nº 1134/16, em seu Art. 2º,
paragrafo único, decreta: “Para os fins desta portaria, entende-se que a tutoria das disciplinas
ofertadas na modalidade a distância implica a existência de profissionais da educação com
formação na área do curso e qualificados em nível compatível ao previsto no projeto
pedagógico do curso” (BRASIL, 2016d, grifo nosso). No entanto, devido à precarização, há
um desnivelamento em relação aos cursos presenciais nas mesmas instituições públicas.
Antunes caracteriza uma nova morfologia do trabalho, na qual relata: Decorridas poucas décadas, inúmeras pesquisas problematizam agudamente suas assertivas, demonstrando que o infoproletariado (ou cibertariado), ao contrário do desenho esboçado por elas [teses sobre a criatividade no trabalho relacionado às TICs], parece exprimir muito mais uma nova condição de assalariamento no setor de serviços, um novo segmento do proletariado não industrial, sujeito à exploração de seu trabalho, desprovido do controle e da gestão de seu labor, e que cresce de maneira exponencial desde que o capitalismo deslanchou a chamada era das mutações tecnológico-informacional-digitais (ANTUNES, 2013, p. 23).
A precarização do trabalho não somente ocorre na força de trabalho; também ocorre a
precarização do homem-que-trabalha, que gera um ser humano-genérico (ANTUNES, 2013,
p. 86). Tal fato gera uma des-subjetivação de classes, uma vez que não há sindicatos para
tratar dos subempregos precários que vão surgindo – como no caso dos professores, pois um
tutor a distância não é considerado um profissional da educação, uma vez que não possui
vínculo empregatício e, por isso, não está na pauta do sindicato. Por não haver um grupo de
militância legal, tal fato progressivamente ocorre, frente à sociedade, o que o autor denomina
sociedade do desemprego estrutural.
Nesse sentido, Karel Kosik explicita: a redução da jornada de trabalho, que é a expressão prática da libertação dos homens do predomínio do fator econômico, não elimina em nada o fato de que também nesta sociedade os homens estabelecerão determinadas relações de produção e que também aqui a produção terá um carácter social. Desaparecerá o fetichismo da economia e o caráter retificado do trabalho, será eliminado o penoso trabalho físico, o que permitirá aos homens se ocuparem predominantemente em atividades não produtivas, isto é, não econômicas, mas a estrutura econômica como fundamento das relações sociais ainda conservará o seu primado (KOSIK, 1986, p. 103).
Esse texto, escrito originalmente em 1963, acreditava que a tecnologia libertaria o
trabalhador. No entanto, a tecnologia não trouxe esse papel libertador, pois
120
o avanço tecnológico e as novas organizações de trabalho não trouxeram o anunciado fim do trabalho penoso; ao contrário, acentuaram as desigualdades e a injustiça social e trouxeram formas de sofrimento qualitativamente mais complexas e sutis, sobretudo do ponto de vista psíquico (LANCMAN; SNELWAR, 2004, p. 33).
Outro fator é a fragilidade do financiamento para cursos da UAB, uma vez que a principal fonte de financiamento está nas estatais, que podem interromper o custeio da UAB quando atingirem suas metas fiscais, tendo então o MEC a obrigação de financiar todo o projeto, conforme demonstra Cruz (2007, p. 103): “Fica complicado configurar essa ação do Estado, na elaboração da política pública da UAB, cujo fundamento é mantê-la com o financiamento externo, viabilizado por estatais, mediante a adesão e não por dispositivo legal de obrigatoriedade”. Uma vez que a UAB passou a trabalhar no limite dos seus recursos, com a crise estrutural do capital, em especial em 2015, o sistema UAB começou a sofrer cortes drásticos. Foi então lançada uma campanha nacional intitulada “A UAB não pode parar”, na qual um abaixo-assinado online circula na internet como um pedido de não extinção98. Sendo assim, em 2016 e 2017 não houve processo seletivo discente para o curso de Licenciatura em Música em nenhuma universidade pública, por conta de falta de repasse financeiro – desde 2013 não há processo seletivo na UFSCar. O oferecimento de uma graduação necessita ser um projeto de longo prazo, com um corpo docente fixo para formar massa crítica. Pelo fato de os cursos da UAB remunerarem os tutores por bolsas, há alta rotatividade de docentes, e esse modelo não se presta à graduação, uma vez que esta é formação superior de base e os editais atendem somente a cursos de curta duração. Acreditamos que, embora a UAB seja fruto de um financiamento perigoso e mercantil, que subcontrata seus principais agentes – os tutores –, a transição desse sistema para um sistema socialmente mais justo precisa ocorrer paulatinamente mediante amplo debate com a sociedade; e tal fato necessita de tempo. Portanto, a possível extinção repentina da UAB acarretaria um prejuízo inestimável à educação brasileira e atingirá principalmente os alunos já atendidos ou que futuramente teriam condições de estudar nesse sistema. 2.2 As Licenciaturas em Música a distância As universidades públicas foram as que iniciaram as primeiras turmas de Licenciatura em Música a distância no Brasil – a UnB e a UFSCar –, juntamente com uma universidade privada, no ano de 2007 – Universidade Vale do Rio Verde. Como projeto de expansão de
98 Disponível em: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR83558.
121
curso superior em formação de professor de Música, o curso de Licenciatura em Música é atualmente oferecido pela UnB e pela UFSCar e vinculado à UAB.
Fora do âmbito da UAB, houve outros cursos de nível superior em Música a distância
na esfera pública: em nível de graduação, a UFRGS ofereceu entre 2008 e 2012 uma única
turma de Licenciatura em Música através da PROLICENMUS, envolvendo diversas
universidades parceiras; até 2019 não houve a abertura de nova turma. A UFRB criou vagas
para ingresso do ano de 2019; nesse mesmo ano foi iniciado o curso de Licenciatura em
Música pela UEMA e consta registro de curso não iniciado no sítio do e-mec licenciatura em
música na UNEB99.
Os cursos de Licenciatura em Música em instituições particulares oferecidos até 2019
foram: Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), Centro Universitário Internacional
(Uninter), Universidade Vale do Rio Verde (Unicor), Universidade de Taubaté (Unitau),
Centro Universitário Sul de Minas (UNIS-MG), Centro Universitário Claretiano (Ceuclar) e
Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi)100.
Cabe atentar que até 2019 houve a previsão de curso superior a distância de
Bacharelado em Regência na Universidade Brasil – antiga Universidade Camilo Castelo
Branco – e a chamada para os cursos de Bacharelado em Música no Centro Universitário Sul
de Minas (UNIS-MG) para os instrumentos Piano, Violão, Flauta Transversal, Flauta Doce,
Piano Popular, Teclado, Violão Popular, Guitarra Elétrica, Contrabaixo, Saxofone, Viola
Caipira e Canto, além da Licenciatura em Música.
No âmbito público, há curso de pós-graduação lato sensu a distância em Música pela
UnB iniciado em 2017, e houve o curso de Artes com ênfase em Música; pela UAB, ocorre na
Universidade Estadual do Ceará e no Instituto Federal do Amazonas. Além destes, há o
mestrado profissional semipresencial em Artes – Prof-Artes – coordenado pela Universidade
do Estado de Santa Catarina com uma linha de pesquisa vinculada a Música.
No âmbito particular, os cursos de pós-graduação lato-sensu a distância são oferecidos
pelo Centro Universitário Sul de Minas, Universidade Cândido Mendes, Universidade do
Oeste Paulista, Universidade de Araraquara e Centro Universitário Claretiano, além de outras
faculdades101.
99 Disponível em: http://emec.mec.gov.br/. Acesso em 7 maio 2019. 100 A consulta foi feita através das instituições pesquisadas no sítio e-Mec e relata todos os cursos de graduação e
aperfeiçoamento com as palavras-chave “música” e “educação musical”. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br>. Acesso em 10 mar. 2016.
101 Para as universidades e os centros universitários, utilizamos como plataforma de pesquisa o sítio do e-mec. No entanto, há diversas faculdades que oferecem cursos de pós-graduação que não constam na plataforma, relacionados principalmente ao ensino de música. Essas faculdades realizam parcerias com grupos
122
Esses cursos foram oferecidos por meio do AVA Moodle, tanto para as disciplinas de
cunho teórico quanto prático. Um tutor a distância é responsável por acompanhar uma ou
mais turmas de cerca de 20 alunos 102 localizadas em um ou mais polos presenciais –
atualmente esse número de alunos por turma pode ser maior, devido ao corte das bolsas de
tutoria. Cada polo presencial possui um tutor presencial para plantões de dúvidas e há
atividades semanais obrigatórias.
A partir do ano de 2012 as instituições privadas com cursos de Licenciatura em
Música começaram a oferecer mais vagas que as públicas, que passaram a reduzir a
quantidade de vagas devido à falta de repasse pela UAB. A quantidade de matrículas em
Licenciatura em Música a distância em instituições particulares apresenta grande crescimento
desde 2013: em 2017, o total de alunos matriculados nas universidades privadas a distância
foi superior a oito vezes o quantitativo das públicas (Gráfico 7), ao contrário do que ocorre
nas licenciaturas de forma geral, na qual as públicas superam em cinco vezes (ver Tabela 1).
Gráfico 7 – Evolução em matrículas em Licenciatura em Música a distância
Fonte: Elaborado pelo autor, com base no censo da educação superior de 2002 a 2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em 17 jan. 2017.
Cabe atentar que o crescimento de alunos matriculados em cursos a distância entre
2008 a 2017 foi de 192,3%, o que resulta em maior proporção que o ensino presencial
(Gráfico 7). Se considerarmos o número de concluintes até o ano de 2017 (Figura 3),
educacionais ou outras instituições, que realizam parcerias com pessoas físicas que se tornam consultores representantes, o que dificulta encontrar mais informações. Citamos como exemplo a faculdade Facel, grupo Educamais, rede Claretiano.
102 Conforme PPP da UnB (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2011).
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017AlunosPública 916 1042 960 1034 1044 707 730 478 730 347AlunosPrivadas 94 114 260 372 1166 1348 2481 2665 2481 2898
0500100015002000250030003500
Alunos
EvoluçãoemmatrículasemLicenciaturaemMúsicaadistância
123
podemos constatar que entre 2013 e 2015 formam-se quatro vezes mais alunos nas
universidades privadas. Gráfico 8 – Evolução de concluintes em Licenciatura em Música a distância
Fonte: Elaborado pelo autor, com base no censo da educação superior de 2002 a 2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>. Acesso em 17 jan. 2017.
Para o curso de Licenciatura em Música a distância no Brasil, até 2017 houve o total
de 7.988 alunos matriculados em universidades públicas e 13.367 alunos em instituições
privadas, totalizando 21.555 alunos. Houve 568 (7,1% de concluintes) alunos formados por
instituições públicas e 1.839 (13,7% de concluintes) formados por instituições privadas,
totalizando 2.047 professores de Música formados pelo ensino a distância – 23,6% dos
professores formados em instituições públicas e 76,4% em privadas, ou seja, três em cada
quatro estudantes de Licenciatura em Música a distância são formados em instituições
privadas.
De acordo com Ristoff (2016), no terceiro ciclo do ENADE o curso de Música103 é o
décimo segundo maior curso em contingente de alunos oriundos de escola pública (58% de
alunos)104, sendo o terceiro curso que mais acrescentou alunos oriundos de escola pública
(11,8%), atrás dos cursos de Fisioterapia e Terapia, que não possuem Licenciaturas; por isso,
103 Cabe ressaltar que Ristoff (2016) não faz distinção entre Licenciatura e Bacharelado em Música. Portanto, os
dados apresentados pelo autor se referem a um somatório entre licenciatura presencial e a distância e diversos bacharelados.
104 Do ensino médio brasileiro, 87% das matrículas são em escolas públicas; tal percentual não se replica no ensino superior, tendo o curso de Medicina com o menor percentual, de 11% ,no terceiro ciclo do ENADE (RISTOFF, 2016).
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017AlunosPública 0 12 271 27 63 60 63 72AlunosPrivadas 42 81 56 122 376 250 376 536
0
100
200
300
400
500
600
Alunos
EvoluçãodeconcluintesemLicenciaturaemMúsicaadistância
124
foi o curso de licenciatura que mais acrescentou alunos entre 2010 e 2012105. Embora não
saibamos as causas do aumento, a Lei nº 11.769 (BRASIL, 2008) pode ter contribuído para
ele, uma vez que houve algum entendimento de que as escolas contariam com professores de
Música a partir de 2011, conforme discutido na seção 1.2, além de o crescimento de cursos a
distância terem expandido esse percentual.
O curso de Música foi, durante o terceiro ciclo do ENADE, o quarto curso com maior
percentual de negros (10,7%), média acima dos 8% da população brasileira; apenas ¼ dos
cursos está acima dessa média, além de ser o 14º maior curso com estudantes pardos (27,3%).
Somam-se então 35,3% de negros e pardos nos cursos de Música – taxa maior que os 25% de
cotas raciais previstos por lei; cerca de 50% dos alunos trabalham, sustentam-se e ajudam a
família (RISTOFF, 2016).
2.2.1 O projeto Pró-Licenciatura na UFRGS
Embora o programa Pró-Licenciatura ocorrido na UFRGS não seja objeto da presente
pesquisa, tendo em vista que não pertenceu à UAB, cabe expor brevemente alguns aspectos,
uma vez que se tratou de importante acontecimento na Educação Musical a distância entre as
instituições públicas.
O curso de Licenciatura em Música oferecido pela UFRGS e universidades parceiras
de Pró-Licenciatura, denominado PROLICENMUS, foi um projeto criado em 2005 que teve
sua execução entre 2008 e 2012 em oferta única. Com a carga horária de 2.895 horas, 724
alunos foram matriculados; deles, 189 se formaram (26,1%) (NUNES, 2012). Embora a
UFRGS atuasse como principal instituição e responsável pela certificação do curso, houve o
envolvimento, com diferentes intensidades, da Universidade Federal da Bahia, da
Universidade Federal do Espírito Santo, da Universidade do Estado de Santa Catarina, da
Universidade Federal de Alagoas e da Universidade Federal do Mato Grosso. Cabe atentar
que o Pró-Licenciatura é um programa criado para atender a demanda de professores não
licenciados, sem relação direta com a UAB.
O curso presencial possui uma carga horária total de 2.910 horas (194 créditos) em
oito semestres, sendo 164 créditos obrigatórios, 10 eletivos, 14 complementares e 6
convertidos. O foco das disciplinas obrigatórias está em atividades teórico-práticas e
105 Ristoff (2016) observa que os estudantes oriundos de escolas públicas procuraram os cursos de licenciatura já
desde o primeiro ciclo do ENADE – 2004 a 2007.
125
disciplinas pedagógicas. As disciplinas de práticas de instrumento, incluindo instrumentos
considerados eruditos, e canto coral ou prática de conjunto, foram optativas.
O projeto contemplou quatro das cinco regiões geográficas do Brasil, em quatorze
polos presenciais distribuídos em doze cidades, sendo cinco polos na Bahia – Salvador, São
Felix, Cristópolis e Irecê com dois polos presenciais –, três em Rondônia – Porto Velho, com
dois polos presenciais, e Ariquemes –, três em Santa Catarina – Itaópolis, Canoinhas e São
Bento do Sul –, dois no Rio Grande do Sul – ambos em Cachoeirinha – e um no Espírito
Santo – em Linhares.
A prioridade da oferta de vagas para a UFRGS ocorreu aos professores que já atuavam
no magistério sem possuir diploma de licenciado em Música.
Nunes, Rangel e Schramm (2012) apontam que a UFRGS tinha o objetivo geral de
melhorar a qualidade do ensino de Música nas escolas públicas brasileiras por intermédio de
formação de professores, e instituiu cinco objetivos específicos: (1) oferecer ao educador
formação consistente e contextualizada nos conteúdos de sua área de atuação; (2) defender os
princípios políticos e éticos pertinentes à produção docente; (3) proporcionar a compreensão
do educador como sujeito capaz de propor e efetivar as transformações político-pedagógicas
que se impõem às escolas; (4) ampliar a compreensão da escola como espaço social, sensível
à história e às culturas locais; e (5) desenvolver ações afirmativas de inclusão digital,
viabilizando a apropriação pelos educadores das tecnologias da informação e comunicação e
seus códigos. Ao fim, os autores concluíram que todos os objetivos foram alcançados com
base em sua pesquisa entre alunos, tutores e professores.
O curso foi oferecido por meio de interdisciplinas, que continham e-books criados
especificamente para o curso, com interatividade em alguns vídeos e recursos especiais para o
ensino de canto, teclado e violão, alternando entre elementos da partitura, vídeo tutorial e
orientações para estudo, abordando acompanhamento de canções e peças clássicas
(SCHRAMM et al, 2012).
Cabe destacar que esse curso não teve o THE durante o processo seletivo discente.
Com isso, houve durante o curso a necessidade de um processo de musicalização dos alunos,
algo atípico nas universidades públicas ou mesmo nos demais cursos, da UnB e UFSCar. Foi
então criada para o curso uma plataforma, denominada MAaV, de abordagem multimodal,
que “retira de cada uma das teorias de aprendizagem aquilo que têm de importante e
adequado para o processo de musicalização, em cada determinado momento e diante de cada
determinado público-alvo” (NUNES, 2012, p. 111).
126
2.2.2 As Licenciaturas em Música pela UAB
2.2.2.1 A UnB
O curso de Licenciatura em Música a distância da UnB conta com carga horária de
3.015 horas em oito períodos; executou 26 turmas entre 2007 e 2016, incluindo as turmas
ativas. Seu último processo seletivo discente foi realizado em 2013.
No curso presencial, o aluno precisa cumprir 190 créditos (2.850 horas), distribuídos
em nove períodos semestrais. Há disciplinas práticas, como quatro semestres de prática de
violão e prática de conjunto, dois semestres de música de câmara, percussão e canto coral e
um semestre de prática de orquestra. A disciplina Projeto Recital evidencia que o curso preza
muito a prática instrumental.
Em 2015, a UnB ofereceu o curso de Licenciatura em Música através da UAB em oito
polos, contando com nove turmas ativas e 138 alunos ativos; sua duração é de oito períodos
semestrais. Se compararmos esses dados com o quantitativo total dos cursos ativos em 2015
na UnB, isso representou 6,7% dos 2.037 alunos ativos e de 11,2% das 80 turmas utilizando
80% dos polos. Em 2016, havia cinco turmas ativas, com 66 alunos. Não houve ingresso
discente em 2016 e 2017.
Do total de vagas oferecidas pela UnB de 2007 a 2016, exceto as turmas em
andamento, havia 215 alunos ativos, sendo 109 formados (50,6%) e 106 (49,3%) evadidos –
inativos e não concluintes106. Embora a maior oferta tenha ocorrido na região Norte (61,3%),
pudemos identificar maior evasão proporcional na região Sudeste (65%). No entanto, cabe
considerar que nessa região houve uma única oferta, para a cidade de Ipatinga (MG), na qual
13 alunos evadiram de um total de 20 matriculados.
Cabe ainda destacar que algumas cidades, como Tarauaca (AC), não houve um único
aluno formado nas duas turmas criadas (14 alunos evadidos), além de registrar que, do total
de 20 vagas disponibilizadas, a cidade de Posse (AC) matriculou apenas 5 alunos e Brasiléia
(GO) 4 alunos, tendo apenas dois alunos formados – um em cada cidade.
Segundo o Anuário Estatístico da UnB (2015), o índice de aprovação em 2014 para o
curso de Licenciatura em Música a distância foi de 70,3% para o primeiro semestre e 65,8%
para o segundo. Se compararmos com o curso integral presencial, em que houve aprovação de
84,2% e 80,7%, respectivamente, percebemos diferença. Houve 313 alunos reprovados no
106 Informações obtivas no site SisUAB, disponível em: <http://sisuab.capes.gov.br>. Acesso em: 26 dez. 2016.
127
primeiro semestre no curso a distância, o que representa 154,1% do quantitativo de aprovados
no curso presencial integral – 203 alunos. Para ser aprovado no curso presencial ou a distância,
o aluno precisa ter a menção MM – entre 5,0 e 6,9.
Em 2016, a UnB ofereceu o curso de Licenciatura em Música em cinco polos com
cinco turmas presenciais com 66 alunos ativos: Boa Vista (RR), Ipatinga (MG), Cruzeiro do
Sul (AC), Rio Branco (AC) e Porto Nacional (TO).
2.2.2.2 A UFSCar
A UFSCar ofertou em 2015 o curso denominado Licenciatura em Educação Musical
por meio da UAB em nove polos, com dezessete turmas ativas e 380 alunos ativos com
duração de dez períodos semestrais. A carga horária é de 3.420 horas, distribuídas em oito
períodos, e executou também 26 turmas entre 2007 e 2016, incluindo as turmas ativas; seu
último processo seletivo discente foi realizado em 2013107
Em 2016, havia 259 alunos ativos em treze turmas distribuídas em nove polos108. A
UFSCar recomenda ao aluno o estudo diário de quatro horas, além do período dedicado às
atividades presenciais109.
O PPP do curso de Licenciatura em Educação Musical a distância da UFSCar
(UAB/UFSCar, 2010) prevê como princípios epistemológicos disciplinas divididas em quatro
categorias, conforme fluxograma de 2011: (1) Acesso; (2) Fundamentação pedagógica; (3)
Formação musical; (4) Formação em educação musical. Dos conteúdos curriculares
obrigatórios, excluindo disciplinas optativas, estágios, recital, trabalho de conclusão de curso,
participação em seminários e eventos científicos, temos 9,4% para disciplinas de acesso,
25,2% para didáticas, 52,6% para disciplinas de formação musical e 12,6% para disciplinas de
educação musical.
Para o curso presencial, o aluno da UFSCar precisa cursar 210 créditos (3.150 horas)
ao longo de oito semestres. Como disciplinas práticas, são oferecidas Violão Popular, Voz e
Expressão, Teclado, Flauta Doce e Percussão. Observamos, que é focada mais na educação
musical e disciplinas de cunho de educação musical do que a UnB.
107 As informações e estatísticas usadas foram extraídas dos sites das instituições, disponíveis em:
http://sisuab.capes.gov.br, http://www.uab.unb.br/index.php/cursos-todos/graduacao/24-musica e http://betara.ufscar.br:8080/uab/em. Acesso em 24 nov. 2016.
108 Informações conforme a plataforma de gestão SisUAB. O curso da UFRGS consta como ativo, porém sem oferta do curso. Disponível em: <http://sisuab.capes.gov.br/>. Acesso em 03 ago. 2016.
109 Informação disponível em: http://www.uab.ufscar.br/si/news/vestibular-2012. Acesso em 31 dez. 2016.
128
Cabe atentar que a UFSCar e a UnB não realizaram processo seletivo discente para
2013 devido aos cortes orçamentários para a UAB; a UFSCar declarou não ter previsão de
nova abertura de turmas. Dessa forma, o trabalho docente de professor supervisor e tutoria
está sendo reduzido, sem renovação das bolsas.
A UFSCar em 2016 ofereceu treze turmas em nove polos presenciais, com 326 alunos
ativos – Araras, Barretos, Cubatão, Franca, Guarulhos, Itapetininga, Itapevi, Jales e São
Carlos (todos no Estado de São Paulo). Sendo assim, se em 2007 havia um quadro de
distribuição que contemplava todas as regiões do Brasil por conta da UFRGS e de mais polos
da UnB, atualmente há uma desproporcionalidade dos polos presenciais (Gráfico 9).
O PPP do curso de Licenciatura em Música da UFSCar (UAB/UFSCar, 2010, p. 28-
29) descreve como sistematização de possibilidades visando ao mercado de trabalho de alunos
egressos: (a) professor de Educação Musical; (b) suplemento para a formação do professor de
ensino fundamental; (c) suplemento para a formação do professor de Educação Artística; (d)
músico, no sentido de diversificar a formação, corrigir possíveis falhas e aperfeiçoar
conhecimentos musicais aos que já são instrumentistas ou regentes; (e) organizador de cursos
em EaD, por meio de habilidades envolvidas na área tecnológica. Deste trecho, podemos
inferir duas informações: não há intenção explícita de formar um “músico professor”
(PEREIRA, M. V. M., 2012) que priorize aspectos conservatoriais em prol de aspectos
educacionais; percebe-se que a instituição possui intenção peculiar de desenvolver a
capacidade tecnológica para que o futuro professor não atue somente no ensino básico, mas
desenvolva cursos online no ensino informal.
Em 2016, 87,2% dos estudantes de Licenciatura em Música das universidades
públicas estavam concentrados na região Sudeste. Destes, 95,3% no Estado de São Paulo.
Embora esses polos ocorram majoritariamente em cidades do interior, principalmente em São
Paulo, percebemos que, com o fim do curso da UFRGS e a extinção de turmas da UnB, o
cenário foi modificado e prevalece então a região Sudeste como hegemônica na oferta dos
cursos de Licenciatura em Música nas universidades públicas.
No sítio da UFSCar, podemos encontrar algumas informações sobre o funcionamento
do curso de Música inseridas na chamada para o vestibular: Art. 4º Os cursos da UFSCar na modalidade de educação a distância exigem que o estudante obrigatoriamente esteja frequente aos encontros presenciais semanais do curso. Essa frequência semanal é obrigatória a todos os alunos desses cursos e será computada no desempenho do estudante e considerada para fins de aprovação. § 1º O desempenho dos estudantes será computado por frequência e rendimento acadêmico, sendo a frequência aferida pela participação no ambiente virtual de
129
aprendizagem e pela participação nas atividades previstas para realização obrigatória no polo de apoio presencial. § 2º As atividades obrigatórias para realização no polo de apoio presencial compreendem as atividades avaliativas (provas e similares), atividades laboratoriais, atividades pedagógicas específicas para realização individual ou em grupo, atividades de estágio e outras. § 3º Os cursos da UFSCar na modalidade de educação a distância podem exigir atividades de estágio e, em alguns casos, essas atividades são obrigatoriamente realizadas, em parte ou no todo, no próprio polo de apoio presencial em que o estudante é matriculado, em empresas da área ou em escolas parceiras do polo. § 4º Os encontros presenciais no polo de apoio presencial ao qual se encontra vinculado o estudante são, normalmente, coordenados por tutores presenciais da UFSCar, podendo ter apoio virtual ou presencial dos tutores virtuais e professor responsável pela disciplina. § 5º Os horários previstos para a realização das atividades presenciais são disponibilizados pelo respectivo polo com a devida antecedência, contemplando diferentes períodos, incluindo dias durante a semana e finais de semana. § 6º As atividades para realização obrigatória nos polos e que necessitem da presença simultânea de todos os alunos da turma serão anunciadas com maior antecedência e realizadas preferencialmente nos fins de semana. § 7º Para o curso de Educação Musical, as atividades presenciais obrigatórias serão realizadas semanalmente, em dia da semana estabelecido pela Coordenação do Curso, no período noturno. Além disso, os estudantes desse curso frequentarão o polo quatro vezes por semestre aos finais de semana, no período matutino e vespertino, ao longo de cada período letivo e durante toda a duração do curso (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS, 2012, p. 2, grifo nosso).
Conforme podemos constatar no próximo capítulo, o quadro das Licenciaturas em
Música a distância no âmbito público do ano de 2017 possui distribuição regional diferente do
cenário de 2012 (ver Gráfico 9), em que havia prevalência na região Norte, devido aos cursos
da UFRGS.
Gráfico 9 – Polos presenciais de música em âmbito público por região, em 2012
Fonte: F. Pereira (2014).
15%
37%
6%
18%
24% Nordeste(5)Norte(12)Centro-oeste(2)
Sul(6) Sudeste(8)
130
2.2.3 Atividades presenciais: polos de apoio e tutores
As atividades presenciais obrigatórias de cursos a distância compreendem avaliação,
estágios, defesa de trabalhos e prática em laboratório; são realizadas na sede da instituição ou
nos polos de apoio presencial devidamente credenciados, conforme Art. 1º do Decreto nº
5.622 (BRASIL, 2005).
Pela UAB, o funcionamento da estrutura nos polos compreende o financiamento integral de custeio, de bolsas para o coordenador e para tutores presenciais, para aquisição de computadores para o primeiro laboratório (cinquenta), conexão para acesso à web, para provimento de despesas compartilhadas com os municípios e estados e para a instalação de laboratórios pedagógicos, acervo para as bibliotecas, expansão e reforma da infraestrutura (SILVA, 2013, p. 84).
No polo pode haver um tutor presencial para cada disciplina no caso das universidades
integrantes do CEDERJ, assim a tutoria a distância. Na UAB, nos cursos de Licenciatura em
Música, o formato utilizado para tutoria presencial é o de um tutor responsável por
acompanhar todo o curso do início ao fim dessa oferta e um tutor a distância responsável para
cada disciplina – anteriormente se utilizava um tutor a distância para cada turma, mas
atualmente um tutor pode ter que ficar responsável por muitas turmas.
De acordo com o Decreto nº 5.800/06, o polo de apoio presencial é caracterizado
como “unidade operacional para o desenvolvimento descentralizado de atividades
pedagógicas e administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância pelas
instituições públicas de ensino superior” (BRASIL, 2006).
O polo é a estrutura física que abarca biblioteca, laboratórios de ensino ou de prática,
laboratório de informática para acesso aos que não dispõem de computador em casa e espaço
para tutoria presencial, além do local para realizar as avaliações presenciais. Há casos de o
polo não possuir espaço físico adequado para realizar as provas, que é realizada em local
distinto110.
É preciso indagar sobre qualidade da gestão e infraestrutura desses polos. Weidle,
Kich e Pereira (2011), ao analisar a gestão de polos presenciais, concluem que a organização
de cursos EaD depende da sincronia entre governo, universidade e polos e, para o bom
funcionamento, os recursos disponíveis devem estar sincronizados às necessidades dos alunos,
além de os mantenedores dos polos se mostrarem com boa vontade para manter os recursos
materiais; essa falta de vontade gera uma diferença cultural e política para cursos de EaD.
110 Como exemplo, citamos o polo de São Pedro da Aldeia (RJ) do Consórcio Cederj, que realiza as provas
presenciais em escolas públicas próximas ao polo, conforme vivenciado empíricamente pelo autor.
131
Algumas características em comum podem ser observadas nos cursos de Licenciatura
em Música pela UAB. Uma delas é a necessidade de frequência obrigatória semanal ou
quinzenal ao polo; há necessidade de comparecimento de 75% da soma das frequências
virtual e presencial. Tal fato faz com que o curso seja caracterizado como semipresencial111.
A UFSCar aponta que haverá atividades presenciais obrigatórias, mas não as discrimina112.
Não é mencionado o termo “semipresencial” no PPP dos cursos da UFSCar e da UnB.
Na UnB, o tutor a distância é orientado pela coordenação a calcular a frequência com
base em alguma interação no fórum ou em realização da tarefa. Cada presença é colocada em
uma planilha que gera uma porcentagem de frequência virtual. Ao fim, é somada com a
frequência ao polo presencial enviada pelo tutor presencial, o que gera a média de faltas, que
não pode ultrapassar 25%. Como forma de compensar as faltas virtuais, muitos alunos
acabam entrando nos fóruns para postar uma pequena frase contendo ideias rasas sobre
determinado tema, apenas concordando ou discordando de outro aluno, sem aprofundamento
crítico do assunto ou qualquer contribuição com a discussão coletiva. Com isso, assegura sua
presença virtual por ter participado e pode não comparecer aos encontros presenciais, pois
alguns professores supervisores podem ordenar que qualquer participação no fórum deve
validar a presença virtual e parte da nota de participação no fórum, independente da
qualidade 113 . Mais uma vez percebemos a educação tradicional replicada e transposta
digitalmente.
De acordo com os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior, a tutoria presencial atende os estudantes nos polos, em horários preestabelecidos. Esse profissional deve conhecer o projeto pedagógico do curso, o material didático e o conteúdo específico dos conteúdos sob sua responsabilidade, a fim de auxiliar os estudantes no desenvolvimento de suas atividades individuais e em grupo, fomentando o hábito da pesquisa, esclarecendo dúvidas em relação a conteúdos específicos, bem como ao uso das tecnologias disponíveis. Participa de momentos presenciais obrigatórios, tais como avaliações, aulas práticas em laboratórios e estágios supervisionados, quando se aplicam. O tutor presencial deve manter-se em permanente comunicação tanto com os estudantes quanto com a equipe pedagógica do curso (BRASIL, 2007, p. 21-22).
A existência da figura do tutor presencial e dos encontros presenciais obrigatórios já
diz que o curso a distância não é capaz de ensinar o aluno empregando tecnologias digitais, o
que gera um paradoxo para o ensino a distância! Tudo o que um tutor presencial faz poderia
111 O termo “semipresencial” é classificado no documento Carta aos discentes (UnB, 2017). 112 Informações no Guia do Estudante, disponível em:
https://ead2.sead.ufscar.br/pluginfile.php/29287/mod_book/chapter/34872/Guia%20Estudante%202013.pdf. Acesso em 02 jan. 2017.
113 A situação aqui descrita foi vivenciada empiricamente pelo autor como tutor a distância do curso de Licenciatura em Música pela UnB durante o ano de 2015.
132
ser feito por webconferências. Assim, há reduplicação do trabalho, e a verba deixa de ser
investida no aperfeiçoamento da docência a distância. Tal existência nos parece ser um fator
político compensatório para os municípios que criam polos em troca de geração de
“empregos”, ainda que precários, para atender à legislação que torna obrigatórios os
momentos presenciais.
Um curso a distância deveria pensar em uma metodologia que seja capaz de tornar a
aprendizagem possível por meio da comunicação online entre tutores a distância, professores
supervisores e alunos. Dessa forma, não seria necessário haver tutor presencial para plantão
de dúvidas ou aulas expositivas, se a equipe polidocente fosse capaz de desempenhar tal
função online.
F. Pereira (2014) destaca que alguns polos presenciais não contam com tutores
presenciais formados em Música e então colocando um licenciado em Pedagogia, o que acaba
por ter um professor com domínio na parte pedagógica geral, mas sem domínio da Educação
Musical e de disciplinas teórico-práticas e práticas de Música.
O critério definido pela Licenciatura em Música a distância na UnB foi adotar o
encontro semanal ou quinzenal, mesmo diante da adversidade de alguns polos não terem tutor
com formação superior em Licenciatura em Música. Cabe à gestão de cada curso urdir
autonomia para caracterizar a obrigatoriedade de acordo com a realidade de cada polo –
principalmente calcada no fato de ter um tutor presencial com formação em Música.
Conforme visto na seção anterior, o curso de Licenciatura em Música da UnB possui
apenas 34,6% dos conteúdos curriculares que são de acesso e fundamentação pedagógica e
65,4% de disciplinas de formação musical e em Educação Musical, além de estágio e
preparação para recital, que também requer conhecimentos em música. Portanto, ter um tutor
presencial com formação específica em cada polo é crucial no objetivo final do processo
formativo do professor de Música, principalmente havendo presença obrigatória ao polo.
No modelo tripartite adotado pela UAB, além da fragilidade na continuidade docente
(PIMENTEL, 2016) e da não consideração das vocações regionais ao se construir um polo
(SILVA, 2013), devemos considerar que a UAB também não realiza um levantamento da
disponibilidade de mão de obra qualificada, com diploma, para atender a demanda de tutores
presenciais, ficando o pedagogo como opção emergencial – mas que poderia ser um critério
de planejamento.
F. Pereira (2014) aponta que alguns polos presenciais de cursos de Música na UAB
não possuem laboratórios de instrumentos musicais, e a falta de um tutor com conhecimento
em música faz com que haja necessidade de os alunos mais avançados ensinarem aos demais
133
as práticas instrumentais. Nesse caso, a tutoria presencial serve apenas para cumprir um rito
de um aprendizado no qual apenas os polos presenciais privilegiados com tutores formados
em Música teriam a vantagem de alguém com essa formação.
Marins e Narita (2012) apontam que, por conta da deficiência de tutores presenciais
formados em música nos polos da UnB, são oferecidos cursos de formação semestralmente
em Brasília para dar suporte de prática musical aos polos. No entanto, durante minha atuação
como tutor a distância entre 2013 e 2015, vivenciei apenas um encontro de tutores em Brasília.
Acrescenta-se a isso o fato de que o tutor presencial seria o principal ator dessa motivação das
habilidades musicais, tendo em vista que é um tutor presencial local que detém
conhecimentos culturais regionais práticos, de acordo com a realidade local.
De acordo com os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior (BRASIL,
2007), uma das principais funções do tutor presencial diz respeito às aulas práticas em
laboratórios. A UnB e a UFSCar oferecem as disciplinas Teclado, Violão, Percussão e Canto.
Ainda que a disciplina não aponte claramente para um laboratório114, se considerarmos dessa
forma, é muito difícil que um tutor presencial com formação em Música tenha domínio de três
instrumentos musicais distintos e voz, a ponto desse encontro não ser muito útil ao aluno, que
é obrigado a ir a um plantão de dúvidas ou a um encontro presencial obrigatório que
contemple um instrumento musical que o tutor não domine – ou sequer esteja disponível no
polo. Mais uma vez, vemos uma estrutura de tutoria presencial ineficiente, e a prática de uma
lista de frequência aponta para o cumprimento de um rito burocrático.
No entanto, podemos constatar que em muitos polos de universidades públicas não há
sequer os instrumentos musicais para compor o laboratório de prática musical dos alunos que
não possuem o instrumento (MARINS; NARITA, 2012). Esse é mais um fator que questiona
a lei que obriga a criação de um polo presencial mas não garante os recursos humanos e
materiais necessários.
Nesse sentido, a falta de planejamento diante da padronização das possibilidades nos
faz indagar se a formação do profissional do aluno a distância é a de um professor de Música
ou de um pedagogo com algum conhecimento superficial em Música? Por que a grade dos
cursos a distância da UnB e da UFSCar preveem grande quantidade de disciplinas específicas
em Música se não há tutores presenciais com conhecimentos musicais?
114 Tal qual ocorre na UFRJ, a disciplina Laboratório de Harmonia de Teclado para cursos de Licenciatura em
Música é obrigatória para Licenciatura em Música e optativa para os Bacharelados em Música.
134
Marins e Narita (2012) relatam que os polos do Acre tinham dificuldades para equipar
seus laboratórios, e por esse motivo as primeiras turmas tinham apenas disciplinas do núcleo
de fundamentação pedagógica; tal fato gerou desmotivação nos alunos.
Torna-se necessário a reformulação dos modelos de um curso de Música a distância,
tendo em vista o choque da formação em tutoria em relação ao Professor de Música – embora
haja Professores de Música formados a distância. Os saberes em música é algo imprescindível
a um Professor de Música, o que caracteriza a especificidade dessa disciplina, englobando
tanto aspectos teóricos como práticos.
Menezes e Nunes (2009) mencionam que no curso de Licenciatura em Música da
URFGS, através do Pró-Licenciatura, devido à falta de profissionais formados em Música, foi
criada, durante o decorrer do curso, a categoria de “tutor local itinerante”, com o intuito de ser
um intermediário entre a tutoria presencial e a tutoria a distância, fazendo o acompanhamento
e a orientação musical dos alunos com um olhar especial para a utilização dos e-books de
Violão e Teclado, sendo responsável por estar em dois ou mais polos, enquanto o tutor local
residente se volta para o olhar humano, social e organizativo.
Passou-se uma década após a criação da UAB e, mesmo com o aumento de pesquisas
sobre EaD no Brasil, não houve nenhuma reavaliação quanto à questão legal e metodológica
dos cursos a distância já experienciados pela UAB. Os cursos continuam desconsiderando as
necessidades específicas de cada curso, como no caso da Música. Não houve reavaliação da
legislação, como sobre os momentos presenciais obrigatórios e laboratórios, não dando a
autonomia de decisão às universidades. Houve um processo de desmantelamento da UAB,
com o intuito de favorecer o surgimento de fortes instituições particulares para beneficiar
empresários do ramo da educação.
Uma vez que, para o envio de vídeos para realizar as tarefas práticas das disciplinas de
instrumento musical – no caso da UAB Violão, Teclado, Canto ou Percussão – é necessário
que os alunos possuam o instrumento e microfone propícios para a gravação, câmera com
local adequado e posterior conversão do arquivo para o formato desejado, é indispensável que
o polo presencial disponha dessa estrutura. A aquisição de toda essa aparelhagem por parte do
aluno para gravar em casa pode ser uma alternativa à utilização dos equipamentos dos polos
presenciais – quando eles existirem –, porém esbarra em limitações financeiras, além de
dificuldades técnicas na realização das primeiras experiências de gravação, sendo
indispensável que alguém oriente a operacionalização desses aparelhos eletrônicos. No
entanto, vencidas essas barreiras, não há nada além da legislação, ou seja, nenhum fator
metodológico, que impeça tais práticas.
135
Sistemas de identificação biométrica pelo polegar ou de biometria facial pela webcam
ou aplicativo para smartphone já são tecnologias acessíveis que poderiam ser alternativas à
frequência no polo presencial, tendo em vista que, no caso da Música, todo o trabalho a ser
realizado pode ser feito em casa, caso o aluno possua os equipamentos.
Tendo em vista a dificuldade de conseguir tutores com formação em Música, podemos
identificar as ações a serem tomadas pela UnB e UFSCar para ampliar a atuação de tutores a
distância para todo o Brasil, tal qual o tutor local itinerante criado pela UFRGS, que não foi
expandido para as universidades ligadas à UAB. Um procedimento similar realizado pela
UnB, em que o tutor a distância visitava os polos, foi feito até meados de 2016115, mas tal
prática foi interrompida pelo corte de verbas da UAB.
Nos cursos de Licenciatura em Música a distância, as provas são realizadas por meio
do próprio AVA do curso presencialmente nos computadores do laboratório com o link e a
senha divulgada no horário da prova. Ou são realizadas provas escritas digitalizadas e
enviadas ao tutor a distância para correção (PEREIRA, F., 2014). As provas práticas de
instrumentos são filmadas e enviadas ao tutor a distância. Para a avaliação de leitura à
primeira vista da prova prática de Teclado, a UnB enviava uma partitura com envelope
lacrado ao polo e o aluno deveria ligar a câmera, abrir o envelope e realizar a tarefa. Os
procedimentos descritos poderiam ser realizados na casa do aluno e enviados ao tutor sem
necessidade de ir ao polo.
No caso da música, se houvesse a disciplina Prática de Conjunto, como ocorre em
cursos presenciais de Música, embora exista tecnologia para a prática em grupo via
webconferência, a frequência ao polo se justificaria pelo fato de haver distorções e
modificação de sons, impossibilitando grupos grandes (como corais) ou dificuldade de
microfonar percussão. Mesmo não havendo essa disciplina, uma vez que os encontros
presenciais precisam acontecer, eles poderiam ocorrer em outras disciplinas, acrescidos de
outras dinâmicas que poderiam ser realizadas priorizando práticas que fossem difíceis de
executar mediante as tecnologias digitais. No entanto, a lei acaba por engessar os recursos
metodológicos com a obrigatoriedade de deslocamento ao polo presencial, e a prática
cotidiana desses cursos replica os métodos tradicionais de vigilância e cria desconfiança de
que o aluno está querendo trapacear. Portanto, a lei favorece a burocracia, e as instituições
ainda não conseguiram romper essa lógica.
115 Tal informação decorre da vivência empírica do autor como tutor da UnB, que realizou algumas viagens até
2016 e posteriormente foi informado de que não haveria mais verbas para essas viagens.
136
2.3 O ensino de Música a distância
A aprendizagem de Música a distância é um acontecimento que ocorre desde o ensino
por correspondência, posteriormente por meio de rádios, TV, satélites e computadores,
programas instrucionais, videoaulas e play-a-longs. Com acesso à internet116 e plataformas
móveis117, modifica-se a forma de aprendizagem de Música, pois, além de o aprendiz poder
interagir e dialogar via redes sociais, músicos e professores que antes precisavam de uma
editora passam agora a ter a possibilidade de criar seus próprios materiais.
