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2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS? Um estudo comparado sobre urbanização e formação de territórios em balneários turísticos do Nordeste do Brasil Autor: Paulo Roberto Baqueiro Brandão Orientador: Prof. Dr. Cláudio Jorge Moura de Castilho Recife, Pernambuco (Brasil) Março de 2013
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TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

Nov 13, 2022

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Page 1: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

Um estudo comparado sobre urbanização e formação de territórios em

balneários turísticos do Nordeste do Brasil

Autor:

Paulo Roberto Baqueiro Brandão

Orientador:

Prof. Dr. Cláudio Jorge Moura de Castilho

Recife, Pernambuco (Brasil)

Março de 2013

Page 2: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

Um estudo comparado sobre urbanização e formação de territórios em

balneários turísticos do Nordeste do Brasil

Esta tese, elaborada por Paulo Roberto Baqueiro

Brandão, sob orientação do Prof. Dr. Cláudio

Jorge Moura de Castilho, é requisito parcial para

obtenção do título de Doutor em Geografia pelo

Programa de Pós-graduação em Geografia da

Universidade Federal de Pernambuco.

Recife, Pernambuco (Brasil)

Março de 2013

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Divonete Tenório Ferraz Gominho, CRB4-985

B817t Brandão, Paulo Roberto Baqueiro. Territórios do turismo, territórios de todos? : um estudo comparado

sobre urbanização e formação de territórios em balneários turísticos do Nordeste do Brasil / Paulo Roberto Baqueiro Brandão. – Recife: O autor, 2013.

303 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Jorge Moura de Castilho. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Programa de Pós–Graduação em Geografia, 2013.

Inclui bibliografia e apêndices.

1. Geografia. 2. turismo. 3. Espaços urbanos. 4. Urbanização – Turismo. 5. Nordeste (Brasil). I. Castilho, Cláudio Jorge Moura de. (Orientador). II. Título. 910 CDD (22.ed.) UFPE (CFCH2013-15)

Page 4: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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DEDICATÓRIA

À Maria Rita,

a quem dedico cada respiração, cada

batimento do coração e cada

bom pensamento que sou capaz de ter.

Page 5: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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AGRADECIMENTOS

São muitas as pessoas com as quais contraí dívidas de gratidão. Por isto mesmo,

corro o risco de, ao individualizar, não dar a dimensão precisa dos papéis

desempenhados por cada um dos amigos, parceiros e familiares que ajudaram nesta

empreitada. Porém, sei eu devo citar alguns nomes, dando personalidade aos meus

agradecimentos.

Entre os familiares, agradeço àqueles que estão sempre próximos, com seu amor,

incentivo, orgulho e até cobranças. Faço aqui uma menção aos meus pais, Juraci e Anna

Rita, por tudo que me proporcionaram ao longo desta trajetória e pelos inestimáveis

ensinamentos que carregarei comigo para sempre; aos meus irmãos, representados por

Marco, o parceiro de sempre; a Ana Cláudia, minha companheira, que, estando mais

próxima do meu dia a dia, vivenciou com intensidade todas as alegrias e reveses da

construção desta tese e que, apesar da minha ausência momentânea, soube manter o

leme da família no rumo certo. Além disso, lhe sou grato pela elaboração do material

cartográfico que compõe esta tese; aos meus primos e às minhas tias, em nome de

Scheylla Maria, minha prima, por ter me acolhido tantas e tantas vezes em Porto de

Galinhas; por fim, a Maria Rita. A esta, agradeço apenas por existir.

Aos professores e estudantes do ICADS/UFBA, meus agradecimentos e pedidos

de desculpas pelos momentos nos quais não pude estar presente para contribuir com o

caminhar do Curso de Geografia, de que tanto me orgulho em fazer parte. A estes, todas

as minhas deferências, em especial a Evanildo Santos Cardoso (parceiro de todas as

horas), Mário Henrique Gomes Pacheco (um físico com coração humanista), Marcelo

de Oliveira Latuf, Marcos Leandro Mondardo, Joana Angélica Guimarães da Luz e

Valney Dias Rigonato, cada um representando outros tantos professores que, de uma

maneira ou de outra, contribuíram nesta minha produção. Entre os discentes, agradeço a

todos, mas, em especial, aos orientandos, que confiaram a mim a tarefa de colaborar na

produção de suas monografias, ainda que com o eterno acúmulo das atividades inerentes

à docência e à pesquisa da tese.

Quero mencionar, ainda, os professores e amigos Dr. Adriano Bittencourt

Andrade e Dr. Christian Branstrom, com quem compartilho ideias e projetos e cuja

paciência de cada um deles foi fundamental para a construção de uma relação de

respeito e afinidade, tanto pessoal quanto geográfica.

Page 6: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

7

Aos amigos do Recife, que me receberam tão bem quando da minha passagem

pela amada cidade de Gilberto Freyre e Josué de Castro. Agradeço, em especial, a

Bruno Maia Halley (um talentosíssimo geógrafo e representante maior da zona norte

recifense), Pricila Miranda, Gleydson Albano, Alba Marinho (e ao Gil, como não?!),

Signe Dayse, João Gabriel (colaborador na aplicação de questionários em Porto de

Galinhas), Allison Oliveira e Vladimir Homobono (este últimos, meus bons parceiros de

moradia).

No âmbito do PPGEO/UFPE, gostaria de expressar o meu profundo respeito e

admiração pelos professores Dr. Jan Bitoun, Dr. Alcindo José de Sá, Dr. Caio Marciel e

Dr. Cláudio Ubiratan Gonçalves, além de agradecer aos servidores técnicos Rosa

Marques, Eucilene Souza e Eduardo Véras pela paciência e pelas colaborações à

distância.

Faço um agradecimento especial aos professores e estudantes do Instituto de

Geografía da Universidad Nacional Autónoma de México, onde pude desdobrar

algumas das minhas impressões de pesquisa durante o estágio que lá realizei. Aos

professores Dr. Álvaro Sánchez-Crispín, Dr. Enrique Propín Frejomil e Dr. Álvaro

Lopez Lopez, e aos pós-graduandos Brenda Alcalá Escamilla e Gerardo Mollinero

Beltrán os meus mais sinceros agradecimentos por tão calorosa recepção e

acompanhamento durante a minha estadia em terras mexicanas.

Agradeço, ainda, aos funcionários da SEI, Bahiatursa e Conder, na Bahia,

Empetur e Condepe/Fidem, em Pernambuco, e Secretaria Estadual de Turismo e Idema,

no Rio Grande do Norte, contribuintes anônimos nas pesquisas feitas nas respectivas

bibliotecas e arquivos, bem como a todos os entrevistados nas localidades estudadas,

aqui representados pelos Sr. Ormuz Simonetti (RN), Sr. Zé do Ó (PE) e Sra. Maria de

Lourdes (BA).

Agradeço, ainda, à Fapesb (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da

Bahia), pela bolsa de doutoramento a mim concendida durante um breve período. O

aporte financeiro cedido por essa instituição contribuiu para a minha manutenção em

Recife, além de ter sido de fundamental importância para o custeio de algumas das

saídas de campo e para aquisição de material bibliográfico utilizado nesta tese.

Por fim, mas não menos importantes, gostaria de agredecer ao Prof. Dr. Cláudio

Jorge Moura de Castilho, meu orientador, mas também um amigo e conselheiro, tanto

por acreditar no meu projeto, quanto pelos debates que contribuíram não só na feitura da

tese, mas no meu engrandecimento intelectual. Ademais, quero prestar meus

Page 7: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

8

agradecimentos à Profa. Dra. Vanice Santiago Fragoso Selva, de quem pude, já no final

do Curso, extrair importantes conhecimentos sobre a relação entre Geografia e Turismo,

à Profa. Dra. Edvânia Torres Aguiar Gomes, à Prof

a. Dra. Maria do Carmo Albuquerque

Braga e ao Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos, mestre de longa data, por terem me

dado a honra da sua participação na minha banca de avaliação da tese.

Page 8: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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LISTA DE SIGLAS

ABIH-RN

Abrest

Acomea

AHPG

AJPG

Amapipa

Ampass

APA/LN

APCIBuggy

ASPF

Asthep

Bahiatursa

Bandepe

Baneb

BID

BNB

BRICS

CDTP

Cecon

Celpe

CLN

CNTur

Coelba

Condepe

Conder

Cosern

CPI

CPRH

Associação Brasileira da Indústria de Hotéis, seção Rio Grande do

Norte

Associação de Bares e Restaurantes de Pipa

Associação Comunitária de Educação Ambiental

Associação de Hotéis de Porto de Galinhas

Associação de Jangadeiros de Porto de Galinhas

Associação de Moradores e Amigos da Praia da Pipa

Associação de Moradores do Pantanal, Socó e Salinas

Área de Proteção Ambiental do Litoral Norte (Bahia)

Associação dos Proprietários de Buggy do Município de Ipojuca

Associação de Surf de Praia do Forte

Associação de Hoteleiros de Tibau do Sul e Pipa

Empresa de Turismo da Bahia

Banco do Estado de Pernambuco

Banco do Estado da Bahia

Banco Interamericano de Desenvolvimento

Banco do Nordeste do Brasil

Grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do

Sul

Centro de Desarrollo Turístico Prioritário

Centro de Convenções de Pernambuco

Companhia Energética de Pernambuco

Concessionária Litoral Norte

Conselho Nacional de Turismo

Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia

Antigo Instituto de Planejamento de Pernambuco, atual Agência

Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco

Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia

Companhia Energética do Rio Grande do Norte

Comissão Parlamentar de Inquérito

Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos

Page 9: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

10

CRA

CT

CTI/NE

Educapipa

EIA

Embasa

Embratur

Empetur

Emproturn

FEE

FGD

Fidem

Fogatur

FMI

Fonatur

Fungetur

Ibama

IBDF

IBGE

Idema

Infratur

IPEA

Mercosul

MTur

NEP

OMT

ONU

PAC

PDITS

PED

Centro de Recursos Ambientais

Corredores Turísticos

Comissão de Turismo Integrado do Nordeste

Associação Educacional Comunitária do Município de Tibau do Sul

Estudo de Impacto Ambiental

Empresa Baiana de Águas e Saneamento

Antiga Empresa Brasileira de Turismo, atual Instituto Brasileiro do

Turismo

Empresa de Turismo de Pernambuco

Empresa de Promoção e Desenvolvimento do Turismo do Rio

Grande do Norte

Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul

Fundação Garcia D’Ávila

Fundação de Desenvolvimento Municipal (Pernambuco)

Fondo de Garantía y Fomento al Turismo

Fundo Monetário Internacional

Fondo Nacional de Fomento al Turismo

Fundo Geral do Turismo

Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitcas

Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio

Grande do Norte

Fondo de Promoción de Infraestructura Turística

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Mercado Comum do Cone Sul

Ministério do Turismo

Núcleo Ecológico de Pipa

Organização Mundial do Turismo

Organização das Nações Unidas

Programa de Aceleração do Crescimento

Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável

Programa Estratégico de Desenvolvimento

Page 10: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

11

PIB

Planpetur, I

Plantur

PND, II

PNMT

PNT

PNUD

Previ

Proálcool

Prodetur-BA

Prodetur-NE

Prodetur-RN

PRTur

RLAM

RMN

RMR

RMS

RPPN

Sebrae

Sectur

Sedur

SEI

Seplantec

Setur-BA

Setur-RN

Sudene

TAC

Tamar

Tupinambá

Turisforte

UEE

Produto Interno Bruto

I Plano Pernambucano de Turismo

Plano Nacional de Turismo

II Plano Nacional de Desenvolvimento

Programa Nacional de Municipalização do Turismo

Plano Nacional de Turismo

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil

Programa Nacional do Álcool

Programa de Desenvolvimento Turístico da Bahia

Programa para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste

Programa de Desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Norte

Programa de Regionalização do Turismo

Refinaria Landulfo Alves-Mataripe

Região Metropolitana de Natal

Região Metropolitana do Recife

Região Metropolitana de Salvador

Reserva Particular do Patrimônio Natural

Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Microempresa

Secretaría de Turismo (México)

Secretaria de Desnvolvimento Urbano do Estado da Bahia

Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da

Bahia, atual Secretaria do Planejamento

Secretaria de Turismo do Estado da Bahia

Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Norte

Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste

Termo de Ajuste de Conduta

Programa Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas

Associação de Moradores de Pau Grande, Barreiros e Adjacências

Associação Comercial e Turística de Praia do Forte

Unidade Executora Estadual

Page 11: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

12

ZDTP

ZEE

Zona de Desarrollo Turístico Prioritário

Zoneamento Ecológico-Econômico

Page 12: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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RESUMO

Transformada em verdadeira panaceia global pela suposta capacidade de fomentar a

inserção ou a reabilitação econômica de espaços deprimidos, o turismo tem se difundido

de maneira nunca antes observada. O resultado desse processo, que envolve profundas

transformações no território ao sabor dos interesses relativos ao mercado turístico, é que

a vida que a anima passa a se constituir de ações estranhas ao lugar. Tudo é planejado,

medido, condicionado e, por meio dessas estratégias, o espaço é transformado em um

palco de ações que reforçam o seu caráter espetacular onde nada escapa à condição de

mercadoria. Seja por meio da inserção de projetos hoteleiros e empreendimentos

imobiliários voltados à segunda residência ou mesmo por conta da aparição de lojas,

restaurantes, espaço privados de lazer e entretenimento, novas formas de produção

simbólica e material do território emergem, introduzindo, por um lado, ideias, valores,

crenças, além de uma nova ordem moral, e, por outra banda, uma gama de objetos

alienígenas na paisagem, todos articulados e articuladores do lugar com o mundo, ainda

que de forma extremamente seletiva e segregaria. A aceleração das transformações de

caráter territorial decorrentes do turismo em certos pontos do litoral do Nordeste

brasileiro tem produzido novas territorialidades em escala local, mas com repercussões

socioeconômicas, políticas e culturais muito mais amplas, já que afetam a própria

continuidade da prática turística, devendo, portanto, figurar como uma preocupação dos

agentes responsáveis pelo planejamento e gestão do turismo. Esta tese surge, pois, como

um meio para a reflexão crítica dos caminhos seguidos pelos organismos públicos e

privados, que se constituem em agentes do turismo no sentido de centrarem esforços na

geração de meios para o desenvolvimento da atividade segundo bases locais,

privilegiando os interesses das comunidades receptoras, valorizando os seus laços

identitários e territoriais vinculados ao sentimento de pertencimento que os ligam às

terras de origem Neste sentido, o propósito maior desta tese é, por um lado,

compreender, em toda sua multiplicidade, as transformações e permanências ocorridas

nos territórios historicamente construídos pelas populações locais em decorrência da

inserção do turismo em Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA) e, por

outro lado, em concordância com os princípios que norteiam os estudos de caráter

comparativo, evidenciar as similaridades e diferenças nos processos anteriormente

aventados nas três localidades em exame. Além disto, outros objetivos, subjacentes ao

principal, afloram: (a) enquadrar os processos hodiernos de territorialização do turismo

como parte do movimento histórico de reestruturação do capitalismo, assentado no

espectro fordista de produção e consumo do espaço; (b) analisar a relação dialética entre

uma ordem local e uma ordem global mediada pelo turismo na formação de arranjos

territoriais nas localidades litorâneas do Nordeste brasileiro, definindo e delimitando o

papel de cada um dos agentes nos processos de territorialização em análise. Neste

sentido, esta tese se constitui em um documento geográfico que se impõe por

representar um esforço de empiricização de conceitos atinentes à abordagem territorial

não ou pouco debatidos na perspectiva dos estudos sobre o turismo, especialmente na

modalidade Sol e Praia, como ora se realiza em pequenas nucleações urbanas do

Nordeste brasileiro.

Palavras-chaves: Abordagem Territorial; Turismo; Urbanização turística; Balneários

turísticos litorâneos; Nordeste (Brasil).

Page 13: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

14

ABSTRACT

Transformed into a true global panacea for the alleged ability to foster economic

integration or economic rehabilitation of depressed areas, tourism has been spreading in

ways never seen before. And the result of this process is a way of life not natural to the

place itself, but merely aligned to the interests of the tourism market which imposes

profound local changes. Everything is planned, measured, and conditioned through

strategies that transform the local territory into a stage for actions to reinforce a

remarkable appeal, so nothing escapes the marketing imperative. Whether through

lodging projects and real estate development for the acquisition of a second home or

even businesses such as shops, restaurants, and private facilities for leisure and

entertainment, new forms of symbolic production and planning material now emerge,

introducing on one hand, ideas, values, beliefs, and a new moral order; and, on the other

hand, they introduce objects that are foreign to the native landscape, all establishing a

link to the outer world, although in an highly selective and segregating way. The

accelerated pace of territorial changes caused by tourism activities in certain areas of the

Northeastern coast of Brazil has shaped new boundaries on a local scale, but it has had

much broader socioeconomic, political, and cultural impact, since they affect the very

continuity of tourism itself, which should be a concern to everyone responsible for

tourism planning and management. Therefore, this thesis encourages critical thinking

about the paths followed by tourism agents, including public and private organizations,

so to focus on the promotion of tourism activities on a local basis, favoring the interests

of host communities and enhancing territorial identity, which is a link to a sense of

belonging to their native lands. Accordingly, the main purpose of this thesis is to

understand the multiple aspects of the changes that have been occurring due to tourism

activities, in native historic locations such as Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) and

Praia do Forte (BA). Moreover, in accordance with principles that guide comparative

studies, it highlights similarities and differences of the transformation processes in those

three locations. Furthermore, this paper aims to: (a) classify the current land

demarcation through tourism activities as part of the historical rise of capitalism, which

is based on the Fordist production and consumption model; (b) analyze the dialectic

relation between the local and global orders, mediated by the tourism industry to form

territorial boundaries in the northeastern coast of Brazil, also defining the role of each

one of the agents responsible for the territorial demarcation process under review. In

this sense, this thesis constitutes a relevant geographic document, since it represents an

empirical effort pertaining to a territorial approach to concepts very little or not

discussed under the tourism perspective, especially considering the coast setting, as

currently taking place in small urban areas in the northeastern region of Brazil.

Keywords: Territorial Approach; Tourism, Touristic Urbanization; Coastal Touristic

Resorts; Northeast (Brazil).

Page 14: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

15

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 01

Figura 02

Figura 03

Figura 04

Figura 05

Figura 06

Figura 07

Figura 08

Figura 09

Figura 10

Figura 11

Figura 12

Figura 13

Figura 14

Figura 15

Figura 16

Figura 17

Figura 18

Figura 19

Localização dos balneários em seus respectivos estados.

Os balneários e seu principal atrativo, a praia: vista parcial de (a)

Pipa, (b) Porto de Galinhas e (c) Praia do Forte.

Município de Tibau do Sul (Rio Grande do Norte).

Município de Ipojuca (Pernambuco).

Município de Mata de São João (Bahia).

Homogeneização espacial promovida pela urbanização turística

em balneários litorâneos do Nordeste brasileiro: vista parcial de

trechos viários de (a) Pipa, (b) Porto de Galinhas e (c) Praia do

Forte.

Praia da Pipa: (a) bandeiras nacionais hasteadas na fachada de um

estabelecimento comercial; (b) fachada de estabelecimento com

inspiração oriental.

Porto de Galinhas: (a) jangadas a postos para realizar passeios

turísticos; (b) vista parcial da praia de Muro Alto e, ao fundo, a

vila.

Praia do Forte: (a) vista panorâmica da Casa da Torre, mais

conhecida como Castelo Garcia D’Ávila; (b) portal de acesso ao

Projeto Tamar.

As transformações decorrentes da criação da Ciudad Cancún: (a)

formações marinhas na década de 1970; (b) setor hoteleiro, na

atualidade.

Polo de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável

Salvador e Entorno (Bahia).

Polo de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável Costa

dos Arrecifes (Pernambuco).

Polo de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável Costa

das Dunas (Rio Grande do Norte).

Entrada de turistas estrangeiros no Brasil (1975-1994).

População total dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de São João

(BA) e Tibau do Sul (RN), no período 1970-1991.

Entrada de turistas estrangeiros no Brasil (1995-2011).

População total dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de São João

(BA) e Tibau do Sul (RN), no período 1991-2010.

Evolução do Índice de Gini dos municípios de Ipojuca (PE), Mata

de São João (BA) e Tibau do Sul (RN) (1991-2010).

Porto de Galinhas: largo no final da Rua da Esperança. Em

destaque, placa afixada pela Prefeitura Municipal de Ipojuca.

43

44

45

47

48

50

51

52

53

80

106

109

111

162

169

184

192

212

216

Page 15: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

16

Figura 20

Figura 21

Figura 22

Figura 23

Figura 24

Figura 25

Figura 26

Figura 27

Figura 28

Percepção popular quanto a importância atual do turismo para a

Praia da Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA).

Costume de frequentar locais de concentração de turistas, segundo

os moradores de Praia da Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e

Praia do Forte (BA).

Participação dos moradores de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE)

e Praia do Forte (BA) em entidades e organizações localmente

constituídas.

Representação do “posicionamento” dos indivíduos e grupos das

localidades de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte

(BA), quanto às suas práticas territoriais.

Exemplos de meios de transportes empregados no traslado de

turistas: (a) “trenzinho”, em Pipa (RN), e (b) taxibike, em Praia do

Forte (BA).

Locais onde estão estabelecidos empreendimentos de comerciantes

locais em (a) Pipa (RN), (b) Porto de Galinhas e (c) Praia do Forte.

Processos de (des)territorialização em Praia do Forte e entorno:

(a) favelização entre Açu da Torre e Malhadas; (b) imóvel

residencial localizado na Av. ACM.

Vielas e becos nas proximidades da (a) Avenida Baía dos

Golfinhos, em Pipa (RN) e da (b) Avenida ACM, em Praia do

Forte (BA).

Exemplos do hibridismo territorial dos profissionais da pesca: (a)

jangadeiros transportando turistas em Porto de Galinhas (PE) e

pescadores realizando manutenção das redes, em Praia do Forte

(BA).

217

222

223

227

234

235

240

242

245

Page 16: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

17

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 01

Tabela 02

Produto Interno Bruto dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de

São João (BA) e Tibau do Sul (RN), segundo setores da economia

(2009).

Percepção dos moradores de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e

Praia do Forte (BA) quanto à distância entre os locais de moradia e

trabalho.

212

224

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 01

Quadro 02

Níveis de desenvolvimento e respectivos municípios

participantes, de acordo com o Programa Pernambuco para o

Mundo (2008-2020).

Percepção popular dos problemas ligados ao turismo em Pipa

(RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA).

107

219

Page 17: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

18

SUMÁRIO

DEDICATÓRIA

AGRADECIMENTOS

LISTA DE SIGLAS

RESUMO

ABSTRACT

ÍNDICE DE FIGURAS

ÍNDICES DE TABELAS E QUADROS

INTRODUÇÃO 20

Parte I

A DINÂMICA TERRITORIAL DO TURISMO NA CONTEMPORANEIDADE

Capítulo 1 O turismo na contemporaneidade: uma interpretação a partir de uma

perspectiva geográfica

1. Uma breve geografia histórica da (pós/neo)modernidade

capitalista

2. Em busca de uma compreensão do turismo à luz do espectro

fordista de produção e consumo do espaço

3. Os desafios para a construção da(s) geografia(s) do turismo na

contemporaneidade

Capítulo 2 Aportes para a compreensão do turismo a partir da abordagem

territorial

2.1 Revisitando aspectos fundamentais da abordagem territorial

2.2 O turismo contemporâneo e a construção social das

territorialidades

28

29

35

36

54

55

66

Parte II

PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO DO TURISMO NA AMÉRICA LATINA

E NO BRASIL

Capítulo 3 O “modelo Cancún”, as territorialidades do turismo na América

Latina e seus rebatimentos no Nordeste brasileiro

72

Page 18: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

19

3.1 Algumas reflexões sobre as políticas públicas para o turismo no

México

3.2 A construção material e simbólica de Cancún como destino

turístico

3.3 Rebatimentos do “modelo Cancún” na América Latina e no

Brasil

Capítulo 4 Políticas públicas para o turismo e requalificação urbanística: o

caso do Prodetur-NE e as experiências em balneários litorâneos do

Nordeste brasileiro

4.1 Políticas públicas de turismo no Brasil e no Nordeste

4.2 O Prodetur-NE, suas características e implicações no território

4.3 O Prodetur-NE: ordenamento territorial e promoção de

requalificação urbanística

73

77

85

89

91

98

108

Parte III

TERRITÓRIOS DO TURISMO NO NORDESTE DO BRASIL

Capítulo 5 A atualidade dos estudos comparados como método de análise da

ciência geográfica

5.1 A comparação como método de análise nas Ciências Sociais

5.2 A análise comparativa na Geografia: uma revisão

historiográfica

5.3 A análise comparativa como subsídio ao estudo geográfico de

balneários litorâneos do Nordeste brasileiro

Capítulo 6 A Geografia Histórica do turismo em Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte: sincronias, diacronias, transformações e

permanências

6.1 A formação territorial das localidades de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte

6.2 O “turismo de frente pioneira” (1975-1994)

6.3 O “turismo de implosão” (1994-2012)

121

122

129

138

146

147

155

177

Page 19: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

20

Capítulo 7 Territórios do turismo, territórios de todos? Análise comparativa

das dinâmicas socioterritoriais em balneários turísticos litorâneos

do Nordeste brasileiro

7.1 Breves considerações sobre a importância atual de Pipa, Porto

de Galinhas e Praia do Forte no panorama turístico do Nordeste

brasileiro

7.2 As percepções dos moradores de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte: reprodução social, turismo e territorialidades

7.3 As práticas territoriais dos moradores de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte: tipologia e evidências empíricas

7.4 Breve síntese da análise das estratégias territoriais verificadas

em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

205

206

211

223

244

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

REFERÊNCIAS

REFERÊNCIAS DA INTERNET

APÊNDICES

247

266

298

299

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INTRODUÇÃO

Transformada em verdadeira panaceia global pela suposta capacidade de

fomentar a inserção ou a reabilitação econômica de espaços deprimidos, o turismo –

concebido pelos seus agentes tão somente como uma atividade de mercado – tem se

difundido de maneira nunca antes observada. Se a origem moderna do turismo é

marcada, como afirma Boyer (2003), pelo seu passado elitista, na atualidade, ao

contrário, tal prática é “fruto de uma produção e de um consumo de massa” (p. 15), o

que implica, necessariamente, na sua difusão para todo e qualquer lugar onde existam as

vantagens locacionais que lhe dão suporte.

O espaço passa a ser considerado como um elemento de mercado, graças ao

valor diferencial que o Estado, os agentes econômicos e a sociedade lhe atribuem, além

das transformações relativas ao uso dos territórios dominados pelo turismo, com a

incorporação de novos sistemas de objetos e ações altamente que buscam subordinar

e/ou subverter os estilos de vida e as demais atividades desenvolvidas em localidades

receptoras aos ditames da prática turística. Tudo isso exige reflexões críticas para a

compreensão das dinâmicas territoriais introduzidas pela prática.

Desta forma, o turismo resulta diretamente das reinvenções promovidas pelos

agentes hegemônicos ávidos por novas formas de acumulação que possam fazer frente

ao surgimento de uma economia urbana pós-industrial (HARVEY, 1973; SOJA, 1993),

atingindo todo e qualquer espaço que apresente determinadas características potenciais

para visitas ou, como no vocabulário típico dos planejadores, uma “vocação” para o

turismo.

Assim, regiões e cidades “turísticas” são gestadas a partir da sua transformação

em espaços privilegiados pela dotação, de um lado, de toda a infraestrutura e

equipamentos necessários à permanência, circulação e segurança de turistas e, por outro,

pela valorização dos atrativos materiais (naturais ou construídos, pretéritos ou não) e

imateriais (identidade cultural principalmente) que sustentem o espetáculo imagético

que se quer oferecer, fazendo surgir uma paisagem urbana adequada à reprodução do

capital.

O resultado desse processo que envolve transformações no território ao sabor

dos interesses relativos ao mercado turístico reside no fato que a vida que a anima passa

a se constituir de ações igualmente estranhas ao lugar. Tudo é planejado, medido,

condicionado e, por meio dessas estratégias, o espaço é transformado em um palco de

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ações que reforçam o seu caráter espetacular onde nada escapa à condição de

mercadoria.

Por meio da inserção de projetos hoteleiros e empreendimentos imobiliários

voltados à segunda residência ou por conta da aparição de lojas, restaurantes, espaço

privados de lazer e entretenimento, novas formas de produção simbólica e material do

espaço emergem, introduzindo, por um lado, ideias, valores, crenças, além de uma nova

ordem moral, e, por outra banda, uma gama de objetos alienígenas na paisagem, todos

articulados e articuladores do lugar com o mundo, ainda que de forma extremamente

seletiva e segregaria.

A fragmentação do espaço acontece, então, como o resultado da produção desses

territórios dominados pelo turismo, ameaçando o caráter singular do lugar pela

“dissolução de relações sociais que ligavam os homens entre si” (CARLOS, 1996, p.

57), bem como pela repartição socioespacial em territórios destinados aos incluídos, de

um lado, e aos excluídos, de outro, ainda que estes últimos sejam, via de regra, partes da

população pré-existente ao fenômeno turístico.

Tal realidade é patente no Nordeste brasileiro, região que é um dos principais

destinos turísticos do país, principalmente por sua porção litorânea, onde existem

localidades que se enquadram no movimento de “construção cultural da valorização do

modelo sol/praia” (CRUZ, 2002, p. 77). Nesses lugares, o mote principal é a exploração

das características físico-ambientais e culturais do espaço na promoção do turismo,

tendo partes dos territórios localizados na franja atlântica apropriadas por um modelo de

planejamento turístico calcado na maximização da exploração de tais atrativos através

da implantação de infraestrutura, pelo poder público, e de objetos altamente

tecnicizados e afinados com a lógica da acumulação em escala mundial, pela iniciativa

privada.

Entre os lugares que sofreram intervenções no sentido de maximizar o seu

potencial turístico, os balneários de Pipa (Tibau do Sul, Rio Grande do Norte), Porto de

Galinhas (Ipojuca, Pernambuco) e Praia do Forte (Mata de São João, Bahia) aparecem

como exemplos mais extremos da criação de uma urbanidade racional que, se por um

lado gera encantamento, por outro, repercute decisivamente na produção de

territorialidades as mais diversas, nas quais o Estado, os agentes econômicos, os turistas

e os novos habitantes do local medem forças com as populações locais na busca pela

primazia da apropriação e dominação dos territórios. Por tudo isto, quando o turismo se

impõe como um fazer absoluto do/no lugar, antigos arranjos territoriais são

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desarticulados, alguns resistem ao imperativo da reestruturação produtiva em curso, ao

passo que outros são reelaborados como forma de garantir a continuidade da existência

dos grupos alijados de uma participação mais efetiva na construção dos destinos

turísticos.

Assim, é fundamental ter em conta a necessidade de dimensionar as dinâmicas

territoriais advindas do turismo na contemporaneidade como parte das novas dimensões

assumidas pela prática conforme os interesses dos agentes hegemônicos, com ampliação

considerável dos investimentos públicos e privados, diversificação dos produtos

turísticos e, como consequência direta, apropriação e dominação cada vez mais intensa

dos espaços. Isso tem gerado a necessidade de repensar a prática turística, considerando-

a em todas as suas dimensões, incluindo-se aí a geográfica, posto que, como afirma

Assis (2003, p. 109), os destinos turísticos sejam “meio de produção, produto de

consumo e locus de práticas sócio-espaciais”.

A análise geográfica do turismo urbano está concentrada, porém, na tentativa de

compreensão dos efeitos do fenômeno nas metrópoles, nas grandes e médias cidades,

havendo uma clara negligência no que se refere ao exame dos núcleos urbanos de menor

porte, a despeito de ter havido, nas últimas décadas, uma intensificação dos usos

turísticos nas pequenas aglomerações. Tal constatação denota a necessidade de

desenvolver análises nesta direção, principalmente no que se refere ao exame das

contradições e conflitos resultantes de uma dinâmica socioespacial com contornos

territoriais.

Outro aspecto a ser mencionado diz respeito à aceleração das transformações de

caráter territorial decorrentes do turismo no litoral do Nordeste brasileiro, que têm

produzido novas territorialidades em escala local, mas com repercussões

socioeconômicas, políticas e culturais muito mais amplas, já que afetam a própria

continuidade da prática turística, devendo, portanto, figurar como uma preocupação dos

agentes responsáveis pelo planejamento e gestão do turismo.

Por outro lado, o modelo empregado por tais agentes no litoral nordestino nas

últimas décadas, focado na intensificação dos usos dos territórios dominados pelo

turismo e que tem Cancún (México) como espelho, está em vias de encontrar o seu

esgotamento. Isso ocorre graças a um processo de homogeneização dos espaços pela

produção ostensiva de destinos mais atrativos ao mercado e na (des)articulação das

comunidades locais através, principalmente, pela introdução de um estilo de vida e de

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territorialidades estranhas ao lugar, frutos de processos de requalificação urbana, que

puseram velhos e novos agentes da produção do espaço em um mesmo campo de forças.

Esta tese surge, pois, como um meio para a reflexão crítica dos caminhos

seguidos pelos organismos públicos e privados – nas suas diferentes escalas de atuação

– que se constituem em agentes do turismo no sentido de centrarem esforços na geração

de meios para a realização da prática turística segundo bases locais, privilegiando os

interesses das populações receptoras, valorizando os seus laços identitários e territoriais

vinculados ao sentimento de pertencimento que os ligam às terras de origem

O propósito maior desta tese é, por um lado, compreender, em toda sua

multiplicidade, as transformações e permanências ocorridas nos territórios

historicamente construídos pelas comunidades locais em decorrência da inserção do

turismo no quadro da realidade em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte e, por outro

lado, em concordância com os princípios que norteiam os estudos de caráter

comparativo, evidenciar as similaridades e diferenças nos processos anteriormente

aventados nas três localidades em exame.

Além disto, outros objetivos, subjacentes ao principal, afloram: (a) enquadrar os

processos hodiernos de territorialização do turismo como parte do movimento histórico

de reestruturação do capitalismo, assentado no espectro fordista de produção e consumo

do espaço; (b) analisar a relação dialética entre uma ordem local e uma ordem global

mediada pelo turismo na formação de arranjos territoriais nas localidades litorâneas do

Nordeste brasileiro, definindo e delimitando o papel de cada um dos agentes nos

processos de territorialização em análise.

Esta tese se constitui em um documento geográfico que se impõe por representar

um esforço de empiricização de conceitos atinentes à abordagem territorial não ou

pouco debatidos na perspectiva dos estudos sobre o turismo, especialmente na

modalidade Sol e Praia, como ora se realiza em pequenas nucleações urbanas do

Nordeste brasileiro. Além disso, diz respeito a uma perspectiva de análise – a

comparativa – que visa conjugar fragmentos de estudos empíricos diversos que tratam

dos lugares aqui examinados.

Para tanto, a tese ora apresentada está estruturada em três grandes seções. A

Parte I, A dinâmica territorial do turismo na contemporaneidade, que conta com dois

capítulos, busca lançar as bases teóricas da tese, refletindo sobre a influência do

espectro fordista na prática hodierna do turismo e sobre a abordagem territorial como

fio condutor da análise que segue.

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Assim, o Capítulo 1, O turismo na contemporaneidade: uma interpretação a

partir de uma perspectiva geográfica, busca promover uma reflexão, de caráter teórico,

sobre as características próprias do turismo como se revela nos dias de hoje,

considerando que a prática seja um dos elementos centrais da articulação de meios para

a acumulação capitalista em lugares diversos do mundo, entre os quais Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte se enquadram, sendo isto motivos suficiente para uma

caracterização inicial dos ditos territórios a partir do espectro fordista de produção e

consumo do espaço.

No Capítulo 2, denominado Aportes para a compreensão do turismo a partir da

abordagem territorial, busca-se, ainda em uma perspectiva teórica, apreender a natureza

do território do turismo, considerando-o como um ente geográfico em movimento, o

que significa evidenciar o seu viés histórico e relacional, além do seu caráter

multidimensional. Por outro lado, o capítulo contém um exame das interações entre

território e turismo, notadamente no que concerne à relação dialética entre ordem global

e ordem local nos lugares envolvidos pela prática turística.

Na Parte II, denominada Processos de territorialização do turismo na América

Latina e no Brasil, onde constam outros dois capítulos, é feito um debate sobre a

natureza contraditória dos planos estatais de turismo na escala subcontinental e

nacional.

O Capítulo 3, Refletindo sobre as políticas públicas para o turismo em Cancún:

um modelo a ser seguido?, trata de evidenciar o papel das políticas públicas na

construção material e simbólica do mais importante destino de Sol e Praia da América

Latina, o balneário de Cancún (México), buscando historicizar a difusão do modelo ali

implantado, que se converteu, ao longo do tempo, em um paradigma para o

planejamento do turismo em outros países do subcontinente, incluindo o Brasil.

Em Políticas públicas e urbanização turística: o caso do Prodetur-NE e as

experiências em balneários litorâneos do Nordeste brasileiro, o Capítulo 4 desta tese,

dois temas, em condição de absoluta complementaridade, são colocados em pauta, quais

sejam: (a) compreender o caráter teórico-metodológico do Prodetur-NE no que se refere

ao modelo de articulação urbano-regional que está proposto no referido programa e; (b)

debater as noções de cidade e urbano, buscando estabelecer o enquadramento de Pipa,

Porto de Galinhas e Praia do Forte em uma tipologia urbana o quanto mais adequada

possível, levando-se em consideração a influência dos projetos de urbanização turística

lavados a cabo nas localidades em estudo em tal compreensão.

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A Parte III, Territórios do turismo no Nordeste do Brasil, com seus três

capítulos, expõe as bases metodológicas aqui utilizadas, estabelece a periodização

necessária à construção de uma Geografia Histórica dos balneários em estudo e, por

fim, evidencia o esforço de empiricização da análise desenvolvida na tese.

Desta forma, o Capítulo 5, A atualidade dos estudos comparados como

metodologia de análise da ciência geográfica, estabelece uma exaustiva reflexão sobre

a pertinência atual do emprego do método comparativo nos estudos geográficos, ao

tempo em que fornece as informações necessárias à compreensão dos caminhos

metodológicos empregados nesta tese.

O Capítulo 6, Geografia Histórica do turismo em Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte: sincronias, diacronias, transformações e permanências, converte-se em

um estudo de base espaço-temporal da construção dos ditos territórios do turismo pela

longa duração. Para tanto, foram estabelecidos dois períodos, de 1975 a 1994 e de 1994

aos dias atuais, que cobrem as fases de inserção e consolidação do turismo no quadro da

realidade nas referidas localidades. Além disso, o capitulo aborda, com antecedência em

relação à periodização acima descrita, as origens coloniais dos de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte.

Considerado o core deste estudo, Territórios do turismo, territórios de todos?

análise comparativa da multiplicidade socioterritorial em Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte, o Capítulo 7, representa o esforço de empiricização dos conceitos e

temas debatidos desde os pontos de vista teórico e metodológico na perspectiva do

turismo de Sol e Praia (como ora se desenvolve nos balneários litorâneos anteriormente

citados). Para tanto, nesta seção do estudo, foi necessário lançar um olhar crítico,

analítico e reflexivo sobre as localidades, empregando como principais suportes

metodológicos observações sistemáticas, entrevistas e questionários junto a parcelas das

respectivas populações.

Por fim, a Conclusão e recomendações que, além da síntese analítica do estudo

realizado, propõe um novo olhar e novas ações do planejamento e gestão turísticos que

privilegiem um modelo de desenvolvimento de base local em destinos turísticos do

Nordeste, pondo em evidência os casos em estudo.

Assim, esta tese se converte em uma chave que permita o reconhecimento da

existência de uma pluralidade de ações que dão impulso a um processo de

complexificação do território do turismo. Ainda que, à primeira vista, pareça se tratar de

uma territorialização unívoca, capitaneada pelos agentes hegemônicos que atuam nos

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balneários turísticos, é necessário perceber a heterogeneidade – nem sempre claramente

visível – que se faz presente na contraterritorialização de alguns, resistentes àquilo que

lhes incomoda, e nas territorialidades permissivas de outros que apenas buscam inserção

no que está posto, mas para o que, em um primeiro momento, não foram convidados a

participar.

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I

A DINÂMICA TERRITORIAL DO TURISMO NA

CONTEMPORANEIDADE

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Capítulo 1

O TURISMO NA CONTEMPORANEIDADE: CONSIDERAÇÕES A PARTIR

DE UMA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA

Refletir sobre o turismo na contemporaneidade é tarefa extremamente complexa.

Ao se enquadrar na lógica do capitalismo globalizado, esta prática espacial passa por

transformações tão profundas que, a não ser pelo caráter do deslocamento,

invariavelmente relacionado ao uso do tempo livre, em pouco se parece com as

características antes verificadas de produção e consumo dos espaços apropriados para

tal finalidade.

Se até o início da Segunda Guerra Mundial, nos períodos de paz, o turismo era

um privilégio das classes mais abastadas e os destinos existiam em número bastante

restrito, no atual momento da História, quando a presença do mercado se faz de modo

absoluto, a popularização crescente da prática se associa à multiplicação das formas de

acessos e dos lugares onde se pode visitar, criando um quadro inteiramente novo – e

apenas parcialmente compreendido – da realidade vigente.

Neste sentido, ainda que seja legítimo apontar especificidades na produção e

consumo dos espaços requisitados, não é possível circunscrever o incremento atual do

turismo e as consequências daí advindas a fatores internos a esta prática. Ao contrário, é

preciso compreender tal processo dentro de uma perspectiva mais ampla, ligada aos

desígnios do capitalismo mundializado que, por sua vez, tem no meio técnico-científico-

informacional o sustentáculo que lhe dá vigor.

Desta forma, este capítulo visa tecer algumas considerações acerca das

características assumidas pelo turismo na contemporaneidade, admitindo que

atualmente a prática exerça fundamental importância como meio de acumulação

capitalista em boa parte dos lugares do mundo, realidade da qual, aliás, as localidades

de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte não escapam.

Para tanto, três aspectos serão aqui dissecados, com a perspectiva de tornar

inteligível o quadro analítico que se quer esboçar: o item denominado Uma breve

geografia histórica da modernidade capitalista é um esforço de compreensão da

passagem do regime fordista para a acumulação flexível dentro de um contexto espaço-

temporal e de como os preceitos formuladores/formulados destes/por estes períodos do

desenvolvimento do capitalismo favoreceram a geração de modelos para a sociedade

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ocidental; o item Em busca de uma compreensão do turismo à luz do espectro fordista

de produção e consumo do espaço trata de apresentar as características da passagem do

capitalismo sob o paradigma fordista para o modelo de acumulação flexível, lançando

luzes sobre as consequências deste processo na sociedade e, de modo mais específico,

na prática turística; e, por fim, o terceiro item, intitulado A(s) Geografia(s) do Turismo

na contemporaneidade, é uma tentativa de principiar uma discussão em busca de

caminhos para a compreensão das tão profundas transformações pelas quais o turismo

passa diante das demandas introduzidas pelo novo quadro da realidade a partir de uma

perspectiva geográfica.

Assim, os itens acima descritos aparecem como componentes da construção de

uma geografia histórica do espectro fordista de produção e consumo, que se diferencia

daquelas elaboradas por Soja (1993) e Harvey (1996) principalmente por ter no turismo

o principal enfoque de análise.

1.1 Uma breve geografia histórica da (pós/neo)modernidade capitalista

Compreender as características principais da evolução do capitalismo é passo

fundamental para delimitar as condições espaço-temporais relativas ao desenvolvimento

das atividades econômicas dentro de um determinado quadro social, econômico,

político e cultural, já que, ainda que seja necessário admitir a atuação de forças que

agem local ou regionalmente, todo e qualquer impulso empreendedor tem os seus

princípios básicos de funcionamento ligados às premissas universais do capital.

Importante salientar que tal esforço de análise deve levar em conta a atuação

deste regime de acumulação não apenas como um pressuposto da organização da

economia política em escala mundial/internacional, nacional/regional ou local, mas

também a partir do seu papel como formulador do modo de vida predominante nas

sociedades capitalistas em cada um dos períodos do seu desenvolvimento.

Assim, atendendo aos interesses deste escrito, há que se realizar um esforço de

compreensão de uma geografia histórica do capitalismo (SOJA, 1993; HARVEY,

1996), enfocando não somente as principais transformações e permanências verificadas

em cada um dos períodos no qual presidiu (e preside) um espectro fordista de

acumulação, mas principalmente nos modelos de modernidade/modernismo daí

advindos.

Este exame é crucial, portanto, para o entendimento das espacialidades

resultantes do processo de desenvolvimento do turismo contemporâneo como atividade

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de mercado ancorada em bases (pós/neo) fordistas e, de modo consequente, sob

influência dos modelos de modernidade gestados a partir dos quadros da realidade

fundados nos distintos períodos da evolução do capitalismo.

1.1.1 A versão fordista de modernidade

Segundo Sene (2004), com a formação de uma economia-mundo baseada na

realização da acumulação primitiva a partir da exploração das colônias europeias,

estavam criadas as condições para o florescimento da indústria e, como consequência,

das fases produtiva e financeira do capitalismo, a partir de meados e final dos séculos

XVIII e XIX, respectivamente.

Este viés do capitalismo de base industrial expandiu-se com vigor, ainda que de

modo espacialmente desigual, notadamente a partir do transcorrer dos primeiros anos do

século passado, com a introdução do regime de acumulação fordista.

Este regime, que predominou soberanamente durante quase todo o século XX,

foi batizado de fordismo por ter em Henry Ford, o industrial norte-americano do ramo

automobilístico, o primeiro grande capitalista a implantar as inovações tecnológicas e

organizacionais que caracterizam o modelo.

No que diz respeito ao seu caráter organizacional e econômico, o regime fordista

preza pelo disciplinamento do trabalhador através da adoção de rígidos períodos de

trabalho intercalados por momentos dedicados ao lazer, universalização do trabalho

assalariado com relativa elevação da renda e implantação da linha de montagem como

modelo de máxima eficiência produtiva.

Apesar dos consideráveis reveses da Grande Depressão e da Segunda Guerra

Mundial, foi entre o final daquele conflito e a década de 1970 que o regime fordista,

reforçado pelas bases keynesianas implantadas ainda no período do New Deal,

consolidou-se como um “conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias,

hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico (HARVEY, 1996, p.

119), gerando as condições necessárias para a expansão capitalista em escala nunca

antes possível, direcionada cada vez mais para o mundo subdesenvolvido.

Ao longo daquelas décadas, mais do que exprimir uma nova forma de

organização corporativa da firma, o fordismo penetrou em todo e qualquer viés da vida

social, política e econômica do Ocidente capitalista, ainda que não exatamente de forma

homogênea em todos os lugares, chegando mesmo a amalgamar-se em um modelo de

industrialização, de acumulação e de regulação (BAUMAN, 2001). A visão de Ford

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descrita por Harvey (1996, p. 122) sintetiza, com bastante propriedade, o real

significado do fordismo:

O que havia de especial em Ford (...) era a sua visão, seu

reconhecimento explícito de que produção de massa significava

consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de

trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma

nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de

sociedade democrática, racionalizada, modernista, populista.

Importante salientar que não existe uma relação de causa e efeito entre o

fordismo e a chamada modernidade, esta sendo, inclusive, anterior àquele. Melhor

afirmar que os agentes que deram sustentação ao modelo econômico e político se

valeram de um sistema de valores cuja paulatina assimilação pela sociedade teve início

no Período das Luzes.

Portanto, esse tipo de sociedade de que trata o ilustre industrial norte-americano

é a sociedade aperfeiçoada do Renascimento, da qual irrompeu a mentalidade utilitária e

de onde a massificação ganhou forma (SÁBATO, 1993), chegando ao êxtase a partir do

ideário fordista, que, por sua vez, impôs um tipo de modernidade ao seu feitio.

Na sua essência, a sociedade moderna reestruturada sobre os pilares do

fordismo, principalmente na versão entronizada no pós Segunda Guerra Mundial, era o

reflexo de um ideário marcado pela produção e consumo em massa, rigidamente

padronizados, que aquele regime de acumulação fez nascer nas fábricas, e pelo

surgimento das novas estéticas de mercantilização e do modernismo. Esta última exibe

fortes inclinações para a funcionalidade e para a eficiência, o que contribuiu de modo

significativo – em aliança com o Estado – para o estabelecimento de uma democracia

econômica de massa (HARVEY, 1996).

Assim, o consumo massificado acabou por interferir na própria concepção de

sociedade que se tinha. Era o império do coletivo, da submissão/diluição do indivíduo

a/em uma modernidade totalizante, prenhe de regulamentação e que desprezava toda e

qualquer possibilidade de anomia. Nos dizeres de Bauman (2001, p. 33), “essa

modernidade era inimiga jurada da contingência, da variedade, da ambiguidade, da

instabilidade, da idiossincrasia, tendo declarado uma guerra santa a todas essas

‘anomalias’”.

Apesar da avassaladora capacidade de moldar a tudo e a todos, aquele modelo de

sociedade não foi capaz de resistir às transformações políticas e econômicas iniciadas

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com os ajustes que levaram ao processo de flexibilização do capitalismo no último terço

do século XX.

Sobre tal metamorfose do capitalismo, Alves (2007, p. 72), ao discutir a

evolução dos modelos científicos, fornece elementos para a interpretação, por analogia,

da mudança de paradigma do fordismo para o capitalismo de acumulação flexível.

Segundo o autor:

(...) a mudança do modelo não se deveu a nenhuma descoberta nova.

Ela foi apenas uma reorganização dos materiais velhos sob uma forma

nova. As peças do quebra-cabeças são as mesmas. Mas elas não se

encaixavam umas nas outras. Bastou mudar o centro. Permaneceram

as mesmas entidades, mas de repente o modelo de sistema mudou.

Assim, se a máquina do regime de acumulação fordista passou a mostrar sinais

de desgaste diante das suas próprias contradições e o colapso já se anunciava, foi

necessário – da parte dos agentes hegemônicos do sistema capitalista – buscar novos

caminhos que reconduzissem à retomada do crescimento.

1.1.2 A versão de modernidade da era pós-fordista

O entendimento das condições econômicas e políticas que geraram a mudança

passa necessariamente pelo estabelecimento de uma espécie de pano de fundo histórico,

datado na década de 1960, pouco antes, portanto, de 1973, aquele que seria, segundo

Harvey (1996), o ano simbólico da virada pós-fordista. Importante afirmar que, embora

os rebatimentos do fordismo e mesmo da sua crise não tenham sido os mesmos no

mundo inteiro, o quadro traçado a seguir traz um referencial dos principais movimentos

de mudanças socioeconômicas e políticas que se desenhavam na segunda metade do

século XX.

Para esse autor, as insatisfações com os rumos do capitalismo sob a lógica

fordista partiram, primariamente, dos grupos sociais e trabalhadores menos ou não

atingidos pelos benefícios do sistema. A rigidez do mercado de trabalho, as tensões

provenientes das parcelas excluídas da população e a presença crescente das forças

ligadas à contracultura também provocaram uma elevação do tom crítico à não equidade

do modelo vigente.

A versão keynesiana do Estado capitalista (o Estado do Bem-estar Social) era,

por sua vez, a ponta-de-lança no combate às ditas insatisfações através da adoção de

medidas remediadoras das desigualdades e da exclusão das minorias. A incapacidade de

atender à massa de pobres gerou fracassos que incidiram em críticas àquela ação estatal.

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Tais críticas acabaram por recair sobre o próprio modelo de consumo de massa

padronizado.

No mundo subdesenvolvido, aliados às condições acima descritas, outros

problemas deram contornos ainda mais dramáticos ao processo em curso, como a

opressão estatal das ditaduras de caráter anticomunista e o não cumprimento das

promessas de desenvolvimento, gerado pelos surtos inflacionários.

Desta forma, se as condições para a virada pós-fordista já se faziam sentir no

decênio de 1960, graças aos motivos acima descritos, foi apenas no início da década

seguinte que houve desencadeamento do processo que levou à mudança, principalmente

através da busca por alternativas à rigidez da economia e da sociedade gestadas pelo

regime de acumulação fordista.

Assim, é lícito afirmar que a crise internacional de 1973 e o chamado Choque do

Petróleo foram a gota d’água para a formação do quadro de mudança que minou o

sistema de acumulação fordista. Segundo Harvey (opus cit., p. 140), como consequência

daquele processo de transformações:

(...) as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de

reestruturação econômica e de reajustamento social e político (...). No

espaço social criado por todas essas oscilações e incertezas, uma série

de novas experiências nos domínios da organização industrial e da

vida social e política começou a tomar forma. Essas experiências

podem representar os primeiros ímpetos da passagem para um regime

de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de

regulamentação política e social bem distinta.

No bojo de tais mudanças, as mais significativas do ponto de vista da política

econômica são a flexibilização e precarização das relações de trabalho, com acréscimo

das subcontratações, via cooperativas e trabalhos autônomos, e dos níveis de

desemprego, o aparecimento de novos setores de produção, principalmente daqueles

ancorados na tríade ciência, tecnologia e informação, fazendo surgir redes produtivas

integradas em escala, por vezes, internacional/mundial e a financeirização da economia,

subordinando o setor produtivo ao mercado de ações. Por outra parte, as características

organizacionais da produção se metamorfoseiam para modelos melhor adaptados às

novas necessidades dos consumidores por soluções específicas, permitindo a ascensão

de pequenas e médias empresas no mercado.

Diante de tal quadro, restou aos agentes políticos, sob os auspícios dos seus

congêneres ligados à economia, criar um aparato ideológico de Estado que permitisse

maior alcance às ações de ajuste necessárias ao bom funcionamento do modelo

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nascente. Assim, estavam postas as condições para o avanço do neoliberalismo, que

adquiriu status de sustentáculo político-econômico desta “nova era” do capitalismo,

uma resposta estratégica às inadequações de um Estado keynesiano e de um mercado

rígido frente ao cenário de desregulamentação que se impunha.

Por outro lado, a exemplo do que ocorre com a política e a economia, a

sociedade é igualmente transformada pelo modelo de acumulação flexível. Tal mudança

chega mesmo a definir um outro estágio de modernidade (ou mesmo uma tentativa de

superá-la), que surge como uma reação àquela entronizada pela universalização fordista.

Assim, adotar um modo de vida adequado ao tempo da rejeição às receitas e verdades

pretensamente totalizantes e da celebração da individualidade é viver a dita pós-

modernidade.

Em sua obra Globalização, Bauman (1999, pp. 105-106) apresenta uma

desconcertante caracterização destes tempos. Ao descrever o efêmero, o fugidio,

transitório e fragmentário ambiente pós-moderno, o autor afirma:

Afinal, a maioria dos empregos é temporária, as ações podem tanto

cair como subir, as habilidades continuam a ser desvalorizadas e

superadas por novas e mais aperfeiçoadas habilidades, os bens de que

hoje nos orgulhamos e gostamos tornam-se logo obsoletos, bairros

sofisticados tornam-se decadentes e vulgares, sociedades se formam

apenas até segunda ordem, os valores que merecem ser seguidos e as

finalidades em que vale a pena investir estão sempre mudando...

Assim, na tentativa de revogar os paradigmas políticos, econômicos e culturais

que a todos norteavam na vigência da modalidade fordista-keynesiana, neste novo

período, a sociedade sofre consideráveis mutações, notadamente naquilo que lhe era

mais característico: a noção de coletividade como um valor absoluto, um referencial de

existência. Ao contrário do que se pregava antes, ser membro da sociedade

contemporânea significa emancipar-se do anonimato e buscar a sua ascensão como

indivíduo partícipe de um “nicho” que, em coexistência com outros tantos, formam um

todo não homogêneo.

Desta forma, se, como afirmado por Sábato (1993) no seu diário da crise de

valores do século XX, a Renascença foi um movimento individualista que rumou em

direção à massificação – repercutindo tal característica até recentemente, na

conformação da versão fordista da modernidade –, a sociedade pós-moderna busca

trilhar o caminho inverso ao se transfigurar para aquilo que Norberto Elias denominou

de “sociedade de indivíduos” (BAUMAN, 2001, p. 39).

Page 36: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

37

A afirmação da individualidade é, pois, um dos traços mais marcantes da

sociedade pós-moderna e um dos meios pelos quais tal atributo se realiza é através do

consumo, amplificado e, ao mesmo tempo, diversificado em escalas nunca antes

atingidas.

Estes dois elementos definidores da sociedade pós-moderna – a individualidade

e o consumo – são, aliás, as pedras angulares do exame que segue nas próximas linhas,

já que, na compreensão do turismo sob a lógica de um espectro fordista de produção e

consumo do espaço, tais características possuem relevância considerável.