Isso implica realizar um processo educativo em Música com meios de comunicação
digitais e interativos, o que significa introduzir aspectos tecnológicos como meio e fim para
atingir o objetivo da aprendizagem de Música. Em uma tentativa de romper com paradigmas,
é necessário pensar uma metodologia que consiga aliar atividades e práticas com diferentes
mídias propícias a cada objetivo específico e a um projeto pedagógico direcionado a uma
educação aberta e centrada no aluno.
2.3.1 Aspectos metodológicos
O surgimento de pesquisas em Educação Musical sobre metodologias baseadas em
novos recursos tecnológicos apresenta um campo que ainda está sendo gradualmente
construído, uma vez que ferramentas focadas na aprendizagem e em produção musical são
criadas constantemente. No Brasil, podemos encontrar algumas pesquisas relacionadas a
cursos da UAB, como Gohn (2011), Nunes (2012), Schramm (2009), além de outras
pesquisas sobre uso de tecnologias na aprendizagem de Música.
Segundo Swanwick, no processo de Educação Musical há três níveis cumulativos: (1)
“notas” são ouvidas como “melodias”, soando de forma expressiva; (2) “melodias” são
escutadas juntas, criando novas relações, como se tivessem “vida própria”, sofrendo
mudanças por justaposição, realinhamento e transformação; (3) a música informa a “vida do
sentimento” ou funde-se com as experiências prévias, como se tivessem uma existência
independente carregada de um “fluxo” que ocorre nos cruzamentos entre diversas atividades e
culturas, chegando a um “ponto culminante de experiência” e “emoção estética”
(SWANWICK, 2003).
116 E-learning. 117 M-learning.
137
Esse autor afirma ainda que, para algumas pessoas, entrar no terceiro nível da
transformação metafórica seria uma vivência rara, e essa experiência deixa um resíduo que
não pode entrar de forma consciente – através da schemata118 de experiências passadas, que
envolvem nosso sistema nervoso e muscular, que retomam movimentos, pensamentos ou
sentimentos que produzem um processo simbólico fortemente conectado à nossa história
pessoal e cultural.
Swanwick (2003) apresenta o conceito de música como espaço intermediário, no qual
há ideias articuladas de interseção entre o sujeito e o mundo; por isso, a Educação Musical em
escolas e faculdades não pode estar limitada a apoiar uma única função social, de transmitir
informações, não devendo substituir o envolvimento direto dos alunos com o discurso musical
por um turismo global por meio de CDs. Portanto, o emprego de mídias pode ser feito para
transmitir a informação, mas não deve substituir o contato direto com a cultura local; após tais
vivências, é preciso promover um debate e ressignificá-las.
Então “as principais atividades de compor-ouvir, executar-ouvir e apreciar-ouvir
acontecerão em relação à música em um âmbito cultural amplo o suficiente para que os
alunos se conscientizem de que eles têm um ‘sotaque’” (SWANWICK, 2003, p. 54). Dessa
forma, o autor acredita que as pessoas se tornam musicalmente engajadas quando olham a
atividade como significativa e autêntica.
Ao pensar na formação de professores de Música para o ensino básico, a música como
espaço intermediário deve fazer a conexão do sujeito com a cultura do mundo, com outros
“sotaques”, inclusive o nosso próprio, uma vez que a exposição a outras culturas ajuda-nos a
entender algo da nossa.
Pensar numa educação multicultural implica expandir a prática local. Ao partir da
realidade do aluno, ao pensar na música pop internacional presente no cotidiano do aluno do
ensino básico, a realização de um diálogo intercultural musical deve ser um objetivo a ser
experienciado. Ele pode abarcar músicas étnicas, populares ou eruditas. Trazer diversas
experiências de mundo no espaço simbólico da música dá a possibilidade de sermos
intérpretes culturais de nossa própria cultura. As fronteiras discursivas entre arte da rua, arte de museu, cultura popular, cultura erudita, cultura de massa existem, mas seus limites são, como os de outros territórios pertencentes à cultura, flexíveis e transitórios. Ou seja, o que pertence a um território ou a outro é demarcado pela fluidez da linguagem. Elas estão no jogo permanente de interesses que se estabelece entre os diversos discursos que nos atravessam. Ao insistir em reiterar essa divisão, a Educação Musical contradiz discursivamente seu compromisso de valorização de todas as manifestações, sejam
118 Plural de schema; significa forma, padrão mental, também entendido como valores, crenças e papéis
atualizados pelo indivíduo por assimilação ativa.
138
elas populares ou eruditas. Não estou dizendo que não existam limites entre o popular e o erudito. Eles existem, mas devem ser subsumidos como muito móveis e flexíveis. Por isso, a recorrência discursiva da valorização de todas as práticas musicais converte-se em mais um travestismo linguístico que precisa ser problematizado. A Educação Musical deve ficar atenta a esse cenário em que a produção e a recepção da arte contemporânea possuem a fluidez e a transitoriedade da cultura. Nossa experiência com as imagens e com a música desfaz os limites anteriormente definidos dos territórios do erudito e do popular, da produção de massa e da cultura refinada, da arte da rua e da arte de museu, em um constante trânsito negociado, produzido na linguagem, das identidades culturais (LAZZARIN, 2008, p. 126).
Considerar um contexto musical em meio a um contexto social específico pode
significar uma desigualdade de relações de domínio das simbologias das obras de arte
clássicas ou eruditas por se tornar distante da realidade do aluno. Contra a ideologia carismática que instala a oposição entre a experiência autêntica da obra de arte como "afeição" do coração ou compreensão imediata da intuição, por um lado, e, por outro, os procedimentos laboriosos e os frios comentários da inteligência, passando sob silêncio as condições sociais e culturais que tornam possível tal experiência e tratando, concomitantemente, como graça de nascimento a virtuosidade adquirida por uma longa familiarização ou pelos exercícios de uma aprendizagem metódica, a Sociologia estabelece, do ponto de vista lógico e, ao mesmo tempo, experimental, que a apreensão adequada da obra cultural e, em particular, da obra de cultura erudita pressupõe, a título de ato de decifração, a posse da cifra que serviu para codificá-la. No sentido objetivo de cifra (ou de código), a cultura é a condição da inteligibilidade dos sistemas concretos de significação, organizados por ela e aos quais permanece irredutível, à semelhança da língua em relação à palavra; enquanto a cultura, no sentido de competência, não é outra coisa senão a cultura (no sentido objetivo) interiorizada e tornada disposição permanente e generalizada para decifrar os objetos e os comportamentos culturais, utilizando o código que serviu para sua codificação. No caso particular das obras de cultura erudita, o controle do código não pode ser adquirido completamente pelas simples aprendizagens difusas da experiência cotidiana e pressupõe um treino metódico, organizado por uma instituição especialmente preparada para tal fim: daí, segue-se que a apreensão da obra de arte depende em sua intensidade, modalidade e própria existência do controle que o espectador detém do código genérico e específico da obra (ou seja, de sua competência artística) e é tributário, em parte, do treino recebido na escola; ora, o valor, a intensidade e a modalidade da comunicação pedagógica, encarregada, entre outras funções, de transmitir o código das obras de cultura erudita (ao mesmo tempo que o código segundo o qual se efetua tal transmissão) dependem, por sua vez, da cultura (como sistema de esquemas de percepção, de apreciação, de pensamento e de ação, historicamente constituído e socialmente condicionado) recebida do meio familiar pelo receptor e que está mais ou menos próxima – tanto em seu conteúdo quanto em relação à atitude relativamente às obras de cultura erudita ou à aprendizagem cultural que ela implica – da cultura erudita transmitida pela escala e dos modelos linguísticos e culturais segundo os quais a escola efetua tal transmissão. Considerando que a experiência direta das obras de cultura erudita e a aquisição institucionalmente organizada da cultura que é a condição da experiência adequada dessas obras estão submetidas às mesmas leis, compreende-se como é difícil quebrar o circulo que faz com que o capital cultural leve ao capital cultural; de fato, basta que a instituição escolar permita o funcionamento dos mecanismos objetivos da difusão cultural e se exima de trabalhar, sistematicamente, para fornecer a todos, na e pela própria mensagem pedagógica, os instrumentos que condicionam a recepção adequada da mensagem escolar para que a escola reduplique as desigualdades iniciais e, por suas sanções, legitime a transmissão do capital cultural (BOURDIEU; DARBEL, 2003, p. 110-111).
139
O questionamento acerca da função da música pode ser estendido à discussão acerca
da função da Educação Musical nas escolas de ensino básico. As funções simbólicas então
devem ser um dos objetivos a ser alcançados pelos professores e, consequentemente, a
“transformação da estrutura simbólica em experiências significativas” proposta por Swanwick
(2003) deve ser um dos objetivos a ser alcançado nas Licenciaturas em Música.
Para se chegar a tal objetivo, é necessária uma metodologia que envolva experiências
de saber e fazer musical, que compreenda a música como reflexo da cultura, que tenha
natureza metafórica e que possa ser criativamente reinterpretada, uma vez que somos
intérpretes culturais (SWANWICK, 2003). Para o ensino de Música na modalidade a
distância, o curso deve conduzir o aluno a experiências significativas, e isso acarreta um
processo educacional no qual o diálogo entre discentes e docentes ocorra em primeiro plano –
em que o planejamento docente ocorra de forma menos fechada.
A educação aberta se faz necessária na construção de um modelo de Educação
Musical a distância. Nesse ponto, “considerar o discurso musical dos alunos”, conforme
propõe Swanwick (2003), implica cada disciplina ter os materiais parcialmente construídos
com a participação dos alunos diretamente envolvidos ou mesmo ter a opção de disciplinas
com ementas abertas, que parta dos estudantes elaborar esses materiais. Gohn (2011, p. 206)
reconhece que nos cursos de Música a distância da UFSCar “em grande parte os currículos
são fechados, criando desafios para o gerenciamento de custos no momento de renovar
materiais de estudo”.
Ter uma aprendizagem aberta como foco metodológico é algo extremamente
importante em cursos de Música a distância. Isso envolve não somente tecnologia e
metodologias adequadas, mas também uma gestão de tempo e recursos diferenciados para que
se concretize a aprendizagem. Tais conceitos são fundamentais para trabalhar os objetivos
necessários ao professor de Música do século XXI, incluindo o multiculturalismo e a
dilatação de capital cultural.
Swanwick (2014) faz uma análise comparativa de máximas entre educadores musicais
do século XIX (Annie Jessy Curwen) e XX (Murray Schafer) e conclui que o que os
diferencia é a certeza do conteúdo curricular – no século XIX de classificação e
enquadramento forte e no século XX de classificação fraca – ou seja, conteúdos pouco
estruturados previamente, contando com a composição e execução dos alunos como ponto
principal do século XX. Aliado a essa estruturação e as competências do professor de Música
do século XXI (seção 1.4), a educação aberta segue essa linha de raciocínio.
140
Gohn (2011) assevera que no curso de Música da UFSCar o tempo para preparar o
material multimídia excede a fase de concepção, anterior à fase de execução da disciplina.
Tendo em vista que tais cursos de Música pela UAB ocorrem há uma década, houve tempo
suficiente para que a prática de produção de material didático se concretizasse – o que não
ocorreu. Logo, se os cursos de Música a distância permanecem praticando a utilização de
textos retirados de periódicos ao invés de construir um material multimídia interativo calcado
na realidade do aluno, tal argumento é controverso. É urgente reformular as práticas de
elaboração de material didático para cursos a distância, uma vez que uma metodologia
calcada no aluno depende da prática nessa modalidade.
Schramm (2009) aponta a dicotomia focada em tecnologia musical como ferramenta
de aprendizagem versus aprendizagem de música por meio de tecnologia: enquanto a
aprendizagem por meio da tecnologia apresenta um conteúdo preconcebido ao aluno – como
vídeo ou trecho de partitura –, para o foco na tecnologia musical o aluno necessita ser capaz
de operá-la – em editores de vídeo, áudio ou partituras para criar componentes multimídia,
criando objetos de aprendizagem musical –, podendo manipular e modificar elementos desse
objeto de acordo com seus objetivos. O foco na tecnologia musical se aproxima dos conceitos
de aprendizagem pela internet ou música tecno (LEVY, 1999) e de materiais
sociointeracionistas defendido por Villardi e Oliveira (2005) – indo além do texto escrito e
expandido para os áudios, vídeos e manipulação de sons.
F. Pereira (2014) destaca que, em uma turma de Percepção Musical de um curso a
distância pela UAB, foi utilizada durante uma prova presencial uma gravação de ditado
melódico criado e cantado por um aluno com base em um exercício online no qual os alunos
deveriam transcrevê-lo, rompendo com um modelo de prova criada por um professor e
executada ao piano. O autor destaca que, durante uma atividade online, foi pedido para um
aluno compor e cantar uma melodia e outro aluno criar uma segunda voz polifônica em cima
desse cantus firmus; tal atividade seria dificilmente executada em uma turma presencial.
Nesses casos, os professores souberam utilizar as peculiaridades dos recursos
tecnológicos e comunicacionais para proporcionar atividades adequadas ao meio e utilizaram
materiais criados por alunos de outras ofertas de cursos que serviram de material para turmas
futuras – sem então depender da burocracia de envolver uma equipe para a criação de material.
Incentivar os alunos a criar possíveis materiais, principalmente materiais interativos, a serem
utilizados em turmas futuras é uma forma de romper a burocracia e gerar um banco de dados
de materiais a serem utilizados no futuro. Ou seja: além dos REA existentes criados por
professores, encorajar alunos a produzir materiais para um banco de dados de REA em áudios
141
e vídeos para aula de música e disponibilizar também a não cursistas pode ser um recurso
interessante a ser adotado para burlar a burocracia, criando uma espécie de biblioteca popular
virtual. Em áreas cuja cultura tem memória preponderantemente oral e não há nenhum projeto de transformação infraestrutural em andamento, o problema que se coloca não é o da leitura da palavra, mas o de uma leitura mais rigorosa do mundo, que sempre precede a leitura da palavra. Se antes raramente os grupos populares eram estimulados a escrever seus textos, agora é fundamental fazê-lo desde o começo mesmo da alfabetização para que, na pós-alfabetização, se vá tentando a formação do que poderá vir a ser uma pequena biblioteca popular, com inclusão de páginas escritas pelos próprios educandos (FREIRE, 1989, p. 19).
Para uma proposta sociointeracionista e de aprendizagem aberta em música utilizando
as tecnologias, a tecnologia musical como ferramenta criativa em música deve contemplar
uma metodologia que envolva participação ativa e criativa. Rudolph (1996) aponta três modos
de aplicação de uma tecnologia interativa: (1) navegação e aproveitamento de materiais
didáticos virtuais concluídos; (2) criação de propostas autorais pela utilização das tecnologias
como ferramentas; (3) criação de novas tecnologias e ferramentas. No entanto, as propostas
que envolvem criação esbarram na necessidade de os alunos dominarem a programação em
informática, algo que foge do objetivo principal de um curso online de Música.
Segundo Swanwick (2003), podemos escolher como e quando nos envolver com
música e usá-la para diferentes propósitos, mas a Educação Musical, quando faz parte da vida
escolar, precisa propor que a música ocorra através de três processos metafóricos, na qual nós
(1) transformamos sons em “melodias”; (2) as melodias em gestos e estruturas; e,
posteriormente, (3) as estruturas simbólicas em experiências significativas; nesse processo há
camadas de materiais, expressão, forma e valor. “Uma educação em Música presume que os
alunos têm a possibilidade de acesso aos três processos metafóricos. Somente dessa maneira
somos capazes de vislumbrar o que chamo ‘espaço intermediário’” (SWANWICK, 2003, p.
57).
Assim, a Educação Musical deve ser pautada por três princípios: (1) considerar a
música como discurso; (2) considerar o discurso musical dos alunos; e (3) enfatizar a
fluência119. Com isso, propomos uma Educação Musical a distância que consiga trabalhar
esses princípios (SWANWICK, 2003). Do primeiro princípio, considerar a música como
discurso, entendemos que a apreciação musical não se resume ao treinamento auditivo, mas
sim à experiência metafórica que procede a racionalização desses elementos. Swanwick
(2003) afirma que os “elementos” musicais – altura, duração, timbre e intensidade – são
119 No idioma original o termo é fluency first and last, que também significa “fundamentalmente” ou “o fato
mais importante”.
142
materiais sonoros e não nos envolvem em nenhum dos níveis metafóricos, e a aprendizagem
pela musicalização calcada apenas nesses conhecimentos – como realizado tradicionalmente –
acaba por não conduzir a experiência metafórica. O primeiro de nossos princípios, consideração pela música, é um risco somente se esquecermos que a microtecnologia é uma ferramenta e não um fim em si mesma. É muito fácil mecanizar progressivamente a imaginação humana fora da existência e usar loops e padrões pré-gravados, os quais, embora possam servir aos propósitos de certas espécies instantâneas do fazer musical, certamente não desenvolvem um âmbito expressivo ou uma sensibilidade estrutural. Mas o computador pode também ser usado para estimular os processos composicionais e facilitar a notação e a edição. Ele também pode traduzir metáforas visuais da música em som (SWANWICK, 2003, p. 115).
Cabe considerar que a atual tecnologia já consegue, por meio de alguns aplicativos
como o Melodyne Studio, modificar a altura, a duração e a intensidade de loops pré-gravados
ou mesmo frases gravadas em áudio ou MIDI que sejam uma prática corriqueira para DJs e
produtores de música eletrônica, assim manipulando livremente os sons e criando novos
sentidos musicais.
Gohn (2011) alerta que a aprendizagem do treinamento auditivo necessita de
exercícios contínuos e repetidos exaustivamente para que as diferenças entre as sonoridades
estudadas sejam assimiladas e internalizadas. Tendo em vista que uma situação presencial
ocorre comumente com o uso do piano, segundo o autor, com as novas tecnologias os
softwares podem reproduzir e corrigir os erros incansavelmente sem o auxílio de outro
indivíduo.
O treinamento auditivo costuma ser o foco da disciplina Percepção Musical 120 ,
presente nos conservatórios e na grade de todos os cursos de Licenciatura em Música a
distância da UAB, além de estar nos cursos presenciais. Gohn (2011) alerta que o treinamento
auditivo é apenas parte da chamada “percepção musical”, que foi expandida a partir da
segunda metade do século XX, envolvendo uma apreciação musical em sentido mais amplo.
O segundo princípio, o de considerar o discurso musical dos alunos, significa que uma
aula de Música sempre deve sempre ser um diálogo, ou seja, o professor não deve impor
músicas preestabelecidas em um programa, assim como o conhecimento não deve partir
somente do aluno – como ocorre em leituras equivocadas de uma educação centrada no aluno
–, uma vez que dessa forma não há troca de experiências nem enriquecimento cultural e pode
acabar somente reproduzindo o que a indústria cultural impõe ou a cultura do professor, sem
120 Percepção musical e treinamento auditivo são termos usados corriqueiramente como sinônimos, a ponto de
um estudante de licenciatura talvez não saber diferenciá-los, uma vez que a prática da disciplina Percepção Musical pode se restringir inteiramente a treinamento auditivo desde o nível básico ao nível avançado.
143
apresentar outras culturas e sons que o aluno não conseguiria via mídia convencional ou
convivência familiar, conforme já debatido no capítulo 1.
Nesse sentido, Swanwick (2003) aponta que cada atividade curricular oferece
diferentes possibilidades para a tomada de decisões, faceta específica da autonomia do aluno,
tal qual tocar em pequenos grupos, aprender um instrumento coletivamente ou compor em
pequenos grupos. Também precisamos explorar as possibilidades da tecnologia da informação. Podemos ver essa contribuição em duas grandes áreas: uma é a extensão do aprendizado individual, o qual ressoa com o segundo princípio – o da autonomia do aluno. A segunda contribuição da tecnologia da informação é a extensão dos recursos instrumentais de forma radical, dando-nos acompanhamentos instantâneos, muitos efeitos tonais inimagináveis, combinações de sons, o uso de computadores para apoiar o processo de composição musical e performance. E isso tudo pode ser conseguido sem que o material instrumental precise existir em tempo real (SWANWICK, 2003, p. 115).
Swanwick (2003) afirma que a composição é uma necessidade educacional, não uma
atividade opcional para ser desenvolvida quando o tempo permite, pois leva o aluno a trazer
em suas próprias ideias a microcultura da sala de aula, fundindo a Educação Musical com a
“música de fora” e permitindo a ele tomadas de decisão; logo, proporciona mais abertura para
a escolha cultural.
O terceiro princípio, enfatizar a fluência, diz respeito ao discurso musical fluente
como prioridade. A fluência musical precede a leitura e a escrita musical. É precisamente a fluência a habilidade auditiva de imaginar a música associada à habilidade de controlar um instrumento (ou a voz), que caracteriza o jazz, a música indiana, o rock, a música dos steel-pans [do Caribe], uma grande quantidade de música computadorizada e música folclórica em qualquer país do mundo. A notação de qualquer tipo tem valor limitado ou nenhuma para performers do sanjo coreano, para o conjunto texas-mexicano de música de acordeão, ou salsa, ou para a capoeira brasileira. Esses músicos têm muito a ensinar sobre as virtudes de tocar “de ouvido”, sobre as possibilidades da ampliação da memória e da improvisação coletiva (SWANWICK, 2003, p. 69).
F. Pereira (2014) relata em sua pesquisa que, durante a realização de uma tarefa para a
disciplina de Percepção Musical, na qual deveria gravar um solfejo e se acompanhar em um
instrumento harmônico usando um sequenciador, o autor se pegou gravando trechos isolados
em diversos takes de gravações para conseguir um melhor resultado, gerando um resultado
que não seria o mesmo em uma aula presencial, dando então mais ênfase ao produto do que
ao processo e interrompendo a fluência, o que gera a descontinuidade de um discurso
genuinamente musical. Tudo isso é muito diferente de usar o computador somente em uma composição dirigida para a notação – uma forma de instrução sequenciada que o computador faz muito bem. Isso aparece no princípio da fluência e também no primeiro princípio,
144
consideração pela música como discurso. Ser capaz de dizer em música somente o que podemos escrever em notação nega tanto a expressividade como o discurso musical dos alunos. Deveremos procurar pelo progresso tecnológico para libertar os professores e alunos do trabalho penoso, não para aumentá-lo. As pessoas poderiam, então, estar mais livres para produzir e responder à música ao vivo, que assim desempenharia o seu papel, promovendo interesse e convivência e, ao mesmo tempo, refinando a sensibilidade e ampliando a mente (SWANWICK, 2003, p. 115).
Por extensão, qualquer performance assíncrona gravada em vídeo ou em áudio pode
sofrer algum tipo de edição que implique um resultado artificial que não seria possível em um
encontro presencial ou em momento síncrono do curso que envolva a comunicação por áudio
ou vídeo. Para os áudios, há técnicas que permitem a edição para que o produto final fique
com o mínimo possível de erros para quem aprecia, a ponto de não ser perceptível identificar
que o áudio foi editado. Nesse caso, o tutor a distância responsável por corrigir a tarefa não
possui ferramentas suficientes para saber como foi o processo do produto enviado. Porém, o
uso de comunicação síncrona minimiza essa possibilidade.
O grande desafio no uso das tecnologias digitais em aprendizagem de Música está em
buscar metodologias condizentes com o perfil do professor de Música do século XXI. No
caso da educação a distância, é fundamental pensar o papel desse professor. Os aprendizes,
sejam alunos de um curso superior presencial ou a distância ou demais estudantes, buscam
informações em comunidades virtuais; por vezes, conseguem obter informações satisfatórias
entre os próprios aprendizes que participam de fóruns virtuais (PEREIRA, 2017). Com isso,
cabe atentar para o papel do professor online em meio aos cursos de Música.
Pallof e Pratt (2013) apontam mudanças para o instrutor online: (1) o equilíbrio de
poder: o instrutor precisa agir como facilitador da aprendizagem, enquanto os alunos devem
se encarregar do processo de aprendizagem; (2) a função do conteúdo: disponibilizar recursos,
ao invés de instrução expositiva; (3) o papel do instrutor: orientar os estudantes pelo
estabelecimento da presença online; (4) a responsabilidade pelas necessidades de
aprendizagem: os estudantes precisam assumir maior responsabilidade pelo seu próprio
processo de aprendizagem; (5) o propósito e o processo da testagem e da avaliação: uso de
autoavaliação e atividades de aplicação prática.
Ao mesmo tempo que podemos constatar uma mudança urgente nos paradigmas
educacionais para pôr o foco na aprendizagem significativa centrada no aluno, as premissas
apontadas por Palloff e Pratt devem ser questionadas por apontar demasiadamente a
responsabilidade da aprendizagem no aluno. Esse fator cria a tendência a um modo de pensar
e agir que isenta o professor de seus atributos e acaba por colocar nas mãos do aluno o poder
decisório – nos moldes neoliberais, o cliente sempre tem razão, e se o aluno falhar a
145
meritocracia justifica que ele não se esforçou o bastante, isentando o professor desse processo.
Os autores apontam também para o termo instrutor, que induz aquele que detém a informação
em face de um aluno, que apenas tem o dever de as absorver.
A informação contida no material didático tradicional transposta para mídias digitais
não interativas e o tutor responsável apenas por responder as dúvidas quando procurado pelo
aluno – tutoria reativa – acabam por subverter a autonomia do aluno ao abandono. O excesso
de tarefas de cursos EaD e a obrigação de cumpri-las em prazo predeterminado, como os
fóruns com duração não flexível, podem ocasionar uma experiência rasa, não permitindo ao
aluno usufruir a experiência que conduz a uma transformação metafórica ou crítica
imaginativa (SWANWICK, 2003).
A Universidade 42, localizada em Paris e no vale do Silício, é iniciativa de um
empresário que oferece desde 2013 programas de bacharelado com certificado sem nenhum
professor e livros durante todo o curso superior121. Embora não ocorra a emissão de diploma,
tal certificado é aceito em algumas empresas. A modalidade adotada pela instituição foi a
presencial.
Percebemos certa intenção na EaD de utilizar feedbacks automatizados para a
substituição de humanos, por meio de formulários de múltipla escolha, o que acarreta grande
prejuízo à aprendizagem. “Atenções também deverão ser dirigidas aos sistemas
automatizados, que muito provavelmente serão empregados por gestores educacionais,
sempre que possível, para cortar gastos e expandir o número de alunos atendidos” (GOHN,
2009, p. 207). Tais processos são voltados para o acréscimo de informações e não induzem à
transformação metafórica.
Um fórum virtual que pretende ser sociointeracionista deve partir de uma pergunta
provocativa do tutor em relação ao texto e correlacionar à experiência de vida dos alunos. Em
minha experiência como tutor da UnB, deparei-me com o problema de haver fóruns
avaliativos com duração de uma semana e toda semana ocorria o mesmo procedimento: a
maior parte da turma respondia nos fins de semana às perguntas criadas na segunda-feira,
próximo do fim do prazo, e isso fazia com que a discussão não fosse produtiva, pois não havia
tempo para a reflexão sobre a pergunta inicial. A discussão então era interrompida porque era
preciso cumprir o cronograma a qualquer custo. Nenhuma estratégia era tomada ou discutida
para que tal metodologia fosse modificada. Como o Moodle era programado de forma que os
fóruns tivessem horário para encerrar, mesmo que o aluno respondesse ao fórum com
121 Disponível em: https://www.42.us.org/. Acesso em 8 jan. 2017.
146
virtuosismo, o sistema não permitia ao tutor lançar a nota, o que rompe com o paradigma da
flexibilidade (seção 2.1) proposto para uma educação aberta.
Foi observado durante minha tutoria que cada fórum semanal podia valer 2 de 100
pontos na média, o professor supervisor aconselhava atribuir nota zero aos que não escreviam
no fórum, um ponto para quem participasse superficialmente e dois para quem participasse
contribuindo com diálogo entre os demais alunos ou com informações relevantes em mais de
uma postagem. No entanto, a diferença de pontuação final do aluno que participava
superficialmente ou não participava era ínfima em relação ao que participava com esforço:
apenas oito pontos.
Na disciplina Práticas Musicais da Cultura 4, pela UnB, vivenciada empiricamente
pelo autor, nenhuma forma de autoavaliação foi discutida e todos os alunos com nota abaixo
da média pediram a revisão de menção. Assim, embora a avaliação utilizada incentivasse o
aluno a dialogar nos fóruns, uma vez que a avaliação atribuía ao diálogo um peso ínfimo ao
conceito final – menos de 10% do valor total da nota –, acabava por reproduzir um ensino
voltado para a absorção de conteúdos, avaliados majoritariamente por meio de tarefas
individuais.
Segundo Pallof e Pratt (2013), um curso online verdadeiramente centrado no aluno
necessita entender quem são os alunos, como eles aprendem, o que eles precisam para que os
professores possam apoiá-los em sua aprendizagem, como ajudá-los em seu desenvolvimento
como agentes reflexivos, como desenvolver cursos e programas sem deixar de dar atenção a
um melhoramento contínuo da qualidade, estar ciente das questões que afetam suas vidas e
sua aprendizagem e encontrar uma maneira de envolvê-los na elaboração do curso e na
avaliação.
Para isso, é preciso haver ferramentas a serem utilizadas em cursos online de Música
centradas no aluno e, portanto, ideias para trabalhar composição e improvisação online.
Baseado em Keith Swanwick, Silva (2005) propõe a composição como ferramenta transversal
de prática regular e conectada às demais áreas da música presente nos currículos em nível
superior de Música, ao invés de um curso de graduação isolado dos demais. Por extensão,
com ferramentas online colaborativas, a composição pode ser também o foco de um currículo
EaD. O ensino da Música tem, até recentemente, tendido a excluir elementos genuínos da brincadeira imaginativa (formação, composição, improvisação) e, em vez disso, se focalizou no domínio de habilidades de performance e “apreciação” ou de ouvir música como plateia, ambas essencialmente imitativas em sua ênfase (SWANWICK, 2014, p. 66).
147
Mais que a composição, Swanwick (2014) propõe a crítica imaginativa como tarefa
da educação formal, que não se encontra em um plano teórico, mas ocorre na tomada de
decisões ou em uma conversa sobre música, trazendo novas ideias à consciência, fazendo
perguntas e experimentando em performances e composições. A crítica musical em qualquer nível é crucial para o processo da educação formal. A crítica imaginativa é o centro e a característica distintiva dos cursos em escolas primárias, secundárias e em faculdades, e tal atividade crítica não tem de estar num plano altamente teórico, mas ocorrer toda vez que são tomadas decisões ou que se reflete ou se conversa sobre música (SWANWICK, 2014, p. 150).
Swanwick classifica como “facilitador da descoberta individual” ou “tutor”
(SWANWICK, 2014, p. 157) o docente que faz um trabalho individualizado decorrente de um
encontro musical em oposição a instrução. Para o autor, esses encontros musicais,
característicos da educação não formal e na educação musical formal em escolas e faculdades,
obrigatoriamente são seguidos de avaliação e crítica, de se tornar explícito. Nesse sentido,
principalmente na música e nas artes, há a questão da dimensão tácita do conhecimento, no
qual um aluno pode ter dificuldade de se expressar verbalmente e principalmente por escrito –
como necessita ser nos AVAs de cursos de música online. Presumivelmente, dizer pode incluir mostrar; nem toda comunicação acontecerá pela palavra falada. Quando os alunos compõem e executam, estarão mostrando o que sabem mesmo se não estiverem literalmente nos dizendo. Os problemas surgem de verdade quando as pessoas estão como plateia em relação à música (...). A necessidade de conversação crítica é especialmente aparente quando tentamos compartilhar com outros uma experiência como ouvinte ou quando estamos ajudando a desenvolver uma sensibilidade musical e insight (SWANWICK, 2014, p. 167-168).
Keith Swanwick (2003) conceitua a música entre conhecimentos de primeira mão
como aqueles diretamente relacionados a música, como teoria musical, harmonia ou
performance, e conhecimentos de segunda mão, como história da música ou textos em geral
sobre música (SWANWICK, 2003).
2.3.2 Aspectos tecnológicos
Se por um lado a prática de aulas por meio de seminários foi e ainda é algo comum na
educação básica e na superior, presencial e a distância, a necessidade de cada pessoa dar sua
opinião a qualquer custo é um fenômeno da atualidade. Bondía (2002) questiona a forma com
que somos obrigados a primeiro nos informar e depois obrigados a ter uma opinião como
sinônimo de dimensão significativa da aprendizagem, colocando a informação como algo
objetivo a ser conquistado e a opinião, a subjetividade rasa e espontânea de estar a favor ou
148
contra, uma vez que a experiência vivida na contemporaneidade está cada vez mais rara por
falta de tempo. Sendo assim, a informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituirmos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está mais bem informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos dá essa possibilidade. Depois de assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola, podemos dizer que sabemos coisas que antes não sabíamos, que temos mais informação sobre alguma coisa; mas, ao mesmo tempo, podemos dizer também que nada nos aconteceu, que nada nos tocou, que com tudo o que aprendemos nada nos sucedeu ou nos aconteceu (BONDÍA, 2002, p. 21-22).
Ao pensar em uma aprendizagem de Música a distância que considere o discurso
musical dos alunos, a estrutura tecnológica precisa ter ferramentas interativas síncronas ou
assíncronas, em textos, áudios ou vídeos, dependendo das disciplinas de cunho prático ou
teórico e com o foco no discente. Nesse sentido, a conferência um-para-muitos não atingiria
esse objetivo por não ser focada no aluno; é necessária a comunicação muitos-para-muitos,
como nos aplicativos Hangouts ou Skype para vídeos ou em chats ou fóruns para textos.
As tecnologias digitais oferecem um ambiente favorável à aprendizagem de Música de
forma colaborativa e criativa. No entanto, para que a Educação Musical multicultural atinja
seus objetivos, é necessário que “esses ‘conjuntos de sons’, que consistem de intervalos,
escalas, ragas, acordes, séries de notas, ostinatos, baixos etc. seriam explorados e
transformados interculturalmente por meio da composição, da escuta e da performance”
(SWANWICK, 2014, p. 151, grifo nosso).
A primeira forma de tecnologia comunicacional foi a grafia com precisão melódica,
que ocorreu inicialmente com o cantochão no século VI122 e posteriormente aperfeiçoada por
Guido D’Arezzo no século IX, com a inclusão da precisão rítmica. A partir desse momento, a
linguagem musical se tornou importante processo comunicacional entre músicos, que passa a
envolver a escrita e a leitura123.
A notação musical é uma forma de linguagem que possui signos, formado por um
significante e um significado. Saber escrever e ler a linguagem permite uma forma de 122 As grafias alternativas que ocorreram anteriormente a D’Arezzo não davam precisão melódica e rítmica. 123 A comunicação prevê apenas a etapa de escrita e leitura sem enunciação.
149
comunicação entre as pessoas, uma vez que a posterior enunciação consegue ser, de certa
forma, padronizada.
Essa nova tecnologia modificou a maneira de fazer música dos séculos seguintes,
principalmente nas músicas de concerto da Europa. Em outros continentes e na música
popular, a predominância da transmissão oral permaneceu, juntamente com escritas
alternativas à partitura – como a tablatura ou as cifras alfanuméricas, principalmente para os
instrumentos de cordas.
Com a expansão da imprensa por Gutenberg no século XV, as partituras passaram a
ser comercializadas via editoras, o que contribuiu ainda mais para que a aprendizagem de
leitura de partitura se tornasse fundamental, modificando a forma de se aprender música.
Atualmente, é possível ter acesso a manuscritos originais digitalizados em sites como o
IMSLP (imslp.org). Posteriormente, com o desenvolvimento do fonógrafo por Thomas
Edison em 1877, tornou-se possível gravar música em suporte físico. Assim, a possibilidade
de reprodução de um mesmo trecho repetidas vezes facilitou a possibilidade de um aprendiz
“tirar de ouvido” e então dispensar a partitura. A possibilidade de gravar sons e manipulá-los
também dá origem a novas formas de fazer música, como a música concreta. Novamente é
modificada a forma de fazer música.
Com o avanço da tecnologia, começam a surgir também os instrumentos eletrônicos e
a música eletrônica de concerto – e posteriormente a música popular eletrônica. As técnicas
de gravação foram se aperfeiçoando, e com as tecnologias digitais foram surgindo os VSTs
capazes de substituir máquinas a ponto de um computador conseguir substituir os estúdios. Os
home studios tiram a hegemonia dos grandes estúdios das gravadoras e dos selos de
distribuição de música, que passa a ser distribuída na internet na forma de arquivos MP3.
Com a tecnologia MIDI, é possível que vários instrumentos musicais se comuniquem
por meio desse protocolo. Mediado pela internet, passa a ser possível a composição coletiva e
a manipulação livre das alturas, durações, timbres e intensidades, sendo então possível a re-
composição e redistribuição via internet, em um processo dialético, que Levy (1999) chamou
de música tecno124.
Tais inovações tecnológicas novamente interferem na aprendizagem de música. Para
muitos gêneros musicais, principalmente para instrumentos eletrônicos, saber manipular
determinadas tecnologias passa a ser condição para ser intérprete ou produtor musical. Devido
124 A música tecno é um conceito criado por Pierre Levy para representar um re-composição constante a ponto
de se perder a noção de autoria. O autor não faz aqui menção à música techno, subgênero da música popular eletrônica.
150
ao habitus conservatorial (Capítulo 1), tal fato acaba não sendo levado em conta na formação
do professor, uma vez que os bacharelados oferecidos no mesmo espaço físico – e com
disciplinas comuns às Licenciaturas – não exigem tanto tais competências, a não ser a
composição de música eletroacústica.
Sendo a composição um dos elementos centrais da educação musical, como apontam
Silva (2005) e Swanwick (2003), o ensino de Música por meio de tecnologias digitais nos
moldes da UAB parece um ambiente perfeito para aplicar a música tecno, uma vez que esses
cursos trabalham com comunicação assíncrona. Sendo assim, toda atividade que envolva
características de comunicação assíncrona precisa ser explorada nos cursos de Música a
distância. E um dos principais recursos é para trabalhar a composição coletiva.
Os recursos tecnológicos para trabalhar a composição são abundantes com a Web 2.0,
através de DAW online assíncrono, como o Soundation (https://soundation.com), editor de
partitura online, como o Noteflight (https://www.noteflight.com/login) ou site específico para
composição colaborativa entre músicos do mundo inteiro, como o Kompoz
(http://www.kompoz.com/music/home) via áudio ou ainda o Bandhub (https://bandhub.com),
em que um músico grava um vídeo (de autoria própria ou não) e outros músicos criam vídeos
tocando a mesma música, e o resultado final é um vídeo de uma música realizada em conjunto
numa tela dividida entre os vários músicos125. Não presenciei a utilização de nenhum desses
recursos durante minha experiência como tutor da UnB.
Uma vez que existem diversas ferramentas para a composição de música online,
atividades a distância que as utilizem devem ser previstas como metodologia para trabalhar a
composição online nos mais diversos sistemas musicais. Swanwick (2014, p. 151) propõe que,
para ocorrer uma Educação Musical intercultural126, “não se pode esperar que os professores
sejam peritos em todos os tipos de música do mundo, mas eles deve ser sensíveis a muitos
deles [sic] e versados em pelo menos um”. Com isso, podemos levantar dois pontos
importantes: além de o professor ter a necessidade de ser experiente em saber cantar ou tocar
fluentemente um instrumento em determinado gênero, a aprendizagem de diversas músicas do
mundo precisa estar presente – e isso inclui a história da música europeia, história da música
brasileira popular, folclórica e erudita, além daquela das demais culturas da América e de
outros continentes, raramente estudada em conservatórios.
125 Cada usuário pode propor uma música ou buscar a música de que esteja necessitando, no instrumento que
toca. Há uma faixa guia que é removida após a conclusão da gravação, tal qual ocorre nos estúdios. 126 O autor menciona que prefere utilizar o termo intercultural a multicultural (SWANWICK, 2014).
151
Com o surgimento dos computadores, softwares de edição de áudio como Sonar e Pro
Tools e editores de partitura em MIDI como Finale e Sibelius revolucionaram a maneira de
realizar essas tarefas. Esses softwares são pagos e em língua inglesa. Posteriormente,
começaram a surgir aplicativos gratuitos em diversas plataformas – Windows, Mac e Linux –,
em língua portuguesa e com código aberto, como Musescore e Audacity, atualmente usados
nos cursos da UAB. Estamos no momento de transição para uma necessidade de termos
aplicativos online, como o editor de partituras Noteflight ou o DAW online Soundation, assim
como versões desses mesmos aplicativos online para tablets e smartphones, abrangendo os
sistemas operacionais Android, Iphone OS e Windows Phone. No entanto, esses aplicativos
online existentes para música são pagos e em inglês, além de não possuírem versão para
Android, o que aponta que ainda haverá um caminho a ser percorrido para que essa transição
ocorra para a Educação a Distância, que necessita de aplicativos gratuitos, em língua
portuguesa e com integração para aparelhos móveis.
F. Pereira (2014) afirma que um aluno de um curso de Música pela UAB utiliza
diversos softwares offline externos ao Moodle, sendo necessário converter os arquivos
gerados conforme padrões especificados pelos cursos, e tal tarefa é complexa e demanda
muito tempo, acrescido do tempo necessário ao upload desses arquivos ao AVA – a depender
da velocidade da internet da casa de cada pessoa. Esses arquivos são enviados ao tutor muitas
vezes como tarefa individual, sem participação e visualização dos demais alunos, o que não
caracteriza uma interação sociointeracionista.
Atualmente são utilizados materiais offline de editores de áudio, como o Audacity,
editores de partituras como o Musescore, ambos aplicativos de código aberto, gratuito e
disponíveis para Windows, Mac e Linux. Os arquivos gerados pelos softwares são
convertidos e enviados. No entanto, há grande necessidade de o AVA utilizado para cursos de
Música conter tais elementos integrados de forma online e em plataformas móveis.
Schramm et al. (2009) observam que na UFRGS foi criado o MAaV, um AVA
específico para Música, com o intuito de construir um projeto em Flash para integrar um
editor de partitura ao AVA; no entanto, acabou por não dar certo devido a uma atualização do
sistema, optando por suspender e utilizar o Musescore, tendo em vista uma futura construção
por meio de um editor JavaScript, adotando o ABCJS como biblioteca, que poderia integrá-lo
a plataformas móveis – o que acabou não ocorrendo, devido ao término do projeto
PROLICENMUS. Sendo assim, o MAaV não teve nenhuma integração com elementos
escritos da linguagem musical. Além dessas experiências, F. Pereira (2014) destaca que na
UFSCar ocorreu a inserção emoticons de figuras de ritmo para auxiliar na comunicação
152
escrita nos fóruns do Moodle – mas não se conseguiu adaptar um editor MIDI que
reproduziria sonoramente o que foi escrito na partitura, ferramenta ideal para um curso de
Música.
Gohn (2009) classifica os aspectos comunicacionais para Educação Musical a
distância em cinco áreas: (1) História da Música, que pode depender de comunicação por
escrito e leitura de textos ou audição de peças musicais; (2) apreciação musical, que depende
de audição por meio de escutas dirigidas focadas em determinados aspectos ou através de
vídeos, nos quais não se tem controle da qualidade sonora do aparelho; (3) treinamento
auditivo e estudo de harmonia, em que aplicativos podem reproduzir e corrigir
incansavelmente e sem interação humana; (4) composição, que pode ser feita
colaborativamente com aplicativos da Web 2.0 ou com softwares editores de áudio com fácil
interface; (5) performance, que depende de gravação de vídeo ou videoconferência; ambas
necessitam de imagem e captação de som apropriadas para cada tipo de instrumento, e os
feedbacks dos tutores podem ser difíceis de limitar às palavras, uma vez que ele pode precisar
demonstrar movimentos para corrigir a postura e a técnica do instrumento.
No entanto, uma vez que em cursos a distância da UAB tais instrumentos são
oferecidos de forma assíncrona, a solução é a postagem de vídeos em fóruns virtuais para uma
mesma turma de cerca de 20 alunos. Tal fato induz a ocorrência da inevitabilidade da quebra
de paradigma do modelo conservatorial das aulas síncronas e individuais, mas por outro lado
expressa a falta de atenção às especificidades de um curso de Música. Nesse caso, atender a
maior quantidade de alunos de forma assíncrona é uma solução do curso mediante uma
solução de urgência atrelada a uma burocratização e padronização do ensino a distância, o que
não caracteriza necessariamente uma nova metodologia de ensino.
O texto é a forma pela qual o aluno se comunica com o tutor a distância e com
professores por meio de comunicação assíncrona no Moodle. Com isso, pode haver um
desafio para o aluno conseguir expressar suas dúvidas nas disciplinas práticas e teórico-
práticas somente com texto, uma vez que para a comunicação ocorrer necessitaria de
elementos sonoros e visuais. A videoconferência seria a forma mais “natural” de comunicação
para essas disciplinas.
Seria preciso então construir um AVA que atenda às especificidades da aprendizagem
de música, como a integração de áudio e vídeo, escrita em partitura e notação contemporânea,
manipulação de MIDI e áudio, entre outros, mesclando elementos assíncronos com aulas
práticas síncronas e material didático interativo concebido para cursos a distância sem
necessitar de aplicativos externos ao AVA.
153
Ao invés dessa prática, cursos a distância podem simplesmente digitalizar livros ou
artigos científicos e deixar o fórum para debate com tutoria reativa, o que faz com que esse
material “repita alguns erros comuns no ensino presencial – uso mecânico, distanciamento da
realidade, inculcação mecânica de conteúdos e ideologias, inacessibilidade, reforço à perda da
motivação” (VILLARDI; OLIVEIRA, 2005, p. 104). Enquanto na sala de aula presencial o professor tem o controle sobre as formas como o material didático é utilizado – e as ações são ler, escrever, sublinhar, completar, responder, copiar, debater, por exemplo – na Educação a Distância o aluno utiliza esse material de forma independente, com ações que escapam ao domínio do professor – e talvez por isso a questão da avaliação da aprendizagem se torne tão complexa nessa modalidade de educação. O problema é que, na EaD, ainda não houve tempo hábil para elaborar um campo metodológico suficientemente amplo, experimentado e avaliado para dar o suporte necessário à elaboração do material didático a ser utilizado (VILLARDI; OLIVEIRA, 2005, p. 93).
A competência comunicacional na internet sempre foi pensada como comunicação
linguística – textos em e-mails, blogs, wikis. Com a Web 2.0, o usuário passa a ser criador de
multimídias – áudios, vídeos e conteúdos interativos – por meio de uma interface amigável. O
texto pode ter hipertexto ou escrita colaborativa. Atualmente há sites que trabalham com
edição e produção de áudios e vídeos colaborativos. A comunicação por vídeo traz à tona a
comunicação não verbal e paralinguística, o que ajuda na aproximação de uma comunicação
proxêmica.
A padronização das soluções para a EaD concentrada em um setor da universidade,
como o fato de todas as disciplinas serem obrigatoriamente assíncronas e para uma mesma
turma e fator da gestão, não compreende as especificidades dos cursos de Música127. A
dificuldade de um sistema integrado específico para Música e materiais multimídias
interativos são fatores tecnológicos que limitam a execução de metodologias, sendo difícil
romper os paradigmas importantes para a caracterização do ensino a distância.
2.3.3 Quebra de paradigmas
Behar afirma que “no caso da educação ocorreu uma mudança paradigmática de fora
para dentro, resultante da introdução das tecnologias da informação e da comunicação,
levando a um novo perfil de instituição e à reformulação das funções dos ‘atores’ envolvidos”
(BEHAR, 2009, p. 20). No entanto, a autora define paradigma como um corpo teórico ou 127 Embora esse seja um problema tanto do ensino presencial quando da modalidade a distância, podemos
observar as disciplinas de instrumento musical ou canto nos bacharelados como solução despadronizada, uma vez que as aulas ocorrem para um aluno por turma, respeitando a especificidade de uma prática conservatorial reproduzida nos cursos superiores.
154
sistema explicativo dominante durante algum tempo em uma área científica particular, e as
mudanças de paradigmas ocorrem quando há rupturas na evolução científica.
Com isso, podemos afirmar que a inclusão de tecnologias digitais não é o suficiente
para romper paradigmas se a instituição não se adéqua às especificidades de cada área. Para
um curso a distância romper paradigmas, é necessário que os aspectos metodológicos se
imponham e, partindo deles, sejam pensados os melhores aspectos comunicacionais. Caso
contrário, corre-se sempre o risco de replicar os modelos tradicionais na tela do computador
ou aparelho móvel.
Para os cursos de Música a distância, é fundamental conceber novas metodologias que
não se limitem a práticas engessadas, o que implica uma equipe técnica desenvolver novas
ferramentas para atender as especificidades dos cursos. Os cursos da UAB usam o Moodle
como AVA, e ele não contempla as peculiaridades comunicacionais da música, que utiliza
vídeos, áudios e edição de partitura de forma integrada ao Moodle. As aulas virtuais de
instrumentos, ao invés de ocorrerem em pequenos grupos de forma síncrona, ocorrem em
turmas grandes, assincronamente, mediante o envio de vídeos.
No entanto, tal prática ocorre porque o sistema UAB não permite oferecer aulas por
webconferência para grupos menores, tal qual seria o ideal para o curso de música – sendo
uma das especificidades da música, já que no curso presencial ocorre dessa forma: de forma
individual ou em grupos pequenos. Por outro lado, os cursos precisam de se adaptar ao
modelo geral da UAB pelo Moodle em aulas assíncronas para instrumentos musicais, o que
gera uma nova forma de ensinar instrumento através da internet.
Em contrapartida, os cursos faziam encontros semanais obrigatórios e, conforme
apontado por F. Pereira (2014), alguns polos não possuem tutor com formação em Música, e o
tutor tem a função de entregar um envelope lacrado com a partitura para gravar a performance
do estudante de leitura à primeira vista e gravar a peça de confronto para enviar o vídeo ao
tutor.
Uma vez que, de forma geral, a comunicação em cursos online é feita
predominantemente de forma escrita, há necessidade do uso de elementos escritos da
linguagem musical por parte do aluno. Gohn (2009) aponta a necessidade de que cursos
online de Música usem vídeo para se comunicar com os professores em disciplinas práticas na
área da Música e feedback em vídeo por parte do tutor. F. Pereira (2014) aponta que alunos
também sentem essa necessidade em disciplinas de cunho teórico-prático: eles declaram ter
dificuldade de se expressar por escrito sobre habilidades em disciplinas como Harmonia ou
Percepção Musical.
155
Há ainda, nos cursos de Licenciatura em Música a distância, prevalência da escrita
musical como elemento para atender ao músico-professor, ao invés do professor de Música
para a educação básica. Vejamos as ementas das disciplinas de Percepção Musical 4, ambas
obrigatórias para o curso de Licenciatura em Música. Na UFSCar, “Como eixo central a
disciplina irá trabalhar a teoria e a prática relativa à escrita a várias vozes e encadeamento de
acordes, bem como atividades de leitura de partituras, ditado musical e solfejo”
(UAB/UFSCar, 2010, p. 108). Na UnB, as disciplinas Percepção e Estruturação Musical 1 a 4
têm como objetivo o desenvolvimento perceptivo e conceitual tanto dos materiais da música e suas derivações e formas estruturais (tempo, melodia, textura e harmonia; relação das partes com o todo, e vice-versa) quanto dos aspectos expressivos e contextuais da música, utilizados na música de diferentes estilos, gêneros e períodos (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2011, p. 37).
Embora não esteja explícito no PPP do curso da UnB, F. Pereira (2014) observa o
processo de aprendizagem como aluno de uma turma de Percepção Musical 2 e descreve
muitas etapas que envolvem prioritariamente a prática de solfejos e ditados musicais. Tendo
em vista o papel do professor de Música para alargar o capital cultural dos alunos, embora
seja interessante o domínio da escrita musical para escrever arranjos, uma vez que o foco da
educação básica não é este e o professor de música não precisa ser exímio instrumentista ou
cantor, o fato de UnB e UFSCar terem quatro semestres de disciplinas obrigatórias de quatro
créditos (60h) indica que o habitus conservatorial (PEREIRA, M. V. M., 2012) permeia
também os currículos dos cursos a distância. Então a ênfase dada à escrita musical continua
presente nos cursos de Licenciatura em Música na UAB, o que parece apontar para um perfil
de músico-professor não condizente com o perfil docente para a dilatação de capital cultural
da educação básica.
Cabe considerar que, por outro lado, com a limitação da dificuldade de realização das
práticas de conjunto, as universidades acabaram por realizar outras estratégias para preencher
a carga horária das Licenciaturas em Música. No caso da UnB, cabe destacar a disciplina
Práticas Musicais da Cultura, disciplina que não está presente no curso presencial. É
disciplina obrigatória por quatro semestres do curso a distância que prevê em sua ementa o
estudo da musicologia histórica, passando pela música clássica europeia, folclore e MPB
(UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2011). Constatei empiricamente como tutor que houve,
durante certo momento, a inclusão de estudo de Etnomusicologia, com a realização quinzenal
por parte do aluno de pesquisa de campo de gêneros popular, realizando entrevistas e aulas
baseadas nesses gêneros. Enquanto no habitus conservatorial (PEREIRA, M. V. M., 2012) a
156
primazia dos conteúdos da disciplina História da Música é na música europeia, esta disciplina
visa romper com essa ideia.
Acreditamos que a iniciativa de incluir elementos de Etnomusicologia não somente
deveria ser formalizada no PPP do curso da UnB como também deveria ser ampliado na UnB
e na UFSCar um conjunto de disciplinas com esse enfoque, que acaba ficando de fora dos
cursos a distância. Essas áreas de conhecimento se propõem a alargar o capital cultural dos
professores, o que poderia ser acrescido de composições e performances a fim de realizar
atividades práticas para consolidar a música como espaço intermediário (SWANWICK,
2003). Assim, pode haver um debate no campo curricular que contemple a formação do
professor de Música para o ensino básico envolvendo os cursos a distância – e pode ser
perfeitamente ampliado aos cursos presenciais.
Com a evolução dos meios e tecnologias, as formas de criar arte e de o público receber
as artes vão sendo modificadas. Isso pode ser percebido nas Artes Visuais, na Música, no
Teatro e em outras artes, que também sofreram modificações, a ponto de serem criadas novas
modalidades de artes128 e novos papeis sociais entre os artistas e receptores da arte.
Com a popularização da internet e das redes sociais, foi se criando não somente uma
nova forma de comunicação e entretenimento, mas uma nova cultura, denominada
cibercultura, discutida por alguns autores, como Pierre Lévy (1999). Essa nova cultura,
considerada uma revolução dos meios de comunicação, impulsiona a propagação de um
dilúvio de informações, somadas a diversos meios que já vinham colaborando para isso129. Na
cibercultura se incluem as artes, que passaram não somente a contar com novas ferramentas
como também com as que foram sendo reconstruídas. A arte pode ser recebida passivamente
ou recriada constantemente por um grupo ou por um único usuário, que passa a manipular os
materiais originais e reconstruir a obra, e com isso modificando a noção de autoria e
passividade perante a obra, uma vez que esta passa a ser criação coletiva.
A música tecno, apontada por Levy (1999), aproxima a música de uma forma de
construção coletiva. Walter Wiora classifica a primeira idade da história da música como não
havendo distinção entre músico e plateia. Nesse sentido, a cibercultura propõe no campo
musical que, de certa forma, ocorra um retorno às origens da música, uma vez que se permite
que a música seja criada e modificada coletivamente pela transformação de criações musicais
digitais através de samplers e no formato MIDI ou mesmo a criação com instrumentos 128 Como o cinema, que foi possível pela tecnologia disponível, o que gera uma arte distinta do teatro, criando
técnicas e características próprias. 129 Levy (1999, p. 13) comenta que Albert Einstein, em uma entrevista, declarou que três bombas haviam
explodido durante o século XX: a bomba demográfica, a bomba atômica e a bomba das telecomunicações.
157
musicais digitais130 . Portanto, a transmissão pela internet ou a música tecno podem ser
consideradas, de certa forma, um retorno à primeira idade da música. A música tecno inventou uma nova modalidade de tradição, ou seja, uma forma original de tecer o laço cultural. Não é mais, como na tradição oral ou de gravação, uma repetição ou uma inspiração a partir de uma audição. Também não é mais, como na tradição escrita, a relação de interpretação que se cria entre a partitura e sua execução, nem a relação de referência, progressão e invenção competitiva que tem lugar entre compositores. No tecno, cada ator do coletivo de criação extrai matéria sonora de um fluxo em circulação em uma vasta rede tecno-social. Essa matéria é misturada, arranjada, transformada, depois reinjetada na forma de uma peça “original” no fluxo de música digital em circulação. Assim, cada músico ou grupo de músicos funciona como um operador em um fluxo em transformação permanente em uma rede cíclica de cooperadores. Nunca antes, como ocorre nesse tipo de tradição digital, os criadores estiveram em relação tão íntima uns com os outros, já que o laço é traçado pela circulação do material musical e sonoro em si, e não apenas pela audição, imitação ou interpretação (LEVY, 1999, p. 141-142).
Da mesma forma, uma gravação MIDI por um instrumento eletrônico ou a
manipulação de partitura através de um aplicativo – que também trabalha com o padrão MIDI
– têm a possibilidade de manipular livremente qualquer elemento sonoro: altura, duração,
timbre, intensidade e mesmo andamento ou dinâmica. A livre manipulação desses elementos
pode ser o primeiro passo interessante para criar um material para envolver alguns níveis
metafóricos e se chegar ao primeiro princípio de Swanwick (2003) – considerar a música
como discurso –, no sentido que o aluno pode quebrar expectativas, dissolver estruturas,
alterar o caráter expressivo. No entanto, tal procedimento acaba por corromper o terceiro
princípio, de enfatizar a fluência, e só seria musicalmente válido se não houvesse a
substituição da performance humana por uma reprodução programada por uma máquina (ver
item 2.3.2).
Entender a educação como um fenômeno social irá se refletir em uma nova forma de
transmissão das informações, além de uma nova relação com o saber. Além do papel do
artista e do receptor da arte, a tecnologia também cria ou modifica o modo de transmissão. A
internet faz com que elementos de uma cultura local passem a fazer parte de uma comunidade
virtual global, rompendo com as barreiras geográficas das comunidades locais e, com isso,
agrupando tais comunidades por interesses particulares, e não mais as separando por área
geográfica definida.
Carvalho (1999) aponta que os meios de comunicação interferem na renovação da
percepção do ouvinte, uma vez que, modificando a música gravada, criam-se performances de
música que não são musicais no sentido pleno do termo. Sendo assim,
130 Por ser mediado por tecnologia, para participar do processo de recomposição o usuário necessita ter prévios
conhecimentos técnicos nas áreas de informática e música, uma vez que precisa saber manipular os sons em aplicativos e criar elementos sonoros sobre uma peça musical.
158
desaparecem o equilíbrio sutil da intensidade e do ritmo, o idioma paralinguístico e altamente musical dos melismas, as inflexões de voz, as respirações poéticas, os deslocamentos de energia, os silêncios significativos. Ficam apenas a sequência de acordes, o puro e simples produzido eletronicamente e o esquema apático da melodia com as palavras do texto, tudo isso carregado de eco e reverberação: o efeito técnico substitui a dinâmica propriamente musical. Dito de outro modo, há aqui uma execução sem interpretação, sem presença, sem aura. A “música” é reproduzida ao vivo, mas já não é necessariamente vivida por quem a reproduz, e muito menos por aqueles que a escutam. Uma novidade pouco teorizada incorporou-se a esse novo processo de representação musical (CARVALHO, 1999, p. 65-66).
Uma vez que a gravação influencia na performance, podemos entender que isso irá
gerar um movimento que resulta na antítese de criar uma nova geração de músicos e técnicos
que estarão habituados a ouvir tais performances e gravações e de novo gerar ciclicamente
gravações e performances com ainda menos vivacidade e interpretação, naturalizando essa
forma de apreciação musical. Carvalho (1999, p. 72-73) aponta a isocronia131, que transforma
significativamente a sensibilidade musical contemporânea, uma vez que a música orgânica e
viva é desigual, descontínua e pulsante e, ainda, resolveu o problema da afinação padrão dos
teclados eletrônicos132, tão discutida pelos teóricos há mais de três mil anos. O autor também
relata que, na música popular eletrônica 133 , com a figura do DJ, há uma interação
desconstrutiva do ritmo isócrono, de forma a improvisar beats em constante mutação. Tal fato
precisa ser levado em conta como uma discussão a ser desenvolvida, uma vez que, além de
sermos intérpretes culturais, professores também precisam ser críticos culturais.
Toda nova tecnologia, incluindo as tecnologias digitais, modifica e determina novas
formas de pensar, enxergar o mundo, compreender a realidade e comportar-se diante de
problemas e soluções, além de modificar a cultura. Com a internet mediando tecnologias
digitais, a cultura global fica cada vez mais evidente, atrela domínios hegemônicos e cria um
mercado da indústria cultural. A coexistência desses usos contraditórios revela que as interações das tecnologias com a cultura anterior as tornam parte de um processo muito maior do que aquele que elas desencadearam ou manejam. Uma dessas transformações de longa data, que a intervenção tecnológica torna mais patente, é a reorganização dos vínculos entre grupos e sistemas simbólicos; os descolecionamentos e as hibridações já não permitem vincular rigidamente as classes sociais com os estratos culturais. Ainda que muitas obras permaneçam dentro dos circuitos minoritários ou populares para que foram feitas, a tendência predominante é que todos os setores misturem em seus gostos objetos de procedências antes separadas. Não quero dizer que essa circulação mais fluida e complexa tenha dissolvido as diferenças entre as classes. Apenas
131 Chamado, no jargão da gravação, de quantização. 132 Nos últimos 30 anos, a padronização do protocolo MIDI padronizou a comunicação entre teclados e
posteriormente entre outros instrumentos musicais que usassem tal forma de comunicação. 133 O termo original usado por Carvalho (1999, p. 72) é música tecno, subgênero de música eletrônica. No
entanto, no presente texto utilizo a música tecno como conceito de Pierre Levy (1999), que não faz menção ao emprego de Carvalho. Para não deixar o leitor se confundir, optei pelo termo música popular eletrônica, que substitui a intenção original do autor.
159
afirmo que a reorganização dos cenários culturais e os cruzamentos constantes das identidades exigem investigar de outro modo as ordens que sistematizam as relações materiais e simbólicas entre os grupos (CANCLINI, 1997, p. 284).
As tecnologias criam a ruptura de novos modelos e ideias e redistribuem as artes em
diferentes classes sociais, como no caso das tecnologias digitais por meio da internet, que
permitem acesso às obras de arte que anteriormente eram inacessíveis. Com a criação do
fonógrafo, as músicas de concerto, antes restritas às classes dominantes que detinham o
capital econômico para frequentar os grandes teatros ou mesmo que tinham capital social para
frequentar locais com música “ao vivo”, agora seriam banalizadas quando a burguesia
adentrara em algum comércio em que o funcionário estaria ouvindo uma ópera de Wagner,
gerando então um choque cultural.
Se no passado o acesso à informação era algo raro e singular, atualmente as
tecnologias digitais quebraram os paradigmas de acesso à informação, o que gera excesso de
informações. Na sociedade da informação, saber garimpar pelas fontes de informações
verídicas e úteis passou a ser uma competência relevante ou necessária para cidadão com
acesso à internet – que pode ou não conseguir desenvolver essa competência. Com isso, o
acesso ao capital cultural objetivado (BOURDIEU, 2000) se ampliou bruscamente para os
que têm acesso às tecnologias digitais e à internet, e ampliar esse acesso é um ato político que
significa instaurar meios para a mobilidade social e cultural. No entanto, tal facilidade pode
levar a uma homogeneização cultural que foge a padrões locais em prol de uma globalização
da educação determinada pela globalização econômica e pela indústria cultural134.
Toda essa transformação sensitiva musical apontada por Carvalho (1999) contrapõe a
distinção identitária entre os subgêneros. Se pegarmos o forró como exemplo de gênero
musical, podemos contrapor seu subgênero repente nordestino ao forró eletrônico. O ouvinte
mais tradicional irá preferir performances mais orgânicas, validadas pela classe dominante por
sua autenticidade ligada ao folclore e sua poesia voltada ao campo. O público
majoritariamente jovem irá reconhecer sons padronizados com instrumentos eletrônicos,
fortemente vinculados à indústria cultural. Assim, enquanto o grupo de ouvintes de música
tradicional reconhecerá suas referências como autênticas e descartará a música eletrônica, o
grupo de ouvintes de música eletrônica pode não encontrar na música tradicional um
significado.
134 Um fator que indica esse fenômeno é a utilização da língua inglesa como idioma para a comunicação em
nível mundial que acompanha a globalização da educação.
160
Sobre a questão identitária e do reconhecimento de determinada cultura, Bourdieu
(1989, p. 117) aponta o discurso regionalista como legítimo, a cultura dominante como uma
nova definição de fronteiras em que o grupo impõe uma visão única identitária.
Tais elementos descritos sobre arbitrários culturais precisam estar postos como crítica
aos paradigmas a serem vencidos por professores de Música que desejam alargar o capital
cultural dos alunos, uma vez que os signos culturais ligados a classes sociais necessitam ser
refletidos durante a formação do professor de Música. Sendo assim, levanta-se a questão sobre a possibilidade de interpretar e resgatar esses imaginários sociais através da hermenêutica de uma comunidade reflexiva sobre as categorias impensadas que operam na estrutura social como sedimentos ontológicos da consciência prática. Bourdieu (2009a) destacou, nas formas de habitus, esquemas práticos que incorporam o conhecimento, mas não são sempre refletidos no discurso imaginário e ainda menos no discurso racional. Na instituição do seu habitus, os atores sociais não agem sobre a internalização de uma subjetividade racionalizada; ali operam categorias práticas e sensíveis mais próximas ao juízo estético da razão pura; categorias associadas ao gosto e ao sentido funcionam como estruturas relacionais que se configuram através de lutas classificatórias de distinção pela hegemonia cultural (LEFF, 2014, p. 215).
A tecnologia interfere nas necessidades de um músico – e consequentemente nos
moldes de ensino e aprendizagem. Um exemplo disso é o aplicativo para computador e
celular Scorecloud, que consegue pelo microfone dos aparelhos captar o som da voz ou
instrumento musical e realizar uma transcrição automática em aplicativo, ou o Digital Music
Mentor, para transcrever por meio de cifras alfanuméricas a harmonia da música em MP3 – o
aplicativo “tira de ouvido” para o usuário. Embora esses aplicativos não consigam ainda ter
boa qualidade em seu resultado – nesse caso, a transcrição de músicas –, e, com isso, por
enquanto não dispensa o conhecimento em teoria musical tradicional, percebe-se que os
aplicativos poderão passar a suprir a necessidade de um músico de ler e consequentemente
aprender partitura, ou mesmo a aprendizagem do treinamento auditivo, disciplina obrigatória
em conservatórios de música. Portanto, especula-se que no futuro o Professor de Música
poderá não precisar dominar esses códigos, precisando se concentrar somente no som, tal qual
na primeira idade da história música (WIORA, 1963).
Embora a aprendizagem de músicas europeias dos séculos anteriores ainda seja
inexequível sem a compreensão do código musical, as tecnologias tendem a tornar os
conhecimentos curriculares característicos do habitus conservatorial (PEREIRA, M. V. M.
2012) obsoletos para os músicos populares, a ponto de, em um futuro próximo, o aprendiz
questionar o porquê daquele conteúdo, se o aplicativo faz o mesmo papel. Sendo assim, um
professor de música cada vez menos precisará dominar esses códigos para executar
instrumentos ou cantar durante aulas de Música no ensino básico.
161
Nesse sentido, sobre a aprendizagem de música, novas disciplinas são necessárias no currículo, e elas nos levarão longe pelos contornos mutantes do conhecimento interdisciplinar adentro. O novo estudante terá que estar informado sobre áreas tão diversas como acústica, psicoacústica, eletrônica, jogos e teoria da informação. São estes últimos, juntamente com o conhecimento dos processos de construção e dissolução da forma, observados nas ciências naturais, que serão necessários para registrar as formas e densidades das novas configurações sonoras da música de hoje e amanhã. Hoje se ouve mais música por meio de reprodução eletroacústica do que na sua forma natural, o que nos leva a perguntar se a música nessa forma não é talvez mais “natural” para o ouvinte contemporâneo; e, se for assim, não deveria o estudante compreender o que acontece quando a música é reproduzida desse modo? O vocabulário básico da música se modificará. Falaremos talvez de “objetos sonoros”, de “envelopes” e “transientes de ataque” em vez de “tríades”, sforzando e appoggiatura. Sons isolados serão estudados mais atentamente, e se prestará atenção aos componentes de seus espectros harmônicos e às suas características de ataque e queda (SCHAFER,1991, p. 122).
Retomando o raciocínio de Behar (2009), considerando o paradigma como um corpo
teórico dominante, o habitus conservatorial (PEREIRA, M. V. M., 2012) prepara o músico-
professor devido ao foco dado ao currículo de um curso superior, e ele não pode ser replicado
nas Licenciaturas em Música a distância. Portanto, para a Licenciatura em Música a distância
quebrar um paradigma importante, seria necessário utilizar as tecnologias digitais como
espaço para preparar um professor para o ensino básico com professores de música capazes de
alargar o capital cultural dos alunos e que saibam trabalhar dentro da multiculturalidade,
reformulando então o papel do professor envolvido.
No presente capítulo, discutimos as bases da formação do professor de Música a
distância. Os aspectos tecnológicos aliados à gestão dos cursos acarretam falta de materiais
multimídias e afetam diretamente os aspectos metodológicos para a Educação a Distância.
Somando esses fatores, há dificuldade de se quebrarem paradigmas e de utilizar ferramentas
assíncronas de composição coletiva para chegar ao que Swanwick (2003) propôs como
música de transformação da estrutura simbólica em experiências significativas.
Embora os cursos de licenciatura tenham um perfil econômico predominante das
classes populares, observamos vários indícios de habitus conservatorial (PEREIRA, M. V.
M., 2012) nos cursos de Licenciatura em Música ao analisarmos a bibliografia e as ementas
dos cursos – aliadas à minha experiência como tutor a distância. Sendo assim, os cursos a
distância ainda parecem apontar para um caminho que não considera a expansão de capital
cultural como seu objetivo.
A seguir, iremos, com base no levantamento teórico feito nos dois primeiros capítulos,
realizar entrevista com docentes, discentes e gestores dos cursos de Licenciatura em Música
da UAB, além do coordenador geral da UAB e secretário da Educação Básica, a fim de saber
162
de que forma os alunos e professores já formados pelas Licenciaturas em Música vinculados à
UAB estão tendo uma formação que objetive a atuação na educação básica, o que os
professores e gestores das universidades declaram estar realizando como processo
metodológico para pensar essa formação e o que os gestores do MEC compreendem do
processo das Licenciaturas em Música a distância.
163
3 NARRATIVAS POLIFÔNICAS: APRESENTAÇÃO
O objetivo deste capítulo é apresentar o que foi coletado durante o trabalho de campo
envolvendo discentes (alunos e ex-alunos) e docentes (coordenadores, professores e tutores)
de cursos de Licenciatura em Música oferecidos a distância.
Após a apresentação da metodologia, os resultados da pesquisa estarão divididos em
seis seções: (a) Apresentação sociocultural dos discentes; (b) Diversidade cultural nos cursos
de Licenciatura em Música; (c) Formação do professor voltada à educação básica; (d)
Aprendizagem de música como capital cultural; (e) Formação a distância para Licenciatura
em Música; (f) Visões sobre a UAB. Na primeira seção será apresentado o perfil sociocultural
discente que participou da pesquisa e as seguintes irão apresentar os dados obtidos de acordo
com a perspectiva docente e discente dos participantes.
O trabalho de campo foi realizado em duas etapas: (1) questionário online com
discentes da UFSCar e da UnB; e (2) entrevistas semiestruturadas, por webconferência, com
coordenadores, professores e tutores que atuam ou atuaram naquelas universidades.
Para o questionário online com discentes, foram adotados os procedimentos
mencionados a seguir. O contato inicial ocorreu em 2015, com a coordenação de cada curso,
para comunicar a intenção de realizar a pesquisa, acertar os procedimentos iniciais e
providenciar a documentação solicitada por cada instituição. Em 2017 foi estabelecido novo
contato, para comunicar o prosseguimento da pesquisa, mas só no ano seguinte, entre junho e
novembro, foram enviados os convites para os discentes responderem ao questionário
eletrônico. Um termo de consentimento livre e esclarecido (Anexo A) foi enviado por e-mail
a cada docente convidado.
Em maio de 2018, foi realizado um pré-teste com três professores de Música e um
estudante de Música, a fim de se verificar a necessidade de modificações. Feitos os ajustes, o
questionário foi disponibilizado para resposta entre junho e novembro de 2018.
Para iniciar a aplicação do questionário entre discentes, a coordenação de cada curso
disponibilizou uma lista com os e-mails de alunos matriculados no curso de Licenciatura em
Música135 até o início de 2018. Com base nesse cadastro, foram enviados 544 e-mails, sendo
114 disponibilizados pela UFSCar e 430 pela UnB. Além desses, com o intuito de aumentar o
número de respondentes, mais 27 alunos identificados como usuários na plataforma Moodle
135 O curso da UFSCar possui o nome de Licenciatura em Educação Musical e o da UnB o de Licenciautra em
Música. No entanto, se trata do mesmo curso: o curso de Música com grau de Licenciatura. Portanto, iremos utilizar o nome Licenciatura em Música para identificar ambos.
164
dos cursos ou por intermédio de rede social foram convidados, totalizando 571 registros de
alunos. O aplicativo utilizado para envio de e-mail, criação de formulário eletrônico e geração
dos dados foi o Limesurvey.
Foram obtidas 74 respostas, das quais 60 questionários respondidos na íntegra. Foram
aceitos 52 convites de participação através de envio de e-mail pela lista fornecida pelas
coordenações dos cursos e 22 por mensagem via Moodle ou rede social pelo pesquisador.
O questionário eletrônico (Anexo B) foi composto por 34 questões objetivas e duas
questões abertas, nenhuma de preenchimento obrigatório, distribuídas em quatro blocos
temáticos: Informações socioculturais, Diversidade cultural do curso, Mídias e Universidade
Aberta do Brasil e Licenciatura em Música.
Da primeira parte constavam questões socioculturais como polo e instituição, ano de
ingresso e conclusão, idade, cidade em que reside, renda familiar, nível de escolaridade do pai
e da mãe e questões que envolvem trabalho como músico e professor de Música. Foram
quinze perguntas de múltipla escolha.
O segundo grupo de questões tratou da diversidade cultural do curso, contando com
seis questões de múltipla escolha e uma questão aberta.
A terceira parte, intitulada Mídias e Universidade Aberta do Brasil, trouxe nove
questões de múltipla escolha acerca da diversidade de mídias utilizadas e algumas questões
relativas à Universidade Aberta do Brasil, como aspectos ligados à equipe polidocente e
encontros presenciais.
A quarta parte tratou de aspectos ligados à Licenciatura em Música a distância, por
meio de quatro questões de múltipla escolha.
Ao fim do questionário, havia uma mensagem agradecendo ao participante por ter
participado da pesquisa e uma caixa de texto para realizar algum comentário escrito, caso
assim ele desejasse.
Para a entrevista semiestruturada a docentes, foram adotados os seguintes
procedimentos: após a autorização inicial para realizar a pesquisa, em 2015, houve contato
com a coordenação de cada curso, em 2017, a fim de pedir uma lista de e-mails de professores
supervisores e tutores a distância de disciplinas específicas e tutores presenciais. Houve novo
contato em abril de 2018 com a coordenação de cada curso com o objetivo de pedir mais e-
mails de tutores, uma vez que faltavam três entrevistas a serem realizadas de acordo com o
planejado.
165
As webconferências que geraram as entrevistas com o áudio gravado foram realizadas
entre janeiro e junho de 2018. Foram selecionados dez entrevistados: dois coordenadores,
quatro professores e quatro tutores, sendo dois presenciais e dois a distância (Quadro 2).
Quadro 2 – Docentes entrevistados IDENTIFICAÇÃO IES DISCIPLINAS136 OBSERVAÇÕES RELEVANTES
Coordenador 1: de curso UFSCar Sem disciplina específica Sem observação
Coordenador 2: de tutoria UnB Sem disciplina específica Sem observação
Professor 1: supervisor UFSCar Estágio supervisionado Também foi coordenador de estágios do
curso a distância Professor 2: supervisor UnB Educação musical com
tecnologia Já atuou como coordenador geral do curso
Professor 3: supervisor UFSCar
§ Tecnologia para Educação Musical
§ Introdução aos Recursos Tecnológicos Musicais
Professor visitante sem vínculo institucional
Professor 4: supervisor UnB Práticas Musicais da
Cultura Não atuava pela UAB no momento da entrevista
Tutor 1: a distância UFSCar § Criação musical § Percepção musical § Piano
Foi tutor desde a primeira turma da Licenciatura em Música da UFSCar
Tutor 2: a distância UnB • Violão • TCC
Também foi tutor residente e tutor itinerante (presencial) pela UFRGS e nessa condição elaborou conteúdos para a disciplina Violão
Tutor 3: presencial UFSCar Sem disciplina específica
Formada em Pedagogia e sem formação em Música. Já foi tutora do curso de Pedagogia. Assumiu a turma com o curso em andamento
Tutor 4: presencial UnB Sem disciplina específica Acompanhou uma turma por quatro anos durante todo o curso. No momento da entrevista não atuava mais pela UAB
Buscou-se ter equidade de representatividade entre docentes da UnB e UFSCar. Foram
selecionados para a entrevista professores supervisores e tutores a distância com o intuito de
representar disciplinas de cunho prático, teórico e teórico-prático, como Ensino de
Instrumentos, Percepção Musical, Educação Musical, além de Tecnologia Aplicada à Música,
pela UFSCar. Para a tutoria presencial, foi selecionado um tutor com Licenciatura em Música
e outro sem essa formação, uma vez que foi observado que pedagogos ou outros licenciados
atuam como tutor presencial em diversos polos por não haver professores de Música
licenciados em diversas cidades de interior.
Foram elaborados cinco grupos de questões semiestruturadas para nortear as
entrevistas. 136 Informações extraídas com base na entrevista e consulta ao currículo na plataforma Lattes.
166
No primeiro grupo se questionou a forma como o curso de Licenciatura em Música
trata a diversidade cultural. Para isso, o entrevistado deveria discutir aspectos relativos à
influência da religião e à diversidade – regional, social, racial e de gêneros musicais.
No segundo grupo foram feitas perguntas a respeito da formação do professor de
Música. Foi questionada a preparação para a docência de Música tanto na educação básica
quanto em conservatórios, além de aspectos ligados à interdisciplinaridade e à integração com
as demais linguagens artísticas.
O terceiro grupo propôs algumas questões que dizem respeito à música como
acréscimo de cultura. Para isso, foi perguntado a respeito do sucesso escolar nas aulas de
Música, acesso a materiais e dificuldades que decorressem do perfil cultural dos estudantes.
No quarto grupo foram tratadas algumas questões relativas à UAB: seu papel na
educação brasileira e a adequação da equipe polidocente ao curso de Música, além de
aspectos relativos aos diferentes tipos de presença e de encontro e às mídias utilizadas no
curso de Música.
O quinto grupo dialogou com aspectos relativos à Licenciatura em Música na
modalidade EaD, tratando das seguintes questões: presença de composição, apreciação e
regência; presença da prática de conjunto nos encontros presenciais; adequação do repertório
para a educação básica; por fim, foi solicitada uma avaliação comparativa entre as
modalidades presencial e a distância no que tange à capacidade de inovação.
3.1 Realidade sociocultural dos discentes
A maioria dos alunos que responderam ao questionário é da UFSCar (Gráfico 10); por
esse motivo estão matriculados no Estado de São Paulo (Gráfico 11).
167
Gráfico 10 – Universidades da UAB
Gráfico 11 – Polos da UAB
Podemos observar, no Gráfico 11, que 73% dos alunos que responderam ao
questionário estudam em polos na Região Sudeste, 17,6% na Região Norte e 6,8% na Região
Centro-Oeste. Não há polos nas Regiões Sul e Nordeste nem no Distrito Federal. Não houve
respondentes vinculados aos polos de Jales (SP), Itaqui (RS), Itapetininga (SP), da UFSCar, e
de Xapuri (AC) e Primavera do Leste (MT), da UnB.
Observamos pelos Gráficos 12 e 13 que há predominância de ingressos no ano de
2013 e 2014 (51,4%) e que não concluíram o curso ou o concluíram em 2018 (78,4%). Não
houve resposta para ingresso no curso nos anos de 2006, 2008, 2015, 2016 e 2017137 e
137 Apesar de não ter ocorrido processo seletivo em 2017, um entrevistado respondeu que ingressou naquele ano.
168
conclusão nos anos de 2009, 2010, 2015 e 2016. Cabe atentar que o último processo seletivo
de ingresso discente realizado para a UFSCar e a UnB para o curso de Licenciatura em
Música ocorreu no ano de 2013 para iniciar o curso em 2014 e até o fim de 2018 não houve
edital de novo processo seletivo discente.
Gráfico 12 – Ano de ingresso dos alunos
Gráfico 13 – Ano de conclusão dos cursos pelos alunos
O Gráfico 14 apresenta o estado onde residem os alunos; o Gráfico 15, a faixa etária
dos alunos; e o Gráfico 16, sua renda mensal familiar.
Como não houve edital de vestibular para esse ano e foi dito pela coordenação do curso que não ocorreu processo seletivo discente, acreditamos se tratar de um erro e movemos essa resposta para a categoria sem resposta.
169
Gráfico 14 – Estados que residem os alunos
Gráfico 15 – Faixa etária dos alunos
Gráfico 16 – Renda familiar dos alunos (em salários mínimos)
170
Entre os alunos entrevistados, há predominância (68,9%) dos que possuem mais de 35
anos de idade (Gráfico 14); não houve nenhum aluno com menos de 25 anos e, segundo a
Sinopse Estatística da Educação Superior (SINOPSE, 2018), 51,8% dos alunos matriculados
em instituições presenciais e a distância em 2017 possuem até 24 anos de idade; 57,8%
moram no Estado de São Paulo (Gráfico 15) e 73% declararam receber entre 2 e 10 salários
mínimos de renda mensal familiar – 33,8% recebem entre 2 e 5 salários mínimos na família e
39,2% recebem entre 5 e 10 salários mínimos na família (Gráfico 16).
Há predominância de alunos com pai e mãe com nível fundamental ou nenhum nível
de escolaridade: 55,4% para pai e 56,8% para mãe, conforme mostrado no Gráfico 17. Nessa
amostra de alunos, respectivamente, 10,8% e 13,5% possuem pai e mãe com nível superior; a
maioria (70,3%) respondeu que duas ou mais pessoas do seu núcleo familiar próximo
possuem diploma superior, o que está registrado no Gráfico 18. Já o gráfico 19 nos mostra
que 61,2% dos alunos possui ao menos um músico profissional ou amador em sua família.
Gráfico 17 – Nível de escolaridade de pai e mãe
171
Gráfico 18 – Pessoas com nível superior no núcleo familiar próximo dos alunos
Gráfico 19 – Presença de músico na família
Entramos na etapa em que fomos investigar o mundo do trabalho. Apenas 35,1% dos
alunos não trabalham como músico profissional. Dos 64,9% que atuam como músico
profissional, 21 trabalham em grupos populares ou na noite, 19 em igrejas, 18 em
apresentações solo, 17 em outros trabalhos138, 10 como arranjadores ou compositores, 7 em
orquestras e 6 em bandas sinfônicas, conforme demonstrado no Gráfico 20.
138 Na caixa de texto do campo “Outros” foram citadas as seguintes atividades como músico: teatro musical,
sinagoga, banda militar, professor, escola de música, conservatório e universidade como professor substituto de Música, direção musical em projetos de música indígena, coro, professora de canto, quinteto, professor particular, empresa de eventos, regente de coral de instituição judaica, pianista acompanhador em aulas de balé
6
12
23
29
4
0
5
10
15
20
25
30
35
Nenhuma 1 2 3oumais Semresposta
Quantas pessoas em seu núcleo familiar próximo possuem diploma de nível superior?
172
Gráfico 20 – Trabalho como músico profissional
No Gráfico 21, podemos ver que 52,7% declaram atuar como músico amador, a
maioria deles (43,2%) em igrejas.
Gráfico 21 – Atuação como músico amador
Do total de alunos, 27% não trabalham como professor de música. Dos que trabalham,
a maioria atua como professor particular (63%). 25,9% trabalham como professor licenciado
em Arte ou Música em escola de educação básica ou não139; 24,1% atuam como instrutor140
clássico e coral. Essas opções foram reclassificadas pelo autor como categorias preexistentes similares para gerar o gráfico. Era possível marcar mais de uma opção.
139 Na caixa de texto do campo “Outros” foram citadas as seguintes atividades: professora em escola livre de Música; professor em projeto social; professor licenciado na educação básica, técnico e tecnológico – IF; professor em escola de Música; professor no Projeto Guri; professor no Seminário; tem apenas um site para cantos litúrgicos no violão; aulas na internet para liturgia católica; “no momento não, mas já atuei durante dez anos”. Essas opções foram reclassificadas pelo autor como categorias preexistentes similares para gerar o gráfico. Era possível marcar mais de uma opção.
140 O termo “instrutor de Música” aparece em instituições para diferenciar de professor. Enquanto professor possui como pré-requisito a licenciatura em sua área, o instrutor é aquele que tem nível fundamental ou médio
173
em igreja; 18,5% como instrutor em curso particular; e 14,8% como oficineiro/instrutor em
escola de educação básica, como consta no Gráfico 22.
Gráfico 22 – Atuação como professor de Música
Embora ao menos 27% dos alunos não trabalhem como músico, professor de Música
ou sequer atuem como músico amador. Cabe salientar que nenhum aluno declarou não
trabalhar. A maioria (54%) trabalha no setor público, enquanto, concomitantemente ou não,
47,3% trabalham como autônomo, 24,3% atuam no setor privado e 8,1% em outros setores141,
conforme exposto no gráfico 23.
Gráfico 23 – Setor em que trabalha
e atua em cursos livres ou básicos em escolas ou outros locais. O termo “oficineiro” costuma ser equivalente a instrutor. No entanto, denominamos professor particular de Música por ser um termo utilizado informalmente e desvinculado de instituições oficiais.
141 Na caixa de texto do campo “Outros” foram citados os seguintes setores: religioso, aposentada, 3º setor, terceiro setor em regime CLT, mas não tem nada a ver com Música (CET).