Segundo Berardi (2005, p. 34), que utiliza o termo “individualismo de massa”

para se referir à condição atual da sociedade ocidental, no âmbito do consumo, esta

individualização “produz uma proliferação de novas necessidades, de novos produtos

para comercializar e de uma progressiva mercantilização de qualquer aspecto da relação

social, afetiva, cultural”.

Pensar tal processo na perspectiva do turismo contemporâneo exige, pois,

compreender a sua evolução como uma atividade circunscrita à realidade imposta pelo

espectro fordista de produção e consumo, como se verá a seguir.

1.2 Em busca de uma compreensão do turismo à luz do espectro fordista de

produção e consumo do espaço

Como já fora assinalado alhures, o império do modo de produção fordista em

grande parte do século XX e a sua transformação paulatina (mas ainda inconclusa) em

um regime de acumulação flexível na virada do milênio tiveram repercussões que

podem ser percebidas não somente no âmbito da economia e da política, mas também, e

de maneira muito intensa, no modus vivendi da sociedade ocidental.

As substanciais mudanças promovidas no ideário coletivo do Ocidente em

ambos os estágios de desenvolvimento do capitalismo forjaram modelos de

modernidade que incidiram, ao longo do tempo, na constituição de uma sociedade

baseada no interesse extremo pelo consumo. Por outro lado, como tudo que diz respeito

à fase atual de modernização, a experiência do consumo, que a todos unifica, possui

nesta mesma unidade uma condição paradoxal de desunião (BERMAN, 2007), já que se

caracteriza por ser fragmentária, prenhe de especificidades, posto que esteja voltada ao

atendimento dos interesses de uma já citada “sociedade de indivíduos”.

As atividades que lidam com a oferta de serviços foram as que sofreram maiores

mudanças, visando atender às demandas cada vez mais específicas. Dentre estas, o

Page 37: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

38

turismo se posiciona na dianteira de tal processo, revelando grande dinamismo e

capacidade de moldar-se aos desígnios do capital ao render-se à nova estética pós-

moderna “que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a

mercadificação de formas culturais” (HARVEY, 1996, p. 148).

Há que se considerar, porém, que, mesmo diante de um quadro que expressa as

novas tendências da modernidade criada pelo ímpeto pós-fordista de acumulação, não é

possível afirmar a supremacia plena deste novo regime, nem tampouco da estética daí

advinda, a partir de uma ruptura com a realidade construída pelo fordismo, seja na

prática do turismo ou em qualquer outra.

Deste modo, é necessário admitir que, se por um lado, é lícito afirmar que os

desígnios fordistas já não norteiam os caminhos da economia, da política e da

sociedade, é verdadeira também a afirmação de que tal mudança de paradigma não se

deu de forma revolucionária, ou por ruptura, mas como um processo que, aliás, ainda

está por completar.

Ao analisar este aspecto da passagem da modernidade para a pós-modernidade,

Díaz (2008, p. 18) apresenta, aliás, um arguto comentário, valendo-se, para tanto, de

uma linguagem metafórica:

Cuenta la leyenda que Ruiz Díaz Vivar murió en su tienda de

campaña, durante el transcurso de una lucha incierta. Sus hombres lo

cubrieron con los atributos de caballero. El corcel lo sostuvo erguido

en su armadura. Entró así al fragor del combate. Los moros, al ver

avanzar la gallarda figura del Campeador, huían y gritaban: «¡Mío

Cid! ¡Mío Cid!». He aquí una posible metáfora del fin de la

modernidad. La modernidad estaría en el campo de batalla. No

sabemos si viva o muerta. Aún pelea.

Assim, embora existam correntes do pensamento nas Ciências Sociais que

declarem o fim líquido e certo da modernidade, há que se levar em conta o caráter

processual da passagem para o pós-fordismo, o que se dá, de fato, por meio de uma

transição geradora de dualidade e ambiguidades.

1.3 Os desafios para a construção da(s) Geografia(s) do Turismo na

contemporaneidade

Desde visões assentadas nos diferentes campos do conhecimento (URRY, 2001;

AUGÉ 2007 e 2008), há significativos debates sobre o papel do espectro fordista na

configuração do turismo contemporâneo, seja através da análise da criação de imagens,

Page 38: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

39

da “construção” de um novo turista ou ainda das mudanças que a prática tem provocado

nas sociedades e economias receptoras.

Uma eloquente contribuição da Geografia a esta temática é fornecida por Torres

(2002), em intenso diálogo com os postulados de David Harvey. Ao examinar tal

processo a partir da análise empírica de Cancún e do estado mexicano de Quintana Roo,

a autora sugere que o turismo surge como uma prática prenhe de exemplos de

massificação e homogeneização do espaço, da economia de escala e da inflexibilidade e

estandartização dos pacotes que criam enclaves turísticos. Essas são características da

rigidez que é própria do fordismo clássico, mas também da segmentação, especialização

e formas de consumo sob encomenda, para grupos específicos, delineando uma

passagem para um modo pós-fordista de produção e consumo dos lugares turísticos.

Segundo a autora, as seguintes características confirmam a existência de um

modo de produção fordista do turismo: (a) o consumo coletivo, verificado a partir da

concentração de visitantes em uma localidade; (b) consumidores indiferenciados,

visíveis através da presença maciça de turistas com um determinado perfil; (c) turismo

de massa, explicitado, principalmente, na modalidade sol e praia como fator de escolha

do destino; (d) estandartização, expressa na proliferação de pacotes e na incidência de

empreendimentos de porte internacional nas localidades turísticas.

Por outro lado, a flexibilização e diversificação do mercado turístico tem

permitido o surgimento de um espaço heterogêneo, marcado pela emergência de novos

usos, como turismo de natureza, visitas aos sítios arqueológicos e a paisagens e grupos

sob influência de culturas ancestrais, entre outras novas modalidades da prática turística,

o que denota o caráter pós-fordista do turismo.

Isto inclusive está posto, sem maiores rodeios, nas propostas contidas nos

estudos prospectivos do mercado turístico realizados pelo Governo Mexicano

(ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 2006), o Estudio Gran Visión, segundo o qual é

necessário reinventar o modelo Sol e Praia, articulando-o com outras modalidades,

como o turismo de base cultural, de natureza, de aventura, congressos, feiras e

exposições.

Contudo, é necessário salientar que, longe de haver um processo de substituição

do fordismo por uma modalidade pós-fordista do turismo, o que passa a ocorrer, dado o

caráter de transição inerente ao processo, é a coexistência de toda a gama de elementos

que caracterizam o espectro fordista.

Page 39: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

40

Assim, como observa R. Torres, mesmo em um ambiente mais flexível, a oferta

de produtos de massa não deixa de existir, levando-a a conceber a ocorrência de um

processo de “customização de massa” que evidencia características neofordistas do

fenômeno, enquadrado, por seu turno, em uma condição de coexistência com os demais

elementos que caracterizam todo o espectro fordista de produção e consumo do espaço.

O caráter neofordista do turismo aparece de modo muito claro na análise que

Augé (2007, pp. 63-64) faz do turista contemporâneo:

El turista, en las formas más recientes y lujosas de turismo, exige

tanto su comodidad física como su tranquilidad psicológica, aun

cuando tiene el espiritú de un viajero al que también le gustaría

definirse como aventurero. Es un consumidor de exotismo, de arena,

de mar, de sol y de paisajes (por no hablar de otros eventuales tipos

de consumo) pero, aunque se encuentre en otro lugar, siempre

seguirá estando en su país, ya que todo le conduce a ello: sus

compañeros, los comentarios que intercambian, la comodidad que se

ofrece, la naturaleza estereotipada de las cadenas hoteleras, las

películas que graba para ver más tarde, a la vuelta, y la brevedad de

su estancia o de su travesia de barco.

Fica evidente, na afirmação do antropólogo francês, toda a gama de

possibilidades com a qual o “turista/viajante/aventureiro” conta, podendo contemplar (e

consumir) de paisagens exóticas a amenidades oferecidas por cadeias hoteleiras que

reproduzem um estilo de vida que lhe é familiar.

Neste sentido, a partir da necessidade do trade turístico1 em promover ajustes

espaciais que permitam a continuidade dos processos de reprodução do capital, são

oferecidas práticas que vão desde as grandes excursões com produção de imagens e

sensações em série, às visitações no melhor estilo pay per view, pagando um preço

diferenciado pela exclusividade dos serviços de um guia ou pela emoção do pôr do sol

visto de um ângulo que só o dinheiro pode proporcionar.

Estas diferentes maneiras de uso dos territórios turísticos são, portanto, um

espectro concebido a partir da coexistência de várias formas de produção e consumo do

espaço dominado pelo turismo, segundo lógicas (pós/neo) fordistas.

A princípio, esses ajustes espaciais, ainda que em um ambiente de coexistência

com a dinâmica fordista de produção e consumo, parecem valorizar, via características

pós e/ou neofordistas, as especificidades do lugar dominado pelo turismo, já que haveria

uma tendência em evidenciar a diferença e a identidade como elementos de atração de

1 Segundo Anjos Junior (2007, p. 2), o termo trade turístico possui uma definição oficial, criada pela

Embratur, pela qual se afirma que tal entidade diz respeito à formação de um conjunto de “organizações

governamentais e privadas atuantes no setor de turismo”.

Page 40: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

41

visitantes. Ocorre, porém, que, como afirmado por Brunel (2009, pp. 7 e 9), a

“singularização dos lugares” se dá a partir da criação dos lugares emblemáticos “onde

tudo é concebido para dar a ilusão de autenticidade, recriada em função dos estereótipos

mundiais”.

Assim, este fenômeno, denominado pelo autor de “disneylandização”, provoca a

bizarra situação na qual indivíduos, grupos sociais e mesmo os lugares precisam, cada

um deles, “tornar-se o que já se é” (BAUMAN, 2001, p. 41), recorrendo a certas

metonímias da paisagem criadas pelo turismo (BRANDÃO, 2009a), como a do baiano

em vestes de capoeirista ou a Olinda “museificada”, para só então parecerem legítimos.

Por outro lado, embora seja possível tratar o turismo contemporâneo como uma

prática globalizada, em muito causada pelos fatores acima examinados, é evidente que,

como as intenções totalizantes do capitalismo tem rebatimentos distintos nos diferentes

lugares onde se impõem, em razão das “especificidades socioterritoriais de cada espaço

geográfico” (CASTILHO, 2008, p. 20), há que se considerar, em igual medida, distintas

repercussões espaciais do turismo balizado a partir do espectro fordista de produção e

consumo, denotando a dialética presente em tal processo de dominação do espaço.

Como fica afirmado na primeira linha deste escrito, refletir sobre o turismo na

contemporaneidade é tarefa extremamente complexa e, para a Geografia, converte-se

em um desafio, já que o desenvolvimento desta prática acelerou, em muitos lugares, as

formas de produção do espaço, inserindo elementos absolutamente novos, com grande

capacidade de gerar novas dinâmicas socioterritoriais.

O período atual da História tem provocado o surgimento de novas geografias

nos ecúmenos, onde as realizações dos lugares são crescentemente influenciadas pelas

dinâmicas do mundo. Atividades econômicas globalizadas são introduzidas nos espaços

onde o cotidiano se torna possível, produzindo novas territorializações a partir de uma

relação dialética entre uma ordem global e uma ordem local (SANTOS, 2002a).

Como já apontado por Harvey (2006), o turismo se converteu em uma destas

práticas que possuem grande capacidade de interferência na produção e consumo do

espaço e, desta forma, ganha importância em meio ao esforço de análise das geografias

que se desenham na contemporaneidade.

Nas palavras de Brandão e Castilho (2008, p. 96):

O espaço transformado em mercadoria pelo valor diferencial que a

sociedade e os agentes econômicos – incluindo-se aí os turistas e todo

o staff que lhe dá sustentação – atribuem a cada uma de suas parcelas,

além das transformações decorrentes do uso do território turístico,

Page 41: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

42

com a incorporação de sistemas de objetos e ações altamente

tecnicizados que subordinam os estilos de vida e as demais atividades

desenvolvidas em localidades receptoras aos ditames da atividade são

reflexões fundamentais para a compreensão das dinâmicas espaciais

introduzidas pelo turismo.

Dadas as condições atuais de intensificação e diversificação dos usos dos

territórios do turismo, há que se considerar o fato fundamental de que, em um ambiente

tão complexo, marcado pela existência de técnicas alinhadas tanto ao modelo fordista

quanto ao regime flexível de produção e consumo do espaço, diversas são as

perspectivas de análise geográfica, constatação já feita, aliás, por Costa, Ribeiro e

Tavares (2004).

Para os referidos autores, são três as linhas teóricas de maior relevância na

análise geográfica do turismo contemporâneo, podendo, inclusive, serem trabalhadas em

convergência: a primeira propõe o exame da produção do espaço dito turístico,

revelando o viés econômico e político da prática; a segunda, ligada aos estudos do

espaço vivido daqueles que compõem as populações receptoras; e, por fim, a terceira,

cujos estudos estão relacionados à interpretações das representações geográficas dos

lugares turísticos.

Há que ser levado em conta que, ainda que cada uma das perspectivas tenha os

seus métodos próprios de análise, em todos os casos, o que fica patente é a necessidade

de atribuir acento ao exame do conteúdo socioterritorial dos lugares dominados pelo

turismo, evidenciando assim os aspectos referentes à “construção social da

territorialidade” (SACK, 1986, p. 30) ou, como exigem as dinâmicas do tempo presente,

das territorialidades, no plural.

1.3.1 O espectro (pós/neo)fordista em balneários turísticos do Nordeste brasileiro: uma

caracterização de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

Lugares privilegiados – em suas respectivas unidades federativas (Figura 01) –

por um processo de reestruturação territorial produtiva do litoral nordestino baseado no

turismo, os balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte passaram, a partir de

meados da década de 1990, por significativas transformações, que culminaram no atual

estágio de uso do território, paritário, ao menos como concepção, com aquilo que R.

Torres apresentou como características da dinâmica (neo/pós) fordista da cidade

mexicana de Cancún.

Page 42: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

43

Figura 01. Localização dos balneários em seus respectivos estados.

Page 43: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

44

Nos dias atuais, essas localidades estão entre os principais destinos da

modalidade turística de Sol e Praia do Brasil (Figura 02), sendo consideradas pelos

agentes que dão sustentação à prática como verdadeiras “galinhas dos ovos de ouro”, o

que incide, em última instância, em um processo de contínua transformação do lugar, na

busca de manter ou ampliar a sua atratividade.

Figura 02. Os balneários e seu principal atrativo, a praia: vista parcial de (a) Pipa, (b) Porto de Galinhas e (c) Praia do Forte.

Fonte: Acervo do autor (2009; 2012).

O povoado de Pipa (ou Praia da Pipa, como também é denominado) está

localizado no município norte-rio-grandense de Tibau do Sul (Figura 03), que faz parte

da Mesorregião Leste Potiguar, como do Polo Costa das Dunas. Distante cerca de

oitenta quilômetros de Natal, a capital do estado, pela rodovia BR-101, e oito

quilômetros da sede municipal, por rodovia local, denominada Corredor Pipa/Tibau

(XAVIER, 2008).

Ao caracterizar o sítio urbano de Pipa, Oliveira (1864, p. 81) afirma: “A ponta

da Pipa é um alto e grande outeiro de forma oblonga, coberto de árvores que ao longe

figura uma pipa deitada e em grande distancia uma bola; até á ponta do Moleque é a

costa muito alterosa, e logo pelo sul d’ella avista-se uma barreira vermelha”.

(b) (a)

(c)

Page 44: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

45

Figura 03. Município de Tibau do Sul (Rio Grande do Norte).

Page 45: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

46

Ainda sobre o assentamento original da localidade, há a seguinte descrição

apresentada em documento elaborado por Pipa Incorporações e Construções LTDA

(2009, p. 5.134): “(...) situa-se em frente a uma pequena enseada, onde há um porto de

jangadas, na base de uma falésia, sobre a qual está o seu núcleo urbano”.

Localizada na porção oriental do litoral potiguar, ao sul da sede municipal de

Tibau do Sul, a área urbana de Pipa possui algo em torno de 3,7 km2 de extensão, onde

vivem, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), 2.111

habitantes fixos (2010), resultando em uma densidade demográfica de 570,5 hab./km2.

Quanto à vila de Porto de Galinhas, esta é parte do distrito de Nossa Senhora do

Ó, localizado no município de Ipojuca (Figura 04), Região Metropolitana de Recife, em

Pernambuco e, de forma concomitante, no Polo Costa dos Arrecifes. A distância da

localidade em relação à Recife, a capital estadual, pelas rodovias BR-101 e PE-060, é de

cerca de sessenta e oito quilômetros, passando pela sede municipal, da qual dista onze

quilômetros, pela rodovia PE-038 (PERNAMBUCO, 1998).

Atualmente, Porto de Galinhas, cujo assentamento está localizado na porção

litorânea do município, a sudeste da sede, possui uma população de 6.366 habitantes

permanentes (número de 2010, fornecido pelo IBGE), que ocupam aproximadamente

4,5 km2 de área urbana, a maior em extensão dentre as três que compõem este estudo.

Tais quantitativos resultam em uma densidade demográfica de 1.414,7 hab./km2.

No que se refere à Praia do Forte, a vila está localizada no trecho litorâneo do

distrito de Açú da Torre, que pertence ao município de Mata de São João (Figura 05), na

Bahia, recentemente integrado à RMS (Região Metropolitana de Salvador) e compondo,

ainda, o Polo Salvador e Entorno. A localidade dista setenta e nove quilômetros da

capital do estado, cujo percurso é feito através da BA-099, também conhecida como

Estrada do Coco, e seguindo, desde a referida rodovia, por uma estrada local por cerca

de quatro quilômetros.

A população que reside em Praia do Forte, cuja nucleação está localizada a oeste

da sede municipal de Mata de São João, é contada em 1.403 habitantes fixos (segundo

IBGE, a partir de dados de 2010), todos vivendo em uma área urbana de cerca de 3,0

km2, o que significa uma densidade demográfica de 467,7 hab./km

2.

Page 46: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

47

Figura 04. Município de Ipojuca (Pernambuco).

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48

Figura 05. Município de Mata de São João (Bahia).

Page 48: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

49

1.3.2 Evidências da influência do espectro fordista nos balneários de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte

Graças às vertiginosas transformações as quais foram submetidas recentemente,

as três localidades aqui evidenciadas possuem características que as aproximam da

concepção (neo/pós)fordista de produção e consumo do espaço pelo turismo.

Por um lado, tais balneários estão posicionados entre os destinos mais

importantes para visitação do Nordeste brasileiro, em muito, por conta da adoção de um

modelo de urbanização turística similar entre os três, sob as regras de um mesmo

projeto modernizador – o Prodetur/NE –, que denota o caráter fordista de algumas das

práticas que ali se desenvolvem, notadamente no que diz respeito à modalidade de sol e

praia, cuja oferta de atrativos é praticamente indiferenciada em sua concepção e ações.

Disto resulta o processo de homogeneização da paisagem praieira nas três

localidades aqui abordadas, com intervenções urbanísticas similares (Figura 06),

evocando, todas elas, um “paraíso tropical”, mas em conformidade com o período

técnico-científico-informacional. Nos dizeres de Brandão (2009a, p. 182), tais

localidades

(...) vêm sendo metamorfoseadas, adquirindo feições de balneários

altamente tecnicizados, articulados com os interesses hegemônicos do

capital internacional, onde as antigas moradias dos habitantes locais

são paulatinamente substituídas por lojas de grandes marcas,

restaurantes de alta gastronomia, casas de espetáculos, entre outros

objetos técnicos que dão sustentação a um modelo enquadrado no

espectro fordista de produção e consumo (...).

Além disso, por serem alvos de uma nova forma de especulação imobiliária que

vende a ideia de incorporação da natureza no ato de habitar e que, ao mesmo tempo,

contribui para a manifestação de um modelo de urbanização difusa como um “conceito”

de moradia sustentável, as localidades de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

passam por um processo de acréscimo, no território, de empreendimentos voltados tanto

para a segunda residência quanto para a fixação de pessoas com interesse em reproduzir

tal estilo de vida.

Page 49: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

50

Figura 06. Homogeneização espacial promovida pela urbanização turística em balneários litorâneos do Nordeste brasileiro: vista parcial de trechos viários de (a) Pipa, (b) Porto de Galinhas e (c) Praia do Forte.

Fonte: Acervo do autor (2009; 2012).

Assim, tanto na concepção estética das construções, que busca aliar

características de rusticidade e modernidade arquitetônicas, quanto na forma de

dominação dos espaços pelos proprietários dos imóveis, marcada, quase que

invariavelmente, pelo império do encastelamento e autossegregação típicos dos

condomínios fechados, o que se vê é um processo de reprodução do modo de habitar,

seja na concepção ou mesmo no tipo das residências comercializadas.

Há nisto um explícito processo de massificação e homogeneização dos espaços

pela inflexibilidade e estandartização dos “produtos” turísticos e turístico-imobiliários,

estes concebidos em conformidade com a rigidez fordista que substantiva um modelo de

consumo coletivo, com a consequente atração de consumidores indiferenciados, que,

por aceitarem a estandartização daquilo que lhes e oferecido, acabam por ampliar as

condições de reprodução do turismo de massa.

Por outra parte, cada administração municipal, em uníssono com as secretarias

estaduais de turismo e os agentes econômicos locais, buscou promover atrativos que

“identificam” o lugar, mas, principalmente, que servem como estratégia de atração de

(a) (b) (b)

(c)

Page 50: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

51

turistas com interesses mais específicos. Há, em outras palavras, uma tentativa de

estabelecer uma vantagem competitiva através da singularidade de dados atrativos.

No caso de Pipa, os atrativos que conferem especificidade ao destino turístico

são a intensa vida noturna e gastronomia locais, com grande valorização do seu viés

internacional(izado), a prática de esportes de aventura, notadamente o parapente,

kitesurf e windsurf, além da observação de cetáceos na Baía dos Golfinhos.

Ademais, o trade local enfatiza – à exaustão – a pretensa condição de Pipa como

“a mais internacional das praias do Nordeste” (RIO GRANDE DO NORTE, s/d, p. 38),

fazendo referência, principalmente, ao intenso processo de fixação de estrangeiros

anônimos em um passado recente ou pela passagem de celebridades de âmbito

internacional pelo lugar, como, por exemplo, a princesa Stephanie de Mônaco e a

modelo Gisele Bündchen (Idem). Isto se reflete também na paisagem urbana (Figura

07), com agregação de objetos que remetem a esta busca pela construção simbólica de

um destino a ser visto ao mesmo tempo como rústico e requintado.

Figura 07. Praia da Pipa: (a) bandeiras nacionais hasteadas na fachada de um estabelecimento comercial; (b) fachada de estabelecimento com inspiração oriental.

Fonte: Acervo do autor (2012).

Sobre esta pretensa internacionalização do destino turístico, há farta

publicização em escritos acadêmicos, jornalísticos ou publicitários, como se pode ver

nos exemplos a seguir.

Em estudo diagnóstico sobre o turismo local, A. Gomes (1998, p. 1) afirma que

“(...) o distrito de Pipa com suas praias é admirado por estrangeiros e ganhou fama

internacional”, enquanto Rezende (1998, p. 2), que se intitula “meio nativo”, observa

que “Pipa nunca deixará de ser um ‘point’ onde gringos beijam bocas nativas” e, em

folheto publicitário, denota-se que a referida localidade é “A mais badalada e conhecida

(a) (b)

Page 51: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

52

praia do Rio Grande do Norte (...). Cosmopolita e internacional, aqui se fala todas as

línguas do mundo e todos os sotaques do Brasil” (TIBAU DO SUL, 2008, p. 16).

No balneário de Porto de Galinhas, os atrativos que, pela singularidade da oferta,

mais se aproximam da concepção pós-fordista de produção e consumo do espaço

turístico são os passeios de jangada para as piscinas naturais localizadas nos arrecifes,

visitações nos ambientes estuarinos, passeios de buggy com destino às praias de Cupe,

Muro Alto e Maracaípe (Figura 08).

Figura 08. Porto de Galinhas: (a) jangadas a postos para realizar passeios turísticos; (b) vista parcial da praia de Muro Alto e, ao fundo, a vila.

Fonte: Acervo do autor (2010).

Ao citarem os principais atrativos locais, Mendonça, Raposo e Mello (2004, p.

203) confirmam o que fora aventado anteriormente.

Não há dúvida que Porto de Galinhas é um dos principais destinos

turísticos para aqueles que buscam uma combinação de sol e mar.

Entretanto, Porto de Galinhas tornou-se o que é porque, além das

atrações existentes em qualquer localidade litorânea, esbanja atrativos

singulares – piscinas naturais e reservas de manguezais, ambientes de

relevante importância para o ecossistema marinho, já que juntos

formam um cenário onde a natureza é quem dá show.

Além dos já citados, outro importante atrativo local é o conjunto de praias

propícias à prática do surf, sendo a principal delas a de Maracaípe. Neste caso, apesar da

atividade esportiva ser também praticada nas localidades de Pipa e Praia do Forte, em

Porto de Galinhas, há uma sensível diferença em relação aos balneários anteriormente

citados, já que na vila pernambucana são disputados torneios nacionais e internacionais,

atraindo um público específico, formado por praticantes e atletas profissionais do

esporte, além daqueles que formam o staff dos eventos.

(a) (b)

Page 52: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

53

Em Praia do Forte, atrativos localizados no próprio povoado ou nas suas

cercanias denotam alguma especificidade na prática turística que ali se desenvolve. O

viés ecológico e o passado colonial compõem importantes elementos de diferenciação

da localidade em relação às demais aqui estudadas.

Entre os atrativos ligados ao Turismo de Natureza, vale destacar o Centro

Nacional de Conservação e Manejo de Tartaruga Marinha (Figura 09), pertencente ao

Projeto Tamar (Programa Brasileiro de Conservação das Tartarugas Marinhas), a

“Baleiada” (observação de baleias), capitaneada pelo Instituto Baleia Jubarte, a RPPN

(Reserva Particular do Patrimônio Natural) de Sapiranga, considerada como um centro

de excelência para práticas turísticas em ambiente preservado na Bahia, além de

passeios de canoa pela Lagoa Timeantube, organizados por empresas locais de receptivo

turístico.

Outro importante atrativo local é o chamado Parque Histórico Garcia D’Ávila.

Composto pelas ruínas da Casa da Torre (Figura 09), edificação erguida entre os séculos

XVI e XVII por membros de diferentes gerações da família que lhe confere o nome e

consagrada pelo trade turístico como a única obra arquitetônica medieval das Américas,

além de locais para receptivo, exposição de acervo arqueológico e restaurante. A

despeito da tentativa de criação de um ícone através da divulgação de uma imprecisão

histórica (BRANDÃO, 2009b), o Parque é frequentado por turistas e visitantes

interessados por temas relacionados ao passado colonial brasileiro.

Figura 09. Praia do Forte: (a) vista panorâmica da Casa da Torre, mais conhecida como Castelo Garcia D’Ávila; (b) portal de acesso ao Projeto Tamar.

Fonte: Acervo do autor (2012).

Assim, é possível perceber que o caráter pós-fordista do turismo, como está

posto em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, fica evidente na flexibilização e

(a) (b)

Page 53: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

54

diversificação crescentes dos “produtos” turísticos oferecidos, tornando cada vez mais

heterogêneos os usos do território pelos agentes econômicos e, como consequência

direta, pelos turistas. O que passa a ocorrer é um processo de “reinvenção” do turismo

de Sol e Praia, que, de modo paradoxal, torna-se menos dependente desses atributos

físicos que deram sentido à prática turística em zonas litorâneas.

Há ainda um terceiro viés de análise do espectro fordista no turismo que se

desenvolve nas localidades em estudo. Entre os atrativos que se enquadram nos moldes

neofordistas de produção e consumo do espaço pelo turismo, é possível mencionar os

eventos periódicos que ocorrem nos balneários em exame e que visam atrair visitantes e

turistas com interesses específicos, aficionados pelas temáticas abordadas nas referidas

atividades, ainda que estas sejam praticamente as mesmas nos diferentes destinos

turísticos.

Assim, enquanto que na localidade norte-rio-grandense existem o Festival

Gastronômico de Pipa, o Festival Literário da Praia da Pipa e o Fest Bossa e Jazz Pipa;

no balneário pernambucano ocorrem o Porto Gastrô, que vem a ser o Festival

Gastronômico Sabores de Porto de Galinhas, o Fliporto, antigo Festival Literário de

Porto de Galinhas, atualmente denominado Festa Literária Internacional de

Pernambuco, e o Jazzporto ou Festival de Jazz e Blues de Porto de Galinhas; ao passo

que, na vila baiana, acontecem o Tempero no Farol, designativo do Festival de

Gastronomia de Praia do Forte, o Encontro Literário da Praia do Forte (versão única em

2006) e, por fim, o Festival Phoenix Jazz de Praia do Forte.

Pela especificidade dos temas e periodicidade (anual) de ocorrência, tais

eventos, aparentemente, são dedicados a pequenos grupos cujos interesses se referem

apenas àquilo que se aborda como temática central. Mas, ao serem reproduzidos

praticamente nos mesmos moldes nos três destinos turísticos aqui estudados, fica

evidente se tratarem, na verdade, de atividades enquadradas naquilo que Torres (2002)

denominara de customização de massas.

Todo esse investimento impetrado pelos agentes econômicos – com anuência e,

por vezes, participação direta do Estado – visando dar sentido ao espaço segundo

parâmetros de produção e consumo nos quais o turismo se configura como vetor dessas

transformações implica na ocorrência de processos de territorialização que tem as suas

raízes na tentativa de dominação baseada na economia e na política.

Page 54: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

55

Assim, os territórios são construídos de forma absolutamente racional, possuindo

suas bases constituídas a partir de uma ordem global, homogeneizante. Sobre isto, vale

salientar as palavras de Santos e Silveira (2001, p. 306):

Pode-se falar em racionalidade do espaço? Essa expressão cabe a

certas frações do território cujas condições materiais e políticas

permitem um uso considerado produtivo pelos atores econômicos,

sociais, culturais e políticos dotados de racionalidade. Na realidade, o

que estamos chamando de racionalidade do espaço vem, em última

instância, das ações que sobre ele se realizam; mas tal possibilidade

somente se perfaz quando o próprio território oferece as condições

necessárias.

Pode-se, de modo geral, dizer que nas condições históricas atuais o

meio técnico-científico-informacional, seja como área contínua,

mancha ou ponto, constitui esse espaço da racionalidade e da

globalização. A serviço de grandes empresas privadas, o território

nacional conhece, em certos lugares, uma adequação técnica e política

que permite a tais empresas uma produtividade e lucro maiores.

Ocorre, porém, que esses arranjos territoriais, construídos a partir de lógicas

exógenas, não firmam sua existência em anecúmenos desprovidos de pessoas e

realizações. Ao contrário, estão assentados em lugares onde outras formas de

territorialização resultantes “de uma interdependência entre ações e atores que emana da

sua existência no lugar” (Santos e Silveira, 2001, p. 306) e que “não respondem de

forma neutra a essa ação privatista, já que tal ação tem sobre eles reflexos indiretos”

(Idem, p. 293) e, por que não dizer, também diretos.

Há que se reconhecer, pois, a existência, em lugares como Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte, de uma pluralidade de ações que dá impulso a um processo

de complexificação dos territórios do turismo. Ainda que, à primeira vista, pareça se

tratar de uma territorialização unívoca, capitaneada pelos agentes hegemônicos que

atuam nos balneários turísticos, é necessário perceber a heterogeneidade – nem sempre

perceptível às claras – que se faz presente na contraterritorialização de alguns,

resistentes àquilo que lhes incomoda, e nas territorialidades permissivas de outros que

apenas buscam inserção no que está posto, mas para o que, em um primeiro momento,

não foram convidados a participar.

Page 55: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

56

Capítulo 2

APORTES PARA A COMPREENSÃO DO TURISMO A PARTIR DA

ABORDAGEM TERRITORIAL

Embora a origem do termo território esteja ligada ao Direito Romano

(PAINTER, 2010), seu uso pela ciência moderna tenha debutado na Biologia e,

atualmente, componha a temática de vários ramos do conhecimento, é na Geografia que

a abordagem territorial tem se desenvolvido de modo mais consistente.

Cabe aqui, de passagem, fazer uma observação prévia: por abordagem territorial

entenda-se como “o conjunto de argumentos que possuem esse conceito como o fio

condutor da articulação teórica” (HEIDRICH, 2010, p. 25), considerando, de modo

concomitante, “as articulações/interações existentes entre as dimensões sociais do

território, em unidade entre si e com a natureza exterior ao homem, o processo histórico

e a multiescalaridade de dinâmicas territoriais” (SAQUET, 2007, p 13).

Da perspectiva clássica, ancorada na idealização do Estado como único detentor

da capacidade de construir o ente geográfico em tela, à atual multiplicidade de

interpretações, influenciada pelas novas concepções filosóficas e teóricas e pela própria

complexificação das relações em todas as instâncias, o debate sobre o território teve um

papel central em vários momentos da história da ciência geográfica.

Para Santos (1999, p. 7), por exemplo, a Geografia alcançara, em finais do

século XX, a sua era de ouro, posto que “a geograficidade se impõe como condição

histórica, na medida em que nada considerado essencial hoje se faz no mundo que não

seja a partir do conhecimento do que é Território”, afirmando, de forma categórica, a

atual centralidade do conceito.

O fato da Geografia ter a primazia nas discussões que se desenvolvem em torno

do conceito de território não aponta, porém, para o emprego de uma acepção única e

livre de contradições, seja na produção intelectual da própria ciência, na sua apropriação

por outros campos do conhecimento ou ainda, em outro âmbito, no seu uso pelo cidadão

comum. Território é, deste modo, uma daquelas palavras que carrega em si um caráter

polissêmico (ANDRADE, 2010).

Por ser um termo apropriado pelo senso comum e, na mesma medida, um

conceito largamente utilizado nas Ciências Sociais, o território – como categoria

espacial – carece, por um lado, de constante revisão e atualização, algo que vem sendo

Page 56: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

57

realizado por autores de diversas nacionalidades desde algumas décadas, e, por outra

parte, de uma substantivação do seu emprego no meio científico, notadamente na

formulação de procedimentos de análise o quanto mais coerentes possível.

Tal necessidade se impõe não por simples anacronismo conceitual ou dos

métodos de análise empregados. Pelo contrário, a constante revisão e atualização do

conceito de território se faz imperiosa pela própria “hipertrofia da capacidade

explicativa” pela qual vem passando e para afastar os riscos de uma posterior “fadiga” e

“declínio do interesse” (SOUZA, 2009, p. 58), bem como pela busca de novos

parâmetros de análise que permitam a mais fidedigna compreensão da dinâmica e

complexa formação de arranjos territoriais na atual fase do Capitalismo (HIERNAUX,

1996).

Dentre as diversas práticas com forte incidência nessa dinâmica e complexa

construção de territórios a que se refere o geógrafo mexicano, merece atenção o

turismo, posto que seja um elemento de integração/fragmentação e de

produção/consumo dos espaços que o acolhem, sendo, pois, causa e consequência de

uma miríade de relações que animam a vida de relações no lugar.

Aqui, o turismo – mais do que mera atividade, fenômeno, sistema, “indústria” ou

produto – é concebido como uma prática socioespacial, posto que contém em si os

elementos materiais (objetos técnicos) e relacionais (ações) que, configurados em um

sistema, dão uma feição ao espaço. Assim, como prática socioespacial que é, o turismo

dá margem para o estabelecimento de relações de caráter territorial entre os agentes co-

partícipes dos processos de alienação do espaço pela prática turística e entre esses e os

agentes que, de alguma maneira, reagem a isto.

Este capítulo se presta, portanto, à formulação de uma análise teórica da

abordagem territorial, buscando, por um lado, dar ênfase ao exame do caráter histórico e

relacional que lhe é inerente, bem como à sua multidimensionalidade. Por outra parte,

dando relevo às questões relativas à sua aplicação nos estudos sobre turismo,

notadamente naquilo que se refere à relação dialética das verticalidades e

horizontalidades que opõem, aliam e complementam a ordem global e a ordem local

naqueles espaços onde tal prática se localiza.

2.1 Revisitando aspectos fundamentais da abordagem territorial

Ao longo das últimas décadas, o estudo das práticas territoriais vem adquirindo

um impulso expressivo, principalmente por conta do redimensionamento das funções e

Page 57: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

58

focos de análise atribuídos ao território em meio aos novos paradigmas da

globalização/fragmentação dos espaços habitados. Segundo Saquet (2007; 2011), os

anos entre as décadas de 1950 e 1980 foram, para a Filosofia, Economia, Ciências

Sociais e Geografia, o período crucial de renovação do território como campo de

análise, tornando-o, novamente, um tema central, em especial na ciência geográfica,

mesmo que, como em alguns casos, para deslegitimá-lo frente à concepção de redes

(HAESBAERT, 2004b; 2009a).

Assim, como observado por Saquet (2011, p. 15), especificamente entre os

geógrafos, houve um impulso de revisão e atualização do debate acerca da abordagem

territorial, o que, por um lado, contribuiu na identificação do território não mais como

um mero “suporte da sociedade, sem homens ou configurado biologicamente por

animais que ‘controlam’-disputam certas áreas” e, por outra parte, “Há superação

daquela ideia de território e poder centrada nas forças, ações e estratégias do Estado

(...)”.

O território, antes concebido tão somente como a “extensão do espaço

geográfico onde um Estado nacional exerce, com exclusividade, o domínio político-

administrativo” (NASCIMENTO JÚNIOR, 2011, p. 50), passa a ser considerado como

um elemento geográfico cujo significado epistemológico e ontológico está no fato de

ser, ao mesmo tempo, uma instância espacial de poder, um produto social

historicamente definido, relacional, multiescalar e multidimensional. Essas relações se

configuram por meio de dominação e influência exercidas por um determinado

indivíduo, grupo ou entidade sobre os demais. A esses se lhe denominam agentes.

Como instância espacial de poder, o território é o locus de relações sociais que

tem na tentativa ou na efetivação da dominação e/ou apropriação do espaço a sua

principal razão de ser. Aliás, é justamente desta constatação – e somente daí – que se

pode diferenciar espaço de território, posto que tal distinção resida, tão somente, no foco

analítico que se queira dar à categoria geográfica. Assim, ao privilegiar os processos de

espacialização das relações de poder, se está tratando de analisar o território. Disto se

pode inferir que,

(...) assim como o espaço é a expressão de uma dimensão da

sociedade, em sentido amplo, priorizando os processos em sua

coexistência/simultaneidade (...), o território se define mais

estritamente a partir de uma abordagem sobre o espaço que prioriza ou

que coloca em seu foco, no interior dessa dimensão espacial, n-a

“dimensão”, ou melhor, n-as problemáticas de caráter político ou que

Page 58: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

59

envolvem a manifestação/realização das relações de poder, em suas

múltiplas esferas (HAESBAERT, 2009b, p. 105).

Neste sentido, baseados, quase que em unanimidade, nos estudos de Hannah

Arendt, Michel Foucault e – ainda que em menor grau – Pierre Bourdieu e Cornelius

Castoriadis (ao debater a questão da autonomia) sobre poder, os geógrafos comungam

da ideia de que é através da capacidade de se apropriar ou dominar um espaço,

empregando, para tal, alguma forma de poder, que um ou mais agentes constrói/em o

território.

Para Bobbio (1987, p. 78), o poder é uma “relação entre dois sujeitos, dos quais

o primeiro obtém do segundo um comportamento que, em caso contrário, não

ocorreria”. Neste sentido, ainda de acordo com o autor,

(...) o conceito de poder, entendido a partir da relação entre sujeitos,

estaria ligado, de modo seminal, ao conceito de liberdade, compondo

uma relação dialética, segundo a qual “o poder de A implica a não-

liberdade de B”, a A liberdade de A implica o não-poder de B”.

Segundo Arendt (2005), por sua vez, o poder não deve ser confundido com

violência ou coerção, posto que ambos são indicativos da sua perda e não da capacidade

de exercê-lo. Para a autora, o poder é exercido de modo consensual. Isto, por sua vez,

requer legitimidade, algo que, segundo Bobbio (1987, p. 88), diz respeito aos vários

modos “com os quais se procurou dar, a quem detém o poder, uma razão de comandar, e

a quem suporta o poder, uma razão de obedecer”. A legitimidade necessária para o

exercício do poder é adquirida, ainda segundo N. Bobbio (opus cit.) através do meio

econômico (riqueza), ideológico (saber) e/ou político (força).

Por outro lado, para Hiernaux (1983, p. 556), o poder resulta da interação de

forças que tendem a estabelecer uma relação do tipo “dominante-dominado”, cujas

manifestações de dominação emanadas a partir do exercício de poder de um significará,

em contrapartida, uma resistência do outro. Em convergência com tal assertiva, Castro

(2005, p. 95) afirma que “Relações de poder supõem assimetrias na posse de meios e

nas estratégias para o seu exercício, e o território é tanto um meio como uma condição

de possibilidade de algumas dessas estratégias”. Em seguida, a autora pondera que “(...)

onde há poder, há resistências” (p. 99).

Há que se considerar, portanto, que, no jogo de interesses que resulta na

conformação de arranjos territoriais, o poder pode se manifestar de múltiplas formas,

ou, nas palavras de Haesbaert (2004b, p. 79), “(...) o território pode ser concebido a

Page 59: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

60

partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações

econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente

cultural”.

Assim, no âmbito da espacialização das relações acima aventadas, significa

afirmar que, ao exercer poder, um indivíduo, grupo ou entidade o faz empregando os

meios já mencionados de modo a projetar, no espaço – concomitantemente –, elementos

concretos e simbólicos que lhe garantam a primazia da liberdade de ação sobre os

demais indivíduos, grupos ou entidades, bem como o acesso, o quanto mais amplo

possível, aos recursos necessários à reprodução das condições que mantém o status quo

desejado, o que resulta, enfim, na construção do território.

Outrossim, no debate sobre o território, é fundamental compreendê-lo em sua

dimensão histórica, sem a qual a abordagem relativa ao território careceria de

profundidade e substância. As relações de poder, quando manifestadas no espaço, não

surgem do nada, desprovidas de origem e movimento. Ao contrário, são construídas ao

longo do tempo (lenta ou aceleradamente, dependendo da escala e do agente),

acolhendo a diacronia e a sincronia próprias da história da humanidade, nas diversas

escalas do acontecer.

Em outras palavras, significa afirmar que, como produto social que é, o território

é construído a partir das mais diversas interações sociais e relações econômicas, política

e culturais historicamente determinadas (SAQUET, CANDIOTTO e ALVES, 2010).

Captar as diferentes características e feições que o território assume desde a sua origem

é o que torna possível a sua compreensão plena.

Ocorre, porém, que a historicização do território não deve prescindir do exame

das diferentes formas segundo as quais os agentes envolvidos em processos de

territorialização lidam com o tempo.

Neste sentido, é crucial apreender o tempo em suas duas grandes dimensões: o

eixo das sucessões, que demarca o tempo histórico, e o eixo das coexistências, que se

faz pelo acontecer cotidiano, pela simultaneidade das ações que ocorrem no lugar

(SANTOS, 1997; 2002a). Sobre isto, Santos (1997, p. 163) afirma:

O tempo flui e por conseguinte um fenômeno vem depois de outro

fenômeno. Assim, há uma sucessão de fenômenos ao longo do tempo.

As coisas se dão em uma seqüência. Esta é uma das dimensões com

que podemos trabalhar em Geografia e que nos leva a idéia de pedaços

do tempo ou, em outras palavras, da seqüência do acontecer, uma

espécie de ordem temporal. A cada momento se estabelecem sistemas

do acontecer social que caracterizam e distinguem tempos diferentes,

Page 60: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

61

permitindo falar de hoje e de ontem. Esse é o eixo das sucessões.

Temos também, o eixo das coexistências, da simultaneidade. Em um

lugar, em uma área, o tempo das diversas ações e dos diversos

agentes, a maneira como utilizam o tempo não é a mesma. Os

respectivos fenômenos não são apenas sucessivos, mas concomitantes,

no viver de cada hora. Para os diversos agentes sociais, as

temporalidades variam, mas se dão de modo simultâneo. No espaço,

para sermos críveis, temos de considerar a simultaneidade das

temporalidades diversas.

Longe de serem concebidos como dimensões paralelas e “incomunicáveis” da

existência humana, o eixo das sucessões e o eixo das coexistências formam um par

dialético que permite compreender a sociedade em movimento e nas suas diversas

relações. Tal compreensão ampara o estabelecimento da conectividade entre uma dada

dinâmica territorial, com as transformações e permanências que lhe são inerentes, e o

tempo necessário à sua contínua realização.

No lugar, ambas as dimensões se afirmam, posto que seja “o resultado de ações

multilaterais que se realizam em tempos desiguais sobre cada um e em todos os pontos

da superfície terrestre” (SANTOS, 2002b, p. 258). Assim, na análise da construção do

território, é preciso ter em conta que, no lugar onde as relações de poder que o fazem

existir ocorrem, há “ações do tempo presente e do passado, locais e extralocais” (opus

cit.), que tornam possível o seu surgimento naquela dada realidade.

Disto emerge a noção de temporalidade como elemento constitutivo do

território. Não o tempo absoluto, linear e imaculado, mas a temporalidade, que surge da

maneira única como cada indivíduo, grupo ou entidade faz uso desse tempo na tarefa de

reproduzir-se socialmente, de acordo com os diferentes ritmos da sua existência.

A noção de temporalidade remete, portanto, à ideia de movimento, de ação

deliberada e “de singularidade no uso das técnicas disponíveis e na apropriação das

técnicas ao longo do tempo” (BRANDÃO, 2005, p. 18), posto que abrigue, de modo

concomitante, mas desigual, as historicidades do eixo das sucessões e do eixo das

coexistências que, cada uma a seu modo, dão sentido à vida do indivíduo e do grupo.

A análise das temporalidades do/no território remete à necessidade de uma

periodização2 como um recurso analítico que permita desvelar as características de uma

dada dinâmica territorial nos seus distintos ritmos, segundo as lógicas endógenas e

exógenas que concorrem para a ocorrência dessa construção ao longo do tempo.

2 Os procedimentos metodológicos e o resultado empírico da periodização aqui adotada são

delineados/apresentados de modo detalhado nos capítulos 5 e 6, respectivamente.

Page 61: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

62

Por outro lado, como já mencionado, as manifestações de poder no espaço

ocorrem pela ação deliberada de um ou mais agentes em se fazer(em) ativo(s) no

processo de dominação ou apropriação do espaço que lhe(s) cabe.

Sobre a nomenclatura utilizada, cabe aqui um adendo explicativo: por concordar

com Vasconcelos (2012, p. 76), para quem a noção de ator “remete a papéis de

representação, tanto na vida corrente como nas artes (teatro, cinema)”, e com Giddens,

em citação do próprio Vasconcelos (Idem, p. 82), segundo o qual agente é aquele “que

exerce poder ou produz um efeito”, no âmbito desta tese, o último termo tem

prevalência sobre o anterior sempre que se referir ao(s) sujeito(s) que promove(m) uma

ação cujo caráter seja deliberadamente territorial.

Em texto recentemente publicado, Corrêa (2012), reverberando temática

explorada em outra obra (CORRÊA, 1989), expõe aspectos basilares para a

compreensão do papel desempenhado pelo agente social na sua vinculação com o fazer

geográfico. Embora fazendo referência ao espaço e não ao território – o que não

invalida, em absoluto, a utilização da referência – o autor afirma:

A produção do espaço, (...), não é o resultado da “mão invisível do

mercado”, nem de um Estado hegeliano, visto como entidade

supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora das

relações sociais. É consequência da ação de agentes sociais concretos,

históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais

próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles

mesmos e com outros segmentos da sociedade (Idem, p. 43).

Na assertiva acima destacada, o autor evidencia – mesmo não sendo esta a sua

intenção – o papel territorializador do agente, seja ele qual for, na medida em que, por

um lado, são dotados de interesses, estratégias e práticas próprias, o que o leva à

tentativa de tornar a realidade do lugar onde atua, com a sua geografia aí incluída, o

mais de acordo possível com a sua idealização de mundo; por outra parte, são geradores

de conflitos, isto por que pode não haver consensualidade e compartilhamento de tais

interesses, estratégias e práticas por todos que produzem o espaço, o que acaba por

resultar em reações.

Há, portanto, a necessidade de reconhecer a existência de distintos agentes que,

ao produzirem o espaço segundo suas próprias lógicas, constroem territórios. Na

clássica obra Por uma Geografia do poder, Raffestin (1993) advoga pela existência de

dois grandes grupos de agentes – chamados pelo autor de atores – com capacidade de

promover arranjos territoriais:

Page 62: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

63

Paradigmáticos, representados pelo Estado, firmas, partidos políticos,

entidades religiosas, etc., em cuja ação está contido um programa político

ou econômico pré-definido, que inclui a elaboração de estratégias de

caráter territorial;

Sintagmáticos, que diz respeito a um conjunto de indivíduos agregados

pela identificação mútua de características comuns, mas que não

possuem um plano, um programa que garanta a sua reprodução, o que

incide na prevalência de traços de espontaneidade na construção de

territórios.

Neste contexto, a noção do Estado como agente detentor da primazia de produzir

e gerir territórios, conforme defendido nos postulados de orientação positivista e

neopositivista, é gradativamente substituída por uma concepção segundo a qual os

territórios são construídos a partir da formação de campos de forças nos quais os

agentes atuam sem que estejam necessariamente submetidos a um controle estatal. Tal

constatação é verdadeira para grupos comunitários, movimentos sociais, entidades

empresariais ou do Terceiro Setor, além do narcotráfico e da prostituição, para citar

alguns poucos exemplos.

Em outras palavras, se o Estado não perdeu de todo a sua condição como agente

promotor de práticas territoriais, já que o território se constitui na base geográfica para a

existência de tal ente político, é fundamental ter em conta, por outro lado, que entidades

e grupos diversos que atuam em aliança ou mesmo para além do âmbito estatal também

produzem arranjos definidos a partir da constituição de processos de territorialização.

Por outro lado, longe de significar perda da capacidade de atuação no território,

o redimensionamento do papel do Estado denota, na verdade, uma reestruturação de tal

poder de ação, definida muito por conta da conformação da atual aliança que tem no

Capital o seu co-partícipe.

Assim, o discurso amplamente divulgado pelos intelectuais do neoliberalismo

segundo o qual o espaço e o território estariam em vias de encontrarem o seu fim pela

dissolução das barreiras à mobilidade do capital e das técnicas, de um lado, e das

pessoas, de outro, apresenta-se muito mais como uma cortina de fumaça encobrindo as

reais intenções envolvidas nesse tipo de formulação, na medida em que o Estado e os

agentes hegemônicos da economia seguem utilizando-se amplamente de práticas

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64

territoriais para garantirem a reprodução o quanto mais livre e segura possível do capital

em escala planetária. Sobre isto, Hiernaux (1999b, p. 150) afirma:

(...) predomina en muchas obras la idea de que el espacio se ha vuelto

cada vez más irrelevante para el análisis del modelo económico y

social actual; en otros términos, conceptos como espacio, territorio y

región vem erosionando su sentido (...). Parecería entonces que el

espacio es sólo un soporte material, eventualmente un espejo de las

realidades globales (...).

Todo lo contrario, nuestra forma de enfocar la cuestión territorial es

justamente inversa a la proposición anterior: consideramos que, más

que nunca, el territorio es una dimensión central en la configuración

del modelo económico y social del liberalismo contemporáneo.

(Grifos no original).

Ainda segundo esse geógrafo mexicano, é difícil precisar os fundamentos

territoriais que orientam o modelo liberal hodierno, notadamente em função das

imbricadas relações que os agentes econômicos e o Estado mantêm. Este último é um

fomentador de um discurso territorial planificador, considerado um entrave às

concepções pragmáticas daqueles que querem colocar em curso as estratégias próprias

da doutrina neoliberal.

A presença e atuação desses agentes – os ditos paradigmáticos, segundo C.

Raffestin – é quase sempre muito ostensiva (ainda que nem sempre tão evidente), posto

que haja toda uma gama de elementos materiais e simbólicos que, tendo sido criados

para se constituírem em meios de garantia à reprodução do status quo almejado, dão

visibilidade à ação territorializadora que se quer empreender. Isto está presente tanto na

forma e intencionalidade próprias dos sistemas de engenharia quanto nas ações de

controle/restrição do/ao acesso a determinados locais.

Com atuação nos lugares onde estabelecem suas bases de ação, mas sob

desígnios que são gestados ao longe, tais agentes atuam imbuídos de absoluta

racionalidade criadora de “um regime obediente a preocupações subordinadas a lógicas

distantes, externas em relação à área da ação” (SANTOS, 2000, p. 92). Os territórios daí

advindos são formados por um conjunto de pontos interligados por fluxos verticalmente

constituídos. Ainda de acordo com M. Santos, essas verticalidades realizam a ideia

“segundo a qual o território pode ser visto como um recurso, justamente a partir do uso

pragmático que o equipamento modernizado de pontos escolhidos assegura” (p. 108).

Contudo, existem outros agentes que, mesmo atuando sem uma programação

previamente estabelecida (os sintagmáticos), reivindicam a participação no processo de

construção da(s) dinâmica(s) territorial(is) na(s) qual(is) estão envolvidos. Para esses, os

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65

processos de territorialização derivam “de uma sutil ‘alquimia’ entre o pessoal e o

coletivo” (HEIDRICH, 2010, p. 27) e se inscrevem segundo lógicas relacionais,

históricas e escalares diferentes daquelas com as quais os agentes anteriormente citados

lidam.

Segundo Théry (2008, p. 90), o território é “uma construção social, à qual todos

os seus habitantes participam, todos os dias”. Mesmo reconhecendo que a participação

de agentes econômicos e do Estado “possa ter um peso maior sobre o destino do

território”, o autor mencionado observa que os habitantes, incluindo os mais pobres,

“têm também o seu papel, frequentemente determinante, pela massa que representam,

nem que seja apenas porque se não aderem às decisões das autoridades, estas podem

permanecer letra morta”.

Os homens comuns, os pequenos grupos organizados e os empreendimentos

capitaneados por proprietários locais, todos são capazes, também, de promoverem

dinâmicas territoriais nos espaços de sua reprodução social, ainda que, evidentemente,

sob perspectivas e envolvendo escalas bastante distintas daquelas que amparam as ações

dos agentes hegemônicos anteriormente analisados.

Para Santos (2000, p. 114), “essas pessoas não se subordinam de forma

permanente à racionalidade hegemônica e, por isso, com frequência podem se entregar a

manifestações que são a contraface do pragmatismo”. Mesmo vivendo um quadro da

realidade comandado pelas lógicas do espectro fordista de produção e consumo do

espaço e pela unicidade técnica de uma ordem global opressora, os sujeitos que habitam

o lugar são capazes de compreender que “Condições desiguais oferecem abundantes

oportunidades de organização e ação política” (HARVEY, 2004, p. 98).

Além disso, o território, quando concebido desde o ponto de vista dos agentes

hegemonizados, das comunidades e pequenos grupos locais, carrega consigo toda uma

carga de elementos constitutivos que não estão necessariamente vinculados à economia

e à política, posto que estejam “investido de valores não apenas materiais, mas também

éticos, espirituais, simbólicos e afetivos”, como afirma Ribeiro (2009, p. 26).

Conforme concepção expressa por Brunet, Ferras e Therry, em citação feita por

Vasconcelos (2001), o território é considerado o espaço apropriado com sentimento e

consciência da sua apropriação, o que incorpora a tal ente geográfico uma dimensão

primordialmente afetiva, vinculada a sentimentos e simbolismos derivados de práticas

sociais diversas, não enfatizando a perspectiva política. Deste modo, novo arranjos

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66

territoriais com o enfoque voltado para a dimensão do local, antes negligenciados,

assumiram papel de destaque enquanto foco de análise ligado a este conceito.

Assim dimensionado, o território se revela como um importante elemento na

construção de raízes e de um sentido de pertencimento, sendo ainda um componente da

identidade de um grupo, posto que todos os fatores que concorrem para a conformação

de um determinado modo de viver estejam direta ou indiretamente relacionado à forma

como se usa o território.

Isto remete a uma noção de territórios socialmente construídos como resultado

da ação contínua de um grupo que, ao se apropriar do espaço, passa a responder por um

conjunto de produções que se dão no lugar e que podem ser compreendidos apenas pela

relação de proximidade e pela coexistência. Segundo tal lógica, o território, mesmo

“contaminado” pela presença das verticalidades de que trata M. Santos, é gestado a

partir de uma ordem local, lidando com esta força exógena através da afirmação sempre

constante de um sentido. Neste caso, conforme lembra Santos (2000, p. 111),

O território não é apenas o lugar de uma ação pragmática e seu

exercício comporta, também, um aporte da vida, uma parcela de

emoção, que permite aos valores representar um papel. O território se

metamorfoseia em algo mais do que um simples recurso e (...)

constitui uma abrigo.