174
3.2 Diversidade cultural
Embora questões culturais transversais ao currículo da Licenciatura em Música
possam ser enriquecedoras aos acadêmicos e estejam previstas em áreas de interseção das
diversas bases, para que estas trilhem um caminho que parta de um discurso teórico e se torne
realidade, é necessário estabelecer um diálogo entre as diversas áreas curriculares, como
podemos observar na fala do Professor 1: Professor 1: A gente percebe que, nas Licenciaturas, em função de os currículos serem organizados num molde ainda muito tradicional por disciplinas, os eixos dessas disciplinas que são organizados por áreas muitas vezes não conversam, tá? Então a gente tem um problema de currículo, né? ... A prática. Então o que acontece... Acaba sendo muito complicado isso aí. Então, assim... Quando o professor não se articula, quando as disciplinas não se articulam, né, então a gente... acaba um professor trabalhando sem saber o que (o outro professor) tá trabalhando em termos de repertório, em termos de conteúdos, em termos metodológicos. Tem gente que não quer falar do que faz dentro da sala de aula e não aceita, digamos assim, que alguém fale alguma coisa ou dê sugestões, né? Então, pra que isso seja melhorado na formação dos professores, precisaria de uma organização curricular que possibilitasse uma amarra entre as disciplinas... uma articulação entre os professores, uma amarra nas disciplinas de forma bastante consciente pra tentar ampliar essa abordagem de uma diversidade cultural na formação do licenciando. Tá entendendo? Que a gente sabe que não acontece na prática. As pessoas têm boas intenções, mas cada pessoa trabalha na sua, “no seu quadrado”. E os quadradinhos não dialogam, não conversam. E infelizmente é no estágio que tudo converge, né? Tudo! E às vezes querem levar um padrão de repertório ou um padrão de ensino que não cabe na educação básica ou até em escolas livres de Música ou outros contextos em que ele possa fazer estágio. Por projetos. Então eles vêm com referências que às vezes eles vão ter que se adaptar à realidade.
O Professor 2 e o Professor 3 também acreditam que a diversidade cultural fique concentrada em uma disciplina ou em grupo de disciplinas. Ao serem indagados sobre a diversidade cultural nos cursos de Licenciatura em Música, alguns professores e gestores teceram declarações acerca do processo de diversidade cultural presente nos cursos. De acordo com o Coordenador 1, muitos alunos não se interessam por conhecer outras realidades. Ele ainda relata que o especialista em Educação Musical se preocupa com a cultura como um todo, enquanto o especialista em disciplinas não ligadas a áreas culturais não se preocupa com tais questões. 3.2.1 Diversidade regional, social e racial 3.2.1.1 A perspectiva dos discentes
35,1% dos alunos declararam que o curso abordou as peculiaridades culturais regionais com nenhuma ou pouca frequência e a mesma quantidade com frequência média –
175
ou mais ou menos: intensidade 3 de 5 –, e 20,3% em muitas vezes ou quase sempre, conforme mostra o Gráfico 24.
Gráfico 24 – Frequência de abordagem de peculiaridades regionais
A maioria (51,3%) declarou que existiu mais ou menos ou muito espaço no curso para
discussão sobre diversidade social, 21,6% declararam que quase existiu espaço total e 18,9%
afirmaram que houve quase nenhum espaço ou muito pouco espaço, conforme exposto no
gráfico 25.
Gráfico 25 – Diversidade social no curso
É importante ressaltar que houve menos alunos (47,2%) que responderam que há
muito espaço ou espaço total para discussão sobre diversidades sociais e do que aqueles
176
(27%) que responderam que há quase nenhum espaço ou pouco espaço para questões raciais,
que é demonstrado através do Gráfico 26.
Gráfico 26 – Diversidade racial mencionada no curso
3.2.1.2 A perspectiva dos docentes
O Professor 1 declarou que sua disciplina deve prescindir de discussão prévia sobre aspectos regionais, locais, religiosos e raciais oriundos das demais disciplinas da área de Educação Musical. Tal declaração deixa transparecer que tais aspectos não estão integrados ao currículo, uma vez que não estão presentes transversalmente em todas as disciplinas.
De acordo com o Professor 4, músicas de tradição popular sobrevivem graças às minorias raciais ou religiosas. Ainda segundo ele, o conteúdo Música de Festa, por exemplo, poderia estar presente em sua disciplina Práticas Musicais da Cultura e induzir o aluno a tocar no assunto do ritual religioso, mas não era algo intencional. Em seguida, ele declarou ter refletido que considera uma falha não ter sido pensado com essa intenção, ou trabalhar quantas compositoras mulheres, ou compositores negros, ou latino-americanos existem e admite a necessidade de isso ainda ser repensado e refeito sob nova perspectiva.
O Professor 1 declara que, para a construção do currículo de cada escola de educação básica, deveria ser levado em conta o que ensinar, que tipo de arte ensinar e quem vai ensinar, de acordo com a especificidade de cada região. No entanto, percebemos que se tal prática sempre ficou engessada às legislações vigentes, atualmente, com a implementação da BNCC (BRASIL, 2018), ficará inexequível tal ação.
Sobre aspectos regionais, o Professor 4 e o Tutor 2 relatam que as práticas locais estão presentes na disciplina de TCC, pois, a partir do momento em que o acadêmico produz sua monografia, o tema a ser pesquisado costuma retratar aspectos daquela localidade.
177
O Professor 4 relata que em sua disciplina, Práticas Musicais da Cultura, era pedido que alunos fossem a shows, ensaios ou entrevistas relacionados a determinados gêneros musicais. Embora se tratasse de gêneros que não fossem típicos da região do polo presencial, mas sim de abrangência nacional, como forró, samba e outros, tal fato obrigava o aluno a conhecer parte de sua realidade local relacionada a determinado gênero. Fica evidente que o planejamento desse tipo de ação educativa consegue estimular a descoberta de práticas locais sem se aprofundar em peculiaridades específicas de cada região.
Acerca da questão da diversidade, o Tutor 2 aponta em seu discurso o que fazer com essas informações ao invés de somente acumulá-las:
Tutor 2: Eu acho fundamental trazer esses tópicos, assim. Acho de bastante relevância. Embora também trazer na formação do licenciado – do licenciando, né? – a bagagem disso. Quer dizer, não é só pegar no violão e trazer a música de um compositor negro ou uma música que tenha o elemento rítmico de uma música de candomblé ou de uma religião qualquer. Mas, o que é que tá por trás daquilo ali? De onde veio? Pra onde vai? Qual o uso daquilo? Como que se fazia antes? Como pode ser utilizado numa prática de Educação Musical? Independente do seu espaço, né? Quer dizer, conhecer a educação a partir da música e se aprofundar de uma maneira maior para que a diversidade cultural não fique no superficial, não fique só pelos diferentes elementos, mas sim trazer a diversidade de fato.
3.2.2 Interdisciplinaridade e diálogo com outras artes 3.2.2.1 A perspectiva dos discentes
Quase metade (47,9%) dos alunos considera que houve muito espaço ou quase sempre houve espaço no curso para a discussão de aspectos interdisciplinares; apenas 5,6% disseram não haver quase nenhum espaço, conforme se pode verificar no Gráfico 27. Gráfico 27 – Interdisciplinaridade nos cursos
Observamos ainda que, dentre as competências desejáveis em um professor de Música,
as opções promover uma discussão interdisciplinar na educação básica, juntamente com saber
178
tocar um instrumento musical, foram a segunda e a terceira mais escolhidas (12,2%) para a
segunda ordem142, conforme apresenta o Gráfico 28.
Gráfico 28 – Competências desejáveis para um professor de Música – Ordem 2
3.2.2.2 A perspectiva dos docentes
O Tutor 1 relata que a criação musical pode ocorrer inspirada em pintura, poesia ou
filosofia. O Tutor 3 acredita que, enquanto no curso de Pedagogia, de que também foi tutor, se
faz presente o diálogo entre as diversas linguagens artísticas, na Licenciatura em Música isso
não ocorre. O Professor 4 relata que não há nenhum estudo correlacionando dança e músicas
populares no curso, porém considera que essa correlação é fundamental.
Os Tutores 2 e 4 relataram que não conseguiram perceber nenhum trabalho
interdisciplinar feito no curso, exceto em disciplinas teóricas, com base em Educação e
Sociologia – que por si sós são de essência pluridisciplinar por se tratar de duas áreas em
interseção.
O Coordenador 2 declara que a criação do atual curso de Licenciatura específica em
Música é uma luta e ressalta que há disciplinas de outras linguagens artísticas e da área da
cultura presentes no currículo. O Professor 1 aponta uma dificuldade em relação a esse fato:
os acadêmicos fazem o estágio supervisionado em escolas de educação básica acompanhados
por professores de Arte de cada escola com diversas formações artísticas, mas a regência de
142 Cada participante do questionário eletrônico deveria selecionar a competência mais importante – primeira
ordem. Portanto, havia diversas opções que os alunos selecionanram e de acordo com essa ordem foram criadas classificações de ordem: a opção que foi clicada pela primeira vez se tornou a ordem 1; A opção que os alunos clicaram após a primeira seleção se tornou a ordem 2, e assim sucessivamente.
179
sua aula deverá ser em Música, o que pode acarretar a observação de aulas que podem não ter
nenhum conteúdo sobre música e o acompanhamento por um professor sem formação em
Música, tendo em vista a impossibilidade de os tutores e professores estarem presentes na
regência de aula. Professor 1: Interdisciplinaridade é uma coisa que, para ocorrer de fato, a gente teria que... Olha... Precisa fazer um trabalho muito bom com esses professores. Pra poder ocorrer uma interdisciplinaridade… Primeiro: para poder ter interdisciplinaridade, a gente precisa ter domínio dos conteúdos das diferentes áreas. E o professor que dá aula de Arte que tem formação específica em só numa área, que condição que ele tem de trabalhar de forma interdisciplinar dentro de sua disciplina se ele não domina todos os conteúdos? Tá entendendo? Então começa por aí! Começa com um problema formativo que o professor tem uma formação… Ele tem uma formação e essa formação não é respeitada. Se a gente tem que ter domínio dos conteúdos que a gente vai ensinar, como que um professor de Música que entra num concurso pra Arte tem que dar Teatro, tem que dar Dança, sabe? É uma violência muito grande! Agora, quando um professor de línguas entra pra dar Inglês, ele é de Línguas Estrangeiras! Ele fez o concurso para Línguas Estrangeiras. Ninguém cobra dele aula de Francês, de Alemão, de qualquer outra coisa! Mas porque fazem isso com as áreas artísticas? Porque cada área é única! Ela tem uma natureza, ela tem sua especificidade. E não dá para ter cursos de Licenciatura em moldes polivalentes. A gente vai continuar com problemas formativos muito piores do que mantendo cursos específicos, né? O que nós temos que… O que é que tem que... Por que é que temos que lutar? É pra manter as Licenciaturas em Artes: Música, Licenciatura em Teatro como tá! A gente tem que fortalecer isso – fortalecer a formação – e dar condições de as escolas decidirem o que que tem que fazer em termos de formação do aluno.
Nesse sentido, o Professor 1 acredita que a escola deveria ter a liberdade de decidir
como organizar o ensino, e o fato de não se ter os conteúdos da BNCC divididos por ano, e ao
mesmo tempo que é algo bom por dar a liberdade de se organizar como se achar melhor, por
outro lado é politicamente ruim, pois se obriga a todos a ensinar tudo, retomando então a
Arte-Educação, uma vez que não há expressa na Lei nº 13.278 (BRASIL, 2016b) a
obrigatoriedade de ter professores das quatro artes por escola.
3.2.3 Diversidade de religiões
De acordo com o Censo de 2010 (CENSO DEMOGRÁFICO, 2010), 80% da
população se declaram cristãos: 64,6% de população católica e 15,4% de evangélicos – estes
tendo aumentado 61,4% nos 10 anos anteriores a esse Censo. Não é incomum presenciar em
cursos superiores de Música grande parte dos alunos serem cristãos e tocarem músicas
religiosas em igrejas, uma vez que nessas igrejas costumam ocorrer aulas de Música e os
alunos que chegam a uma universidade podem ter sido iniciados na música em sua igreja ou
em outro lugar com a finalidade de tocar em missas ou cultos.
180
3.2.3.1 A perspectiva dos discentes
Sobre a questão da prática musical religiosa como profissão ou prática cotidiana,
17,7% dos alunos já atuam como instrutor (ver Gráfico 22) e 25,7% como músico
profissional em igreja (ver Gráfico 20); 43,2% atuam como músico amador em igreja (ver
Gráfico 21).
Ao serem perguntados sobre as áreas em que sonham trabalhar futuramente, 17,6%
indicam como músico em igreja e 10,8% como instrutor de igreja, como pode ser verificado
no Gráfico 29. Com isso, podemos afirmar que 43,5% são ou pretendem ser músicos
profissionais que atuam em igrejas e 35,5% atuam ou atuarão como instrutor de música em
igrejas, o que comprova a ideia de que as instituições religiosas constituem grande mercado
tanto para músicos quanto para professores de Música.
Gráfico 29 – Áreas em que alunos sonham trabalhar futuramente
Dos respondentes, 44,5% declararam ter tocado ou cantado nada ou quase nada de
música de instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras), conforme pode ser
verificado no Gráfico 30. Além disso, 48,6% declararam ter estudado nada ou quase nada de
músicas religiosas do século XX e XXI (gospel e outras) em disciplinas de cunho teórico,
conforme demonstrado no Gráfico 31.
181
Gráfico 30 – O quanto o aluno tocou ou cantou de cada gênero musical [música de instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras)]
Gráfico 31 – O quanto o aluno estudou teoricamente de cada gênero musical [Música de instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras)]
O Aluno 19 declarou, no questionário eletrônico: “Acredito que a base da escuta
musical esteja relacionada à influência advinda da família. No meu caso, a música gospel
criou base para apreciação da música instrumental”. No entanto, tal prática familiar em uma
182
criança pode provocar limitação cultural, conforme escrito no questionário eletrônico pelo
Aluno 17143: Aluno 17: Observando crianças evangélicas, elas crescem musicalizadas, em virtude de várias atividades musicais relacionadas ao culto evangélico, e ainda a cultura que eles têm de cantar seus hinos diariamente nos seus afazeres, como música de trabalho, por exemplo. O mesmo pode ser dito de crianças que crescem nas periferias das médias e grandes cidades, onde o funk e o pancadão são predominantes na cultura das famílias moradoras desses locais. Vou tomar a liberdade e contar algo que me chocou, ou pelo menos me causou certo espanto. Em uma aula de início de semestre, ao solicitar que as crianças cantassem músicas de seu repertório, uma garotinha evangélica de 12 anos, após muita insistência, cantou um pequeno trecho de um funk. Havia a resistência por parte dela em não cantar: o funk tinha uma letra vulgar e de submissão feminina, o que de certo modo deixou-a inibida. Ao perguntar-lhe se conhecia outras músicas como MPB, samba etc., ela me respondeu que nem os pais e muito menos na igreja lhe haviam ensinado ou pelo menos mostrado tal repertório a ela.
Dessa fala, podemos vislumbrar que a igreja e a indústria cultural impõem seus
gostos a indivíduos que estão em famílias e comunidades que rechaçam a cultura antagônica
àquela prática cotidiana que está inculcada na formação do seu habitus.
3.2.3.2 A perspectiva dos docentes
Tutor 2: Eu vejo muito a confusão que se faz em trazer elementos da diversidade cultural e tentar trazer usando músicas de determinada religião com a profecia daquela religião, né? Quer dizer... Isso acaba gerando questões de algum comportamento fundamentalista ou então uma crença que não é necessariamente a do outro. Eu concordo que a... é... Esse tópico que você traz, enquanto prática educativa de maneira geral, deve estar simplesmente nas licenciaturas – na Licenciatura em Música também, né? Seja pela questão da religiosidade, seja pela questão de se apropriar de alguma cultura musical ou treinamento cultural de regiões específicas.
O Coordenador 1 afirmou que evita marcar as provas aos sábados por conta dos
praticantes da religião adventista do sétimo dia, que guardam o pôr do sol de sexta até o pôr
do sol de sábado para atividades exclusivamente da igreja. O Professor 4 diz incentivar os
alunos a buscar sempre o conhecimento de outras religiões. Professor 4: Às vezes vinha um aluno que era protestante e eu dizia: ‘Ah, tá bom. Então você vai procurar um rito de candomblé pra você ouvir a música deles e você vai descrever o que você tá ouvindo, o que é a característica musical’. Porque eles vão encontrar na sala, por mais que ele seja religioso protestante, ele quando chegar em sala de aula vai encontrar um aluno que é do candomblé e que vai ouvir aquilo, e que pra ele é supernatural, e que vai tocar um tambor, e que vai tocar muito bem. E inclusive ele, enquanto professor, pode reconhecer o quão musical aquele garoto é, o quão bem ele toca aquele tambor, pedir para o garoto ensinar para os outros um pouco sobre aquilo, ensinar pro próprio professor como tocar. Aí entra, claro,
143 Em respeito à diversidade linguística no Brasil e à escrita informal usada na internet, optou-se por não utilizar
o termo “sic” para a correção dos textos escritos no questionário. Iremos transcrever ipsis litteris os textos escritos pelos alunos.
183
obviamente, toda uma outra problemática que é a questão da religião dentro dos... para quem é professor. Porque quem é professor e tem religiões, professa religiões, que são bastantes conservadoras. Eles acabam não tendo esse tipo de atitude porque não vão aceitar-se, permitir-se aprender a tocar uma música de candomblé ou cantar uma música de candomblé porque a religião dele vai condenar, de certa forma, aquilo. Então, tá condenando toda uma classe em ter contato com essa diversidade, com um novo aprendizado, com uma discussão musical que pode ocorrer no nível musical. Porque ali você está trabalhando em nível musical, e não em nível religioso. Você não tá pedindo pra que ninguém aceite. Quando eu canto um kirie numa missa, eu não tô aceitando um Deus católico, eu tô simplesmente cantando uma música que é, entende, bonita. Se pra você significa mais do que pra mim, tudo bem. Mas pra mim não significa nada!
3.3 A formação do professor de Música
As disciplinas dos cursos da UAB são comumente encontradas em Licenciaturas em
Música e em Bacharelados em Música presenciais. Alguns cursos presenciais de Licenciatura
em Música possuem disciplinas compartilhadas com cursos de Bacharelado em Música da
mesma instituição. Cabe destacar a existência do curso de Licenciatura em Música da
Universidade Federal de São João del-Rei, que oferece opções de habilitação em Educação
Musical, para atuar em escolas, ou instrumento musical ou canto para atuar em conservatórios
de música144.
Vale registrar que o curso presencial da UnB possui também Bacharelado em Música,
enquanto a UFSCar possui apenas o curso de Licenciatura. Torna-se necessário investigar se
há a presença de um habitus conservatorial presente no curso de Licenciatura em Música pela
UAB, tanto pela UFSCar quanto pela UnB.
Nesta seção iremos indagar de que forma vem ocorrendo a preparação para a educação
básica, além de questões de repertório e competências para o ensino de Música na educação
básica.
3.3.1 Preparação para a educação básica 3.3.1.1 A perspectiva dos discentes
Ao serem perguntados sobre as competências desejáveis a um professor de Música na educação básica, 33,8% responderam que o curso privilegia realizar atividades lúdicas com
144 Tal informação, além de constar na tese de M. V. M. Pereira (2012), também pode ser encontrada no PPP do
curso. Disponível em: https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/cmusi/Projeto%20Pedagogico/Projeto%20Pedagogico%20CMUSI.pdf. Acesso em: 07 nov. 2018.
184
crianças como primeira ordem; em segunda ordem (18,9%), apontaram promover discussão crítica sobre o papel da música e no cotidiano do aluno, conforme podemos constatar no Gráfico 32145.
Gráfico 32 – Competências desejáveis de um professor de Música privilegiadas no curso
Ao serem perguntados sobre aspectos que se consideram importantes, 43,2% dos
alunos consideraram muito importante (escala 5 de 5) refletir sobre a diversidade cultural
presente no cotidiano escolar; em seguida, 25,7% consideraram muito importante refletir
sobre as práticas musicais cotidianas, o que indica que os alunos apontam elementos que
priorizam a preparação para a educação básica, conforme demonstrado no Gráfico 33.
145 A legenda Posição 1 aponta para a opção mais escolhida dentre as nove; Posição 2 aponta para a segunda
mais escolhida e Posição 9 para a última opção mais escolhida.
185
Gráfico 33 – Conhecimentos considerados importantes pelos cursos
Outra questão marcante na preparação para a educação básica é o uso de músicas
consideradas adequadas ao público infantil. Podemos observar, nos Gráficos 34 e 35, que os
alunos consideram que houve preocupação para atingir o público infantil, uma vez que
declararam que, com muita frequência, travaram contato com canções infantis educativas ou
de grupos populares voltados para público infantil, seja tocando ou cantando (48,6%), seja em
disciplinas teóricas (47,3%).
Gráfico 34 – O quanto o aluno tocou ou cantou de cada gênero musical [Canções infantis (educativas ou de grupos populares voltados para público infantil)]
186
Gráfico 35 – O quanto o aluno estudou sobre cada gênero musical [Canções infantis (educativas ou de grupos populares voltados para público infantil)]
3.3.1.2 A perspectiva dos docentes
Dentre os docentes entrevistados, houve unanimidade em reconhecer o curso de
Licenciatura em Música pela UAB como voltado primariamente para a docência na educação
básica.
O Tutor 2 e o Professor 4 relatam que disciplinas como Violão e outras, de prática
instrumental, são voltadas para a escola de educação básica, pois nelas não se trabalha um
repertório virtuosístico para concertos, mas sim habilidades para chegar à sala de aula e tocar
acompanhamentos ou melodia com baixo. O Tutor 3 critica a qualidade da execução
instrumental que vivenciou em seu polo, declarando que será necessário que o acadêmico
busque por conta própria ampliação do repertório.
3.3.2 Preparação para conservatórios de música
3.3.2.1 A perspectiva dos discentes
Conforme os dados apresentados no Gráfico 29, ao serem perguntados em quais áreas
os alunos sonham trabalhar futuramente, 41,8% responderam Professor licenciado em Arte /
187
Música em escola de educação básica; 32,4%, Professor particular de Música; e 28,3%146
Instrutor de Música em curso de Música e conservatório. A opção Músico arranjador ou
compositor aparece em seguida, com 25,6%. Temos a soma de 60,7% que sonham trabalhar
como Professor ou Instrutor fora da educação básica. Cabe notar que essa alternativa permitia
a marcação de mais de uma opção e cada aluno pode considerar práticas concomitantes em
regime parcial.
A maioria (71,6%) dos alunos considerou importante ou muito importante ter domínio
de teoria musical, harmonia e arranjo, enquanto 68,9% consideram importante ou muito
importante refletir sobre as práticas musicais cotidianas e sobre a diversidade cultural presente
no cotidiano escolar. Logo, mais alunos acham mais importante aprender teoria musical,
harmonia e arranjo que discutir a diversidade cultural.
Ao perguntar aos alunos o nível de importância que deveria ser dado a atividades
determinadas, conforme já demonstrado no Gráfico 33, a maioria (71,6%) elencou como
muito importante ou importante o domínio de um instrumento ou canto, a discussão sobre
música e cotidiano musical dos alunos e refletir sobre a diversidade cultural presente no
cotidiano escolar (69%); saber História da Música Europeia e popular e ter domínio de um
instrumento musical (60,8%).
Ao serem perguntados sobre a importância de determinadas atividades no currículo de
Licenciatura em Música, a maioria (75,6%) considerou importante (escala 4 de 5) ou muito
importante (escala 5 de 5) a execução de um instrumento ou canto tanto quanto a discussão
sobre música e o cotidiano musical dos alunos, seguido de apreciação musical (74,3%), teoria
musical (73%), composição (64,7%) e literatura sobre Música (História da Música e outros)
(62,2%), como podemos ver no Gráfico 36. Destaca-se que composição foi o ítem mais
considerado muito pouco importante, mais ou menos importante e importante.
146 27% responderam a altenativa “Instrutor de música em curso de música ou conservatório”; 1,3%
respondeu Outros e escreveu “Professor em escola especifica de música, já faço isso”. Portanto, consideramos a soma de ambos para a opção acima.
188
Gráfico 36 – Importância das atividades no currículo da Licenciatura em Música
Se, por um lado, a formação para conservatórios diverge do objetivo da formação para
a educação básica, por outro lado esta pode dar direcionamento excessivo para a educação
básica sem se preocupar com aspectos musicais, conforme relata o Aluno 26. Aluno 26: Minha queixa constante durante o curso foi a ênfase quase total dada ao direcionamento profissional para professores do ensino regular, em detrimento das demais orientações que foram contempladas nas atribuições do curso e posteriormente ignoradas (por exemplo, professor de instrumento, regente de banda ou coral etc.). Tivemos, por exemplo, apenas 1/3 de uma matéria sobre regência – foi excelente, mas insuficiente! Conclusão: o curso frustrou minhas expectativas.
3.3.2.2 A perspectiva dos docentes
Todos os docentes entrevistados declararam que não enxergam a formação do
licenciando com foco para trabalhar em conservatórios de música. O Coordenador 2 declara
que muitos já atuavam em escolas públicas e buscavam a licenciatura.
O Coordenador 1 relata que o foco da Licenciatura em Educação Musical é a educação
básica, mas que existem alunos que querem ficar ligados ao instrumento; ainda assim, ele
acredita que aluno que lê sobre Educação Musical deixa a aula de instrumento mais
abrangente.
189
O Professor 1 destaca que, na disciplina Estágio Supervisionado em Música, uma
parte do estágio pode ser feito em conservatórios ou ONGs, desde que seja cumprida a carga
horária mínima em escola de educação básica na disciplina Arte.
3.3.3 Competências para a educação básica
3.3.3.1 A perspectiva dos docentes
Conforme o Gráfico 32, quando perguntado quais das competências desejáveis a um
professor de Música da educação básica o curso privilegiou, o resultado foi: Como ordem 1 –
mais importante –, realizar atividades lúdicas com crianças (33,8%); Promover uma discussão
crítica sobre o papel da música e cultura no cotidiano do aluno (18,9%) aparece como ordem
2; na terceira ordem, Promover discussão interdisciplinar em uma escola de educação básica
(12,1%); Tocar um instrumento musical aparece na quarta (20,2%) e na quinta ordem (12,2%),
seguido de conhecer compositores populares e eruditos (9,4%); Saber ler cifra alfanumérica
aparece na sétima ordem (9,4%), seguido de Saber cantar solo ou em coral (9,4%); após, na
nona ordem, aparece Saber reger um coral/banda de música/grupo instrumental (9,4%),
empatado com Conhecer compositores e músicos populares e eruditos (9,4%). Saber solfejar
ou tocar uma partitura à primeira vista tenha não aparece como primeira colocada em
nenhuma ordem.
3.3.3.2 A perspectiva dos docentes
Com base nas entrevistas com os docentes da UAB, foram anotadas e sistematizadas
algumas competências apontada pelos entrevistados e explicitadas no Quadro 3. Quadro 3 – Lista de competências do professor de Música na educação básica segundo os docentes
Docente Competências
Coordenador 1 • Lado musical (percepção, regência, afinação) • Questões pedagógicas: Psicologia da aprendizagem, fundamentos da arte-educação. • Competência tecnológica - alunos que irão trabalhar pela internet, editar partituras e
gravações para o ensino presencial Coordenador 2 • Aberto a diversidades
• Maleabilidade de poder lidar com repertórios • Diversidade de público • Poder tocar instrumentos diferentes (sem ser virtuose) • Estar aberto a lidar com a música dos alunos – fazer arranjos de improviso
190
Quadro 3 – Lista de competências do professor de Música na educação básica segundo os docentes
Docente Competências
• Ser criativo • Estar atento à música da mídia (público jovem)
Professor 1 • Atuação política dentro da escola • Preparado para a coletividade • Conhecer seus aliados: diretor, colegas etc. • Conhecer as leis • Articular-se com outros profissionais fora da escola • Ler • Mostrar seu trabalho dentro da escola
Professor 2 • Aproveitar a tecnologia para a vivência musical
Professor 4 • Tecnologias • Saber se virar com o que tem na escola • Conhecer outras práticas musicais
Tutor 1 • Composição • Conhecimento da linguagem musical • Tocar um instrumento • Conhecer pedagogos da música • Saber conceitos musicais: rítmica, harmonia, teoria musical
Tutor 3 • Sensibilidade • Paciência • Saber ouvir o que os alunos trazem • Aplicar o repertório musical • Considerar o repertório musical dos alunos
3.3.4 A educação básica e diversidade de gêneros musicais
3.3.4.1 A perspectiva dos discentes
Como está exposto no Gráfico 37, quando foi perguntado o que os alunos mais
tocaram ou cantaram nas disciplinas práticas de música instrumental ou vocal, muitas vezes
ou quase sempre as respostas mais recorrentes foram, respectivamente: Canções infantis
(educativas ou de grupos populares voltados para público infantil), com 48,6%; Música
folclórica (41,9%); Música popular brasileira até 1970 (bossa nova, tropicália, choro, samba e
outros), com 40,5%; Música erudita do século XX e XXI (contemporânea), com 27%; Música
erudita até o século XIX (25,7%); Música de instituições religiosas do século XX e XXI
(gospel e outras), com 17,6%; Música popular brasileira após 1970 (sertanejo, pagode, funk e
outros), com 14,9%; Música popular estrangeira (jazz, blues e outros), com 13,5%.
191
Gráfico 37 – Com que frequência o aluno tocou ou cantou de cada gênero musical
No Gráfico 38, podemos visualizar as respostas do quanto cada aluno estudou os
mesmos gêneros musicais em disciplinas de cunho teórico: Canções infantis (educativas ou de
grupos populares voltados para público infantil), 47,3%; Música popular brasileira até 1970
(bossa nova, tropicália, choro, samba e outros), 45,9%; Música folclórica, empatada com
Música erudita até o século XIX, com 41,2%; Música erudita do século XX e XXI
(contemporânea), 36,5%; Música popular estrangeira (jazz, blues e outros), 23%; Música
popular brasileira após 1970 (sertanejo, pagode, funk e outros), 21,6%; Música de instituições
religiosas do século XX e XXI (gospel e outras), 13,5%.
192
Gráfico 38 – Com que frequência o aluno estudou teoricamente sobre cada gênero musical
Se considerarmos os alunos que declararam que quase nunca ou nunca tocaram ou
cantaram nas disciplinas Prática Instrumental ou Vocal, na primeira colocação aparece
Música de instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras) e, na segunda
colocação, aparece Música popular brasileira após 1970 (sertanejo, pagode, funk e outros),
com 47,3%. Os gêneros musicais estudados de forma teórica mantiveram um padrão de
resposta similar à prática vocal ou instrumental: 48,8% dos alunos declararam que nunca ou
quase nunca tocaram ou cantaram Música popular brasileira após 1970 (sertanejo, pagode,
funk e outros).
Um dos alunos dos entrevistados escreveu o seguinte relato: Aluno 32: Hoje infelizmente vivemos em uma cultura de inversão de valores, a começar pelos nossos jovens e crianças; estão à mercê dessa mídia esmagadora e levando a todos eles um lixo de cultura. Tem influenciado muitos aos tóxicos, ao vandalismo e destruído muitas famílias.
193
Se resgatar a cultura, estaremos trazendo o saber. O saber educa!
O Aluno 74 também escreve a respeito de cultura e política: Aluno 74: Eu fui um dos que foram pra rua contra a ditadura. Na época, as músicas da MPB e dos antigos festivais faziam sucesso. Essa música e a música erudita foram a base da Educação Musical, cultural, política e religiosa da minha família. Talvez eu e meus filhos, por isso, não fomos nessa "onda" que desconfigurou a imagem do Brasil para os próximos quatro anos.
3.3.4.2 A perspectiva dos docentes
Todos os docentes consideram que foi trabalhada uma grande diversidade de músicas
populares, exceto o Tutor 1, que sublinha que a disciplina Criação Musical trabalha o
processo de criação como um todo, e não somente como composição; por esse motivo, evita
o sistema tonal e, consequentemente, as formas musicais e seus gêneros. O Professor 1
afirma que o repertório fica contido somente na questão eurocêntrica e pouco se vê sobre
música africana, indígena e oriental.
Observam-se algumas divergências nas falas acerca da diversidade do repertório
trabalhado na disciplina Violão: enquanto o Tutor 2 afirma que na disciplina havia músicas
presentes na mídia que poderiam estar no cotidiano dos alunos de uma escola de educação
básica, o Tutor 4 afirma que o pouco que se trabalhou de música popular na disciplina Violão
foi a pedido dos alunos. Embora ambos tenham sido tutores da UnB, o Tutor 4 atuou em um
momento anterior ao do Tutor 2.
O Professor 4 informa que o curso de Educação Musical possui preocupação com o
repertório voltado à educação básica, mas destaca que há sempre uma discussão sobre a
escola esperar que um professor de Música é alguém que prepara músicas temáticas para
eventos escolares, como Dia das Mães, Natal, Páscoa etc.
3.4 A aprendizagem de música como capital cultural
O ensino de Arte, em suas diversas linguagens, lida diretamente com a noção de
capital cultural; discutir o impacto disso por intermédio do olhar dos alunos e professores de
licenciatura em Música torna-se necessário.
A seguir iremos expor a visão dos alunos acerca do sucesso escolar nas aulas de
Música, do acesso aos recursos materiais e da dificuldade a partir do perfil cultural de um
estudante de licenciatura.
194
3.4.1 O sucesso escolar nas aulas de música
3.4.1.1 A perspectiva dos discentes
O Gráfico 39 demonstra que maioria (59,5%) acredita que a música que a pessoa ouve
esteja relacionada à cultura familiar, enquanto 23% consideram que talvez esteja e 10,8%
consideram que não esteja. Tal fato aponta para a visão de que a família interfere diretamente
nas escolhas culturais dos alunos. Não houve respostas para a alternativa não sei/não tenho
certeza.
Gráfico 39 – Música relacionada à cultura familiar
Cabe destacar alguns comentários acerca disso. O Aluno 19 disse: “Ouvimos desde o
útero das nossas mães, é impossível não termos uma influência das músicas ouvidas por
nossos pais”. Alguns alunos destacam que a família é importante, mas não determinante; o
Aluno 74 ressalta a importância da repetição da tradição familiar quando possui um vínculo
religioso: Aluno 74: Eu mesmo cresci ouvindo música. Meu pai já tocava na igreja quando eu era criança e desde então me apresentou os primeiros ensinamentos musicais. Quando tinha sete anos de idade, fui estudar com uma professora particular e depois comecei a tocar na igreja. Hoje sigo os passos do meu pai: ensino meu filho a cantar e tocar órgão eletrônico e dou aula particular em casa. Creio que é uma cultura familiar, sim.
O Aluno 57 destaca a importância dos grupos sociais além da família. Aluno 57: Acredito que os grupos sociais, fora do âmbito familiar, são os responsáveis pela contribuição de influências para definição das escolhas musicais. Acredito que as influências sociais, hoje em dia, têm mais poder de convicção na formação de opinião do que a família, embora esta seja a que inicia as propostas musicais da pessoa como indivíduo.
195
O Aluno 4 destaca que “a influência para as escolhas musicais, além da familiar e de
mídias como a TV e a internet, dá-se também pelas vivências no quotidiano em ambiente
escolar”. O Aluno 16 comenta: “penso que a música que as pessoas ouvem está mais
relacionada ao que se ouve no país em geral. A cultura familiar tem pouca influência quando
a mídia foca apenas numa forma de música e isso é corroborado pelas rádios que a pessoa
ouve”.
3.4.1.2 A perspectiva dos docentes
O Professor 4 declara que a facilidade de acesso à internet permite uma
homogeneidade, pois não distingue o aluno de Brasília do de Acrelândia, cidade do interior do
Acre, e não há variedade de pessoas que se vistam de formas tão diferentes e ouçam músicas
tão diferentes. Afirma ainda que alguns alunos criticavam que as rádios tocam somente
música sertaneja e que as pessoas só ouviam isso; porém adverte que, se as pessoas não
procurarem coisas diferentes na internet, o rádio vai mesmo propagar esse gosto estereotipado.
O Professor 1 afirma, a respeito da dificuldade de dar aula em escolas: Professor 1: Mas é fácil tu dar curso pra professor que toca, que canta. Tu chega lá, só mexer a mãozinhas que tu faz tudo com os professores. Agora... vai para uma escola de educação básica brasileira! Uma coisa é a educação básica na Inglaterra, né? O ensino de Música na Inglaterra é outro, né? Eles tocam um instrumento, os alunos já têm aula de Educação Musical desde os anos iniciais da educação deles lá do ensino regular. Aqui não! Aqui não... aqui a gente faz o que pode. Por exemplo, numa aula de 50 minutos, (...) aqui na região de São Carlos é assim, ó: 15 minutos para acalmar os alunos, né? Pra fazer que eles se sentem, que eles se acalmem, que eles te escutem. Aí tu tem uns 20 minutos para desenvolver a atividade que tu quer, aí os outros 10 minutos é tentando sempre apaziguar a relação entre eles, porque é pesado o negócio, sabe? Então assim... A luta do professor pra trabalhar dentro da escola é muito grande. Sabe? Eu tô sempre dentro das escolas, eu tô vendo assim... ó, é desesperador o trabalho docente, sabe? Porque os alunos não respeitam! Não tem... É rara a turma que tu entra e o pessoal colabora, faz as atividades.
3.4.2 O acesso aos recursos materiais
3.4.2.1 A perspectiva dos discentes
A respeito da diversidade de materiais didáticos, a maioria (66,2%) dos alunos
declarou que houve muitas vezes ou quase sempre a diversificação dos tipos de mídias usadas
como materiais didáticos, enquanto apenas 10,8% consideraram que a diversificação ocorreu
muito pouco ou quase nunca, conforme pode ser verificado no Gráfico 40.
196
Gráfico 40 – Diversificação de mídias de materiais didáticos
Como primeira ordem de utilização acerca dos tipos de mídias utilizadas no curso,
36,5% dos alunos consideram o texto, seguido de vídeos (24,3%), conferências pela web
(12,1%) e áudios (8,1%), conforme demonstrado no Gráfico 41.
Gráfico 41 – Tipos de mídias utilizadas nos cursos
Sobre as mídias, o Aluno 36 escreveu: Aluno 36: a Licenciatura EaD da UFSCar pecou quando privilegiou o texto. Apenas os professores [Fulano] (de Psicologia) e [Ciclano] (de Percussão) utilizaram vídeos. Plataformas como Coursera é um exemplo a ser seguido. Grande parte dos professores mostra-se completamente distante dos alunos. Há professores que são extremamente grosseiros quando contactados por alunos e há professores que não respondem (com conivência da coordenação) a solicitações de alunos. Existiam
197
tutores que fizeram correções e atribuíram notas baixíssimas a alunos ao exigir o que não estava solicitado na questão. Um curso na modalidade EaD pressupõe aluno com dificuldade para cumprir prazos. Essa dificuldade, somada a problemas com tecnologia (internet lenta, sinal de internet caindo) ou problemas de saúde, por exemplo, não justifica a rigidez imposta por professores e tutores durante o curso.
Dentre as ferramentas de mídia mais utilizadas, os fóruns foram relacionados na
primeira ordem de utilização como o mais votado com 21,6%, seguido de texto criado
especificamente para o curso na ordem 2, pdf de texto de cópia de livros ou anais de
congressos ou periódicos (21,6%) na ordem 3, vídeos analógicos – sem interação (18,9% e
14,9% nas ordens 4 e 5), músicas e trechos musicais em áudio (9,5% e 12,2% nas ordens 6 e
7), wikis (10,8% na ordem 8), chats (8,1% na ordem 9), audiolivros (9,4% na ordem 11) e
aplicativos para celular e tablets (17,6% na ordem 12). Cabe notar que na ordem 10 houve a
equivalência entre sete itens e que os itens Textos interativos, Vídeos interativos, Software
para computador não apareceram como mais votados em nenhuma ordem, conforme
demonstrado no Quadro 4 e no Gráfico 42.
Gráfico 42 – Ferramentas de mídia mais usadas no curso
Quadro 4 – Ferramentas de mídia utilizadas durante o curso Ordem das mídias mais utilizadas
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Textos interativos 9 4 0 7 2 0 5 3 4 3 1 1 Texto criado especificamente para o curso 12 16 3 7 6 6 2 2 1 0 0 0
pdf de texto cópia de livros ou anais de congressos ou periódicos 10 7 16 4 6 4 3 1 1 0 1 0
Wikis 0 3 1 5 5 5 5 8 2 3 1 0 Vídeos analógicos (sem interação) 1 2 8 14 11 4 2 1 2 2 0 0 Vídeos interativos 4 0 2 4 3 6 2 4 3 3 2 2 Músicas e trechos musicais em áudio 1 5 8 8 7 7 9 3 2 0 0 1 Audiolivros 0 1 1 1 0 4 2 3 3 3 7 1 Chats 2 4 5 2 6 1 3 4 6 3 3 1 Fóruns 16 12 9 6 2 5 1 0 3 3 0 1 Software para computador 4 4 7 1 5 4 3 3 3 3 5 1 Aplicativos para celular ou tablet 1 2 0 0 1 0 1 2 0 2 4 13 Sem resposta 14 14 14 15 20 28 36 40 44 49 50 53
198
3.4.2.2 A perspectiva dos docentes
Professor 4: Eu vejo alguns alunos que são mais desfavorecidos socialmente que têm menos... menos repertório mesmo, né? E eles consequentemente tiveram mais dificuldade. E as produções deles não são produções tão boas, tão adequadas, mas eles acabam conseguindo ser aprovados. E outros alunos que têm repertório maior, que tiveram outras oportunidades, eu vejo que eles acabam... Eles vão ampliando cada vez mais e indo cada vez mais, e o curso fomenta, e dá um link e ele vai atrás, e ele vai conseguindo abrir outras janelas, né? E o aluno que às vezes não vem com esse repertório e muitas vezes acaba ficando naquilo mesmo. Mas isso não é... Eu tô generalizando, né? Isso não quer dizer que alguns alunos não tenham essa curiosidade, essa disponibilidade. Alguns também são muito ocupados por causa de trabalho e acabam aproveitando o mínimo da faculdade.
O Coordenador 1 comenta que o certo seria desenvolver o material para o curso e
depois aperfeiçoar esse material, mas, com a descontinuidade do curso – por conta da falta de
financiamento pela UAB –, não se estimulou dar continuidade a essa produção. Ele ainda
afirma que alguns alunos reclamavam que o professor deveria ler o texto na frente da câmera,
mas no presencial isso não ocorre. Também afirma que o feedback escrito é um problema em
questões musicais e que a conversa pelo Skype ou webconferência não é prática recorrente.
Sobre o professor ler o texto como metodologia de ensino, o Tutor 3 comenta: Tutor 3: Aí... Tem alguns vídeos que não sei. É o vídeo de uma coisa que já estava escrita. E aí faz-se o vídeo do professor falando e tal, mas é de uma orientação que é idêntica ao que já estava escrito. Então, acho desnecessário. Entendo que a metodologia tem que se diversificar de fato, e não ser mais do mesmo. Então às vezes eu encontrava como mais do mesmo. (...) Eu penso que faltam vídeos de artistas mesmo tocando, e, a partir disso, como se fosse uma... Como é que a gente chama em Pedagogia? Tematização da prática. (...) E de repente a gente pensando mais sobre a música dele, o repertório, à luz desse músico. Acho que fica muito fragmentado às vezes.
O Tutor 1 diz que, a partir de 2014, passaram a ser utilizadas conferências com alunos,
o que não era possível antes devido à dificuldade de conexão à internet. Ele diz que há vídeos
na disciplina, mas apenas do professor se apresentado para os alunos, e que cerca de 90% do
material é em mídia gráfica. O Professor 4 diz que já houve a produção de um DVD e que
atualmente há a necessidade de colocar o material disponível online.
A respeito da criação do material, o Professor 4 afirma que seria positivo que as
universidades que oferecem Licenciatura em Música pela UAB se unissem para produzir um
material coletivo, acrescentando que ele mesmo já tinha utilizado o material da Licenciatura
em Música a distância da UFRGS quando era tutor da disciplina Laboratório de Música e
Tecnologia, em 2014.
O Tutor 2 acredita que para se ensinar violão é essencial o uso de videoaulas e destaca
que foram usados questionários interativos para percepção musical e a associação do áudio
199
com leitura de partituras através de questões de múltiplas escolhas. Ele ainda afirma que na
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso é necessário marcar conferências. Para isso, tem
sido muito usado o aplicativo mensageiro WhatsApp, embora reconheça que o ideal seria usar
os meios de comunicação oficiais do ambiente de aprendizagem.
O Tutor 2 fala sobre os recursos materiais presentes no polo presencial: Tutor 2: É um curso de Licenciatura! Então, assim... Em última análise, o cara é formado pra a educação básica. Só que aí o único recurso musical que se tem nos polos é um violão e um teclado. Só que a Educação Musical não se faz só com isso. Quer dizer... na escola regular você monta pequenos conservatórios. Você usa recursos diversos e faz atividades é... Com propostas diversas pra atingir aquilo que a educação básica pretende enquanto formação... não é nem formação, mas enfim... Quanto à atuação do professor de música nesse espaço. Então, faltam recursos para isso.
3.4.3 O perfil cultural dos discentes
Ao serem indagados sobre as dificuldades com base no perfil cultural dos alunos, os
professores falaram sobre algumas questões que envolvem as diferenças culturais das diversas
regiões, conforme explicitado pelo Professor 4. Professor 4: Então é interessante você sempre parar para pensar: por que é que aquelas pessoas gostam daquelas coisas? Então, voltando para a pergunta inicial... Eu não percebia muita diferença cultural em relação aos estudantes dos polos em que eu trabalhava. Todos tinham acesso. Provavelmente a grande diferença era o capital cultural, no sentido de a pessoa ter tido talvez uma educação mais libertadora, no sentido de que – ah, vamos pensar mais sobre o que a gente está aprendendo do que simplesmente aceitar o que a gente está aprendendo. Então, quando vai estudar História vai… vamos questionar a história que estamos aprendendo. Será que era isso ou o que será que o livro?... Questionar os próprios livros. Então, se as pessoas são mais questionadoras no sentido paulofreiriano do ensino... Acho que isso talvez soe um pouco preconceituoso falar que quanto mais do interior, menos isso! Porque existem professores que tentam isso, independente do local. E tem pessoas de cidades... São Paulo é uma cidade super conservadora, é uma metrópole, e tem pessoas super conservadoras, tem professores que não querem ensinar as pessoas a pensar e a questionar. E você vai encontrar no interior do Ceará pessoas que querem ensinar os alunos a questionar! Eu encontrava alunos que liam menos, talvez. Aí era uma dificuldade maior para fazer ele entender alguns textos, porque às vezes o nível de compreensão dele era menor por estar menos habituado a ler. Isso acontecia em algumas situações, mas acho que não dá para generalizar, nem para dizer que é porque é do interior. Porque isso acontece no presencial. Os alunos de Música leem muito pouco.
O Coordenador 2 expõe que houve alguns casos de alunos que não conseguiram ter
progresso na parte musical por dificuldades culturais, e isso fez com que o curso no ano de
2014 fizesse modificações na sua prova de habilidade específica, para equalizar a parte de
teoria musical com a prática musical.
O Coordenador 1 ressalta que no passado, em um curso presencial, um aluno poderia
ficar deslocado do restante do grupo se não gostasse de músicas como jazz ou música erudita,
200
mas atualmente esses alunos têm seu espaço no curso devido ao aumento da diversidade de
praticantes de vários gêneros musicais populares.
O Professor 1 relata alguns casos comuns, como pessoas mais velhas terem
dificuldade com a parte tecnológica do curso, além de todos os alunos terem dificuldade com
a leitura e compreensão de textos de atividades teóricas, o que cria resistência em ler e
escrever crítica e reflexivamente de forma fundamentada, pois há um problema prévio de
formação geral.
O Professor 4 destaca que, se por um lado os alunos criticam os meios de massa de
propagar um gosto estereotipado como a música sertaneja, por outro a internet proporciona
acesso a outros tipos de conhecimento e permite não distinguir um aluno de Brasília de outro
de Acrelândia.
O Tutor 4 acredita que a classe social do aluno tenha impacto no curso e relata que
muitos não têm acesso à cultura. Segundo ele, alguns têm acesso a uma diversidade maior ao
longo da vida, enquanto outros têm conhecimento mais restrito, por falta de oportunidades.
3.5 A formação a distância para o professor de Música
A transposição do ensino presencial para o virtual exige repensar as práticas docentes,
sob pena de, ao se adaptar o presencial para o online, apenas virtualizar a metodologia
tradicional.
Barreiras tecnológicas aparecem relacionadas ao ensino de Música a distância, uma
vez que ensinar Música tradicionalmente envolve momentos presenciais que incluem prática
instrumental e vocal em conjunto e há dificuldades de se reproduzir de forma síncrona ou
mesmo assíncrona essa prática de conjunto nos ambientes virtuais de aprendizagem. Por outro
lado, se há limitações, a internet também propicia a construção de uma nova relação entre
sujeitos e entre sujeitos e música.
3.5.1 Entre a tradição e a inovação
Esta parte da pesquisa visa questionar os professores acerca do aproveitamento para
inovar e buscar novos caminhos no curso a distância, com o intuito de saber se os professores
consideram que o curso rompe paradigmas ou se apenas reproduz os erros curso presencial.
201
3.5.1.1 A perspectiva dos discentes
No formulário destinado147 aos alunos não houve qualquer questão fechada ou aberta que se aprofundasse especificamente sobre o tema reprodução de erros do curso presencial e paradigmas da educação a distância. 3.5.1.2 A perspectiva dos docentes Ao ser perguntado aos docentes “na sua opinião, o curso reproduz os erros dos cursos presenciais ou rompe paradigmas”, houve consenso de que o simples fato de existirem os cursos da UAB significa romper paradigmas, uma vez que as cidades atendidas pelos polos e seus arredores jamais teriam esses cursos em uma universidade pública presencial. Uma questão destacada pelos docentes quando falam sobre a quebra de paradigmas é deixar claro que o ensino a distância não tem por objetivo superar o presencial, já que este é insubstituível, conforme aponta o Coordenador 2:
Coordenador 2: A EaD depende de uma produção, sabe? Se você não tem esse... Acho que assim... O presencial... E você não tem o presencial, nada supera um presencial convidativo, amoroso, legal, bacana. Nada supera! E se então tá distante desse presencial convidativo, você tem que criar estruturas online que sejam como que convidativas, para lembrar daqueles momentos bons. Então você tem que fazer momentos presenciais bons para que as pessoas queiram reviver isso e adaptar para outras formas.
O Coordenador 2 afirma que os professores e alunos envolvidos com a Educação a Distância precisam aprender a lidar com a informação, aprender a conversar a distância, aprender a escrever e se preocupar com a recepção, pois a relação a distância pode ficar fria e mecanizada. Ele ainda constata que um curso a distância precisa criar espaços de interação e que o virtual precisa ser uma potencialização do que vivemos em contextos locais, que vá criar coisas e afirmar que a educação quer cristalizar e colocar a informação na cabeça das pessoas. O Professor 4 acredita que a Educação a Distância propicia acesso ao conhecimento para pessoas que estariam fisicamente impossibilitadas de ter o acesso sem essa modalidade de educação. Também afirma que a autonomia da pessoa em relação ao seu aprendizado é o que caracteriza o ensino a distância, e o ensino fechado caracteriza o ensino presencial, pois se organiza um currículo em função de um tempo mínimo possível que não se pode estender – pois é caro para a universidade manter a pessoa lá.
147 Por se tratar de uma pesquisa que envolve estudantes de graduação em distintas etapas do curso, inclusive
alunos que trancaram a matrícula, optou-se por deixar essa questão a cargo apenas dos docentes, uma vez que a reflexão sobre esse tema de forma quantitativa e oral traria melhor representação para o resultado da pesquisa.
202
Professor 4: Reproduz todos os erros, porque a gente só tá fazendo um ensino presencial não presencialmente. Ou seja, a gente não está fisicamente no lugar, mas a gente exige que a pessoa entre no sistema toda semana, a gente fica marcando se a pessoa entrou, não entrou, quantas horas tava no sistema como se isso fosse garantia de aprendizado! A gente não está dando autonomia e independência pra pessoa estudar como e quando estudar, e de que forma.
Ele acredita, ainda, que o curso de Licenciatura em Música da UAB não prepare para autonomia, mas sim para o aluno pegar textos e ler, pois é muito tutorial. Ele acredita que o ensino a distância precisa se espelhar no ensino presencial, mas de forma mais aberta, com conteúdo organizado de forma não linear, em blocos, com uma sequência definida pelo aluno, e avaliações ao final de cada bloco, de modo que cada um pudesse traçar seu próprio percurso de aprendizagem. O Professor 4 comenta também acerca do nivelamento dos alunos:
Professor 4: As pessoas reclamam que no ensino a distância a tendência é nivelar por baixo. Eu acho que a gente não tem... A ideia não é nivelar por baixo! É nivelar pela possibilidade que os contextos apresentam. E a gente faz um trabalho de uma bola de neve. Acho que a gente tem que pensar que o nosso trabalho é uma bola de neve. A gente tá... pega uma pessoa que está no interior, que já é um professor de Música, que já aprendeu porque... aprendeu com alguém que tocava numa banda, numa fanfarra ou numa banda militar, e ele era militar, voltou pra cidade e começou a ensinar trompete, trombone, fez uma banda de escola e aquela bandinha de escola tá tocando, tudo o mais... pronto! A pessoa tá fazendo música, tá trabalhando a Educação Musical, mas não foi certificado. Então de repente você pode pegar essa pessoa e você pode trabalhar com ela outros conhecimentos, aos quais ela ainda não teve acesso ou ainda não se deu conta de que poderia desenvolver, e você vai falar com ela sobre diversidade, sobre o porquê de ela fazer aquilo. Você pode instrumentalizar essa pessoa com disciplinas tipo Harmonia e Arranjos, para que a pessoa possa criar arranjos, se a pessoa não sabe criar. (...) Então você vai acabar instrumentalizando essa pessoa a ter esse conhecimento para que ela possa ir além do que ela já fazia. Por mais que a pessoa não seja um exímio... Que aí uma das discussões que a gente tinha aqui no colegiado presencial, que muitos professores diziam: ah... mas a pessoa está saindo com o diploma da UnB e então ele tem que ser um músico tão competente quanto o que a gente forma aqui no presencial. E eu dizia: Não! Minha defesa é que ele não precisa ser tão competente quanto o presencial. Eu dizia: ele tem que ser competente o suficiente para que possa, na próxima geração que ele ensinar, já surgir com uma competência melhor do que a dele. Com conhecimentos melhores e com mais vontade de aprender. E essa próxima geração, quando voltar para o ensino a distância, já vai voltar um pouco mais preparada. Então a gente vai poder subir um pouco mais o nível... que ele já vai chegar um pouco mais preparado. Quando a gente subir esse nível, a gente vai forçar um pouco mais a barra para que ele suba mais ainda. Então ele vai estar um pouco mais preparado que o professor que ele teve.
O Tutor 1 acredita que o curso rompe paradigmas com a ajuda da tecnologia. O Tutor 2 declara que o curso, por ser de dimensão nacional, rompe paradigmas, mas precisa repensar a forma de se comunicar. O Tutor 4 assevera que, além do uso das tecnologias, ter um diploma de peso com bons professores e a comunicação direta com professores doutores em Brasília faz com que se rompam paradigmas, mas, por outro lado, relata que alguns professores da UnB não acreditam no curso a distância.
203
Por outro lado, o Tutor 2 acredita que o curso mais reproduz os erros do que rompe paradigmas, uma vez que pega o que é ensinado no curso presencial e duplica no curso a distância sem questionamento. O Tutor 2 acredita que o fato de o curso ser oferecido a distância é um fator que por si só rompe paradigmas, mas que precisa repensar o conteúdo e a forma de ensinar. 3.5.2 Disciplinas práticas 3.5.2.1 A perspectiva dos discentes Dentre as competências desejáveis para o professor da educação básica, a segunda mais votada como primeira ordem (18,9%) foi saber cantar ou tocar um instrumento musical, conforme demonstrado no Gráfico 32.
Vale registrar que 60,8% consideram importante ou muito importante ter o domínio de um instrumento musical em um curso de Licenciatura em Música, conforme podemos ver no Gráfico 33.
Mais da metade (52,7%) dos alunos acredita que quase sempre a execução de um instrumento musical ou canto deveria estar presente no currículo de uma Licenciatura em Música, sendo essa atividade a segunda mais votada entre as opções, como podemos ver no Gráfico 36. Além disso, 41,9% dos alunos consideram que a prática de conjunto é a atividade mais importante a ser realizada sempre nos encontros presenciais de um curso de Licenciatura em Música, conforme pode ser visto no Gráfico 43.
Gráfico 43 – Atividades consideradas importantes nos encontros presenciais
204
Cabe destacar que, embora os cursos presenciais da UFSCar e UnB possuam
disciplinas de Prática de Conjunto em seus cursos presenciais, estas inexistem nos cursos a
distância pela UAB.
O fato de os alunos considerarem importantes as atividades de prática de conjunto nos
encontros presenciais podem refletir na crença de que é impossível realizar essas atividades
online, opinião partilhada por 50% dos alunos (Gráfico 44).
Gráfico 44 – Atividades impossíveis de serem realizadas online
O Aluno 13, ao realizar o seu comentário escrito, se expressa acerca da falta de prática
musical no curso: Aluno 13: Me decepcionei com o curso a distância; a prática musical foi mínima, não se estudou música (harmonia , composição e canto), me sentia uma tarefeira, postando atividades pra ganhar presença e nota. Muita incoerência nas avaliações. Havia tutores a distância totalmente negligentes e ausentes, às vezes é melhor não tê-los. Também havia professores e tutores excelentes.
O Aluno 67 comenta a falta de um instrumento de prática de percussão, alegando que
o curso faz com o que o aluno opte por apenas um instrumento.
3.5.2.2 A perspectiva dos docentes
O Coordenador 2 declara que a presença da prática de conjunto fica à mercê das
lideranças locais, pelos tutores presenciais nos polos, uma vez que não há Prática de Conjunto
como disciplina da grade curricular.
205
O Professor 2 acredita que tanto a produção de músicas quanto as práticas de conjunto
podem ser feitas pelo Moodle, pois acredita haver tecnologia suficiente para isso, enquanto
os polos presenciais carecem de estrutura para atender a essa demanda.
Ao falar sobre as práticas de conjunto, o Professor 4 faz mea-culpa de não ter mais
atividades práticas no curso a distância e relata que os professores estão muito viciados no
ensino presencial e por isso não se constrói um plano de curso para o curso a distância.
O Tutor 2 diz que, quando trabalhou no curso da UFRGS como tutor presencial, houve
coral, prática de conjunto instrumental e os professores do curso viajavam durante uma
semana para fazer formação com os alunos, já que o tutor presencial precisava ficar 8h por dia
no polo produzindo material, mesmo quando não tinha aluno para atender. Nos cursos da
UAB, soube apenas que havia um pouco de prática no polo, que ocorria quase integralmente
por meio do Moodle na disciplina Violão, na qual o aluno tinha que gravar elementos de um
arranjo específico. Tutor 3: Eu vi uma preocupação nesse sentido, porém sem aprofundamento. (...) Eu acho interessante a ementa das disciplinas, mas eu não sei se os alunos, quando saem, eles saem capazes, aptos a tocar. Porque vejo alunos, por exemplo, que estão se formando em Violão 4 que são alunos que eu não acompanhei do começo, mas eu entendo que quando o aluno faz Violão 1, 2, 3 e 4, no [Violão] 4 ele teria que ter uma noção melhor e maior sobre o violão e música em geral. E não tentar tocar. E eu vejo que eles são aprovados porque eles atingem os requisitos das disciplinas sem adequar adequadamente. (...) Eu acredito que seja [um problema] metodológico mesmo. Tecnologia não é determinante para essa forma de habilidade. O que eu vejo é que os alunos que realmente se formam com essa formação vêm com habilidade, já vêm com prática, experiência, eles conseguem com a tecnologia e está mais, lógico, mais bem informado e tal. Os outros não! Os outros assim... que não têm essa habilidade e através das leituras, dos áudios, dos vídeos, das oportunidades metodológicas que o curso oferece, eu vejo que eles conseguem cumprir os requisitos para aprovação sem serem bons músicos.
O Tutor 4 relatou dificuldade em juntar os alunos no polo para tocar juntos, pois os
alunos faltavam muito.
3.5.3 Criação, apreciação musical e execução musical
3.5.3.1 A perspectiva dos discentes
Conforme podemos observar no Gráfico 36, os alunos apontam a composição e a
literatura sobre música como atividades que têm pouca importância (20,3%) para os cursos –
Muito pouco ou às vezes importante; composição é a opção com maior quantidade de
respostas como muito pouco importante (2,7%). Como atividades quase sempre ou muitas
vezes importantes, os alunos elencaram: (1) 75,7% para discussão sobre música e cotidiano
206
musical dos alunos e execução de um instrumento ou canto; (2) 74,3% para apreciação
musical; (3) 73% para teoria musical; (4) 64,9% para composição e (5) 62,2% para literatura
sobre Música (História da Música e outros).
3.5.3.2 A perspectiva dos docentes
O Coordenador 2 observa que, de forma geral, temos muito medo da composição, mas
ele acredita que o problema não esteja na composição, mas sim em uma série de ações que
possam ser mais livres, pois a escola fica avaliando e fica todo mundo com medo de errar;
nesse sentido, quando se fala de criação ou composição, “ou não pode ou não sei ou não
consigo, porque elas foram formadas com muita proibição e esse é um caminho que precisa se
abrir”. Coordenador 2: Isso ainda é um tabu. Ainda é um tabu no ensino de Música. Porque tem muito julgamento assim, sabe? A gente está acostumada a pensar de um jeito ruim, que a escola só é a escola porque a educação fica toda hora julgando, né? Toda hora avaliando se tá certo ou tá errado. Aí fica todo mundo com medo de errar! Aí, quando tem medo de errar, não tenta. Quando não tenta, fecha todos os canais. A gente é muito tolhido, né? Então é um tabu mesmo. Então vai falar de criação, de composição e... as pessoas… Ah, não... Ou não pode ou não sei, não consigo! Porque elas foram formadas assim, né?, com muita proibição. Então acho que, assim, é um caminho mesmo, que precisa abrir. Eu acho que, trabalhando com a criação, com a criatividade, é 90% você pensar em ambientes que promovam essa possibilidade. Vou trabalhar com composição, vou trabalhar com criação? Ok. O que eu tenho que ver? A estrutura do que eu vou compor? Não. Você tem que pensar num ambiente em que elas se sintam confiantes, que elas se sintam bem, que não haja julgamento, que elas possam trocar e que a gente possa fazer coisas. E aí é que eu vejo que a EaD precisa se reinventar, que ela precisa ser assim... um ambiente convidativo, né? Pras pessoas chegarem e trocarem. Então pra mim a educação presencial é uma só. Não é… A Educação a Distância é uma coisa e a educação presencial é outra. É... a questão é essa... como eu crio ambientes convidativos, democráticos, participativos... onde o julgamento seja baixo e a passividade... onde a vontade de participar seja maior. E aí… então, assim, esse é um desafio tanto no presencial, tanto no a distância. E aí vai ter formas diferentes que você vai usar algumas vezes ferramentas eletrônicas para isso. Agora... a questão é a mesma!
Ainda, sobre a aplicação da composição em sala de aula da educação básica por
professores de Música, o Professor 1 aponta que o equilíbrio entre composição, apreciação
musical e execução é uma opção do professor, e que a aplicação disso na sala de aula depende
da realidade de cada local: Professor 1: Um professor de Música – ou licenciando em Música – só vai abordar mais a composição se ele decidir por isso. (...) Só que tudo depende da realidade que ele vai implementar. O grande problema da educação musical no Brasil é a falta de condição das escolas. Correto? E tu vai para uma escola onde tu não tem espaço... onde tu não tem um espaço adequado dentro da tua sala onde tu vai trabalhar música, que tu trabalha, às vezes, na sala convencional. Daí se tu fizer qualquer experimentação, a professora vem lá do outro lado – de Matemática ou de Biologia... sei lá qual a área - já vem já... ‘tá atrapalhando minha aula’! (risadas). Então tudo
207
depende das condições que esse professor tem de trabalho. Porque às vezes nem tudo o que ele gostaria de desenvolver ele consegue por causa disso!
O Coordenador 1 aponta que o modelo Clasp utilizado por Keith Swanwick está
presente no currículo da UFSCar e existem disciplinas específicas de criação, em que os
alunos gravam suas composições e enviam através do AVA. O Professor 4 afirma que
composição, apreciação musical e execução musical não estão integradas, mas elas ocorrem
de forma isolada e destaca a composição musical colaborativa.
O Professor 4 alega que não incluiu a parte da execução musical em conjunto no curso
a distância porque tinha pouco domínio da tecnologia, via que os alunos tinham pouquíssimo
domínio e para fazer uma prática musical em conjunto online, deveria ter algum software com
pouca latência 148 . Afirma também que não era possível tal prática ser realizada
presencialmente porque muitos não moravam na cidade do polo e, consequentemente, havia
dificuldade para se reunirem.
O Tutor 2 acredita que a composição ocorria na disciplina Violão com a ideia de criar
arranjos e que se apreciava a música ao tocá-la. O Tutor 3 acredita que a apreciação tenha
ocorrido somente ao se fazer um ditado musical ou ao se executar uma música em algum
instrumento e diz não ter visto atividades de composição musical. O Tutor 4 afirma que os
alunos estudaram a teoria de Swanwick, mas na prática não se viu presente, e houve mais
reprodução que composição, que ocorreu muito pouco e de forma isolada.
3.6 Visões sobre a UAB
Coordenador 1: Diferente, por exemplo, num curso presencial, em que no dia a dia você olha e você acaba no corredor percebendo um pouco isso. E o que eu costumo dizer é que o corredor do nosso curso é o Facebook. A gente tem grupos no Facebook, ali a gente vê as discussões, os gostos.
Um curso a distância em Música possui peculiaridades e especificidades. A relação
entre professor e aluno se modifica tanto pelo fato de esse curso ser virtual quanto pelo fato
de o professor poder ser um tutor presencial, um tutor a distância, um professor supervisor ou
um professor conteudista.
Criar um mecanismo para que o aluno possa realizar o trabalho quando e onde quiser
exige modificação das estruturas da universidade. Para suprir a falta do professor no mesmo
ambiente físico, deve-se adotar recursos de interatividade, realizar diversas tarefas autônomas
148 Como exemplo de software de baixa latência, podemos citar o projeto LoLa do conservatório de música
Guiseppi Tartini em Trieste – Itália.
208
e, de acordo com a lei, realizar encontros presenciais para que alunos e tutores tenham
momentos no mesmo espaço, ainda que não estejam presentes os professores e tutores a
distância.
O mecanismo que opera essa engrenagem nas universidades públicas é a UAB, que,
devido à falta de orçamento, parece estar com seus dias contados. Tal fato altera a rotina do
curso, tendo em vista a incerteza de sua continuidade.
3.6.1 Educação aberta
3.6.1.1 A perspectiva dos discentes
Quanto ao grau de participação dos alunos na tomada de decisões a respeito do curso,
a maioria (60,8%) considera que participou quase nada ou muito pouco da escolha dos
conteúdos e da decisão da forma de avaliação; 54,1%, em relação a quando aprender,
conforme pode ser verificado no Gráfico 45. Uma pequena parcela considera que participou
da tomada de decisões muitas vezes ou quase sempre: 10,8% dos conteúdos, 14,9% das
formas de avaliação e 17,6% de quando aprender.
Gráfico 45 – Participação dos alunos na escolha de conteúdos, formas de avaliação e quando aprender
3.6.1.2 A perspectiva dos docentes
O Coordenador 2 diz que a UnB faz propaganda que a UAB é inovadora, mas para
iniciar um novo ciclo precisaria rever, inclusive, a nota de peso 50% + 1 para a prova
209
presencial. Acredita também que a presença do aluno deveria vir de outra forma, não somente
de tarefas presenciais.
O Coordenador 1 acredita que o curso não seja aberto, pois, além de precisar de
vestibular, exige uma logística na qual o material didático precisa estar pronto, o conteúdo é
engessado e os alunos precisam de prazos para não fugir do controle, embora esses prazos
possam ser negociados. Sobre isso, o Professor 4 comenta: Professor 4: Cada pessoa tem uma forma diferente de aprender. E eu acho estranho isso! A gente fala tanto sobre isso do ensino na Pedagogia. A gente tem tantas pessoas falando sobre formas diferentes de aprendizado, mas na hora de praticar isso, não se pratica! Você coloca todo mundo dentro de uma caixinha dizendo: todo mundo tem que passar pelo mesmo formato de aprendizado.
O Professor 4 critica também o fato de o curso a distância ter o mesmo formato do
curso presencial. Professor 4: Uma crítica que eu sempre tive, que eu continuo tendo e vou ter sempre, até que a porcaria mude, é o seguinte: nós temos um curso a distância com uma estrutura de curso presencial, e eu acho isso um absurdo! Eu não vejo lógica nenhuma para isso e acho que a gente precisa mudar isso urgentemente para que esse curso a distância realmente seja um curso a distância não só na teoria, como na prática. Porque na teoria ele é a distância. A única coisa que faz com que ele seja a distância é o fato de o professor não estar presencialmente na frente do aluno. Mas todo o restante da organização do curso, da burocracia do curso, é de um curso presencial. Eu acho isso assim... louco! Sem sentido nenhum!
O Professor 4 ainda comenta acerca do quando aprender: Professor 4: Se você pensar que todas as experiências anteriores de ensino a distância incluíam inclusive manuais e apostilas que eram enviados por correios com fitas, a pessoa estudava isso em casa e depois ia para um centro e fazia uma certificação de que aprendeu aquilo ou não e pronto! Então, ou seja: você trabalhava um manual, uma apostila voltada para o autoaprendizado o mais explicado possível, a pessoa trabalhava a autonomia e a autoaprendizagem no tempo que queria e depois procurava a certificação de que obteve aquele conhecimento. Se a pessoa quisesse levar 10 anos, não importa! A pessoa tinha esse direito! Com o sistema da UAB que foi criado aqui, a pessoa não pode passar dois anos estudando uma disciplina que a pessoa é jubilada. Gente! Eu acho isso... entende? Pra mim é o grande absurdo do sistema do ensino a distância que foi criado (UAB). Esse sistema tem a mesma burocracia do presencial. E eu dizia a eles o tempo todo: gente, a gente tem que criar formas de aproveitamento de créditos, por exemplo. A pessoa tem a competência em piano, já era um bom tecladista... Porcaria! Faz a pessoa fazer a prova e, se a pessoa tiver competência, passa ela em todos os níveis de teclado e a pessoa não precisa cursar! Mas não... A pessoa era obrigada a cursar todos os níveis de teclado, fazer aquele exercício básico, que a pessoa já sabia. Às vezes a pessoa era... sabia muito bem de Harmonia, mas tinha que fazer, tinha que estar presencialmente, abrir... Aí eu disse... bom... claro! Mas quando tem contato com os professores, com o aluno, sempre tem novos conhecimentos que surgem, a pessoa sempre aprende muito mais... Claro que aprende muito mais! Mas você está privando a pessoa de uma possibilidade do autoconhecimento – do autoconhecimento não, da autoaprendizagem! Você está dizendo que a pessoa só é capaz de aprender aquilo se tiver contato com aquele professor. E, ah... poxa... se você cria um plano de curso em que você diz: as habilidades que as pessoas têm que aprender são essas, essas e essas; esses são os conhecimentos, conceitos que serão abordados. Se a pessoa já chegar com aquilo tudo pronto, você vai dizer que não, que você vai ter que fazer o
210
curso, que você não teve contato com o professor, com os alunos, que novos conhecimentos... É ridículo isso!
Ao contrário do Professor 4, o Professor 1 acredita que o curso seja flexível, pois o
aluno pode participar no horário que pode, e se fosse um curso presencial ele poderia não se
formar, e declara que a maioria dos alunos do curso presencial são jovens mantidos pelos pais,
enquanto o aluno do curso a distância não teve oportunidade quando jovem.
O Tutor 1 acredita que o aluno que posta depois do prazo está se aproveitando para
tirar vantagem e não deve ter nem pontuação nem presença; acredita também que um aluno
que perde prazos demonstra falta de seriedade com o curso.
O Tutor 2 comenta acerca do procedimento de preencher uma planilha das presenças
virtuais, enquanto o Tutor 3 acredita ser um controle interessante para os professores
identificarem se o aluno está lendo o que está sendo pedido.
O Tutor 4 acredita que na parte online é preciso ter uma pressão para cumprir o prazo,
mas que nos encontros presenciais, por vezes, era necessário “segurar na presença”, pois os
alunos tinham uma rotina muito puxada, e acredita que tais encontros seriam um controle para
os alunos passarem a criar maturidade para a autonomia necessária ao ensino a distância.
3.6.2 Mídias digitais: interatividade e autonomia
3.6.2.1 A perspectiva dos discentes
Entre os tipos de mídia utilizados, o texto aparece em primeira ordem (36,5%), os
vídeos na segunda (41,9%), as conferências na terceira (37,8%) e os áudios na quarta ordem
(39,1%), como mostra o Gráfico 41. Desses quatro tipos de mídia, a conferência é a única
obrigatoriamente interativa; as demais podem ser ou não.
A ferramenta de mídia mais utilizada, na percepção dos alunos, foi o fórum (21,6%),
seguido de texto criado especificamente para o curso (21,6%), de pdf de texto de cópia de
livros ou anais de congressos ou periódicos (21,6%), vídeos analógicos (sem interação)
(18,9% e 14,7%), músicas em áudio (9,5% e 12,2%), wikis (10,8%), chats (8,1%), textos
interativos, wikis, vídeos interativos, audiolivros, chats, fóruns e softwares (4,1%) e
audiolivros (9,5%), conforme pode ser visto no Gráfico 42 e no Quadro 4. A opção de
aplicativos para celular não apareceu como a mais votada em nenhuma das classificações.
211
A maioria (55,4%) acredita que os cursos utilizam muitas vezes ou quase sempre
materiais didáticos interativos, enquanto 12,2% acreditam que se usem muito pouco ou nunca
e 17,6% às vezes, conforme o Gráfico 46.
Gráfico 46 – Utilização de materiais didáticos interativos
3.6.2.2 A perspectiva dos docentes
Embora os alunos tenham apontado na subseção anterior o vídeo analógico na quarta e
quinta ordem de classificação dentre as mais votadas, é preciso considerar a metodologia
empregada para construir esses vídeos.
O Coordenador 1 aponta que, embora exista conversa pelo Skype, não é prática
recorrente, e que há uma equipe da Secretaria Geral de Educação a Distância para criar vídeos,
mas, devido à alta demanda, essa execução fica dificultada.
O Professor 4 diz que, quando foi coordenador de curso, havia uma equipe para
montar materiais, mas que muitos não eram utilizados. Houve inclusive produção de um DVD,
mas pouca gente assistiu ao material, segundo a pesquisa de um ex-orientando seu. Professor 4: Você tinha um material pronto, organizado, para que a pessoa pudesse aprender de forma autônoma e a pessoa escolhia um caminho do aprendizado e escolhia inclusive o tempo do aprendizado. E isso pra mim é o grande diferencial do ensino a distância em relação ao ensino presencial. É a autonomia da pessoa em relação ao seu próprio aprendizado. O ensino presencial tem isso muito fechado por uma questão às vezes econômica obviamente, né? Porque é caro manter um aluno na universidade.
O Tutor 4 relata que não viu nenhum material interativo durante os seus quatro anos
no curso. Também acredita ser muito trabalhoso preparar esse tipo de material.
212
3.6.3 Os encontros presenciais
3.6.3.1 A perspectiva dos discentes
Conforme apontado no Gráfico 43, 41,9% dos alunos elegeram como mais importante
atividade a ser realizada em um encontro presencial a prática musical de conjunto como
primeira ordem de utilização; seguido de estudo com demais colegas e explicação de dúvidas
com o tutor presencial na segunda ordem (18,9%); explicação de dúvidas com o tutor
presencial na terceira ordem(23%); estudo com demais colegas na quarta ordem (13,5%);
estágio na quinta ordem (12,2%); trabalho de campo na sexta ordem (12,2%); e prova na
sétima ordem (10,8%). A atividade de prática musical individual não foi escolhida como a
mais importante de nenhuma das oito classificações.
Ao serem perguntados sobre quais atividades os cursos priorizam – como importantes
ou muito importantes – nos encontros presenciais, 77% declararam que o curso considera a
prova presencial como principal atividade, seguida de prática musical de conjunto (59,5%),
estudo com os colegas (52,7%), estágio (41,9%), atividades de prática musical individual
(39,2%), tirar dúvidas com o tutor (36,5%) e trabalho de campo (37,8%), como está no
Gráfico 47.
Gráfico 47 – O que os cursos privilegiam nos encontros presenciais?
213
A maioria dos alunos (75,7%) acredita ser importante que o tutor presencial tenha
formação em Música, conforme Gráfico 48.
Gráfico 48 – Importância de o tutor presencial ter formação em Música
Sobre esse tópico, o Aluno 35 declara: “Penso que encontros presenciais com
professores de canto e instrumentos tornariam as aulas e o aproveitamento melhores”.
3.6.3.2 A perspectiva dos docentes
Coordenador 2: Hoje em dia também a internet melhorou, né? A conexão melhorou, né? Então. A gente tá sempre… A gente tá tentando, mas tem polos que podem funcionar. Que a gente também passa, então... A gente não quer ir tão longe mais, né? A gente foi para o Acre, né? E aí numa loucura assim de distância e de conexão, né? Então nesse sentido os tutores presenciais eram mais necessários mesmo.
A fala do Coordenador 2 aponta para repensar a necessidade da obrigatoriedade de
tutores presenciais em todos os polos, assim como a fala do Tutor 2, a distância: Tutor 2: O formato de tutoria presencial é o que eu acho mais perigoso. Porque o tutor a distância... É... Na medida em que há interação, ele tá atento e tem contato. Então, assim... A depender do caso, a interação entre estudante e tutor a distância é mais intensa que no próprio polo [com o tutor presencial]. Dá aula uma vez por semana, fica ali duas horinhas e pronto. E são muitas disciplinas e muita demanda para dar conta. Não sei até que ponto os tutores fazem a mediação músico-pedagógica da maneira que deveriam fazer. Na proposta da disciplina ou na proposta para formação do professor de Música. (...) Tem uma tutora que eu conheço que ela tinha dois empregos e a tutoria era o “a mais”, sabe? Ela só fica aquela horinha na semana, e tal, matou o cachê e foi embora. Mas... não tem como se dedicar com o “a mais” para o trabalho. Se a gente pesquisa o material, se a gente tá ali conectado com o curso e desenvolve essas questões, [isso] requereria propostas práticas e propostas ativas.
O Coordenador 1 declara que no início achava fundamental ter o tutor presencial, pois considera que saber estimular o aluno é indispensável. Reconhece, no entanto, que hoje
214
apenas se cumpre a lei, pois, com a falta de verbas, há polos com poucos alunos, cabendo a esses tutores somente aplicar provas. Ele declara que, numa situação ideal, o tutor presencial deveria ter formação em Música e ir à sede da universidade.
O Coordenador 2 acredita que os tutores presenciais sejam profissionais no local, “ajudando a roda a girar" e por isso são muito importantes para unir a turma, sendo necessários em polos longe da sede da universidade, como no Acre.
O Professor 4 diz que há alguns anos os alunos não tinham computador em casa e por isso precisavam ir ao polo. Ele explica os mecanismos de distribuição de bolsas entre os tutores presenciais e a nova estratégia de distribuição das bolsas, agora escassas, e diz que não há atualmente verba para mandar professores e tutores a distância para o polo, ao contrário do que acontecia no passado:
Professor 4: O que, na verdade, o MEC fez? Não é mais tutor presencial e tutor a distância, é só tutor! E você pode ter X tutores, dependendo do número de alunos. Então, Eu tenho três bolsas pra tutor presencial, nesse polo eu tenho cinco alunos, nesse [outro] eu tenho 15 [alunos], então vou botar o tutor presencial no que tem 15 [alunos], né?
O Professor 4 continua, advertindo que a exigência de tutor presencial, por si só, também não é o ideal: “Antigamente, o polo X teria que ter tutor presencial. A gente pegava quem pudesse na cidade, que às vezes não sabia nada de música, mas tinha que botar ali. Tinha esse problema também. Não sei o quanto ajudava [ter um tutor presencial]”. Na contramão do discurso sobre repensar a utilidade do tutor presencial, o Professor 1 atribui a diminuição da evasão aos tutores presenciais:
Professor 1: O curso de Licenciatura (em Música) da UAB, da UFSCar, de todos os que nós já tivemos, é o que tem menos evasão por causa desses encontros (presenciais). A relação do estudante conosco, com os professores, é muito forte. Nos encontros presenciais com esses tutores que nos representam, que nos ajudam com esse aluno na sua formação... Porque tem outros professores a distância que, além do tutor presencial, também vão aos polos. Ele só fortalece essa relação. E o aluno não se sente desamparado. Ele se sente confiante. São muito importantes realmente esses encontros nos polos.
O Tutor 3, que é tutor presencial, se considera importante na construção dos vínculos, o que também acontece virtualmente, mas acredita que ter tutor presencial é um diferencial, pois muitos alunos que pensam em desistir acabam conversando e mudando de ideia; por se tratar de um curso longo, o aluno precisa desse vínculo, e essa é uma forma de diminuir a evasão do curso. O Tutor 3 acha que o foco da tutoria acaba ficando na maior parte do tempo em orientar para as avaliações e em intervir junto ao tutor a distância, que “some virtualmente” e deixa de responder aos alunos, principalmente quando o tutor a distância passou a ter que atender a 40 alunos por turma. Ele também acredita que a grande rotatividade de tutores presenciais prejudica os alunos.
Tutor 4: A diferença (cultural) era muito nítida e muito forte, sabe? Então isso é um problemão para a gente. Porque a gente é que tá lá no presencial, é a gente que se
215
lasca! Porque os professores estão ali, dentro da sala das universidades. Então eles não têm noção do que é que tem ali quando a gente se encontra... A gente se encontrava uma vez na semana.
Na fala do Tutor 4 fica evidente a dificuldade de lidar com o dia a dia do aluno, seja no polo presencial, seja por intermédio de tutores que acompanham online o progresso diário do aluno. O Tutor 4 fez ainda uma crítica aos professores supervisores, alegando uma alienação do processo pedagógico da equipe polidocente. O Professor 1 acredita que, quando um professor se coloca totalmente à disposição do aluno, disponível para atender as situações emergenciais e com material organizado, ele consegue suprir a ausência do tutor presencial. 3.6.4 A equipe polidocente 3.6.4.1 A perspectiva dos discentes Ao serem perguntados sobre a importância dos personagens responsáveis pela aprendizagem entre a equipe polidocente e os demais colegas, foram considerados como importantes ou muito importantes em ordem decrescente: Tutor a distância (77%); Colegas de turma (75,7%); Professor autor (70,3%); Professor supervisor (64,9%); Tutor presencial (60,8%); e Coordenadores (58,1%), como pode ser visto no Gráfico 49. Com nenhuma ou pouca importância para a aprendizagem, 17,6% consideram os Coordenadores e 14,9% consideram o Tutor presencial.
Gráfico 49 – A importância dos docentes e discentes para a aprendizagem a distância
216
O Aluno 26 critica o formato polidocente nos moldes da UAB: Aluno 26: Cursos a distância, em relação ao acompanhamento de alunos em disciplinas de Canto e instrumento, funcionam bem quando a avaliação do aluno é feita pela mesma pessoa que o acompanhou no processo de aprendizagem da disciplina e não por um professor que só o vê em dias de prova e espera desempenho de excelência, como foi em relação ao meu curso. Não recomendaria a ninguém fazer uma graduação como a minha, nos mesmos moldes.
3.6.4.2 A perspectiva dos docentes
O Professor 4 acredita que houve uma evolução muito grande no formato polidocente
e relata que havia tutores despreparados no começo, mas houve muito debate sobre isso.
O Tutor 4 acredita que professores que vão trabalhar com o curso a distância podem
acabar se sensibilizando para isso, mas alguns ficam numa redoma e não querem se aproximar
de fato. Ele ainda afirma que, no geral, quem lidava com os alunos era o tutor a distância,
corrigindo os trabalhos, e o tutor presencial no dia a dia; o professor fica ausente na maioria
dos casos: "Pra mim, o tutor a distância era o professor! Porque às vezes eu não sabia, via...
nem sabia quem era o professor direito. O professor nunca tinha mandado uma mensagem pro
tutor presencial nem pros alunos. Era tudo por intermédio do tutor a distância, no caso ali”.
3.6.5 Sobre o fim dos cursos de Licenciatura em Música na UAB
Coordenador 1: No nosso caso, a gente quis dar um passo maior que a perna, porque a gente acreditava que aquela situação de apoio do Governo Federal existiria ou que num momento de problema a gente teria apoio da universidade. E a gente não teve! né!? É... A realidade é essa. A gente sempre ouvia... Digamos que acontece de institucionalizar. Quer dizer, institucionalizar significa a universidade abraçar o curso e depender menos de verba federal pra tornar aquilo da universidade mesmo! E a gente não tem condição de fazer isso, né? Pelo corpo docente muito pequeno. (...) Mas sem dúvida a UAB seria a oportunidade pra universidade pública ter uma expressividade, assim como a EaD tá tendo nas universidades particulares. [A UAB] É um sistema que funciona! Funciona! A gente vê funcionar. Mas precisa ter todas as engrenagens. Não adianta você no meio do caminho, você começa um projeto... e aí que entra a coisa da política, porque você começa um projeto e a turma demora cinco anos pra se formar, mas depois de dois anos, depois de três anos, a regra muda.
O sistema de corte do financiamento da Capes começou a impactar o dia a dia dos
cursos da UAB desde meados de 2015, obrigando as universidades a adotar saídas, como o
aumento progressivo do número de alunos por tutor e o fim do custeio das visitas ao polo para
tutores a distância e professores.
Tal fato coincide com o início de uma crise política no Brasil, que culmina com o
possível corte de orçamento que poderá interromper o funcionamento da UAB até agosto de
217
2019, assim como dos mestrados profissionais e a suspensão de todos os pagamentos de
bolsas, conforme descrito no Ofício 245 da Capes (NEVES, 2018).
Tal problema orçamentário coloca em cheque a continuidade do projeto dos cursos a
distância, que gera descontinuidade e impacta diretamente no planejamento e na execução dos
cursos, conforme fica evidente na fala do Coordenador 1. Coordenador 1: A gente tinha 25 alunos por tutor. Nenhuma universidade no Brasil tinha isso. Então a UFSCar se destacou como algo muito especial porque ninguém tinha. Quer dizer... Não adianta você chegar pra mim [e dizer] que um tutor vai dar conta de 100 alunos, que é o que tá acontecendo em algumas [universidades] particulares. Aí começa a ter negócio de resposta automática, e aí como trabalha com música, com artes, tem muitas especificidades, que nem mesmo os nossos colegas de outros cursos da UAB, lá na UFSCar, entendem. Daí a gente começa a ver que... Olha, pra trabalhar com música é preciso ter um pouco mais de calma, né? E ele... por exemplo: tutor. Fala: Ah! Faz um tutor. Na Pedagogia você pega um tutor, ele cuida de 4, 5, 6 disciplinas. Pô, eu não posso pegar um tutor da disciplina Flauta Doce e falar: Agora você vai ser o tutor da disciplina Percussão também. São coisas diferentes! Né? São coisas muito específicas. Talvez o tutor de Flauta Doce seja bom pra passar LEM [Leitura e Escrita Musical], né? Ele entende de percepção, entende de teoria, ele entende disso. Muitas vezes, o sujeito que trabalha na [disciplina] Tópicos [especiais], tem essa formação toda, ele sabe fazer esse tipo de discussão, ele pode atuar lá e ser professor de Teclado também, de Piano. Talvez não! Quer dizer, são coisas bem diferentes. É diferente de Pedagogia e de outros cursos: o sujeito tem uma base matemática, ele pode atuar, não... com certeza ele vai atuar em 3, 4 disciplinas aqui tranquilamente. Então a gente tem essa dificuldade da especificidade e a UAB não pode saber muito disso. Quer dizer, na verdade a EaD não quer saber muito disso, porque a EaD começa a trabalhar com massa.