Isto posto, é importante frisar que a construção dos territórios que contemplam

os interesses de cada um dos grupos não se dá em contextos distintos ou apartados. Em

outras palavras, enquanto os agentes paradigmáticos projetam no espaço o poder que

deles emana, os agentes sintagmáticos realizam o mesmo. Se as lógicas e estratégias são

distintas, a finalidade os iguala: tornar a sua existência o quanto mais longeva pela

capacidade de dominar e/ou se apropriar de um ou mais territórios. Conforme salientado

por Haesbaert (2004b, p. 42):

(...) devemos reconhecer que vivenciamos hoje um entrecruzamento

de proposições teóricas, e são muitos, por exemplo, os que contestam

a leitura materialista como aquela que responde pelos fundamentos

primeiros da organização social. Somos levados, mais uma vez, a

buscar superar a dicotomia material/ideal, o território envolvendo, ao

mesmo tempo, a dimensão espacial material das relações sociais e o

conjunto de representações sobre o espaço ou o “imaginário

geográfico” que não apenas move como integra ou é parte

indissociável destas relações.

Neste sentido, não apenas Haesbaert (2008, p. 21), mas outros expoentes dos

estudos sobre a abordagem territorial, como Souza (2009, p. 66) e Saquet (2009, p. 87),

Page 66: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

67

concordam – cada um ao seu modo – ao afirmarem que o território é, ao mesmo tempo,

“funcional e simbólico”, como menciona o primeiro, “modelagem material” e “relação

social”, conforme aponta o segundo, e “material e imaterial”, de acordo com o terceiro.

Em essência, os autores afirmam ser o território um amalgama de elementos racionais e

subjetivos e de elementos concretos e relacionais. Assim, o território é tomado também

a partir de uma perspectiva que enfatiza o seu “caráter dinâmico e multidimensional”,

levando-se em conta ainda a sua “multiescalaridade” (HAESBAERT, 2004b, p. 340),

isto se aplicando também àqueles lugares onde o turismo passa a presidir as ações

relativas à constituição de territórios, como se verá a seguir.

Assim, é nesse complexo campo de forças que abriga, repele e reelabora a

diferença onde emergem as contradições, pois, como afirma Lima (2006, p. 105-106):

À medida que se implanta um grande investimento num espaço, quer

de infra-estrutura, quer de produção ou consumo, impõem-se

mudanças socioespaciais e normativas para o adequado

funcionamento do novo ente geográfico. Nessas condições, o

ambiente não pode mais ser receptivo às tradições locais, tendo que

forçar as pessoas a novo modo de vida, às vezes com bruscas

substituições em seus ritmos, costumes, consumo etc. (...). Aos

residentes, aos que pretendem manter seu cotidiano, agressividades

lhes são impostas, sem condição de defesa e possibilidades.

Essas tensões tendem a se ampliar, quanto mais expressiva for a

atuação dos investimentos externos no lugar. Nem sempre as

melhorias criadas no local se orientam para o bem-estar da população,

mas para otimizar a operacionalidade das unidades produtivas

integradas à produção globalizada.

Além disso, em um momento histórico no qual “valores econômicos não apenas

se transformaram definitivamente em hegemônicos como, também, contaminaram todos

os demais valores” (HISSA, 2009, p.48), verifica-se a crescente complexidade territorial

nos lugares violentamente afetados pelos desígnios do mercado, posto que, mesmo

aqueles supostamente menos preparados para a competição econômica almejem galgar

“um lugar ao sol”.

Desta forma, refletindo sobre a construção de territórios desde a perspectiva dos

agentes que atuam localmente, é possível inferir que, nas condições descritas logo acima

por L. Lima e C. Hissa, há aqueles que perdem, alguns que se adaptam e outros que

resistem. Daí surgem territorializações que, parafraseando Souza (2006), se

desenvolvem junto com, apesar de ou contra os agentes hegemônicos, ou seja, o Estado

e os detentores dos meios de produção.

Page 67: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

68

Tal situação não é diferente nos territórios do turismo, aquelas localidades onde

a prática turística passa a presidir as relações entre os diversos agentes, pois, conforme

afirma Castilho (2006), o turismo é percebido pelas populações mais pobres como uma

oportunidade e uma expectativa de mobilidade socioespacial. Disto decorrem processos

que fazem emergir novas formas de projeção de poder no espaço que, em convivência

com as que lhe antecedem, tornam a vida muito mais complexa e dinâmica.

2.2 O turismo contemporâneo e a construção social dos territórios

Como visto anteriormente, tratar da abordagem territorial é reconhecer, antes de

tudo, que a sua atualidade está na dupla base explicativa que lhe dá substância: a

material, ligada à possibilidade de dominação de um fragmento da superfície terrestre, e

a simbólica, referente ao privilégio do usufruto/apropriação de um dado espaço

(HAESBAERT, 2007). Em outras palavras, se na primeira acepção a existência do

território e do jogo dinâmico pela sua dominação (a territorialidade) tem um caráter

funcional, jurídico-institucional e político-econômico, na segunda, a ênfase está nos

aspectos subjetivo e simbólico da relação entre um indivíduo ou grupo e o espaço onde

vivencia(m), reproduz(em) suas práticas sociais e, enfim, se territorializa(m).

Importante considerar mais uma vez que, admitindo tal perspectiva de

compreensão, a construção do território não se realiza desta ou daquela forma, mas sim

desta e daquela forma. Significa afirmar que o território é um ente geográfico prenhe de

multiplicidade de relações, já que “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da

dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais

subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’” (HAESBAERT, 2004b, pp. 95-96).

Assim, como afirma Haesbaert (2004a), o território é um espaço que não pode

ser entendido a partir apenas da sua dimensão natural e, tampouco, unicamente por seu

caráter político, econômico ou cultural. “Território”, para o autor, “só poderia ser

concebido através de uma perspectiva integradora entre as diferentes dimensões sociais

(e da sociedade com a própria natureza)” (Idem, p. 115). Além disso, o autor acrescenta

que uma visão que inclui, ao mesmo tempo

(...) a concepção multiescalar e não exclusivista de território

(territórios múltiplos e multiterritorialidade, como propusemos em

Haesbaert, 2002), trabalha com a idéia de território como um híbrido,

seja entre mundo material e ideal, seja entre natureza e sociedade, em

suas múltiplas esferas (econômica, política ou cultural) (Ibdem, p.

115).

Page 68: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

69

No âmbito do turismo, compreender esta pluralidade de intenções e sentidos que

contribuem na construção sempre inacabada dos territórios passa, portanto, pela busca

de uma análise que permita abarcar toda a complexidade da dupla acepção do território,

ou seja, o seu caráter material e simbólico, bem como as suas dinâmicas, notadamente

neste período da História, marcado pela co-presença de lógicas de acumulação inerentes

aos regimes constitutivos do espectro fordista de produção e consumo do espaço.

Não se pode negar, pois, que o advento da multiterritorialidade nos espaços

dominados pelos agentes do turismo tem a ver, em muito, com a diversificação e

complexidade crescente dos usos em tais territórios e que estas (a diversificação e

complexidade), por sua vez, estão ligadas à inserção de modelos de acumulação

pós/neo/fordistas na prática do turismo.

Assim, pela sua exequibilidade dentro do quadro analítico aqui evidenciado,

emergem duas abordagens para a compreensão do turismo a partir de uma perspectiva

territorial: a da multiterritorialidade do turismo, proposta por Rodrigues (2006),

tomando como base os escritos de Haesbaert (2004a; 2004b; 2007; 2008) e a do turismo

como uso do território, de autoria de Steinberger (2009), sustentada nos postulados de

Santos (1994b) e Santos e Silveira (2001).

Em ambas as propostas, as autoras introduziram os referenciais teóricos como

suportes para a análise específica do turismo (algo não realizado pelos propositores

daqueles postulados), criando, assim, as condições para o desenvolvimento de

formulações empíricas de tais abordagens.

No que concerne à perspectiva da multiterritorialidade do turismo, Adyr

Balastreri Rodrigues aponta para a necessidade de compreender esta prática

socioespacial a partir do exame da dinâmica multiescalar e multidimensional dos

territórios turísticos. Segundo a autora:

O território turístico, em particular, sendo um espaço dominado e/ou

apropriado, assume um sentido multiescalar e multidimensional que

só pode ser devidamente apreendido dentro de uma concepção

compósita, ou seja, de multiterritorialidade (RODRIGUES, 2006, p.

306).

Isto implica em admitir a existência, no turismo, de uma “flexibilidade territorial

do mundo contemporâneo, dito pós-moderno” geradora de uma multiplicidade de

territórios que se dá tanto através “da sua sobreposição num mesmo local”, quanto da

“conexão em rede pelo espaço planetário” (Idem, p. 305).

Page 69: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

70

Deste modo, fica patente a necessidade de empreender esforços para o

entendimento da multiterritorialidade do turismo pela análise das interpenetrações e dos

conflitos gestados nesses territórios, que se configuram a partir da relação dialética entre

as lógicas vertical e horizontalmente constituídas ou, como concebido por Haesbaert

(2007), na ambivalência de territórios-rede e territórios-zona.

A análise da constituição de territórios-rede nos espaços apropriados pelo

turismo permite compreender os meios pelos quais os agentes hegemônicos ligados à

atividade projetam relações de poder estabelecidas através de redes, engendrando

formas de dominação que, em muitos casos, têm alcance global.

Por seu turno, através do exame dos territórios zonais, é possível compreender,

além do papel político-econômico, funcional e jurídico-institucional do turismo

projetado no espaço, as relações simbólicas e culturais daqueles que visitam os lugares

turísticos e que, portanto, têm atuação preponderante na construção de representações

geográficas acerca destes locais, bem como das comunidades receptoras, daqueles que,

por meio da vivência e da experiência cotidiana, reproduzem práticas sociais de caráter

territorial.

Na abordagem que toma o turismo como um uso do território, Marília

Steinberger enfatiza a necessidade de apreender a formação deste ente geográfico a

partir dos usos que lhe são atribuídos e que o turismo, como uma das formas de sua

utilização, produz o espaço. Logo na abertura da segunda seção do artigo no qual aborda

tal perspectiva de análise, intitulada “O turismo é antes de tudo um uso do território”, a

autora afirma de forma categórica:

O título desta seção é propositadamente impositivo por que se está

afirmando que o turismo, antes de ser um fenômeno, um sistema, uma

prática, um produto, um serviço ou uma indústria, é um uso do

território. A anterioridade está no pressuposto de que o turismo só

pode ser objeto de uma análise dialética, funcionalista,

fenomenológica, sistêmica, neo-positivista, empírica ou operacional

por que é um uso do território. Se esse uso não se efetivar não há

turismo e, assim, não há o que analisar (STEINBERGER, 2009, p.

39).

O território é entendido, pois, na sua dinâmica de território usado, concebido não

simplesmente como uma materialidade, no seu sentido mais ortodoxo, mas como um

“campo de forças” (Idem, p. 46) onde se constitui a arena de ações dos agentes

hegemônicos – no caso, do turismo – e dos homens. Como “recorte sempre incompleto

da totalidade” (HISSA, 2009, p. 76), o território é, assim, o espaço onde se desenrolam

Page 70: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

71

usos múltiplos dotados tanto da racionalidade própria dos fazeres ligados à ordem

global quanto daqueles organicamente constituídos, estabelecidos a partir de uma ordem

local.

Ao considerar as diversas possibilidades de uso do território pelo turismo, a

autora reivindica a aceitação do caráter interdisciplinar da proposta e menciona que a

abordagem do turismo como uso do território gera a necessidade de dividir esta

totalidade em quatro pares para fins metodológicos: urbano-cidade, rural-campo,

regional-região e natural-sistemas naturais.

Importante frisar, enfim, que as propostas descritas acima não se excluem entre

si. Ao contrário, é possível aplicá-las, inclusive, segundo uma perspectiva integradora,

já que, em ambas, existem convergências teóricas, notadamente naquilo que concerne

ao entendimento do território e da territorialidade como meios para “afastar o risco de

alienação, o risco de perda do sentido da existência individual e coletiva, o risco da

renúncia ao futuro” (SANTOS, 1994b, p. 15).

Mais do que isso, ao conceber o território como um elemento social e

historicamente produzido, Rogério Haesbaert, de forma mais ampla, e Adyr Balastreri

Rodrigues, tratando especificamente do turismo, permitem inferir que é a partir dos usos

que lhe são atribuídos que este ente geográfico se constrói. Por outro lado, Marília

Steinberger (2009, p. 47 e 49), ao afirmar a existência de “intencionalidades plurais” e

de “multiplicidade de formas de apropriação do território” nos usos efetuados pelo

turismo, reconhece a própria existência da multiterritorialidade.

Nesta tese, o interesse pela análise das dinâmicas territoriais decorrentes da

turistificação das localidades litorâneas de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do

Forte (BA) está centrado na perspectiva dos grupos receptores, o que favorece à

pesquisa desde o ponto de vista da formação dos territórios-zona acima aventados, na

sua multidimensionalidade.

Ao definir o turismo, Castilho (1999) considera tal prática a partir da sua

dimensão socioespacial, com um caráter simultaneamente objetivo e subjetivo, cuja

redefinição se dá segundo os interesses dominantes. Em texto de 2006, porém, o autor

julga importante acrescentar ao debate um exame dos interesses que ainda não se

tornaram dominantes. Segundo C. Castilho (2006, p. 69), “Trata-se do conjunto de

interesses ligados aos grupos sócio-territoriais dominados que necessitam ser

contemplados pelas ações de gestão (...) do espaço”. É justamente desta constatação que

parte o interesse de análise do turismo nos lugares citados alhures.

Page 71: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

72

O interesse de estudo repousa em compreender, portanto, as articulações

territoriais de lugares turísticos extremamente importantes nos seus respectivos estados,

mas pelo olhar dos grupos receptores, daqueles sujeitos que,

(...) no território de destino, ao mesmo tempo que dão o suporte para o

turismo acontecer, são envolvidos em relações sociais complexas eu

modificam, de forma dialética o território que se transforma no seu

todo ou em partes, o que igualmente irá produzir a transformação do

todo. O resultado é que nada ser á como antes, considerando-se que a

dinâmica territorial é sempre criação e recriação de territorialidades

(RODRIGUES, 2006, p. 301).

De fato, o que está no cerne deste estudo é a busca pela compreensão do papel

dos grupos pré-existentes nesse fazer e refazer do território a partir da turistificação de

suas moradas, levando-se em conta que, retomando a paráfrase já empregada (a partir de

SOUZA, 2006b; 2010), as estratégias territoriais se desenvolvem, via de regra, junto

com, apesar de ou contra os agentes hegemônicos, ou seja, o Estado e os detentores dos

meios de produção.

Para tanto, são tidos como os agentes em processo de territorialização que

interessam ao estudo os seguintes indivíduos e grupos, todos considerados

sintagmáticos, conforme apontado por Raffestin (1993):

Organizações sociais: associações de moradores ou de classe (condutores de

buggy, taxistas, pescadores, etc.).

Organizações não-governamentais e grupos de interesse específico (surfistas,

naturalistas, “mochileiros”, etc.).

Indivíduos, grupos não constituídos formalmente e sociedade local.

Desta forma, esta tese se constitui em um trabalho de análise crítica e reflexiva

da abordagem territorial em localidades afetadas pelo turismo, buscando compreender

os processos diversos que transformam tais espaços em territórios dinâmicos e

complexos, verdadeiras arenas “da oposição entre o mercado – que singulariza – e a

sociedade civil – que generaliza (...)” (SANTOS, 1994b, p. 19).

Page 72: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

73

II

PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO DO

TURISMO NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL

Page 73: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

74

Capítulo 3

O “MODELO CANCÚN”, AS TERRITORIALIDADES DO TURISMO NA

AMÉRICA LATINA E SEUS REBATIMENTOS NO NORDESTE BRASILEIRO

O balneário mexicano de Cancún é atualmente o principal destino turístico de

Sol e Praia da América Latina. Criada em meados da década de 1970 na porção

litorânea do estado de Quintana Roo onde antes havia um diminuto casario de origem

maia, a cidade possui um dos mais importantes complexos turístico-hoteleiros do

mundo. Além disso, agrega, na sua parte residencial, uma população fixa de cerca de

pouco menos de um milhão de habitantes.

Sua localização e belezas cênicas, aliadas aos vultosos investimentos públicos e

privados e à massiva propaganda que evoca um moderno “paraíso” transformado em

refúgio para ricos e famosos de porte hollywoodiano, dotaram a localidade da áurea de

exclusividade e glamour que todo e qualquer mortal deseja um dia poder vivenciar.

Segundo Propín e Sanchéz (2007), Cancún é o segundo destino preferencial para

os turistas estrangeiros no México e o terceiro em números totais de recepções, estando

aquém apenas dos ingressos aferidos na Capital Federal e em Acapulco, dois centros de

grande interesse para o turismo interno.

Diferente do que é comum para a maioria dos lugares apropriados pelo turismo

de Sol e Praia em países subdesenvolvidos, onde a demanda precede a oferta na

conformação dos destinos turísticos, tal sucesso não decorre de iniciativas espontâneas

ou de pequenos projetos setoriais do Estado mexicano. Ao contrário, o surgimento de

Cancún como centro turístico de porte internacional resulta de um vigoroso programa

estatal que envolve diversos setores governamentais e que assume papel de destaque nos

Planos de Desenvolvimento Nacional do México.

Dado o proeminente posicionamento da cidade mexicana entre os principais

destinos turísticos em escala global, formou-se uma opinião quase consensual entre os

estudiosos referendando a experiência desenvolvida em Cancún como um modelo para

as políticas públicas dedicadas ao turismo em diversos países da América Latina, entre

os quais o Brasil.

Deste modo, a intenção deste capítulo é refletir sobre o papel das políticas

públicas na construção material e simbólica de Cancún como um dos principais destinos

turísticos em escala global, ao tempo em que busca propor um debate acerca da

Page 74: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

75

pertinência do discurso segundo o qual tais políticas se constituem em modelo para o

planejamento de outros destinos de Sol e Praia na América Latina e no Brasil.

3.1 Algumas reflexões sobre as políticas públicas para o turismo no México

Até a primeira metade do século XX, os principais destinos turísticos da

América Latina setentrional eram Havana (Cuba), e Acapulco e Veracruz (México). A

essas urbes afluíam grandes contingentes de turistas norte-americanos, com certa

preferência para o destino insular, graças à proximidade em relação à Miami e à

permissividade do governo de Fugêncio Batista para com os vizinhos do norte quanto

ao consumo de bebidas alcoólicas e à prostituição.

O advento da Revolução Cubana deu fim àquele fluxo turístico direcionado à

ilha caribenha, criando um vazio no mercado emissor norte-americano, fato que abriu,

para o Estado mexicano, uma oportunidade de ampliação do seu número de visitantes.

Sua realização se deu, a partir de então, na perspectiva do planejamento do turismo

comandado pelo Estado.

De acordo com obra publicada pelo governo de Quintana Roo (1987), em finais

da década de 1960, o Estado mexicano estabeleceu as condições para o

desenvolvimento planejado do turismo no país através da criação, via Banco de México,

do Infratur (Fondo de Promoción de Infraestructura Turística), com vistas à

consolidação das zonas turísticas já existentes e criação de outras em localidades que

apresentassem potencial para tanto.

Além dos trabalhos de localização e desenvolvimento de novas zonas turísticas,

o governo mexicano interveio na atração de investidores privados para o setor através

da criação do Fogatur (Fondo de Garantía y Fomento al Turismo), conformando a

aliança entre o Estado e o setor privado nos assuntos referentes ao desenvolvimento do

turismo. Posteriormente, foi popularizado como parceria público-privada, o qual foi

bastante explorado durante o advento do neoliberalismo.

Segundo Boggio (2007), nos primeiros anos de implantação da infraestrutura e

da superestrutura turística, os destinos turísticos tiveram no Estado mexicano o seu

único grande investidor, ação que se revela em sintonia com a política econômica que

fora conduzida pelos mandatários de então, orientada por um modelo “keynesiano-

cepalino” (CALVA, 1993, p. 99).

De fato, sob o discurso da promoção do desenvolvimento regional e do ingresso

de investimentos em regiões menos favorecidas, o Estado mexicano se tornou um

Page 75: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

76

investidor direto, principalmente através da dotação de infraestrutura, e como um dos

principais financiadores de iniciativas privadas, por meio da oferta de linhas de crédito.

Assim, após definição da Infratur, surgiu a iniciativa de criar o Proyecto de

Desarrollo Turístico en Cancún, que resultaria na edificação do primeiro entre os atuais

cinco Centros Turísticos Integralmente Planeados3, cuja concepção estava amparada

pelo Plano Nacional de Desenvolvimento mexicano.

A concretização dos objetivos e linhas estratégicas traçados para os centros é

possível graças à elaboração do chamado Plan Maestro, que rege as obras de

infraestrutura e superestrutura do turismo, assim como os serviços necessários à criação

e consolidação do destino turístico. A metodologia desenvolvida para o masterplan de

Cancún serviu de parâmetro para a elaboração daqueles destinados aos demais Centros

Integralmente Planejados.

Em 1974, mesmo ano da inauguração da cidade de Cancún, foi criado o Fonatur

(Fondo Nacional de Fomento al Turismo) a partir da junção dos dois órgãos pré-

existentes (Infratur e Fogatur), cujas funções primordiais, segundo García (1979, p. 21),

são “(...) asesorar y financiar los programas turísticos y orientar la inversión hacia las

zonas y proyectos turísticos de interés nacional”.

Esse órgão assumiu a condução do processo de planejamento e encaminhamento

das ações referentes ao turismo no México, incluindo os trabalhos concernentes às

etapas seguintes de implantação do Plan Maestro de Cancún, ao Plano Diretor de

Desenvolvimento Urbano e à criação da Riviera Maya, um dos vários projetos de

ampliação do espaço urbano-turístico (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 2006).

Para tanto, a opção adotada quanto ao marco teórico a ser empregado no

planejamento turístico mexicano se baseou no modelo de polos de desenvolvimento,

formulado por François Perroux4.

Segundo tal concepção, todo espaço é composto por um centro, ou polo, de onde

emanam forças centrífugas e atraem forças centrípetas que geram crescimento

econômico (HERMANSEN, 1977). Assim, criados a partir de uma política pública,

3 Os demais Centros são Loreto, Ixtapa-Zihuatanejo, Los Cabos e Huatulco.

4 Segundo Souza (2005), a teoria dos polos de crescimento foi desenvolvida por François Perroux, em

meados da década de 1950, a partir da análise da concentração industrial na França (entorno de Paris) e

Alemanha (Vale do Ruhr). Conforme apontado por Andrade (1987, p. 59), em uma síntese conceitual, “o

pólo é o centro econômico dinâmico de uma região, de um país ou de um continente, e que o seu

crescimento se faz sentir sobre a região que o cerca, de vez que ele cria fluxos da região para o centro e

refluxos do centro para a região. O desenvolvimento regional estará, assim, sempre ligado ao do seu

pólo”.

Page 76: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

77

estes pólos tenderiam a induzir o desenvolvimento regional através do surgimento de

atividades econômicas que lhe dariam suporte .

De modo muito apropriado, Bezzi (2004, p. 137) afirma que, nessa perspectiva,

há uma significativa valorização do papel da cidade como centro de organização

espacial. Segundo a autora, “as cidades com uma função determinada passam a ser um

polo de atração, ou seja, um centro irradiador de toda a dinâmica da região”,

organizando assim a sua hinterlândia e dinamizando, em efeito cascata, os centros de

menor porte, “em um verdadeiro sistema espacial”.

Em defesa de tal modelo, Soto e Soto (1980, p. 181) afirmaram:

La integración regional de Quintana Roo deberá regularse

atendiendo al desarrollo de centros de crecimiento para lo cual

deberán seleccionarse los puntos en los cuales habrá de concentrarse

la atención para que primero funcionen como centros locales de

servicios y en la última etapa como centros de crecimiento regional.

As autoras consideravam então que, neste panorama proposto, Cancún, assim

como nos demais núcleos implantados, deveria figurar como centro de crescimento

regional, polos de primeira ordem dentro da hierarquização apresentada.

Na década de 1980, durante os governos sob orientação neoliberal de Miguel de

La Madrid (1982-1988) e, sobretudo, nos de Salinas de Gortari (1988-1994), foram

implantadas as bases para as radicais mudanças de rumo nas políticas públicas

mexicanas que se fizeram presentes ao longo do decênio e do século seguintes, a partir

da presidência de Ernesto de Zedillo Ponce de León, entre 1994 e 2000 (CÓRDOBA e

GARCÍA, 2003; BOGGIO, 2007).

Essa nova etapa resultou em uma reviravolta em direção ao neoliberalismo, com

amplo favorecimento aos investimentos privados e a paulatina transformação do Estado

em um coadjuvante nas ações político-econômicas nacionais, inclusive naquelas

referentes ao turismo.

No caso mexicano, o Estado se enquadrou nas características apontadas por

Harvey (2005), segundo as quais, pelo seu caráter desenvolvimentista, o setor público e

o planejamento estatal, em associação com o capital, tem grande importância na

promoção da acumulação e do crescimento econômico. Para tanto, o Estado prioriza a

dotação de infraestruturas sociais (formação de mão de obra qualificada, pesquisa e

inovação) e físicas (ligadas aos transportes, saneamento e demais obras de construção

civil).

Page 77: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

78

Assim, a década de 1990 foi o momento de consolidação da metamorfose do

Estado intervencionista, construtor e administrador de hotéis em um ente que passava a

instalar as infraestruturas descritas por David Harvey, mas outorgava à iniciativa

privada, através da venda de suas propriedades imobiliárias e de instrumentos de apoio

financeiro e incentivos fiscais, a primazia dos investimentos, com forte presença do

capital internacional.

Ainda no último decênio do século XX, foi criado o Plan de Desarrollo del

Turismo, um programa setorial elaborado pela Secretaria de Turismo do México através

da Fonatur e que, por força de lei (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1992), está

submetido ao Plano Nacional de Desenvolvimento daquele país. Sua função é

especificar os objetivos, prioridades e políticas de normatização do setor, dando maior

segurança aos grandes investidores internacionais.

Esse plano de desenvolvimento turístico possui duas características bastante

significativas: a sua conformação como uma política de Estado que vislumbra o turismo

a partir de uma visão economicista e a sua concepção fortemente amparada pelos

desígnios do neoliberalismo.

A manutenção da política de ampliação da infraestrutura nos destinos turísticos

preferenciais, visando torná-los continuadamente atrativos para os investimentos

privados, levou a Fonatur a um refinamento do modelo baseado nos polos de

desenvolvimento, através da consolidação das antigas unidades espaciais e criação de

outras tantas, sob nova roupagem.

Essas unidades são os Centros de Desarrollo Turístico Prioritários (CDTP),

formados por cidades, portos, praias, vilas típicas e áreas naturais relevantes. Os ditos

centros são ligados por Corredores Turísticos (CT), ou seja, franjas localizadas entre

dois ou mais centros, ao passo que os conjuntos formados por CDTPs e CTs contíguos

compõem, por sua vez, as Zonas de Desarrollo Turístico Prioritários (ZDTP).

Importante salientar que, no caso mexicano, o desenvolvimento de políticas

públicas para o turismo está ligado a um amplo contexto de planejamento estatal, posto

que esta atividade componha um dos itens mais importantes nos sucessivos Planes

Nacionales de Desarrollo daquele país a partir da década de 1970.

A importância atribuída ao turismo é de tal envergadura que, como apontam

Mercado, Rojas e Calderón (1993), no texto oficial referente ao período 1989-1994, o

governo mexicano chega a postular a atividade como um dos pilares da recuperação

econômica do país, atingido por uma crise financeira na década de 1980.

Page 78: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

79

O texto do último plano (2007-2012), por sua vez, afirma categoricamente que

“el sector turismo tiene varias características que lo convierten en una prioridad

nacional dada su importância como factor de desarrollo y motor de crecimiento”

(ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 2007, pp. 116-117).

Além disso, como se verá a seguir, no caso específico de Cancún, é absoluta a

articulação dos níveis federal, estadual e municipal na promoção de políticas públicas

que assegurem a sua condição de destino turístico de Sol e Praia do México por

excelência.

3.2 A construção material e simbólica de Cancún como destino turístico

Até o início do século XX, Quintana Roo, onde está localizada a cidade de

Cancun (Figura 10), sequer existia como estado federado. Ao invés disso, aquelas terras

orientais da Península de Yucatán adquiriram, apenas em 1902, o status de Território

Federal, estando, portanto, sob a tutela direta do poder central mexicano.

Naquele momento, a intenção do governo Porfírio Díaz era, através da maior

presença estatal, dar marcha a um processo de expropriação das terras maias e a

consequente implantação de latifúndios voltados à exploração de produtos agrícolas e

extrativistas em grande escala, como, por exemplo, a seringueira.

Por jogar um papel pouco importante na fraca economia de Quintana Roo ao

longo do período que antecedeu à criação do polo turístico, a localidade de Cancún, por

sua vez, seguiu mantendo as características multisseculares que perpetuavam a situação

de inércia territorial que acometia a pequena vila de tradições maias.

Apenas em 1974 Quintana Roo passou a ser considerado um estado mexicano,

cuja divisão político-administrativa contemplava a existência de sete municípios5 e suas

respectivas sedes, as chamadas cabeceras municipales: Benito Juaréz (Cancún),

Cozumel (Isla Cozumel), Felipe Carillo Puerto (Felipe Carillo Puerto), Isla Mujeres

(Isla Mujeres), José Maria Morelos (José Maria Morelos), Lázaro Cárdenas

(Kantunilkín) y Othón P. Blanco, antes denominado Payo Obispo, cuja sede municipal,

Chetumal, é também a capital do estado (QUINTANA ROO, 1987).

O município de Benito Juaréz surgiu no âmbito da própria criação do estado de

Quintana Roo, haja vista que, antes de tal decreto, a divisão admistrativa do Território

5 Em 1993 e 2008, respectivamente, foram criados os municípios de Solidaridad e Tulum, elevando para

nove o número de unidades político-administrativas do estado de Quintana Roo.

Page 79: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

80

Federal abrigava apenas os municípios de Isla Mujeres, Cozumel, Felipe Carrillo Puerto

e Payo Obispo. O espaço jurisdicional que lhe cabe como unidade político-

administrativa resulta do desmembramento de terras antes pertencentes ao município de

Isla Mujeres.

Figura 10. As transformações decorrentes da criação da Ciudad Cancún: (a) formações marinhas na década de 1970; (b) setor hoteleiro, na atualidade.

Fonte: Ayuntamiento de Benito Juárez (2012).

Page 80: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

81

No que se refere à motivação para a criação do município, esta é assim descrita

em obra publicada pelo estado de Quintana Roo (Idem, p. 9):

Particularmente en el norte del estado, el desarrollo de la zona

continental a través del polo turístico de Cancún, llevó a la necesidad

de fragmentar el municipio de Isla Mujeres. La gran extensión de este

municipio antes de modificarse la división política hasta entonces

vigente y la condición insular de su cabecera habrían hecho que

resultara en extremo difícil dar a Cancún la atención que su rápido

crecimiento demandaba.

Isto posto, não exige esforço concluir que a criação do município de Benito

Juaréz se deu única e exclusivamente por pressões econômicas ligadas ao setor turístico

baseado em Cancún, cujos agentes estavam ávidos por terem atendidos os seus

interesses crescentes.

3.2.1 Cancún: da pesca ao turismo, de vilarejo a centro turístico internacional

Segundo documento elaborado pelo Governo do México (ESTADOS UNIDOS

MEXICANOS, 1988), a história econômica de Quintana Roo pode ser dividida em dois

períodos: o primeiro, denominado de Enclave Forestal, durou cerca de sessentaa anos

(do início do século XX à década de 1950) e foi marcado pelo domínio da exploração

agrícola e pelo extrativismo; o segundo, denominado Desarrollo Turístico-pesquero,

teve início na década de 1970 e é caracterizado principalmente pela implantação do

Plan Cancún e, de forma secundária, pelo desenvolvimento da indústria de pesca no

estado.

Ainda segundo o documento, ambos os períodos foram entremeados por uma

fase de transição, datada no decênio de 1960, na qual os primeiros surtos de crescimento

econômico orientados por pequenas iniciativas nos setores turístico-hoteleiro e

pesqueiro imprimiam os sinais de mudança.

Essas primeiras experiências capitaneadas por empresas ligadas ao turismo e à

hotelaria estavam concentradas em Cozumel e Isla Mujeres, mas, apesar da

proximidade, não atingiram a localidade de Cancún, ao menos não até a conclusão dos

trabalhos realizados pela Fonatur com o intuito de identificar destinos potenciais para o

desenvolvimento de megaempreendimentos voltados para o turismo receptivo

internacional.

A escolha de Cancún como primeiro Centro Turístico Integralmente Planeado

ocorreu em finais da década de 1960 através da ação conjunta do Estado mexicano e

Page 81: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

82

Banco Mundial, que procederam a compra das propriedades onde a cidade veio a ser

instalada. A definição pelo local ocorreu pela reunião de fatores tais como a localização

na zona costeira caribenha, o que cobriria a demanda norte-americana por turismo de

Sol e Praia, as belezas naturais, condições climáticas e histórica tradição do uso do solo,

marcada pela pouca densificação, o que facilitaria sobremaneira a aquisição de terras.

Em outras palavras, a convergência de fatores locacionais e cênicos de base

físico-ambiental, a riqueza do patrimônio arqueológico maia e a baixa densidade

demográfica, aliada à frágil estrutura fundiária, facilitou o alinhamento de interesses do

Estado e iniciativa privada, gerando as condições para a implantação do primeiro entre

os centros turísticos de porte internacional do México.

Desta forma, tão logo tenham sido definidas as bases para o planejamento

turístico na localidade, foram adquiridos terrenos para a edificação da nova cidade, que,

segundo documento do Governo Federal (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1999),

somavam então 12.700 ha, cujos usos foram definidos segundo a conformação de três

zonas distintas: a zona turística, com 2.163 ha (17% da área), a zona urbana, com 3.699

ha (29%) e a reserva ecológica e superfície lacustre, com 6.838 ha (54%).

Após a inauguração da Ciudad Cancún, em 1974, a zona turística passou a

concentrar todo o parque hoteleiro, incluindo as áreas condominiais voltadas para as

segundas residências, as áreas comerciais, campos de golf, aeroporto, entre outras. Por

sua vez, à zona urbana caberia ser o núcleo de moradia da população de Cancún, além

de ser o locus de diversas atividades turísticas secundárias. Segundo o discurso oficial:

Se trataba no sólo de generar divisas y empleos, sino también de

crear un conjunto urbano y turístico que, desde el punto de vista del

diseño, garantizara que el hombre pudiera vivir en un ambiente

agradable sin perder la comunicación, la convivencia y la escala

humana (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, Idem, p. 118).

Se a presença do Estado como investidor direto e proprietário de hotéis nos

primeiros anos de existência da cidade de Cancún foi garantia fundamental para a

consolidação do centro turístico, a partir dos anos 1980, houve uma mudança de rumos

em direção às políticas públicas com base no neoliberalismo.

Conforme o modelo neoliberal apresentado alhures, a partir de então o Estado

mexicano se desfez das propriedades em Cancún na mesma medida em que promovia

incentivos aos negócios e aos novos investimentos do capital estrangeiro. De forma

complementar, foram instauradas políticas públicas que visavam (a) fortalecer a

Page 82: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

83

competitividade do destino turístico e (b) assegurar a diversificação, via segmentação,

da oferta dos atrativos.

Para tanto, segundo afirma Arnaiz (1992), a estratégia posta em prática foi a da

edificação dos seguintes megaprojetos turísticos:

Corredor Turístico Cancún-Tulum: projeto turístico-hoteleiro erguido em uma

franja costeira de cerca de 130 km entre as localidades que lhe dão o nome e

40.000 ha de extensão, destinados à construção de grandes hotéis e condomínios

residenciais.

Malecón San Buenaventura: projeto localizado na zona urbana de Cancún, com

85 ha de área destinados à construção de zonas habitacional, comercial e mista,

além de um calçadão com cais e terminal marítimo para pequenas embarcações.

Puerto Cancún: projeto de instalação de um porto turístico destinado ao

atracamento de iates e demais embarcações particulares de luxo.

Ruínas del Rey: projeto elaborado em duas etapas e que consiste na construção

de um grandioso empreendimento hoteleiro seguido da edificação de cabanas,

condomínio residencial, centro comercial e marina.

Assim como ocorre em âmbito federal, os planejadores do estado de Quintana

Roo e aqueles que atuam pelo município de Benito Juaréz buscam produzir projetos que

mantenham a posição de Cancún entre os principais destinos turísticos de Sol e Praia da

América Latina.

No início da última década, o governo de Quintana Roo lançou um ambicioso

projeto denominado Plan de Desarrollo Gran Visión 2000-2025, que define as

estratégias para a inserção do estado na economia globalizada. No referido plano, é

possível perceber um considerável favorecimento ao setor turístico como referente

principal da economia estadual e, portanto, prioritário na elaboração de políticas

públicas.

Segundo Boggio (2007), através do dito Plano, o governo estadual definiu uma

linha estratégica que vincula os demais setores da economia ao turismo por meio do

desenvolvimento de atividades econômicas relacionadas aos produtos mais consumidos

nos empreendimentos turísticos locais.

No âmbito municipal, foi criado o Plan Estratégico de Desarrollo Sustentable

del Município de Benito Juaréz, que visa estabelecer as linhas estratégicas que

Page 83: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

84

permitam articular os grandes instrumentos de planejamento urbano de Cancún, tais

como o Plano Diretor e os planos setoriais de mobilidade urbana e de habitação.

Esse documento visa, pois, lançar as bases para a dinamização dos vetores de

desenvolvimento econômico da cidade em função daquilo que Ortiz (2007) considera

serem as principais vantagens estratégicas de Cancún: a localização estratégica como

destino mundial, capacidade e diversidade de destinos do aeroporto internacional,

universidades de alto nível e a grande quantidade de jovens e crianças que ali vivem.

Os instrumentos de planejamento e gestão aqui apresentados dão amparo para

duas constatações: (a) a existência de uma articulação entre as diferentes instâncias do

Estado mexicano em favor do desenvolvimento econômico baseado no turismo e (b) a

adoção de políticas públicas sob orientação da doutrina neoliberal, o que fica claro na

abordagem estratégica dos planos implementados.

No que diz respeito ao planejamento macrorregional do turismo, Cancún faz

parte atualmente da região turística Mundo Maya-Oaxaca, uma das sete existentes no

México. Tais regiões são compostas por outras unidades espaciais menores, criadas

segundo o modelo de planejamento vigente. Estas unidades são, como já fora aventado

alhures, os CDTPs (Centros de Desarrollo Turisticos Prioritários), os CTs (Corredores

Turísticos) e as ZDTPs (Zonas de Desarrollo Turístico Prioritários).

Importante salientar que a região citada corresponde ao trecho localizado em

solo mexicano de um projeto internacional denominado Mundo Maya, que também

envolve Belize, El Salvador, Guatemala e Honduras e cujo atrativo principal é o

patrimônio arqueológico comum a esses países.

Quanto à cidade de Cancún, esta é hoje um CDTP, o que significa que segue

sendo um dos polos prioritários para investimentos públicos, voltados para a

implementação de melhorias urbanas, e privados, atinentes à implantação de novos

empreendimentos ligados ao turismo, ao comércio e ao entretenimento.

3.2.2 Discursos e contradições do “modelo Cancún”

Não há como negar que, do ponto de vista da façanha de se construir,

praticamente do nada, uma cidade com funções quase que exclusivamente voltadas para

o turismo e o entretenimento, Cancún pode ser considerada como uma das obras mais

significativas do século XX.

Os números recentes, que podem ser traduzidos nos vultosos recursos

financeiros deixados pelos cerca de seis milhões de turistas e excursionistas que visitam

Page 84: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

85

Cancún anualmente e utilizam algo em torno de 26,5 mil quartos de hotel (JIMÉNEZ E

SOSA, 2007), denotam o sucesso econômico que aquela cidade representa.

O aeroporto de Cancún, por onde transitam quase três milhões de passageiros

por ano, é o que possui mais voos internacionais e o segundo em números totais de

pousos e decolagens de todo o México. Por outro lado, a cada ano, o porto da cidade

contabiliza a atracação de centenas de transatlânticos, o que resulta na visita de outros

três milhões de excursionistas (Idem, 2007).

O vertiginoso crescimento populacional experimentado ao longo das quase

quatro décadas de existência é um outro indicador dos impressionantes resultados

atingidos pela cidade, principalmente levando-se em conta os fluxos migratórios

estabelecidos por milhares de mexicanos em busca do El Dorado (pós)moderno.

Mesmo antes do término das obras de construção do complexo urbano-turístico

Cancún já havia se tornado um dos principais centros de imigração no México, atraindo

inicialmente a população da própria Península de Yucatán para os serviços relativos à

edificação da cidade e, em seguida, contingentes saídos das mais diversas partes do país,

buscando colocação no mercado turístico.

Assim, no que se refere à dinâmica demográfica, em 1980, ano do primeiro

censo após a criação do município de Benito Juaréz, Cancún contava com uma

população de cerca de 41.330 habitantes (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1988).

Os números do censo imediatamente anterior, correspondente ao ano de 1970, apontam

para um total de 326 habitantes em Cancún, o que significa um crescimento de 12.678%

em um decênio.

Atualmente, Cancún é um aglomerado urbano de cerca de 800 mil habitantes,

que, nos dizeres governamentais, constitui-se em “un espacio urbano sin los problemas

que asedian a las grandes ciudades de mundo” ou “la ciudad moderna, confortable,

dentro del corazón de la identidad maya” (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 1999,

p. 27), onde vive uma parcela majoritária formada por migrantes oriundos das mais

diversas partes do México.

Tal situação não parece ser um problema para o Estado mexicano, cujo discurso

revela: “El nuevo desarrollo turístico garantiza el éxito para nuevos proyectos de vida.

El crecimiento demográfico de Cancún es espetacular. Todos son bienvenidos por que

son necesarios” (Idem, p. 33). Isto posto, aparenta ser óbvio que, independente do

quanto se migre para a cidade caribenha, há postos de trabalho, moradia, transporte,

serviços educacionais e de saúde suficientes para todos.

Page 85: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

86

Assim, segundo informações do Governo Federal do México, tanto os antigos

trabalhadores da construção civil, quanto os profissionais mais especializados foram (e

são) absorvidos na atividade turística por meio de capacitações, pois “Cancún ofrece

futuro lo mismo a profesionistas universitários que a gente que domina oficios que

ningún espacio urbano puede precindir” (Idem, p. 33).

Existem, porém, vozes dissonantes em relação ao discurso governamental

voltado à construção simbólica do centro turístico. Ainda em 1977, apenas três anos

após o advento da Ciudad Cancún, Gormsen (1977, p. 98) chamava atenção para os

problemas de caráter socioespacial que decorriam da migração maciça para o balneário:

La población de Cancún ha crecido de 0 a cerca de 20,000

habitantes. Es precisamente este desarrollo el que ha ocasionado toda

una serie de problemas, puesto que sólo un reducido número de

habitantes ha logrado mudarse a las modestas casas de vivienda

popular. La mayor parte de la población aún sigue viviendo en las

barracas que levantaron las empresas de construcción o en chozas

autofabricadas, situada fuera del área de control de FONATUR.

Além dos estudos já considerados clássicos (GARCÍA, 1979; HIERNAUX,

1999; TORRES, 2002), mais recentemente, investigações realizadas por García (2005),

Jiménez e Sosa (2007), Romero (2008) e Jiménez (2009), entre outros, também

denotam a existência de consideráveis contradições no processo de formação do espaço

do turismo em Cancún.

Nos primeiros estudos citados, tanto J. García quanto A. Jiménez e A. Sosa

focalizam suas análises nos impactos sociais e/ou econômicos relativos ao processo de

formação do espaço do turismo em Quintana Roo e Cancún, respectivamente. No

primeiro caso, o autor centra esforços no exame das desigualdades socioeconômicas, ao

passo que, no segundo, é feita uma discussão acerca das implicações sociais ligadas ao

vertiginoso crescimento do turismo.

Graças ao maior rigor exigido pela produção de uma tese doutoral, os outros

dois estudos mencionados trazem, por sua vez, importantes contribuições ao

entendimento das situações de contraste geradas pelo crescimento recente do turismo

em Cancún.

Em seu escrito, Romero analisa o projeto de polarização regional do turismo

adotado em Quintana Roo como gerador de uma economia de enclave baseada no

turismo de massa que resulta, por sua vez, em um processo extremamente contraditório

de produção do espaço urbano daqueles principais destinos turísticos do estado.

Page 86: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

87

No estudo sobre as estratégias territoriais das cadeias hoteleiras que se

instalaram no Caribe mexicano, A. Jiménez põe em tela o tema da expansão dos

negócios intrarregionais, a sua relação com as finanças internacionais e os vínculos do

setor com a lavagem de dinheiro e o crime organizado em toda a região costeira da

Península de Yucatán, mas principalmente em Cancún.

Assim, não é difícil perceber a existência de um claro antagonismo emanado, de

um lado, pelo discurso oficial, pautado na construção simbólica de uma urbe que, apesar

do rápido crescimento populacional, se constitui na ponta de lança do desenvolvimento

regional baseado no turismo, e pelas vozes dissonantes, que, em sentido inverso,

apontam os agudos problemas de base socioespacial que as políticas públicas

concretizadas não foram capazes de evitar.

Toda essa celeuma gerada pelas políticas públicas desenvolvidas pela Fonatur

com vistas à formação de espaços turísticos não foi impedimento, porém, para que

outros organismos oficiais de países latinoamericanos tomassem-nas como modelo, o

que ocorreu de forma mais ou menos fidedigna ao original, a depender das distintas

propostas fomentadas, mas que tem como traço comum, intervenção do Estado, criação

de territórios do turismo, incremento do turismo de massa e a ampliação das

contradições socioespaciais.

3.3 Rebatimentos do “modelo Cancún” na América Latina e no Brasil

O êxito do Fonatur, ao transformar Cancún em um dos mais proeminentes

destinos do turismo de Sol e Praia em âmbito global, elevou aquele organismo estatal à

condição de referência para os países da América Latina na implantação de políticas

públicas para o turismo.

Ainda nos primeiros anos da sua criação, o Fonatur estabeleceu convênios de

cooperação técnica com seus pares governamentais em dezenas de países

latinoamericanos. Tal situação acabou por levar à criação de um Programa de

Assessoria Internacional, instituído pelo órgão em parceria com as Secretarias de

Relações Exteriores e de Turismo do governo mexicano

Os principais trabalhos realizados no âmbito do programa, segundo os objetivos

propostos, são: (a) processos de formulação de projetos turísticos; (b) desenvolvimento

de masterplan para planejamento turístico; (c) elaboração de programas de

reordenamento turístico e (d) fomento ao investimento e financiamento para a atividade

turística (ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, 2006).

Page 87: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

88

Entre os diversos projetos desenvolvidos sob orientação do Fonatur na América

Latina, se destacam os de Golfo de Papagayo (Costa Rica), Bahía de Tela (Honduras),

Boliviamar (Bolívia), Trinidad (Cuba) e Bola de Monte (El Salvador), através de

acordos firmados entre os anos de 1991 e 1996.

Em todos esses casos, incluindo a esdrúxula proposta boliviana6, as iniciativas

elaboradas pelos órgãos turísticos desses países em parceria com o Fonatur tiveram

como principal objetivo o desenvolvimento do turismo de Sol e Praia através da adoção

de um modelo de masterplan baseado naquele realizado em Cancún, ainda que

guardadas as devidas especificidades quanto à dimensão e alcance de cada um desses

projetos.

No Brasil, diversos estudiosos do turismo (BARBOSA, 2001; SEABRA, 2001;

CRUZ, 2002; BARRETO, 2003; BEZERRA, 2005) concordam ao afirmarem que a

experiência de Cancún se converteu em um modelo para as políticas públicas adotadas

principalmente no litoral do Nordeste através do Prodetur (Programa para o

Desenvolvimento do Turismo), com vistas à urbanização turística de espaços

selecionados e à implantação de megaprojetos hoteleiros.

De fato, em 1975, o Brasil, através da Embratur (então denominada Empresa

Brasileira de Turismo, atual Instituto Brasileiro de Turismo), foi o primeiro país a

estabelecer convênio de cooperação com o Fonatur (OLIVERA, 1988), o que credencia

o órgão brasileiro a receber orientações técnicas do México para o planejamento do

turismo de Sol e Praia.

No entanto, apenas na década de 1990, as políticas públicas para o turismo

elaboradas pelo Governo Federal passaram a apontar um certo direcionamento

convergente em relação aos congêneres mexicanos. Neste sentido, ainda que sem a

intenção de transplantar a experiência das políticas públicas desenvolvidas no México

para lugares selecionados do litoral nordestino tal e qual ocorrera em Cancún, o Estado

brasileiro fez da cidade caribenha um exemplo e um paradigma no que se refere às

ações para o turismo de Sol e Praia.

Assim, a última década do século XX marcou o início de um período de grandes

investimentos governamentais em termos de infraestrutura turística no Brasil. Com o

intuito de melhorar o posicionamento do país em termos de fluxos turísticos, o Estado,

6 O Proyecto Boliviamar foi idealizado como um centro turístico-comercial de 163 ha dispostos em cinco

quilômetros de praia cedidos pelo Estado peruano à Bolívia para tal finalidade. Atualmente, o projeto está

desativado.

Page 88: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

89

em parceria com instituições financeiras supranacionais, lançou políticas públicas que

visavam induzir investimentos privados em turismo.

De modo semelhante ao que ocorrera no México, o receituário neoliberal foi

experimentado na forma de uma aliança entre o Estado e o setor privado, pela qual

coube ao primeiro garantir a implantação da infraestrutura necessária ao bom

funcionamento das atividades a serem realizadas pelo segundo.

A criação do Prodetur-NE, em 1994, foi crucial para o desenvolvimento desse

modelo. A partir do lançamento de linhas de crédito para o financiamento de obras,

acreditava-se que “o setor privado seria atraído para ampliar e modernizar o parque

hoteleiro e os demais equipamentos turísticos existentes na região” (BEZERRA, 2005,

p. 103).

O acesso ao programa estava condicionado à elaboração, por parte dos governos

dos nove estados nordestinos, de propostas de aplicação dos recursos provenientes de

bancos internacionais e da entidade nacional de fomento denominada BNB (Banco do

Nordeste do Brasil).

Tais propostas deveriam estar em sintonia com os projetos de regionalização do

turismo, em cujas bases foram gestadas propostas de articulação urbano-regional da

atividade turística a partir da criação de destinos-âncoras, ou seja, a transformação de

lugares considerados de interesse turístico, que “serviriam de pólos para o

desenvolvimento do turismo” (Idem, p. 103).

Para tanto, da virada do século anterior para o atual, escolhas seletivas

permitiram a dotação de investimentos que fomentaram um processo de urbanização

turística em pequenas e antigas localidades do litoral nordestino, transformando-as em

balneários altamente tecnicizados, articulados com os interesses hegemônicos do capital

internacional através do turismo.

Desta forma, resulta óbvio inferir que as regiões turísticas brasileiras e cada um

dos seus destinos-âncoras foram criados sob os mesmos princípios das Zonas de

Desarrollo Turístico Prioritário e dos Centros de Desarrollo Turístico Prioritário,

respectivamente, todos bem ao feitio dos postulados de F. Perroux.

Outro aspecto que revela a influência exercida pelo “modelo Cancún” nas

políticas públicas para o turismo desenvolvidas no Brasil é a opção pela implantação de

magaprojetos turísticos em localizações próximas (e integradas aos) centros turísticos

potenciais ou já existentes. Segundo Cruz (2002, p. 79), duas características marcantes

da implantação de megaprojetos no Nordeste brasileiro são “a atuação do poder público

Page 89: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

90

como empreendedor” e “a priorização da infra-estrutura hoteleira ante outros

equipamentos infra-estruturais turísticos”. Mais adiante, a autora segue:

A política de megaprojetos turísticos surgiu entre final da década de

1970 e início dos anos 80, influenciada pelo “modelo Cancún”, que

consiste na urbanização turística de trechos de costa pouco ou nada

urbanizados, com grande concentração do equipamento (Idem, p. 80).

Assim, é possível perceber a existência de semelhanças consideráveis entre o

chamado “modelo Cancún” e os projetos implantados no Nordeste em obediência às

políticas públicas nacionais para o turismo, principalmente quanto ao alinhamento à

política econômica neoliberal, à tentativa de aplicação da teoria dos pólos de

desenvolvimento ao turismo e ao modelo de urbanização turística adotado.

Não obstante, é necessário conceber tais projetos dentro de um contexto espaço-

temporal que lhe é próprio, não sendo possível afirmar, portanto, que tenha havido um

transplante puro e simples do modelo de planejamento turístico mexicano para as plagas

nordestinas. Houve sim um esforço em promover um ajuste espacial no qual a aplicação

do modelo esteve condicionada às especificidades territoriais e à capacidade de atração

dos investimentos do setor turístico para o Nordeste brasileiro.

Na obra México: una visión geográfica, Coll (2000, p. 92) brinda o seu leitor

com uma afirmação extremamente perspicaz acerca da importância que o turismo tem

na conformação recente da geografia nacional daquele país. Segundo a autora:

La actividad turística es hoy a la geografía nacional lo que fue la

mina en los siglos anteriores: promueve la utilización de regiones no

ocupadas, la creación de vías de comunicación, el saneamiento de

áreas inhóspitas, el nacimiento de ciudades de la nada y la dotación

de la infraestructura: agua, energía, población. Pero en este caso es

un fenómeno de los litorales, no de las grandes serranías.

Como se pode observar, o turismo é um importante elemento da história recente

do México e, para o bem ou para o mal, tem sido um instrumento de grande

significância na conformação da geografia daquele país.

Tal situação levou os organismos oficiais mexicanos ligados ao planejamento e

gestão do turismo a um status de excelência na elaboração de políticas públicas, ainda

mais quando pensadas dentro de um contexto de desenvolvimento capitalista.

Esta condição de referência em políticas públicas para o turismo atribuída a

entidades como Sectur (Secretaría de Turismo) e Fonatur (Fondo Nacional de Fomento

al Turismo) tem as suas raízes no sucesso avassalador de um projeto elaborado na

Page 90: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

91

década de 1970 e que guiou o México ao protagonismo no setor turístico

latinoamericano: a Ciudad Cancún.

Mesmo cercada por controversos discursos, que são animados, de um lado, pelos

números vertiginosos de visitantes e ingressos financeiros, e, por outra parte, pelos

problemas advindos de um crescimento demográfico não previsto, a experiência de

Cancún é considerada modelo para o desenvolvimento do turismo de Sol e Praia na

América Latina.

No Brasil, a influência do “modelo Cancún” nas políticas públicas para o

turismo pôde ser percebida a partir da década de 1990, através da criação do Prodetur-

NE, cuja implantação dos projetos setoriais esteve atrelada à agenda neoliberal de

atração de investimentos, com base na prévia implantação de infraestrutura.

Assim como ocorrera no México, esse processo se deu através da consolidação

de um modelo de urbanização amparado em megaprojetos turísticos, implantados em

lugares escolhidos segundo uma regionalização turística baseada na teoria dos polos de

desenvolvimento e que privilegia as conveniências locacionais e normativas dos agentes

hegemônicos do turismo.

Neste sentido, embora diante do exposto, seja possível constatar a influência das

políticas públicas para o turismo aplicadas no México em relação ao Brasil, é verdade

também que tal fato não se deu na forma de um “transplante” do modelo caribenho para

o Nordeste brasileiro, mas sim como um ajuste espacial que permitiu moldar os

interesses de um mercado globalizado à realidade nacional/regional/local.

Page 91: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

92

Capítulo 4

POLÍTICAS PÚBLICAS E URBANIZAÇÃO TURÍSTICA: O CASO DO

PRODETUR-NE E AS EXPERIÊNCIAS EM BALNEÁRIOS LITORÂNEOS DO

NORDESTE BRASILEIRO

A década de 1990 marcou o início de um período de grandes investimentos

públicos em infraestrutura turística no Brasil. Tendo como foco o incremento no

número de visitantes internacionais e nacionais, o Governo Federal, em parceria com o

poder executivo das unidades federativas e com entidades supranacionais de fomento,

lançou políticas regionais que visavam induzir novos investimentos privados em

turismo, entre os quais o Prodetur-NE (Programa para o Desenvolvimento do Turismo

na Região Nordeste), criado em 1994.