O Coordenador 1 aponta ainda que o certo seria desenvolver o curso e depois
aperfeiçoá-lo, mas com a descontinuidade do curso, não se estimulou a fazer isso: Coordenador 1: A gente está assim, num sistema diferente, na reta final. Não vai ter mais vestibular. E já fica analisando: será que essa disciplina vai ser ofertada de novo ou não? Então já tem muita coisa que tá acontecendo diferente do que acontecia há dois anos, três anos, às vezes até um ano atrás. Porque várias situações especiais que aparecem a gente decide assim: “ah, esse aluno vai se formar ou não vai”?
O Professor 4 comenta o aumento de trabalho e da quantidade de alunos a serem
atendidos pelos professores da universidade: Professor 4: A universidade não tem como abarcar uma demanda tão grande, ou parece que não. Não sei, porque eu nunca estive num posto de gestão dentro da universidade. O que me parece que se tem... Então, você bota 100 alunos e quem vai cuidar desses 100 alunos, né? Você bota 150 alunos... e agora? Quem vai cuidar? Porque existe... Você tem que administrar 150 alunos. Quem vai administrar? Aí o professor vai ganhar uma bolsa para trabalhar depois do horário dele. Então, em tese, essa pessoa que trabalha trabalha 60 horas. São 40 horas de dedicação exclusiva dentro da própria universidade mais 20 [horas] para ele receber a bolsa.
Sobre a precarização do trabalho do tutor e o aumento da carga de trabalho, o Tutor 1
comenta: Tutor 1: Uma sala de aula com cinco alunos tem uma produção melhor que uma sala de aula com 40 alunos, né? Sem dúvida. Então, o processo da política, daí... a falta de verba limitou o número de tutores, né? Mas eu me comprometo, entendeu? Se eu
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trabalho com 10 ou trabalho com 60, eu vou triplicar meu horário de trabalho. É lógico. Eu vou procurar fazer o meu papel. Mas isso não acontece com todos. Às vezes o tutor tem só 20 horas por semana e ele não abre mão disso. Então, às vezes ele faz o trabalho mais rápido, com 60, 80 estudantes. Às vezes ele não dá conta, então acaba influindo na qualidade. (...) [Para mim] não interfere se eu ganho o dobro ou a metade. Porque eu tô comprometido. Mas de repente isso pode comprometer. De repente, você é tutor e precisa dar aula (extra) para ganhar dinheiro e aí tem pouco tempo ali pra se dedicar à tutoria. Então a falta de verba pode resultar numa qualidade diferente, num nível menor de qualidade.
O Tutor 2, de sua parte, tem um ponto de vista divergente do Tutor 1 e se declara
desmotivado com a bolsa recebida pela UAB. Tutor 2: Você tem profissionais super capacitados atuando como tutor para ganhar uma bolsa de setecentos e poucos reais. Não é um valor motivante! Se você pensa no professor também... O professor que se dedica, obviamente, que aposta na proposta, que esteja a fim de trabalhar. Eu tô me virando na disciplina pra acompanhar diversos alunos. Que é um sistema que, é... Financia. Para! Financia. Para! Nesse ponto é super negativo, eu acho assim. Acho que devia ter, enfim, algo mais estável ou uma seleção pública de um, dois anos, sei lá. Tipo... Não sei! Qual formato seria o ideal, eu não faço a menor ideia. Mas eu acho que pode ser pensado.
Nesse sentido, o Professor 4 comenta a atuação precária dos tutores e a falta de
reconhecimento dos tutores como professores pelo sistema da UAB. Professor 4: Eu me lembro dos problemas de pagamento, dos problemas de contratação, do fato que você está atuando praticamente como professor auxiliar assistente o tempo todo, porque os tutores, que estavam em contato direto com os estudantes, que estavam na ponta, não tiveram isso reconhecido. O tempo de vocês enquanto professores não é reconhecido como professor. E eu acho que [essa] talvez seja uma forma que o sistema burocrático criou para não criar vínculo de professores, (...) Então cria a ideia de tutor pra não colocar, não ser contratado como professor, porque talvez [com] contrato como professor ele ia exigir um salário maior, ele iria exigir uma série de coisas trabalhistas e talvez uma relação trabalhista posterior.
O Tutor 3 comenta a respeito da sua visão do futuro da UAB, como política pública e
como enxerga o presente: Tutor 3: Eu fico surpresa e ao mesmo tempo eu espero. Desse governo eu espero isso mesmo. Porque a intenção é desconstruir o que o outro governo conseguiu, né? Porque a UAB, as bolsas, a ampliação da pesquisa... foram construídas em um governo, elas foram ampliadas em outro governo, tiveram a importância delas valorizada, né? E a ideia agora é cortar. E vão cortar onde? Vai cortar na pesquisa, né? Vai cortar no pensamento, que é onde se transformam as mentalidades. Então não tem o interesse mesmo. É um retrocesso!
O Coordenador 2 fala a respeito da diferença do curso presencial para o curso a
distância: Coordenador 2: Nosso departamento ainda enfrenta a resistência de assumir esse trabalho. Você tem que lidar com as pessoas. Tem que ir convencendo, aos poucos. Tem que ver o que é possível, fazer esses planejamentos. Agora, o mais irônico de tudo é que a entrada que a gente tem de alunos na EaD equivale aos alunos presenciais que a gente tem. A gente tem 300 alunos de presencial, em ação. E a gente já teve mais... já teve em quatro ofertas, acho que um pouco mais que isso de alunos de EaD. Então a gente já estava formando quase que mais que no presencial. E aí a gente fica ainda nessa precariedade. Então a gente tá agora com a
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possibilidade de 150 novas entradas na EaD, e o presencial dos últimos anos não preenche a metade dessas vagas. Está uma baixa procura aqui pelos cursos presenciais... Incrível! Então... de procura pelos cursos de Música pela UnB. E aí... então a gente fica, né... Opa! Então a gente está nessa precariedade, não tá tudo sublime, mas a gente que tá dando função para o departamento, né? De repente a gente é... O departamento está em pé, mas não servindo a esse público. E aí? Você não vai trabalhar para esse público?
O Professor 4 também comenta a resistência dos professores para atender as
disciplinas a distância: Professor 4: Eu acho que a criação da UAB, que é a Universidade Aberta do Brasil, que é o ensino a distância público, para que foi dado suporte pelo MEC com toda a verba financiada pelo MEC, foi essencial para a transformação social que a gente vai ver no Brasil. O grande problema é que a gente está tendo cada vez menos investimentos e a tendência é desmontar realmente esse ensino a distância. O que a gente percebe: o futuro é esse! Que não tá tendo... Claro, talvez a estrutura tenha sido superdimensionada em algumas situações. O fato de que professores do presencial não queriam também dar aula a distância, não queriam assumir uma disciplina a distância, porque achava que não era competência deles, não era obrigação deles, quando na verdade, quando você abre um curso a distância, é um curso como outro qualquer. Você está dando uma disciplina como outra qualquer. Então... ah… Aqui no curso de Música, por exemplo, da Universidade de Brasília, é muito complicado e foi muito complicado convencer professores de que dentro da carga horária deles podia caber (mais) uma disciplina a distância. A maior parte dos professores só queria ensinar se tivesse uma bolsa. Ou seja, quer ganhar algo pra dar aula na UAB. Se não tivesse uma bolsa, eu não iria participar.
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4 A POLIFONIA EM ANÁLISE
Neste capítulo iremos expor a análise dos resultados presentes no capítulo anterior. 4.1 O perfil sociocultural dos discentes
O perfil sociocultural dos alunos que responderam ao questionário revela alguns aspectos a serem considerados dentre os elementos gerais do perfil de um aluno a distância. O Quadro 5 lista as cidades que abarcam polos presenciais dos alunos que responderam à pesquisa com os respectivos IDHM e IDHM educacional de cada município.
Quadro 5 – IDHM e IDHM educacional de 2013 dos polos das Licenciaturas em Música da UAB
Município do polo IDHM IDHM Educacional
Anápolis (GO) 0,737 0,660 Araras (SP) 0,781 0,728 Barretos (SP) 0,789 0,738 Boa Vista (RR) 0,752 0,708 Buritis (MG) 0,672 0,558 Cruzeiro do Sul (AC) 0,664 0,582 Cubatão (SP) 0,737 0,681 Franca (SP) 0,780 0,753 Guarulhos (SP) 0,763 0,717 Ipatinga (MG) 0,771 0,705 Itapevi (SP) 0,735 0,677 Osasco (SP) 0,776 0,718 Porto Nacional (TO) 0,740 0,701 Posse (GO) 0,659 0,530 Rio Branco (AC) 0,727 0,661 São Carlos (SP) 0,805 0,766 Sena Madureira (AC) 0,603 0,456 Tarauacá (AC) 0,539 0,392 Brasil 0,727 0,637
Fonte: www.atlasbrasil.org.br/2013.
Um aspecto a ser considerado é que a maioria dos alunos (57,8%) reside no Estado de São Paulo – estado que possui todos os polos localizados em municípios com o IDHM acima da média nacional e as seis cidades com a melhor classificação de IDHM educacional dentre todos os municípios listados na pesquisa.
Segundo Silva (2013), o modelo implantado pela UAB é relevante no fortalecimento da produção de espaços sociais excludentes e a distribuição dos polos a fim de ser um espaço de satisfação com a educação como ação de melhorias estão disponíveis de modo disperso.
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Tal fato fica evidente nos cursos de Licenciatura em Música ao constatar que as cidades estão majoritariamente em municípios com IDHM e IDHM educacional maiores que a média nacional.
Para fins de caracterização do perfil sociocultural, isso irá também acarretar questões que dizem respeito à escolaridade de pais, renda familiar e trabalho dos alunos que integraram a pesquisa.
Na Faculdade de Música, a cultura familiar irá trilhar um caminho determinante oposto à aquisição de capital cultural pelo diploma, pois a arte está no alto da aquisição do processo de formação – e não a ciência. Ou seja, pode haver excelentes músicos e compositores na família dos alunos sem terem passado pela academia ou mesmo por conservatórios de música, no caso da música popular. Tal fato se evidencia quando há predominância dos que possuem músicos na família (62,2%). Por outro lado, apenas 8% dos alunos não possuíam nenhuma pessoa em seu núcleo familiar próximo sem nível superior.
No entanto, além da cultura familiar, também é preciso olhar para a classe social de origem da família.
Para certas atividades – por exemplo, a prática de uma arte plástica ou tocar um instrumento musical – que pressupõem um capital cultural adquirido, quase sempre, fora da escola e independente (relativamente) do grau de certificado escolar, a correlação – também bastante forte – com a classe social estabelece-se por intermédio da trajetória social (o que explica a posição particular da nova pequena burguesia) (BOURDIEU, 2007a, p. 19).
No que diz respeito ao capital cultural institucionalizado (BOURDIEU, 2000), o resultado geral foi diferente do da Licenciatura em Música, conforme apresentado no capítulo 3 deste trabalho. Segundo Ristoff (2016), a média de nível de escolaridade do pai do aluno com nível superior foi de 26,5% para o primeiro ciclo de avaliação do ENADE e 23,5% para o terceiro ciclo. Conforme demonstrado no Gráfico 15, os alunos declararam que a escolaridade dos pais – 10,8% para pai e 13,5% para mãe – é menor que a metade da média geral dos estudantes de graduação do ciclo de 2010 a 2012 do ENADE.
Dos alunos, 1,3% declarou receber acima de 10 salários mínimos de renda familiar (Gráfico 14), enquanto a média familiar geral para o terceiro ciclo do ENADE de mesma faixa salarial é de 34% para Medicina e 5% para Pedagogia, conforme podemos ver no Gráfico 4 (RISTOFF, 2016). Com isso, fica evidente a menor quantidade de classes sociais com salários mais altos no curso de Licenciatura em Música da UAB, se comparado ao curso de Pedagogia. Já a comparação entre 3 a 10 salários mínimos para o curso de Licenciatura em Música da presente pesquisa foi de 46% para Pedagogia e História conforme o Gráfico 5 (RISTOFF, 2016) contra 74% para 2 a 10 salários mínimos (Gráfico 14), evidenciando menos alunos com faixa salarial familiar até 3 salários mínimos.
222
4.2 Diversidade cultural
O Coordenador 1 afirma que o professor especialista em Educação Musical seria alguém ligado à área da cultura. Infere-se que sejam disciplinas de cunho prático, como Prática Vocal e Instrumental, ou disciplinas de cunho teórico-prático, como Harmonia, Percepção Musical, Contraponto e outras ligadas a um conjunto de conhecimentos que M. V. M. Pereira (2012, p. 128) define como “um jogo de regras matemáticas que movimenta as notas no papel, e não no manejo consciente de relações sonoras”.
O PPP da UFSCar (UAB/UFSCAR, 2010) prevê quatro bases para articulação, conforme exposto no fluxograma cognitivo das disciplinas da UFSCar (Figura 2)149.
Figura 2 – Fluxograma cognitivo das disciplinas da UFSCar
Fonte: (UAB/UFSCAR, 2010, p. 53).
A UnB não previu em seu PPP essa base cultural, mas, como princípio metodológico,
previu a historicidade em determinado contexto histórico/social/cultural e a construção no
conjunto de relações homem/cultura (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2011).
149 Conforme o PPP (p. 53), como exemplos de disciplinas por eixo: Base pedagógica – Construção de
instrumentos para Educação Musical 1-2; Didática Geral e da Música; Estágio em Educação Musical 1-4; Educação não formal e cultural musical brasileira; Educação musical: prática e ensino 1-6; Libras; Psicologia do desenvolvimento; Psicologia da aprendizagem. Base musical – Canto popular 1-4; Flauta doce 1-4; Teclado 1-6; Violão 1-4; Percussão 1-4; Estruturação e Percepção Musical 1-4’ Leitura e prática musical 1-2; Criação musical 1-2; Construção de instrumentos para Educação Musical 1-2. Base cultural – Tópicos em educação, cultura e sociedade; História da música 1-2; Fundamentos da arte-educação; Inglês para Educação Musical; Língua portuguesa. Base tecnológica – Introdução à Educação a Distância; Introdução aos recursos tecnológicos musicais; Educação a distância para educação musical 1-2; Tecnologia da internet para educação musical; Tecnologia musical.
223
Tal base cultural, prevista no PPP do curso da UFSCar, não foi refletida na visão da
maioria dos alunos quando questionados sobre a presença da discussão de aspectos locais,
raciais e sociais com muito espaço ou quase sempre. A representação da Figura 2 por
circunferências com diâmetros equidistantes talvez precisasse de diferentes proporções, ao
menos para representar a base cultural, se fosse recriado reengendrado numa percepção
discente da realidade cotidiana do curso.
Embora haja dificuldade de incluir aspectos locais em um curso no formato da UAB,
que pode atender a diferentes regiões de acordo com os diversos editais, atitudes como a do
Professor 1, que inclui pesquisas de campo predeterminadas, conseguem suprir essa carência
de elementos culturais locais voltados para a realidade do aluno. Por outro lado, definir um
currículo significa fazer escolhas, e abranger a grande diversidade presente em um país tão
grande como o Brasil se torna uma tarefa complexa.
Dos alunos, 47,9% acreditam ter tido espaço para discussões interdisciplinares.
Embora alunos iniciantes de Licenciatura possam não ter compreensão pertinente do termo
interdisciplinaridade, por outro lado, os professores foram bem críticos quanto à presença da
interdisciplinaridade nos cursos.
Ao mesmo tempo, essa discussão levou os professores a falar a respeito de defender
um curso de licenciatura específica em Música em prol de negar a polivalência do professor
de Arte oriunda da LBD de 1971, na qual um professor de Artes deveria dominar as
linguagens artísticas de Música, Artes Visuais, Dança e Música. Conforme já discutido no
capítulo 1, um curso de distintas linguagens artísticas pode ser erroneamente visto como
interdisciplinar.
Os professores que irão atuar em escolas públicas regulares terão de se submeter à
utilização de livros do PNLD150, baseados nos conteúdos da BNCC de Arte, que possui quatro
linguagens artísticas. Além desses conteúdos, há as ementas estaduais e municipais, que
também podem ter as quatro linguagens artísticas ou apenas uma linguagem específica – de
acordo com a formação de seu coordenador151 –, dando margem a que os gestores locais
interpretem se é obrigatório que os professores trabalhem apenas determinada linguagem
150 Conforme visto no capítulo 1, alguns livros didáticos do PNLD podem ter a separação dos conteúdos de uma
linguagem artística específica para cada ano. Por exemplo, o livro Projeto Mosaico em 2017 insere conteúdos de Música apenas ao oitavo ano. Isso significa que um professor de Música que atua como professor de Arte pode atuar numa escola dessa e, se por algum motivo não tiver turmas de oitavo ano, poderá ser cobrado para dar conteúdos de Artes Visuais, Dança e Teatro, mesmo não tendo nenhuma formação nessas áreas.
151 Cito como exemplo a experiência na Prefeitura Municipal de Rio das Ostras, que no ano de 2016 tinha na ementa de Arte somente conteúdos de Artes Visuais, e, conforme a orientação do coordenador pedagógico da escola, o professor de Música seria então obrigado a lecionar Artes Visuais, mesmo sem ter formação nessa área.
224
artística predeterminada, ou seja, obrigado a lecionar todas as linguagens em 2021, quando
passará a vigorar a Lei nº 13.278/16 – que pode ser considerada um retorno à arte-educação
da década de 1970.
Cabe observar que, embora haja no PPP das Licenciaturas em Música pela UAB
pouca preocupação por buscar a interdisciplinaridade, a fala do Professor 1 revela que esse
interesse fica apenas na teoria. A palavra “interdisciplinar” e suas variações152 aparecem
quatro vezes no PPP da UFSCar (UAB/UFSCar, 2010); no PPP da UnB (UNIVERSIDADE
DE BRASÍLIA, 2011) não aparecem sequer uma vez, demonstrando que o diálogo
interdisciplinar não consta no planejamento do curso da UnB: nenhum professor ou tutor
entrevistado da UnB declarou que enxerga prática interdisciplinar no curso, tendo ainda o
Coordenador 2 declarado que não há essa discussão para o curso a distância153.
A tentativa de imergir em um estudo interdisciplinar em determinada grande área sem
antes ser fundamentada por bases sólidas em determinada área de conhecimento poderá
acarretar revés se o campo de conhecimento for demasiadamente amplo, pois irá gerar um
conhecimento vago sobre algo intangível. A graduação na área de Arte com habilitação em
Música, onde se estudariam quatro linguagens artísticas, pode gerar conhecimento limitado e
irresoluto, já que o estudo da Música, por si, aduz a diversos elementos transversais e
pluridisciplinares, o que precisaria também ser ampliado às demais artes em tempo recorde154.
É preciso praticar a interdisciplinaridade e a discussão de questões raciais, sociais e
culturais não somente entre os professores ou entre professores e tutores, mas também entre
toda a comunidade acadêmica, de acordo com uma construção identitária. O aprofundamento
desse diálogo é que acarretará um discurso intercultural crítico, voltado para aspectos de
determinada localidade, para romper conceitos eurocêntricos, visando o de-colonialismo,
conforme afirma Candau: A construção dos Estados nacionais no continente latino-americano supôs um processo de homogeneização cultural em que a educação escolar exerceu um papel fundamental, tendo por função difundir e consolidar uma cultura comum de base ocidental e eurocêntrica, silenciando e/ou inviabilizando vozes, saberes, cores, crenças e sensibilidades. É neste universo particular de questões, conflitos e buscas que situamos a emergência da perspectiva intercultural no continente. Um processo em que redistribuição e justiça cultural são polos que se exigem mutuamente e que
152 As palavras “interdisciplinaridade” e “interdisciplinares” também aparecem no texto. 153 Cabe destacar que havia grande preocupação da Licenciatura em Música pela UFRGS durante a execução do
seu curso, que utilizava o termo interdisciplina no lugar de disciplina (NUNES, 2012). No entanto, por esta não ser objeto do campo desta pesquisa, não há como investigar se ocorreu de fato na prática.
154 O tempo da atual Licenciatura em Música é de quatro a cinco anos nas universidades públicas; durante a vigência da LDB de 1971, ocorria comumente com duração de quatro anos, sendo dois anos para a licenciatura curta em todas as artes e os dois anos seguintes para a linguagem específica.
225
compõem bandeiras de luta na atual dinâmica social e política da América Latina (CANDAU, 2010, p. 154).
A formação desse professor deverá também abranger estudos sobre aspectos
pedagógicos gerais e específicos em Música e nas demais artes, o que aponta para a
necessidade de incorporar maior quantidade de saberes a serem adquiridos durante um curso
de Licenciatura. O aprofundamento de tantas áreas para um único curso de Licenciatura,
segundo o Professor 1, parece inviável.
Uma vez que os estágios em escola ocorrem na disciplina Arte, por mais que os cursos
busquem aprofundamento na área da Música, essa falta de contato com as demais linguagens
artísticas na formação do acadêmico é, de alguma forma, preenchida no momento do estágio
supervisionado em Música, uma vez que há carência de professor de Música em diversas
escolas de educação básica.
No entanto, observei empiricamente, durante a minha tutoria na disciplina Estágio
Supervisionado em Educação Musical, que houve grande dificuldade de os alunos
correlacionarem os conteúdos previamente estudados no curso à observação das aulas dos
professores de Arte em escolas de educação básica das linguagens de Artes Visuais ou Teatro,
devido à quase inexistência do contato com outras linguagens artísticas no currículo.
Foi constatado na pesquisa que, dos 52,7% que declararam atuar como músico amador,
a maioria (43,2%) atua em igrejas. Isso aponta para uma amostra que pode ser comumente
observada nos cursos de Música presenciais das universidades, principalmente voltados para
religiões cristãs.
Reck (2011) aponta que o mercado fonográfico passou a se relacionar com a música
gospel da mesma forma que com a música secular, ou seja, visando o consumo; partindo disso,
o gênero gospel norte-americano passou a se fundir a gêneros locais da música antes
considerada “impura”. A diversidade de formas em que a música gospel passou a ser produzida, distribuída e consumida oferece um quadro complexo da influência dessas condições na construção da identidade musical gospel. Dizer que um músico é gospel é ao mesmo tempo dizer muito e dizer pouco. Se por um lado significa que ele faz parte de uma unidade de valores e crenças de caráter religioso que lhe estabelece uma identidade generalizante com outros músicos gospel, ao mesmo tempo essa categoria não dá conta das inúmeras influências musicais que lhe atravessam o cotidiano (as vivências musicais em família, a escolha por determinado instrumento ou gênero musical, as mídias) e como esses valores musicais são ressignificados e negociados, a partir de uma cultura gospel (RECK, 2011, p. 82).
Por um lado a cultura gospel incorpora elementos musicais ditos mundanos; por outro,
ouvir a música dita mundana pode ser, em alguns casos, proibido entre os religiosos, de
226
acordo com a orientação específica. No entanto, muitas vezes essa proibição se dá somente
pela letra, sendo permitido ouvir ou tocar música instrumental de mensagem similar.
A transmissão de um corpus estruturado difunde os bens religiosos ou capital
simbólico de determinado grupo: o capital religioso (BOURDIEU, 2007b). Bourdieu aponta a
existência de uma divisão social do trabalho dentro desse campo: A gestão do depósito do capital religioso (ou sagrado), produto do trabalho religioso acumulado, e o trabalho religioso necessário para garantir a perpetuação desse capital para garantir a perpetuação desse capital garantindo a conservação ou a restauração do mercado simbólico em que o primeiro se desenvolve somente podem ser assegurados por meio de um aparelho de tipo burocrático que seja capaz, como por exemplo a igreja, de exercer de modo duradouro a ação contínua (ordinária) necessária para assegurar a própria reprodução ao reproduzir os produtores de bens de salvação e serviços religiosos, a saber, o corpo de sacerdotes, e o mercado oferecido a esses bens, a saber, os leigos (em oposição aos infiéis e aos heréticos) como consumidores dotados de um mínimo de competência religiosa (habitus religioso) necessária para sentir a necessidade específica de seus produtos (BOURDIEU, 2007b, p. 59).
Fazendo uma leitura do mercado fonográfico gospel em relação ao capital religioso
apontado por Bourdieu (2007b), pode-se inferir que tal prática musical visa garantir a
perpetuação do capital religioso com a finalidade de reproduzir os bens de salvação,
aproveitando uma estética musical mundana habitual como forma de motivação. A música
pode ser uma forma de conversão155 de capital cultural em capital religioso (BOURDIEU,
2007b), transferindo os saberes da universidade para a igreja. A música é a mais espiritualista das artes do espírito; além disso, o amor pela música é uma garantia de “espiritualidade”. Basta pensar no valor extraordinário conferido, atualmente, ao léxico da “escuta” pelas versões secularizadas (por exemplo, psicanalíticas) da linguagem religiosa. Conforme é testemunhado por inumeráveis variações sobre a alma e a música da alma, a música esta estreitamente relacionada com a “interioridade” (“a música interior”), mais “profunda” e os concertos só podem ser espirituais... Ser “insensível à música” representa, sem dúvida – para um mundo burguês que pensa sua relação com povo a partir das relações entre a alma e o corpo – uma forma especialmente inconfessável de materialismo grosseiro. Mas não é tudo. A música é a arte “pura” por excelência: ela nada diz, nem tem nada para dizer; como nunca teve uma verdadeira função expressiva, ela opõe-se ao teatro que, em suas formas mais depuradas, continua sendo portador de uma mensagem social e só pode ser “aceito” com base em um acordo imediato e profundo com os valores e expectativas do público. O teatro provoca divisões e está dividido: a oposição entre o de rive droite e o de rive gauche, entre o teatro burguês e o de vanguarda, é inseparavelmente estética e política. Nada disso se passa com a música (se deixarmos de lado algumas raras exceções recentes): a música representa a forma mais radical, mais absoluta, da denegação do mundo e, em especial, do mundo social, que, segundo o ethos burguês, deve ser obtida de todas as formas de arte (BOURDIEU, 2007a, p. 23-24).
155 Bourdieu (2000) aponta a conversão entre capital cultural, social e financeiro. Embora não tenha apontado
explícitamente a conversão para o capital religioso, analogamente à leitura dos textos podemos também deduzir esta conversão.
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A diversidade e a diferença presentes no currículo de uma Licenciatura em Música
precisam apontar para um diálogo inter-religioso, com o intuito de preparar o futuro professor
para lidar com a diversade na escola. Da mesma forma que o Aluno 17 relatou ter encontrado
resistência por um aluno religioso ao cantar funk em uma escola, o Professor 4 fala a respeito
da necessidade de criar uma audição de músicas religiosas em um contexto independente da
religião – ou seja, em um contexto laico. A fala do Professor 4 expõe a questão da
intolerância religiosa quando aponta que a religião do aluno pode condenar o contato com
outras práticas religiosas e defende que a escola pública, por ser laica, deve aceitar a
diversidade de práticas.
Sobre o conceito de laico: Mais do que a recusa do controle religioso sobre a vida pública, o que a laicidade implica, necessariamente, é o reconhecimento do pluralismo religioso, a possibilidade de o indivíduo viver sem religião e a neutralidade do Estado, que não privilegia nenhuma crença, religião ou instituição religiosa. A laicidade não exclui, no entanto, as religiões e suas manifestações públicas, nem o ensino religioso, muito menos deve interferir nas convicções pessoais daqueles que optam por não professar nenhuma religião (DOMINGOS, 2009, p. 51).
A escola pública moderna não pode ter como objetivo reproduzir as peculiaridades
identitárias de seus alunos. Dar voz apenas a uma religião específica em uma escola não deve
significar permitir que esta monopolize o espaço escolar.
Como forma de diálogo inter-religioso, a perspectiva da interculturalidade crítica focaliza a interculturalidade como um dos componentes centrais dos processos de transformação das sociedades latino-americanas, assumindo um caráter ético e político orientado à construção de democracias em que redistribuição e reconhecimento cultural sejam assumidos como imprescindíveis para a realização da justiça social (CANDAU, 2010, p. 164).
Candau (2010) aponta a colonialidade do poder como os padrões de poder baseados
numa hierarquia – racial ou sexual – e na formação de identidades – brancos, mestiços, índios,
negros –, tendo a colonialidade do saber eurocêntrico ocidental como única forma válida de
penetração de forma de pensamento. A prática de uma interculturalidade decolonial visa
romper com a estrutura de um sistema já arraigado em nossa prática.
É necessário que os cursos de Licenciatura em Música da UAB promovam o diálogo
entre as diversas culturas regionais e do mundo, o que irá possibilitar a construção de uma
base estrutural para pensar a Educação e a Educação Musical e, consequentemente,
proporcionar uma formação docente crítica que induza a um (re)pensar das práticas musicais
em função de uma visão crítica de sua cultura e da cultura do outro, promovendo aquilo que
Keith Swanwick chama de crítica imaginativa (SWANWICK, 2014).
228
4.3 Formação do professor de Música
Foi percebido na fala dos professores a unanimidade em afirmar que os cursos da
UAB preparam para a educação básica – e não para conservatórios.
Os alunos consideram que seus cursos priorizam realizar atividades lúdicas com
crianças e promover uma discussão crítica sobre o papel da música no cotidiano do aluno;
refletir sobre a diversidade cultural presente no cotidiano escolar; refletir sobre as práticas
musicais cotidianas, com conteúdos majoritariamente destinados a crianças; tocar ou cantar
canções infantis (educativas ou de grupos populares voltados para o público infantil) em
atividades teóricas e práticas.
Com base nesses dados, percebe-se a preocupação dos cursos de Licenciatura em
Música da UAB com a preparação para a educação básica e com um repertório destinado ao
público de educação infantil – de 4 a 5 anos – e de ensino fundamental – dos 6 aos 14 anos156
–, embora educação básica também abranja o ensino fundamental para jovens e adultos –
acima de 15 anos –, além do ensino médio, tanto o regular quanto o destinado a jovens e
adultos – acima de 18 anos157.
De acordo com a LDB (BRASIL, 1996), o município prioriza o oferecimento do
ensino fundamental; o estado, o do ensino médio. Além disso, o requisito mínimo para
lecionar é de ensino médio na modalidade Normal para atuar na educação infantil e nos cinco
primeiros anos do ensino fundamental. Embora o professor licenciado em Música também
esteja habilitado para trabalhar nessas etapas em escolas públicas, o professor de Arte ou
Música fica majoritariamente destinado aos anos finais do ensino fundamental e ao ensino
médio, etapas em que os alunos são adolescentes e adultos – entre o 6º ao 9º ano os alunos em
geral possuem de 11 a 14 anos, o que configura uma idade limiar entre o fim da infância e o
início da adolescência158 e têm aulas com professores especialistas, uma vez que o pedagogo
pode assumir todas as disciplinas da educação infantil, organização escolar mais comumente
encontrada. No entanto, em escolas particulares pode haver a atuação desses professores de
Música.
156 Arts. 29 e 32 da LDB (BRASIL, 1996). 157 Art. 38 da LDB (BRASIL, 1996).158 Segundo a definição de criança e adolescente presente no texto do Art. 2º do ECA, “considera-se criança,
para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990).
229
Por outro lado, há predominância em considerar mais importante o conhecimento e
domínio de teoria musical, harmonia e arranjo do que refletir sobre as práticas musicais
cotidianas e sobre a diversidade cultural presente no cotidiano escolar.
Todos os professores entrevistados afirmam que não reconhecem que a Licenciatura
em Música da UAB faz um curso voltado para a formação de músicos virtuoses, mas sim para
um repertório que possa ser aplicado nas escolas de educação básica.
No entanto, se o habitus conservatorial (PEREIRA, M. V. M., 2012) não ficou tão
evidente entre os professores, esteve presente entre os alunos: grande parte deles deseja atuar
como instrutor de Música em aulas particulares ou em cursos de música e conservatórios;
grande parte dos acadêmicos deseja trabalhar fora da educação básica: em aulas particulares
ou cursos de música; o Aluno 26 se sentiu frustrado ao se priorizar demais as disciplinas para
o ensino regular, apontando que houve pouco espaço para ensino de instrumento e regência, o
que frustrou suas expectativas.
Tais dados revelam alguns aspectos sobre a concepção de docência. Dar máxima
importância a aprender um instrumento ou canto não revela diretamente um habitus
conservatorial por parte dos alunos, mas mostra que há intenção de priorizar a prática
instrumental ou canto nas aulas.
A ideia de inculcação de habitus presume tensão e resistência. No entanto, os alunos
anseiam por mais elementos relativo a propagação esse habitus, o que demonstra que de
alguma forma o curso não está satisfazendo os anseios desses alunos na parte referente ao
ensino de instrumentos e teoria musical.
Caso a aula seja direcionada apenas à prática instrumental ou vocal visando ao músico
virtuose, é caracterizado então o músico-professor (PEREIRA, M. V. M., 2012). Por outro
lado, os alunos creem que o curso considera igualmente importante a discussão sobre música,
o que pode explicitar que os professores também possuem a preocupação de promover
discussões na sala de aula e vir ou não acompanhada de discussão sobre música como
amálgama nacional da cultura.
No entanto, é evidente que um curso que envolve música como conhecimento de
primeira mão159 (SWANWICK, 2003) prescinde de uma boa compreensão desse conteúdo
específico, que envolve teoria musical e harmonia, que pode culminar com a criação de
arranjos para práticas escolares – que precisam acontecer! Nesse sentido, o curso de
159 Conforme visto no capítulo 2, os conhecimentos musicais em primeira mão são aqueles que lidam
diretamente com as práticas musicais, enquanto que os conhecimentos musicais de segunda mão têm relação indireta com o fazer musical.
230
Licenciatura em Música precisa promover uma experiência aos licenciandos em que ocorra
uma transformação metafórica a ponto de a música ser um “ponto culminante de experiência”
e “emoção estética” (SWANWICK, 2003).
Fica evidente que os alunos que participaram da pesquisa valorizam a aula de Música
que prioriza a prática. Os cursos, ao priorizar elementos de teoria musical, harmonia e
arranjos, colaboram para a propagação do habitus conservatorial160 (PEREIRA, M. V. M.,
2012); uma Educação Musical demasiadamente focada nesses elementos aponta para os
primeiros três períodos apontados por Gainza (2003), não condizente com as bases para a
Educação Musical do século XXI, apontada no capítulo 1.
Ao serem perguntados sobre as competências desejáveis para um professor de Música
para a educação básica161, os alunos destacaram refletir sobre a diversidade cultural presente
no cotidiano escolar e sobre as práticas musicais cotidianas (gráfico 33). Já quando
perguntados o que os cursos privilegiam, os alunos apontaram como primeiro lugar realizar
atividades lúdicas com crianças e tocar um instrumento musical.
Os alunos priorizaram a opção tocar um instrumento musical ou cantar como o mais
importante em um currículo de Licenciatura em Música, ainda que essa não tenha sido
considerada a principal competência do professor para a educação básica. Mesmo sendo
reconhecido que tocar um instrumento musical ou cantar não é a principal atividade a ser feita
em sala de aula da educação básica, uma atividade tão importante caberia num currículo que
prepara esse professor?
Machado (2003) identificou sete competências mediante pesquisa com professores de
Música do ensino fundamental e médio: 1) elaborar e desenvolver propostas de ensino
musical no contexto escolar; 2) organizar e dirigir situações de aprendizagem musical
“interessantes” para os alunos; 3) administrar a progressão de aprendizagens musicais dos
alunos; 4) administrar os recursos de que a escola dispõe para a realização do ensino de
Música; 5) conquistar a valorização do ensino musical no contexto escolar; 6) relacionar-se
afetivamente com os alunos, impondo limites; 7) manter-se em continuado processo de
formação profissional.
Dentre essas principais competências levantadas dentre professores entrevistados por
Machado (2013), não consta saber cantar ou tocar um instrumento. O aluno de Licenciatura
em Música da UAB tem a consciência de que a performance não é um elemento central nas
160 De acordo com a fala do Prof. Daniel Gohn durante a defesa desta tese, os alunos do curso a distância estão
fracos nos instrumentos e, por isso, se sente de longe o habitus conservatorial. 161 As categorias do questionário foram baseadas em Rudolph (1996).
231
aulas da educação básica, mas possui vontade de ver contempladas mais atividades relativas a
práticas instrumentais ou vocais.
Por outro lado, o Tutor 3 diz que os alunos se formam incapazes de tocar bem violão
durante a graduação; o Aluno 13 declara que a prática musical foi mínima e se sente
decepcionado com o curso por isso. Diante dessas falas, podemos observar que há dentre
alunos e docentes a valorização das práticas musicais.
A competência tecnológica se fez presente no discurso dos docentes e está
contemplada no PPP desses cursos, principalmente no da UFSCar. Tal competência poderia
estar dentro da formação continuada apontada por Machado (2003) e ser transversal às demais
competências.
Outro destaque entre os entrevistados é a competência “saber se virar com o que tem
na escola”, apontado pelo Professor 1, que pode ser equivalente a “administrar os recursos de
que a escola dispõe para a realização do ensino de Música” (2003), uma vez que é corriqueiro
um professor lecionar em escola pública dispondo de escassos recursos materiais e humanos
necessários à realização de atividades de prática musical.
Apesar de o Tutor 2 ser o único a dizer que havia repertório presente na mídia na
disciplina Violão, os alunos declararam que estudaram muito pouco ou quase nada de música
popular brasileira após os anos 1970 (sertanejo, funk, pagode e outros), repertório comumente
classificado como ruim entre músicos. Se considerarmos que esse pode ser o único repertório
a que os alunos da educação básica têm acesso pelas grandes mídias, a universidade, embora
tenha pensamento contrário à imposição da cultura midiática, também necessita partir do
cotidiano do aluno – e nesse sentido a universidade explicitamente não está presente.
Não há nenhuma razão metodológica que impossibilite a utilização do repertório
pertencente à grande mídia visando à integração com o cotidiano do aluno. Por exemplo, é
comum manuais de instrumentos harmônicos usarem progressões sobre acordes como VI – IV
– I – V162 para realizar exercícios descontextualizados de repertório. Porém parte considerável
dos sertanejos universitários, da música eletrônica e do pop rock atuais é constituída sobre
clichês como esse ou outros clichês de fácil execução que são ignorados por preconceitos
estilísticos. Poderia ser utilizada sobre essas harmonias a performance de pagodes, sertanejos,
funks e outras músicas da grande mídia como recurso metodológico para atingir o mesmo
objetivo.
162 Progressão do campo harmônico sobre a escala maior.
232
Cabe atentar que acompanhar a velocidade das músicas de sucesso da indústria
cultural pode ser um problema para o professor, principalmente após o advento da internet
como meio de distribuição independente das gravadoras e dos home studios, que permitem
que uma música seja criada e distribuída mais facilmente, aumentando sua permanência como
hit de sucesso.
Outro destaque importante é a fala de Professor 1 acerca da ausência da formação de
bacharel no curso presencial da UFSCar, que, segundo a professora, permite não haver as
“guerrinhas” entre bacharéis e licenciados e promove melhor integração entre os gêneros
musicais tipicamente malvistos na academia. No entanto, apesar desse fato, de acordo com o
resultado da pesquisa entre os alunos, mesmo filtrando as respostas apenas para os alunos da
UFSCar163, não foi constatada a música popular brasileira após os anos 1970 (sertanejo, funk,
pagode e outros) como objeto de estudos de disciplina teórica e prática164.
Um professor de Música do ensino básico muitas vezes não encontra uma escola com
instrumentos musicais adequados e sala de aula onde se possa praticar música – devido ao
“barulho” de que precisa para atividades práticas incomodar outros professores –, o que exige
desse professor buscar parcerias com a equipe gestora da escola para solucionar problemas.
Nesse sentido, o contato com outros professores de Música do sistema de que participa –
municipal, estadual ou federal – é fundamental.
Os cursos da UAB precisam ter discussão prévia sobre mais práticas docentes
cotidianas, envolvendo docentes – professores supervisores e tutores presenciais e a distância
– e alunos. Poderia ser incentivado o aproveitamento de material dos relatos de experiência
dos últimos períodos das disciplinas de estágio supervisionado e TCC produzidos pelos
alunos como textos que fazem parte das disciplinas da área de Educação Musical.
Além dos relatos das experiências anteriores poderem criar uma espécie de biblioteca
de saberes ao curso, cabe a educação a distância romper o paradigma das barreiras da
universidade, tendo a função de legitimar o saber fora da universidade, valorizando a cultura
popular. Nesse sentido, torna-se necessário um diálogo entre os diversos docentes e alunos e
ex-alunos, com o intuito de rediscutir o formato do curso e seus objetivos, incluindo colocar
em prática aspectos interdisciplinares e formas de equalizar a prática musical necessária a
uma sala de aula da educação básica com os saberes teóricos necessários.
163 Uma vez que o curso presencial da UnB possui também o bacharelado em instrumentos musicais, composição
e regência. 164 Foi observado empiricamente durante a tutoria que a disciplina Práticas Musicais da Cultura, pela UnB, teve
um estudo etnográfico com leitura de textos teóricos sobre esses gêneros.
233
4.4 Música e capital cultural
O Aluno 32 descreveu a cultura da atualidade como “um lixo de cultura” de inversão
de valores, o que coloca o professor numa posição superior que invalida a cultura do aluno.
Tal fato aponta para a falta de discussões mais aprofundadas acerca da diversidade do cenário
cultural dos alunos da educação básica, o que pode resultar na formação de um professor que
tenha dificuldade na competência de “elaborar e desenvolver propostas de ensino musical no
contexto escolar” (MACHADO, 2003). A música aliena pessoas quando elas percebem: a) Seus materiais sonoros como estranhos ou ameaçadores; b) Seu caráter expressivo como fortemente identificado com outra cultura; c) Sua estrutura como repetitiva ou confusa ou sem propósito (...). A identificação do caráter expressivo ou gesto musical com outro grupo cultural pode ser um obstáculo mais sério, a não ser que já tenhamos alguma simpatia ou, pelo menos, certo grau de tolerância para com a cultura (SWANWICK, 2014, p. 130-131).
O aluno que definiu a cultura atual – e, por analogia, de seus futuros alunos – como
lixo certamente considera a música dessa cultura igualmente ruim. Swanwick (2014) aponta,
com base em experimentos entre grupos de controle, que aqueles que ouvem uma música
caracterizada como de alto status a avalia de maneira mais favorável. O autor ainda afirma
que “a música pode ser culturalmente exclusiva se o espectro sonoro for estranho, se o caráter
expressivo for fortemente ligado a uma cultura ou subcultura específica e se as expectativas
estruturais forem inapropriadas” (SWANWICK, 2014, p. 134). Dessa forma, tanto a música
do professor pode ser inapropriada aos alunos quanto o contrário, não havendo diálogo
cultural. Quanto mais se avança em direção aos campos mais legítimos, como a música e a pintura – e, no interior desses universos, hierarquizados segundo seu grau modal de legitimidade, em direção a certos gêneros ou obras –, tanto maior é a associação entre as diferenças de capital escolar e importantes diferenças, tanto nos conhecimentos quanto nas preferências: as diferenças entre a música clássica e a canção duplicam-se de diferenças que, produzidas segundo os mesmos princípios, estabelecem a separação, no interior de cada uma delas: entre gêneros, tais como a opera e a opereta; o quatuor e a sinfonia; entre épocas, por exemplo, a música contemporânea e a musica antiga; entre autores; e, por ultimo, entre obras. Assim, entre as obras musicais, o Cravo bem temperado e o Concerto para a mão esquerda (conforme veremos, sua distinção ocorre pelos modos de aquisição e de consumo que eles pressupõem) opõem-se às valsas de Strauss e à dança do sabre, músicas desvalorizadas, seja por sua filiação a um gênero inferior (“a musica ligeira”), seja pelo fato de sua divulgação (a dialética da distinção e da pretensão remete as obras de arte legitimas que se “vulgarizam” a “arte média” depreciada); do mesmo modo, em matéria de canção, Brassens ou Ferre opõem-se a Guetary e a Petula Clark. Nos dois casos, estas diferenças correspondem a diferenças de capital escolar (BOURDIEU, 2007a, p. 21).