Para terem acesso ao programa, os governos estaduais nordestinos receberam o

encargo de produzir propostas para aplicação de recursos provenientes da parceria entre

bancos internacionais de desenvolvimento e a entidade estatal de fomento denominada

BNB (Banco do Nordeste do Brasil).

Tais propostas deveriam estar alinhadas, por sua vez, aos projetos de

regionalização do turismo em cada um dos nove estados federados, em cujas bases

foram gestadas propostas de articulação urbano-regional da atividade turística a partir

da criação de destinos-âncoras, ou seja, a transformação de determinadas nucleações

urbanas em localizações apropriadas à permanência e/ou dispersão de visitantes.

Para tanto, na virada do século anterior para o atual, escolhas seletivas

permitiram a dotação de investimentos que fomentaram um processo de urbanização

turística em pequenas e antigas localidades do litoral nordestino, transformando-as em

balneários altamente tecnicizados, articulados com os interesses hegemônicos do capital

internacional.

Este capítulo coloca em evidência, pois, o papel das políticas públicas para o

turismo na consolidação dos balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte,

notadamente através do Prodetur-NE, ao passo que debate a urbanização turística como

fenômeno induzido e indutor por/de uma política de desenvolvimento regional. Como

exame subjacente, o capítulo visa ainda: (a) empreender um esforço no sentido de

compreender as bases teórico-metodológicas utilizadas na proposta de articulação

urbano-regional contida no Prodetur-NE e (b) discutir as noções de cidade e urbano,

Page 92: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

93

buscando enquadrar as localidades em foco em uma tipologia urbana adequada, pondo

em destaque a influência dos programas de urbanização turística em tal compreensão.

4.1 Políticas públicas de turismo no Brasil e no Nordeste

A valorização do turismo como um componente do Produto Interno Bruto de um

país passa necessariamente pela adoção de políticas públicas que desembocam em ações

de planejamento e gestão do setor, o que implica, por sua vez, na criação de diretrizes

que dão um caráter específico ao modelo que se quer implantar. Em outras palavras, a

concepção de política pública adotada dá indícios da forma como o Estado e o capital

passam a dominar o espaço do turismo e as relações que são estabelecidas com a

sociedade, isto incidindo, em última instância, na forma como os territórios e as

territorialidades são construídos.

Segundo Höfling, em citação de Barreto, Burgos e Frenkel (2003, p. 33), uma

política pública é “o ‘Estado em ação’ (...); é o Estado implantando um projeto de

governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da

sociedade”.

Ao realizar uma revisão de literatura sobre o tema, Souza (2006, p. 24), por sua

vez, menciona algumas das mais importantes contribuições no que tange ao conceito de

políticas públicas. A autora cita, entre outros teóricos, L. E. Lynn, que as define como o

“conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos”, e T. Dye, para

quem o referido termo diz respeito àquilo que “o governo escolhe fazer ou não fazer”.

Em todos os casos, fica patente que uma política pública, qualquer que seja,

efetiva-se como um ato deliberado, uma ação, cujo agente é o Estado. O que não se

expõe nas conceituações acima mencionadas é o debate – necessário – acerca dos

interesses que levam tal agente à execução de uma política pública, ou seja, o caráter

ideológico dessa ação empreendida pelo Estado.

Como é sobejamente sabido, a cada momento em que ocorrem transformações

nas formas capitalistas de produção e consumo, o papel do Estado e a sua expressão nas

distintas políticas que promove também tem que ser modificados ou reorientados

(HIERNAUX e LINDÓN, 1991). Assim, subjacente às políticas públicas repousa o

caráter ideológico da ação do Estado.

Para Moraes (2002, p. 19), o Estado, a partir da sua fase neoliberal, passa por

uma reforma nas suas bases, segundo a qual as suas entidades executoras são “(...)

supostamente ‘profissionalizadas’ e ‘despolitizadas’ por meio de um enfoque

Page 93: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

94

‘gerencial’, voltado para o ‘cliente’, para os ‘resultados’, para a ‘qualidade do output’ e

não para a fidelidade das normas”.

Assim, nas últimas décadas, as políticas públicas tem se pautado em ações

típicas de um Estado que passa por um processo de reestruturação da sua capacidade de

atuação mais firme e propositiva junto ao mercado, tornando-se cada vez mais

intermediador dos interesses do capital.

Em se tratando das políticas públicas para o turismo, muitos são os autores que,

de forma mais ou menos acurada, dedicam-se à sua análise. Na grande maioria dos

casos, esse tipo de ação estatal é considerado a partir de uma visão que contempla o

turismo tão somente como uma atividade econômica. Isto implica em uma abordagem

míope do papel do Estado no planejamento e na gestão do turismo, não levando em

conta o caráter multidimensional da prática turística e, portanto, das múltiplas

implicações de uma política pública setorial.

Segundo Noia, Vieira Jr. e Kushano (2007, p. 25),

Uma política pública de turismo pode ser entendida como um

conjunto de intenções, diretrizes e estratégias estabelecidas no âmbito

do poder público, com vistas à manutenção e continuidade do

desenvolvimento da atividade turística num determinado território.

Para Beni (1998, p. 99), por sua vez, as políticas públicas voltadas para o

turismo devem ser assim definidas:

(...) conjunto de fatores condicionantes e diretrizes básicas que

expressam os caminhos para atingir os objetivos globais para o

turismo do país; determinam as prioridades da ação executiva

supletiva ou assistencial do estado, facilitam o planejamento das

empresas do setor quanto aos empreendimentos e as atividades mais

susceptíveis de receber apoio estatal. Ela deverá nortear-se por três

grandes condicionantes: o cultural, o social e o econômico, por mais

simples que sejam os programas, os projetos e as atividades a

desenvolver, por maiores ou menores que sejam as áreas geográficas

em que devam ocorrer, qualquer que seja suas motivações principais

ou setores econômicos aos quais possam interessar.

Embora as definições acima evidenciadas apresentem distintos graus de

detalhamento quanto àquilo que convém a uma política pública para o turismo, em

ambos os casos são enunciados elementos que enquadram este fazer estatal em um

continuum que vai do plano (intenções, diretrizes e estratégias), à atuação propriamente

dita (ação executiva supletiva ou assistencial). De qualquer modo, apenas a definição de

Page 94: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

95

M. Beni reconhece uma relação entre o Estado e o mercado na conformação das

políticas públicas para o turismo.

No caso brasileiro, uma primeira iniciativa de caráter sistemático do Estado no

sentido de promover certa ordem no setor turístico remonta ao ano de 1938, quando foi

expedido o Decreto-Lei n. 406, que regulamenta a comercialização de passagens aéreas,

terrestres, marítimas e fluviais.

Para Cruz (2002, p. 43), tal evento constitui o marco inicial do que chama de

“pré-história (...) jurídico-institucional do turismo no país”, período caracterizado pela

adoção de políticas desconexas e restritas a aspectos específicos do turismo e cuja

duração se estende a 1966, quando é instituída, pelo Decreto-Lei n. 55, a primeira

política nacional de turismo, além da criação do Conselho Nacional de Turismo e da

Empresa Brasileira de Turismo.

Ao longo do período acima evidenciado, é possível verificar avanços e recuos na

tentativa de sistematizar os assuntos relativos ao turismo. Por um lado, o Governo

Federal sinalizava para uma ampliação do significado do setor, notadamente por meio

da criação de órgãos como a Divisão de Turismo (1939) e a Comissão Brasileira de

Turismo (1958), a Divisão de Turismo e Certames (1961). Por outra parte, revela-se

inconsistência nos atos administrativos, seja através da extinção ou mesmo por conta

das constantes mudanças de atribuições desses vários órgãos (re)criados.

O ano de 1966 definiu o início do período denominado por Cruz (opus cit., p.

43) como “história jurídico-institucional do turismo”. A partir daquele ano, houve uma

sensível mudança nos rumos do planejamento e gestão do turismo pelo Governo

Federal. A maior relevância atribuída ao setor advém, principalmente, da promulgação

da Política Nacional de Turismo, em cuja definição, contida no primeiro artigo do

Decreto-Lei n. 55, é afirmado:

Compreende-se como Política Nacional de Turismo a atividade

decorrente de todas as iniciativas ligadas à indústria do turismo, sejam

originárias do setor primário ou público, isoladas ou coordenadas

entre si, desde que reconhecido seu interesse para o desenvolvimento

econômico do país. (CRUZ, Idem, p. 49).

Embora apresente a política de turismo a partir de uma concepção fragmentária,

o referido Decreto-Lei instituiu as bases para o planejamento e gestão do turismo pelo

Estado brasileiro, seja através da criação do CNTur (Conselho Nacional de Turismo) e

da Embratur (Empresa Brasileira de Turismo), em cujas atribuições figuravam a

formulação das diretrizes a serem obedecidas na política nacional de turismo, pela

Page 95: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

96

primeira entidade, e a proposição de atos normativos necessários à promoção de tal

política de turismo, pelo segundo órgão.

Vale a pena salientar que desde a expedição do decreto acima mencionado ao

início da década de 1970, nenhuma ação foi empreendida pelo Estado brasileiro no

sentido de dar seguimento ao processo de sistematização da prática, tampouco foi feita

qualquer menção ao turismo nos grandes planos nacionais de desenvolvimento

elaborados naqueles anos. Conforme Carvalho (2000, p. 101) afirma:

Em nenhum dos (...) planos e programas governamentais desse

período – Plano Decenal (1967-1976), Programa Estratégico de

Desenvolvimento (PED – 1968-1970), Metas e Bases para a Ação do

Governo (1970), I e II Plano Nacional de Desenvolvimento –, o

turismo recebeu tratamento explícito como atividade estratégica de

desenvolvimento econômico.

Ainda no contexto de criação da CNTur e da Embratur, foram gestadas as bases

para concessão de incentivos fiscais e o financiamento de investimentos privados –

com evidente privilégio àqueles ligados ao setor hoteleiro – que eram definidos por

pareceres dos dois órgãos federais. A gestão dos recursos era feita pelo Fungetur (Fundo

Geral de Turismo), criado em 1971 com o objetivo de “fomentar e prover recursos para

o financiamento de obras, serviços e atividades turísticas consideradas de interesse para

o desenvolvimento do turismo nacional” (BEZERRA, 2005, p. 100).

Após outro longo período de mudanças pouco significativas na política nacional

para o turismo, o Governo Federal deu os primeiros passos no sentido de adotar

modelos de caráter neoliberal ainda na segunda metade da década de 1980. Segundo

Bezerra (Idem, p. 101), o Decreto-Lei n. 2.294/1986 sinalizava que o setor deveria ser

organizado a partir de uma concepção que dava garantias à “liberdade do exercício e

exploração de atividades turísticas”, enquanto que à Embratur caberia fiscalizar a

atuação das empresas privadas.

A década de 1990 foi o período de consolidação das experiências de orientação

neoliberal no âmbito do turismo, como de todo o resto. Durante a gestão do binômio

Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994)7, por exemplo,

foram promulgados, respectivamente, o Plantur (Plano Nacional de Turismo) e o PNMT

(Programa Nacional de Municipalização do Turismo), de cujas diretrizes foram traçadas

7 O presidente Fernando Collor de Mello iniciou o seu mandato em 15 de março de 1990, mas não o

concluiu. Após denúncias de corrupção, um resultado extremamente adverso em uma CPI (Comissão

Parlamentar de Inquérito) instaurada no Congresso Nacional e a baixa popularidade, viu-se obrigado a

renunciar. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente Itamar Franco (PILAGALLO, 2009).

Page 96: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

97

as principais propostas de planejamento e gestão do turismo constantes no PNT (1996-

1999), implementado logo depois, durante o primeiro governo do presidente Fernando

Henrique Cardoso.

Tanto o Plantur quanto o PNMT foram concebidos como políticas que tinham

entre os principais objetivos ampliar de forma considerável a participação do setor

privado no turismo nacional, implantando as bases para um movimento ainda mais

vigoroso de atração dos investidores particulares. Assim, o PNT (1996-1999) foi

gestado a partir de quatro macroestratégias (BEZERRA, Ibdem):

Implantação de infraestrutura básica e turística;

Capacitação profissional, com vistas à melhoria da qualidade dos serviços

prestados.

Adequação do turismo ao mercado mundial, via modernização da legislação e

descentralização da gestão;

Promoção da imagem do país como forma de alavancar a prática turística em

âmbito interno e externo.

Com isto, buscava-se criar um ambiente favorável e quase que totalmente dócil à

atuação das empresas do setor turístico. O Estado se responsabilizou pela adequação do

país às exigências do mercado turístico através da continuidade da tarefa de promover

dotação de infraestrutura, ao tempo em que se amplia a oferta de mão de obra

qualificada e são gerados os marcos institucionais que favoreceram a atuação das

entidades privadas ligadas ao setor.

Ao longo das décadas iniciais do século XXI, a despeito da mudança político-

ideológica para a vertente de centro-esquerda, ocorrida com as eleições do presidente

Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) e de sua sucessora, Dilma Roussef

(a partir de 2011), a proposta governamental para o setor turístico tem sido a de

consolidar as ações gestadas no período anterior, salvo por algumas correções de curso

implementadas em cada um dos planos nacionais de turismo recentemente publicizados.

Dentre as mudanças mais significativas ocorridas ao longo da gestão do

presidente Lula para o setor, e que, a princípio, apontavam para um amplo processo de

reestruturação do planejamento e gestão do turismo, vale destacar a criação, em 2003,

do MTur (Ministério do Turismo). Atrelado a esse ato administrativo, foi lançado o

Plano Nacional de Turismo referente ao período 2003-2007.

Page 97: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

98

O dito documento é estruturado, como aponta Fernandes (2007, p. 45), a partir

da elaboração de “um diagnóstico de problemas e propõe diretrizes, metas e

macroprogramas norteadores do turismo no período indicado”. Seu principal plano de

ação é o PRTur (Programa de Regionalização do Turismo), cujo objetivo principal é a

identificação de regiões turísticas.

Neste sentido, tal processo de regionalização é considerado como política

pública setorial que propõe “olhar além do município, para fins de planejamento,

gestão, promoção e comercialização integrada e compartilhada”, com vistas a “um

maior aproveitamento dos recursos financeiros, técnicos e humanos a fim de que se

possam criar condições e oportunidades para revelar e estruturar novos destinos

turísticos (...)” (BRASIL, 2007, p. 12).

Quanto ao PNT 2007-2010, lançado no segundo mandado do presidente Lula, é

um plano estruturado como uma continuidade em relação ao documento que o antecede,

inclusive na manutenção das diretrizes delineadas para o PRTur e na proposta de

avaliação das ações realizadas entre 2003 e 2007.

A mudança mais sensível que se pôde observar no PNT 2007-2010 é o fato

desse último plano da gestão do presidente Lula ter sido elaborado como um documento

complementar ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o que, de certa

forma, determinou a sua orientação para o combate às desigualdades sociais e regionais

através da distribuição de renda (BRASIL, 2006).

Na gestão da presidente Dilma Roussef, as políticas públicas de turismo são

orientadas pelas diretrizes traçadas no documento intitulado Turismo no Brasil 2011-

2014, cujas formulações principais estão contidas em três eixos, quais sejam: (a)

Diagnóstico, levando-se em consideração o ambiente econômico e o mercado turístico

em escala nacional e internacional; (b) Cenários e Projeções, indicando as

possibilidades de ganho de competitividade do país e; (c) Proposições, pelas quais se

debatem questões referentes ao planejamento e gestão, qualificação, infraestrutura e

apoio à comercialização, entre outros temas (BRASIL, 2010c).

Além disso, o documento versa sobre todo o processo de preparação do

receptivo brasileiro para a Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro

(2016), com ênfase na infraestruturação das cidades-sedes de ambos os eventos e

naquelas localidades que, de alguma forma, poderão se beneficiar da grande demanda

turística prevista.

Page 98: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

99

Um aspecto relevante dos planos nacionais é a sua vinculação com a abordagem

geográfica, notadamente no que diz respeito aos arranjos espaciais onde o Estado, em

aliança com os agentes econômicos, projeta e executa a sua ação. A tentativa de

estabelecer tais vínculos, observáveis no uso de termos como espaço, região e território

nos textos dos planos, se faz, em geral, de modo conceitualmente frágil.

Autores como Cruz (2002; 2005; 2006), Coriolano e Silva (2005), Rodrigues

(2006), Fernandes (2007) e Pereira Junior (2008), entre outros, já sinalizaram para a

necessidade de um olhar sobre a relação entre a ação do Estado na organização do

turismo e a sua vinculação com a abordagem geográfica, afinal as políticas públicas são

vetores de reestruturações territoriais produtivas.

Em uma análise sintética, Pereira Junior (2008), por exemplo, formulou uma

periodização das políticas públicas para o turismo no Brasil, segundo a qual, até 2003, a

unidade espacial de referência era o município, com oferta concentrada e pouco

diversificada (378 municípios turísticos e outros 1.465 considerados com potencial

turístico) e fraca atuação governamental na promoção e comercialização dos destinos.

Por outro lado, entre 2003 e 2007, a região, formada a partir da construção de redes de

arranjos produtivos entre municípios, passou a ser a unidade espacial de atuação, com o

fortalecimento dos destinos-polos, descentralização dos fóruns de decisão, maior foco

mercadológico e maior participação na construção e ordenamento das propostas de

regionalização do turismo.

No que concerne ao primeiro período, tem-se uma lógica centrada no município,

posto que o PNMT (Programa Nacional de Municipalização do Turismo), implantado

como parte do Plano Nacional de Turismo referente aos anos de 1996 a 1999, ainda na

primeira gestão do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, tinha como objetivo

fomentar a transferência de responsabilidade de criar e investir no turismo para essas

unidades político-administrativas da Federação (ROCHA e ALMEIDA, 2008).

Para Cruz (2005, p. 38), nas políticas públicas brasileiras voltadas para o

turismo, há uma relação dialética de uso e negligenciamento do território. Segundo a

autora,

(...) de um lado, enquanto se prioriza os territórios eleitos pelo turismo

com obras e normalizações de uso, se negligencia outras porções de

território, não raras vezes abandonadas à própria sorte. De outro, os

territórios usados pelo turismo são, também, paradoxalmente

negligenciados, pois o que é usado é o seu potencial passível de

exploração pelo turismo e negligenciada, simultaneamente, a sua

condição primeira de lugar de reprodução da vida.

Page 99: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

100

Assim, se as políticas públicas em exame delineiam as diretrizes para o

ordenamento territorial do turismo, tal modelo de intervenção acaba por incidir apenas

naquilo que é relativo aos interesses do mercado, sem se ater ao espaço como uma

totalidade.

Isto tudo põe em evidência a necessidade de debater, no âmbito desta tese, as

implicações territoriais do Prodetur-NE, especialmente no que concerne à participação

dos estados e municípios envolvidos na dita política pública, assim como naquilo que se

refira às ações de ordenamento territorial e intervenções urbanísticas aplicadas às

localidades em exame.

4.2 O Prodetur-NE, suas características e implicações no território

Qualquer esforço para compreender a formação de territórios do turismo no

litoral nordestino passa necessariamente pelo exame crítico do chamado Prodetur-NE,

um vigoroso plano de ação lançado em 1994 com o intuito de fomentar destinos

turísticos potenciais e consolidados nos nove estados da região.

O ponto de partida para a criação do Prodetur-NE foi o ano de 1991, quando a

Embratur (Instituto Brasileiro do Turismo) elaborou uma pesquisa de demanda turística

internacional com objetivo de identificar os fatores mais preponderantes para o fraco

desempenho do setor na economia nacional. Segundo Casimiro Filho (2002), os

resultados apontaram o Nordeste como a região mais competitiva do país, visto que

cerca de 35% dos turistas estrangeiros afirmavam preferir as capitais daquele fragmento

do território do Brasil.

Por outro lado, o estudo apontou a existência de fatores inibidores do setor

turístico no Nordeste. Segundo o levantamento realizado, os principais entraves ao

pleno desenvolvimento do turismo na região seriam a falta de infraestrutura urbana e

turística, o pequeno investimento na promoção dos destinos no exterior, a baixa

qualificação da mão de obra e a escassez de recursos para o financiamento de iniciativas

do setor privado.

O Estado brasileiro, através da Embratur e dos governos estaduais do Nordeste,

lançou o Programa para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste. Segundo consta

do Relatório Final da primeira fase do projeto, o Prodetur-NE foi criado com o intuito

de “contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do Nordeste do Brasil por meio

do desenvolvimento da atividade turística” (BRASIL, 2005, p. 5), através “de iniciativas

do setor público em infra-estrutura básica e desenvolvimento institucional voltadas

Page 100: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

101

tanto para a melhoria das condições de vida das populações beneficiadas, quanto para a

atração de investimentos do setor privado (...)”.

Conforme Rodrigues (2001, p. 156) aponta:

(...) o Prodetur, como todos os programas políticos, espelha a política

econômica da sua época, vinculada à ideologia dominante. É no

governo F.H.C. que o programa está deslanchando, porque tanto o

presidente como os governadores estaduais do NE estão muito

interessados na sua implantação, cujas diretrizes estão orquestradas

com a política neoliberal vigente no país.

Neste sentido, tendo sido gestado sob forte influência do “modelo Cancún”, o

Prodetur-NE não poderia deixar de refletir as características que tornaram o balneário

mexicano um exemplo de sucesso em termos da captação de investimentos e turistas,

notadamente no que diz respeito à aproximação do Estado com o capital privado,

segundo o qual o primeiro assenta as bases materiais e simbólicas para a atuação o

quanto menos arriscada possível do segundo.

No que tange à dimensão operacional do programa, Paiva (2010, p. 204) indica a

existência de quatro macroestratégias, quais sejam:

a) a captação de agentes imobiliários internacionais; b) a necessidade

de manter fluxos de viajantes estrangeiros que garantam a ocupação;

c) desfrute da infraestrutura turística disponível; e a estratégia de

melhoria da infraestrutura urbana das cidades beneficiadas (rodovias,

saneamento ambiental e embelezamento urbano).

Os projetos e ações a serem implementados no âmbito do Prodetur foram

selecionados a partir das Estratégias de Desenvolvimento Turístico apresentadas por

aqueles estados nordestinos que aderiram ao programa. Em outras palavras, a captação

de recursos por parte das unidades federativas dependia da apresentação prévia de

projetos, deixando patente que, já no nascedouro, o Prodetur-NE denota a forte

articulação por parte dos entes federativos.

No que concerne aos recursos destinados à implementação dos projetos

encaminhados pelas secretarias estaduais de turismo, o Estado e o Banco Interamericano

de Desenvolvimento firmaram um convênio segundo o qual a entidade financeira

tornou-se responsável pelo aporte de cerca de US$ 1,07 bilhão, enquanto outros US$

530 milhões resultaram de contrapartida nacional (BRASIL, 2004a), a cargo do Banco

do Nordeste do Brasil. Tal montante foi aplicado ao longo das duas etapas do Prodetur-

NE.

Page 101: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

102

Durante o período de execução do Prodetur-NE I, entre 1994 e 2002, os

investimentos estiveram concentrados em obras de implantação e melhoria de rodovias,

recuperação do patrimônio histórico, ampliação e modernização de aeroportos, serviços

de saneamento ambiental (esgotamento e abastecimento de água), programas de

preservação ambiental e estruturação e capacitação de órgãos governamentais

(desenvolvimento institucional). Essas metas foram atingidas em maior (recuperação do

patrimônio histórico, com 99,9% das obras executadas) ou menor grau de eficácia

(desenvolvimento institucional, com 46% dos programas realizados), a partir da

utilização de cerca de US$ 670 milhões (CASIMIRO FILHO, 2002).

Por outro lado, ao longo do período de execução do Prodetur-NE II, iniciado em

2003 e ainda vigente, os investimentos tem sido carreados para projetos de consolidação

das ações realizadas na etapa anterior, mitigação das implicações ambientais

decorrentes das obras já realizadas, mas principalmente, na capacitação e qualificação

de mão de obra. Os recursos destinados à consecução dessas metas foram de cerca de

US$ 400 milhões (BRASIL, s/d).

Na segunda etapa do Prodetur-NE, os governos estaduais foram convocados a

criarem Polos de Turismo, definindo as ações prioritárias a serem realizadas através dos

chamados PDITS (Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável),

considerando os seguintes aspectos:

Definição da área de planejamento e da estratégia de desenvolvimento do

turismo;

Diagnóstico econômico, social, ambiental e demográfico do Polo;

Avaliação do provimento de serviços públicos, em termos de infraestrutura e

capacidade administrativa do estado e municipalidades;

Estimativa da demanda vigente e potencial de turistas, com previsão de

impactos;

Plano de ação incluindo investimentos públicos e privados necessário ao alcance

das metas;

Análise de impactos das ações e investimentos realizados com provimento

financeiro do Prodetur-NE I.

Page 102: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

103

A formulação dos PDITS redimensionou as regiões turísticas do Nordeste, o que

incidiu no estabelecimento de novos arranjos territoriais por parte dos estados

envolvidos, com consequência direta nos municípios e lugares dominados pela prática.

4.2.1 A participação dos estados e municípios no Prodetur-NE

Embora o Prodetur-NE tenha sido um programa idealizado a partir de uma

aliança estratégica estabelecida entre o Estado brasileiro, na sua esfera federal, e o

Banco Interamericano de Desenvolvimento, uma entidade financeira de caráter

supranacional, as unidades federativas contempladas tiveram relevante papel na

consecução dos planos e metas traçados.

Assim, a atuação dos governos estaduais no que concerne à efetivação do

Prodetur-NE esteve circunscrita à escolha dos destinos turísticos prioritários, ao

planejamento das ações consideradas mais relevantes para o desenvolvimento do

turismo naquelas localidades, à implantação ou consolidação das suas entidades oficiais

e execução das obras. Sobre tal participação dos estados nos assuntos do Prodetur-NE,

Paiva (2010, p. 208) afirma:

Para atender ao programa analisado, a condição do BID e do BNB era

que cada estado nordestino implantasse uma unidade executora

estadual (UEE), a qual caberia elaborar e acompanhar projetos e ações

relativas ao programa. Outra condição colocada pelo BID e pelo BNB

como essencial para a liberação dos recursos do programa consistiu no

fortalecimento institucional.

Ademais, em paralelo aos trabalhos acima mencionados, coube aos estados, em

parceria com Embratur, Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e

Microempresas) e CTI/NE (Comissão de Turismo Integrado do Nordeste), promoverem

ações voltadas à captação de investimentos privados (PAIVA, 2010), principalmente

aqueles ligados aos setores hoteleiro e de parques temáticos.

Ainda segundo Paiva (opus cit.), a despeito do caráter homogeneizante das

proposições oriundas das entidades à frente do processo de turistificação dos estados

nordestinos no que diz respeito à conduta das ações formuladas no âmbito do Prodetur-

NE, houve certa flexibilidade quanto às atividades de planejamento e gestão do turismo

por parte dos órgãos estaduais. Neste sentido, à cada estado foi permitido formular

propostas segundo suas potencialidades mais relevantes.

Na Bahia, o governo estadual definiu um modelo de turismo que buscou

integrar as esferas socioeconômica, cultural e ambiental, fortalecidas a partir de uma

Page 103: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

104

maior valorização dos aspectos identitários da população como o principal elemento de

referência.

Neste contexto, o governo estadual elaborou a sua própria versão do programa

nacional de desenvolvimento do turismo, o chamado Prodetur-BA (Programa de

Desenvolvimento Turístico da Bahia), cujo objetivo, segundo aponta Sobrinho (1998, p.

91), “é dotar o Estado das condições necessárias para o perfeito aproveitamento de suas

potencialidades naturais, históricas e culturais, ordenando o espaço territorial e

definindo as ações necessárias para o desenvolvimento do turismo”.

A esta entidade coube definir as localidades onde foram implantados os centros

turísticos integrados, com especial atenção àquelas localizadas no litoral. Ainda segundo

Sobrinho (opus cit.), os critérios estabelecidos para a escolha de tais localidades foram a

situação socioeconômica vigente e as vantagens locacionais, notadamente no que tange

à proximidade em relação ao Aeroporto Internacional de Salvador e as facilidades de

acesso rodoviário.

Como parte dos trabalhos realizados no âmbito do Prodetur-BA, a Bahiatursa

(Empresa de Turismo da Bahia), empresa de economia mista vinculada à Setur-BA

(Secretaria de Turismo) delimitou as sete primeiras zonas turísticas baianas8, com seus

respectivos destinos-âncoras: Baía de Todos os Santos (Salvador), Chapada Diamantina

(Lençóis), Costa das Baleias (Prado), Costa do Cacau (Ilhéus), Costa do Dendê (Morro

de São Paulo), Costa do Descobrimento (Porto Seguro), Costa dos Coqueiros (Praia do

Forte).

No que tange aos projetos de intervenção urbanística, tal incumbência coube

principalmente à Conder (Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia),

uma autarquia estadual atualmente vinculada à Sedur (Secretaria de Desenvolvimento

Urbano).

Mais recentemente, como parte dos esforços de adequação do modelo de

regionalização adotado às premissas do Prodetur-NE II, foram criados os Polos de

Turismo, alguns deles sendo formados pela junção daqueles preexistentes. Estes, por

sua vez, passaram a serem geridos pelos PDTIS, entre os quais o de Salvador e Entorno,

que agrega, como destinos turísticos, a capital estadual e os demais municípios

8 Além destas, foram criados os polos Caminhos do Oeste, Caminhos do Sertão, Lagos do São Francisco

e Vale do Jiquiriçá. Atualmente, outros dois estão em processo de implantação: Caminhos do Sudoeste e

Vales do São Francisco, que passa por um processo de desmembramento em relação à região que hoje é

denominada de Lagos e Cânions do São Francisco.

Page 104: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

105

componentes da zona Baía de Todos os Santos, além daqueles que formam a Costa dos

Coqueiros, da qual Praia do Forte faz parte (Figura 11).

Em Pernambuco, a elaboração dos programas estratégicos voltados para o

desenvolvimento do turismo no estado a partir do Prodetur-NE passou pela aceitação

de um modelo que integra principalmente os elementos culturais e a modalidade Sol e

Praia como eixos prioritários.

Inicialmente, a proposta pernambucana era de atuação conjunta com o estado de

Alagoas, o que resultaria na conformação do Projeto Costa Dourada, cuja previsão era

“desenvolver o turismo em um trecho (...) do litoral nordestino situado entre os

Municípios de Cabo de Santo Agostinho (sul de Pernambuco) e Paripueira (norte de

Alagoas)” (CORDEIRO, 2007, p. 76). Fadado ao fracasso pela desarticulação entre os

governos dos entes envolvidos e pela falta da contrapartida alagoana para aquisição dos

recursos junto ao BID, o Projeto Costa Dourada teve apenas um resultado pontual, que

foi a implantação do Centro Turístico de Guadalupe, localizado no extremo sul do

litoral pernambucano.

Em 1998, o governo estadual levou a público o programa denominado Macro

Estratégia Turística para o Estado de Pernambuco (CARVALHO, 2009), no qual

constavam as principais ações e diretrizes que alinhavam o discurso oficial da

mencionada unidade federativa às premissas apontadas pelo Estado nacional, desde

Brasília.

Neste contexto, coube à Empetur (Empresa de Turismo de Pernambuco), em

parceria com o Condepe (Instituto de Planejamento de Pernambuco), a tarefa de criar as

diretrizes para o desenvolvimento da prática, enquanto que a Fidem (Fundação de

Desenvolvimento Municipal) ficou incumbida de produzir o plano diretor da região

turística dimensionada no projeto, cujos municípios componentes eram basicamente os

da RMR (Região Metropolitana do Recife), além de outros do entorno (BRAGA, 2000).

Dez anos depois, a Empetur lançou o programa Pernambuco para o Mundo,

com prazo de ação entre 2008 e 2020. Entre os objetivos principais, figura a

implementação de ações que visam consolidar os projetos lançados para o

desenvolvimento turístico delineados pelo Prodetur para o litoral do estado.

Além disso, o programa previu a criação de polos turísticos segundo distintos

níveis de desenvolvimento. Tal escalonamento dos ditos destinos turísticos visa definir

as áreas prioritárias onde as ações devem ser implementadas. Desta forma, os polos

foram demarcados em consonância com as diretrizes constantes no Quadro 01.

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Figura 11. Polo de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável Salvador e Entorno.

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Quadro 01. Níveis de desenvolvimento e respectivos municípios participantes, de acordo com o Programa Pernambuco para o Mundo (2008-2020).

Nível Características Municípios participantes

I.

Destinos turísticos já consolidados no estado de Pernambuco, mas que precisam ser aprimorados; São os principais destinos turísticos do estado, mas que apresentam sérios problemas estruturais; Prioridade em ações de curto prazo.

Distrito Estadual de Fernando de Noronha; Jaboatão dos Guararapes; Ipojuca; Olinda; Recife

II. Constituído por áreas que possuem grande potencial como importantes destinos turísticos para o estado; São principalmente destinos de Sol e Praia, mas que também agregam elementos naturais e culturais de valor turístico, porém sem estruturação.

Barreiros; Cabo de Santo Agostinho; Carpina; Goiana; Igarassu; Itamaracá; Itapissuma; Lagoa do Carro; Nazaré da Mata; Paudalho; Paulista; Rio Formoso; São José da Coroa Grande; Sirinhaém; Tamandaré; Tracunhaém; Vicência

III. Estão aí agregados os municípios que possuem algum fluxo turístico e apresentam potencial para a ocorrência da prática, mas não com baixa capacidade de organização; Destinos que atualmente atraem fluxos majoritariamente locais e regionais; Destinos carentes em infraestrutura e organização estratégica.

Bezerros; Bonito; Brejo da Madre de Deus; Caruaru; Garanhúns; Gravatá; Petrolina.

IV. Composto por localidades com restrito desenvolvimento da prática e pouca estruturação para o turismo; Possuem relativa atratividade para atrair fluxos locais e regionais; São áreas que devem ser desenvolvidas ao longo do período de execução do plano.

Arcoverde; Buíque; Pesqueira; Serra Talhada; Triunfo.

V. Categoria que agrega os municípios com algum potencial, mas que não apresentam qualquer tipo de organização ou estrutura para o desenvolvimento da prática turística. São municípios cujo desenvolvimento do turismo não deve figurar como ação deste plano, mas sob previsão de investimentos futuros.

Afogados da Ingazeira; Belo Jardim; Bom Conselho; Camaragibe; Lagoa Grande; Moreno; Palmares; Poção; Quipapá; Saloá; Santa Cruz da Baixa Verde; Santa Cruz do Capibaribe; Santa Maria da Boa Vista; São Benedito do Sul; São José do Belmonte; São José do Egito; Taquaritinga do Norte; Toritama.

Fonte: Elaboração própria, com base em Carvalho (2009).

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108

Atualmente, seguindo a diretriz que determina a criação dos PDTIS, o Governo

de Pernambuco implantou o Polo Costa dos Arrecifes, que é composto pelos municípios

de Barreiros, Cabo de Santo Agostinho, Goiana, Igarassu, Ipojuca (do qual Porto de

Galinhas faz parte), Itamaracá, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista,

Recife, Rio Formoso, São José da Coroa Grande, Sirinhaém e Tamandaré, além do

Distrito Estadual de Fernando de Noronha (Figura 12).

A via de adequação do estado do Rio Grande do Norte às diretrizes do Prodetur-

NE foi a de vinculação quase que absoluta do turismo ao modelo Sol e Praia,

notadamente no chamado Litoral Oriental Potiguar, onde a prática turística já estava

consolidada antes mesmo da implantação das políticas públicas aqui analisadas

(FONSECA, 2005).

Como demonstração da articulação plena entre os entes federal e estadual na

consolidação do turismo potiguar, foi implantado o Prodetur-RN (Programa de

Desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do Norte) durante a segunda metade da

década de 1990. À semelhança das propostas desenvolvidas pelos congêneres baiano e

pernambucano, a versão norte-riograndense do Prodetur ficou incumbida de, por um

lado, desenvolver as propostas de requalificação dos destinos turísticos, inclusive no

que concerne à execução das obras, e, por outra parte, da captação de investimentos

privados e promoção do estado para o mercado turístico.

O desenvolvimento das propostas de requalificação dos destinos turísticos, a

cargo da Setur-RN (Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Norte) foi

precedida pela criação do projeto de regionalização, que resultou na implantação do

Polo Costa Branca e Polo Costa das Dunas9.

Assim como nos casos anteriores, visando adequar o planejamento turístico

estadual às diretrizes apontadas no Prodetur-NE II, o governo potiguar deu início à

elaboração dos PDITS do estado. Até o presente momento, apenas o Pólo Costa das

Dunas tem concluído este estudo, que contempla, em sua área de planejamento, os

municípios de Arês, Ceará-Mirim, Extremoz, Natal, Nísia Floresta, Parnamirim, São

Gonçalo do Amarante, Senador Georgino Avelino, Tibau do Sul (onde está localizada a

Praia da Pipa), além de Baía Formosa, Canguaretama, Macaíba, Maxaranguape, Pedra

Grande, Rio do Fogo, São Miguel do Gostoso, Touros e Vila-Flor, que não fazem parte

9 Além destes, atualmente o estado do Rio Grande do Norte possui as regiões turísticas denominadas Polo

Seridó, Polo Serrano e Polo Agreste/Trairi.

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109

Figura 12. Polo de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável Costa dos Arrecifes.

Page 109: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

110

do polo na sua constituição original, conforme indicado por Ferreira e Gomes (2011) e

verificável na Figura 13.

No que tange aos municípios que compõem as regiões turísticas dos estados da

Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte aqui mencionadas, fica patente que a

participação desses entes no planejamento e execução das diretrizes do Prodetur/NE é,

na grande maioria das vezes, meramente consultiva.

A principal ação no sentido de dotar os municípios de certa capacidade de

interferência nas ações governamentais relativas ao desenvolvimento da prática turística

foi a criação dos conselhos de turismo, tanto no âmbito local, quanto na escala de

atuação do PDTIS.

Assim, a despeito do discurso favorável à descentralização da organização do

turismo constante no PNMT, notadamente quanto à defesa da formação de órgão,

conselho e fundo municipais de turismo, o que se pode apreender é que os municípios e

seus habitantes tiveram pouca ou nenhuma capacidade decisória no processo de

consolidação do Prodetur/NE, em ambas as etapas de execução.

Segundo Brandão (2010, p. 86):

(...) percebe-se a ausência de proximidade entre as ações propostas

pela Política Nacional de Turismo, por intermédio do Plano Nacional,

e as ações elaboradas e implementadas pelos Estados e municípios,

revelando que mesmo diante das mudanças conquistadas, no geral as

esferas públicas e a sociedade civil ainda encontram-se desarticuladas.

Mais do que uma mera desarticulação por parte dos entes federativos, como

sugere a autora acima, o que ocorre, de fato, é um processo de intensa hierarquização e

concentração dos fazeres relativos ao planejamento e gestão do turismo, em uma lógica

piramidal, segundo a qual toda e qualquer decisão deva partir, primordialmente, da sua

parte superior.

4.3 O Prodetur-NE e as principais ações ligadas ao ordenamento territorial e

urbanização turística

Para Ferreira e Gomes (2011), tratando de apresentar o programa de forma

sintética, mais do que um mero canal de financiamento de obras de infraestrutura

turística, o Prodetur é o instrumento principal de proposição das diretrizes de

ordenamento territorial do turismo para o Nordeste. Significa afirmar que por trás do

programa governamental haveria toda uma busca pelo controle ordenado do território a

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111

Figura 13. Polo de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável Costa das Dunas.

Page 111: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

112

partir de uma base econômica – ou “vocação”, termo amplamente empregado – que, no

caso, é o turismo.

O ordenamento territorial, segundo Moraes (2005b, p. 45),

(...) diz respeito a uma visão macro do espaço, enfocando grandes

conjuntos espaciais (biomas, macrorregiões, redes de cidades, etc) e

espaços de interesse estratégico ou usos especiais (zona de fronteira,

unidades de conservação, reservas indígenas, instalações militares,

etc). Trata-se de uma escala de planejamento que aborda o território

nacional em sua integridade, atentando para a densidade da ocupação,

as redes instaladas e os sistemas de engenharia existentes (de

transporte, comunicações, energia, etc). Interessam a ele as grandes

aglomerações populacionais (com suas demandas e impactos) e os

fundos territoriais (com suas potencialidades e vulnerabilidades),

numa visão de contigüidade que se sobrepõe a qualquer manifestação

pontual no território.

Para o autor, o ordenamento territorial visa fornecer um diagnóstico de base

geográfica do território, oferecendo indicativos de tendências e apontando potenciais e

demandas, o que leva, assim, à composição de um quadro demonstrativo das formas de

atuação das políticas públicas setoriais. O ordenamento territorial se constitui, portanto,

em um instrumento de articulação transsetorial e interinstitucional que objetiva um

planejamento integrado e espacializado da ação do poder público.

Ainda segundo o A. Moraes, diferente de outros momentos históricos do país,

quando as propostas de ordenamento territorial sofreram influência tanto da escola

francesa do aménagement du territoire (pré-Ditadura Militar) quanto pela ciência

regional norte-americana, de base quantitativista (durante e pós-Ditadura Militar),

estando amparadas, portanto, em um planejamento de grande conteúdo territorial, na

atualidade, vive-se um quadro de setorização das políticas públicas.

Esta visão é compartilhada por Costa (2005), que afirma que as atuais políticas

territoriais concebidas em escala nacional tendem à fragmentação, posto que visem

atender à crescente especialização dos aparelhos estatais e à setorização dos planos, ao

tempo em que buscam dar amparo à variedade de demandas existentes.

Além das questões acima abordadas, há um elemento que intervém de modo

basilar na forma de conduzir as políticas de intervenção no território: diante das

transformações atinentes à passagem do fordismo para o pós-fordismo, o Estado,

segundo Hiernaux e Lindón (1991), é forçado a promover políticas territoriais novas,

que amparam o atual modelo de acumulação. De acordo com os autores:

La necesidad de una nueva intervención del Estado en el territorio,

surge claramente cuando se considera que la estructura territorial

Page 112: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

113

vigente, es el reflejo de formas históricas de estructuración territorial,

cuya última manifestación ha sido un modelo de acumulación

‘protegida’ por el Estado y canalizada al mercado interno, en el

marco de fuertes transferencias del Estado, tanto al capital como a la

subsistencia del sistema social y su estabilidad. En términos un tanto

simplificadores, se puede afirmar que el modelo centralizador, con

una fuerte concentración territorial, ha sido el paradigma socio-

territorial dominante y preferencial de esa fase del modelo de

acumulación (Idem, p. 19).

Ainda segundo os autores, a estrutura territorial atual, seja em escala

interregional ou mesmo na intraurbana, já não responde às novas necessidades de

acumulação, o que, no caso, significa produzir e reproduzir um novo território através

de um novo “pacto social” que envolve o Estado, o capital e a sociedade.

Por outro lado, Santos (2005), em sua análise da história recente das políticas

territoriais no Brasil, aponta que a concepção de ordenamento territorial

tradicionalmente posta é voltada tão somente para o incremento da economia e, de

forma correlata, para a implantação da infraestrutura necessária a tal feito. Tal modelo

evidencia o papel e o poder da cidade como indutor do crescimento econômico.

Como exemplos dessa concepção de política territorial, T. Santos cita as

estratégias constantes nos documentos Eixos Nacionais de Desenvolvimento (1994-

2002) e Avança Brasil (1998-2002), sobre os quais comenta:

Contemplavam, ao mesmo tempo, mecanismos de indução não só à

interiorização do desenvolvimento como também à concentração de

esforços em áreas e segmentos capazes de gerar efeitos mais

significativos sobre o restante da economia. Esta condição

privilegiava os subespaços nacionais que já possuíam vantagens

comparativas, com nítida tendência à concentração ainda maior de

atividades nas regiões mais desenvolvidas e, portanto, mais

densamente ocupadas. Nessas circunstâncias, a urbanização se

apresentava como pré-condição para a criação de oportunidades de

desenvolvimento além do nível de subsistência, aproveitando-se das

economias de aglomeração, condição fundamental para o almejado

crescimento (Idem, p. 49).

Desta forma, tendo sido implantado nesse contexto, já que foi publicizado em

1994, o Prodetur-NE – como política pública setorial que é – reflete, em vários

aspectos, as concepções acima aventadas.

Cabe salientar que, embora o programa em tela seja uma política territorial cujos

desdobramentos se dão em escala regional, a sua concepção, baseada na formação de

polos turísticos (chamados, em alguns contextos, de destinos-âncoras), acaba por

Page 113: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

114

privilegiar as nucleações urbanas como locus de difusão das consequências do

desenvolvimento turístico.

Neste sentido, a política de turismo se confunde com política urbana (CRUZ,

2002), na medida em que o Estado busca tornar atrativas as localidades selecionadas

para o desenvolvimento da prática turística através da implantação de projetos de

urbanização turística.

Isto posto, fica evidente que a compreensão do processo de urbanização turística

como um dos componentes da formação de territorialidades que abrigam agentes

econômicos, turistas e habitantes dos balneários litorâneos do Nordeste brasileiro passa

necessariamente pelo entendimento dos conceitos relativos à cidade, ao

urbano/urbanização e à urbanização turística.

Neste sentido, ao investigar núcleos que, graças à sua importância estratégica

para o mercado turístico regional e nacional, sofreram intervenções de requalificação do

espaço que, em última instância, induziram novas formas de urbanidade, cabe refletir

sobre tais centros a partir das contribuições legadas por vários autores – geógrafos e não

geógrafos – que se dedicaram ao exame do fenômeno urbano, ainda que a estrutura

urbana das aglomerações em foco não permita concebê-las como cidades.

Pensadas apenas a partir dos aspectos formais, ao menos no caso brasileiro, as

localidades em estudo não poderiam ser chamadas de cidades. No conjunto de

nucleações que constituem a hierarquia urbana nacional, os balneários de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte são considerados vila – para a primeira localidade – e

povoados – para as demais.

No Brasil, cujo critério de definição é, segundo Clark (1985), de base legal,

administrativa e governamental, um núcleo urbano recebe a denominação de cidade

apenas quando é sede de município, isto independente das suas características

demográficas, funcionais ou do modo de organização produtiva. As vilas, por sua vez,

são as sedes dos distritos que compõem um município, enquanto que os povoados são as

nucleações localizadas em distritos, mas que não possuem vínculos de gestão do

território de qualquer tipo.

Segundo Souza (2005), buscando analisar a noção de cidade para além dos seus

aspectos meramente formais, tal forma espacial se diferencia dos povoados e, por

extensão, das vilas, pela natureza centrípeta da sua centralidade. Em outras palavras, os

elementos que constituem o caráter e a identidade da cidade estão voltados para o

Page 114: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

115

centro. Os povoados e vilas, ao contrário, tem nas suas bordas os elementos mais

significativos na constituição das relações sociais e econômicas.

Assim, ao atrair – mais que expulsar – fluxos de capital, bens, produtos e

pessoas, localidades como Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, cujo conjunto de

relações se enquadram em um modo que as aproximam das características de urbes, não

poderiam ser chamadas de cidades de fato, ainda que não as fossem por direito?

Para Silva (2004, p. 23), um distrito municipal cuja base econômica esteja

assentada na prática do turismo – como nos casos de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do

Forte – deve ser considerado genericamente como “cidade turística”, distinguindo-a de

um “lugar” ou “localidade turística”, termos com pouca fidelidade à delimitação

espacial da prática turística e que se enquadrariam muito mais, por aproximação, à

noção de município turístico, definida por Boullón (2005).

Por outro lado, segundo Hiernaux e Woog (1991), existem dois tipos de cidades

turísticas: aquelas que dependem apenas parcialmente do turismo como indutor de sua

base econômica (as grandes cidades, como as capitais europeias, por exemplo) e aquelas

para as quais o turismo se constitui em condição para a sua subsistência e

desenvolvimento (entre outros exemplos, o autor cita os centros de praia).

Por sua vez, Santos (2005a), ao debruçar-se sobre o problema da definição das

cidades, afirma existirem duas categorias: a cidade propriamente dita e a pseudocidade.

O que difere uma da outra é que a cidade local – menor tipo de aglomeração a merecer a

denominação de cidade – é capaz de garantir um crescimento autossustentado e um

domínio territorial, deixando de servir apenas às necessidades da atividade que a

sustenta, passando a servir às necessidades inadiáveis da população.

Embora os territórios que se constituem em objeto deste trabalho sejam bem

dotadas em infraestrutura e superestrutura turísticas que permitam “gerar respostas

competitivas aos desafios da globalização” (ARANTES, 2002, p. 13), algumas das

necessidades básicas dos residentes fixos não podem ser plenamente satisfeitas no

próprio local, o que as configuram como pseudocidades do turismo, mas não como

cidades turísticas propriamente ditas.

Contudo, ainda que as localidades analisadas neste estudo, assim como tantas

outras do Nordeste brasileiro em situação similar, não se constituam como cidades de

direito, é inegável que, pelas características da atividade que capitaneia a reestruturação

territorial produtiva na qual estão inseridas, passem por intenso processo de

urbanização.

Page 115: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

116

Na sua crítica à universalidade e atualidade da concepção de urbanização de

Henri Léfèbvre, calcada no desenvolvimento industrial como indutor do processo, Silva

(1997) apresenta uma questão – para ele – não solucionada. Segundo o referido autor,

ao conceber a problemática da urbanização como um atributo da industrialização, se

está ocultando a diversidade histórica, geográfica e funcional a qual cada centro urbano

se submete.

Se, por um lado, a “simples aglomeração de forças produtivas e meios de

produção em contextos produtivos diferentes (...) representa problemáticas econômicas

e sociais diferentes” (Idem, p. 18) e as “determinações mais importantes [da

urbanização] provêm não da evolução tecnológica da indústria (...) mas sim da estrutura

sócio-econômica e política na qual esta se desenvolve” (p. 19). Por outra parte, embora

seja importante reconhecer que muitas cidades desenvolvem e se desenvolvem (a partir

de sua) vinculação com indústrias, “existem outras que se desenvolvem com base em

seu envolvimento em economias primárias (i.e., agrícolas, minerais), que cumprem

funções importantes na esfera da circulação (i.e., portuária), ou na do consumo (i.e.,

turística)” (p. 20). Assim, há, no atual processo de urbanização, um sem número de

casos que escapam ao modelo da “cidade fabril”.

Solidário a Henri Léfèbvre no que concerne à indissociabilidade entre

industrialização e urbanização, Anton (1998) discorda com a linha de raciocínio acima

aventada, principalmente ao afirmar que foi a partir da assunção do sistema produtivo

industrial que os períodos de recreação se tornaram funcionalmente necessários como

forma de apaziguamento da conflituosa relação entre capital e trabalho, o que acabou

por refletir na conformação do que o autor chama de espaços de férias.

Salvador Anton oberva, porém, que existem novas especificidades no processo

de urbanização que, ao contrário de períodos precedentes da história dos estudos

urbanos, precisam ser considerados. Assim, o referido autor reclama para as práticas

ligadas ao turismo e ócio um maior protagonismo no conjunto dos feitos humanos que

atualmente induzem – de modo direto – a urbanização da sociedade.

A existência de tais visões contraditórias acerca do advento da urbanização

denota a necessidade de se pensar a questão urbana dentro de uma complexa e ainda

pouco entendida realidade que se descortina sob o efeito das transformações

engendradas pela passagem de um modelo produtivista de sociedade (fordista) para

outro, que assume um caráter consumista (pós-fordista).

Page 116: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

117

Isto, por sua vez, tem forte incidência naquilo que se convencionou chamar de

urbanização turística, posto que – como já fora debatido no Capítulo 1 – a própria

prática que a induz está atualmente submetida ao chamado espectro fordista de

produção e consumo do espaço.

O termo urbanização turística não escapa à situação daqueles conceitos que

ainda carecem de maior apuro analítico. Assim como o próprio conceito de urbanização,

o termo em tela costuma ser apresentado de forma difusa e pouco precisa. Em sua

tentativa de delimitar os termos aqui abordados, Silva (1997, p. 21) firma um conceito,

ainda que com a advertência de ser esta uma proposição provisória, segundo o qual a

urbanização turística é “o processo de constituição material e simbólica de espaços de

turismo, quer dizer, de lugares especialmente equipados para o desenvolvimento dessa

atividade específica”.

Após apresentar um conceito relativamente simplista para urbanização turística,

Silva (Idem, p. 22) refina a tipologia urbana de caráter turístico, propondo a existência

de “urbanizações turísticas balneárias”, que diferem das anteriores por terem na praia e

nos banhos de mar o sentido para a sua conformação. O autor segue afirmando que,

diferente dos outros tipos de urbanização, “estas apresentam-se de modo menos difuso,

e não estão necessariamente inscritas em um âmbito urbano que, geralmente, cumpre

outras funções que não as vinculadas ao turismo”.

Para Fonseca e Costa (2004), não indo muito além do que foi anteriormente

citado, a urbanização turística possui uma natureza diferenciada em relação às demais

formas de urbanização por estar diretamente vinculada ao lazer. Mais adiante, os autores

abordam sobre o modelo de urbanização turística desencadeado no Nordeste brasileiro

tomando as palavras de Rita de Cássia Cruz. Desta forma, afirma-se que, no caso da

região setentrional do país, o Estado promoveu dois processos interrelacionados, quais

sejam:

(...) a “urbanização turística dos lugares” através da implantação de

fixos diretamente relacionados à atividade turística e necessários para

a requalificação do lugar e a “urbanização para o turismo”, que diz

respeito à implantação de uma infra-estrutura de suporte,

indiretamente vinculada à atividade (Idem, p. 27).

Por sua vez, Anton (1998, p.25) considera que a urbanização turística diz

respeito “a los procesos por los cuales se han desarrollado áreas urbanas con la

finalidad fundamental de producir, vender y consumir servicios y bienes que producen

placer a residentes temporales”. Além disso, para o autor, tal forma de urbanização se

Page 117: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

118

converte um processo de funcionalização do espaço criador de estruturas urbanas de

características singulares que são a expressão do modo de produção típico da sociedade

contemporânea.

Mesmo levando em consideração as contribuições contidas nos conceitos

anteriormente dissecados, neste trabalho, parte-se da perspectiva que a urbanização

turística é causa e consequência de um processo de reestruturação territorial produtiva

baseada no turismo que ocasiona a transformação do solo de uma nucleação urbana em

mercadoria, promove uma especialização na base produtiva local e regional gestada de

fora para dentro e (des/re)constrói vínculos sociais, econômicos, políticos e culturais.

Convém assinalar ainda, que o atual modelo de urbanização turística se

desenvolve amparado em um complexo arranjo espacial, que agrega, além das

estruturas urbanas que dão sustentação ao turismo propriamente dito, tais como hotéis,

resorts, pousadas, albergues, restaurantes, cafés e toda uma miríade de casas de

diversão, objetos outros que tornam mais ampla a possibilidade de uso do território,

cujos exemplos podem ser observados no conjunto de edificações que sustentam o

mercado do turismo de segunda residência.

Por tudo isto e pela seletividade com a qual se desenvolve, tal processo acaba

por produzir contradições que opõem agentes hegemônicos e hegemonizados, todos

ávidos por impor, no lugar, a sua própria lógica de reprodução. Assim, na medida em

que os agentes econômicos ligados ao turismo se territorializam, as comunidades

hegemonizadas reagem estabelecendo estratégias próprias de territorialização que, em

última instância, possam garantir as possibilidades da sua reprodução social.

Segundo Santana (2007), o turismo, em geral, e as intervenções urbanísticas, em

específico, se constituem em um campo privilegiado para a conversão dos distintos

tipos de capital (econômico, social, cultural e simbólico) em elementos a serem

utilizados no desenvolvimento turístico. O espaço urbano é, pois, um lugar privilegiado

para investidores ligados aos setores turístico e hoteleiro.

No entanto, a transformação de nucleações urbanas em destinações turísticas não

se dá sem conflitos e contradições. As mudanças no consumo, os deslocamentos de

moradores, a supressão da cultura (JUDD, 2003), a polarização espacial, a segmentação

de mercado e a pressão sobre o meio ambiente (WILLIAMS, em citação de ANTON,

1998) são apenas algumas das questões ainda não bem solucionadas. Criar justificativas

e argumentações para o novo é, portanto, um passo fundamental na consolidação de

projetos de urbanização turística.

Page 118: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

119

Sobre isto, Santana (2007, p. 58) argumenta:

Todos estos planes han de comenzar con una “justificación”, en que

se argumenta la conveniencia de dedicar el territorio a la actividad

turística. La menor o mayor necesidad de argumentación dependerá

en gran medida de los usos anteriores del territorio y de los agentes

implicados en los mismos. Es decir, si un territorio que se quiere

dedicar al turismo tiene previamente un uso agrícola importante, y los

agentes implicados en el mismo disponen de importantes capitales

(económicos, sociales, culturales o simbólicos), será necesaria una

argumentación más fuerte a favor del desarrollo turístico. Por el

contrario, cuando el uso que se le da a un territorio previamente al

desarrollo turístico es menor, la necesidad de argumentación puede

ser también menor.

Assim, a justificativa para a implantação de projetos de urbanização turística é

empregada com maior eficácia naqueles lugares onde se percebe maior fragilidade no

desenvolvimento de uma economia de mercado. Além disso, tais justificativas são

amparadas, ainda segundo o autor citado, pela convergência de argumentos

“naturalistas” e “economicistas”.

O discurso naturalista faz referência aos atributos físico-ambientais de um

determinado território, tais como horas de sol, temperatura e proximidade do mar,

convertendo-o em um destino “natural” (no sentido da obviedade e da inevitabilidade)

para a prática turística. O argumento seguinte, de base economicista, diz respeito aos

propagados benefícios econômicos que a prática proporcionará ao lugar, com o turismo

sendo um infalível vetor de incremento da produtividade do território.

Como contra-argumentação aos discursos acima expostos, Santana (Idem, p. 59)

afirma:

La visión del desarrollo turístico como un hecho “natural” e

inevitable lleva a olvidar que el proceso de urbanización es siempre

un proceso social, y se llega a plantear que es el próprio suelo el que

“per se” tiene vocación (como si fuera un sujeto) de ser convertido en

urbanización turística.

(...)

No es sólo que los argumentos se lleven al terreno de ‘lo económico’,

sino a una determinada visión de la Economía que pretende olvidar

que la “economía” no es una ciencia natural y que muchas cuestiones

están sujetas a discusión.

Ainda que o debate proposto por Santana esteja circunscrito à realidade

espanhola (em específico, o caso das Ilhas Canárias), é possível perceber grande

convergência com a situação brasileira. Neste sentido, o Nordeste brasileiro, com seus

principais balneários litorâneos localizados, via de regra, em regiões cujo passado é

Page 119: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

120

marcado por forte inércia territorial e cujas justificativas estão assentadas justamente em

argumentos “naturalistas” e “economicistas”10

, se converte em caso exemplar para o

exposto acima.

Entre os diversos autores que tratam da temática turística, Almeida (2006), ao

debater os discursos em defesa da implementação de políticas públicas para o turismo, e

Dantas (2007), na sua análise sobre a construção da imagem turística do Nordeste, são

alguns dos que identificam o uso dos argumentos acima mencionados.

Segundo a primeira, ao examinar a realidade brasileira:

Se tornó común referirse al turismo, principalmente en los discursos

defensores de su implantación, como portador de diversos beneficios

en la participación, en la generación de divisas, en la transferencia de

utilidades entre las regiones, en el equilibrio de las cuentas externas,

en la creación de empleo para las poblaciones residentes, en la

atracción de inversiones en infraestructuras, en la preservación del

medio ambiente y en la valorización de las identidades y de las

especificidades locales (Idem, p. 28).

Para o seguinte autor, a construção do imaginário social do Nordeste está

fortemente amparada na difusão de imagens da costa ensolarada, reforçando, assim, a

evocação do paraíso tropical do qual Aoun (2005) faz referência.

De fato, seja como discurso de promoção do incremento econômico ou da

“vocação turística” pelas belezas naturais, há, nos documentos oficiais, argumentos de

bases economistas e naturalistas como justificativas da urbanização turística.

Por outra parte, é fundamental estabelecer as bases para o debate sobre as

implicações da urbanização turística, não só pela construção de espaços icônicos no

interior de antigas e pequenas localidades em submissão aos desígnios do turismo

globalizado, mas sobretudo pelas contradições inerentes a uma processo que privilegia

interesses hegemônicos em detrimento das necessidades e dos desejos das populações

locais.

No turbilhão de transformações decorrentes da ação do capital em espaços antes

submetidos na quase totalidade das relações econômicas e sociais a uma ordem local, as

populações passam a conviver com uma crescente complexificação e especialização

produtiva do território. Assim, ao residente caberia se adaptar, quando possível, às

vertiginosas mudanças impressas no espaço ou, em um caso extremo, “ser naturalmente

10

Os planos nacionais de turismo, já citados, e demais documentos oficiais relativos à prática turística,

tais como Brasil (2004b), Bahia (2005), Pedroza e Freire (2005), entre outros, expõem fartamente os

argumentos acima aventados.

Page 120: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

121

varrido ou esmagado” pelo “impulso expansivo do sistema” (MÉSZARÓS, 2008, p.

19).

Contudo, insistentes na sua tentativa de continuarem existindo, as populações

atuam ora no sentido de exercerem protagonismo frente as transformações aventadas,

ora no da resistência a tais mudanças, isto tudo convergindo para práticas territoriais,

como se verá mais adiante.

Page 121: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

122

III

A DINÂMICA TERRITORIAL DO TURISMO NO

NORDESTE BRASILEIRO

Page 122: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

123

Capítulo 5

A ATUALIDADE DOS ESTUDOS COMPARADOS COMO MÉTODOLOGIA

DE ANÁLISE DA CIÊNCIA GEOGRÁFICA

O procedimento da comparação11

é, desde a Antiguidade, um dos mais

requisitados recursos de investigação. Filósofos clássicos, como Aristóteles e Heródoto,

entre outros, empregaram esta opção analítica como um dos modos pelos quais se

buscava compreender o funcionamento da Sociedade e da Natureza.

Nos tempos contemporâneos, em praticamente todos os campos do

conhecimento, a busca por similaridades e diferenças entre os elementos de estudo que

lhes caracterizam é extremamente comum. Assim, tanto nos postulados da Física,

Química ou Biologia, quanto nas Ciências Sociais, incluindo-se aí a História e a

Geografia, a perspectiva comparada de análise se faz presente.

Sendo esta uma investigação fundamentada em uma abordagem comparativa de

análise dos territórios do turismo em balneários litorâneos do Nordeste brasileiro, torna-

se imperativo pensar sobre o método de procedimento e a sua operacionalização.

Isto é necessário, pois, embora seja absolutamente comum o uso da análise

comparada em estudos geográficos, esta não parece ser uma preocupação metodológica

das mais proeminentes entre os geógrafos contemporâneos. Se é um fato que atualmente

há grande quantidade de grupos de profissionais atuando em rede e cujos estudos

buscam compreender as causas e consequências de um fenômeno ou processo em

distinto lugares, o mesmo não se pode dizer em relação ao conteúdo metodológico da

investigação geográfica que abraça a perspectiva comparada de análise.

De fato, há inúmeras pesquisas e publicações de cunho geográfico que tratam de

comparar metrópoles, cidades médias, zonas agrícolas ou unidades de conservação, por

exemplo. Em muitos desses casos, porém, essas produções intelectuais não são

precedidas de uma exaustiva discussão metodológica, de tal modo que as comparações

são feitas a partir da escolha pura e simples de dois ou mais entes geográficos similares.

Em outros campos do conhecimento, porém, há grande profusão de pesquisas

dedicadas não apenas à elucidação de questões às quais se dedicam em uma perspectiva

11

Embora se reconheça a importância do debate, não se pretende aqui atingir o rigor da distinção entre os

termos “comparação” e “método comparativo”, como proposto por Woortmann (2005). Segundo a autora,

a comparação está ligada ao senso comum, ao passo que o método comparativo é uma construção de

caráter científico. No âmbito deste trabalho, porém, comparação, método comparativo, abordagem

comparativa e procedimento de comparação serão tratados como sinônimos.

Page 123: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

124

comparativa, mas também ao próprio avanço deste procedimento. Daí partem, portanto,

algumas das proposições mais importantes das quais o pesquisador pode lançar mão.

Assim, este capítulo possui uma conformação que visa articular três aspectos

fundamentais do debate metodológico que se pretende empreender, quais sejam: o item

A comparação como método de análise nas Ciências Sociais tem por princípio formular

um breve panorama acerca dos debates que permitem a incorporação de subsídios

metodológicos na abordagem comparativa na Ciência Política, Sociologia, Antropologia

e História, bem como nas investigações realizadas no âmbito do Turismo, de modo a

promover uma aproximação do arcabouço metodológico desses campos do

conhecimento com a investigação aqui desenvolvida; o item A análise comparativa na

Geografia: uma revisão historiográfica representa uma tentativa de identificar as

contribuições mais significativas da Geografia no que concerne ao uso do método em

tela a partir de uma abordagem retrospectiva; o item que encerra o capítulo, intitulado A

análise comparativa como subsídio ao estudo geográfico de balneários litorâneos do

Nordeste brasileiro: uma proposta, busca propor um procedimento metodológico

comparativo, a partir do acolhimento de contribuições internas e externas à Geografia,

que permita estabelecer as diferenças e singularidades existentes na formação de

territórios em balneários turísticos do litoral nordestino.

Deste modo, o capítulo atual se configura como a base metodológica na qual se

assenta toda a investigação que aqui se desenvolve, atentando fundamentalmente para a

elaboração de um procedimento que seja, ao mesmo tempo, holístico em sua concepção,

e plenamente aplicável ao estudo de caráter geográfico.

5.1 A comparação como método de análise nas Ciências Sociais

Diversos especialistas na análise dos fundamentos de metodologia científica dão

conta da importância da utilização do método comparativo em todos os campos do

conhecimento humano (ANDRADE, 1999; MARCONI e LAKATOS, 2007; CERVO,

BERVIAN e SILVA, 2007; GIL, 2009, entre outros).

De modo enfático, alguns desses autores – em especial M. Andrade; M. Marconi

e E. Lakatos – revelam a necessidade de dimensionar a comparação como um método

de procedimento, distinguindo-o dos métodos de abordagem. Em outras palavras, o ato

de comparar é uma etapa concreta da investigação, um dos caminhos possíveis para se

chegar à inteligibilidade daquilo que se quer elucidar, sendo um apoio metodológico

Page 124: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

125

circunscrito a uma dada fundamentação filosófica. Esta última, como se sabe, pode ser

de caráter indutivo, dedutivo, fenomenológico ou dialético.

Assim, através de um esforço de adequação às premissas dessas diferentes

linhagens filosófico-científicas, a análise comparativa pode ser adotada como

procedimento metodológico em qualquer das áreas de conhecimento.

Do ponto de vista conceitual, dois aspectos principais fornecem os elementos

para a compreensão de tal procedimento de análise: similitude e diferença. Nas palavras

de Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 32), “a comparação é a técnica científica aplicável

sempre que houver dois ou mais termos com as mesmas propriedades gerais ou

características particulares”.

Para Bruyne, Herman e Schoutheete (1977, p. 228), o interesse dos estudos

comparativos “reside na ultrapassagem da unicidade e na evidenciação de regularidades

ou de constantes entre várias organizações cujas semelhanças e dessemelhanças são

analisadas”. Neste sentido, fica claro que fazem parte dos objetivos investigativos deste

procedimento metodológico a busca por generalizações ou, em sentido inverso, a ênfase

nas particularidades.

Ainda sobre este aspecto da proposição metodológica aqui abordada, Grossen

(1973), ao tratar dos objetivos de investigação, afirma que o método comparativo tem a

finalidade de tornar compreensível as coisas desconhecidas a partir de coisas conhecidas

mediante a analogia, a similaridade ou o contraste; identificar novos descobrimentos ou

ressaltar o peculiar; e sistematizar, enfatizando a diferença.

Neste sentido, torna-se fácil inferir que o mais proeminente debate entre os

autores no que concerne à análise comparativa diz respeito à importância atribuída aos

elementos similitude e diferença no fazer científico. Assim, os estudiosos se distinguem

por defenderem (a) a busca pelas semelhanças, (b) o realce das diferenças e, por fim, (c)

a não aceitação das pré-determinações verificadas nos itens anteriores.

Em meio aos estudiosos que advogam a ideia segundo a qual o referido método

deva priorizar o exame das semelhanças entre os elementos a serem comparados,

destaca-se o historiador Marc Bloch. Segundo Targa (1991, p. 267), “a analogia, a

semelhança, é o que nos aparece como principal e inicial passo metodológico na

proposição da análise comparativa de Bloch”.

De fato, o próprio historiador francês, em obra originalmente escrita em 1928,

revelava sua predileção pela análise das semelhanças, apontando ser esta opção

metodológica, inclusive, um ato político, posto que apelasse, por meio do seu trabalho,

Page 125: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

126

pela reconciliação dos povos europeus através da História (BLOCH, 1983). Tal escolha

privilegiou a análise das regularidades dos fatos históricos da Europa, em uma tentativa

de aproximar, assim, os povos daquele continente.

Por outro lado, há aqueles que enxergam o método comparativo como um

procedimento empregado na busca pelas diferenças entre fenômenos analisados. Este é

o caso, por exemplo de Cervo, Bervian e Silva (2007, p. 32), para os quais, “da

comparação importa abstrair as semelhanças e destacar as diferenças”.

Para Sartori (1994), quanto à finalidade da aplicação deste procedimento, o ato

de comparar tem o propósito primeiro de expor as diferenças recíprocas.

Por fim, há um terceiro grupo que compreende que, na análise comparativa, o

transcorrer do estudo é que aponta se entre os entes analisados sobressaem diferenças ou

semelhanças, não havendo uma preocupação prévia em estabelecer uma prioridade na

buscar desta ou daquela condição comparativa.

Na síntese de Hopkin (2002, p. 254) relativa aos problemas metodológicos da

Ciência Política, “(...) the world is unlikely to provide political scientists with sets of

cases which are the same in all respects except those we wish to study, or different in all

respects except those we wish to study”, sugerindo que o conteúdo social e a natureza do

problema apresentados nos lugares sob investigação é que determinam que condução o

trabalho científico de caráter comparativo deve tomar.

Porém, independente das querelas acima apontadas, há que se destacar que

realmente a análise comparativa possui importantes vínculos com as Ciências Sociais,

notadamente na Ciência Política, Sociologia, Antropologia e História, os campos do

conhecimento que mais avançaram no debate sobre as perspectivas metodológicas

inerentes ao procedimento em tela.

Assim, ainda que a comparação seja de comprovada eficiência nos mais diversos

campos do conhecimento, é nas Ciências Sociais que tal procedimento é aplicado de

modo mais efetivo (FACHIN, 2001). Isto aparece de forma explícita em alguns

conceitos definidores do método comparativo, como se verá a seguir.

Para Andrade (1999, p. 116), o referido procedimento

(...) realiza comparações com a finalidade de verificar semelhanças e

explicar divergências. O método comparativo é usado tanto para

comparações de grupos no presente, no passado, ou entre os existentes

e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes

estágios de desenvolvimento.

Page 126: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

127

O destaque para o exame das sociedades, nas mais diversas condições espaço-

temporais e socioeconômicas, revela, de acordo com as considerações da autora, uma

maior susceptibilidade do método comparativo aos engajamentos científicos das

Ciências Sociais. O mesmo se verifica na concepção desenvolvida por Marconi e

Lakatos (2007, p. 107), que afirmam:

Considerando que o estudo das semelhanças e diferenças entre

diversos tipos de grupos, sociedades ou povos contribui para uma

melhor compreensão do comportamento humano, este método realiza

comparações, com a finalidade de verificar similitudes e explicar

diferenças.

As considerações de Gil (2009) denotam, por sua vez, que a análise comparativa

é empregada sempre que o investigador busca ressaltar as diferenças e semelhanças

entre indivíduos, classes, fenômenos ou fatos e sua ampla aceitação como método nas

Ciências Sociais se dá pela possibilidade de estudar grandes grupamentos sociais

separados entre si por contingência espacial ou temporal.

O referido autor ressalta, porém, que o método comparativo é alvo de críticas,

sendo considerado por seus detratores um método superficial em relação ao demais.

“No entanto”, destaca Gil (Idem, p. 17), “há situações em que seus procedimentos são

desenvolvidos mediante rigoroso controle e seus resultados proporcionam elevado grau

de generalização (...)”.

Na Ciência Política, os estudos mais significativos em análise comparativa

resultaram de um incisivo engajamento no debate de questões metodológicas relativas à

aplicação deste procedimento no exame dos sistemas políticos em escala local

(LIDSTRÖM, 1999), regional (SNYDER, 2001), mas principalmente no âmbito

nacional e internacional (SARTORI, 1970; PRZEWORSKI e TEUNE, 1970;

LIJPHART, 1971; RAGIN, 1987).

Porém, a despeito da escala espacial com a qual se trabalhe, tais debates estão

centrados, via de regra, (a) na aplicação de estratégias de comparação a partir de dados

quantitativos, de análises qualitativas ou na convergência de ambos, (b) no debate sobre

o número ideal de estudos de caso a serem investigados e (c) na formulação de

tipologias que permitam encontrar regularidades ou ressaltar as diferenças entre os

casos estudados.

Na Sociologia, o debate acerca da utilização do método comparativo é

igualmente frutífero, tornando-se uma questão central daquela ciência. De forma

bastante incisiva, Simmel (2006, p. 45) afirma que “acima de tudo o significado prático

Page 127: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

128

do ser humano é determinado por meio da semelhança e da diferença”, para, em

seguida, constatar que “as semelhanças e diferenças são, de múltiplas maneiras, os

grandes princípios de todo desenvolvimento externo e interno”.

Ícones como Auguste Comte, Émile Durkheim e Max Weber foram entusiastas

da comparação como procedimento de análise. Segundo Schneider e Schimitt (1998),

para os referidos pensadores, a análise comparativa está relacionada à própria

constituição da Sociologia como ciência.

Para Comte, a Sociologia – ou Física Social, como denominada pelo próprio

filósofo francês – deveria estabelecer comparações, à semelhança dos métodos

empregados pela Biologia, como forma de descobrir as leis gerais e invariáveis

inerentes à explicação sociológica. Neste contexto, a comparação poderia incorporar

análises no tempo e no espaço, entre diferentes épocas históricas ou distintos grupos

sociais.

Na proposição de Durkheim, a comparação aparece como o procedimento

principal na construção de explicações sociológicas, ainda que, como afirmam

Schneider e Schimitt (opus cit.), nem sempre o ilustre sociólogo tenha explicitado o seu

apreço por tal abordagem metodológica.

Ainda segundo os autores acima citados:

(...) a análise comparativa ocupa um lugar central na obra de

Durkheim, justamente por que é através dele que o autor apresenta

suas soluções para alguns dos problemas fundamentais das ciências

sociais, entre eles, a difícil conciliação entre a complexidade e a

generalidade da pesquisa social (opus cit., p. 58).

Para Fernandes (1980, p. 94), ao contrário do que acontecera com Durkheim,

para quem o método comparativo fora central na formulação de explicações

sociológicas, na obra de Max Weber, tal procedimento assume papel secundário, “ainda

que construtivo”.

Na perspectiva weberiana, a comparação serve como instrumento para o

controle racional das hipóteses levantadas, procedimento realizado, por exemplo, nos

estudos sobre a ética em diversas doutrinas religiosas (SCHNEIDER e SCHIMMIT,

1998). Além disso, Weber tratou de abordar temas sociológicos em uma perspectiva

comparativa no seu estudo clássico sobre as cidades ocidentais em relação às de outros

contextos espaço-temporais (WEBER, 1999).

Os antropólogos também figuram entre os cientistas sociais que muito

contribuíram para o debate sobre o método comparativo. Segundo Espina (2005), o

Page 128: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

129

procedimento da comparação foi largamente empregado na Antropologia,

principalmente quando a ciência ainda não houvera desenvolvido métodos próprios, o

que leva o autor a afirmar ser este o método mais genuíno da ciência.

Para Woortmann (2005, p. 93), em comentário sobre o papel do procedimento

em tela na Antropologia,

O que é importante em tudo isso, é o fato do método ter acompanhado

o pensar antropológico em todo curso de sua história e de ser

responsável por grande parte do pensar de sua produção, quer sendo

utilizado em si, quer como alvo da crítica dos seus opositores.

De fato, ainda que seja considerado um procedimento central da Antropologia, é

possível identificar algumas vozes contrárias à abordagem comparativa no círculo dos

principais mestres da ciência. Entre os críticos, destaca-se Boas (2004), que sugere a

construção de novas regras de aplicação do procedimento metodológico. Convencido de

que a comparação não se mostrava inteiramente eficaz ao ser aplicado nos estudos

empíricos, o ilustre antropólogo cobrava maior apuro na construção das regras que

deveriam balizar o método.

Do ponto de vista estritamente operacional, Woortmann (2005) destaca três

etapas basilares do trabalho comparativo na Antropologia, quais sejam: a primeira seria

a seleção/separação das unidades de observação, que consiste em escolher, de forma

arbitrária e consciente, os grupos com os quais se deseja trabalhar; a segunda seria a

definição e construção das unidades e do objeto, sendo entendida como o pensar sobre

o espaço onde os grupos estudados se reproduzem socialmente; a terceira, definida

como a comparação propriamente dita, é a operação do pensar consciente pela qual a

análise comparativa se efetiva por aproximação ou oposição.

Na História, outros importantes debates sobre o emprego do método

comparativo são realizados. Segundo afirmam Mahoney e Rueschmeyer (2006), a

análise histórica comparativa possui uma longa tradição nas Ciências Sociais, sendo

empregada por Adam Smith, Alexis de Tocqueville e Karl Marx, entre outros

considerados fundadores do pensamento social, bem como por alguns dos mestres

consagrados do início do século XX, com destaque para Otto Hintze e os já comentados

Max Weber e Marc Bloch.

Com efeito, ainda no primeiro terço do século XX, o historiador Marc Bloch

assumiu posição privilegiada entre os principais nomes da História Comparada, ao

publicar, em 1928, a obra Mélanges historiques (BLOCH, 1983), na qual apresenta, no

Page 129: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

130

capítulo intitulado Pour l’histoire comparée des sociétés européennes (Tomo 1), amplo

debate acerca dos fundamentos teórico-metodológicos deste campo do conhecimento.

Segundo Haupt (1995, p. 196), Bloch propunha:

Étudier parallèlement des sociétés à la fois voisines et

contemporaines, sans cesse influencées les unes par les autres,

soumises dans leur développement, en raison de leur proximité et de

leur synchronisation, à l’action des mêmes grandes causes et

remontant, partiellement du moins, à une origine commune.

Assim, como aventado alhures, para Bloch, o método comparativo serviria, antes

de mais nada, para por a descoberto as similitudes históricas que aproximam os povos.

Vale salientar que, no âmbito dos campos de conhecimentos afins a este estudo,

é possível constatar que a busca pela comparação como procedimento de análise não

está restrita apenas às Ciências Sociais. Entre os estudiosos do Turismo, é possível

encontrar autores preocupados em debater proposições metodológicas que permitam

enquadrar a perspectiva comparativa como instrumental analítico da prática turística.

Ao apresentar uma tipologia da pesquisa em Turismo baseada no esquema

tipológico elaborado por Perseu Abramo, Dencker (2001) menciona que, quanto aos

processos de estudo, a investigação pode ser estrutural, histórica, comparativa,

funcionalista, estatística ou monográfica, mas sem especificar, porém, quais são os

atributos de cada um destes. De qualquer modo, há, no discurso da autora, uma

referência explícita ao uso da análise comparativa do debate científico que se

desenvolve a partir da prática turística.

Por outro lado, na sua análise sobre a aplicabilidade da abordagem comparativa

nas investigações sobre turismo, Pearce (1993) observa que o debate sobre o emprego

de tal método é ainda bastante incipiente. Para o autor:

When a comparative approach has been adopted by tourism

researchers there has generally been little elaboration on its

use, with as best only passing mention of methodological issues

or fleeting reference to other work. Studies have not built upon

each other and no cohesive body of work using comparative

approaches to tourism research (opus cit., p. 20).

Assim, D. Pearce afirma a falta de um debate metodológico mais apurado sobre

o emprego da comparação entre os investigadores do turismo, algo também apontado

por Dieke, em citação de King (1997), que atribui aos problemas metodológicos, juntos

às dificuldades com logística e financiamento, as principais carências dos estudos

comparativos.

Page 130: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

131

No ensaio sobre a aplicação do método comparativo no exame de destinos

turísticos do Atlântico Norte, Baum (1999) aponta para o fato de que atualmente são

muitos os estudos que, implícita ou explicitamente, empregam a comparação como

abordagem investigativa.

Para o referido autor, a evolução do escopo analítico do Turismo como campo

de conhecimento se deu a partir de um processo segundo o qual diferentes resultados de

pesquisa foram confrontados. Assim, a comparação permitiu ao investigador estabelecer

parâmetros de validez e confiabilidade dos resultados auferidos por meio de pesquisas,

sejam elas quantitativas ou qualitativas.

Segundo o pesquisador britânico, as investigações comparativas em Turismo

não seriam tão imaturas e carentes de aplicabilidade, como sugere Pearce, ainda que

concorde com este no que concerne ao pouco interesse dos estudiosos em elucidar os

problemas e as questões metodológicas inerentes ao procedimento em tela.

O panorama acima evidenciado denota, enfim, o quanto é fundamental

compreender as significativas contribuições dadas pelas Ciências Sociais acerca do

aprimoramento metodológico na abordagem comparativa, visando, assim, refinar o

diálogo interdisciplinar entre estes diversos campos do conhecimento que debatem a

sociedade.

Desse modo, é possível evidenciar aspectos relevantes da construção de

propostas metodológicas de caráter comparativo nas Ciências Sociais, bem como da sua

operacionalização, que, acrescidos de um olhar sobre esses mesmos aspectos no âmbito

da Geografia (como se verá adiante), pode gerar novas formas de pensar o método

comparativo como um instrumento de análise desta última ciência na

contemporaneidade.

5.2 A análise comparativa na Geografia: uma revisão historiográfica

A realização de análises comparadas em Geografia tem nos responsáveis pela

sistematização da ciência e naqueles estudiosos ligados ao pensamento tradicional os

seus primeiros articuladores. Segundo Ackerman (1976), a comparação espacial é um

elemento central do estudo geográfico desde o seu princípio como ciência.

Para Clozier (1972, p. 126), tomando por empréstimo as concepções de

Emmanuel de Martonne, a comparação permite reagrupar os fatos que as ciências afins

da Geografia “dissociaram para os poderem estudar em si mesmos” ou, por outro lado,

pode ser empregada como subsídio à generalização de fatos geográficos.

Page 131: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

132

Sem romper com postulados tradicionais da ciência, Clozier apresenta exemplos

para o emprego do método comparativo tanto em estudos de Geografia Física quanto

em investigações que envolvam elementos atinentes à Geografia Humana, alertando

sempre para possíveis armadilhas que um estudo superficial pode gerar.

Assim, enfatizando a primazia da categoria paisagem como objeto de análise, o

autor afirma que, ao optar pela comparação,

(...) a atitude do geógrafo deve ser sempre esta: manter a realidade

concreta que as paisagens apresentam sobre o controlo do

conhecimento dos factores determinantes; toda a forma de terreno,

para ser bem interpretada, precisa de ser compreendida; toda a

analogia, para ser devidamente verificada, precisa de ser submetida à

razão (Idem, p. 128).

Do ponto de vista historiográfico, é mais que sabido que as experiências iniciais

que resultaram no processo de sistematização da Geografia ocorreram na atual

Alemanha do século XIX pelas mãos de Alexander von Humboldt e Karl Ritter. Muitas

das propostas encaminhadas por estes teóricos fundadores da ciência tiveram nos

estudos comparados um amparo metodológico fundamental.

Como era próprio do tempo em que viveram os fundadores da Geografia, a

Natureza era vista como um todo, mas a sua compreensão plena só seria possível a

partir da sua divisão para fins de análise. Cada parte seria relacionada com outra para,

enfim, se poder determinar as características comuns e as singularidades que lhes eram

inerentes.

Deste modo, com graus distintos de apuro teórico-metodológico, ambos

lançaram mão de estudos comparados. Porém, cabe ao ilustre pensador Karl Ritter o

mérito de ter sido o primeiro a propor, de modo explícito e sistemático, um engajamento

metodológico que permitisse a realização de pesquisas geográficas comparadas.

Segundo Mehedinti (1901, p. 1):

Vers le commencement du XIXe siècle, la géographie, en suivant le

courant de la grande rêforme scientifique inaugurée déjà à la fin du

siècle précédent, devint, elle aussi, une science comparée. C’est Karl

Ritter qui lui donna pour la première fois ce titre.

De fato, grande parte do debate metodológico impetrado por Ritter ao longo da

sua carreira foi dedicado ao desenvolvimento da chamada Geografia Comparada, termo

que, inclusive, intitula uma das suas grandes obras, cujo primeiro volume é datado de

1817. Como afirmado por Moraes (2002, p. 147), nesta obra “estão contidas suas

Page 132: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

133

formulações essenciais, a explicitação prática de sua proposta metodológica, a

exemplificação de suas colocações normativas”.

O viés metodológico proposto por Ritter para a Geografia parte de uma visão

antropocêntrica e de base regional, buscando, daí, estabelecer uma relação lógica entre o

todo e as partes. Deste modo, segundo esta proposição, caberia à ciência geográfica

analisar arranjos individuais e compará-los, explicitando as partes através do todo e

vice-versa, trilhando um caminho ao mesmo tempo indutivo e dedutivo.

Alguns dos discípulos de Ritter estimularam debates sobre os postulados do

mestre. Vale a pena ressaltar, pois, o interesse de Élisée Reclus, bem como a crítica feita

por Oskar Peschel, ambos tomando como base a obra ritteriana dedicada ao emprego do

método comparativo na Geografia.

Em finais do século XIX, É. Reclus ocupou a cadeira de Geografia Comparada

na Universidade Livre de Bruxelas, onde fomentou intensos debates sobre as

proposições de Karl Ritter, tendo publicado, inclusive, um ensaio contendo a sua aula

inaugural no referido curso (RECLUS, 2010).

Na concepção de E. Reclus, a comparação é um procedimento que se aplica no

âmbito da Geografia desde tempos imemoriais, antes mesmo da sua concepção

científica existir. Para o referido geógrafo, a capacidade de perceber as diferenças entre

aspectos físico-ambientais e culturais das distintas parcelas da superfície terrestre era

um atributo essencial no desenvolvimento da noção de região pelos homens desde a

Antiguidade.

Em oposição ao posicionamento do ilustre geógrafo anarquista, Oskar Peschel,

considerado um dos principais geógrafos germânicos da geração seguinte à dos

fundadores da Geografia Moderna, publicou, em 1870, a obra Neue Probleme der

vergleichender Erdkunde als Versuch einer Morphologie der Erdoberflüche, na qual

tece fortes críticas às proposições de Ritter – de quem fora aluno – contidas em

Geografia Comparada. Para Peschel, o seu mestre empregara o método comparativo

apenas quando realizou o estudo dos continentes europeu e africano.

Por outro lado, apesar da enorme dedicação de Ritter ao desenvolvimento de um

escopo metodológico de caráter geográfico que tivesse na comparação um dos seus

principais fundamentos, foi com Paul Vidal de La Blache, por meio da clássica obra Le

principe de la Géographie Générale, publicada originalmente em 1895, que a analogia

veio a se tornar um dos princípios desta ciência (LA BLACHE, 2001).

Page 133: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

134

Desde os tempos em que a ciência geográfica era tomada por uma maioria como

o estudo do “resultado da ação humana na paisagem” (MORAES, 2005a, p. 80) e da

busca pela explicação da diversidade dos chamados gêneros de vida, fundamentos

vinculados ao pensamento de Paul Vidal de La Blache e do próprio Possibilismo, a ideia

de elaborar estudos baseados na comparação de lugares adquiriu um caráter mais

sistematizado.

Ainda segundo Moraes (Idem, p. 84), o receituário metodológico desenvolvido

pelo ilustre geógrafo francês continha um encaminhamento no qual a “comparação das

áreas estudadas e do material levantado, e classificação das áreas e dos gêneros de vida”

constituíam escopo essencial para se chegar a uma tipologia da paisagem de base

positivista. Desse modo, ainda que quisesse extrair as relações particulares entre homem

e natureza ou, nas palavras de Santos (2002b, p. 55), a “personalidade regional” do

espaço através da noção de gênero de vida, La Blache o fazia por meio, também, de

comparações.

Tempos mais tarde, entre os discípulos desse geógrafo fundador, a realização de

estudos comparados de caráter regional se ampliou ao ponto de gerar a especialização

temática que até hoje se vê na Geografia. Foi através da síntese comparativa de

elementos inventariados de diversos lugares no campo da análise regional que se

chegou, pois, à Geografia da População, Geografia Econômica, Geografia Agrária, entre

outros campos disciplinares da ciência geográfica.

Se, sob o espectro lablacheano, a comparação de espaços surgia como um dos

métodos de análise mais populares entre os geógrafos, na proposta desenvolvida por

Richard Hartshorne décadas mais tarde, tal procedimento era uma condição. Seguidor

de Alfred Hettner, para quem a Geografia seria a ciência incumbida de estudar as

diferenciações de áreas, o geógrafo norte-americano foi responsável pela formulação de

um considerável esforço de análise epistemológica, notadamente no campo

metodológico.

A partir do final da década de 1930, Hartshorne publicou as suas proposições

acerca da natureza e propósitos da ciência geográfica e, entre outras formulações,

sugeriu a adoção de dois procedimentos de análise, denominados Geografia Idiográfica

e Geografia Nomotética.

Ambos os procedimentos analíticos estavam consubstanciados por uma dupla

base formada pelos conceitos de “área” e “integração”. O primeiro diz respeito a uma

entidade espacial constituída pelo pesquisador a partir da análise cada vez mais

Page 134: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

135

aprofundada da interrelação dos fenômenos ali existentes, revelando o caráter único que

lhe seria próprio. Por sua vez, a busca por essa interrelação referida anteriormente daria

sentido ao segundo conceito acima aventado.

Segundo Hartshorne (1978, p. 34), aí estaria o propósito da ciência geográfica,

pois, para este autor norte-americano, “na Geografia (...) o interesse é focalizado desde

o início nas integrações dos diversos fenômenos, as quais, em virtude de sua existência,

determinam o caráter variável das áreas”.

Assim, caberia à Geografia Idiográfica buscar a singularidade de cada área a

partir da análise integrada dos diversos fenômenos que a constituem. A Geografia

Nomotética, por sua vez, traria consigo a possibilidade da comparação de distintas

áreas. Para tanto, o pesquisador deveria reproduzir em diversos lugares uma integração

realizada. De acordo com Hartshorne (Idem., p. 34-35):

Ao concentrar-se numa categoria de aspectos de cada vez, observará

as variáveis manifestações dessa categoria particular, em relação às de

outras categorias com as quais as variações forem mais intimamente

relacionadas. Através desse método poderá estabelecer a existência de

sistemas e configurações espaciais de categorias particulares (...).

Mediante a comparação de tais configurações espaciais de diferentes

categorias, induzirá hipóteses de relações de processos entre os

diferentes fenômenos.

Ao comparar as integrações em distintas áreas, seria possível atingir um “padrão

de variação” do fenômeno que se quis analisar. Em se tratando de uma mesma temática,

tais integrações permitiriam, enfim, as comparações que, por sua vez, dariam um caráter

genérico ao estudo geográfico (MORAES, 2005a).

Pertence a Schaefer (1988), um dos precursores da New Geography, a mais

contundente crítica ao emprego do método comparativo na Geografia, ao menos no

transcurso da primeira metade do século XX. Em franca oposição aos postulados do seu

colega R. Hartshorne, o geógrafo alemão afirmava que, na verdade, não é possível

sequer admitir a existência de tal método, posto que,

(...) el enfoque comparativo no es una tercera tendencia, además del

enfoque descriptivo y el sistemático. Mucho de lo que se cubre bajo el

nombre de geografía comparativa es realmente geografía sistemática

aunque con bastante frecuencia, de un tipo más bien rudimentario.

Otros trabajos que se denominan comparativos, són, más o menos,

ingenuas descripciones regionales (Idem., p. 76).

O debate sobre a aplicação do método comparativo na Nova Geografia é

extremamente complexo. Como se viu, Schaefer, considerado um dos pioneiros da

Page 135: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

136

corrente geográfica de base neopositivista, repeliu fortemente o pensamento de

Hartshorne, e, entre outras críticas, contradisse a proposta do autor norte-americano no

tocante à chamada Geografia Nomotética. Por outro lado, Bezzi (2004, p. 115)

menciona que, para o próprio Schaefer, “a Geografia é responsável pela elaboração das

leis sobre localização, e essas podem e devem ser usadas para diferenciar as porções

distintas da superfície terrestre, ou seja, as regiões” [grifo nosso].

Segundo Santos (2002b, p. 63):

A chamada Nova Geografia se manifestou sobretudo através da

quantificação. Mas ela utilizou igualmente como instrumentos os

modelos, a teoria dos sistemas (ecossistemas incluídos), a tese da

difusão de inovações, as noções de percepção e de comportamento e,

da mesma maneira, as múltiplas formas de valorização do empírico e

do ideológico.

O emprego dos instrumentos acima citados foi de fundamental importância,

portanto, para o desenvolvimento da chamada Nova Geografia. Mas, além disso, ainda

que com níveis distintos de aplicação, acabaram por contribuir para uma certa

valorização da comparação como procedimento metodológico.

Em dois momentos distintos, M. Santos (Idem, p. 69 e 72), tomando por

empréstimo afirmações de geógrafos filiados ao neopositivismo, dá pistas sobre a

relação entre o procedimento da comparação e a opção quantitativista na Geografia. No

primeiro caso, ao abordar sobre o emprego da análise fatorial no estudo de cidades

inglesas, Michael McNulty afirma que o objetivo era coletar e classificar os dados

levantados, “indicando as semelhanças e os contrastes para, em seguida, classificar as

cidades sob o critério de suas características sociais, econômicas e demográficas”. No

exemplo seguinte, D. Timms observa que, “na falta de medida e de exposição precisa e

objetiva, uma comparação e uma abstração precisas tornam-se impossíveis”.

Há cerca de três decadas, Commerçon e Commerçon (1978) publicaram um

artigo, intitulado Une méthode de comparaison à l’usage des géographes: l’analyse

factorielle des correspondances, no qual se desenvolve uma proposta baseada na

aplicação da análise fatorial ao procedimento comparativo.

Mais recentemente, um outro artigo, publicado por Getis e Graffith (2002) sob o

título Comparative spatial filtering in regression analysis, revela a resistência de

posturas quantitativistas nos estudos geográficos que se propõem a estabelecer uma

abordagem comparativa de investigação, mesmo em um contexto que já não se mostra

tão propício à chamada Nova Geografia.

Page 136: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

137

A construção de modelos e sistemas, por sua vez, se dá através da escolha

apriorística de variáveis passíveis de mensuração, o que permite estabelecer

generalizações que são confrontadas com a realidade por meio do emprego, em diversos

casos, de um instrumental comparativo. Segundo Christofoletti (1985, p. 91), “as

mensurações sempre são realizadas em casos particulares, que apresentam variações em

virtude da quantidade de matéria e energia que fluem pelo sistema”. Assim, como

sugere o próprio autor, “o estudo de sistemas espaciais determinados passa a ter a

função de ser teste para verificar a viabilidade dos modelos propostos para as

organizações espaciais”.

Se a perspectiva comparativa de análise foi um importante instrumento nos

trabalhos realizados sob o manto da Nova Geografia, não é possível afirmar, porém, o

mesmo acerca do ímpeto dos geógrafos críticos em refletir sobre este método. Mesmo

tendo se desenvolvido no seio da ala mais progressista da Geografia Regional francesa

(MORAES, 2005a), núcleo onde a análise comparativa era uma abordagem já

amadurecida pela influência ainda presente de Paul Vidal de La Blache, a Geografia

Crítica não promoveu debates substanciosos acerca do emprego de tal procedimento

metodológico.

A rigor, entre os geógrafos mais proeminentes da vertente crítica, são poucos os

exemplos significativos de contribuições realizadas com o intuito explícito de debater a

aplicação do método comparativo. Dentre as exceções, vale a pena destacar as

impressões de Santos (1991), que constam na obra O trabalho do geógrafo no Terceiro

Mundo.

Originalmente escrito no início da década de 1970, o livro expressa o fulgor do

conturbado momento de crise e renovação da Geografia, notadamente naquilo que se

refere à forte oposição que o autor imprime à então prevalência de um pensamento

neopositivista na ciência. Naquele ínterim, a comparação era tomada – e não sem razão

– como um instrumento a serviço da aliança entre a Geografia e o Estado capitalista que

fora mediada pela corrente quantitativista. Isto explica, em parte, o desinteresse e até a

repulsa pelo método comparativo nos inícios da Geografia Crítica.

Na visão de Milton Santos (Idem, p. 15), como método, a abordagem

comparativa “não é suficiente, pois (...) se faz apenas entre as manifestações objetivas

de uma multiplicidade de interações de natureza múltipla”. Para o ilustre geógrafo, a

perspectiva em pauta é um modismo e, por validar-se apenas a partir da constituição de

modelos, não possui valor autônomo.

Page 137: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

138

Por outro lado, na obra O espaço do cidadão, originalmente publicada na

segunda metade da década de 1980, é possível perceber um arrefecimento tímido da

crítica de Milton Santos (2007) ao emprego da comparação nos estudos geográficos,

considerando-a como um ponto de partida para a análise das situações que se expressam

no espaço.

Por seu turno, Moreira (1999; 2007) ao buscar estabelecer um viés mais

ontológico de análise, no seu debate sobre a diferença, aporta algumas questões que se

constituem em contributos importantes para a reflexão acerca da comparação como

método de análise geográfica.

Para o autor, a diferença é um elemento da própria dialética, posto que relacione

diversidade e unidade a partir do processo de superação da contradição dos opostos.

Reside na concepção mais popular desta corrente filosófica, porém, uma prevalência da

unidade sobre a diversidade, o que leva ao risco de supressão da noção de diferença no

pensamento dialético.

Isto, aliado à própria carência de conhecimento sobre o que significa a diferença

tornam insípidas as tentativas de “reatar a dialética das significações múltiplas” (...) do

homogêneo que também é heterogêneo” (Idem, 1999, p. 55), impedindo, assim, a

reafirmação do chamado espaço-diferença.

Ao tomar como princípio a noção de que a análise da diferença diz respeito ao

ato de lançar perguntas sobre “isto” em contraposição ao que é “aquilo”, torna-se fácil

inferir que é imperativa a tarefa de comparar.

Mesmo diante das controvérsias apontadas, não é possível afirmar, porém, que

os estudos comparativos tenham sido abolidos pelos geógrafos críticos. Como afirmado

alhures, são muitos os trabalhos geográficos realizados atualmente com base em uma

perspectiva comparativa de análise. Porém, a Geografia Crítica carece de um profundo

debate que busque gerar uma aproximação profícua entre o procedimento metodológico

em foco e a base dialética que sustenta a produção intelectual desta corrente de

pensamento.

Com o advento da globalização e a consequente constituição verticalmente

estabelecida do meio técnico-científico-informacional naqueles espaços selecionados

com a finalidade da reprodução do capital, surge uma ordem global “que busca impor, a

todos os lugares, uma única racionalidade” (SANTOS, 2002a, p. 338). Mas isto não sem

conflito, já que, no lugar, a racionalidade que lhe é própria contrapõe os desígnios

Page 138: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

139

forjados pelos agentes hegemônicos, que, por sua vez, se configuram como uma

tentativa de unificar a tudo e a todos.

No turismo, por exemplo, fórmulas que foram empregadas com sucesso visando

atrair visitantes às localidades selecionadas para tal são replicadas de forma ostensiva

em outros lugares. Por outro lado, graças às singularidades culturais desses mesmos

lugares, há que se adaptar tais fórmulas às realidades locais.

Soma-se a isto o fato de, no transcorrer da década de 1990, o paradigma do

neoliberalismo ter se tornado uma realidade no Brasil, com reflexos em todos os

campos da economia, incluindo-se o turismo. Deste modo, sob efeito da competição

entre territórios (HARVEY, 2005) ou, dito de outra forma, da guerra dos lugares

(SANTOS e SILVEIRA, 2001), formou-se um clima de fervoroso embate pela atração

de capitais vindos do setor industrial, mas principalmente do setor financeiro, comercial

e de serviços.

Assim, ao observar tais processos no âmbito da prática turística, é possível

perceber o empenho do Estado – nos seus mais diversos níveis – em produzir

facilitações normativas e financeiras, arcando, inclusive, com os custos de implantação

de infraestrutura e formação de mão de obra, que tem o objetivo de criar um clima

seguro para os investimentos do setor.

Para tanto, uma das soluções adequadas à criação de um ambiente propício aos

negócios foi a elaboração de um projeto governamental com propósito de estabelecer as

bases materiais e normativas para a inserção do capital no setor turístico brasileiros, o

Prodetur (Programa para o Desenvolvimento do Turismo). No caso das localidades

litorâneas do Nordeste brasileiro, as ações do programa se deram principalmente através

dos investimentos em modelos similares de requalificação urbana e mudanças na

legislação para implantação de empreendimentos turístico-hoteleiros.

Deste modo, na fase atual do Capitalismo, a relação dialética entre a formação

econômico-social e a formação espacial resulta principalmente de uma tensão entre uma

ordem global, homogeneizante, verticalmente constituída e, portanto, tendente a

produzir semelhança, uniformidade; e uma ordem local, marcada pela heterogeneidade,

pelas horizontalidades, o que, por sua vez, tende a fomentar diferença, diversidade.

Segundo Moreira (2007, p. 86), “no período moderno, a diversidade se mantém aos

trancos e barrancos, em face da uniformidade da técnica e da lógica do mercado, que

invadem os espaços e ameaçam a diversidade dos grupos humanos e das formas de

ocupação”.

Page 139: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

140

Nos dias atuais, enfim, a comparação se impõe como uma substancial

contribuição para aqueles que buscam compreender as formas de articulação, nos

diferentes espaços alcançados pelo Capitalismo, dos agentes hegemônicos da economia

e, por outra parte, das respostas que estes recebem das populações que vivem nesses

lugares nos quais as corporações atribuem valor.

Neste sentido, os estudos geográficos comparados servem, sobremodo, à

tentativa de elucidar aspectos relativos à dialética das experiências induzidas ou

diretamente capitaneadas por esses agentes hegemônicos em suas tentativas de

promover a homogeneização dentro de heterogeneidades espaciais, bem como a análise

dos posicionamentos opostos, resultantes, por sua vez, da ação de agentes locais.

5.3 A análise comparativa como subsídio ao estudo geográfico de balneários

litorâneos do Nordeste brasileiro: uma proposta

A análise comparativa da formação de territórios por parte dos agentes de

produção do espaço que são hegemonizados em um contexto de apropriação de

balneários litorâneos do Nordeste pelas corporações do setor turístico exige uma

reflexão sobre o aporte metodológico que se deve empregar para daí emergir uma

proposta que possa contemplar a análise das semelhanças e diferenças entre os espaços

abordados.

Segundo Mahoney e Ruschemeyer (2006), existem três características que são

próprias da Análise Histórica Comparativa: (i) tais estudos são concernentes

fundamentalmente à explicação e identificação das causas daqueles fenômenos que

correspondem ao problema de pesquisa.; (ii) os investigadores deste campo de estudo

valorizam não apenas a análise de um fato histórico, encarado de maneira estática, mas

sobretudo dos processos temporais; (iii) estas investigações enfatizam o uso de

comparações sistemáticas e contextualizadas, limitadas a um pequeno número de casos.

A partir de tais premissas, é fundamental pensar os seguintes aspectos

norteadores desta proposta metodológica:

Os processos espaço-temporais que ensejaram a turistificação das localidades

examinadas.

A identificação de vínculos prováveis entre as causas dos aspectos abordados na

pesquisa e a sua adequação ao número de casos estudados;

As técnicas metodológicas que ao mesmo tempo atendam às especificidades de

uma pesquisa qualitativa e de uma análise comparativa de caráter geográfico.

Page 140: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

141

5.3.1 Os arranjos territoriais e suas temporalidades

Invariavelmente, a formação territorial das localidades de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte parte de um passado comum: a constituição de um padrão

colonial de assentamento (MORAES, 2007) que, com a função precípua de estabelecer

as condições para o deslocamento de produtos para a metrópole e, poucas décadas

depois, de escravos para a Colônia, permitiu o surgimento de núcleos de distintos

tamanhos e graus de importância.

Desta forma, diferente das cidades e vilas principais do Brasil Colônia, que

tinham papel preponderante nos circuitos de produção em larga escala, comandando,

assim, as suas vastas hinterlândias, outras pequenas nucleações dispersas ao longo do

litoral foram fundadas como feitorias e, mesmo isoladas, foram fundamentais no

estabelecimento de circuitos locais de produção.

Ademais, ao longo dos séculos, os processos sucessivos de uso do território nas

zonas costeiras onde Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte foram menos diferenciais

que análogos, induzindo, na atualidade, formas de apropriação e dominação espacial

que não podem ser compreendidas senão a partir de um criterioso olhar sobre as

geografias pretéritas das referidas localidades. Em outras palavras, estão no passado

algumas das chaves para o entendimento das práticas territoriais contemporâneas.

Para tanto, parte-se da premissa segundo a qual, no uso do escopo metodológico

desenvolvido pela Geografia Histórica, é fundamental estabelecer uma periodização.

Esta, por sua vez, deve ser coerente com os aspectos que se quer ressaltar, o que, no

caso em tela, diz respeito às práticas territoriais advindas da inserção do turismo nas

localidades estudadas.

Os períodos, segundo Santos e Silveira (2001, p. 24), “são pedaços de tempo

definidos por características que interagem e asseguram o movimento do todo”. E

segue: “Mas essa interação se faz segundo um controle que assegura uma reprodução

ordenada das características gerais, isto é, segundo uma organização”. Há aí, portanto,

uma coerência espaço-temporal que produz a “identidade” de um período.

O desmantelamento de tal “identidade” do período se dá quando irrompem

inovações que já não cambem no quadro da realidade até então vigente, impondo o

surgimento de uma nova fase da história do território.

Neste sentido, a periodização se constitui em um recurso metodológico de

significativa importância para a compreensão da dinâmica relativa ao uso do território

na longa duração, pois permite averiguar as permanências e transformações que se

Page 141: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

142

processam em cada lapso da história desse ente geográfico. Para Santos (1994a, p. 83),

“a noção de periodização é fundamental, porque nos permite definir e redefinir os

conceitos e, ao mesmo tempo, autoriza a empiricização do tempo e do espaço, em

conjunto”, e segue afirmando que seria impossível de se realizar a empiricização

conjunta e concreta do tempo e do espaço sem a periodização.

Pelo caráter comparativo do estudo em voga, o desafio maior de pensar uma

periodização das práticas territoriais advindas da inserção do turismo em Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte está circunscrito principalmente à tarefa de torná-la

consequente para as três localidades de forma simultânea. Para tanto, tal periodização

trata de enfatizar os aspectos que tem relevância na história dos três territórios.

O pano de fundo desta análise geográfico-histórica é o longo período entre o

início da colonização do litoral nordestino, nas primeiras décadas do século XVI, ação

que deu origem às localidades aqui examinadas, e os anos que antecederam às primeiras

iniciativas de apropriação de tais espaços pelo turismo, ou seja, nos anos 70 do século

XX.

Embora seja este um período farto em eventos que contribuíram na configuração

do território litorâneo do Nordeste brasileiro, o lapso temporal apontado será abordado

com maior brevidade, buscando trazer à luz apenas os elementos mais significativos da

dinâmica territorial de então, já que, embora a sua compreensão seja importante para

interpretar o presente, não incide diretamente no estudo que se está realizando.

Assim, a periodização ora proposta compreende, de fato, dois períodos, quais

sejam:

Entre 1975 e 1994: correspondente ao período de desenvolvimento, nas

localidades estudadas, de modalidades espontâneas de turismo e de algumas

iniciativas fragmentadas de investimentos privados relativos à atividade.

Entre 1994 e os dias atuais: correspondente ao período de profissionalização

induzida do turismo, com plena participação do Estado e de agentes econômicos

na conformação combinada de programas e projetos de regionalização turística,

intervenções urbanísticas e edificação de empreendimentos turístico-hoteleiros

de porte internacional.

Finda a tarefa de estabelecer os períodos, propõe-se a aplicação da abordagem

metodológica desenvolvida por Vasconcelos (1999; 2002), segundo a qual, em cada

lapso temporal, devem ser exaustivamente examinados: (a) os contextos

Page 142: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

143

socioeconômico, político e cultural, nas escalas mundial/internacional, nacional,

regional e local, que marcaram as localidades e suas populações nos seus aspectos

socioeconômico, político e cultural; (b) os agentes de produção do espaço que

exerceram algum papel na dinâmica territorial dos balneários estudados; (c) as próprias

dinâmicas territoriais, resultantes dos eventos históricos e da ação dos agentes.

Importante frisar que já existem, inclusive, experiências do emprego de tal

abordagem metodológica em análises geográfico-históricas realizadas sob uma

perspectiva comparativa, como nos casos dos estudos entre as cidades de Salvador e

Porto, bem como entre a capital baiana, Recife e São Paulo, em atextos distintos

(FERNANDES e VASCONCELOS, 2002; VASCONCELOS, 2004; VASCONCELOS,

2006).

5.3.2 Vínculos entre as causas dos aspectos abordados na pesquisa e o número de

casos estudados

Tal e qual Nohlen (2006) sinalizara, longe de propor o estabelecimento de

generalizações causais universalmente admitidas, esta investigação, em sua perspectiva

comparativa, busca compreender os processos de articulação socioeconômica, política e

cultural a partir do conhecimento da existência de vínculos entre fatores relevantes que,

no caso em tela, se configuram em práticas territoriais.

Deste modo, é imprescindível refletir sobre quais são estes vínculos que tornam

a comparação possível. Em outras palavras, esta investigação parte da premissa de que

existem processos causais que induziram os grupos sociais não beneficiados

diretamente pela turistificação dos espaços em exame a estabelecerem arranjos

territoriais visando garantir a sua própria manutenção. Assim, são identificados três

vínculos:

A aliança entre o Estado e o Capital, com vistas à efetivação de políticas

públicas e de investimentos privados que viabilizaram a transformação de

antigas vilas litorâneas do Nordeste brasileiro em balneários turísticos.

A conformação de um meio de acumulação capitalista assentado em um espectro

fordista de produção e consumo dos espaços dominados pelos agentes do

turismo. Nesses lugares, são implantadas, por um lado, formas de turistificação

caracterizadas pela massificação e homogeneização, por outro, pela forte

segmentação e especialização do consumo. Entre ambos, é possível identificar,

enfim, a existência de uma gama de possibilidades da chamada “customização

Page 143: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

144

de massa”, marcada pela coexistência das expressões de (pós)fordismo

anteriormente citadas.

A existência de estratégias e interesses ora contraditórios ora em convergência

entre os agentes responsáveis pela turistificação e as comunidades locais.

Vinculados a enlaces de mercado constituídos de fora para dentro, os interesses

e estratégias dos agentes de produção dos espaço do turismo são, via de regra,

estranhos ao lugar. Por tal motivo, este dito estranhamento torna-se o motor de

reações que, ainda que não possam ser enquadradas todas elas como resistências

à ordem estabelecida, constituem-se em obstáculos à plena operacionalização

dos intentos planejados para o turismo de altos rendimentos.

Desta forma, partindo das premissas acima aventadas, busca-se empiricizar o

processo de constituição de territórios do turismo em balneários litorâneos do Nordeste

brasileiro empregando, para tanto, o procedimento conhecido como Small N cases

(HOPKIN, 2002), no qual a tarefa de resolver um dado problema de pesquisa se dá a

partir da análise de número reduzido de casos.

Ao tomar como base as considerações de Hopkin (opus cit.), é possível inferir

que o procedimento metodológico conhecido como Large N é mais adequado aos

estudos comparativos de caráter quantitativo, justamente por empregar uma grande

quantidade de casos a serem estudados, podendo facilitar a árdua operação investigativa

por meio do emprego de abordagens metodológicas ligadas à Matemática e Estatística.

O procedimento Small N, ao contrário, é mais apropriado aos estudos comparativos de

caráter qualitativo, pois, em função do menor número de casos a analisar, torna-se

possível compreender processos que são de difícil alcance para as Ciências Exatas.

Desta forma, o segundo procedimento apontado é, de longe, o melhor indicado

para o fazer investigativo aqui impetrado.

Quanto aos casos sob análise, como já é sabido, estes são três: Pipa (Polo Costa

das Dunas, no Rio Grande do Norte), Porto de Galinhas (Polo Costa dos Arrecifes, em

Pernambuco) e Praia do Forte (Polo Salvador e Entorno, na Bahia). As localidades são

os três principais balneários turísticos do litoral nordestino, assim considerados por

serem os que possuem os números mais expressivos de ingressos de turistas e os que

mais aportaram investimentos públicos e privados ligados à prática turística desde a

criação do Prodetur-NE.