Portanto, o professor, ao legitimar sua cultura como válida, está exercendo violência
simbólica sobre o aluno. “A transmissão escolar desempenha sempre uma função de
234
legitimação” constituindo obras “dignas de serem admiradas” e contribuindo para “definir as
hierarquias dos bens culturais válida em determinada sociedade, em determinado momento”
(BOURDIEU; DARBEL, 2003, p. 236). O poder sobre o grupo que se trata de trazer à existência enquanto grupo é, a um tempo, o poder de fazer um grupo impondo-lhe princípios de visão e de divisão comuns, portanto, uma visão única da sua identidade, e de uma visão autêntica de sua unidade. O facto de estar em jogo, nas lutas pela identidade – esse ser percebido que existe fundamentalmente pelo reconhecimento dos outros –, a imposição de percepções e de categorias de percepção explica o lugar determinante que, como a estratégia do manifesto nos movimentos artísticos, a dialética da manifestação detém todos os movimentos regionalistas ou nacionais (BOURDIEU, 1989, p. 117).
Sendo assim, o professor da educação básica não deve desconsiderar a cultura alheia,
mas sim considerar o discurso musical dos alunos e praticar música na educação básica como
um espaço intermediário (SWANWICK, 2003) entre o fazer musical e entre a cultura do
aluno e outras culturas: “Sotaques” diferentes são percebidos como igualmente válidos, e nenhum é, essencialmente, bom. Em vez disso, pergunta-se o que é bom para um contexto social específico. O significado e o valor da música nunca podem ser intrínsecos e universais, mas estão ligados ao que é socialmente situado e culturalmente mediado. Sob esse ponto de vista, o valor musical reside em seus usos culturais específicos, no que é “bom para” na vida das pessoas. A música é “boa” ou “certa” ou “oportuna” dependendo de quão bem ela funciona em ação, como práxis. (...) Como indivíduos, não podemos seguir nosso caminho cegos por algumas “verdades” preexistentes nem somos depositários inertes da prática cultural local. Se não conseguimos nos aproximar das verdades universais, podemos, pelo menos, chegar a alguns pontos de negociação. Isso é possível somente por meio dos processos simbólicos, criando e compartilhando significados e valores (SWANWICK, 2003, p. 39).
Segundo Santos et al., o currículo é um lugar de produção de identidades e a música é
um dos caminhos de produção de identidades culturais em que pessoas se grupam socialmente
por meio de práticas musicais. Se por um lado o currículo não consegue ser um lugar
totalmente neutro ideologicamente, por outro os currículos dos cursos de Licenciatura em
Música da UAB precisam dialogar com as diversas identidades culturais.
A maioria dos estudantes de Licenciatura em Música da UAB atribui a música que
ouve à cultura familiar. Nesse sentido, a ideologia é uma ilusão interesseira, sem deixar de ser bem fundamentada. Todo aquele que invoca a experiência contra o saber considera como verdadeira a oposição entre aprendizagem familiar e aprendizagem escolar da cultura: a cultura burguesa e a relação burguesa com a cultura devem seu caráter inimitável ao fato de que, à semelhança da religião popular segundo Groethuysen, elas se adquirem, aquém do discurso, pela inserção precoce em um mundo de pessoas, práticas e objetos cultos. A imersão em uma família em que a música é não só escutada (como ocorre nos dias de hoje com o aparelho de alta fidelidade ou o radio), mas também praticada (trata-se da “mãe musicista” mencionada nas memórias burguesas) e, por maior força de razão, a prática precoce de um instrumento de música “nobre” – e, em particular, o piano – tem como efeito, no mínimo, produzir uma relação mais familiar com a música que se distingue da relação sempre um tanto longínqua,
235
contemplativa e, habitualmente, dissertativa de quem teve acesso à música pelo concerto e, a fortiori, pelo disco (BOURDIEU, 2007a, p. 73).
A cultura familiar exerce grande influência na transmissão do capital cultural, dando a
esse aluno o apanágio escolar sobre as demais famílias com menor quantidade desse capital.
Tal diferença familiar fica mais evidente nas áreas artísticas, sobretudo na música – 62,2% (a
maioria) dos alunos têm músicos em seu núcleo familiar próximo. Conhecendo a relação que, pelo fato da lógica da transmissão do capital cultural e do funcionamento do sistema escolar, estabelece-se entre o capital cultural herdado da família e o capital escolar, seria impossível imputar unicamente a ação do sistema escolar (nem, por maior força de razão, a educação propriamente artística – quase inexistente, como pode ser constatado com toda a evidência – que, porventura, tivesse sido proporcionada por esse sistema) à forte correlação observada entre a competência em matéria de música ou pintura (e a prática que ela pressupõe e torna possível) e o capital escolar: de fato, esse capital é o produto garantido dos efeitos acumulados da transmissão cultural assegurada pela família e da transmissão cultural assegurada pela escola (cuja eficácia depende da importância do capital cultural diretamente herdado da família). Pelas ações de inculcação e imposição de valor exercidas pela instituição escolar, esta contribui também (por uma parte mais ou menos importante, segundo a disposição inicial, ou seja, segundo a classe de origem) para constituir a disposição geral e transponível em relação à cultura legitima que, adquirida a proposito dos saberes e das práticas escolarmente reconhecidos, tende a aplicar-se para além dos limites do “escolar”, assumindo a forma de uma propensão “desinteressada” para acumular experiências e conhecimentos que nem sempre são rentáveis diretamente no mercado escolar (BOURDIEU, 2007a, p. 27).
A educação superior precisa desenvolver a práxis de transformação das estruturas
educacionais. Por isso é que, na formação permanente de professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente na prática de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela “aproximá-lo” ao máximo (FREIRE, 1996, p. 18).
Cabe ressaltar que a prática a ser requerida por um professor de Música é a prática
pedagógica, e esta não possui relação direta com ter completo domínio de determinado
instrumento musical.
O Professor 4 declara a existência de uma padronização cultural entre alunos de
diferentes regiões do Brasil devido à indústria cultural. Se tal padrão, por um lado, pode ser
visto como a amálgama nacional que precisa ser aprofundada nas especificidades regionais e
dialogar com as músicas do mundo, por outro é visto sob a crítica de que a mídia incentiva
um padrão de homogeneização dos gostos e, conforme apontado por Carvalho (1999), os
meios de comunicação interferem na sensibilidade musical do ouvinte criando uma música
padronizada sem aura através de parâmetros eletrônicos que partem da música gravada e
interferem nas performances.
236
O Professor 1 comenta a dificuldade de dar aula na educação básica pública brasileira
devido à agitação dos alunos e enfrenta dificuldade para apaziguar os ânimos e poder iniciar
as atividades que envolvem o ensino de Música. Tal fato está relacionado, entre outras coisas,
à falta de estrutura humana e material165 em grande parte das escolas públicas de educação
básica, que atende a uma grande quantidade de alunos por turma166 e, por isso, cria-se um
ambiente desorganizado e improdutivo.
Assim, as atividades de compor-ouvir, executar-ouvir e apreciar-ouvir precisam
acontecer em um âmbito cultural amplo a ponto de os alunos se engajarem por ver a atividade
como significativa (SWANWICK, 2003). Assim, apesar das muitas dificuldades que um
professor de Música enfrenta em sala de aula, a conscientização para ouvir música é o grande
desafio, tendo então o esforço de fazer com que os alunos ouçam atentamente sons e se
sintam motivados a debater. Inicialmente, o conceito de capital cultural apareceu-me no curso da investigação como uma hipótese teórica que me permitiu explicar o desempenho escolar desigual de crianças de diferentes classes sociais. Graças a ele, eu poderia vincular o “sucesso escolar”, isto é, o benefício específico que as crianças de diferentes classes sociais e frações de classe poderiam obter no mercado acadêmico, com a distribuição de capital cultural entre classes e frações de classe. Este ponto de partida indica desde já uma ruptura com as premissas em que se assentam tanto a ideia comum de que o sucesso ou fracasso escolar são consequências das “competências” naturais, como as teorias do “capital humano”167 (BOURDIEU, 2000, p. 136-137).
Sendo assim, a crítica do Professor 1 conduz a uma reflexão acerca da preparação do
professor para a realidade escolar. Embora o estágio seja obrigatório para cursos de
licenciatura, a supervisão e a orientação dele requerem um processo de reflexão sobre a
prática para a formação inicial do professor, que precisará ser posteriormente debatida durante
a formação docente continuada.
Esse momento de reflexão é considerado por Freire (1996) como essencial para a
formação do professor, pois “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se
pode melhorar a próxima” (FREIRE, 1996, p. 18). 165 Segundo o censo escolar de 2017, 59% das instituições de ensino fundamental não têm rede de esgoto e
somente 29,7% têm biblioteca ou sala de leitura. Disponível em: http://inep.gov.br/censo-escolar. Acesso em 18 maio 2019.
166 Ao longo do ensino, as turmas se tornam cada vez mais cheias e as escolas privadas têm números menores que as públicas. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2018/02/19/O-n%C3%BAmero-de-alunos-nas-salas-de-aula-do-Brasil. Acesso em 18 maio 2019.
167 O texto consultado em língua estrangeira é: “Inicialmente, el concepto de capital cultural se me apareció en el curso de la investigación como una hipótesis teórica que permitía explicar el desigual rendimiento escolar de niños procedentes de diferentes clases sociales. Gracias a él, pude vincular el ‘éxito escolar’, es decir, el beneficio específico que los niños de distintas clases sociales y fracciones de clase podían obtener en el mercado académico, con la distribución del capital cultural entre las clases y las fracciones de clase. Este punto de partida implica ya una ruptura con las premisas sobre las que descansan tanto la común idea de que el éxito o el fracaso académico son consecuencia de las ‘capacidades’ naturales, como las teorías del ‘capital humano’”.
237
Logo, a formação continuada do professor é de fundamental importância para a
construção do processo de pensamento crítico docente. No âmbito público, o convênio entre
universidades públicas com as secretarias de Educação estaduais ou municipais apresenta-se
como possibilidade de extensão e pesquisa. Por parte das secretarias de Educação, para
viabilizar esses cursos também é imprescindível que os professores possuam tempo adequado
de sua carga horária reservado ao planejamento e à formação continuada. No entanto, a
integração dessas práticas acaba não ocorrendo de forma significativa em território nacional.
Nesse sentido, a EaD é uma excelente modalidade para que esses convênios sejam
realizados de forma contínua – e não somente em uma palestra na primeira semana de aula.
No entanto, aproveitar a estrutura e recursos da UAB para estender a formação inicial de
professores à continuada exigiria do atual governo estar sensível a expandir os programas
educacionais, algo que não vem sendo realizado recentemente.
Na fala do Professor 1, um bom professor de Música para a educação básica seria
aquele que consegue controlar a turma e desenvolver atividades dentro de um curto espaço de
tempo. Nesse caso, o músico professor (PEREIRA, M. V. M., 2012) não seria um perfil tão
desejável para a educação básica, tendo em vista que de nada adianta ter o domínio de um
instrumento musical se não conseguir primeiramente controlar a atenção da turma e resolver
problemas urgentes em uma sala de aula.
O Professor 1 expõe ainda os desafios de trabalhar com a prática docente de Música
da educação básica – no caso, durante o estágio supervisionado do curso de Licenciatura.
Tendo em vista que algumas habilidades a serem adquiridas pelo professor – como ter
domínio de turma para dar aula com o pouco tempo destinado à aula de Música – não são
obtidas de forma simples e objetiva, há necessidade de aprofundar o diálogo sobre tais
práticas cotidianas nos cursos pela UAB.
O Tutor 2 diz que acha pouco para um curso de Licenciatura em Música ter apenas
piano e teclado nos polos 168 e afirma que na escola regular se montam pequenos
conservatórios. Não sabemos qual a vivência desse tutor na educação básica, mas podemos
inferir que, se em algumas escolas particulares tal fato pode ocorrer, em escolas públicas
brasileiras tal prática não é comum: em 2017, apenas 4,2% das instituições de educação
básica públicas do país tinham infraestrutura adequada, com todos os equipamentos que a lei
exige169.
168 Durante minha pesquisa de doutorado, alunos relataram a ausência desses instrumentos em alguns polos
presenciais (PEREIRA, 2014). 169 Informação dos dados do Observatório do Plano Nacional de Educação. Disponível em:
238
O Aluno 36 diz que seu curso pecou quando privilegiou os textos e que poucos
professores usaram vídeos. Isso também foi constatado no Quadro 4, quando os alunos
responderam que cópias de textos, fóruns e artigos criados especificamente para o curso
foram as ferramentas mais utilizadas. Se também considerarmos o Gráfico 43, em que os
textos interativos aparecem entre os menos votados, fica evidenciada a reprodução de textos
analógicos e a propagação de uma prática presencial.
Tal constatação também foi relatada por alunos em minha dissertação de mestrado
(PEREIRA, F., 2014), em que os alunos criticavam o excesso de texto e a falta de
webconferências para solucionar problemas de disciplinas de cunho prático. Em uma pesquisa
realizada entre todos os cursos da UAB sobre o principal recurso didático ofertado pela IES,
fóruns e chats aparecem em primeiro lugar, tendo o encontro presencial em terceira posição e
a webconferência com a última posição.
Ficou evidenciado, na fala dos professores, que houve preocupação em elaborar
vídeos, mas somente para as disciplinas de instrumento musical, como Violão ou Percussão.
Percebe-se que há persistência dos professores das demais disciplinas da UAB em criar
materiais privilegiando textos criados para o curso e textos em cópias de capítulos de livros e
periódicos sem repensar tal prática, o que pode ser visto como uma virtualização da sala de
aula tradicional, na qual o professor disponibiliza um texto para o aluno fotocopiar trechos.
Gohn (2009, p. 283) apresenta as especificidades em cinco áreas distintas, conforme o
Quadro 6, e apresenta os recursos característicos para a EaD.
Quadro 6 – Categorias de disciplinas em educação musical
História da Música
Apreciação musical
Treinamento auditivo
Estudo da harmonia
Performance
Essência da disciplina Teórica
Teórica e prática
Teórica e prática
Teórica e prática
Prática
Recurso mínimo
necessário Textual
Textual e sonoro
Textual e sonoro
Textual e sonoro
Sonoro e visual
Ao comparar os recursos materiais utilizados no curso com os apontados por Gohn
(2009), podemos perceber que o recurso textual abrange satisfatoriamente apenas uma das
cinco áreas – disciplinas de essência teórica –, sendo então necessária a reflexão por parte dos
docentes acerca da produção dos materiais necessários ao curso.
https://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/escola-completa-nao-e-luxo-e-direito-seu. Acesso em 28 abr. 2019.
239
Dentre as ferramentas de mídia mais usadas pelos cursos, segundo os alunos, aparece
o fórum (21,6%) em primeiro lugar, configurando a interatividade entre alunos e professores.
Cabe atentar que o fórum pode funcionar como uma virtualização da sala de aula tradicional
se não vier acompanhado de um material sociointeracionista e de uma metodologia adequada
à EaD. O chat aparece na nona ordem; os aplicativos para celular na última colocação; textos
interativos, vídeos interativos e softwares para computador não figuraram como primeira
colocação em nenhuma ordem de classificação.
Apesar de o fórum ter sido bastante utilizado, as demais ferramentas interativas foram
muito pouco utilizadas, o que aponta para que os materiais do curso de Licenciatura em
Música da UAB estão ainda calcados no ensino presencial. Portanto, ficou evidenciado que os
professores não realizaram a construção de um material sociointeracionista, pois ele
apresentou forte características de instrucionismo (SCHRAMM, 2009), com textos
informativos tradicionais (VILLARDI; OLIVEIRA, 2005).
Se tomarmos o panorama dos cursos em geral da UAB, em pesquisa realizada entre
alunos – quando havia as opções pdf para a leitura no AVA, pdf impresso pelo aluno, livro
impresso em preto e branco e livro impresso colorido –, 47,1% consideraram que a adequação
e a necessidade das atividades atendem totalmente às necessidades dos alunos (CAPES, 2018),
o que indica que a quase maioria dos alunos dos cursos em geral da UAB está satisfeita com
os materiais convencionais.
Se por um lado o curso de Música precisa ter uso de áudios e vídeos para abranger
disciplinas práticas e teórico práticas e mesmo explicações mais detalhadas sobre disciplinas
teóricas, por outro lado a insatisfação dos alunos do curso de Música e mesmo de outros
cursos com o texto parece apontar para a existência de uma dificuldade em compreender o
texto lido. Consequentemente, o curso de Música além de precisar abranger as disciplinas
práticas e da teoria musical, também precisa ser capaz de fazer com que o aluno compreenda
uma grande diversidade de textos, o que certamente é um grande desafio.
A disponibilização de um texto em PDF de um texto de livro ou artigo não constitui
uma metologia adequada para a EaD. O conteúdo original precisa visar a autonomia discente.
Em alguns cursos, como do CECIERJ, há a figura do desenhista instrucional ou designer
instrucional para reescrever o material originalmente criado por um professor conteudista sem
formação em EaD de forma melhor explicada – mas a UAB não conta com esse profissional
para seus cursos.
O texto não interativo pode carregar bons recursos, desde que mesclado com outras
mídias, como uma explicação do texto em áudio, vídeo ou mesmo um texto comentado acerca
240
do conteúdo original. Estimular o diálogo em fóruns sobre o texto pode ser uma boa estratégia
a ser adotada, desde que haja aprofundamento desses conteúdos – o que por muitas vezes,
pode acabar não acontecendo.
A respeito da tecnologia, é importante considerar algumas falas, no contexto de 2012,
a respeito da conexão: “Nossos primeiros alunos sequer tinham conexão decente, as chuvas
no Acre nem permitiam uma webconferência” (LACORTE, 2012, p. 2.295). Ainda a esse
respeito, “às vezes, é fácil fazer uma webconferência para o Japão, mas para o interior do
estado é impossível” 170.
Não é possível saber se, sete anos depois dessas falas, ainda permanece a dificuldade
de conexão em todos os polos dos cursos de Licenciatura em Música da UAB, tendo em vista
o objetivo desta pesquisa. No entanto, pode-se supor que houve alguma melhora, uma vez que
a Lei nº 12.695/14 (BRASIL, 2014b) visa promover o acesso de todos à internet – ainda que a
qualidade de conexão não tenha sido explicitada.
Além disso, em uma pesquisa entre todos os alunos da UAB em 2008, 69,3%
consideram a qualidade da conexão à internet excelente ou boa; e, ao serem perguntados
sobre os locais em que costumavam acessar a internet, os lugares mais mencionados foram
casa, seguido de trabalho e internet móvel, ficando o polo presencial citado por 26,4% dos
alunos como nunca acessado (CAPES, 2018).
O professor acredita que os alunos têm o mesmo acesso e por isso não há diferença
cultural característica entre as diversas regiões; por outro lado, o Tutor 4 levanta questões a
respeito da desigualdade de classe social dos alunos e acesso a diversidades culturais. Nesse
sentido, o Professor 4 comete uma violência simbólica característica do ambiente escolar,
propagando as desigualdades. Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e em deveres, o sistema escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura (BOURDIEU, 2007c, p. 53).
O acesso à informação atualmente foi ampliado com o advento da internet, porém a
sociedade atual ainda permanece dividida por classes e o sucesso escolar continua sendo
enxergado como um “dom natural” dos alunos, principalmente no campo das artes. Diferentes
170 Declaração oral fornecida pela Profa. Karia Morosov Alonso (2012) durante uma palestra do SIED-SInPED.
241
cidades possuem diferenças culturais, porém muitas similaridades propagadas pela indústria
cultural. Em qualquer domínio cultural, teatro, música, pintura, jazz ou cinema, os estudantes têm conhecimentos ainda mais ricos e mais amplos quando sua origem social é mais elevada. Se a grande variação da prática de um instrumento musical, do conhecimento das peças pelo espetáculo ou da música clássica pelo concerto não tem nada que possa espantar, pois os hábitos culturais de classe e fatores econômicos acumulam aqui seus efeitos, causa surpresa que os estudantes se distingam muito claramente, segundo sua origem social, no que concerne à frequentação dos museus e mesmo aos conhecimentos da história do jazz ou do cinema, frequentemente apresentados como “artes de massa”. Se se sabe que no caso da pintura, que não é diretamente um objeto de ensino, diferenças aparecem até mesmo no conhecimento dos autores mais clássicos e acentuam-se quando se trata das pinturas modernas, se também se sabe que a erudição em matéria de cinema ou de jazz (sempre muito mais rara que nas artes consagradas) também é muito desigualmente repartida segundo a origem social, deve-se concluir que as desigualdades em relação à cultura não são em lugar algum tão marcadas quanto o domínio em que, na ausência de um ensino organizado, os comportamentos culturais obedecem aos determinismos sociais mais do que à lógica dos gostos e dos entusiasmos individuais (BOURDIEU; PASSERON, 2014, p. 34-36).
O acesso à informação, no entanto, não dissipou as diferenças entre classes e a
consequente necessidade de o aluno obter as competências da classe dominante para obter
sucesso escolar, gerando dificuldades para se adequar a um perfil cultural.
Promover ações que visam acrescentar capital cultural é um dos grandes desafios do
professor de Música do século XXI. Para isso, o docente da educação básica precisa buscar
soluções fora da sala de aula – e ele poderá encontrar dificuldades, principalmente em cidades
do interior. Portanto, é papel dos cursos de Licenciatura em Música da UAB tentar uma
aproximação com os polos e romper tais barreiras geográficas, a fim de compreender a
realidade de seus alunos para transformá-las. Se isso for feito durante a graduação, há grandes
chances de também ocorrer durante a prática docente desses futuros professores.
Buscar a aproximação com a educação não formal e informal é algo que precisa ser
realizado nos cursos de Licenciatura em Música da UAB. Embora algumas práticas isoladas
tenham sido encontradas na pesquisa, como a disciplina Práticas Musicais da Cultura da UnB,
mais ações teóricas e práticas se fazem necessárias com o intuito de buscar a modificação da
forma de pensamento.
Ainda percebe-se a necessidade de mais discussões acerca de considerar a cultura dos
alunos. Foram identificados licenciandos com falas que apontam para uma depreciação da
cultura dos jovens, o que pode gerar conflito e não promover um diálogo intercultural a partir
disso. Nesse sentido, promover um diálogo mais eficaz precisa ser a tônica de um curso a
distância. Estratégias como repensar a dinâmica dos fóruns, promover webconferências e
242
produzir textos interativos podem ser pensadas como alternativa ao modelo atualmente
adotado.
4.5 Formação a distância
Os professores destacaram que, se não existisse a UAB, essas cidades jamais teriam
um curso superior atendido por uma universidade pública de renome. O Professor 1 destacou
também que o curso a distância propicia um conhecimento que seria impossível às pessoas
que não podem estar fisicamente presentes em uma sala de aula. Diante do exposto, a UAB
estaria rompendo uma barreira de acesso à educação tradicional (SANTOS, 2009, p. 290),
mas tal fato isolado ainda caracteriza um curso flexível, tendo o aluno que gerenciar seu
próprio processo de aprendizagem pelas escolhas do material, pelas disciplinas a seguir, pelo
tempo para realizar tarefas, quantas vezes interagir, qual tecnologia utilizar, quando contactar
a equipe técnica e como ser avaliado (OKADA, 2007) para ser caracterizada uma Educação
Aberta e a Distância – EAD.
Não houve na fala dos professores nem nas respostas dos alunos apontamentos para
escolha de materiais e participação em disciplinas – ou seja, para a quebra dos paradigmas de
diversidade, opcionalidade, contratualidade, maleabilidade e flexibilidade, apontados por
Pimentel (2006).
O Professor 4 faz uma crítica à reprodução dos erros da universidade tradicional, uma
vez que, apesar de não se estar fisicamente presente na sala de aula, o aluno precisa entrar no
sistema toda semana e, por isso, há grande controle por parte da universidade. Assim, conclui-
se que a EaD não propiciou a transição entre uma educação institucionalizada e o
“intercâmbio generalizado dos saberes, de ensino da sociedade por ela mesma, de
reconhecimento autogerido, móvel e contextual das competências” (VILLARDI; OLIVEIRA,
2005, p. 70).
O Aluno 13 declara que se sentiu um “tarefeiro”, apenas postando atividades para
ganhar presença e nota, tal qual se faz em um curso presencial. O Professor 2 alega que o uso
dos materiais não é capaz de criar autonomia no aluno, por serem tutoriais e para isso sugere a
criação de blocos e suas avaliações.
Nesse sentido, a construção de um material sociointeracionista, sugerido por Villardi e
Oliveira (2005), aponta para romper os paradigmas que ainda amarram a EaD ao
tradicionalismo pedagógico das universidades. Schramm (2009) sugere que o foco na
243
tecnologia musical como ferramenta de aprendizagem deve ser o ponto de convergência de
um curso a distância, no lugar de aprendizagem de Música por meio de tecnologia.
Segundo Chaves (2010), há duas megatendências educacionais. A primeira enfatiza o
ensino. Ela, em geral, parte do professor e por isso tem o seu lugar dentro da educação formal,
que tem a função de levar a informação até a criança e alternativamente levar ao adulto a sua
cultura. Essa educação ocorre em massa. Segundo Chaves (2010), dentro dessa visão, a
educação formal escolar é entendida como um processo de transmissão sistemático e
metódico pelos professores aos alunos de conteúdos informacionais – fatos, conceitos,
procedimentos –, valorativos e atitudinais, definidos como essenciais ou importantes pelo
ambiente cultural predominante naquela sociedade, sistematizados em áreas específicas –
disciplinas acadêmicas – e organizados sequencialmente de forma cada vez mais complexa –
em séries.
A primeira megatendência parece servir bem para o ensino a distância, mas não para a
Educação a Distância. Segundo Chaves (2010), ela se presta razoavelmente bem quando se
trata de transmitir ou ensinar conteúdos bem estruturados e relativamente estáveis. Nesse
caso, o professor elabora seus materiais didáticos e dá a sua aula – usando conferências ou
vídeos gravados. O nível de interação dos alunos com o professor ou entre si é mínimo ou
inexistente, e o curso é autoinstrutivo.
A segunda megatendência é focada na aprendizagem; portanto, focada no aluno. Ela
enxerga que o ser humano nasce naturalmente incompetente, e por isso é dependente de seus
pais e parentes (CHAVES, 2010). Na fase adulta, não é desenvolvida a autonomia, a
competência e a responsabilidade por um mero processo de crescimento e amadurecimento,
mas sim pela educação, que é necessária primeiramente ao ser humano, e não à sociedade.
Corroborando esse pensamento:
Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente (...). A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia tem que estar centrada nas experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade (FREIRE, 1996, p. 67).
O Professor 1 aponta a diferença de saberes entre os alunos de um curso presencial
situado numa capital para o curso a distância em uma cidade de interior e relata que esta
última precisa melhorar a longo prazo. Tal visão é complementada pelo Tutor 1, que acredita
que existir uma comunicação direta com os professores doutores de uma universidade de
renome gera o diferencial para aquele curso da UAB.
244
Sendo assim, a UAB cumpre o papel de expandir e interiorizar cursos superiores,
usando as universidades federais para criar e administrar, carregando toda a expertise dessa
instituição e funcionando como fator diferencial.
Fica evidente, na opinião dos alunos, a grande importância da aprendizagem dos
instrumentos musicais e do desejo de realizar a prática de conjunto nos momentos presenciais
– o que acaba não ocorrendo, conforme foi constatado.
Metade dos alunos declarou que acha impossível realizar atividades práticas de forma
totalmente online. Isso demonstra que, para o ensino de atividades práticas, tanto o AVA
quanto a metodologia empregada ainda não são considerados ideais, necessitando de um
complemento presencial – e quando não há tutor presencial com formação em Música tal
prática fica prejudicada.
O Tutor 4, ao relatar a dificuldade de juntar os alunos para tocar, evidencia que aquilo
que os alunos mais consideram importante não é colocado em prática nos encontros
presenciais.
Ao apontar a composição como a atividade menos importante dentre algumas opções
no Gráfico 34, os alunos evidenciam que seus cursos não a priorizaram em seus currículos,
nem o fato de haver pouca discussão sobre a importância da composição na Educação
Musical.
A partir do quarto período da Educação Musical do século XX (GAINZA, 2003), a
partir da década de 1970 (ver capítulo 1), com autores como John Paynter (2009) e Murray
Schafer (1991), passa a haver conscientização sobre o papel da composição em sala de aula.
Se antes a aula de Música tinha comumente pouco ou nenhum espaço para a composição, nas
chamadas oficinas de música todas as atividades envolviam criação – a ponto de esse
processo tão experimental ser considerado desconectado da realidade cultural dos alunos.
Posteriormente, durante o quinto período da Educação Musical do século XX
(GAINZA, 2003), começa a ocorrer uma discussão reflexiva e a sistematização das pós-
graduações na América Latina. Começam a ser evidenciados autores como Keith Swanwick,
que propõe o modelo TECLA – execução, apreciação e composição como atividades
equilibradas em primeiro plano, e o estudo de técnica e literatura como atividades de segundo.
Sendo assim, ao serem listadas as atividades do modelo TECLA em ordem de importância
para os licenciados, embora fosse previsível que o resultado apontasse para um desequilíbrio
entre as respostas, houve diferença de 10,9% das respostas entre composição e execução
instrumental, além do fato de que Composição foi menos escolhida que Teoria Musical na
ordem de importância de um currículo em Licenciatura em Música.
245
Outro fator que chama a atenção é a penúltima ordem de classificação da atividade de
composição como importante ou muito importante para o curso de Licenciatura em Música e
primeira como pouco importante (2,7%) em um currículo de Licenciatura em Música. Fica
então claro que os alunos da UAB entrevistados desejam se aprimorar mais em performance e
menos em composição.
Embora esses dados não signifiquem que os professores formados não irão trabalhar
composição nas aulas de educação básica, fica evidente que na formação em Licenciatura em
Música pela UAB é atribuída pouca importância às atividades de criação musical – embora
existam disciplinas isoladas sobre criação, tal prática não é integrada ao currículo –, e isso
pode refletir na escolha metodológica a ser adotada nas escolas e priorizar a performance com
pouca criação musical, como é característico do primeiro e do segundo períodos da Educação
Musical do século XX (ver capítulo 1).
Sendo assim, embora os docentes entrevistados tenham pensado em um currículo
voltado para a educação básica, a maioria dos alunos ainda espera dos cursos da UAB um
curso voltado para a formação de um “músico professor”, tal qual apontado por M. V. M.
Pereira (2012), mesclado com uma formação para a educação básica.
F. Pereira (2014) aponta quatro formas de transmissão de música: oral, escrita, aural e
pela internet. Na transmissão oral, a música é disseminada de geração em geração; na escrita,
em partitura; na aural, pela gravação e reprodução de discos e arquivos de mídia; pela internet,
em sua recomposição e redistribuição, aquilo que Pierre Levy (1999) chama de música tecno.
Com a constante recriação e redistribuição dessa criação coletiva através das redes
tecno-sociais, consideramos que o conceito de música tecno (LEVY, 1999) caracteriza uma
nova modalidade de transmissão, pois ali a internet não é utilizada para transmitir um produto
final “lapidado” aos ouvintes, como ocorre com a transmissão aural – que também pode
ocorrer através da internet –, mas sim, pela primeira vez na história, a transmissão de sons
musicais171 que podem ser manipulados isoladamente, modificados e redistribuídos repetidas
vezes – a ponto de se perder a noção do original.
Enquanto na comunidade tecno-social não há a figura do autor, sua criação é
assíncrona e coletiva e sua retransmissão ocorre no mesmo processo (LEVY, 1999), na
transmissão aural o autor da obra é detentor dos direitos autorais. Assim, o que caracteriza a
transmissão pela internet não é somente a criação colaborativa mediante a manipulação de
sons, mas sim a redistribuição e recriação contínua da obra distribuída pela internet.
171 Através de arquivos digitais contendo sons e/ou informação MIDI.
246
Assim como nos jogos eletrônicos, em que o jogador interage tomando decisões que
mudam a história do jogo, ou em vídeos interativos em que é possível escolher entre dois ou
mais roteiros diferentes, na música tecno tal interatividade também é possível, embora o
usuário necessite de domínio técnico, podendo modificar os timbres por meio de sínteses
digitais em VSTis, as alturas, durações e intensidades, conforme a Figura 3.
Figura 3 – Transmissão dos saberes musicais
Fonte: PEREIRA, F. (2014, p. 96).
Cabe atentar que nem todo cidadão com acesso à internet possui a competência de
acesso a informação. Ainda, nem todos os usuários de internet que tocam instrumentos
musicais possuem competência técnica para manipular aplicativos MIDI, assim como nem
todo computador possui os requisitos necessários ao funcionamento desses aplicativos.
Não foram encontrados na pesquisa indícios de utilização da música de transmissão
pela internet ou música tecno, uma vez que nada foi relatado a respeito de composição
coletiva.
A transformação da estrutura simbólica em experiências significativas proposta por
Swanwick (2003) deve ser um dos objetivos a ser alcançado nas Licenciaturas em Música.
Segundo o autor, a composição é algo imprescindível a ser desenvolvido para atingir essa
finalidade.
O Coordenador 2 atribui a falta de criação ao medo de errar e faz um paralelo com as
avaliações escolares, afirmando que a composição ainda é um tabu no ensino de Música por
sermos tolhidos de criar no ambiente escolar. Podemos constatar que a proposta de Silva
247
(2005), de incluir a composição como ferramenta transversal ao currículo de Música, não foi
aplicada, deixando-a para poucas disciplinas isoladas que não se integram com as demais.
O Aluno 13 aponta estar decepcionado com o curso e declara que considera as
avaliações incoerentes. Tal fato caracteriza uma crítica às avaliações. No entanto, a educação
formal precisa lidar com as avaliações. Keith Swanwick propõe a “crítica imaginativa”
(SWANWICK, 2014) em diversas dimensões: A diferença fundamental entre o encontro musical na comunidade e a Educação Musical nas escolas primárias, secundárias e faculdades é precisamente a obrigatoriedade de avaliação e de crítica, de se tornar explícito, o que é característico de ambientes formais. Até que ponto a educação num nível mais profundo pode ser sempre explícita é realmente o problema crucial da escolarização, especialmente no tocante às artes. A questão parece se resolver na afirmação belamente simples, mas profunda, de Polanyi, em A dimensão tácita (1967), quando ele diz que “podemos saber mais do que podemos dizer” (SWANWICK, 2014, p. 168).
Pelos dados levantados na pesquisa, identificamos na formação do licenciando em Música pela UAB elementos da quinta geração da Educação Musical do século XX (GAINZA, 2003), no sentido de haver preocupação a respeito do debate sobre o cotidiano do aluno, e elementos da primeira, segunda e terceira gerações da Educação Musical do século XX, que apontam para práticas instrumentais e atividades voltadas para a criança. Ainda que tenham aspectos da quarta geração presentes no currículo de forma isolada, pouco valor foi dado às atividades de composição. Para a sexta geração do século XX (GAINZA, 2003), houve parcialmente o elemento de composição fundamental das obras de Keith Swanwick e David Elliot e o de busca pela identidade cultural dos países latino-americanos; não foram identificados elementos de multiculturalismo.
Dos aspectos propostos no capítulo 1 como base da Educação Musical no século XXI, apontamos alguns que não foram encontrados na fala dos entrevistados: (a) revitalização do modelo conservatorial (GAINZA, 2003, p. 12), uma vez que foram encontradas visões discentes e docente sobre o habitus conservatorial e nada foi apontado que quebrasse esse paradigma (PEREIRA, M. V. M., 2012); (b) interdisciplinaridade, pois foi criticado pelo Professor 1 quanto à organização tradicional dos currículos, apontando que há alguma discussão sobre interdisciplinaridade, mas não se pratica172.
Por outro lado, foram encontrados alguns aspectos da fala dos entrevistados condizentes com as bases da Educação Musical presente no século XXI: (a) Uso de tecnologias digitais, principalmente na UFSCar, que conta com diversas disciplinas voltadas
172 Embora 47,9% tenham declarado a existência de haver quase sempre ou muito espaço no currículo para a
discussão de temas interdisciplinares, conforme discutido anteriormente, tal questão não fornece dados para se caracterizar o que é interdisciplinalidade, pois os alunos podem considerar que temas de educação são interdisciplinares com música, quando na verdade um curso em educação musical deveria ter em sua essência essa discussão.
248
para o uso de tecnologias aplicadas em Educação Musical, conforme apontado pelo Professor 2 e disposto no PPP do curso (UAB/UFSCAR, 2010); (b) Autoaprendizagem com interação social, na medida em que a EaD propicia autonomia aos alunos e utiliza fóruns e polos presenciais, embora não tenha existido material interativo propício; (c) multiculturalismo de sistemas, incluindo a música popular de massa, tendo em vista que, nas falas dos tutores, principalmente na disciplina Prática Musical da Cultura e Criação musical nas falas do Professor 4 e do Tutor 1, que apontam para essas práticas.
O Professor 3 comenta a possibilidade de fazer a prática de conjunto online com um software de pouca latência. Há sites como o Sofasession173, em que é possível músicos se reunirem online para uma jam session síncrona, ou o Soundtrap174, que permite colaborar de forma síncrona ou assíncrona – que possibilita praticar a música tecno ou transmissão pela internet. No entanto, esses softwares não são gratuitos e, além de precisar que a UAB compre licenças mensalmente, demandam um bom computador com boa conexão à internet, algo que nem sempre ocorre.
Os cursos da UAB são fechados. Os conteúdos, que não são interativos e por vezes não são criados para o curso – mas sim extraídos de periódicos –, são previamente estruturados sem considerar quando, onde e o quê o aluno deveria estudar. Portanto, cabe aos cursos de Licenciatura em Música repensar tais práticas, adotando estratégias para incluir esses alunos não somente como forma de diminuir a evasão, mas também de promover uma aprendizagem mais eficiente.
Da mesma forma, o aproveitamento de recursos peculiares da cibercultura, como a transmissão pela internet ou música tecno (LEVY, 1999), precisa ocorrer. Os professores supervisores, que são os responsáveis por planejar essas disciplinas, podem não conhecer toda a pontencialidade de recursos tecnológicos. Assim, as Licenciaturas em Música da UAB precisam promover mais pesquisa sobre esses recursos e sobre as metodologias de ensino de Música a distância.
Um curso mais focado no aluno e em ações de diálogo e interatividade entre pessoas e materiais didáticos precisa ser feito como forma de quebrar os paradigmas educacionais e promover uma educação emancipatória para que o uso de tecnologias não apenas digitalize o ensino tradicional, como foi constatado neste trabalho, mas também crie novos métodos de ensino de música que consigam romper paradigmas e gerar práticas que caracterizam a peculiaridade da educação a distância.
173 http://www.sofasession.com/howitworks 174 https://www.soundtrap.com/
249
4.6 Valores sobre a UAB
A maioria dos alunos considera que participou quase nada ou muito pouco da escolha
dos conteúdos e da forma de avaliação e de quando aprender. Portanto, segundo a
caracterização apontada por Santos (2009), Pimentel (2006) e Okada (2007), os cursos de
Licenciatura em Música da UAB não praticam Educação Aberta.
O Professor 4 comenta ainda que o curso da UAB de sua universidade tem a estrutura
de um curso presencial, e que os cursos livres por correspondência já praticavam aquilo que
Pimentel (2006) classificou como paradigma da maleabilidade. Alguns docentes inculcaram
os paradigmas da universidade tradicional e replicam esse modelo. O Tutor 4 acredita que os
alunos devam cumprir o prazo, demonstrando a prática de um elemento típico de educação
fechada. Se o sistema da UAB obriga os gestores a trabalhar com os prazos, então tal sistema
não permite uma educação aberta, tal qual seu nome sugere.
O Coordenador 1 diz que hoje apenas se cumpre a lei. O Coordenador 2 declara que
precisa rever o critério de a nota da prova presencial ser 50% + 1 na média. No entanto, o
Decreto nº 5.622 estabelece: Art. 4o A avaliação do desempenho do estudante para fins de promoção, conclusão de estudos e obtenção de diplomas ou certificados dar-se-á no processo, mediante: I - cumprimento das atividades programadas; e II - realização de exames presenciais. § 1o Os exames citados no inciso II serão elaborados pela própria instituição de ensino credenciada, segundo procedimentos e critérios definidos no projeto pedagógico do curso ou programa. § 2o Os resultados dos exames citados no inciso II deverão prevalecer sobre os demais resultados obtidos em quaisquer outras formas de avaliação a distância (BRASIL, 2005, grifo nosso).
Além da obrigatoriedade da prova presencial, a lei regula que a avaliação presencial
deverá preponderar sobre todo o processo de avaliação formativa. Tal visão revela um olhar
desconfiado sobre o aluno, que deve fazer uma prova final sob a vigilância de um supervisor e
esse momento terá peso avaliativo mais importante que todo o seu processo formativo.
Os alunos apontam que a mídia mais utilizada foi o texto; o fórum foi a ferramenta de
mídia mais utilizada. Em minha pesquisa de mestrado (PEREIRA, F., 2014) os alunos já
demonstravam dificuldade em realizar atividades práticas e sentiam falta de atividades
síncronas.
Embora a discussão sobre o uso de webconferência seja complexa, por um lado tal
prática favorece as disciplinas de cunho prático e teórico-prático; por outro, envolve a
mudança de um curso assíncrono para síncrono – que não é a proposta da UAB. As falas dos
250
entrevistados apontam para uma insatisfação quanto às formas de comunicação entre tutores e
alunos. Além desta pesquisa, tal fato se repete em F. Pereira (2014) e na pesquisa entre todos
os cursos da UAB realizada pela CAPES em 2018: na terceira colocação, 24,1% dos alunos
elegeram a forma de interação como terceiro principal motivo de insatisfação com o AVA
(CAPES, 2018).
Os resultados da pesquisa apontam que 75,7% consideram importante ter um tutor
com formação em Música e que 41,9% creem que a atividade musical mais importante a ser
realizada em um encontro presencial deveria ser a prática em conjunto. Comparando esses
dados e somados às falas dos docentes, podemos compreender que a falta de tutores
presenciais com formação em Música compromete a prática de conjunto presencial nos polos,
que é considerada por parte dos alunos a atividade mais importante.
Sendo assim, se a atividade do encontro presencial considerada mais importante pelos
alunos não acontece, e a maioria dos alunos acredita que o curso considera a prova presencial
como principal atividade dos encontros presenciais – que poderia ser feita online, uma vez
que F. Pereira (2014) constata que não houve nenhum aproveitamento metodológico
característico do momento presencial, mas os alunos fazem as provas no computador do polo
do curso da UAB –, é necessário repensar as práticas dos encontros presenciais, incluindo as
provas, para que eles sejam ocupados com atividades inerentes aos momentos presenciais,
deixando atividades virtuais características – como composição colaborativa, atividades de
tecnologia musical e questionários, entre outras – reservadas para esse momento.
Dentre os personagens listados, o tutor presencial foi o menos considerado importante
ou muito importante pelos alunos. É necessário repensar as práticas realizadas nas atividades
presenciais obrigatórias para o aluno enxergar esse momento presencial como algo frutífero,
ao invés de servir apenas como cumprimento de uma obrigação. Para isso, a universidade e os
professores efetivos das IES precisam estar comprometidos com todo o processo e realizar um
diálogo mais efetivo na equipe polidocente. Destaca-se que houve a visita de professores e
tutores a distância aos polos em um momento do curso pela UnB, mas posteriormente um
corte de verbas findou essa prática.