Page 144: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

145

5.3.3 As técnicas de pesquisa

Em uma pesquisa qualitativa, é fundamental pensar acerca das técnicas com as

quais se pretende trabalhar. Isto se torna ainda mais importante quando se trata de uma

investigação pautada em uma perspectiva comparativa de análise, principalmente por

ser esta uma abordagem revestida de críticas ao pouco tratamento metodológico, tema já

tratado alhures.

Desta forma, levando-se em consideração a existência de uma multiplicidade de

dados coletados e visando a sua melhor sistematização, faz-se necessário lançar mão da

técnica de triangulação (TRIVIÑOS, 2009). Esta técnica objetiva atingir a máxima

abrangência no que concerne à descrição, explicação e compreensão do objeto de

estudo. Segundo o autor, a referida técnica

Parte de princípios que sustentam que é impossível conceber a

existência isolada de um fenômeno social, sem raízes históricas, sem

significados culturais e sem vinculações estreitas e essenciais com a

macrorrealidade social. Tais suportes teóricos, complexos e amplos

não tornam fáceis os estudos qualitativos (Idem, p. 138).

Três aspectos são fundamentais na operacionalização da técnica de triangulação,

quais sejam:

Processos e produtos centrados no Sujeito (agente): significa averiguar as

percepções do sujeito através de entrevistas e questionários, assim como o

comportamento e ações do sujeito mediante observação. O estudo em tela diz

respeito ao exame das percepções, comportamentos e ações relativas às práticas

territoriais dos agentes hegemonizados que se reproduzem socialmente nos

balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte.

Elementos produzidos pelo meio do Sujeito (agente): significa realizar um

levantamento exaustivo de documentos, instrumentos legais (leis, decretos,

pareceres, resoluções, regulamentos, regimentos, etc.), instrumentos oficiais

(diretrizes, propostas, atas de reunião, estatísticas, etc.) e outros documentos

audiovisuais produzidos por moradores, agentes públicos ou privados e demais

entes que, de alguma forma, promovem práticas territoriais nos balneários

investigados.

Processos e produtos originados pela estrutura socioeconômica e cultural:

significa analisar os modos de produção e as forças e relações de produção que

se estabelecem nas localidades litorâneas em estudo.

Page 145: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

146

Assim, como forma de aproximar-se do quadro da realidade que se quer

compreender, destacam-se, no âmbito desta pesquisa, três técnicas complementares e

concomitantes: a observação, a entrevista e o questionário.

Ainda que à primeira vista pareça um simples uso do olhar, a observação se

constitui, na verdade, em uma técnica extremamente válida em pesquisas de caráter

qualitativo. Como afirma Triviños (2009, p. 153), “‘observar’, naturalmente, não é

simplesmente olhar. Observar é destacar de um conjunto (...) algo especificamente,

prestando, por exemplo, atenção em suas características”.

A observação significa separar, de modo abstrato e arbitrário, um determinado

aspecto da realidade social do seu contexto, para estudá-lo, dando relevo, portanto,

àquilo que se quer abordar. De acordo com o autor citado:

Individualizam-se ou agrupam-se os fenômenos dentro de uma

realidade que é indivisível, essencialmente para descobrir seus

aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível, sua

essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de

contradições, dinamismos, de relações etc. (Idem, p. 153).

Para Minayo (2009), a observação dita participante possui o mérito de permitir

que o investigador estabeleça uma interação direta com o objeto de pesquisa. Esta seria

uma estratégia fundamental da pesquisa qualitativa, notadamente por denotar a forte

inserção na realidade empírica.

Assim, a análise das manifestações territoriais observadas nas localidades de

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte compõe um importante registro de apoio a esta

investigação como método que permite, segundo Triviños (2009, p. 153), colocar a

descoberto os “aspectos aparenciais e mais profundos”, visando, enfim, “captar (...) sua

essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contradições,

dinamismos, de relações etc.”.

A entrevista é, por sua vez, o modo pelo qual a coleta de informações não ou

apenas parcialmente verificadas através da observação se torna possível. Segundo

Minayo (2009), o registro fiel de entrevistas é crucial para uma compreensão pertinente

da lógica interna de um grupo ou coletividade estudada.

Neste sentido, optou-se pelo emprego de um modelo de entrevista que combina

as técnicas classificadas como semiestruturada e aberta ou em profundidade

(MINAYO, Idem). A primeira se caracteriza por utilizar perguntas fechadas e abertas

sem exigir que o entrevistado se prenda à indagação formulada, ao passo que a segunda

permite um diálogo livre acerca do tema abordado.

Page 146: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

147

Tal escolha se deu principalmente pela possibilidade de estabelecer um diálogo

com os informantes a partir do emprego de perguntas previamente estabelecidas, que

norteiam a condução da entrevista, com outras, aplicadas apenas quando se quer

aprofundar alguma informação que mereça maior relevo, surgidas, portanto, no

transcurso da interlocução.

Ainda sobre as entrevistas, cabe uma ressalva explicativa. Durante os períodos

nos quais foram realizadas, um número considerável de entrevistados (algo em torno de

35% do total) solicitou a não divulgação dos seus nomes, apresentando, para tanto,

motivos os mais diversos. Assim, visando, por um lado, respeitar o anonimato dos

solicitantes e, por outra parte, manter uma coerência estética e operacional da pesquisa,

optou-se por adotar apenas as iniciais dos nomes para todos os entrevistados,

indistintamente.

Quanto ao questionário, o seu uso foi motivado pela necessidade de realizar

levantamento de certas variáveis de modo ordenado nas três localidades em estudo,

visando, assim, proporcionar maior confiabilidade na comparação de alguns aspectos

investigativos. Neste caso, tal procedimento se revela útil por permitir obtenção de

dados de um maior número de pessoas, levando-se em conta, inclusive, a distância

geográfica entre elas (VERGARA, 2009).

Os questionários aplicados foram do tipo fechado (survey), em formulários

contendo questões de múltipla escolha e escalonadas nominais e ordinais. Com base nos

distintos contingentes populacionais das três localidades, os quantitativos aplicados

foram: 150 em Pipa, 250 em Porto de Galinhas e 100 em Praia do Forte.

Por fim, para que a análise aqui impetrada atinja os objetivos definidos e que

todo o esforço de investigação permita a construção de bases teórico-conceituais e

empíricas sólidas, foi necessário adotar alguns instrumentos de pesquisa, além dos que

foram aqui aventados, tais como análise documental e bibliográfica e o emprego de

procedimentos estatísticos a partir da coleta de dados primários e secundários.

Page 147: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

148

Capítulo 6

A GEOGRAFIA HISTÓRICA DO TURISMO EM PIPA, PORTO DE

GALINHAS E PRAIA DO FORTE: DIACRONIAS, SINCRONIAS,

TRANSFORMAÇÕES E PERMANÊNCIAS

A transformação das multisseculares localidades de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte em importantes destinos turísticos do litoral nordestino não pode ser

compreendida senão por meio dos métodos de análise fornecidos pela Geografia

Histórica, posto que a produção atual do espaço se constitua, como afirmado por Santos

(2005b), a partir do acúmulo desigual de tempos. Neste sentido, há que buscar, pelo

entendimento das dinâmicas territoriais pretéritas, as chaves para a compreensão quanto

mais fidedigna possível da realidade vigente.

Por ser este um estudo comparado, mais do que reconstituir as geografias

pretéritas dos três lugares turísticos em separado, é necessário enquadrá-las em uma

análise convergente, pela qual se ressaltam as diacronias e sincronias, as transformações

e permanências, todas presentes nas dinâmicas territoriais dos espaços examinados. Em

outras palavras, esta análise geográfico-histórica deve ressaltar aqueles processos

espaço-temporais que são significativos não apenas para uma das localidades em estudo,

mas para as três, de modo concomitante.

Este é, aliás, o maior desafio do capítulo que segue, isto é, contar a história da

formação dos territórios do turismo em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

buscando alinhar processos e fenômenos que tiveram repercussão decisiva no quadro da

realidade dos três lugares, sem deixar de considerar, porém, as singularidades que

caracterizam cada um desses balneários.

Para tanto, ao empregar as premissas metodológicas explicitadas no capítulo

anterior, torna-se necessário propor uma periodização que seja coerente com a

perspectiva comparativa de análise que aqui se pretende desenvolver. Assim, em cada

período estabelecido, são abordados o contexto socioeconômico, político e cultural que

marcou a realidade das três localidades, o papel dos agentes de produção do espaço

que, de alguma maneira, contribuíram para a formação dos territórios do turismo nos

balneários examinados e, por fim, a própria dinâmica territorial resultante dos

processos históricos e da atuação dos agentes já aventados.

Page 148: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

149

Vale salientar que, devido à motivação principal do trabalho aqui desenvolvido,

que é o de, genericamente, compreender a formação dos territórios do turismo em Pipa,

Porto de Galinhas e Praia do Forte, a periodização proposta tem o seu início na segunda

metade do século XX, quando ocorreram as primeiras manifestações do processo de

dominação dos espaços em exame pelos agentes ligados à prática turística.

Deste modo, o capítulo aborda os processos espaço-temporais da formação dos

territórios do turismo nas localidades citadas segundo uma periodização que contempla

dois períodos: O “turismo de frente pioneira” (1975-1994), cujo início é marcado pela

implantação do primeiro empreendimento imobiliário em um dos três lugares em estudo

(no caso, em Porto de Galinhas) e o final correspondendo ao ano de implantação do

Prodetur-NE; O “turismo de implosão” (1994-2012), que se estende do findar do

período anterior ao momento presente.

Não obstante, pretende-se ainda, com anterioridade, desenvolver um breve

tratamento analítico acerca das origens dos três destinos turísticos em estudo, com o

intuito de compreender as motivações e os aspectos locacionais que levaram à

edificação dos balneários em exame. Para tanto, faz-se necessário recorrer ao

estabelecimento de um recorte espaço-temporal que precede às temporalidades

abordadas, não sendo considerado, portanto, como parte da periodização acima

explicitada.

Deste modo, antecedendo ao proposto quanto ao estudo geográfico-histórico dos

períodos 1975-1994 e 1994-2012, este capítulo contempla uma contextualização,

referente à primeira metade do século XVI, elucidando, assim, os processos que tiveram

destacado papel no surgimento de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte.

6.1 A formação territorial das localidades de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do

Forte

O empreendimento capitalista e a necessidade de salvaguardar as recém

descobertas terras portuguesas na América foram os motivos principais da iniciativa

colonizadora no litoral brasileiro, ainda no primeiro terço do século XVI. A dinâmica

econômica que se impunha na Europa já desde séculos anteriores – o chamado

Capitalismo Comercial – impeliu o Reino de Portugal a efetivar o domínio da vasta

extensão litorânea brasileira, pois, do contrário, outros países o teriam feito.

Contudo, mesmo tendo sido oficialmente tomado como parte do território

português em 1500, o Brasil, de início, não despertou grande interesse nas elites

Page 149: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

150

monárquicas, principalmente no que tange à sua exploração econômica, posto que as

colônias de África e Ásia se mostrassem muito mais lucrativas do que as terras

selvagens e inóspitas da América. Na obra As raízes do Brasil, Holanda (1995, p. 43)

chega a afirmar que, no início, a exploração dos trópicos foi feita com “desleixo e certo

abandono”.

Deste modo, os anos iniciais da presença portuguesa na América foram de

exploração pouco metódica dos recursos naturais encontrados na franja oceânica que

tinham certo valor nos mercados da Europa, sendo o pau-brasil, extraído da Mata

Atlântica, o produto de maior destaque. Para tanto, o governo português inicialmente

firmou contrato de arrendamento das terras, entre 1500 e 1503, com um consórcio

comercial, após o qual o Estado lusitano retomou a responsabilidade pela exploração

(FAUSTO, 1999).

Tal atividade, de caráter essencialmente extrativista, não demandava grande

investimento em infraestrutura, devido principalmente à relação estabelecida entre os

europeus e as diversas tribos de índios tupinambás, segundo a qual, por meio do

escambo, os estrangeiros recebiam a preciosa madeira minimamente beneficiada pelos

locais. O produto era então embarcado em pequenas feitorias ou entrepostos fundados

ao longo do litoral, em pontos onde eram identificadas certas vantagens locacionais

relativas à defesa e ao tráfico.

Essa lucrativa produção e o potencial de uso de um território ainda pouco

conhecido atraíam os interesses de exploradores oriundos principalmente da França,

posto que os representantes daquele Estado não aceitassem a partilha do mundo

conforme determinava o Tratado de Tordesilhas, e saíssem em defesa do princípio do

uti possidetis, segundo o qual o território pertenceria a quem efetivamente o ocupasse

(FAUSTO, 1999). Tornou-se fundamental, portanto, intensificar as expedições

portuguesas que objetivavam a guarda e o acúmulo de conhecimento sobre o litoral.

Quanto a essas viagens, Moraes (2009, p. 38-39) afirma:

As primeiras são organizadas diretamente pela Coroa com o objetivo

claro de conhecer as novas terras como forma primeira de reivindicar

sua soberania – objetivo que se realiza pois já em 1519 o contorno da

costa brasileira aparece bem desenhado no conhecido mapa de Lopo

Homem. As segundas viagens são obras de companhias privadas, para

as quais o Estado português arrenda a atividade de escambo do pau-

brasil (...).

Page 150: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

151

As iniciativas acima relatadas não impediram, porém, que mercadores franceses

tenham estabelecido suas próprias estruturas de comercialização do pau-brasil em

pontos dispersos da atual costa nordestina. Nas palavras de Lopez e Mota (2008, p. 83),

referindo-se à participação da França na exploração do pau-brasil, “os franceses

insistiam em participar desse lucrativo comércio, driblando o pagamento do ‘quinto’ e

abastecendo diretamente os mercados consumidores dessa madeira. Ou seja, sem passar

por Lisboa”.

Como já fora aventado, a realização da atividade baseada na exploração do pau-

brasil por “bugigangas” (ANDRADE, 2005, p. 71) se efetivou em diversos pontos do

litoral brasileiro, mas foi no que atualmente se convencionou chamar de Nordeste que a

exploração ocorreu de modo mais intenso, tendo, assim, portugueses e franceses como

os seus protagonistas. A forma e a posição do litoral nordestino, proeminente em

direção ao Oceano Atlântico e mais próximo da Europa, minimizavam o tempo de

navegação, o que tornava o fluxo mais vantajoso.

Assim, na medida em que a presença europeia se fazia mais efetiva no litoral,

graças aos motivos já mencionados, os objetos técnicos necessários à navegação, defesa

e tráfico dos produtos coloniais iam sendo erguidos, muitos deles na forma de pequenas

e rudimentares estruturas portuárias, assumindo características de feitorias12

.

Segundo Andrade (1997; 2003), é possível afirmar a existência de algumas

dessas feitorias no litoral nordestino já desde os primeiros anos da posse portuguesa na

América, como é o caso de Itamaracá, no atual estado de Pernambuco, que teria sido

fundada em 1516.

Desta forma, apesar de não fazerem parte dos principais circuitos de produção –

papel assumido pelas cidades e vilas que foram sendo fundadas anos mais tarde – tais

feitorias também resultaram da constituição daquilo que Moraes (2007, p. 32)

denominou de “padrão colonial de assentamento” e, mesmo isoladas, foram

fundamentais no estabelecimento de circuitos locais de produção.

12

Segundo Fausto (1996), os assentamentos que eram erguidos ao longo do litoral brasileiro nos

primeiros anos do período colonial se assemelhavam às feitorias estabelecidas pelos portugueses na costa

africana. Tais feitorias eram “postos fortificados de comércio; isso indica a existência de uma situação em

que as trocas comerciais eram precárias (...). A parte comercial do núcleo era dirigida por um agente

chamado feitor. Cabia a ele fazer compras de mercadorias dos chefes ou mercadores nativos e estocá-las,

até que fossem recolhidas pelos navios portugueses para a entrega na Europa. A opção pela feitoria

praticamente tornava desnecessária a colonização do território ocupado pelas populações africanas (...).”

(p. 15).

Page 151: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

152

6.1.1 Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte: as origens coloniais

Os balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, localizados

respectivamente nos atuais estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia, tendo

sido fundados sob a lógica acima descrita, são exemplos de feitorias que estão entre as

mais antigas do Brasil. Ainda que não seja possível precisar as suas datas de fundação,

já que a criação de tais nucleações não costumava ser um empreendimento

documentado, há indícios concretos que vaticinam a existência dessas três feitorias nos

primórdios da colonização brasileira.

A obra cartográfica a que se refere A. Moraes em fragmento transcrito alhures,

realizada, na verdade, por Lopo Homem, Pedro e Jorge Reinel, é denominada Atlas

Miller (elaborada em 1519), sendo um dos primeiros conjuntos de mapas a apresentar o

Brasil com considerável precisão, notadamente no que diz respeito aos topônimos das

localidades litorâneas já conhecidas.

A partir da obra de Pereira (1944), é possível identificar a existência de

referências aos atuais balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte nesse que é

um dos primeiros mapas do Brasil, ainda que, em dois dos casos citados, os topônimos

não correspondam aos atuais. De acordo com o que o referido autor indica, o mapa

Terra Brasilis, obra que compõe o já mencionado atlas elaborado por Lopo Homem e

Pedro e Jorge Reinel, aponta quase 150 topônimos do litoral brasileiro, entre os quais

aqueles que se referem às localidades em exame.

Importante salientar, porém, que apenas no caso de Porto de Galinhas, o

topônimo escrito no mapa diz respeito ao próprio lugar. Nas demais situações, a

indicação principal é feita a algum acidente geográfico. Isto decorre do fato de ter

havido mudança de topônimo ao longo da história, resultado da substituição de um

termo indígena por outro, de língua portuguesa. É justamente disso que decorre os casos

de Pipa e Praia do Forte.

Sobre a localidade onde hoje está assentado o balneário de Pipa, Pereira (Idem,

p. 399) afirma, amparado pela descrição de Gabriel Soares de Sousa:

RIO ITACOATIGARA – “... e êste rio se citama dêste nome por estar

em uma ponta dele uma pedra de feição de pipa como ilha, a que o

gentio por êste respeito pôs êste nome, que quer dizer ponta da pipa;

mas o próprio nome do rio é Garatuí...”. – Antes dêste topônimo,

Gabriel Soares alude à Ponta dos Búzios e à enseada de Tabatinga,

denominações que tem sido conservadas até o presente. – Quanto à

ponta da Pipa, com ela E. de Castro identifica as designações

oratipipy, dos Reinel, e oratapica, de Gaspar Viegas.

Page 152: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

153

Dada a escassez de estudos, a origem do topônimo Pipa é ainda hoje envolta em

especulações. A versão mais bem aceita coincide com aquela descrita pelo historiador

quinhentista Gabriel Soares de Sousa (GALVÃO, 1989). A existência de uma formação

rochosa assemelhada à morfologia de um barril nas proximidades da linha da praia teria

motivado os antigos navegadores a mencionar a localidade como “Pipa”, palavra

empregada pelos portugueses para designar o artefato.

No que concerne a Porto de Galinhas, Pereira (1944, p. 402) afirma:

RIO DE IPOJUCA – PÔRTO DAS GALINHAS – RIO DE

MARACAÍPE – ILHA DE SANTO ALEIXO – RIO FORMOSO –

RIO UNA – PÔRTO DAS PEDRAS – RIO DE CAMARAGIPE –

RIO DE SANTO ANTONIO MIRIM – PÔRTO VELHO DOS

FRANCESES – À exceção de Pôrto Velho dos Franceses, que se

supõe ser o atual de Maceió, tôdas as demais denominações acima

arroladas se conservaram até o presente.

A despeito das inúmeras versões sobre a origem do nome da vila, amplamente

disseminadas para aguçar o imaginário de turistas, segundo Mendonça, Raposo e Mello

(2004), o topônimo Porto de Galinhas surgiu ainda no século XVI, por conta da

designação atribuída aos escravos africanos que desembarcavam no local. Por serem

pertencentes a uma etnia conhecida na África Central como Peuhl, cuja pronúncia

francesa Poule ou Poulard foi traduzida para o português como “galinha”, tais escravos

passaram a serem assim chamados.

Quanto à Praia do Forte, é citado por Pereira (1944, p. 406):

RIO DE TATUAPARÁ – Presumivelmente, o atual Subauna ou

Subauma. – Diz Gabriel Soares que Tatuapará é a enseada onde se

mete um riacho dêste nome. E acrescenta: “Aqui tem Garcia d’Ávila

que é um dos principais e mais ricos da cidade do Salvador, uma

povoação com grandes edifícios de casas de sua vivenda, etc.” – Fr.

Vicente do Salvador, que, neste passo, como em outros, de sua

História do Brasil, reproduz as informações de Gabriel Soares,

também se refere ao Rio Tatuapará, onde Garcia d’Ávila tinha casa,

fazenda e muitos currais (...).

Na obra O feudo, Bandeira (2000) cogita a possibilidade da feitoria construída

na enseada de Tatuapara ter sido erguida por corsários franceses que negociavam pau-

brasil com os índios. Ainda que sem precisar a data, o autor afirma, a partir de exaustiva

análise documental, que já na segunda década do século XVI, a presença francesa no

atual litoral baiano era proeminente, sendo possível a comprovação pelos relatos

históricos que davam conta da existência de tribos miscigenadas, entre as quais “um

povoado existente (...) nas imediações da enseada de Tatuapara, ao norte da Bahia de

Page 153: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

154

Todos os Santos”, que recebeu, à época, “a denominação de Aldeia dos Franceses” (p.

75).

A mudança do topônimo original para o que atualmente denomina o lugar se

deve ao fato da Casa da Torre, a propriedade fortificada erguida em estilo militar que

veio a nomear o balneário de Praia do Forte, ter sua construção iniciada apenas em

1563, três anos após o Governador-Geral Tomé de Souza ter doado parte de suas terras

no litoral norte da Capitania de Todos os Santos a Francisco Garcia D’Ávila, seu

protegido e responsável pela edificação (SOBRINHO, 1998). Isto já no contexto do

regime de Capitanias Hereditárias.

O apanhado dos topônimos dos assentamento humano em estudo fez-se

necessário na medida em que permitiu estabelecer alguns laços entre a história

particular de cada lugar e suas consequentes formações territoriais.

6.1.2 Os balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte no contexto das

Capitânias Hereditárias

A criação das Capitanias Hereditárias no Brasil partiu de uma determinação do

Rei D. João III que, em 1532, enviou resolução para Martim Afonso de Souza definindo

a divisão da colônia em quinze lotes. Segundo Abreu (2006, p. 62-63), as capitanias

Começavam todas à beira-mar, e prosseguiam com a mesma largura

inicial para o ocidente até a linha divisória das possessões portuguesas

e espanholas acordada em Tordesilhas, linha não demarcada então,

nem demarcável com os conhecimentos do tempo. Tacitamente fixou-

se o limite na costa de Santa Catarina ao Sul, e na costa do Maranhão

ao Norte. A testada litorânea agora dividida estendia-se assim por 753

léguas.

Para compreender o contexto da formação das capitanias no âmbito deste estudo,

é fundamental ter em conta os limites daqueles quinhões de terra onde estavam

localizadas as feitorias que deram origem aos balneários de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte, ou seja, Rio Grande, Pernambuco e Bahia de Todos os Santos,

respectivamente. Assim, a partir de citação de Marie Armand Pascal D’Avezac de

Castera-Macaya, contida tanto em Salvador (1982, p. 95) quanto em Abreu (2006, p.

64), as localizações das referidas capitanias eram:

A capitania da Bahia, doada a Francisco Pereira Coutinho, se estendia

[desde o limite com a capitania de Ilhéus] até o grande rio de S.

Francisco; além estava a de Pernambuco, adjudicada a Duarte Coelho,

e que contava sessenta léguas até o rio Igaraçu, junto ao qual Pero

Page 154: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

155

Lopes possuía terceiro lote de trinta léguas, formando sua capitania de

Itamaracá até a baía da Traição.

Neste lugar começava, para se estender sobre um litoral de cem léguas

até angra dos Negros, a capitania do Rio-Grande, dada em comum ao

grande historiador João de Barros e a seu associado Aires da Cunha

(...).

Como se pode perceber, a partir de 1534, as quinze parcelas instituídas pelo

Estado português foram doadas a doze fidalgos da pequena nobreza portuguesa, os

chamados donatários, entre os quais os que foram citados anteriormente. Ao caracterizar

a condição desses beneficiários das doações, Fausto (1996, p. 24-25) afirma:

Os donatários receberam uma doação da Coroa, pela qual se tornavam

possuidores mas não proprietários da terra. Isso significava, entre

outras coisas, que não podiam vender ou dividir a capitania, cabendo

ao rei o direito de modificá-la ou mesmo extinguí-la. A posse dava aos

donatários extensos poderes tanto na esfera econômica (arrecadação

de tributos) como na esfera administrativa. A instalação de engenhos

de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam

do pagamento de direitos; parte dos tributos devidos à Coroa pela

exploração de pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca

cabiam também aos capitães-donatários. Do ponto de vista

administrativo, eles tinham o monopólio da justiça, autorização para

fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares e

formar milícias sob seu comando.

Graças a esses poderes administrativos que eram atribuídos aos donatários e a

sua incapacidade ou desinteresse em apropriar-se do território, muitas sesmarias foram

doadas, o que deu origem a vastos latifúndios na franja atlântica, ao tempo em que os

agentes econômicos iam se estabelecendo na Colônia e, buscando auferir riqueza,

passaram a desenvolver atividades permanentes, sendo a principal delas a produção de

açúcar.

Há que mencionar, porém, que, no caso do atual estado do Rio Grande do Norte,

há um relativo atraso no processo colonizatório português, posto que, nessas terras, a

resistência indígena tenha sido mais intensa, impedindo o sucesso da primeira tentativa

de ocupação da costa, em 1535, impetrada pela expedição ordenada por João de Barros,

o donatário da Capitania do Rio Grande (CASCUDO, 1984; MONTEIRO, 2007). Por

conta disso, tal porção litorânea era, ainda em finais do século XVI, um abrigo seguro

para o ímpeto comercial francês na América Portuguesa.

Por outro lado, na quase totalidade dos casos onde a colonização portuguesa se

impôs, a economia açucareira era estabelecida em conjunto com outras atividades

menores. Havia casos, porém, em que o plantio da cana-de-açúcar e o fabrico do seu

Page 155: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

156

mais precioso subproduto é que assumiam o caráter complementar em relação a outras

atividades. Assim, se é verídico que todas as três localidades em exame tem as suas

origens ligadas à mesma lógica empreendedora da Coroa Portuguesa na Colônia, é

verdade também que fatores de caráter regional denotaram a existência de

especificidades no uso do território pelos agentes econômicos assentados em Pipa, Porto

de Galinhas e Praia do Forte, produzindo, como consequência, certa diferenciação

espacial entre a localidades em exame.

Neste sentido, fazendo referência ao período inicial da ocupação através das

Capitanias Hereditárias, se a sesmaria da qual Porto de Galinhas compunha a vasta zona

onde a produção de cana-de-açúcar passou a comandar os usos dos territórios e em Pipa

havia permanência na atuação exploratória francesa (LIRA, 1982; CASCUDO, 1984;

ANDRADE, 1995, 2003; BARROS, 2009), em Praia do Forte, a atividade econômica

mais proeminente era a pecuária (SÁ, 1996; SOBRINHO, 1998; BANDEIRA, 2000).

Após esse período inicial de formação territorial e integração à economia da

Colônia (ainda que de modo complementar em relação aos grandes centros de produção

e distribuição da América Portuguesa), as regiões onde os balneários em estudo estão

localizados foram perdendo importância, imergindo em um quadro de inércia territorial

que perdurou por séculos.

De forma invariável, os três lugares passaram a acolher pescadores tradicionais,

o que resultou na formação de populações cujas realidades estiveram assentadas em

práticas próprias dos chamados homens lentos, conforme acepção desenvolvida por

Santos (1997; 2002a).

Sobre esse período de predomínio da pesca no uso dos territórios em exame,

Cascudo (1968, p. 262) comenta que Tibau do Sul, onde o distrito de Pipa está

localizado, é uma “zona de pescaria”. Segundo Lorenzo, citado por Sobrinho (1998), as

principais atividades econômicas de Praia do Forte, também conhecida como “Vila dos

Pescadores” (MATA DE SÃO JOÃO, 2008, p. 42), antes do turismo, eram a pesca e a

pequena agricultura, ao passo que, no caso de Porto de Galinhas, Mendonça, Raposo e

Mello (2004, p. 37) utilizam o relato de um antigo morador para afirmarem que “casa de

pescadores tinha muitas”.

Importante frisar que tanto a pescaria quanto a pequena agricultura de

subsistência eram atividades desenvolvidas mormente pelas antigas populações

tradicionais que viviam nas nucleações em exame. Os vastos latifúndios localizados no

Page 156: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

157

entorno das localidades foram sendo ocupados por plantações de coco, vegetal que,

inclusive, é hoje amplamente explorado pelo turismo como parte do imaginário tropical.

Apenas na segunda metade do século XX é que esse quadro veio a sofrer

significativas transformações, notadamente devido às “descobertas” feitas pelos grupos

de turistas do tipo “mochileiros”, ligados às filosofias da contracultura, bem como pelos

agentes econômicos ligados ao setor imobiliário, ávidos pela criação de espaços para

serem comercializados na forma de segunda residência. A partir de tais processos,

houve uma crescente assimilação dos territórios litorâneos pelo turismo, como se verá a

seguir.

6.2 O “turismo de frente pioneira” (1975-1994)

O ano de 1975 marca o início do período em análise por ter sido a data em que

foi promulgada a Lei Municipal n. 705, segundo a qual a Prefeitura de Ipojuca autorizou

o loteamento da Fazenda Merepe, nas proximidades de Porto de Galinhas

(MENDONÇA, RAPOSO e MELLO, 2004). Este processo, que se deu de forma

semelhante em Praia do Forte, em 1979 (SOBRINHO, 1998) e, com certo atraso, em

Pipa, em meados da década de 1980 (ARAÚJO, 2002), é o indutor das consideráveis

mudanças verificadas no quadro da realidade das três nucleações, pois permitiu a

consolidação da prática do turismo de segunda residência, um dos marcos iniciais das

transformações rumo à plena turistificação desses lugares.

O final do período em voga é, por sua vez, o ano de 1994, data correspondente

ao início do audacioso Programa para o Desenvolvimento do Turismo (Prodetur) pelo

Estado brasileiro, um conjunto de medidas que promoveu profundas transformações no

modelo nacional de políticas públicas para o turismo e, como consequência direta,

exerceu impacto crucial sobre a formação de territórios do turismo em todo o litoral

nordestino, incluindo-se aí as localidades em estudo.

Nesses dezenove anos, os grupos pré-existentes de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte passaram a conviver com significativas mudanças nos lugares onde

habitam, notadamente pela mobilização de esforços de alguns agentes no sentido de

transformar as pequenas localidades em destinos para a prática turística.

O termo “turismo de frente pionero” (turismo de frente pioneira), cunhado por

E. Gormsen (em citação de HIERNAUX, 2001), faz referência a uma fase do turismo,

comum a diversos espaços da América Latina e do Brasil ao longo das décadas de 1970

e 1980, segundo a qual tal prática “se extendió hacia nuevas tierras a la manera de los

Page 157: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

158

conquistadores, las ‘hordas doradas’” (p.49). Em outras palavras, representa um

modelo de turistificação dos espaços que, sem dúvida, principiou a massificação, mas

que se desenvolveu de forma espontânea, através da atuação de pequenos grupos na

busca por novos destinos turísticos e pelo mercado imobiliário, mas sem ou com pouca

participação do Estado, via planejamento.

6.2.1 O contexto socioeconômico, político e cultural

O início deste período foi marcado por profundas transformações na economia

política do capitalismo, definindo, assim, o fim dos “Anos Gloriosos” do século XX,

processo que teve como estopim a chamada Crise do Petróleo, a primeira grande

recessão ocorrida após a Segunda Guerra Mundial (HARVEY, 1996).

Por outro lado, diante do contexto da Guerra Fria (que se prolongou até o início

da década de 1990), em cujas bases estavam os interesses políticos e econômicos dos

EUA e da URSS, vivia-se um período de recrudescimento das animosidades entre essas

potências de então, causado pela continuidade do envolvimento militar de Washington

no Vietnã. Esse armistício motivou, inclusive, manifestações contrárias da própria

sociedade norte-americana.

Entre os grupos que se colocaram em oposição à atuação militar direta dos EUA

no Sudeste Asiático, destacam-se aqueles ligados à chamada contracultura (hippies,

rastarafis, punks, etc), cujas origens, na década anterior, estão, segundo Harvey (1996),

na reação à falência do Estado de Bem-estar Social e nas transformações culturais

engendradas pelo modelo pós-moderno de sociedade13

.

Como já foi abordado no Capítulo 1, tal processo tem enlaces com toda uma

série de transformações nos pilares socioeconômicos, políticos e culturais das

sociedades capitalistas, especialmente no que diz respeito à divisão territorial do

trabalho e ao papel do Estado na condução da economia política dos países sob o regime

do livre mercado. No primeiro caso, verifica-se um processo de desconcentração das

atividades que antes operavam de forma quase exclusiva nos países desenvolvidos para

aqueles considerados periféricos, enquanto que, no segundo aspecto, o Estado

13

A influência dos valores pós-modernos na formação de grupos de contracultura pode ser percebida na

assertiva de Thimoty Leary, contida na introdução da obra de Gofmann e Joy (2007, p. 9), onde o autor

afirma que “A contracultura floresce sempre e onde quer que alguns membros de uma sociedade

escolham estilos de vida, expressões artísticas e formas de pensamento e comportamento que

sinceramente incorporam o antigo axioma segundo o qual a única verdadeira constante é a própria

mudança. A marca da contracultura não é uma forma ou estrutura em particular, mas a fluidez de formas

e estruturas, a perturbadora flexibilidade com que surge, sofre mutação, se transforma em outra e

desaparece”.

Page 158: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

159

abandonou paulatinamente o viés intervencionista de atuação, facilitando uma transição

para o regime de acumulação flexível.

Assim, com a chegada da via conservadora ao poder em países centrais como

Estados Unidos e Reino Unido e a queda, poucos anos depois, do socialismo no Leste

Europeu, estavam aí postas as condições para a ascensão de um novo consenso de

mercado: o neoliberalismo (VIZENTINI, 2004; HARVEY, 2005).

Os anos que se seguiram foram de consolidação desse modelo político-

econômico, cujo espraiamento para o mundo subdesenvolvido atingiu em cheio a

América Latina – inclusive o Brasil – que, pelas mãos dos chefes de governo dos países

aí localizados, em aliança com os tecnocratas do FMI (Fundo Monetário Internacional),

BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e Banco Mundial, foi transformada

em região-laboratório dos programas de reestruturação econômica que visavam tão

somente a ampliação da capacidade de atuação do mercado.

Na escala nacional, o período em exame teve início dentro de um contexto de

distensão do regime autoritário, o que levaria, uma década depois, ao término da

violenta Ditadura Militar iniciada em 1964 (HERMANN, 2005), e de amplas

transformações na economia, graças aos processos de reestruturação territorial produtiva

que reposicionaram o país na economia-mundo. Tudo isto, por sua vez, acabou por

introduzir um novo quadro da realidade social brasileira, marcado, de um lado, pelo

conservadorismo e autoritarismo e, de outro, pelos reclames por liberdades individuais e

coletivas de uma sociedade que ia se tornando cada vez mais complexa e desigual.

Segundo Becker e Egler (1994), a década de 1970 marcou uma mudança na

posição do Brasil na economia-mundo, com o país assumindo a categoria de

semiperiferia na condição de potência regional. O contexto da passagem para essa nova

fase foi o do processo de reestruturação dos padrões de acumulação capitalista e da

revolução tecnológica em curso graças às inovações na microeletrônica e na

informática.

Um conjunto de fatores concorreu para a ressignificação do papel do Brasil na

economia-mundo, entre os quais a descentralização industrial, os créditos bancários

oferecidos por grandes corporações financeiras, além da considerável extensão

territorial, com grande mercado consumidor potencial e um parque industrial

consolidado. Tudo isso consubstanciado por um “projeto geopolítico para a

modernidade” (Idem, p. 124), amparado pelas heranças das políticas

desenvolvimentistas de décadas anteriores.

Page 159: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

160

Tal processo acabou por conduzir um movimento de desconcentração da

produção industrial no país, o que, segundo Santos e Silveira (2001, p. 106),

representou “uma das manifestações do desdobramento da divisão territorial do trabalho

no Brasil”. Com isso, há uma maior complexidade da produção industrial, acompanhada

do seu espraiamento para novas zonas do país, entre as quais as regiões metropolitanas e

outras grandes cidades do Nordeste. Tal mobilização de capital produtivo foi resultado,

em grande parte, das ações previstas nos planos do II PND (Plano Nacional de

Desenvolvimento, 1975-1979) e, em escala regional, da Sudene (Superintendência para

o Desenvolvimento do Nordeste) (SOUZA, 1990).

Nos estados onde estão localizados os balneários em exame, ou seja, Bahia,

Pernambuco e Rio Grande do Norte, foram instalados grandiosos empreendimentos

industriais, além dos investimentos em infraestrutura de transportes, energia e

comunicação (BRANDÃO, 1985; SOUZA, 1990; ANDRADE e BRANDÃO, 2009),

que vieram a somar-se a outros cujas fases operacionais tiveram início em período

precedente, principalmente nas regiões metropolitanas de Salvador e Recife e com

menor intensidade em Natal e municípios próximos (R. GOMES, 1998).

Além disso, entre os anos de 1970 e 1980, graças à nova dinâmica territorial da

economia, francamente favorável aos investimentos assentados nas maiores cidades

brasileiras, o país vivenciou o período mais vigoroso de urbanização, atingindo uma

taxa média geométrica de crescimento anual da população urbana de 4,4%, superior ao

total do crescimento populacional brasileiro, que foi de 2,5%, conforme indicam

Davidovich e Fredrich (1995).

Disso decorrem dois processos que tiveram incidência direta sobre a

turistificação de porções do litoral nordestino até então pouco ou nada apropriadas para

tal finalidade: (a) a criação de empregos no setor secundário e a “explosão do setor

terciário” (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p. 216) da economia, o que, por sua vez,

contribuiu para (b) a consolidação de novos padrões de consumo, com consequências

diversas na economia, entre as quais a dinamização do mercado voltado para

comercialização de imóveis para segunda residência.

No que concerne aos padrões de comportamento do brasileiro, apesar da forte

repressão imposta pela Ditadura Militar (1964-1985), a década de 1970 marcou ainda a

ocorrência das primeiras manifestações da contracultura, fenômeno que, nos Estados

Unidos e Europa, tinha se consolidado na década anterior. Por efeito-demonstração,

Page 160: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

161

muitos jovens brasileiros aderiram às filosofias de vida de grupos como punks, hippies,

rastarafis, entre outros.

Para alguns desses grupos, a vida deveria ser marcada pelo hedonismo, niilismo,

pela recusa aos valores burgueses, a crítica à sociedade de consumo e às práticas

beligerantes dos Estados capitalistas e, por fim, a disseminação de valores pacíficos e

ecológicos. Na esteira desse processo, ocorreu a popularização da prática do surf no

país, um esporte bastante identificado com alguns dos grupos e valores acima

mencionados.

Os anos que se seguiram foram caracterizados principalmente (a) pelo processo

de redemocratização do país, que culminou com a campanha pelas eleições diretas e,

como solução política considerada mais plausível para a transição (CASTRO, 2005), a

escolha, em 1984, por voto indireto, de Tancredo Neves como primeiro presidente civil

em vinte anos; (b) pelas sucessivas crises econômicas e suas nefastas consequências

para a população brasileira e, como consequência, (c) pela adoção de medidas de

reversão do forte quadro recessivo, os chamados planos econômicos, que totalizaram

seis entre as décadas de 1980 e 1990.

Assim, o final do período é identificado principalmente pelas prévias do

lançamento do Plano Real (1993), o último dos planos econômicos que ao longo das

referidas décadas visaram estabilizar a instável economia brasileira, fragilizada, em

diversos momentos, por uma conjuntura marcada pelo endividamento externo e interno,

altas inflacionárias e crises cambiais. Antes do Plano Real, foram lançados os planos

Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991)

(GREMAUD, VASCONCELLOS e TONETO JR., 2008), todos fadados ao fracasso,

mas que, de uma maneira ou de outra, contribuíram na promoção do alinhamento do

país ao modelo político-econômico neoliberal.

No que se refere à política externa, as décadas de 1980 e 1990 foram de criação

e consolidação do projeto de integração dos países formadores do chamado Cone Sul –

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em 1986, os presidentes José Sarney (Brasil) e

Raúl Alfonsin (Argentina) assinaram a Declaração de Iguaçu, pela qual se “fundava

uma aliança estratégica bilateral baseada na integração econômica e na renúncia mútua

às armas nucleares (MAGNOLI, 2007, p. 49).

O ato acima mencionado é tido como o passo inicial para a criação do Mercosul

(Mercado Comum do Cone Sul, oficialmente instituído pelo Tratado de Assunção, em

1991), cujos objetivos eram a constituição de uma zona de livre-comércio, de uma

Page 161: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

162

união aduaneira e queda das barreiras à circulação de pessoas dos países-membros14

, o

que repercute no aumento dos números do turismo internacional.

No âmbito do turismo, o período, que quase coincide com os “vintes anos de

dificuldades (1975-1995)” apontados por Trigo (2007, p. 223), foi conturbado, o que se

pode perceber pelas intensas oscilações nos números de entrada de turistas estrangeiros

(Figura 14). A instabilidade político-econômica entre meados das décadas de 1970 e

1990, aliada à pouca eficácia das débeis políticas públicas voltadas para o setor, como já

analisado no Capítulo 4, além do sucateamento da maioria das empresas de aviação do

país, tornaram o Brasil um país pouco confiável para potenciais visitantes.

Figura 14. Entrada de turistas estrangeiros no Brasil (1975-1994).

Fonte: Embratur apud Trigo (2001).

Além dessas, o autor acima mencionado aponta outras causas:

Na época, não houve preocupação com o meio ambiente (...), com a

qualidade na prestação dos serviços e com a formação profissional

específica em todos os níveis. Essas carências, aliadas à falta de visão

estratégica da área, a investimentos pontuais em hotelaria (sem

política de formação profissional e manutenção preventiva dos

equipamentos) e às crises econômicas sucessivas comprometeram o

turismo e vários outros setores da economia (Idem, p. 253).

14

Atualmente, além de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, a Venezuela faz parte do Mercosul como

membro efetivo, além da Bolívia e Chile, considerados países associados.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

(Milhares)

1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993

(Ano)

Page 162: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

163

Quanto às unidades federativas envolvidas neste estudo, durante o período em

exame, a realidade dos estados nordestinos – Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte

não escapando à regra – esteve fortemente condicionada ao que acontecia em âmbito

nacional. A não ser por iniciativas setoriais comandadas pelos governos estaduais, no

que concerne à economia, havia continuidade, em âmbito regional, daquilo que era

traçado pelo Estado, na sua esfera federal.

Como afirmado alhures, ao longo do período, as três economias estaduais foram

fortemente influenciadas pelas tentativas de inserção/consolidação de parques

industriais, localizados, via de regra, nas capitais e/ou em municípios próximos15

, além

da produção de commodities dos ramos de mineração e agricultura e do

desenvolvimento, ainda tímido, no início, e mais vigoroso, no final, de iniciativas de

planejamento do turismo.

6.2.2 Agentes de produção do espaço

Ao longo do período de consolidação do turismo de frente pioneira em Pipa,

Porto de Galinhas e Praia do Forte, diversos foram os agentes que, em distintas escalas

de atuação, promoveram transformações que, de uma maneira ou de outra, incidiram

sobre a vida de relações nos lugares evidenciados. Tais agentes foram: o Estado, os

agentes econômicos – entre os quais os promotores imobiliários – e a sociedade civil,

com ênfase no papel desempenhado pelos grupos de contracultura.

A despeito das profundas mudanças que levaram à reestruturação do seu papel

como agente na construção dos territórios a partir da década de 1970, o Estado, em

todas as suas esferas, implementou ações que repercutiram decisivamente no processo

de turistificação de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte. Se, nas escalas nacional e

estadual, a condução da política econômica – enfatizando a produção industrial e de

commodities em grande escala – acabou promovendo mobilidade social para certas

parcelas da população, aumentando o poder de compra e tornando mais complexas as

suas demandas, em âmbito municipal, foram viabilizadas condições para a abertura de

diversos loteamentos ao longo do período.

No que concerne ao turismo, aliás, Spínola (2000) menciona que, entre os anos

de 1974 e 1979 ocorreu o primeiro período de expansão do setor na Bahia, graças,

15

No inicio do período em exame, as regiões metropolitanas de Salvador e Recife já existiam, tendo sido

criadas em 1973. A RMN (Região Metropolitana de Natal), ao contrário, só veio a ser implantada em

1997.

Page 163: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

164

principalmente, ao trabalho feito pelo governo estadual na promoção das mais

importantes destinações junto aos mercados emissores do Sul e Sudeste do país. Sob o

já famoso slogan “Bahia: Terra da Felicidade”, o estado conquistou também os

primeiros voos internacionais e eventos de grande porte para os então recém reformados

aeroporto e centro de convenções de Salvador.

Ainda conforme a autora, após um período de forte retração (1987-1990), o

segundo grande boom do turismo ocorreu a partir de 1991, quando a capital baiana

assumiu o terceiro posto entre as cidades mais visitadas do país, estando atrás apenas de

Rio de Janeiro e São Paulo. Além disso, a requalificação do Centro Hitórico, a

transformação do carnaval em produto turístico internacional, ambos em Salvador, e a

interiorização da oferta turística, contribuíram para o bom desempenho do setor no

estado.

Em Pernambuco, as ações do estado visando fortalecer o turismo ao longo do

período analisado tiveram início na gestão do Governador Joaquim de Moura

Cavalcanti (1975-1979), com a inclusão do setor como uma das prioridades do

executivo estadual. Quando da sua passagem pelo Palácio do Campo das Princesas,

foram as seguintes as principais ações que geraram benefícios para o turismo: (a)

inauguração do Cecon (Centro de Convenções); (b) elaboração do I Planpetur (I Plano

Pernambucano de Turismo); (b) política de preservação e manutenção de monumentos e

sítios históricos de Pernambuco (HOLANDA, 2003).

Entre os anos de 1979 e 1985 aconteceram outros atos que favoreceram a

difusão e a sistematização do turismo em Pernambuco, tais como a instituição da

Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes, através da Lei n. 7.832/1979, o

reconhecimento de Olinda como cidade Patrimônio da Humanidade (1982) e a criação

do Bureau de Turismo Social (1985), cujo intuito era fomentar a prática turística junto

às camadas mais populares da sociedade pernambucana.

Segundo L. Holanda (Idem, p. 80),

(...) o turismo só desponta como um setor importante em Pernambuco

no início dos anos de 1980, com o esgotamento do processo de

desenvolvimento baseado principalmente na cultura da cana-de-

açúcar, o que levou os empresários pernambucanos a buscarem novas

áreas de atuação (...).

De fato, enquanto que, com a entrada de Carlos Wilson no governo

pernambucano, teve início a elaboração do projeto Costa Dourada, na gestão do

Page 164: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

165

Governador Joaquim Francisco (1991-1994), o turismo foi considerado uma das

grandes prioridades do programa “Cresce Pernambuco”.

No caso do Rio Grande do Norte, o Governo Estadual tomou as primeiras

iniciativas com o intuito de dotar o setor turístico de estrutura, na década de 1970,

dando ênfase, principalmente, ao quesito hotelaria. No início da década, foi criado a

Emproturn (Empresa de Promoção e Desenvolvimento do Turismo no Rio Grande do

Norte) (CLEMENTINO, 1995). Em 1975, a Sudene aprovava a construção de onze

projetos hoteleiros, enquanto que em 1978 foi criada uma empresa estatal responsável

pela implantação de hotéis no interior do estado e, no ano seguinte, foram iniciadas as

obras de abertura da Via Costeira, por onde passou a ser feita a ligação entre Natal e a

praia de Ponta Negra (SANTOS, 2005).

Em conformidade com o projeto de implantação de estrutura hoteleira no interior

do estado, o governo do Rio Grande do Norte assinou convênio com a Embratur, em

1982, com vistas à captação de recursos. Além disso, foram realizadas novas

intervenções na Via Costeira, o que denota prioridade do executivo norte-rio-grandense

na promoção espacialmente concentrada, uma opção delineada ainda nos anos 1970.

Isto se confirma na leitura de Rolde (1984) que, na obra em que compara o Rio Grande

do Norte com o estado norte-americano do Maine, aponta menos de uma dezena de

cidades como destinos turísticos do estado.

A década de 1980 foi de importantes transformações no turismo do Rio Grande

do Norte. Para Trindade (2007), o decênio recobre um período no qual o estado era

“descoberto” pelo turista brasileiro. Segundo Clementino (1995, p. 89), ainda aludindo

ao turismo potiguar na década de 1980:

É interessante situar na trajetória da expansão do turismo, que além de

dinamizar a construção civil desde os anos 70, o turismo vem

promovendo transferências de capitais daquele ramo, do imobiliário e,

até mesmo, das redes de supermercados ligados a grupos locais e

regionais que passam a ver o turismo como uma alternativa de

investimento frente à concorrência das grandes cadeias de

supermercados do País que se instalam em Natal nesse momento.

Além disso, em escala local, a implantação de equipamentos e infraestrutura nas

localidades, seja com o intuito de viabilizar o acesso ou como forma de garantir

conforto e segurança aos proprietários de segundas residências e demais turistas foram

atribuições que o Estado assumiu sem maiores constrangimentos.

Page 165: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

166

Com tais ações, o Estado tornou as praias acessíveis para a classe média que

habitava as grandes cidades do Nordeste, permitindo, entre outras coisas, a consolidação

do fenômeno de segunda residência. Sobre este aspecto da apropriação do litoral

brasileiro, Moraes (2007, p. 38-39) menciona, anunciando a consolidação de um

processo cujas origens remontam à década de 1950:

E é o final da década de cinquenta que anuncia uma mudança sensível

no ritmo de ocupação da costa. Ou talvez fosse melhor dizer, o

rebatimento no litoral da mudança do padrão de acumulação vigente

no país, com a consolidação do domínio econômico urbano-industrial.

E um primeiro ponto a se destacar nesse novo padrão é a significativa

aceleração do processo de industrialização brasileiro,que

ultrapassando o estágio da “substituição de importações” ancora-se

agora na massiva entrada de capital transnacional. E vários dos ramos

industriais importantes, em instalação, vão sofrer grande dependência

de insumos externos, o que condiciona a sua localização à

proximidade com sítios portuários.

(...)

Enfim, a industrialização não pode ser desprezada na avaliação dos

vetores da veloz e intensa ocupação da costa brasileira nas últimas

décadas. Apesar de sua presença se manifestar de forma pontual e

concentrada, de certo modo acentuando o padrão histórico de

assentamento (...), o impacto direto e indireto da atividade industrial é

bastante sensível, tanto em termos ambientais quanto sociais. A

respeito do primeiro, é sobejamente conhecido o potencial impactante

da atividade industrial sobre o meio ambiente (...).

No que importa aos efeitos sociais, cabe inicialmente apontar a

influência da industrialização, via o mercado de empregos diretos e

indiretos gerados, sobre a dinâmica populacional (...). Vale registrar o

dinamismo subjacente a esta atividade, o qual estimulou a formação

de um amplo setor gerador de serviços e produtos conexos.

No tocante à relação entre os processos acima aventados e a formação de uma

demanda por residências secundárias, o autor segue (Idem, p. 39):

Cabe destacar os atores acima mencionados, pois eles vão constituir a

clientela essencial de outro vetor de grande atuação no processo

contemporâneo de ocupação da zona costeira. Trata-se do fenômeno

da “segunda residência”, altamente disseminado em longos espaços

dos entornos das capitais estaduais e das grandes aglomerações do

litoral brasileiro.

Para Moraes, dando seguimento ao seu raciocínio, essa modalidade de residência

representa o fator numérico mais expressivo da urbanização ao longo do litoral,

revelando um dinamismo que se mantém mesmo em períodos de crise do setor de

construção civil.

Como é sabido, o fenômeno de segunda residência teve impacto substancial na

origem do processo de turistificação das localidades sob análise, com as primeiras

Page 166: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

167

manifestações ocorrendo em Porto de Galinhas, em 1975, com a implantação do

primeiro entre os muitos loteamentos que viriam a ser comercializados.

Os agentes econômicos e as organizações não governamentais, embora ainda de

forma lenta e tímida, promoveram algumas ações, notadamente no que concerne à

implantação dos primeiros empreendimentos hoteleiros e imobiliários, por aqueles, e na

elaboração, com a anuência do Estado, de planos de ações voltados ao desenvolvimento

do turismo, pelos seguintes. São exemplares dos casos da Fundação Garcia D’Ávila, em

Praia do Forte, e da Associação de Hotéis de Porto de Galinhas, no balneário

pernambucano, entidades criadas, respectivamente, no início e no final do período em

exame.

Os grupos de contracultura – ou comunidades alternativas, como é comum no

jargão popular – iniciaram o processo de apropriação das praias, com maior ou menor

intensidade, com finalidade de lazer e entretenimento na década de 1970, seja na busca

de experiências autênticas junto às comunidades tradicionais que os acolhiam, seja pelo

desejo de praticar surf, esporte que então se popularizava no Brasil.

Segundo Galvão (1989, p. 29), em texto originalmente escrito em 1978, em Pipa,

“Uma moçada em floração aproveita os dias de vida descontraída (...)”, em uma

verdadeira “(...) invasão de moças e rapazes do Recife, da Bahia, do Rio, que acampam

por aqui, em suas barracas, confraternizando com os outros, com absoluta identidade,

desinibição completa (...)”. O depoimento anterior converge com as observações feitas

por Xavier (2008, p. 63-64), que afirma:

Naquela época, o turismo começava a esboçar-se sobre a região.

Pequenos grupos de hippies e surfistas passavam vários dias na

destinação, praticamente intocada pelo homem. Estes turistas

alternativos (...) hospedavam-se nas casas dos moradores locais ou

acampavam na beira da praia para desfrutar de maior contato com a

natureza.

Em Porto de Galinhas, os surfistas formavam o grupo mais proeminentes no

processo de apropriação do litoral entre aqueles ditos alternativos. Segundo França

(2007, p. 89), referindo-se aos anos finais da década de 1970, “Apesar do difícil acesso

o lugar já era visitado pela beleza e possibilidades de lazer, em particular, por suas

praias propícias à prática do surf”, entre as quais, vale destacar a de Maracaípe.

No caso de Praia do Forte, a presença de hippies não foi tão intensa quanto nos

demais lugares abordados, pois havia uma tendência à concentração de membros desse

grupo na chamada Aldeia Hippie de Arembepe, uma vila litorânea do município de

Page 167: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

168

Camaçari, mais ao sul da primeira, portanto. Os surfistas, ao contrário, tinham uma

presença significativa na vila matense, especialmente aqueles originários de Salvador,

que nos anos inicias da década de 1980, frequentavam a praia do Papa-Gente,

considerada uma das melhores para a prática do surf no litoral norte baiano.

6.2.3 Dinâmicas territoriais

Ao analisar a dinâmica territorial de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte a

partir dos contextos socioeconômico, político e cultural e da ação dos agentes

anteriormente mencionados ao longo dos anos entre 1975 e 1993, é possível perceber

algumas semelhanças na forma de apropriação/dominação dos respectivos territórios,

posto que todos estivessem, grosso modo, sob uma mesma lógica de reestruturação

territorial produtiva, que as vinculava aos processos inerentes à valorização das praias

próximas aos grandes centros urbanos nordestinos para práticas de lazer e

entretenimento.

Por outro lado, existiram especificidades nos distintos processos de

apropriação/dominação dos territórios em exame, em decorrência, principalmente, de

ações impetradas por agentes como o Estado (em suas esferas estadual e municipal), os

empreendedores ligados ao turismo e ao mercado imobiliário, além dos grupos pré-

existentes, que tiveram repercussões em cada um dos lugares.

Por conta desse caráter uno e diverso dos espaços em exame, é fundamental dar

relevo aos principais processos relativos às dinâmicas territoriais dos balneários de Pipa,

Porto de Galinhas e Praia do Forte, colocando a descoberto as semelhanças e diferenças

que os caracterizam.

No período, vale mencionar, os quantitativos populacionais dos municípios onde

os balneários estão localizados tiveram crescimento regular, sem grandes surtos.

Exceção feita a Mata de São João16

, que apresentou decréscimo no interstício entre os

censos de 1980 e 1991, como se pode observar na figura 15.

16

Segundo Pereira (2008), o crescimento negativo da população de Mata de São João verificado no censo

de 1991 decorreu da desaceleração das atividades relativas à extração e refino de petróleo no Recôncavo

Baiano. Mata de São João é um dos municípios onde há prospecção de petróleo em terra firme, estando,

ainda, próximo à RLAM (Refinaria Landulfo Alves-Mataripe), o que configura a sua sede como cidade-

dormitório de certo contingente de trabalhadores ligados àquelas atividades.

Page 168: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

169

Figura 15. População total dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de São João (BA) e Tibau do Sul (RN), no período 1970-1991.

Fonte: Acervo do IBGE (2012).

Fica claro, pois, que, diferente de Cancún, o turismo não teve grande peso no

aumento do número de habitantes dos municípios verificados ao longo do período,

ainda que tenha exercido pressão no crescimento populacional das localidades de Pipa,

Porto de Galinhas e Praia do Forte, através da fixação de novos moradores.

Antes mesmo do início do período em exame, Porto de Galinhas já despertava

tímidos interesses, quando o assunto era a possibilidade de usufruto da pequena vila

como local de lazer e descanso, com incidência direta na sua dinâmica territorial. Em

1974, o Governo do Estado de Pernambuco adquiriu 19,5 ha para erguer a casa oficial

de férias do mandatário do poder executivo. Tal iniciativa foi tomada pelo Governador

Moura Cavalcanti, um entusiasta da apropriação da vila para fins turísticos (ANJOS,

2005).

Ainda segundo a autora, dois fatores foram preponderantes para a consolidação

do processo de expansão urbana ocorrido ao sul do Recife e que, de certo modo,

influenciaram na transformação de Porto de Galinhas em balneário, em meados da

década de 1970: (a) a implantação do Proálcool (Programa Nacional do Álcool), que

funcionou como fator de expulsão da população rural e a sua consequente fixação na

capital do estado e outras localidades litorâneas; (b) a “descoberta” do veraneio pelas

classes média e média alta da Região Metropolitana do Recife.

0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 40000 45000 50000

Ipojuca

Mata de São João

Tibau do Sul

Ipojuca

Mata de São João

Tibau do Sul

Ipojuca

Mata de São João

Tibau do Sul

19

70

19

80

19

91

(Habitantes)

Page 169: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

170

No caso de Porto de Galinhas, tais fatores tiveram rebatimento decisivo na sua

consolidação como locus de práticas turísticas de Sol e Praia, em 1975, quando foi

aberta uma área, contígua à vila, para implantação do primeiro empreendimento

imobiliário, o Loteamento Merepe I, cuja autorização foi sanicionada pela Prefeitura

Municipal de Ipojuca através da Lei n. 705.

Três anos mais tarde, a Cinco-Carvalheira Incorporações Ltda. abriu o

Loteamento Recanto Porto de Galinhas, um empreendimento que, à época, promoveu

significativas alterações no padrão de uso e ocupação do solo, posto que tenha

provocado a extinção da lavoura de coco, a derrubada das antigas casas dos senhores de

engenho e a remoção das casas dos pescadores para área um tanto mais afastada da

praia (MENDONÇA, RAPOSO e MELLO, 2004).

Sobre o ímpeto das empresas do ramo imobiliário, os autores anteriormente

citados (p. 58-59), ao mencionarem a intencionalidade por trás da abertura dos

loteamentos, afirmam que “(...) o que se percebe claramente é que a intenção fora tão

somente oferecer casas de veraneio às famílias pertencentes às classes média e alta do

Recife. Era, por assim dizer, uma proposta muito ao gosto da fase do “milagre

econômico” que o país atravessava”. Ainda de acordo com os autores, “A classe média

desejava casa de praia e as áreas prestavam-se muito a este tipo de lazer” (p. 59).

De fato, em documento da Condepe (antigo Instituto de Planejamento de

Pernambuco, atual Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco),

datado de 1977, já se afirmava que o litoral sul de Pernambuco era a fronteira de

expansão da Região Metropolitana do Recife.

Isto não foi suficiente, porém, para alterar o caráter bucólico de Porto de

Galinhas. A falta de infraestrutura de acesso contribuiu para o relativo isolamento do

lugar. A implantação da rodovia PE-38, que liga a PE-60 à Nossa Senhora do Ó,

passando por Ipojuca, foi concluída em meados dos anos 1980, enquanto que o trecho

entre a sede do distrito e Porto de Galinhas, a PE-09, só veio a receber tratamento

asfáltico há pouco menos de uma década mais tarde.

Considerado um dos principais portos marítimos do Brasil, o Complexo

Industrial e Portuário de Suape foi inaugurado em 1978, no extremo norte do litoral de

Ipojuca (IPOJUCA, 2004). Além de produzir considerável dinâmica econômica e de se

constituir em um importante ponto para o deslocamento de produtos para o estado de

Pernambuco e do Nordeste, Suape provocou uma mobilidade populacional que exerceu

influência na demografia do município e, em específico, na de Porto de Galinhas, algo

Page 170: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

171

que se repete nos dias atuais, com a instalação de um estaleiro e de novas empresas no

complexo.

De acordo com texto jornalístico escrito no Caderno de Turismo do Diário de

Pernambuco, datado de 27 de dezembro de 1985, e reproduzido na dissertação de

mestrado de Barros Júnior (2002), até aquele ano, o único meio de hospedagem

existente em Porto de Galinhas era o Privê de Veraneio, formado por um conjunto de

quatro chalés rústicos. O primeiro empreendimento hoteleiro de maior porte a funcionar

na vila, o Hotel Solar Porto de Galinhas, foi inaugurado no ano seguinte, tendo sido o

único em funcionamento até 1992.

No que concerne às ações de proteção ambiental, em 1986, o Governo Estadual

(Lei n. 9960/1986) definiu como área de interesse especial a faixa de orla marítima

entre os municípios de Ipojuca e São José da Coroa Grande, para fins de controle do uso

do solo e sua compatibilização com a preservação do Patrimônio Natural e Paisagístico

da Zona Litorânea (BRAGA, 2000). Além disso, no mesmo ano, foi instituída, pelo

Decreto Estadual n. 9.931/1986, a Área de Proteção Ambiental Estuarina dos Rios

Sirinhaém e Maracaípe.

O Projeto Costa Dourada, uma tentativa ambiciosa de criação de um polo

turístico interestadual, integrando as porções litorâneas do sul de Pernambuco e o norte

de Alagoas, foi lançado em 1990. Na parte pernambucana, foi idealizado o Centro

Turístico de Guadalupe, que deveria agregar megaprojetos hoteleiros (SELVA, 2012).

De certa forma, a não efetivação do projeto em sua plenitude beneficiou Porto de

Galinhas, o centro receptor dos grandes empreendimentos em hotelaria do litoral sul do

estado.

Como reação a um ato do Governo do Estado, um grupo de empreendedores do

setor hoteleiro de Porto de Galinhas resolveu criar, em 1992, a AHPG (Associação de

Hotéis de Porto de Galinhas). Conforme afirma Barros Júnior (2002, p. 178), “Esta

entidade tem sua origem marcada a partir da proibição do banho de mar nas praias do

litoral de Pernambuco em razão da contaminação das águas pelo Vibrio cholerae

(vibrião colérico)”. A ideia era fortalecer a hotelaria local diante do maciço

cancelamento de reservas às vésperas do carnaval daquele ano.

No caso de Praia do Forte, a primeira tentativa de transformá-la em um centro

turístico de grande porte ocorreu na virada das décadas de 1970 e 1980, anos após a

aquisição da fazenda que levava o mesmo nome do povoado, na década anterior, por

empresários paulistas de origem alemã, conforme escritura pública n. 15.222, do livro

Page 171: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

172

3M, fls. 202 (SOBRINHO, 1998). A ideia inicial era a produção de coco. Porém, com a

constatação do considerável potencial turístico para o lugar, os empreendedores

verteram o projeto para a criação de um grande centro de entretenimento e lazer baseado

na oferta local de Sol e Praia.

Conforme aponta Santos (2011), um renomado arquiteto foi contratado com a

finalidade de projetar o novo empreendimento de caráter turístico-hoteleiro e

imobiliário. De acordo com a autora:

Coube então ao arquiteto criar um amplo planejamento

territorial denominado Master Plan, que contempla aspectos

ambientais e urbanísticos, visando intervir tanto na área de

maior concentração residencial, ou seja, no núcleo central e

arredores, bem como nos demais espaços que compõem a

fazenda Praia do Forte (p. 3).

Para gerir o projeto e coordenar a comercialização dos lotes, os empreendedores

criaram, respectivamente, a FDG (Fundação Garcia D’Ávila) e a Landco

Empreendimentos Imobiliários. Logo nos primeiros anos de criação, a fundação esteve

no centro de um conflito com moradores e órgãos de imprensa, preocupados com o

destino da Casa da Torre – mais conhecido como Castelo Garcia D’Ávila – diante do

avassalador processo de turistificação que se anunciava (SOBRINHO, 1998).

Como uma das primeiras ações previstas no ambicioso projeto a terem sido

concretizadas, em 1979, foi regulamentado pela Prefeitura Municipal de Mata de São

João o Loteamento Praia do Forte, cujos terrenos deveriam ser comercializados em três

etapas, cada uma delas com 5.147,443m2, 4.934,433m

2 e 4.487,633m

2, respectivamente

(Idem).

Além disso, foi inaugurado, em 1982, o Praia do Forte Resort Hotel, outra

iniciativa dos proprietários da fazenda, capitaneada por Klaus Peter, um agente

importante na consolidação do destino turístico e controverso na sua atuação em âmbito

local. Conforme cita Pereira (2008, p. 142), o empreendimento foi erguido ao estilo da

arquitetura orgânica e “(...) transpunha para o hóspede o clima da ocupação praiana,

bem registrada na ausência de desníveis com o terreno nas imediações da construção,

com varanda e elementos da arquitetura reconhecíveis nas habitações de construção

vernacular”. Tal opção arquitetônica não foi à toa.

Segundo Souza e Braga (2005), a construção do Praia do Forte Resort Hotel

contribuiu para a manutenção das características originais da vila, posto que a atuação

normatizadora dos padrões construtivos no local, exigindo determinados critérios de

Page 172: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

173

edificação. A análise das autoras carece de um olhar crítico, pois, o que parece ser uma

atitude positiva de caráter preservacionista, deve ser considerado a partir da sua

verdadeira intencionalidade: tal interferência buscava impor normas urbanísticas que

favorecessem a criação de um cenário bucólico, idílico, sob os moldes de um paraíso

tropical, algo que interessava sobremaneira na promoção da dita “Polinésia Brasileira”

como destino turístico.

Em 1977, foi aberta a rodovia BA 099, mais conhecida como Estrada do Coco,

via de acesso ao litoral norte da Bahia, a partir de Salvador (nas imediações do então

Aeroporto Internacional 2 de Julho), até o assentamento camaçariense de Itacimirim. Na

década seguinte, a pista foi ampliada até Praia do Forte, para daí, em 1992, ter sido

prolongada em mais 142 quilômetros de extensão, até o limite com Sergipe, trecho

batizado de Linha Verde (SOBRINHO, 1998; PEREIRA, 2008; ARAÚJO, 2009).

Antes da implantação da rodovia, porém, dada a precariedade dos caminhos

terrestres existentes, os saveiros desempenhavam um importante papel como meio de

transporte, principalmente entre as demais localidades litorâneas e Praia do Forte e entre

esta e Salvador. As tradicionais embarcações eram utilizadas, inclusive, para transportar

produtos que, de um lado, eram vendidos na Feira de Água de Meninos, na capital

baiana, e que, por outra parte, serviam como suprimentos para a população local

(GRANDO, 2006).

Logo no início do processo de dominação do território litorâneo e da

especulação imobiliária no município de Mata de São João essa zona passou a vivenciar

algum incremento de habitantes. A densificação das propriedades voltadas para a

segunda residência no município vizinho meridional, Camaçari, acabou por impulsionar

um processo de ocupação mais ao norte, em direção ao litoral matense (PEREIRA,

2008).

Em 1984, a Prefeitura Municipal de Mata de São João e a Fundação Garcia

D’Ávila celebraram convênio segundo o qual a primeira outorgou à segunda o papel de

provedor de bens e serviços públicos na vila de Praia do Forte. No ano seguinte, o

documento foi considerado sem efeito pelo Ministério Público Federal, após

representação feita pelos moradores da vila, descontentes com a atuação da FGD

(SOBRINHO, 1998).

Entre os feitos relativos à preservação ambiental, em 1982, foi inaugurada a base

de operações do Projeto Tamar em Praia do Forte, aquela que viria a ser a sede nacional

da entidade. Atualmente, o local, edificado à beira-mar, próximo ao emblemático farol

Page 173: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

174

da vila, é formado por um complexo que agrega salas, escritórios, auditório, loja para

comercialização de produtos geradores de receita para o projeto, além de uma grande

área para visitação e realização de atividades de educação ambiental, com piscinas e

exposição de animais marinhos, nos moldes de um zoológico.

Cinco anos após a implantação das primeiras unidades de conservação da região,

a RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) da Sapiranga, de propriedade da

Fundação Garcia D’Ávila, e a Reserva Ecológica da Lagoa Timeantube, sob jurisdição

municipal, foi criada, em 1992, a Área de Proteção Ambiental do Litoral Norte, através

do Decreto Estadual n. 1.046/1992, com o intuito de mitigar os impactos gerados pela

implantação da Linha Verde. Segundo a resolução Cepram n. 544/1992, coube ao

Governo da Bahia formular o Zoneamento Ecológico-Econômico para as áreas de

influência direta da BA-099, enfatizando as práticas de turismo e lazer (MURICY,

2009). O referido ZEE foi finalizado em 1995.

Quanto à Pipa, na virada das décadas de 1970 e 1980, o município de Tibau do

Sul já vivenciava relativas transformações, provocadas, principalmente, pela paulatina

substituição da pesca artesanal por um modelo mais moderno, graças à crescente

demanda pela produção na capital do estado. Sobre isto, Galvão (1989, p. 23), em carta

datada de 04 de fevereiro de 1978, afirma que “Não deixa de ser curioso anotar que a

pesca em Tibau já está saindo do estágio artesanal, barcos motorizados, refrigeração,

transporte rodoviário do produto”.

Na Praia da Pipa, ao contrário, estava mantida a condição primitiva da pesca,

resultante do isolamento da vila, mesmo em relação à sede municipal. Ao destacar tal

condição, H. Galvão (Idem, p. 23) afirma:

Eu não observo nenhuma diferença, mas todos me dizem que a fala do

povo da Pipa – pouco mais de seis quilômetros daqui – é arrastada e

solfejada. Isto é explicado pelo isolamento em que viveram, durante

séculos, estas pequenas comunidades humanas, com sua economia,

seu modo de vida peculiar (...).

Tal isolamento era um elemento de atração de pessoas em busca de formas

alternativas de lazer e entretenimento, entre as quais, vale destacar, figuravam os

hippies e surfistas. Em reportagem feita para a seção Esportes do Jornal Tribuna do

Norte, edição de 04 de março de 2012, Gurgel (2012, p. 2) afirma, a partir de

informações colhidas junto ao surfista veterano Saturnino Borges, o Tunino:

A primeira ida à Pipa, de acordo com Saturnino, foi em 1976. Um

amigo dele, que namorava com uma menina que veraneava na praia, o

Page 174: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

175

convidou para passar uns dias por lá. Foi quando esse amigo teve a

ideia de convidar os outros surfistas para se aventurarem pelas ondas

do município de Tibau do Sul. “Naquele tempo, Pipa não tinha nada.

O ônibus parava em Tibau [do Sul] e a gente ia a pé, até a praia. Ainda

bem que os moradores de lá nos ajudavam nos dias que passávamos

por lá”, afirma [Tunino].

Embora sempre destacados nos escritos sobre a história recente da vila pelo

“espírito de aventura” que os levaram a usufruir de uma praia sem qualquer estrutura de

acolhimento, os grupos acima mencionados foram precedidos por veranistas oriundos

do município vizinho de Goianinha, no início dos anos de 1980, os verdadeiros

“descobridores” do potencial turístico de Pipa, segundo Araújo (2002, p. 40).

Ao longo da década de 1980, graças às iniciativas já referidas, ocorreu um

processo paulatino de territorialização do turismo no local, ao tempo em que o Estado –

nas esferas estadual e municipal – introduzia infraestrutura, como abastecimento de

água e iluminação elétrica, além de unidade de saúde (Idem).

Por outro lado, a simples criação/divulgação do projeto Parque das Dunas/Via

Costeira17

, induziu, nas palavras de Costa (2007, p. 63), o “crescimento da cultura de

segunda residência no litoral sul do Estado”. Nesse contexto de turistificação das praias

meridionais potiguares, o primeiro empreendimento hoteleiro de Pipa e adjacências,

inaugurado também no início da década de 1980, foi o Hotel Marinas, instalado nas

proximidades do estuário do Rio Guaraíras, sendo considerado um marco do turismo em

Tibau do Sul (SILVA, 2011).

Em 1986, foi feita a pavimentação do acesso a algumas das praias de Tibau do

Sul (COSTA, 2011), enquanto que o asfaltamento da estrada local por onde se faz o

trajeto entre a sede municipal à Praia da Pipa veio a ocorrer cerca de uma década mais

tarde.

Entre as décadas e 1980 e 1990, consolidou-se a prática da segunda residência

em Pipa, cujos imóveis eram negociados, na maioria dos casos, para antigos visitantes

estrangeiros e de outros estados do Brasil. Muitos desses novos moradores acabaram

por abrir negócios no local, especialmente empreendimentos diretamente ligados à

prática do turismo, como pequenos hotéis e pousadas, restaurantes, bares e lanchonetes,

além de lojas para venda de souvenirs e artigos de moda praia (ARAÚJO, 2002).

17

O Parque das Dunas foi criado pelo Decreto Estadual n. 7.237/1977, sendo a primeira unidade de

conservação do Rio Grande do Norte. Quanto à Via Costeira, trata-se de uma avenida, de 12 quilômetros

de extensão, ligando o centro ao extremo sul da cidade, na qual se percorre um trecho litorâneo de Natal.

O projeto foi concluído em 1983, junto com o Centro de Convenções.

Page 175: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

176

Apesar do Conselho Estadual de Turismo do Rio Grande do Norte ter sido

criado em 1985, conforme Lei n. 9.329/1985, apenas em 1992 a Prefeitura de Tibau do

Sul criou a sua Secretaria Municipal de Turismo.

6.2.4 Síntese comparativa do período

Como síntese da análise acima, é possível constatar que, dentre os lugares

estudados, Praia do Forte foi a primeira a passar por um processo de territorialização

sistematizada do turismo, ainda que o primeiro empreendimento voltado para a segunda

residência tenha sido inaugurado em Porto de Galinhas. Já em finais da década de 1970,

os projetos governamentais voltados para o turismo mencionavam o potencial da

localidade baiana, ao contrário de Porto de Galinhas e Pipa, quase que totalmente

negligenciadas nos programas de planejamento turístico em seus respectivos estados,

sendo que, no caso da última, as primeiras manifestações de atividades ligadas à prática

tenham ocorrido, de fato, na década de 1980.

Não obstante, o impulso (re)criador que se verificou no que viriam a se tornar

importantes balneários do litoral nordestino desde os primeiros anos de sua

turistificação, embora tímido, se comparado ao que estaria por vir, gerou algumas

transformações nos lugares. Nada disso foi suficiente, porém, para solucionar velhos

problemas das comunidades locais. Ao contrário, introduziram conflitos antes

inexistentes.

Quanto à não resolução de problemas locais, alguns exemplos podem ser

citados. Em relatório emitido pela Embasa (Empresa Baiana de Saneamento, Águas e

Esgoto), por exemplo (sem data, mas com claras referências à década de 1980), são

apontados alguns problemas referentes ao abastecimento público em Praia do Forte.

Segundo o referido documento:

A região litorânea de Praia do Forte, se desenvolve atualmente, como

balneário turístico, com maior rapidez devido à recente construção da

ponte sobre o rio Pojuca e pavimentação da Estrada do Côco. O

abastecimento de água das diversas vilas que compõem a região é

feito de maneira precária ou insuficiente, através de cisternas, riachos

por vezes contaminados e poços tubulares rasos (BAHIA, s/d b, p. 2).

Mais adiante, nas recomendações, o relatório indica a necessidade de ações

relativamente simples para garantir o abastecimento contínuo de água potável em Praia

do Forte – algo que só veio a ocorrer na década seguinte –, mas com a ressalva de que

Page 176: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

177

tal obra deva contemplar a demanda de um empreendimento hoteleiro já implantado no

local.

Em Porto de Galinhas, como se viu anteriormente, a implantação da

infraestrutura viária e o acesso às tecnologias de comunicação só se tornaram possíveis

– e, mesmo assim, apenas para uma pequena parcela de beneficiários – na virada das

décadas de 1980 e 1990, o mesmo ocorrendo nas demais localidades.

Além disso, ao longo do período, houve uma série de conflitos, que se

estabelecem pela diferença de ritmos e de interesses de alguns dos agentes que gestaram

a dinâmica territorial das localidades. Enquanto o Estado e os empreendedores

imprimiam uma velocidade alucinante às transformações no lugar, implantando novos

objetos técnicos e novos sistemas de engenharia que deram plena força de expansão ao

turismo, os moradores pré-existentes, ainda ligados aos tempos lentos que presidiam os

seus afazeres, buscavam manter as suas condições de vida.

A população local teve que lidar com as transformações nas suas dinâmicas

territoriais, ainda que pouco preparada para tanto. Em entrevista feita em janeiro de

2011, por G.S., pescador aposentado, morador de Praia do Forte, fica patente o quanto a

aceleração dos ritmos de vida na localidade foi impactante para os habitantes mais

antigos:

A gente vivia na simplicidade, né? Não tinha riqueza, mas também

nunca faltava o peixinho, nem a farinha. De uma hora prá outra, veio o

‘Seu Klaus’ [Klaus Peter] e chegou mandando. Aí, veio o hotel dele e

o estrangeiros. Quem tinha um pouquinho mais [de dinheiro], foi

colocando uma “vendinha”, uma coisa. (...) Foi até engraçado por que

as lojinhas tinham até placa em alemão. (...) Teve gente que foi

embora, teve gente que foi fazer serviço para os “homens” [no hotel].

Desses aí, tinha uns que até tiravam uma onda de rico, né (risos)? (...).

Alguns aspectos importantes do processo de territorialização do turismo em

Praia do Forte são tratados no relato acima. A rígida condução do processo de

turistificação por parte dos empreendedores, personificado em Klaus Peter, as

estratégias da população local diante das mudanças em curso e a mobilidade daqueles

não adaptados ao novo modo de vida, culminando na sua desterritorialização,

constituem-se em características do processo que então se desenvolvia.

Para J.O., proprietário, há mais de trinta anos, de pequeno estabelecimento

comercial em Porto de Galinhas e nascido no município de Ipojuca, o turismo

introduziu algumas melhorias para a população local, mas adverte para a força das

mudanças:

Page 177: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

178

Tudo que o Sr. está vendo hoje aí não começou com os turistas, os

estrangeiros e os do Sul, não. O comecinho dessa coisa de Porto [de

Galinhas] virar essa praia que todo mundo quer vir foi com a

construção das casas do povo que vinha do Recife para passar férias.

Agora, que tem água encanada, luz, policiamento, estrada, todo

mundo acha que foi por causa dos turistas. Nada disso: a coisa

aconteceu aos poucos, mas foi pegando todo mundo de surpresa. (...)

Pegou de surpresa por que ninguém dos mais antigos achava que

Porto ia um dia receber qualquer benefício do governo. Pode

perguntar a qualquer um que tenha mais de trinta, quarenta anos aqui.

Era isolado demais. (...) E outra: nem todo mundo deu conta de viver

aqui quando tudo foi mudando, não. Prá você ver, teve gente que

vendeu sua casinha, foi-se embora e depois, quando quis voltar, não

teve condição por que as casas já custavam o dobro ou mais.

No caso de Pipa, que apresenta algumas similaridades nos processos de

territorialização do turismo, em se comparando com os exemplos anteriormente

abordados, há que mencionar que, por força da demanda do mercado turístico, algumas

das praias locais tiveram sua toponímia alterada, algo revelador dos impactos que o

turismo foi capaz de promover na identidade territorial da população mais antiga.

Segundo Gonçalves (2010, p. 31), “(...) algumas praias tiveram o seu nome substituído

ou alterado a partir da chegada do turismo, atribuindo-lhe um nome mais comercial

(...)”. São exemplos de tal feito, a Praia dos Afogados, que passou a ser designada de

Praia do Amor, e a Praia dos Currais, hoje denominada Baía dos Golfinhos.

Todas as mudanças em curso ao longo do período, embora lentas, geraram

repercussões que resultaram na conformação de novas territorialidades em Pipa, Porto

de Galinhas e Praia do Forte. Ademais, para além da escala local, essas transformações

já incitavam uma inserção maior das localidades na rede urbana nordestina,

especialmente a partir da década de 1990.

Em obra publicada com o intuito de caracterizar as redes urbanas regionais do

país, o Governo Federal, por meio do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada), identificou transformações no sistema urbano nordestino entre as décadas de

1980 e 1990 (BRASIL, 2001). O referido documento faz referência à existência de

novas territorialidades que ensejam a dinamização da rede urbana do Nordeste a partir

de “localidades que despontam pela grande potencialidade de crescimento de atividades

voltadas para o turismo cultural, lazer e ecoturismo, com a ampliação da rede hoteleira e

do sistema viário” (Idem, p. 107).

Entre as localidades citadas, o texto destaca as faixas litorâneas dos estados da

Bahia, com destaque para o Litoral Norte e, em específico, as localidades de Imbassaí,

Page 178: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

179

Praia do Forte e Conde, Pernambuco, com ênfase para Suape, Gaibu e Porto de

Galinhas, apontada como “a de maior dinamismo do estado” (p. 108), e Rio Grande do

Norte, em especial a área formada por Natal, Tibau do Sul, Nísia Floresta e Extremoz,

onde há grande concentração de equipamentos de hotelaria e serviços turísticos.

6.3 O “turismo de implosão” (1994-2012)

O período ora analisado tem o seu início em 1994, ano em que, através do

contrato 841-OC/BR, assinado entre o BNB e o BID, se tornou realidade o Prodetur-

NE, gestado desde 1991 pelo Estado brasileiro, posto que o referido documento dava as

garantias financeiras para a sua execução. Como já afirmado alhures, o Prodetur/NE foi

a mais ampla e ambiciosa política pública para o turismo já desenvolvido no país. No

âmbito das localidades aqui analisadas, o Programa foi o principal indutor de

transformações em direção a uma territorialização plena do turismo, a partir de meados

da década de 1990.

O término do lapso temporal em exame é o ano de 2012, delineando, assim, a

vigência atual deste período. O presente mostra-se como a fase mais aguda, porém,

ainda inconclusa, do processo de turistificação das localidades de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte.

As dinâmicas territoriais que ora se desenvolvem nesse balneários resultam da

ação acumulada dos diversos agentes que, ao longo desses últimos dezoito anos atuaram

na busca, nem sempre bem sucedida, pela apropriação/dominação dos territórios por

eles almejados.

O emprego do termo “turismo de implosión” (turismo de implosão), cujo mérito

da criação é, também, de Gormsen (citado por HIERNAUX, 2001, p. 50), como

designativo do período se deu por este – o termo – fazer referência à atual fase do

processo de turistificação em muitos lugares do mundo (de onde não se pode excluir os

casos da América Latina e Brasil), na qual os agentes promovem uma “reconquista de

los espacios urbanos y los transforma en sitios de ocio (...)”. Significa afirmar que,

nestas condições, zonas antes desprezadas pelos planejadores e agentes hegemônicos do

turismo, passam a ocupar certa centralidade como locus de produção e consumo do

espaço por tal prática tão logo tenham sido, simbólica ou materialmente, implodidas,

cabendo aos planificadores, com suas estratégias de ordenamento territorial, tornarem o

espaço o mais atrativo possível.

Page 179: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

180

6.3.1 O contexto socioeconômico, político e cultural

Conforme ensinamento deixado por Hobsbawm (1995, p. 537), ao tratar das

desventuras de quem presenciou a virada entre o fim do século XX e o atual,

O Breve Século XX acabou em problemas para os quais ninguém

tinha, nem dizia ter, soluções, Enquanto tateavam o caminho para o

terceiro milênio em meio ao nevoeiro global que os cercava, os

cidadãos de fin-de-siècle só sabiam ao certo que acabara uma era da

história. E muito pouco mais.

De fato, o aparente encantamento da sociedade ocidental diante do mito da

“aldeia global”, assim como dos governantes diante do discurso neoliberal, era

revelador, tão somente, da incapacidade geral de compreender e explicar um “mundo

confuso e confusamente percebido” (SANTOS, 2000, p. 17), diante dos

desdobramentos de uma história política, econômica, cultural e ambiental que rompia –

e segue rompendo – com as certezas precedentes, desde a década de 1970.

Durante a segunda metade da década de 1990 e início da seguinte, algumas

crises econômicas originadas em países periféricos do macrossistema capitalista

internacional, como México (1994), Tailândia (1997), Rússia (1998), Brasil (1998) e

Argentina (2002), provocaram grande instabilidade em economias nacionais similares,

entre as quais a brasileira (HARVEY, 2005; PILAGALLO, 2009). Essas turbulências

prenunciaram a maior crise econômica internacional desde a quebra da bolsa de valores

de Nova York (deflagrada em 1929), que teve início com a falência, em 2008, do

Lehman Brothers, um importante banco de investimentos de capital norte-americano, e

cujas consequências são ainda sentidas, principalmente na Europa e EUA.

Em publicação do IPEA, de 2010, é possível contemplar um resumo categórico

das características da economia e política mundiais na virada do século XX para o atual:

A primeira década do século XXI deixou evidentes as fraquezas do

modelo de desenvolvimento liberal em proporcionar prosperidade

econômica e equalização social no Brasil e na América Latina. Na

verdade, o que se materializou, ao longo da década de 1990, foram

problemas como vulnerabilidade nas contas externas e endividamento

público em praticamente todos os países da região, bem como baixo

crescimento econômico, deterioração dos principais indicadores do

mercado de trabalho e degradação ambiental (BRASIL, 2010b, p. 17).

Todo esse quadro desencadeou, entre outros problemas, a perda de legitimação

do neoliberalismo, isso, ao menos na desconstrução de um aparente consenso em torno

do modelo, o que levou à mudança no quadro político-eleitoral latinoamericano, a partir

Page 180: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

181

de 2002, com expressivas vitórias de candidatos que representam posturas de caráter

nacionalista e neodesenvolvimentista.

Ainda no início deste século, a chamada “Guerra ao Terror”, impetrada pelos

EUA após o ataque ao edifício World Trade Center, em 11 de setembro de 2001,

detonou uma sensação de insegurança em escala planetária. Graças à resposta militar

norte-americana no Oriente Médio (invasões do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em

2003) e à adoção de medidas unilaterais de recrudescimento das restrições à mobilidade

de pessoas (AGUIRRE, 2010), muitos setores da economia foram severamente

atingidos, entre os quais, vale destacar, o turismo.

Por outro lado, graças ao desempenho econômico favorável e ao novo papel de

países emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (os chamados

BRICS) no intrincado jogo geopolítico internacional, houve grande impulso à

consolidação de relações mais complexas entre os Estados e empresas e ao relativo

enfraquecimento da ação política dos países hegemônicos em continentes como a

América Latina, a África e a Ásia, com repercussão direta na abertura de novos

mercados para os produtos brasileiros.

No âmbito do turismo, é importante salientar que, além das consequências da

propalada “Guerra ao Terror”, aventada alhures, duas catástrofes provocadas pela

natureza tiveram grande repercussão para o setor, em escala planetária. Em 2004,

ocorreu um tsunami no Sudeste Asiático, um dos maiores desastres naturais já

registrados, que atingiu importantes zonas do turismo de Sol e Praia na Indonésia,

Tailândia, Sri Lanka, Índia e, em menor medida, Austrália. No ano seguinte, o furacão

Wilma causou destruição em diversos destinos turísticos do Caribe, entre os quais o

balneário mexicano de Cancún e seu entorno.

Além disso, o receio de epidemias globais de doenças respiratórias (que

receberam designativos como gripe aviária, gripe suína, H1N1 e SARS), com surtos em

2005 e 2009 em áreas de maior incidência no Sudeste Asiático e na zona fronteiriça

entre México e Estados Unidos, respectivamente, foi um fator que também gerou

instabilidade no mercado turístico neste século.

No Brasil, o início do período é marcado pela eleição do presidente Fernando

Henrique Cardoso. Tal ato seria apenas a continuidade do processo de substituição do

representante do Executivo nacional em um país cuja política se baseia na democracia

representativa, não fosse pelo mote da campanha eleitoral: o Plano Real.

Page 181: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

182

Em 1993, FHC, então ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco, lançou

o plano econômico acima mencionado, um ambicioso programa de ajuste estrutural,

pautado em uma gradual e agressiva diminuição do papel do Estado no processo de

abertura econômica quanto ao fomento da competitividade de preços, permitindo,

assim, a estabilização da moeda nacional e o controle inflacionário.

Quando da gestão do presidente FHC (1995-2002, com reeleição), o Estado

brasileiro atingiu níveis nunca antes imaginados de desregulamentação e desarticulação

do aparelho estatal (BRASIL, 2010b), amparados, entre outras estratégias, por um

vigoroso programa de privatização de empresas públicas.

Em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva, político de origem operária e sindical, de

orientação nacional-trabalhista, ascendeu à condição de presidente do Brasil, após três

derrotas nos pleitos anteriores. Em dois mandatos consecutivos (2003-2006 e 2007-

2010), o presidente Lula se tornou um dos mais populares gestores do Executivo

nacional, sendo, inclusive, o principal artífice da eleição, em 2010, da sua ex-ministra

nas pastas de Minas e Energia e da Casa Civil como sucessora, a presidente Dilma

Roussef.

Entre as principais medidas do Governo Lula (com continuidade pela gestão

atual), estão a manutenção da política de defesa da estabilização da moeda nacional e do

controle inflacionário, a criação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento),

cuja meta é dotar o país de infraestrutura de mobilidade, saneamento ambiental,

modernização do setor produtivo, entre outros, e a unificação de diversos programas de

transferência de renda (o chamado Bolsa-Família) e ampliação de gastos sociais. Tais

medidas e a atual condição do mercado de trabalho, que atingiu o pleno emprego na

década de 2000, gerou mobilidade ascendente para um contingente significativo de

brasileiros, o que resultou no surgimento de uma nova e ampla “cultura de consumo” no

país.

O estímulo ao aumento do consumo tem sido, inclusive, uma das principais

estratégias de enfrentamento da atual crise econômica internacional por parte da equipe

econômica do Governo Dilma Roussef. Além disso, mais recentemente, em fevereiro e

agosto de 2012, respectivamente, a presidente Dilma Roussef, empregando o discurso

da ampliação e modernização da infraestrutura de transportes do país, passou à

iniciativa privada a gestão de alguns importantes aeroportos do país e lançou um amplo

programa de concessão de estradas, portos e ferrovias (além de outros aeroportos) para

exploração de empresas privadas.

Page 182: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

183

Desde um ponto de vista macroeconômico, no transcorrer do período em estudo

houve intensa expansão do PIB brasileiro, o que transformou o país na sexta maior

economia do mundo, em 2011. Os números referentes à produção de riqueza do Brasil

atingiram uma média de 4,8% a.a. (ao ano) entre 2004 e 2008, o que, comparando-se ao

interstício entre 1995 e 2002, quando se atingia uma média de crescimento de 2,2% a.a.,

revela uma significativa mudança. Esses bons resultados foram gerados, principalmente,

pela demanda externa por commodities agrícolas, petróleo e derivados, além de veículos

automotores (BRASIL, 2010a). Atualmente, o PIB brasileiro registra valores em torno

de US$ 2,1 trilhões, superando em quase quatro vezes os números de 1995 (início do

período ora analisado), algo em torno de US$ 540 bilhões.

Na política externa, é possível perceber uma sensível mudança de orientação

entre as chamadas Era FHC e Era Lula. Se, no primeiro caso, houve forte inclinação

para uma ampliação das relações com os EUA e a Europa, no segundo, há uma

tendência à conformação de novas parcerias estratégicas de caráter multilateralista

(SOUZA NETO, 2011) com países emergentes e periféricos do macrossistema

capitalista planetário, em conformidade com o quadro de diversificação e

complexificação não só da economia brasileira, mas também do papel do país no

contexto internacional.

Tal modelo teve como objetivo final, a busca pela promoção, de um lado, de

certo protagonismo internacional do país e, por outra parte, da consolidação de novos

arranjos na geografia econômica planetária, dando contornos a uma dinâmica de

articulação Sul-Sul, pela qual o Brasil passou a atuar de modo mais ativo em regiões

antes negligenciadas desde um ponto de vista econômico e político, como a África, a

América Latina, o Sudeste Asiático e a China.

No que se refere ao desenvolvimento do turismo, o período é de consolidação do

setor como um importante componente de equilíbrio da balança comercial brasileira – o

que se pode dimensionar pelo aumento considerável na entrada de turistas estrangeiros

(Figura 16) – graças aos resultados obtidos a partir do planejamento do setor. Segundo

Trigo (2007), é possível explicar a expansão do lazer e do turismo no Brasil e a sua

melhora qualitativa a partir dos seguintes fatores:

investimentos públicos e privados na melhoria da infraestrutura de transportes;

ampliação e diversificação da rede hoteleira;

construção de novos centros de lazer e entretenimento;

Page 183: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

184

expansão dos cursos técnicos e superiores de Turismo em todo o país, com o

consequente aumento nos padrões de qualidade dos serviços;

abertura do mercado nacional para cruzeiros marítimos;

investimentos, nos mais diversos setores ligados ao turismo, pelos governos dos

estados nordestinos;

redimensionamento da gastronomia;

expansão do mercado editorial para obras técnicas e científicas sobre turismo.

Figura 16. Entrada de turistas estrangeiros no Brasil (1995-2011).

Fonte: Acervo da Embratur (2011).

Como se pode observar, graças aos fatores acima mencionados, o ingresso de

turistas estrangeiros cresceu em números absolutos e manteve a tendência ascendente,

com exceção para 2002, ano em que todos os destinos turísticos foram afetados pelas

consequências dos atentados às Torres Gêmeas (EUA) e, com leve queda, entre os anos

de 2006 e 2009, em decorrência do receio das epidemias de gripe, ambos os casos

abordados alhures.

Quanto aos estado da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, o período

consolidou a inserção dessas unidades federativas – através dos governos eleitos – na

“onda” neoliberal, a despeito das desvantagens que a opção por tal modelo político-

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

(Milhares)

1995 1995 1995 1995 1995 1995 1995 1995 1995

(Ano)

1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011

Page 184: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

185

econômico, na escala nacional, geraram para as regiões periféricas do país, entre as

quais o Nordeste. Sobre isto, Pessoti e Sampaio (2009, p. 38-39) afirmam:

As economias regionais menos desenvolvidas, que necessitavam de

uma presença mais expressiva por parte da União, através de políticas

públicas, foram prejudicadas pela adoção desse novo paradigma. A

capacidade menor em atrair capitais em relação ao eixo dinâmico da

economia brasileira, localizado no eixo Sul e Sudeste do país, tornava

a possibilidade de ocorrer um processo de involução industrial um

risco evidente para as regiões periféricas do Brasil

A “saída”, segundo os autores, foi a adoção, na virada dos séculos XX e XXI, da

guerra fiscal como estratégia para adoção de investimentos, algo bastante praticado,

principalmente por Bahia e Pernambuco, mas também, ainda que com resultados menos

expressivos, pelo Rio Grande do Norte.

Além disso, em princípios do período em exame, os governos estaduais

mencionados alhures, a exemplo do que ocorrera na esfera nacional, realizaram

programas de privatização de empresas estatais. Assim, em um acelerado processo que

ocorreu entre os anos de 1997 e 2000, importantes órgãos como a Coelba (Companhia

de Eletricidade da Bahia), Baneb (Banco do Estado da Bahia), Cosern (Companhia

Energética do Rio Grande do Norte), Bandepe (Banco do Estado de Pernambuco) e

Celpe (Companhia Energética de Pernambuco), por exemplo, foram vendidas à

iniciativa privada.

No caso da Cosern, inclusive, a sua venda visou, prioritariamente, gerar recursos

financeiros que foram alocados pelo governo norte-rio-grandense na construção de

obras referentes ao Prodetur/NE, entre as quais, a de ampliação do Aeroporto Augusto

Severo (COSTA, 2007).

Por outro lado, processos localizados de reestruturação territorial produtiva tem

gerado diversificação e complexificação de alguns setores da economia nordestina, tais

como agronegócio, indústrias diversas, turismo e serviços especializados, resultando na

conformação de novos espaços luminosos nos estados da região, incluindo-se Bahia,

Pernambuco e Rio Grande do Norte.

6.3.2 Agentes de produção do espaço

O período em exame é marcado pela consolidação do Estado (com a colaboração

de entidades supranacionais, como o BID, por exemplo) e dos agentes econômicos, em

aliança, como os principais responsáveis em dotar as localidades de Pipa, Porto de

Page 185: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

186

Galinhas e Praia do Forte das feições materiais e simbólicas que as transformaram em

territórios do turismo. Além disso, outros agentes passaram a atuar de modo cada vez

mais ativo em defesa de interesses mais focalizados, como as organizações de grupos

específicos, de classe e do Terceiro Setor, especialmente as associações patronais, de

trabalhadores e de moradores, as Ong (Organizações Não-governamentais), as Oscip

(Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), clusters18

, conselhos e câmaras

de turismo e a sociedade civil, cada vez menos homogênea.

Dada a quantidade e variedade de agentes que passam a atuar nos balneários

turísticos aqui abordados, é possível inferir o quão complexo se torna o quadro da

realidade naquelas localidades e, como consequência, a própria análise do papel

desempenhado por cada um na conformação múltipla e diversa de territorialidades.

A consolidação do turismo como principal viés da economia nas localidades em

exame ao longo do período anterior levou o Estado, em todas as suas esferas, a uma

ampliação dos investimentos em infraestrutura, urbanização turística e promoção dos

destinos, visando dotá-los de maior competitividade diante da concorrência que passou

a existir entre as três, consideradas os principais balneários do Nordeste brasileiro, e

entre essas e outras tantas que também despontavam como lugares de lazer e

entretenimento, como, por exemplo, Jericoacoara e Canoa Quebrada (CE), São Miguel

do Gostoso (RN), Itamaracá e Tamandaré (PE), Itacaré e Morro de São Paulo (BA).

Na sua condição de agente de produção do espaço, o Estado teve nas suas

representações que atuam em âmbito federal e estadual – nesta ordem – os principais

artífices das transformações acima mencionadas. O Governo Federal, proponente do

Prodetur/NE, foi responsável pela implementação e/ou recuperação da infraestrutura de

transportes e de saneamento ambiental, da capacitação profissional e da urbanização

turística nas localidades. Isto foi possível graças ao acordo firmado com o BID, que

repassou os recursos para execução das obras.

Tais ações foram articuladas com os governos estaduais, a quem coube tornar

possíveis as ações previstas no Prodetur/NE como executores das principais obras.

Além disso, os poderes executivos dos estados da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do

Norte atuaram também na implantação de ações menores e mais pontuais e na

18

Segundo Cunha e Cunha (2005, p. 5), citando M. Monfort, cluster turístico é o “(...) conjunto complexo

de diferentes elementos, entre os quais se encontram os serviços prestados por empresas ou negócios

turísticos (...); a riqueza que proporciona a experiência das férias de um turista; o encontro

multidimensional entre empresas e indústrias relacionadas; as infra-estruturas de comunicação e

transporte; as atividades complementares (...); os serviços de apoio (...); e os recursos naturais e as

políticas institucionais”.

Page 186: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

187

viabilização de recursos, a serem utilizados como contrapartida para as obras, o que

ocorreu, quase sempre, por meio da privatização de empresas públicas, fato já abordado

alhures.

Com isso, e como consequência da criação do Ministério do Turismo, em 2003,

as secretarias estaduais de turismo passaram a atuar com maior protagonismo, sendo

criadas, inclusive, pastas que antes eram vinculadas a outras secretarias. Nos três

estados focalizados nesta tese, assim como nos municípios, vale ressaltar, as secretarias

de turismo foram instituídas ou desmembradas de outras ainda na primeira década do

século XXI, com exceção da Secretaria Municipal de Turismo de Tibau do Sul, criada

em 1992 (ARAÚJO, 2002).

Quanto aos municípios, apesar da menor autonomia decisória em relação aos

projetos vinculados ao Prodetur/NE, também executam algumas ações em favor do

turismo, especialmente no que diz respeito ao apoio para a formação de conselhos

municipais/regionais de turismo, execução de obras/serviços de conservação dos

espaços públicos e leis de uso e ocupação do solo nas localidades, entre as quais os

planos diretores.

Em que pese todo o esforço do Estado em transformar as antigas nucleações em

balneários turísticos, tal meta não poderia ter sido cumprida sem a efetiva participação

da iniciativa privada nesse processo. Os agentes econômicos tiveram, assim, um papel

preponderante na consecução de ações que deram uma nova configuração aos

territórios, em especial, aqueles ligados aos setores turístico-hoteleiro (incluindo grupos

estrangeiros), ao mercado imobiliário e os empreendedores de menor porte, é dizer, os

lojistas, proprietários de bares e restaurantes, promotores de eventos, entre outros.

Em publicação recente, Muricy (2009, p. 17) afirma, ao tratar do caso específico

do Litoral Norte da Bahia, mas que serve para ilustrar certa similaridade com os

processos também em desenvolvimento nos litorais pernambucano e potiguar:

Na década de 2000, começam a convergir para essa porção do

território baiano grandes grupos estrangeiros, sobretudo portugueses e

espanhóis, numa estratégia adotada para a ampliação de mercado

diante da saturação e das exigências dos destinos europeus. Esses

empreendimentos trazem como novidade a conjugação da atividade

hoteleira com condomínios residenciais, uma nova tendência do

mercado turístico mundial (...).

Não por acaso, a afirmação de Muricy atribui aos empreendedores do ramo

hoteleiro um destaque como agentes de produção do espaço em uma porção litorânea do

Page 187: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

188

Nordeste brasileiro. A estratégia de territorialização do capital turístico-hoteleiro

narrada pela autora foi replicada em muitos dos destinos de Sol e Praia do litoral

setentrional do país e especialmente nas localidades aqui analisadas.

Nesse aspecto, Porto de Galinhas e Praia do Forte19

tiveram protagonismo em

relação à Pipa, posto que os megaempreendimentos hoteleiros mais antigos dos dois

primeiros destinos citados foram inaugurados em 2000, respectivamente, o Summerville

Beach Resort (Rede Pontes Hotéis e Resorts) e o Complexo de Sauípe20

, que agrega

cinco hotéis de categoria superior (das bandeiras SuperClubs, Marriot, Renaissance e

Costa do Sauípe) e outras seis pousadas temáticas. Em Pipa, o primeiro grande

empreendimento, o Pousada Girassóis Condomínio, pertencente ao Beltico Group, de

Portugal, foi inaugurado em 2004.

Além desses, são empreendimentos de destaque o Nannai Muro Alto Beach

Resort (inaugurado em 2002), o Parthenon Marulhos (2005; do Grupo Accor) e o Enotel

Resort Spa Porto de Galinhas (2006; do Grupo Enotel Hotels & Resorts), em Porto de

Galinhas; IberoStar Praia do Forte (2006; do grupo espanhol IberoStar Hotels &

Resorts), em Praia do Forte; Hotel Village Natureza Dunas Resort, Solar Pipa

Aparthotel (ambos em 2005) e Girassóis Lagoa Resort (2008).

Outros empreendimentos menores – de diversas categorias – completam a vasta

relação de meios de hospedagem, que registra quantitativos totais superiores a uma

centena em cada uma das localidades pesquisadas (MENDONÇA, RAPOSO e MELLO,

2004; MATA DE SÃO JOÃO, 2008; TIBAU DO SUL, 2008).

No ramos imobiliário, além da atuação dos grupos ligados ao setor de modo

strictu sensu, na última década, grupos do setor hoteleiro, notadamente os de bandeiras

estrangeiras, tem explorado tal filão de mercado a partir da abertura de condomínios

residenciais nas proximidades dos hotéis. Entre esses, vale o destaque para a já

mencionada Pousada Girassóis Condomínio e o Casas de Sauípe Grande Laguna

(2006), empreendimento da Odebrecht Construtora no Complexo Sauípe, com 100%

das vendas efetuadas antes da inauguração (MATA DE SÃO JOÃO, 2008).

Além dos setores turístico-hoteleiro e imobiliário, outros agentes que passaram a

ter grande importância na produção do espaços em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do

19

Como já fora comentado, o primeiro grande empreendimento turístico-hoteleiro de Praia do Forte foi

inaugurado em 1985, tendo sido adquirido pelo grupo português Espírito Santo, em 2006, quando passou

a se chamar Tivoli Ecoresort Praia do Forte. 20

O Complexo Sauípe e Praia do Forte formam as âncoras norte e sul, respectivamente, do Centro

Turístico Forte-Sauípe (PEREIRA, 2008).

Page 188: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

189

Forte, principalmente, a partir do final da década de 1990, foram os lojistas,

proprietários de bares, restaurantes e de casas de entretenimento, empreendimentos

comerciais cada vez mais presentes nos balneários, muitos deles, inclusive, migrantes de

origem europeia ou do Sul e Sudeste do país.

Além da óbvia aliança entre o Estado e os agentes econômicos, deflagrada com

o intuito precípuo de transformar as localidades em exame em territórios do turismo,

ambos os agentes fizeram convergir interesses através da criação de entidades ditas de

interesse coletivo, que contém, no seu corpo constitutivo, representantes de setores

públicos e privados e que, de certa forma, contribuem na gestão dos destinos turísticos.

Essas entidades são os conselhos, câmaras e clusters de turismo.

Entre 1999 e 2006, foram criadas muitas delas, em diferentes escalas de atuação,

tais como Conselho Municipal de Turismo de Mata de São João, Conselho Municipal

de Turismo de Tibau do Sul, Conselho Municipal de Turismo de Ipojuca, Grupo Gestor

dos 65 Destinos Indutores do Desenvolvimento Turístico de Tibau do Sul, Conselho de

Turismo do Polo Costa dos Arrecifes, Conselho de Turismo do Polo Costa das Dunas,

Conselho de Turismo do Polo Salvador e Entorno, Câmara de Turismo da Costa dos

Coqueiros e Cluster da Costa dos Coqueiros (BAHIA, s/d a; BRASIL, 2006;

SANTANA, 2009).

Outrossim, com vistas à criação de condições para resguardar interesses

específicos, diversos grupos de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte vem se

organizando através do associativismo. Tais grupos são desde membros das colônias de

pescadores a proprietários de empreendimentos ligados ao turismo, além da coletividade

de moradores.

Entre as associações patronais, de classe e de moradores, a quase absoluta

maioria foi criada entre a década de 2000 e a posterior, agregando entidades

representativas dos setores comercial (bares, restaurantes, hotéis, pousadas, etc.), de

trabalhadores (condutores de buggy, jangadeiros, guias de turismo, entre outros), além

de residentes (tanto da localidade, como de condomínios), que se organizam em defesa

de interesses próprios (BARROS JÚNIOR, 2002; SOUZA e PARAGUASSÚ, 2009).

Em Pipa, destacam-se a Asthep (Associação de Hoteleiros de Tibau do Sul e

Pipa) e Abrest (Associação de Bares e Restaurantes de Pipa), enquanto que, em Porto e

Galinhas, as mais proeminentes são AHPG (Associação de Hotéis de Porto de Galinhas,

a única criada no período precedente), APCIBuggy (Associação dos Proprietários de

Buggy do Município de Ipojuca) e a AJPG (Associação de Jangadeiros de Porto de

Page 189: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

190

Galinhas), ao passo que, em Mata de São João, as principais são a Turisforte

(Associação Comercial e Turística de Praia do Forte) e a Colônia de Pescadores Z-38.

Quanto às Ong e Oscip, há diversas, cada uma delas ligada, principalmente, à

promoção da Educação Ambiental, cidadania e inclusão social e direitos civis. Em todos

os casos analisados, a data de fundação enquadra-se no período ora analisado.

Em Pipa, as mais importantes nas categorias mencionadas são a Amapipa

(Associação de Moradores e Amigos da Praia da Pipa) e Educapipa (Associação

Educacional Comunitária do Município de Tibau do Sul) e NEP (Núcleo Ecológico de

Pipa); Em Porto de Galinhas, a principal entidade é a Ampass (Associação de

Moradores do Pantanal, Socó e Salinas); Em Praia do Forte, destacam-se a Tupinambá

(Associação de Moradores de Pau Grande, Barreiros e Adjacências), considerada

entidade de utilidade pública pela Prefeitura Municipal de Mata de São João em 2006

(Lei Municipal n. 260/2006), Acomea (Associação Comunitária de Educação

Ambiental) e ASPF (Associação de Surf de Praia do Forte).

Quanto à sociedade civil, que pode ser enquadrada como causa e consequência

de um sem-número dentre as transformações ocorridas nas dinâmicas territoriais dos

balneários, foi se tornando cada vez mais complexa e heterogênea e, por isso mesmo,

mais exigente de diferentes demandas, que incluem o atendimento a interesses

específicos de grupos como os moradores mais antigos e os novos moradores (entre os

quais se deve incluir estrangeiros e brasileiros de outros estados), os migrantes

temporários (proprietários de segundas residências e força de trabalho evocada nos

períodos de alta estação) e os turistas.

Sobre essa heterogeneidade sociocultural, Gusmão (1998, p. 3) assinala que “Na

rua principal de Pipa, av. Baía dos Golfinhos, o mosaico formado por tipos físicos de

todo o planeta – do nativo caboclo ao gringo de cabelo branco de sol e pele curtida a

duras penas – pode estar uma pista” das mudanças recentes; em anúncio promocional da

Prefeitura de Mata de São João (2008, p. 42), é possível ler que Praia do Forte “conta

com uma bucólica vila (...)”, onde “nativos, pescadores e artesãos convivem hoje com

turistas de todas as partes do mundo”; enquanto que Mendonça, Raposo e Mello (2004,

p. 79) afirmam que “Há diversidade social, sexual, econômica étnica, cultural e

gastronômica (...)”, o que impele Porto de Galinhas a “se tornar um balneário

cosmopolita”.

Apesar do cometimento de exageros por alguns autores ao superdimensionarem

a internacionalização dos destinos, e das tentativas de subestimar a heterogeneidade

Page 190: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

191

social constituída localmente (perceptível na menção ao “nativo caboclo” e aos

“pescadores e artesãos” como o todo das comunidades locais), há que se reconhecer um

entendimento da complexidade e diversidade que ora permeiam os grupos coexistentes

em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte.

6.3.3 Dinâmicas territoriais

O período entre os anos de 1994 e 2012 é o de mais expressivas transformações

nas dinâmicas territoriais de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte. Com a

consolidação do turismo como principal fonte de renda nas localidades, grandes

esforços foram carreados visando ampliar a capacidade de atração de turistas, bem

como dar maior visibilidade a tais destinos em um mercado cada vez mais seletivo e

competitivo.

Se, no período anterior, algumas mudanças já eram sentidas, neste, a

intensificação dos movimentos próprios das temporalidades aceleradas imprimiram

transformações cada vez mais rápidas e marcantes nos territórios, com as populações

locais passando a conviver com novas formas e conteúdos no espaço, cujas origens

eram, via de regra, exógenas. Assim, a incorporação de elementos materiais e

simbólicos advindos da “ordem técnica” e da “ordem social planetária” (SANTOS,

2002a, p. 331) impunha aos lugares outras lógicas de uso dos territórios, algo que nem

todos os nativos – como se autodenominam – foram capazes de absorver como parte de

suas próprias realidades.

Neste contexto, busca-se desvelar os principais aspectos relativos ao processo de

turistificação dos balneários a partir, principalmente, do Prodetur/NE, dando ênfase ao

exame das dinâmicas territoriais advindas das ações dos diversos agentes que atuam em

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte e que tem no mencionado programa

governamental a sua razão de ser.

Quanto à dinâmica populacional, é possível verificar na Figura 17 que o

crescimento da população é contínuo nos três municípios onde Pipa, Porto de Galinhas

e Praia do Forte estão localizados. O destaque, porém, é Ipojuca, cujo incremento entre

2000 e 2010 foi superior a 20 mil habitantes. Esse vertiginoso crescimento é explicado

pela mobilidade da força de trabalho, a partir de 2007, para execução de atividades

laborais na ampliação do Complexo Industrial e Portuário de Suape. Isto, inclusive, tem

promovido efeitos na dinâmica populacional de Porto de Galinhas, posto que muitos

operários chegados de outros estados tem sido alojados em pousadas do balneário,

Page 191: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

192

conforme relato de J.O., proprietário de pequeno estabelecimento comercial na Rua da

Esperança.