Por outro lado, há a dificuldade dos gestores do curso para contar com tutores
presenciais qualificados, com diploma de Licenciatura em Música, em cidades do interior,
principalmente pelo baixo valor da bolsa paga a esses profissionais.
O Professor 1 alega que há menos evasão no curso por conta de existirem tutores
presenciais, tal qual o Tutor 3, alegando que o contato presencial é um diferencial, e, por ser
um curso grande, pode ajudar o aluno a mudar de ideia.
251
Em pesquisa realizada entre alunos de diversos cursos da UAB, ao serem perguntados
sobre os fatores que mais poderiam contribuir ou contribuíram para sua desistência, os mais
importantes foram: conciliar trabalho e estudo; organização do tempo; distância do polo;
interação com a tutoria ficou na quarta classificação (CAPES, 2018).
Em contrapartida, o Coordenador 2 acredita que tutores são mais necessários em polos
mais afastados da universidade, enquanto o Professor 1 considera que ter um professor com
material organizado e totalmente à disposição para resolver situações emergenciais do aluno
consegue suprir a necessidade de um tutor presencial. O Tutor 2 acredita que a interação entre
aluno e tutor a distância pode ser mais intensa que com o tutor presencial.
O Tutor 4 declara que a universidade não tem noção do que acontece durante os
encontros. Ao mesmo tempo que pode ser visto como desleixo por parte da universidade em
acompanhar a equipe polidocente, é possível, por essa fala, questionar a permanência da
tutoria presencial.
A pesquisa aponta que os tutores presenciais não têm o domínio de conteúdos de
Música que a maioria considera importante. Segundo os referenciais de qualidade para a EaD, em qualquer situação, ressalta-se que o domínio do conteúdo é imprescindível, tanto para o tutor presencial quanto para o tutor a distância e permanece como condição essencial para o exercício das funções. Essa condição fundamental deve estar aliada à necessidade de dinamismo, visão crítica e global, capacidade para estimular a busca de conhecimento e habilidade com as novas tecnologias de comunicação e informação. Em função disso, é indispensável que as instituições desenvolvam planos de capacitação de seu corpo de tutores. Como capacitar se há precariedade e alta rotatividade sem a formação inicial? (BRASIL, 2007, p. 22).
Se, por um lado, a figura do tutor presencial175 cria um elo entre um tutor local e a IES,
por outro tal vínculo ocorre de forma precária não somente no quesito financeiro, mas
também de formação: enquanto o professor da IES possui como requisito mínimo, na maioria
das vezes, doutorado com boa produção acadêmica, o tutor presencial precisa de graduação
com especialização ou experiência docente de um ano e um curso rápido de formação para
EaD e, como vimos, ele pode não ter formação em Música. O Tutor 3 alerta que há alta
rotatividade de tutores presenciais, o que não ocorre comumente com os professores
supervisores das IES.
Os momentos presenciais obrigatórios176 podem apontar que as IES consideram que o
aluno não seja capaz de aprender a distância – o que põe em cheque a essência de um curso
nessa modalidade. O tutor presencial pode ser um importante aliado em um curso de longa 175 Durante a defesa desta tese, o Professor Dr. Daniel Gohn afimou que agora se paga um aplicador de prova e
não tem mais um tutor presencial para todos os polos. 176 O curso pode contar com um tutor presencial sem ter encontros presenciais obrigatórios.
252
duração – o curso de Licenciatura em Música da UFSCar classifica o curso como
semipresencial em seu site177. Os cursos de Música da UFSCar e da UnB computam a média
entre a presença ao polo e presença virtual – se o aluno não tiver frequência superior a 75%,
fica reprovado, independente do seu desempenho.
Em pesquisa realizada com alunos de diversos cursos da UAB, foi perguntado quais
formas de comunicação com tutores foram muito utilizadas. Como resposta, foram apontados
fóruns, seguido de e-mails, chats, encontros presenciais, redes sociais e reuniões sociais;
sobre o domínio do conteúdo pelo tutor, 77,1% classificam como bom ou ótimo para o tutor a
distância contra 65,3% para o tutor presencial; quanto à didática e à metodologia empregadas,
88% consideram satisfatória ou regular para o tutor a distância contra 76,5% para o tutor
presencial (CAPES, 2018). Embora cada curso tenha sua especificidade, podemos constatar,
com base nesses dados, que os alunos dos demais cursos consultam o tutor a distância mais
que o tutor presencial e consideram o tutor a distância com mais domínio de conteúdo que o
tutor presencial, além de melhor emprego de didática e metodologia178.
O Tutor 3 declara que os tutores a distância somem virtualmente, e por isso o tutor
presencial pode intervir procurando por eles. Em minha pesquisa de mestrado (PEREIRA, F.,
2014) existem alunos relatando a demora na resposta do tutor a distância, conforme ocorreu
nas falas de alguns alunos do curso de Licenciatura em Música pela UAB. Daniel: É o que acontece... de repente, é a distância, assim, a gente ter essa falta da presença do professor [os dois repetiram em coro “do professor”]. Aí de repente, nossa, eu queria perguntar, e não consigo falar, assim, escrever. De repente, se ele estivesse aqui, poderia ser mais... a gente conseguiria interagir mais, né. E na webconferência você consegue, mas são tantas perguntas ao mesmo tempo que a gente já fica [grito simulando desespero]. “Eu tô entendo uma, já manda outra, e ah” então o professor, “pera aí, então eu vou só responder essa aqui”, e tal. De repente, se o professor pudesse vir mais... Susana: Ou então, dar essa webconferência semanalmente ou quinzenalmente, é muito importante. Foi boa nessa disciplina [outra disciplina], e a gente viu o quanto é bom. Eu faço faculdade em outra escola também, em que a webconferência é semanal. Então, é outro nível com o professor. Você vê o professor, você pode perguntar na hora que você quiser, ele tá ali respondendo. Então, ficar só no tutor, o tutor da EaD não responde no momento que você quer... às vezes, o prazo já tá acabando e acaba ele não respondendo (PEREIRA, F., 2014, p. 133).
Hara e Kling (1999) apontam, em uma pesquisa, as frustrações dos estudantes nos
cursos online nos Estados Unidos. As três principais foram: falhas técnicas, instruções
ambíguas e falta de feedback imediata do instrutor – este último sendo o mais relevante. A
disponibilidade – ou falta de feedback imediato do tutor – e a acessibilidade são
177 Disponível em: http://www.prograd.ufscar.br/cursos/cursos-oferecidos-1/educacao-musical/educacao-
musical. Acesso em 4 abr. 2019. 178 Cabe ressaltar que, enquanto nos modelos da UAB dos cursos de Licenciatura em Música há um único tutor
presencial responsável pela turma, no Consórcio Cederj há um tutor presencial para cada disciplina.
253
indispensáveis para a sensação de estar junto virtual (VALENTE, 2010), rompendo com o
estudo solitário com poucos e demorados feedbacks que eram oferecidos no início dos cursos
a distância – através de correspondência.
Entre os demais estudantes da UAB, essa percepção não foi diferente: ao serem
perguntados sobre quais fatores precisam ser melhorados nos cursos, apontaram ausência de
material impresso, seguido de tempo de resposta da tutoria (CAPES, 2018) – e obviamente
estão se referindo à tutoria virtual, uma vez que a tutoria presencial pressupõe resposta
imediata.
A demora do tutor para enviar feedbacks acaba por causar falha na comunicação e
consequente dispersão no assunto, principalmente tendo em vista que as disciplinas da
Licenciatura em Música são comumente divididas em unidades com duração entre uma e três
semanas cada, e avançar para a unidade seguinte sem a resposta do tutor dentro do
cronograma do curso pode significar que o aluno considera tal assunto terminado. Cabe ao
tutor saber guiar o tema central da discussão; para isso, é necessário que ele esteja
comprometido em dar retorno rápido e eficiente aos alunos.
Nobre e Melo (2011) apontam algumas competências para o tutor, como prontidão,
agilidade, disponibilidade e acessibilidade. Embora a UAB estabeleça um prazo máximo de
resposta de 24 horas nas atribuições dos cargos de tutor a distância em seus editais de seleção,
pode-se constatar com os dados aqui apresentados que os alunos anseiam por uma
comunicação mais eficaz. Tal fato é ratificado por um aluno entrevistado por F. Pereira:
“Susana: (...) então, ficar só no tutor, o tutor da EaD não responde no momento em que você
quer” (PEREIRA, F., 2014, p. 133).
A segunda opção mais escolhida pelos alunos (75,7%) como personagem mais
importante na aprendizagem foram os demais colegas. Isso pode ter direta relação com a
disponibilidade dos seus pares perante a indisponibilidade do tutor a distância. Essa indicação
também fica clara em minha pesquisa de mestrado (PEREIRA, F., 2014), conforme podemos
ver na fala de uma das alunas entrevistadas: Elisa: Eu acho que o aluno, por estar vivenciando a experiência [de] aprendizagem a distância junto com você, ele, ele tem uma condição melhor de te ajudar do que... é... às vezes, o tutor a distância. Porque o tutor tá ali a distância, no que diz respeito ao conhecimento da disciplina, ele tem todo o domínio. Mas o fazer, o praticar e o entregar a tarefa, atingir o objetivo, o aluno, o colega é que te ajuda. O aluno que toca violão há mais tempo que você, ele vai ser um ótimo professor pra você, quando você começar a aprender o violão aqui na faculdade. O aluno que canta há mais tempo, ele vai cantar junto com você na prática de canto e vai te passar a técnica. A parte presencial do curso onde tem maior troca de experiência pra mim, experiência musical principalmente, é entre os alunos. Que tem o pré-requisito de os alunos já terem uma noção musical para poder entrar no curso (PEREIRA, F., 2014, p. 154).
254
Em uma pesquisa entre alunos de diversos cursos da UAB, ao serem perguntados
sobre quem os alunos procuram quando estão com dificuldade nas disciplinas, as respostas
mais recorrentes foram: tutoria a distância; tentar resolver só; colegas de classe; não há/houve
dificuldade; tutoria presencial; professor da disciplina; e-mail; coordenação do curso; e
telefone (CAPES, 2018).
Sendo assim, as respostas da presente pesquisa apontam para um comportamento
similar dos demais alunos da UAB no sentido de procurar os demais membros da equipe
polidocente somente após tentar tirar a dúvida com o tutor a distância, seguido dos demais
colegas ou sozinho.
Sobre o fim dos cursos de Licenciatura em Música da UAB, há na fala dos docentes
muitas críticas sobre a interrupção dos cursos e apontamentos para aquilo que funciona. O
Coordenador 1 faz alusão à necessidade de ter todas as engrenagens boas para um sistema
funcionar: a mudança de regras durante o período de cinco anos do curso de graduação seria a
engrenagem ruim que faz com que o sistema não funcione.
O sistema UAB, como programa que visa desenvolver a EaD através das IES públicas,
traz consigo desde 2006 um programa de governo, mas precisa se transformar numa política
pública de Estado, com diretrizes claras, distribuição de fomento transparente e contínua,
gestão dos recursos financeiros descentralizada dos órgãos superiores e não pensar em reduzir
o financiamento para organização do trabalho docente, principalmente dos tutores, o que gera
um sistema precário, emergencial, e compromete a qualidade do ensino e sua continuidade.
Tendo em vista que o orçamento da UAB é anual e os cursos de licenciatura duram
entre quatro e cinco anos, uma série de questões gerenciais interferem na metodologia, pois
algumas práticas ficam prejudicadas devido à falta de verba: o tutor precisa acompanhar mais
alunos nas disciplinas ou na orientação para os TCCs; não pode dar continuidade à visita de
professores e tutores a distância aos polos; é reduzida a quantidade de bolsas dos tutores a
distância por semestre – os cursos que antes pagavam até quatro bolsas semestrais passaram a
reduzir para até uma bolsa semestral, a depender de análise prévia, de acordo com a
complexidade de cada disciplina.
Sendo assim, "as novas tecnologias levam ao desejo de novas configurações nas
relações sociais ou perturbam as organizações de trabalho existentes" (HARVEY, 2011, p.
104). Tal modo de pensar a docência a partir de múltiplos olhares feita de forma desintegrada
remete a um processo similar a uma linha de produção toyotista – que visa diminuir o custo
final da produção.
255
Uma das questões cruciais apontadas pelo Coordenador 1 é o fato de a universidade
não poder realizar o curso de Licenciatura em Música a distância independentemente da UAB,
pelo fato de ter um corpo docente muito pequeno. Os cursos da UAB dependem dos tutores a
distância e presencial para atuar “na ponta” com os alunos, conforme dito por Coordenador 2,
levando as IES a criar e organizar um curso e a deixar os tutores bolsistas e subcontratados o
executarem. O processo seletivo de tutor bolsista é então subsidiado pela UAB, que, embora
precarizado, subcontratado e com qualificação inferior ao professor do curso presencial
(MANCEBO; MARTINS, 2012), é parte de um sistema que, apesar de suas contradições,
funciona sob essas condições.
No âmago da fala do trabalhador precarizado há o discurso do comprometimento
acima dos problemas estruturais e financeiros, conforme apontado pelo Tutor 1, que diz que,
embora uma sala com cinco alunos tenha uma produção melhor do que outra com 40, ele está
comprometido, podendo triplicar o seu horário de trabalho e fazer o melhor que pode para
atender àquela demanda.
Discordando do Tutor 1, o Tutor 2 aponta que não é motivante ser um profissional
super capacitado e ganhar uma bolsa de setecentos e poucos reais. O Tutor 2 aponta ainda
como fator desmotivador a falta de orçamento da UAB, apontada também por Coordenador 1,
classificando a descontinuidade como fator negativo.
Para Rosso (2008), a flexibilização é voltada aos resultados, exigindo um consumo
maior de energias do trabalhador, seja física, psíquica ou intelectual – ou a combinação delas
–, gerando mais trabalho produzido dentro do mesmo período de tempo, sem necessariamente
aumentar a carga horária de trabalho. No ensino a distância, foram constatadas extensões substantivas nas horas de labor de tutores e professores. (...) Observou-se também um aumento do ritmo de trabalho para dar conta do grande número de alunos a serem atendidos por um número restrito de professores e tutores, que em geral são remunerados por bolsas e não por salários (ROSSO, 2013, p. 51).
O trabalho de Kosik (1986), escrito em 1963, preconizava que a tecnologia libertaria o trabalhador. Se transposto para o atual momento, percebemos que, embora existam trabalhos com baixa carga horária semanal, como no caso do professor tutor, ele traz remuneração abaixo do salário mínimo nacional e sob forma precária e intensificada; por isso, o trabalhador necessita complementar sua renda com outros trabalhos para sua subsistência. Portanto, a tecnologia não trouxe esse papel libertador conforme o esperado.
O Professor 4 aponta que não houve reconhecimento formal do tutor como professor para flexibilizar as leis trabalhistas e o pagamento de salários, salientando que isso acarretou problemas na tutoria a distância e no polo presencial. E, devido à falta de vínculo
256
empregatício, cabe atentar que os tutores que atuaram pela UAB, por não terem nenhum tipo de vínculo trabalhista, podem não conseguir obter o reconhecimento formal como docente da IES em prova de títulos em concursos públicos.
O Coordenador 1 aponta as especificidades da gestão de um curso de Música a distância e relata que há necessidade de diversos perfis de tutores para abranger as diversas áreas de disciplinas necessárias. Nesse sentido, ele aponta a dificuldade em dar continuidade ao curso, uma vez que, com o fim dos cursos, as ofertas das disciplinas não ocorrem mais de maneira regular e priorizam os alunos que estão por se formar.
Como especificidade do ensino de Música a distância, a produção de conteúdos por áudio, com ou sem vídeo, caracteriza o material adequado para essa área. Segundo Gohn (2009), o professor, ao corrigir um vídeo ou fazer webconferência, recebe uma performance com o som processado e o microfone pode não captar algumas frequências, o que caracteriza essa forma de comunicação e a diferencia do momento face a face. Ainda segundo o autor, há dificuldades técnicas para produzir esse material, uma vez que isso envolve a disponibilidade de uma equipe para gravar e editar o material.
Mesmo diante da dificuldade da UAB para dar continuidade ao curso devido ao orçamento, o Coordenador 2 evidencia a resistência por parte dos professores para atuar no curso a distância. Ele ainda afirma que o curso que mais tem alunos é pela UAB; consequentemente, é o que mais gera função ao departamento, o que é um paradoxo, pois o público que menos este professor quer prstar atendimento é o que mais traz trabalho. Tal fato é corroborado pela fala do Professor 4, que narra que alguns professores não consideram ser de sua competência atuar no curso a distância e a maior parte dos docentes só quer atuar sob a condição de receber bolsas além do salário para atuar no ensino presencial.
Cabe refletir que esse problema aparentemente é enfrentado pelos gestores há mais de uma década. Isso era compreensível quando a criação do curso de Licenciatura em Música a distância era algo recente. Caso a UAB consiga sobreviver à crise vivida na atualidade e resolva seu problema de financiamento, tal peleja parece ter um longo caminho a ser enfrentado pelos gestores dos cursos a distância das IES.
Lutar por melhores condições é algo que precisa ser feito nos cursos da UAB, principalmente pelos tutores a distância – que não possuem vínculos ou sindicatos. No entanto, acabar com tal modelo não é a solução, uma vez que, apesar dos percalços, o fim da UAB pode extinguir os cursos a distância e transferir para as universidades privadas a prática dessa modalidade de ensino. Portanto, a luta pela continuidade da UAB é algo de suma importância, que deve ser feito de forma crítica, visando à modificação de um sistema que precisa acabar com a precarização do trabalho docente e repensar formas de financiamento que garantam a continuidade dos cursos, tal qual ocorre no ensino presencial.
257
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Objetivamos nesta investigação discutir a Licenciatura em Música a distância pela
UAB tendo como foco a formação para a educação básica e sua interface com o capital
cultural.
Inicialmente, discutimos o papel da música na educação e aspectos de
multiculturalismo e capital cultural presentes em uma aula de Música na educação básica.
Foram apresentadas também algumas ideias dos principais educadores musicais ao
longo do século XX e, a partir disso, vislumbraram-se aspectos característicos do educador
musical no século XXI.
No momento seguinte, buscou-se discutir aspectos gerais da UAB e definir Educação
Aberta. Foram discutidos aspectos tecnológicos e metodológicos dos cursos de Licenciatura
em Música da UAB, assim como as atividades presenciais desses cursos.
Na sequência, foram apresentadas as principais respostas de docentes e discentes a
questões sobre diversidade cultural, formação do professor de Música para a educação básica,
aprendizagem de Música como capital cultural, formação a distância para Licenciatura em
Música e visões da UAB.
À frente, foi feita análise dos principais aspectos apresentados no capítulo 3. Pela
análise, discussões e resultados apresentados, os cursos da UAB não têm se valido de romper
os paradigmas tradicionais da Educação Musical em um curso a distância, conservando o
caráter de educação fechada ou tradicional.
Logo, é verdadeira a hipótese de que a discussão sobre os cursos a distância oferecidos
por meio de tecnologias digitais em um curso de Música é contínua e, por isso, ainda
precisarão ser feitos mais esforços para que a formação do professor de Música da UAB
contemple a diversidade cultural atual e consiga alargar o capital cultural dos alunos.
Fica evidente a preocupação dos professores e gestores da UAB com objetivar um
curso de Licenciatura em Música com foco na educação básica, e tal percepção em grande
parte foi percebida pelos alunos.
Por um lado, foram revelados indícios de habitus conservatorial (PEREIRA, M. V. M.,
2012) presentes tanto na estrutura dos cursos da UAB quanto entre professores e entre alunos:
alguns alunos desejam um curso mais focado em preparar o músico professor (PEREIRA, M.
V. M., 2012) que o professor de Música com competências adequadas à educação básica.
Por outro lado, hove relatos de alunos e tutores alegando falta de conhecimento em
teoria e prática instrumental e nível de performance incompatível a de um professor de
258
Música. Portanto, torna-se necessário estabelecer um equilíbrio entre a aprendizagem de um
instrumento musical e os saberes sobre as culturas.
O fato de os alunos de Licenciatura em Música da UAB darem ênfase a aprender um
instrumento musical significa que há supervalorização dessas habilidades em detrimento de
outras do professor de Música do Século XXI que foram encontradas nas entrevistas: uso de
tecnologias digitais, autoaprendizagem com interação social e multiculturalismo de sistemas.
Há entre os entrevistados um perfil de aluno que deseja trabalhar em igrejas como
músico ou professor de Música. Para lidar com a diversidade cultural, que perpassa o campo
religioso, é necessário um diálogo inter-religioso e multicultural entre os alunos e professores,
e o curso da UAB precisa promover esse debate na formação dos professores de Música.
Os professores e gestores dos cursos de Música da UAB defendem que a linguagem da
Música deve ser estudada independente do contexto da arte-educação. A Lei nº 13.278
(BRASIL, 2016) altera a Lei nº 11.769 (BRASIL, 2008). Até o presente momento, não foi
repensado o PPP dos cursos da UnB e da UFSCar, uma vez que, com o corte de verbas e o
fim dos cursos dos últimos anos, os gestores declararam que não há intenção de continuar
esses cursos179.
Constatado o discurso dos professores entrevistados quanto ao não reconhecimento
das desigualdades culturais, a ideia de habitus como legitimação de ações e critérios em
disputa para unificar o conjunto de práticas foi notada, validando pelas competências naturais
o sucesso escolar e desconsiderando o capital cultural contido nas distintas classes sociais.
Tendo em vista a fala dos docentes, podemos inferir que as universidades que
participam do sistema UAB pelo curso de Licenciatura em Música não se transformaram para
se integrar a esse sistema, continuando como “ilhas” isoladas, tal qual ocorreu com a primeira
universidade brasileira (FÁVERO, 2006).
O IDHM de algumas cidades que sediam polos que têm Licenciatura em Música pela
UAB é superior à média nacional: a maioria dos alunos entrevistados reside em cidades com
IDHM acima da média. Silva (2013) assevera que as ações assumidas pela UAB não têm sido
adequadas às perspectivas de atendimento às suas finalidades, o que inclui a distribuição de
cursos e polos. Portanto, a UAB não está sendo uma política pública eficaz e necessita de
mudanças efetivas.
De acordo com a definição de Educação Aberta apontada por Santos (2009), Pimentel
(2006) e Okada (2007), os cursos de Licenciatura em Música da UAB não praticam Educação
179 No momento das estrevistas. No entanto, há previsão de retomar o curso a distância da UnB no segundo
semestre de 2019.
259
Aberta. O tempo de resposta mais efetivo por parte dos tutores é um fator crucial para
melhorar a comunicação entre docentes e discentes.
O sistema UAB possui uma relação de trabalho precarizada principalmente para os
tutores, e, mesmo com essa redução de custos, atua de forma emergencial; isso compromete a
qualidade de ensino, devido à falta de transparência na distribuição de fomento e gestão dos
recursos financeiros descentralizados, além de criar uma fragilidade para esses cursos.
A realização de concursos públicos para professores atuarem exclusivamente na
educação a distância é algo fundamental para que o curso a distância conte com um corpo
docente tão engajado quanto o curso presencial.
É crucial que a UAB conquiste o mesmo espaço dos cursos presenciais das
universidades públicas. Se por um lado as universidades públicas de qualidade elevam o
status da EaD no Brasil, por outro lado ficam reféns de programas de governo com
financiamento que não permite que os gestores vislumbrem ideias de longo prazo – enquanto
que as universidades particulares preenchem a demanda de alunos com um plano de longo
prazo.
Alguns caminhos possíveis para os cursos da UAB englobam uma reformulação desse
programa, permitindo um financiamento de longo prazo. Além disso, é importante que a
educação aberta seja colocada em prática, assim como práticas interdisciplinares e discussões
interculturais. É preciso utilizar as tecnologias para romper paradigmas, mas para isso se torna
necessário reformular o modelo conservatorial e mesmo o modelo fechado das universidades.
Além disso, é preciso que exista maior diversidade de mídias, assim como um material
interativo baseado no sociointeracionismo.
Para os cursos de Licenciatura em Música a distância, é importante que as
especificidades da música estejam contempladas e que seja um curso que consiga promover a
crítica imaginativa (SWANWICK, 2014) dos acadêmicos, fazendo com que os estes
vivenciem e experienciem a música como espaço intermediário (SWANWICK, 2003) entre
as diversas culturas e sejam capazes de replicar e transformar tais processo educativo em sua
prática docente.
Além disso, precisa haver um melhor equilíbrio entre as práticas musicais, a criação
musical e discussões sobre teoria da música, teorias da educação e práticas culturais musicais
do cotidiano – um professor não precisa ser um virtuose, mas precisa ser capaz de saber tocar
um instrumento para fazer música em sala de aula da mesma forma que precisa saber refletir e
executar uma aula de música no contexto escolar formal e informal. Para isso, saber
interpretar textos para refletir sobre práticas educacionais é algo tão imprescindível quanto
260
saber executar uma peça musical, saber ensinar instrumentos, vozes, trabalhar a criação
musical ou saber criar arranjos musicais escolares.
Considero que esta investigação atualiza a compreensão dos cursos de Licenciatura
em Música a distância através da UAB e que a reflexão sobre capital cultural pode conceber
novas discussões que gerem um debate na construção do PPP de novos e antigos cursos da
UAB ou não criados por universidades públicas.
Diante de um cenário político de incertezas, em que o atual governo aparenta não
querer fazer da UAB uma política pública de Estado, fica o desafio aos novos gestores,
professores e tutores: pensar em formas de romper paradigmas da Educação Musical diante
das limitações governamentais impostas às universidades públicas.
Pensar o capital cultural para o ensino de Música como amálgama nacional significa
lidar com as distintas culturas em uma tentativa de unir a nação para a construção de uma
unidade que harmonize os diversos pensamentos por meio de um projeto educacional
emancipatório – ainda que existam antagonismos culturais dentro desse espaço –, que tenha
nos professores de Música o papel de elaborar seu papel na educação, que abrange processos
formativos “que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais”, conforme o Art. 1º da LDB (BRASIL, 1996) e, assim, poder
contribuir para construir uma nação mais humana.
261
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276
ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido
Prof. _________________________________________________
Você está sendo convidado a participar, como voluntário, do estudo/pesquisa
intitulado Licenciaturas em Música a distância no Brasil: um estudo em cursos da
Universidade Aberta do Brasil, conduzido por Fabiano Lemos Pereira.
Este estudo tem por objetivo realizar uma pesquisa sobre o ensino de Música a
distância realizado na UAB entre 2006 e 2018 sob o prisma do capital cultural de Bourdieu.
Você foi selecionado por ser docente da UFSCar da disciplina __________________,
por indicação do Prof. Dr. _________________________. Sua participação não é obrigatória.
A qualquer momento, você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento.
Sua recusa, desistência ou retirada de consentimento não acarretará prejuízo. Os riscos da
participação nesta pesquisa está relacionado à associação do nome às ideias explícitas na
entrevista. A participação não é remunerada nem implicará gastos para os participantes. Por
ser realizada pelo Skype, não implicará gastos com passagem.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em realizar uma entrevista semiestruturada
em cinco blocos de perguntas (1 – Diversidade cultural na Licenciatura em Música; 2 –
Formação do professor de Música voltado à educação básica; 3 – Aprendizagem de música
como acréscimo de capital cultural; 4 – Sobre o sistema UAB em relação ao curso; 5 –
Licenciatura em Música na modalidade EaD), com duração média de 45 minutos, sendo
realizada por Fabiano Lemos Pereira, contendo registo de áudio gravado da entrevista para
posterior transcrição.
Os dados obtidos por meio desta pesquisa serão confidenciais e não serão divulgados
em nível individual, visando assegurar o sigilo de sua participação. O pesquisador responsável
se compromete a tornar públicos nos meios acadêmicos e científicos os resultados obtidos de
forma consolidada.
Caso você concorde em participar desta pesquisa, assine ao final deste documento, que
possui duas vias, sendo uma delas sua, e a outra do pesquisador responsável/coordenador da
pesquisa.
Seguem os telefones e o endereço institucional do pesquisador responsável e do
Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, onde você poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e
sua participação nele, agora ou a qualquer momento.
Contatos do pesquisador responsável: [contatos].
277
Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável,
comunique o fato à Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ: Rua São Francisco Xavier, 524,
sala 3018, bloco E, 3º andar – Maracanã, Rio de Janeiro/RJ, e-mail: [email protected] - Telefone:
(21) 2334-2180.
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na
pesquisa e que concordo em participar.
Rio de Janeiro, _____ de _________________ de _____.
Assinatura do(a) participante: ________________________________
Assinatura do(a) pesquisador(a): ________________________________
278
ANEXO B – Questionário eletrônico destinado a alunos
Questionário de doutorado Seja bem-vindo. Sou Fabiano Lemos Pereira, professor de música e pianista. Este questionário que você está convidado a responder é uma parte essencial da minha pesquisa de doutorado, realizado no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. Ele está direcionado a alunos e ex-alunos dos cursos de Licenciatura em Música da UnB e UFSCar na modalidade a distância. Além de uma parte de caráter sociocultural, o questionário está dividido emquatro blocos de questões de múltipla escolha que buscam compreender sua experiência no curso. Você deverá levar cerca de 15 minutos para responder às perguntas. Como agradecimento por seu tempo e por sua disponibilidade de ajudar, ao final do processo estarão disponíveis para download três lembranças de minha autoria, de que espero que você goste: uma versão digital do livro Aprendizagem informal de Harmonia através da Internet: uma netnografia; uma apostila de Harmonia Funcional, que utilizei no curso técnico de música da EMART; e uma faixa em MP3 de Chovendo na roseira, de Tom Jobim, com arranjo e solo de piano meus e acompanhamento de Mr. Funk Samba, grupo Black Rio, com baixo e bateria. Desde já, muito obrigado,Fabiano Lemos Pereira. Há 37 perguntas no questionário.
Identificação
1) Qual a universidade e o polo em que você estuda/estudou? Escolha uma das seguintes respostas favor escolher apenas uma das opções a seguir):
UnB - Universidade de BrasíliaUFSCar Universidade Federal de São Carlos
2) Em qual polo você está/foi matriculado no curso? Só responder a esta pergunta sob as seguintes condições: A resposta foi 'UnB - Universidade de Brasília' na questão '1 [Instituição]' (1) Qual a universidade e o polo em que você estuda/estudou?) Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Anápolis Boa vista Buritis Cruzeiro do sul Ipatinga Primavera do Leste Porto nacional Posse Rio Branco Sena Madureira Xapuri
Outros 2) Em qual polo você está / foi matriculado no curso? Só responder essa pergunta sob as seguintes condições: A resposta foi 'UFSCar - Universidade Federal de São Carlos' na questão '1 [Instituição]' (1) Qual a universidade e o polo em que você estuda/estudou?) Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Araras Barretos Cubatão Franca Guarulhos Itapetininga Itapevi Itaqui
Jales Osasco São Carlos Outros
3) Em que ano você ingressou no curso? Escolha uma das seguintes respostas: Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 4) Em que ano você concluiu o curso? Escolha uma das seguintes respostas:
279
Favor escolher apenas uma das opções a seguir: Ainda não conclui o curso 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
2015 2016 2017 2018 5) Qual a sua idade? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Até 20 anos Entre 21 e 25 anos Entre 26 e 30 anos Entre 30 e 35 anos Mais de 35 anos 6) Em que cidade você mora?
Por favor, coloque sua resposta aqui:
7) Qual é aproximadamente a sua renda mensal familiar? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Prefiro não revelar Até 2 salários mínimos Entre 2 e 5 salários mínimos Entre 5 e 10 salários mínimos Mais de 10 salários mínimos
8) Qual o nível de escolaridade de seu pai? Escolha uma das seguintes respostas: Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Fundamental Médio Superior Pós-graduação Nenhum Não sei
9) Qual o nível de escolaridade de sua mãe? Escolha uma das seguintes respostas: Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Fundamental Médio Superior Pós-graduação Nenhum Não sei
10) Existe algum músico (profissional ou amador) em sua família? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Sim Não Não sei Prefiro não responder
11) Você trabalha como Músico profissional: Escolha a(s) que mais se adéque(m)Por favor, escolha as opções que se aplicam:
Em igreja Em orquestra Em banda (marcial ou sinfônica) Em grupo popular (ou na noite) Em apresentações solo Como arranjador /
compositor Não trabalho como músico profissional Outros: Escolha uma ou mais opções.
12) Você atua como músico amador (sem remuneração): Escolha a(s) que mais se adeque(m)Por favor, escolha as opções que se aplicam:
Em igreja Em coral, orquestra ou banda Em grupo musical particular Em escolaEm apresentação solo Como compositor / arranjador Não atuo como músico
amador Outros: Escolha uma ou mais opções.
13) Você trabalha como professor de Música: escolha a(s) que mais se adéque(m) Por favor, escolha as opções que se aplicam:
Como professor particular Como instrutor em curso particular
Como instrutor em igreja Como oficineiro / instrutor em escola de educação básicaComo Professor (licenciado) de Arte / Música em escola de educação básica
Não trabalho como professor de Música Outros: Escolha uma ou mais opções.
280
14) Em qual/quais o setor(es) você trabalha? Escolha a(s) que mais se adéque(m)Por favor, escolha as opções que se aplicam:
Autônomo Setor privado Setor público Não trabalho Outros: Escolha uma ou mais opções.
15) Quantas pessoas em seu núcleo familiar próximo possuem diploma de nível superior? Escolha uma das seguintes respostas:Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Nenhuma 1 2 3 ou mais 16) Você acredita que a música que uma pessoa ouve esteja relacionada à sua cultura familiar? Escolha uma das seguintes respostas:Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Sim Não Talvez Não sei / não tenho certeza Comente aqui sua escolha:
Segunda parte: Diversidade cultural do curso
17) Que espaço existiu / existe em seu curso para a discussão de aspectos ligados a:
(Responda de acordo com a escala: 1 - Quase nenhum; 2 - Pouco; 3 - Mais ou menos; 4 -
Muito espaço; 5 - Espaço total).
Por favor, escolha a resposta adequada para cada item:
Diversidade social 1 2 3 4 5
Diversidade racial 1 2 3 4 5
Discussão de outros movimentos artísticos diversos 1 2 3 4 5
Discussão de temas interdisciplinares 1 2 3 4 5
18) Com que frequência o curso abordou as peculiaridades culturais de sua região? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
1 2 3 4 5 1 - Quase nunca; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre.
19) De forma geral, seu curso considera/considerou importante:
281
Por favor, escolha a resposta adequada para cada item: ter domínio de um instrumento musical
Ter domínio de um instrumento musical 1 2 3 4 5
Ter domínio de teoria musical, harmonia e arranjo 1 2 3 4 5
História da música erudita europeia e popular 1 2 3 4 5
Refletir sobre as práticas musicais cotidianas 1 2 3 4 5
Refletir sobre a diversidade cultural presente no cotidiano escolar 1 2 3 4 5
1 - Muito pouco; 2 - Pouco; 3 - Mais ou menos; 4 - Importante; 5 - Muito importante.
20) Dentre as competências desejáveis a um professor de Música da educação básica, seu
curso privilegia: Todas as respostas devem ser diferentes e classificadas em ordem. Por favor, numere cada caixa por ordem de preferência, de 1 a 9
Saber tocar algum instrumento musical Saber cantar solo/coral
Saber solfejar ou tocar uma partitura à primeira vista Saber ler cifra
alfanumérica Saber reger um coral / banda de música / grupo instrumental
Conhecer compositores e músicos populares e eruditos
Promover discussão interdisciplinar em uma escola de educação básica
Promover uma discussão crítica sobre o papel da música e cultura no cotidiano do aluno
Realizar atividades musicais lúdicas com crianças
21) Considerando suas disciplinas de prática instrumental e vocal, o quanto você
tocou/cantou de cada gênero musical? Por favor, escolha a resposta adequada para cada item:
Música erudita até o século XIX 1 2 3 4 5
Música erudita do século XX e XXI (contemporânea) 1 2 3 4 5
Música popular brasileira até 1970 (bossa nova, tropicália, choro, samba e outros) 1 2 3 4 5
Música popular brasileira após 1970 (sertanejo, pagode, funk e outros) 1 2 3 4 5
Música popular estrangeira (jazz, blues e outros) 1 2 3 4 5
Música folclórica 1 2 3 4 5
Canções infantis (educativas ou de grupos populares voltados para público infantil) 1 2 3 4 5
282
Música de instituições religiosas do século XX e XXI (gospel e outras) 1 2 3 4 5
1 - Quase nada; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre.
22) Considerando suas disciplinas de cunho teórico, o quanto você estudou sobre cada
gênero musical? Por favor, escolha a resposta adequada para cada item:
Música erudita até o século XIX 1 2 3 4 5
Música erudita do século XX e XXI (contemporânea) 1 2 3 4 5
Música popular brasileira até 1970 (bossa nova, tropicália, choro, samba e outros) 1 2 3 4 5
Música popular brasileira após 1970 (sertanejo, pagode, funk e outros) 1 2 3 4 5
Música popular estrangeira (jazz, blues e outros) 1 2 3 4 5
Música folclórica 1 2 3 4 5
Canções infantis (educativas ou de grupos populares voltados para público infantil) 1 2 3 4 5
Música de instituições religiosas do século XX e XXI (Gospel e outras) 1 2 3 4 5
1 - Quase nada; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre.
Terceira parte: Mídias e Universidade Aberta do Brasil (UAB)
23) O quanto você participou em seu curso:
1 - Quase nunca; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre. Escolha dos conteúdos (o que deseja aprender)
1 2 3 4 5 Escolha das formas de avaliação (incluindo autoavaliação e avaliação de professores e alunos)
1 2 3 4 5 Escolha de QUANDO quer aprender (cronograma)
1 2 3 4 5
24) Quanto o curso diversificou os tipos de mídias dos materiais didáticos? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
1 2 3 4 5 1 - Quase nunca; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre
25) Quais os tipos de mídias mais utilizadas durante o seu curso? Todas as respostas devem ser diferentes e classificadas em ordem. Por favor, numere cada caixa por ordem de preferência, de 1 a 4
Conferências pela web (Skype ou outros) Vídeos Áudios Textos
26) Quais as ferramentas de mídia mais utilizadas durante o seu curso?
283
Todas as respostas devem ser diferentes e classificadas em ordem. Por favor, numere cada caixa por ordem de preferência, de 1 a 12
Textos interativos Texto criado especificamente para o curso
pdf de texto cópia de livros ou anais de congressos ou periódicos Wikis
Vídeos analógicos (sem interação) Vídeos interativos
Músicas e trechos musicais em áudio Audiolivros Chats
Fóruns Software para computador Aplicativos para celular ou tablet
27) Com que frequência você utilizou materiais didáticos interativos ao longo do curso? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
1 2 3 4 5 1 - Nunca; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre.
28) Avalie a importância de cada um desses personagens na construção de sua aprendizagem.
(Considere 1 para o papel menos importante e 5 para o papel mais importante.) Por favor, escolha a resposta adequada para cada item:
Professores supervisores da disciplina 1 2 3 4 5
Professores autores da disciplina 1 2 3 4 5
Tutores a distância 1 2 3 4 5
Tutor presencial 1 2 3 4 5
Coordenação de curso e/ou coordenação de tutoria 1 2 3 4 5
Seus colegas de turma 1 2 3 4 5
29) Avalie a importância dos encontros presenciais para: Por favor, escolha a resposta adequada para cada item: 1 - Sem nenhuma importância; 2 - pouca importância; 3 - mediana; 4 Importante; 5 - Muito importante.
Tirar dúvidas 1 2 3 4 5
Interagir presencialmente com os colegas 1 2 3 4 5
Realizar atividades práticas 1 2 3 4 5
Realizar avaliações 1 2 3 4 5
30) Dentre essas atividades, quais você acha impossível de serem feitas de forma totalmente
online?
284
Por favor, escolha as opções que se aplicam:
Tirar dúvidas Interagir com os colegas de forma síncrona Realizar atividades práticas
Realizar avaliações
31) Você considera importante que seu tutor presencial tenha formação em Música? Favor escolher apenas uma das opções a seguir:
Sim Não
Quarta parte: Licenciatura em Música a distância Último bloco de perguntas!
32) Durante os encontros presenciais, as atividades planejadas privilegiam / privilegiavam: Por favor, escolha a resposta adequada para cada item:
Atividades de prática musical de conjunto 1 2 3 4 5
Atividades de prática musical individual 1 2 3 4 5
Explicação de dúvidas com o tutor presencial 1 2 3 4 5
Estudo com os demais colegas 1 2 3 4 5
Estágio 1 2 3 4 5
Trabalho de campo 1 2 3 4 5
Provas 1 2 3 4 5
1) Nunca; 2) Poucas vezes; 3) De vez em quando; 4) Quase sempre; 5) Sempre.
33) Quais dessas atividades você considera mais importante a ser realizadas em encontros
presenciais? Todas as respostas devem ser diferentes e classificadas em ordem. Por favor, numere cada caixa por ordem de preferência, de 1 a 7
Atividades de prática musical de conjunto Atividades de prática musical
individual Explicação de dúvidas com o tutor presencial Estudo com os
demais colegas Estágio Trabalho de campo Prova
34) Em um currículo de Licenciatura em Música, que importância deveria ser dada a cada
uma dessas atividades: Por favor, escolha a resposta adequada para cada item:
Composição 1 2 3 4 5
Execução de um instrumento/canto 1 2 3 4 5
Apreciação musical
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1 2 3 4 5 Teoria musical
1 2 3 4 5 Literatura sobre música (História da música e outros)
1 2 3 4 5 Discussão sobre música e cotidiano musical dos alunos
1 2 3 4 5 1 - Quase nunca; 2 - Muito pouco; 3 - Às vezes; 4 Muitas vezes; 5 - Quase sempre. 35) Em qual/quais dessas áreas você sonha em trabalhar futuramente? Escolha a(s) que mais se adeque(m)Por favor, escolha as opções que se aplicam:
Músico em igreja Músico em orquestra Músico em banda (marcial ou sinfônica) Músico em grupo popular (ou na noite) Músico em apresentações solo Músico
arranjador ou compositor Professor particular de música Instrutor de música em curso de música ou conservatório Instrutor de música em igreja Oficineiro de música/instrutor em educação básica Professor licenciado em Arte / Música em escola
de educação básica Outros: Escolha uma ou mais opções
Final Finalizamos todas as perguntas!
Caso queira fazer um comentário sobre alguma pergunta ou se comunicar comigo, escreva na
caixa de texto abaixo. Caso contrário, avance para o fim do questionário para finalizar e ter
acesso ao download do seu material. Por favor, coloque sua resposta aqui:
Enviar questionário Muito obrigado por sua contribuição!Seguem os links para baixar os materiais oferecidos como agradecimento: Livro (e-book): Aprendizagem informal de Harmonia através da internet: uma netnografia. (versão no prelo): https://drive.google.com/open?id=0ByVVwrlJf3fJSnpVMVRETWRaRFU (https://drive.google.com/open? id=0ByVVwrlJf3fJSnpVMVRETWRaRFU)
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Apostila de Harmonia I (curso técnico da EMART): https://drive.google.com/open?id=1ng1Arv55CF3ZpAXEgf2UYLHKJbzmTOes (https://drive.google.com/open?id=1ng1Arv55CF3ZpAXEgf2UYLHKJbzmTOes) Música Chovendo na roseira (Tom Jobim): http://fabianolemos.com.br/Documentos/Chovendo%20na%20roseira%20-%20Tom%20Jobim.mp3 (http://fabianolemos.com.br/Documentos/Chovendo%20na%20roseira%20-%20Tom%20Jobim.mp3) Música What a difference a day made (María Grever): http://fabianolemos.com.br/Documentos/What%20a%20diference%20a%20days%20made.mp3 (http://fabianolemos.com.br/Documentos/What%20a%20diference%20a%20days%20made.mp3) (Para o download das músicas, clique sobre o player com o botão direito do mouse e em seguida "salvar vídeo como"). Obrigado por ter preenchido o questionário.