Figura 17. População total dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de São João (BA) e Tibau do Sul (RN), no período 1991-2010.

Fonte: Acervo do IBGE (2012).

Em Mata de São João, ainda que o acréscimo populacional seja menos intenso

que em Ipojuca, tem ocorrido um fenômeno demográfico cuja causa é o turismo.

Conforme apontado por Pereira (2008), a densidade demográfica da porção leste do

município, onde está localizada a sede, é de 4,4 hab./km2, enquanto que na banda oeste

(litorânea), o adensamento populacional é de 21,9 hab./km2.

Isto decorre do estabelecimento recente de fluxos migratórios para as localidades

próximas à Praia do Forte, como Açu da Torre, Açuzinho, Malhada, Pau Grande,

Barreiro e Campinas, que acolhem os trabalhadores temporários e fixos, além de antigos

moradores do balneário, impossibilitados de viverem na “Polinésia Brasileira” pelos

altos custos de moradia e pelas restrições de uso e ocupação do espaço urbano impostas

pelo mercado e pela FGD, como se verá mais adiante.

Em se tratando especificamente da Praia da Pipa, em meados da década de 1990,

a localidade já era um destino turístico em franco processo de consolidação, graças ao

vertiginoso aumento da demanda por visitação, tanto no Brasil, quanto em alguns países

da Europa. Isto, por sua vez, se refletia na própria transformação do povoado, fruto do

0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000

Ipojuca

Mata de São João

Tibau do Sul

Ipojuca

Mata de São João

Tibau do Sul

Ipojuca

Mata de São João

Tibau do Sul

19

91

20

00

20

10

Page 192: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

193

crescimento desordenado de atividades de apoio à prática turística, cujos agentes

imprimiam as marcas de uma nova dinâmica no território.

Ainda nos anos finais da década de 1990, com a crescente exposição da Praia da

Pipa como destino turístico, os agentes econômicos ligados ao turismo passaram a

“assediar” o lugar visando realizar a implantação de muitos empreendimentos de porte

mais robusto na localidade. Contudo, a exemplo do que ocorrera em Praia do Forte, no

imbróglio que envolveu o Iberostar Hotels & Resorts, houve forte pressão para a

flexibilização das leis ambientais. Um exemplo é o ofício n. 050, datado de 25 de

janeiro de 200021

, encaminhado pela ASHTEP ao então Governador Garibaldi Alves

Filho, no qual a associação solicita a sua interferência junto ao Idema (Instituto de

Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte) para agilizar a

liberação de projetos hoteleiros e residenciais.

O crescimento desordenado de atividades de apoio à prática turística nas vias

principais de Pipa exigiu medidas por parte do governo municipal, como a decretação

da Lei Municipal n. 255/2001, que dispõe sobre edificações de imóveis residenciais,

comerciais e industriais na localidade. Tal ato não surtiu efeito, posto que houvesse

grande expansão do comércio e dos serviços, especialmente na Avenida Baía dos

Golfinhos, antiga Rua de Cima.

Segundo Gonçalves (2010, p. 32), “(...) o crescimento desordenado gerado pelo

turismo e a vinda de outsiders pela [sic] localidade, acarretou em Pipa, a expulsão dos

moradores da rua de Cima e da rua de Baixo para o interior da mata”. Assim, a inserção

de novas lógicas, que dão amparo ao turismo, atraíram considerável contingente de

migrantes, ao tempo em que provocou um processo de (des-re)territorialização da

população local.

Segundo estudo realizado por Araújo (2002), no início do século XXI, dentre os

proprietários de vinte estabelecimentos comerciais dos ramos hoteleiro, de alimentos e

bebidas e serviços de apoio ao turismo, apenas um era nascido em Pipa e um segundo

era potiguar, mas de Natal, enquanto nove eram oriundos de países como Alemanha,

Argentina, França e Portugal, e o restante, originários de outros estados do Brasil.

Tal constatação revela, por um lado, algumas características relativas à

mobilidade populacional que se intensificou entre o final do século XX e início do

21

Acesso ao documento em visita ao arquivo da Secretaria de Turismo do Rio Grande do Norte, em 06 de

março de 2012.

Page 193: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

194

seguinte, e, por outra parte, denota o caráter perverso e excludente do modelo de

dominação do território pelo turismo.

Sobre o processo de (des-re)territorialização dos membros da comunidade local

que, até então, viviam na Rua de Cima e na Rua de Baixo, Trindade (2009, p. 105)

destaca que

Com a metamorfose do vilarejo em paraíso turístico [sic], deu-se um

processo de ocupação desordenado, pois, após vender suas

propriedades, os moradores de Pipa apossavam-se de outros espaços,

cada vez mais em direção à área antes destinada às roças.

Em outro escrito, um EIA (Estudo de Impacto Ambiental) elaborado pela

empresa Pipa Incorporações e Construções Ltda. (2009, p. 5.135), vale destacar, com a

finalidade de construção de um condomínio residencial, é feita a seguinte observação:

Verifica-se que o distrito de Pipa sofreu mudanças significativas nas

formas de uso e ocupação do solo. As casas dos pescadores foram

transformando-se em bares, pousadas e restaurantes variando entre um

e dois pavimentos, chegando a três ou até quatro em alguns casos.

Com a expansão da cidadde [sic] houve uma mudança na vida dos

moradores do lugar, como também na atividade econômica, que

passou a voltar-se diretamente para os serviços turísticos.

Outro fenômeno que tem produzido significativas transformações na dinâmica

territorial local é a especulação imobiliária. Se, ao longo da década de 1990, a demanda

por imóveis esteve concentrada na Avenida Baía dos Golfinhos, Rua Beira Mar e

adjacências, para atendimento, prioritariamente, dos interesses advindos do setor

terciário, nos decênios seguintes, tem se consolidado um processo de expansão da

construção de condomínios fechados, alguns deles, inclusive, sobre as falésias.

Além de A. Gomes (1998) e Araújo (2002), que apontaram a ocorrência de

impactos gerados pela especulação imobiliária, mais recentemente, Simonetti (2012, p.

216), fez um relato no qual fica patente a persistência desse tipo de problema em Pipa.

Segundo o autor,

O morro principal conhecido como Morro de Vicência Castelo, cartão

postal da Pipa, vem sendo agredido de diversas formas. Construções

irregulares ponteiam a parte mais visível do morro, que está virando

uma verdadeira Rocinha, pela aglomeração desordenada de casas que

se penduram em suas frágeis areias.

(...)

Com uma fiscalização praticamente inexistente, a falta de atenção

estimula a multiplicação das construções clandestinas, ao velho estilo

“se colar, colou”.

Page 194: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

195

À noite, quem passeia pela beira da praia pode ver, dentro do morro,

pontos de luz onde a escuridão da mata denuncia que ali tem uma casa

já construída ou em construção.

Entre o início e o meado da década de 2000, Pipa foi contemplada com obras de

urbanização turística realizadas com recursos do Prodetur/NE. Dentre as principais

ações, foram executadas obras de pavimentação da Avenida Baía dos Golfinhos com

paralelepípedos, esgotamento sanitário, melhorias no fornecimento de água e energia

elétrica, além da recuperação da via que liga Tibau do Sul ao povoado.

O período ora analisado marca também o ocaso de duas importantes tradições de

Pipa: segundo Simonetti (Idem), em 1998, o último curral de peixes22

, localizado na

Praia do Canto, foi demolido, ao passo que, no início desta década, o derradeiro

estaleiro do local foi transferido para Tibau do Sul, dando fim à tradicional prática da

construção de barcos.

Por outro lado, recentemente, novas práticas passam a vigorar no balneário,

como as festas de Reveillon, carnaval e Semana Santa, que, apesar dos problemas que

proporcionam para os moradores, adquirirem status de tradição local. Segundo o autor

anteriormente citado, esses feriados prolongados geram grandes fluxos de turistas para

Pipa, na sua maioria, instalados em casas alugadas especificamente para curto período

de estadia. Nesses casos, “Os inquilinos temporários, (...), estavam ali somente para se

divertir, o que significava muita bebida, algazarra e o pior: o som de grande potência

ligado na maior altura” (Ibdem, p. 225).

Ainda como parte dos esforços de ordenamento do território de Tibau do Sul, no

ano de 2008, Pipa se tornou o único distrito regulamentado, conforme Lei Municipal n.

379/2008. Isso permitiu maior sistematização das políticas públicas, especialmente

aquelas que, direta ou indiretamente, beneficiassem o desenvolvimento da prática

turística, como no caso do anel viário do povoado, cujas obras foram iniciadas em 2009

(conforme informativo da Prefeitura Municipal de Tibau do Sul).

Em se tratando das iniciativas de preservação ambiental, no final do século XX,

foi criada a APA Bonfim-Guaraíras (Decreto Estadual n. 14.369/1999), que abrange

terras de Tibau do Sul e outros cinco municípios do litoral oriental norte-rio-grandense.

Sete anos depois, foi instituído o Parque Estadual Mata da Pipa (Decreto Estadual n.

22

Os chamados currais de peixes são armadilhas fixas, de origem portuguesa, elaboradas com madeiras,

esteiras, cintas de cipó e varas, que são colocadas preferencialmente em trechos de praia com águas rasas

e pouco agitadas, formando grandes estruturas utilizadas para a captura de peixes, como o próprio nome

permite inferir (SIMONETTI, 2012).

Page 195: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

196

19.341/2006), através do desmembramento de área que pertencia à APA anteriormente

identificada.

Na atualidade, a Praia da Pipa concentra diversos empreendimentos hoteleiros e

turístico-imobiliários, muitos dos quais edificados, neste último caso, com o propósito

maior de atender à demanda estrangeira, formada especialmente por portugueses,

espanhóis, italianos e escandinavos. Além disso, como centro de entretenimento, o

povoado possui duas galerias comerciais, denominadas Shopping Oratapiry e Pipa Praia

Shopping, outras duas boates, diversas lojas de artigos de vestuário, perfumaria,

souvenirs e artesanato, restaurantes de comida regional, brasileira e internacional, bares,

cafés e sorveterias, a maioria localizada ao longo da Avenida Baía dos Golfinhos e

adjacências.

No que tange a Porto de Galinhas, em meados da década de 1990, a vila já se

tornara o principal destino de Sol e Praia de Pernambuco, ainda que a carência de

infraestrutura fosse um dos aspectos mais preocupantes para o trade local desde a crise

do cólera, ocorrida alguns anos antes. Relatório elaborado pela então CPRH

(Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos) aponta alguns problemas decorrentes

da inserção de novas formas de uso e ocupação do solo, entre as quais construções

irregulares e privatização dos espaços públicos, obstrução parcial ou total do acesso à

praia, precariedade no abastecimento de água, no esgotamento sanitário, dos acessos

viários, além da coleta de lixo irregular (PERNAMBUCO, 1999).

Nada disso, porém, diminuiu o ímpeto expansionista do turismo. Motivado pela

escolha de Porto de Galinhas como destino turístico oficial da administradora de cartões

de crédito American Express Card e pelo início das ações relativas ao Plano Nacional

de Municipalização do Turismo naquele centro urbano, ambos em 1996 (MENDONÇA,

RAPOSO e MELLO, 2004), o então prefeito de Ipojuca, Carlos Santana, realizou

viagem oficial a Cancún, em 1998, com o intuito de replicar no balneário algumas das

ações de sucesso empreendidas na cidade mexicana (BARROS JÚNIOR, 2002), o que

denota o interesse pela introdução de uma dinâmica territorial amplamente baseada no

turismo.

Por outro lado, a metade do referido decênio marcou o início da expansão

hoteleira em direção à Praia de Muro Alto, mais ao norte da vila e até então pouco

adensada no que se refere à construção de meios de hospedagem. Em 1994, foi

inaugurado o Marupiara Hotel Porto de Galinhas, o precursor de empreendimentos

Page 196: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

197

como o Flat Marulhos Residence e o Parthenon Marulhos (MENDONÇA, RAPOSO e

MELLO, 2004). Ainda sobre tal expansão, França (2007, p. 105-106) afirma:

O primeiro loteamento destinado a [sic] construção de resorts e flats

data de 1999 e introduz um tipo de alojamento em evidência em outras

destinações turísticas brasileiras, que caracteriza-se por ser como

“ilhas’ de lazer direcionadas a uma clientela de alto poder aquisitivo.

Com o passar dos anos, outros empreendimentos turístico-hoteleiros e turístico-

imobiliários foram erguidos no novo vetor de expansão, ao norte. Conforme apontado

por Lima (2006), tal fato contribuiu para a formação de dois eixos de concentração de

equipamentos de apoio ao turismo: Porto de Galinhas-Maracaípe, que, na época da

pesquisa realizada pela autora, concentrava cerca de 74% dos empreendimentos, e

Cupe-Muro Alto, onde estavam localizados outros 12%.

Naquele momento, as iniciativas relacionadas ao desenvolvimento do turismo

em Porto de Galinhas se atinham às ações da iniciativa privada e algumas pontuais que

tinham no Estado o seu agente. Por outro lado, na medida em que, ainda no período

antecedente, consolidava-se o processo de desterritorialização da população pré-

existente da vila, desencadeado pela substituição paulatina das antigas residências por

empreendimentos de apoio ao turismo, outra zona de expansão tomava forma,

abrigando, neste caso, essas pessoas em movimento, além dos migrantes que se

constituíam em força de trabalho não especializada.

Áreas extensas das localidades de Socó, Pantanal e Salinas, que surgiram sobre

os manguezais a oeste da vila de Porto de Galinhas e contíguas a esta, foram ocupadas,

conformando dois setores distintos: uma parte regularizada e com certo ordenamento

urbanístico, e uma outra, resultante de invasões, exibindo características de extrema

precariedade em infraestrutura. Assim, rapidamente as localidades consolidaram-se

como locus de moradia das populações mais pobres, antigos pescadores e camponeses

autóctones, migrantes, entre outros, adquirindo características de bairros precários

(BARROS JÚNIOR, 2002; ANJOS, 2005).

Ao caracterizarem o Socó, primeiro dos bairros periféricos de Porto de Galinhas,

Mendonça, Raposo e Mello (2004, p. 189) afirmam:

Nele, reside grande parte da população economicamente ativa da

região, a maioria trabalha como jangadeiro, comerciante, ambulante,

kombeiro, bugueiro e como domésticas que prestam serviço em casas

de famílias em Porto de Galinhas.

Grande parte foi inclusive deslocada de suas casas originais, mais a

beira da praia, por irresistíveis propostas de venda feitas por novos

empresários. Muitos deles aproveitam a inocência e a boa fé dos

Page 197: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

198

nativos para promover uma verdadeira especulação imobiliária,

comprando dos residentes locais suas casas no intuito de revender o

terreno (...).

A partir do início do século XXI, Porto de Galinhas foi contemplada com

importantes investimentos que permitiram a realização de ações que constavam no

Plano Diretor do Turismo do Ipojuca e no Projeto de Requalificação Urbana do Estado

de Pernambuco (ambos de 2003), especialmente no seu subprojeto intitulado Porto

Melhor, que previam a construção de novo acesso viário, terminal de ônibus

intermunicipal, postos de saúde, postos de informações turísticas, parque ecológico,

ciclovia, estacionamento e paisagismo (LIMA, 2006).

Com recursos do Prodetur/NE e por meio de uma parceria entre o Governo de

Pernambuco, através da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, e da Prefeitura

Municipal do Ipojuca, foram realizadas as obras da etapa 1 do subprojeto Porto Melhor.

Assim, a partir de 2005, ao longo da Rua da Esperança e na Praça das Piscinas Naturais

(transformadas em vias exclusivas para pedestres), Porto de Galinhas passou a ter

drenagem de águas pluviais, implantação de rede elétrica, com fiação subterrânea,

paisagismo e nova pavimentação. As demais obras foram executadas em um lapso de

cinco anos, com recursos provenientes do Prodetur/NE II (opus cit.).

Após alguns protestos e reivindicações de comerciantes e hoteleiros locais, a

Prefeitura Municipal do Ipojuca intercedeu em favor de tais agentes econômicos, ao

lançar medidas de disciplinamento do uso de barracas na Rua da Esperança, problema

que vinha gerando intensos conflitos entre comerciantes e ambulantes. Em 2003, ainda

como parte das ações governamentais voltadas para o atendimento de demandas dos

agentes econômicos que atuam em Porto de Galinhas, foi implantada, na rodovia PE-09,

uma espécie de barreira policial denominada Núcleo Integrado de Segurança

Comunitária (ANJOS, 2005).

No entanto, todo esse conjunto de ações não foi capaz de debelar os problemas

mais sérios vivenciados pela população, empresários e frequentadores. Enquanto França

(2007) aponta para o congestionamento de pessoas e veículos no balneário, Araújo e

outros (2007), em estudo sobre a ocupação urbana das praias do estado de Pernambuco,

identificaram problemas críticos em diversas localidades do Setor Sul da zona costeira

pernambucana, destacando, entre outras, Porto de Galinhas como uma dentre as que

apresentavam pior desempenho, em função da ocupação irregular, em especial algumas

edificações voltadas para o turismo.

Page 198: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

199

Recentemente, em 2011, foram concluídas obras públicas em algumas das

principais avenidas do sistema viário de Socó, Pantanal e Salinas, com implantação de

arruamento, rotatória e aplicação de asfalto em determinados trechos. Segundo J.R.,

aposentado, nascido em Porto de Galinhas e residente no Pantanal, após a tomada de

tais medidas, tem crescido o número de pessoas em busca de moradias no local para

aluguel por temporada. Para ele, o “embelezamento” das vias principais teria aumentado

a sensação de segurança da parte de turistas e veranistas em relação ao bairro.

No entanto, contradizendo o discurso anterior, A.R., irmão de J.R., afirma que,

após a fixação de trabalhadores do Complexo de Suape nos bairros do Socó e Pantanal,

principalmente, tem aumentado de forma considerável o número de ocorrências

policiais com envolvimento desses novos moradores e antigos residentes. Ainda

segundo A.R., isto decorre, na maioria das vezes, de casos de assédio dos trabalhadores

às mulheres dos bairros citados e/ou de brigas resultantes do consumo excessivo de

bebidas alcoólicas por parte dos envolvidos.

Este é um aspecto novo da dinâmica territorial de Porto de Galinhas, ainda

negligenciado, que, apesar de não ter vinculação direta com o turismo, certamente trará

implicações à imagem do destino Porto de Galinhas.

Quanto as ações de preservação ambiental, a exemplo de Pipa e Praia do Forte,

houve grande interesse em vincular o Litoral Sul pernambucano, de forma mais ampla,

e o destino turístico Porto de Galinhas, especificamente, a uma retórica ecológica. Por

conta disso, no período, foram criadas a APA de Guadalupe (Decreto Estadual n.

19.635/1997), que, apesar de não agregar áreas do município de Ipojuca, contribuiu para

alavancar propostas ditas ecoturísticas em toda a porção litorânea meridional, a APA

Sirinhaém (Decreto Estadual 21.229/1998) e a RPPN Nossa Senhora do Outeiro de

Maracaípe (Portaria 58, Diário Oficial da União de 27 de setembro de 2000).

No que se refere à estrutura de apoio ao turismo, nos dias de hoje, em Porto de

Galinhas há cerca de 110 meios de hospedagens, desde resorts de padrão internacional a

albergues, grande variedade de empreendimentos comerciais de apoio à prática turística,

especialmente na Rua da Esperança e cercanias, uma agência bancária, uma casa de

câmbio e agências de receptivo, com oferta de atividades de esportes de aventura e

passeios. Além disso, a vila é considerada um dos mais importantes polos

gastronômicos do estado de Pernambuco, com restaurantes dedicados à culinária

internacional, brasileira e regional, cafés, bares, cachaçarias e boate (baseado em

entrevistas e observação).

Page 199: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

200

Contudo, a área central da vila, onde se pode verificar relativa

verticalização dos imóveis e considerável adensamento de empreendimentos, atividades

e pessoas em praticamente todas as horas do dia, não reflete a realidade de toda Praia do

Forte, já que, por um lado, os hotéis e resorts do vetor norte de expansão – Muro Alto,

Cupe e Gamboa – permitem aos seus usuários todo o conforto, segurança e

tranquilidade que essa modalidade de confinamento territorial (YÁZIGI, 1999) pode

permitir, por outra parte, na periferia formada por Socó, Pantanal e Salinas, a população

convive com problemas relativos à precariedade da infraestrutura.

No que diz respeito à Praia do forte, quando do lançamento do Prodetur/BA, no

início da década de 1990 (antes, portanto, do período em exame), o zoneamento contido

no documento-base do Programa previa que a vila deveria se tornar um Centro Turístico

(em conformidade com o paradigma mexicano de planejamento), para que, naquele

lugar, fossem geradas oportunidades de consumo, diversão e intercâmbio cultural, além

de permitir à população local condições para o desenvolvimento de pequenos

empreendimentos turístico-hoteleiros e comerciais (SANTOS, 2011).

De fato, graças à atuação combinada do Estado e de agentes econômicos

hegemônicos dos setores turístico e hoteleiro, a primeira parte das metas traçadas

naquele documento foi cumprida, posto que Praia do Forte tenha se transformado em

um dos principais destinos para o turismo de Sol e Praia da Bahia ainda no transcorrer

da década de 1990.

O mesmo não se pode afirmar, porém, quanto ao protagonismo de indivíduos ou

grupos componentes da população local como empreendedores. Na mesma velocidade

em que os hotéis, pousadas, lojas, bares e restaurantes se instalavam na localidade,

migrantes estrangeiros, de outros estados e municípios se fixavam no balneário, quase

sempre na condição de proprietários ou funcionários especializados dos novos

estabelecimentos que surgiam.

As transformações na dinâmica territorial de Praia do Forte decorrentes da sua

turistificação e a inclusão precária dos moradores locais na nova economia emergente já

podiam ser notadas na segunda metade da década de 1990, como descreve Sobrinho

(1998, p. 47), mencionando, ainda, uma citação de R. Lorenzo:

A atual organização sócio-espacial da vila foi descrita por LORENZO

(1996, p. 87) “(...) a maioria da população nativa mora na Alameda da

Lua, antiga rua Detrás, situada ao lado esquerdo da rua do Meio.

Nessa rua são poucos os estabelecimentos comerciais de pessoas de

fora, havendo algumas barracas feitas de madeira, e sendo comum a

comercialização, nas janelas e portas das casas, de cocadas e doces

Page 200: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

201

típicos do lugar, ou de mingaus, bolos e vários tipos de cuscuz, para o

café da manhã”.

Na rua da Aurora, pode-se observar um número significativo de

moradores naturais de Praia do Forte, ao lado de muitas casas

comerciais de propriedade de pessoas de fora. Pousadas de padrão

médio, um apart hotel, lojas de artesanato, boutiques, dentre outros,

dividem o espaço da rua com as casas dos nativos. Afastados do

centro da vila, há condomínios residenciais, ocupados,

exclusivamente, por moradores não nativos, que se distinguem pela

elevada estratificação social.

A descrição, elucidativa ao extremo, dá pistas para o entendimento das novas

territorialidades que, então, começavam a serem esboçadas: a expansão da atividade

comercial a partir das vias principais da vila e as tentativas de inserção da população

nativa na economia do turismo; por outro lado, o surgimento dos condomínios como

garantia de autossegregação dos grupos sociais mais abastados que passaram a viver na

vila.

Ainda conforme a citação acima, no início do período ora analisado, havia, entre

os ditos nativos, uma estratégia de construção de barracas para venda de produtos, o que

contrariava as rígidas determinações urbanísticas impostas pela Fundação Garcia

D’Ávila. Tal iniciativa era comum nas ruas onde vigoravam as atividades próprias do

circuito inferior da economia relatadas acima, mas também nas praias. Tal estratégia,

aliás, foi responsável pela deflagração de um dos conflitos mais impactantes e explícitos

que ocorreu entre moradores locais e dois dos agentes hegemônicos irmanados, ou seja,

a Prefeitura Municipal de Mata de São João e a FGD.

Segundo reportagem do Jornal A Tarde, datada de 3 de maio de 1997 (p. 2),

dezenas de seguranças do então Hotel Resort Praia do Forte, portando armas de grosso

calibre, destruíram as barracas localizadas no trecho mais próximo à vila, agrediram e

ameaçaram de morte os seus proprietários. Ainda de acordo com a reportagem, os atos

violentos teriam sido ordenados pela então prefeita do município, Márcia Carneiro Dias,

por conta da recusa dos proprietários em aceitar os termos de um projeto de

padronização das barracas, a ser elaborado pela Conder.

Em 2002, foram concluídos os trabalhos relativos à primeira etapa da

urbanização turística da Vila dos Pescadores23

, uma das obras previstas no Prodetur/NE

para a zona turística então denominada Costa dos Coqueiros. Desta forma, realizou-se o

ordenamento da via principal – Rua Alameda do Sol – com retirada ou realocação de

23

Topônimo também utilizado para designar a nucleação central do povoado de Praia do Forte.

Page 201: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

202

barracas, implantação de revestimento com bloquetes e paisagismo nos canteiros

centrais (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DA BAHIA, 2004).

Além disso, foram realizadas as primeiras obras de saneamento ambiental, com

canalização das águas pluviais e implantação de esgotamento sanitário, implantação de

energia elétrica, com posteação e redes subterrâneas, bloqueio do acesso de veículos

automores e reformas pontuais de imóveis, seguindo as especificações da FGD.

A segunda etapa das obras, com ampliação das ações de urbanização turística e

paisagismo para as demais ruas da vila, aconteceu com recursos provenientes do

Prodetur/NE II.

As transformações advindas da urbanização turística não se limitaram à estética

do lugar. Mais que isto, a nova configuração paisagística é parte de uma estratégia de

dotar os espaços mais intensamente apropriados pelos turistas em cenário e centro de

comércio e serviços, o que, por sua vez, impõe novos arranjos na dinâmica territorial do

lugar. Em dois trechos da sua dissertação, Pereira (2008, p. 182-183) expõe o caráter

das mudanças em curso: “A substituição de usos na vila foi radical a partir do ano 2002

quando foi implantada a urbanização de Praia do Forte. De uso predominantemente

habitacional passa a comercial e de serviços, alterando o caráter da vila (...)”.

Anteriormente, a autora comentara:

A riqueza gerada pelas novas atividades econômicas se constrói com

graves mudanças de práticas sócio-espaciais, inclusive inviabilizando

o acesso aos meios de produção e de comercialização, com alteração

dos circuitos de deslocamentos, exigindo o reordenamento de

atividades, na pesca, na mariscagem, no comércio de coco-da-bahia,

no comércio informal (opus cit., p. 159).

Atualmente, a vila, segundo a autora, “(...) dentre as que se situam no lado leste

da Rodovia [BA-099] é a que tem estrutura urbana mais desenvolvida com um conjunto

de arruamentos no núcleo central e loteamentos contíguos (...)”. Além disso,

atualmente, Praia do Forte possui uma considerável diversidade de empreendimentos

turístico-hoteleiros, comerciais e de serviços, muitos dos quais absolutamente incomuns

fora do contexto das grandes cidades. Tal exuberância, vale mencionar, é causa e

consequência do processo acelerado de ocupação do balneário.

O mesmo não se pode afirmar, porém, das nucleações localizadas na margem

ocidental da Linha Verde, carentes de grande parte da infraestrutura básica. Diferentes

de Praia do Forte, há grande carência em nucleações como Açu da Torre, Malhadas e

Campinas, além dos loteamentos Malhados e Açuzinho, os dois últimos edificados sob

Page 202: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

203

ordem da FGD com o intuito de conter a pressão demográfica sobre o balneário,

especialmente por parte dos migrantes que formam contingentes de trabalhadores não

especializados, despossuídos, portanto, de renda para adquirir imóveis na Vila dos

Pescadores (SOBRINHO, 1998; MURICY e SANTOS, 2009).

Tal iniciativa, aliada à indisponibilidade de terrenos, foi fundamental para a não

ocorrência de processos de favelização no entorno da vila, algo comum no lado oeste da

BA-099, onde, segundo Alves (2009), está concentrada a força de trabalho que realiza

as atividades de atendentes de bares e lanchonetes, serviços da pequena construção civil,

serviços domésticos, além de outros não especializados.

Quanto às ações de turistificação promovidas pelo capital privado, conforme

planejamento elaborado ainda na década de 1980, a dominação do frontispício litorâneo

de Praia do Forte pelo setor turístico-hoteleiro consolidou-se com a já citada

inauguração, em 2006, do Iberostar Praia do Forte Golf & Spa, um

megaempreedimento, de capital espanhol, localizado ao norte da vila, zona que se

tornou também um vetor de expansão para condomínios fechados.

Vale salientar que a construção desse meio de hospedagem – ao menos na etapa

subsequente – foi envolvida em algumas controvérsias, principalmente no que concerne

às licenças ambientais e às contrapartidas estabelecidas entre a multinacional espanhola

e o Estado brasileiro, nas suas esferas estadual e municipal. Após acertos com tais

instâncias de governo e a celebração de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) que

teve o Projeto Tamar como beneficiário, o Grupo Iberostar retomou os planos originais

relativos à sua territorialização no Litoral Norte baiano.

Quanto aos condomínios e loteamentos de médio e alto padrões, tais modelos de

habitação passaram a proliferar nas zonas contíguas à vila principalmente após a

conclusão das obras de urbanização turística, ainda que algumas delas tenham sido

construídas no período precedente. Segundo Pereira (2008), as construções tem aspecto

de residências urbanas adequadas às dimensões médias dos lotes, que são de 450m2.

No que tange ao cumprimento de ações de preservação do meio ambiente

local/regional, algo fundamental na consolidação da retórica do destino turístico dito

sustentável, em 1995, foi apresentado o ZEE da APA Litoral Norte, que definiu Praia do

Forte como Zona Turística Especial e Zona de Urbanização Prioritária (BAHIA, 1995),

sem restrições ao modelo de urbanização que viria a ser implantado anos mais tarde. Em

2001, foi criado o Instituto Baleia Jubarte, com sede na vila, cujo objetivo precípuo é

estudar e proteger essa espécie de mamífero marinho (MATA DE SÃO JOÃO, 2008).

Page 203: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

204

Atualmente, em Praia do Forte, existe quase uma centena de meios de

hospedagens, entre resorts, pousadas, albergues e campings, cerca de quarenta e cinco

empreendimentos do segmento de Alimentos e Bebidas (restaurantes, bares, cafés,

creperias e sorveterias), diversas lojas de artigos de vestuário, algumas de marcas

internacionais, perfumaria, artesanato e souvenirs, joalherias, além de shopping center,

mercados, agências de receptivo turístico, seis caixas eletrônicos, um hospital de

pequeno porte, dois postos de saúde e uma escola de ensino básico (baseado em

entrevistas e observações).

Em que pese todo essa aparente sofisticação, a realidade da nucleação é marcada

por situações de conflito, como as que foram evidenciadas alhures, e problemas

causados pela reestruturação territorial produtiva baseada no turismo que expõem uma

face do processo de territorialização desenvolvido em Praia do Forte que em quase nada

se assemelha às impressões expostas por Albán (2008, p. 18), para quem o balneário é

uma “exceção não generalizável” de desenvolvimento turístico sustentável.

6.3.4 Síntese comparativa do período

Uma análise sintética e assentada em uma abordagem comparativa das

dinâmicas territoriais de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte no período entre 1994

e 2012 permite perceber que a ampliação de ações voltadas à turistificação dos centros

urbanos, com base em práticas (neo/pós)fordistas de produção e consumo do espaço, as

tornou mais complexas desde as perspectivas política, econômica, social e cultural, o

que resultou no surgimento de novas formas de territorialização, muitas delas

conflitando com as antigas.

Ao longo do período, sob a “batuta” do Estado e dos investidores, dois agentes

em atuação harmônica, o turismo se impôs como a atividade econômica que preside o

quadro da realidade nos três balneários, notadamente por meio da cooptação de grande

parte da população local, que abandonou afazeres tradicionais, passados de geração em

geração e que, de certo modo, davam um acento de singularidade às nucleações

examinadas, em favor da participação em um novo mercado de trabalho, com ritmos,

modelos e tarefas firmados a partir de lógicas estranhas ao lugar.

Além disso, diante do interesse em consolidar o processo de reestruturação

territorial produtiva, ao invés de manterem aspectos que denotavam a identidade de

cada um dos balneários, o Estado e os agentes econômicos promoveram ajustes

espaciais (HARVEY, 1996) que transformaram Pipa, Porto de Galinhas e Praia do

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205

Forte, ao menos em suas áreas centrais, em verdadeiros shopping centers, obscurecendo

qualquer lembrança daquelas que um dia foram vilas de pescadores. Assim, novas

formas de produção simbólica e material emergem desse processo,

(...) introduzindo, por um lado, ideias, valores, crenças, além de uma

nova ordem moral, e uma gama de objetos “alienígenas” na paisagem,

de outro todos articulados e articuladores do lugar com o mundo,

ainda que forma extremamente seletiva e segregária (BRANDÃO,

2009b, p. 104).

Em que pese a condição de serem concorrentes em um mesmo mercado, os

lugares diferenciam-se cada vez menos em seus atributos espaciais. Seja por efeito

demonstração ou pela força das técnicas impostas pelos agentes hegemônicos que

promovem o turismo, o fato é que, no período, as ações vão se tornando cada vez mais

convergentes, em especial (mas não somente), a partir, primeiro, da consolidação da

prática turística como principal atividade econômica e da intensa mobilidade

populacional e do capital daí advindas e, em seguida, da efetivação dos projetos de

urbanização turística previstos no Prodetur/NE para os balneários de Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte.

Nas localidades supra citadas, a totalidade da população está lidando, assim,

com dois processos tratados por Milton Santos, na sua obra A natureza do espaço

(2002a): a unicidade técnica e a convergência dos momentos.

Segundo o autor supramencionado, ao longo da história, o intercâmbio desigual

de técnicas entre os grupos tem imposto a uns (hegemonizados) os meios instrumentais

e sociais de outros (hegemônicos). Assim:

Entre aceitação dócil ou reticente, entre imposição brutal ou

dissimulada, a escolha é, entretanto, inevitável. É assim que conjuntos

inteiros ou pedaços de técnicas se incorporam a outros pedaços

mudando-lhes os antigos equilíbrios e acrescentando elementos

externos às histórias até então autônomas (Idem, p. 190).

Com isso, a quantidade de técnicas se reduz, tornando os lugares nos quais são

introduzidas tendentes a uma unificação (algo próprio da natureza do capitalismo) que

atinge o seu clímax com a ocorrência da unicidade técnica – “base material da

globalização” (Ibdem, p. 191) –, algo que, por sua vez, torna universal todo um sistema

de objetos.

Não obstante, para que a unicidade técnica se faça realidade, é necessário que

ocorra um evento que a delibere. Quando há simultaneidade de eventos que permitem a

proliferação dessa técnica única, se está diante de um processo de convergência dos

Page 205: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

206

momentos. Ainda que tais momentos não sejam iguais, são unitários, posto que estejam

unidos por uma lógica comum. Desse duplo processo decorre o fato, no âmbito do que

se está aqui analisando, dos distintos destinos turísticos serem cada vez mais parecidos

em sua paisagem construída.

Por outro lado, nas localidades de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, com

maior ou menor grau de intensidade, mas de forma indistintamente perversa, o

desenvolvimento do turismo – a despeito de alguns ganhos, principalmente no que se

refere ao acesso à água, eletricidade e esgotamento sanitário, por exemplo – ocorreu às

custas da precarização dos modos de vida da maioria da população nativa, apenas

parcialmente adaptada, quando muito, às vertiginosas transformações ocorridas nos

lugares ora evidenciados, e usurpada do direito ao usufruto dos espaços hoje

privatizados.

Quanto ao processo de desterritorialização das populações locais, é possível

identificar algumas especificidades. Em Praia do Forte, por exemplo, a mobilidade da

população formada pelos grupos estabelecidos desde antes da turistificação se deu,

primordialmente, para além da vila, na margem oposta da rodovia BA-099 (a Estrada do

Coco), seja em nucleações pré-existentes ou em outras, construídas sob os auspícios da

FGD. Em Pipa e Porto de Galinhas, ao contrário, os novos assentamentos destinados

aos antigos pescadores e camponeses foram erigidos em áreas contíguas às localidades,

ampliando consideravelmente as manchas urbanas.

Essas diferenças, verificadas em Praia do Forte, de um lado, e em Pipa e Porto

de Galinha, de outro, ocorreram em função do baixo estoque de terras no entorno da vila

baiana, fruto das medidas restritivas de ocupação e uso do solo impostas pela FGD há

décadas passadas.

Page 206: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

207

Capítulo 7

TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

ANÁLISE COMPARATIVA DAS DINÂMICAS SOCIOTERRITORIAIS EM

PIPA, PORTO DE GALINHAS E PRAIA DO FORTE

O questionamento que abre o título deste capítulo (e da própria tese) carrega em

si uma provocação, havendo um motivo para isto. Segundo Santos (1994b), o território

de todos é sinônimo de espaço banal e este, por sua vez, é o espaço de vivência das

empresas, instituições e pessoas, cujo compartilhamento das relações é marcado,

predominantemente, pelo que o próprio autor denominou de horizontalidades

(SANTOS, 2000; 2002a).

Assim, nas condições atuais, nas quais interesses exógenos são privilegiados a

despeito das vontades, desejos e anseios localmente constituídos, vale indagar em que

medida, nos territórios do turismo, as condições de apropriação são as mesmas para a

totalidade dos agentes que os constituem ou os ditos territórios de todos são, na verdade,

uma esperança, uma utopia?

Deve-se esclarecer que a intenção do exame em curso não é a de negar os

postulados desenvolvidos por Milton Santos, mas de confrontá-los com as realidades

construídas na especificidade dos territórios dominados pelo turismo, buscando a

empiricização de tais formulações teóricas. Assim, conforme explicitado no Capítulo 5

desta tese, para traçar o quadro o quanto mais fidedigno possível das dinâmicas

territoriais praticadas pelos grupos locais dos balneários em estudo, esta análise

empírica resulta, principalmente, do exame crítico e reflexivo do conjunto de dados

obtidos através da realização/aplicação de três procedimentos metodológicos, quais

sejam: observação sistemática, entrevista e questionário.

Neste capítulo, são apresentados, portanto, os resultados da pesquisa direta

realizada junto aos agentes que Rafestin (1993) denominara de sintagmáticos, o que, no

caso desta tese, se refere, em específico, às organizações sociais, representadas pelas

associações de moradores ou de classe (condutores de buggy, taxistas, pescadores, etc.),

as organizações não-governamentais e grupos de interesse específico (surfistas,

naturalistas, “mochileiros”, etc.), os indivíduos, grupos não constituídos formalmente e

sociedade local e os turistas, ainda que desempenhando um papel secundário nesta

perspectiva de análise.

Page 207: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

208

Para tanto, este trecho da tese possui três seções: a primeira, cujo intuito é traçar

um breve panorama da situação atual das localidades em estudo, mormente naquilo que

se refere ao papel que desempenham para o desenvolvimento do turismo nos seus

respectivos estados e no Nordeste e de algumas contradições subjacentes ao processo de

turistificação; a segunda, na qual se estabelece um perfil dos moradores das localidades

que cederam informações e se faz uma análise das suas percepções acerca do turismo e

das territorialidades das quais fazem parte; e a seguinte, que se configura como um

esforço de interpretação crítica dos dados obtidos em campo, resultando em uma análise

comparativa – a busca pelas diferenças e similaridades – das dinâmicas territoriais

forjadas pelas populações que habitam Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte.

Importante salientar, de passagem, que os trechos de entrevistas aqui transcritos

foram escolhidos em obediência a três critérios: por (a) sintetizarem um pensamento

corrente entre os entrevistados, (b) reforçarem as análises obtidas através dos

questionários e/ou (c) como forma de enfatizar determinado processo ou fenômeno

observado quando das atividades em campo, evitando-se a inclusão de longos

fragmentos das falas obtidas. Nesse sentido, a ideia fundamental por trás da utilização

desse procedimento é contribuir, de forma clara e objetiva, na operacionalização da

técnica de triangulação de que trata Triviño (2009).

7.1 Breves considerações sobre a importância atual de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte no panorama turístico do Nordeste brasileiro

Os balneários turísticos de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte figuram

hoje, juntamente com as localidades de Porto Seguro (Bahia), Canoa Quebrada e

Jericoacoara (Ceará), como os mais importantes destinos turísticos de Sol e Praia do

Nordeste brasileiro, o que se pode comprovar através dos investimentos públicos e

privados já realizados e programados ou pelos quantitativos de turistas que visitam as

referidas nucleações a cada ano.

Necessário, pois, delinear breves considerações a respeito do papel que cada um

dos destinos em exame desempenha no competitivo mercado turístico em seus

respectivos estados e no Nordeste brasileiro, o que permite compreender, de modo mais

amplo, a sua importância estratégica, assim como as contradições advindas de um

processo que coaduna fartos investimentos públicos e privados em favor de interesses

hegemônicos, seletividade espacial resultante da formação de cenários de consumo

turístico e a busca pelo direito à cidadania por parte dos grupos sociais preexistentes.

Page 208: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

209

Em cada um dos destinos, é possível observar características e processos –

muitos deles mensuráveis através de dados quantitativos – que refletem a sua

importância na economia do turismo e como meio de divulgação dessa prática nas

unidades federativas das quais fazem parte, como se verá a seguir por meio de alguns

exemplos.

A Praia da Pipa é, junto com Natal, o grande destino turístico norte-rio-

grandense na atualidade, atraindo fluxos contínuos de turistas nacionais e estrangeiros,

além dos investimentos públicos e privados, informações já aventadas em outros trechos

deste estudo.

Em 2011, contrariando as expectativas da ABIH-RN (Associação Brasileira da

Indústria de Hotéis, seção Rio Grande do Norte), cuja diretoria apresentou dados que

apontavam uma queda de cerca de 20% na taxa de ocupação em todo o estado

(GIBSON, 2011), a Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Tibau do

Sul divulgou nota dando conta de que aquele período de alta estação seria um dos

melhores dos últimos anos em Pipa, com hotéis e pousadas atingindo mais de 90% de

leitos ocupados.

No que concerne ao uso do balneário como meio de divulgação do turismo

potiguar, de acordo com reportagem do Diário de Natal (2012), recentemente, a Praia da

Pipa foi escolhida para a realização das locações de telenovela a ser exibida ao longo de

2013. Tal escolha é, geralmente, precedida de negociações entre as emissoras de TV e

os governos estaduais, que oferecem incentivos e facilitações às empresas de

comunicação visando expor destinos turísticos em horário nobre.

Segundo reportagem veiculada no Diário de Pernambuco, datada de 12 de

janeiro de 2012, os altos índices de ocupação dos hotéis do estado na alta temporada de

2011/2012 podem ser creditados não apenas aos atrativos turísticos tradicionais de

Recife e Olinda, mas também, em muito, pelo desempenho do setor nas localidades do

Litoral Sul pernambucano, com destaque para Porto de Galinhas.

De acordo com o texto, “(...) em janeiro, especialmente nos fins de semana,

hotéis de praias badaladas, como Porto de Galinhas e Tamandaré, têm registrado

ocupação máxima (...) (p. 4)”. Ainda de acordo com a reportagem, enquanto a média de

ocupação dos hotéis no Recife foi de 85%, no Litoral Sul, atingiu 95%, ao passo que,

em Porto de Galinhas, especificamente, foram 88% das unidades ocupadas.

No que se refere à divulgação do balneário, Porto de Galinhas, assim como Praia

do Forte, foi um dos destinos onde foram realizadas locações da temporada 2012 do

Page 209: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

210

reality show Nalu Pelo Mundo, exibido pelo canal de TV por assinatura MultiShow, um

dos programas televisivos mais influentes do Brasil na formação de opinião sobre

destinos turísticos voltados para famílias.

Por outro lado, em reportagem publicada no jornal Correio da Bahia, edição n.

11.003, de 01 de dezembro, Chammas (2012) aponta que, apesar de manter a liderança

em turismo no Nordeste, a Bahia já não tem Salvador como o centro turístico por

excelência, tendo passado a dividir a sua importância estratégica com outros destinos,

incluindo o Litoral Norte24

e, em específico, Praia do Forte, o que tem a ver, conforme

Rebecca Torres (2002), com a flexibilidade atual da prática turística.

Ainda conforme a autora, no período entre 2009 e 2011, houve uma queda de

13% no número de pernoites na capital baiana, ao passo que o Litoral Norte atingiu um

crescimento de 50%, consolidando a região como “(...) a que mais compete com

Salvador pela atração dos turistas” (CHAMMAS, 2012, p. 28) no estado da Bahia.

Quanto à divulgação do destino, além das locações do programa Nalu Pelo

Mundo, já mencionadas, em informativo oficial datado de 03 de agosto de 2012, a

Prefeitura Municipal de Mata de São João dá a saber que o município foi um dos três

pré-selecionados do Nordeste para ser Centro de Treinamento da Copa do Mundo de

Seleções de 2014. O local previamente escolhido foi o Hotel Tivoli, em Praia do Forte,

que receberá investimentos para adequá-lo às exigências do comitê organizador do

evento.

Além disso, graças à importância de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte no

contexto turístico nacional, os municípios de Tibau do Sul, Ipojuca e Mata de São João,

respectivamente, estão entre os 65 destinos indutores do turismo no Brasil, como parte

da macrorregião Nordeste, sendo o primeiro um entre os dois do Rio Grande do Norte, o

segundo compondo a lista de três correspondentes ao estado de Pernambuco e o último

dos citados entre os cinco integrantes da Bahia (BRASIL, 2012).

Em estudo que avalia o índice de competitividade dos 65 destinos indutores do

turismo nacional (BRASIL, 2011a), os balneários de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do

Forte são apontados como destinações de nível 3, na segmentação Sol e Praia, em um

total de cinco níveis. Dentre os destinos que compõem tal segmentação, apenas

Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, atingiu o nível 4. O posicionamento indica

24

Mata de São João, do qual Praia do Forte faz parte, está localizado no Polo Salvador e Entorno. Porém,

é ainda difundido, no senso comum, o emprego do termo Litoral Norte, que se refere à Região Econômica

da qual o município fazia parte até recentemente, antes de passar a fazer parte da Região Metropolitana de

Salvador.

Page 210: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

211

que os balneários estão em fase de desenvolvimento, posto que agreguem serviços e

equipamentos turísticos necessários ao bom funcionamento das práticas turísticas de Sol

e Praia, mas demandam melhorias.

Apesar da aparente frieza dos números e da superficialidade das notícias, as

informações acima divulgadas são reveladoras da importância atual que Pipa, Porto de

Galinhas e Praia do Forte – como destinos-âncora ou destinos indutores25

de seus

respectivos polos – tem no panorama turístico nordestino. Ao observar a relevância que

as taxas de ocupação de cada uma das localidades possui em comparação ao total do

estado, é possível inferir o nível atual de participação desses balneários na atração de

turistas em direção ao litoral do Nordeste.

Os exemplos acima descritos resultam de estratégias políticas e econômicas que

visam manter as localidades em uma condição de plena competitividade no mercado

turístico, transformando-as em centros de fundamental importância na geração de

superávit, para o Estado, e lucro, para os agentes econômicos. Nisso, os balneários de

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte se tornaram paradigmas de sucesso para as

demais localidades litorâneas do Nordeste brasileiro com potencial para o turismo de

Sol e Praia.

Ocorre, porém, que, para além dos expressivos resultados numéricos e da

condição de excelência alcançada pelos destinos turísticos, as localidades mencionadas

são formadas, antes de tudo, por pessoas cujas vidas foram e são transformadas por

processos que alteram os ritmos singulares de reprodução social, impondo outros, ainda

que os benefícios colhidos sejam apenas aparentes ou parciais, muitas vezes falaciosos.

A Figura 18 é ilustrativa do que se está tratando, posto que permita demonstrar

que a desigualdade social é, ainda hoje, um grave problema na realidade dos municípios

onde Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte estão localizados. Entre os anos

censitários de 1991 e 2010 houve aumento do Índice de Gini26

em dois dos três

territórios e, mesmo em Ipojuca, cuja tendência é de queda no último interstício de

tempo observado, a redução da desigualdade é pouco notável, sem conseguir sequer

igualar os valores obtidos em 1991.

25

Termo atualmente empregado pelos órgãos federal e estaduais de turismo como designativo dos

destinos turísticos que polarizam investimentos públicos e privados em cada uma das unidades regionais

de turismo do estado da Bahia (BAHIA, 2011). 26

Segundo Holanda, Gosson e Nogueira (2006, p. 3), o índice de Gini “é uma medida de concentração ou

desigualdade comumente utilizada na análise da distribuição de renda”. Tal medida varia entre os

numerais 0 e 1. Índices mais próximos do valor mínimo revelam menor desigualdade de renda, ao passo

que, ao contrário, quando próximos do valor máximo, tem-se uma condição de concentração de renda.

Page 211: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

212

Figura 18. Evolução do Índice de Gini dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de São João (BA) e Tibau do Sul (RN) (1991-2010).

Fonte: Acervo do DataSus (2012).

Ao que tudo indica, contrariando os discursos proferidos pelos agentes

hegemônicos que atuam nas localidades (exemplos de tais discursos podem ser

encontrados em MATA DE SÃO JOÃO, 2008; SERICANO, 2003; TIBAU DO SUL,

2008, entre outros), o turismo não foi capaz de oferecer melhoria substancial nas

condições de vida de uma grande parcela das populações que habitam Ipojuca, Mata de

São João e Tibau do Sul. Ao observar a Tabela 01, que aponta a participação percentual

de cada setor da economia na composição do PIB desses municípios, é possível

perceber a importância que o terciário, no qual o turismo se enquadra, exerce.

Tabela 01. Produto Interno Bruto dos municípios de Ipojuca (PE), Mata de São João (BA) e Tibau do Sul (RN), segundo setores da economia (2009).

Municípios Setores da economia (%)

Primário Secundário Terciário

Ipojuca 1,0 28,0 71,0

Mata de São João 8,0 26,0 66,0

Tibau do Sul 12,0 19,0 69,0

Fonte: Brasil (2011b).

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

1991 2000 2010

(Ano)

(Ín

dic

e d

e G

ini)

Ipojuca Mata de São João Tibau do Sul

Page 212: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

213

Em Ipojuca, cerca de 71% do PIB são provenientes do terciário, enquanto que

em Mata de São João e Tibau do Sul, os números giram em torno de 66% e 69%,

respectivamente. Assim, através do cruzamento dessas informações relativas à

desigualdade social e ao PIB por setor, é possível inferir que os ganhos econômicos

gerados pelo turismo estão, ainda, concentrados.

O que se tem, nesses casos, é, parafraseando Arantes (2002, p. 70), uma

realidade em “duas velocidades”, posto que o célere processo de reprodução do capital

via setor terciário nos municípios aventados (que se dá a reboque dos lucros

vertiginosos auferidos pelos agentes ligados ao turismo) não proporcione uma

disseminação equânime dos benefícios gerados, sob efeito da lenta, quase inerte,

distribuição dessa riqueza.

7.2 As percepções dos moradores de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte:

reprodução social, turismo e territorialidades

Os dados obtidos através dos questionários favorecem a formação de um perfil

das pessoas inquiridas, que são, em sua maioria, mulheres, com idade entre 21 e 30 anos

(nas três localidades), detentoras de nível fundamental de escolaridade, em Pipa, e nível

médio, em Porto de Galinhas e Praia do Forte, vivendo em casa própria, na qual

habitam há mais de cinco anos, compartilhando moradia com outras quatro pessoas. A

renda média mensal gravita entre um e dois salários mínimos.

Quanto ao local de nascimento, em Pipa, 36% são “nativos”, 21% provém de

outras localidades de Tibau do Sul e 43% são migrantes de fora do município; em Porto

de Galinhas, 32% nasceram no próprio balneário, 24% são oriundos de outras

localidades de Ipojuca e 44% são de fora do município; em Praia do Forte, os

percentuais são: 28% de nascidos na vila, 24% de munícipes de outras localidades e

46% são migrantes de fora de Mata de São João.

Importante salientar que, diferentemente do que ocorre entre os moradores que

atuam ou são proprietários dos empreendimentos comerciais ou turístico-hoteleiros de

maior porte, nenhum dos inquiridos nasceu em outro país ou em estados daquela que

Santos e Silveira (2001) denominaram de região concentrada do Brasil. Os migrantes

oriundos de localidades fora das unidades político-administrativas onde os balneários

estão localizados são, em sua grande maioria, de municípios limítrofes ou próximos, das

respectivas capitais estaduais e de outros estados do Nordeste, nesta ordem.

Page 213: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

214

A grande diversidade das respostas quando da declaração da fonte principal de

renda não permite enquadrar os inquiridos em um perfil mais ou menos homogêneo,

posto que cerca de 11% (em Pipa e Praia do Forte) e 13% (em Porto de Galinhas)

tenham se identificado como aposentados, outros 44% (em Pipa), 45% (em Porto de

Galinhas) e 42% (em Praia do Forte), declararam exercerem atividades típicas do

circuito inferior da economia, enquanto que 41% (Pipa), 38% (Porto de Galinhas) e

42% (Praia do Forte), informaram que atuam em afazeres próprios do circuito superior.

Do total de pessoas submetidas ao questionário, 4%, em Pipa e Porto de Galinhas, e 5%,

em Praia do Forte, se autodeclararam desempregadas.

Entre aquelas pessoas que afirmaram trabalharem em atividades ligadas ao

circuito inferior, 33%, em Pipa, 35%, em Porto de Galinhas, e 38%, em Praia do Forte,

declararam serem os proprietários dos empreendimentos. Nos demais casos, os

inquiridos se identificaram como empregados. Quanto aos que declararam exercerem

atividades em empreendimentos do circuito superior, 34%, 33% e 35%, em Pipa, Porto

de Galinhas e Praia do Forte, respectivamente, informaram serem proprietários dos

estabelecimentos onde atuam. Os outros informantes se autodeclararam empregados.

Ao explicitar a teoria dos dois circuitos da economia urbana, Santos (2004)

menciona alguns aspectos que tem repercussão no quadro da realidade vigente nos

balneários em estudo. Conforme denotado pelo eminente geógrafo, o circuito superior

da economia é formado basicamente pelas atividades modernas (ainda que o autor

rejeite o uso do termo “circuito moderno”), em cuja utilização de tecnologia,

organização burocrática e formalização sejam atributos fundamentais para a sua

constituição. O circuito inferior, ao contrário, é marcado pelas atividades que empregam

trabalho intensivo (pela menor disponibilidade de capital e tecnologia), organização

primitiva e menos ou inexistente formalidade.

No caso das localidades em estudo, é possível perceber que há certo equilíbrio

na oferta de postos de trabalho em ambos os circuitos, ainda que não seja possível

afirmar o mesmo quanto à propriedade dos negócios nos quais a população local atua.

Em ambos os circuitos, há prevalência de pessoas que exercem atividade laboral para

terceiros, o que permite identificar um potencial ainda pouco explorado para iniciativas

empreendedoras de base local.

Por outro lado, Santos (Idem) identifica que as atividades do circuito inferior

estão relacionadas à formação de uma superpopulação relativa, cuja origem está na

forma de atuação das empresas hegemônicas (talvez não caiba, no caso em tela, utilizar

Page 214: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

215

os termos monopólio e oligopólio, como fizera o autor), não afeitas à absorção dos

excedentes de mão de obra. Assim, aos candidatos não recrutados restariam a mudança

para outros setores da atividade ou o não-emprego, “abastecendo”, enfim, o circuito

inferior da economia de mão de obra.

Em algumas entrevistas concedidas por moradores das localidades examinadas,

surgem exemplos que ilustram, com desconcertante perfeição, o que fora dimensionado

nas linhas precedentes. A.S., garçom de barraca de praia em Porto de Galinhas, morador

de Nossa Senhora do Ó, afirma:

O trabalho de garçom é sacrificado e não compensa. É trabalho

demais para pouco ganho. (...). Tenho curso de garçom e de eletricista.

(...). Já deixei currículo em hotel, preenchi ficha, até para uma

entrevista de emprego num restaurante eu já fui, mas ainda consegui

ser “fichado”. (...). Enquanto isso, vou ficando na praia mesmo,

ganhando uns trocados, né? Melhor do que nada. (...). Tenho um

conhecido que tá [sic] vendo umas “coisas” prá [sic] mim e, se tudo

der certo, vou trabalhar em Suape.

Segundo H.T., vendedor ambulante em Pipa, morador ocasional do loteamento

Bela Vista, a não absorção no mercado formal o impeliu para a atividade que ora

exerce:

Quando vim para cá, pensei em conseguir um emprego em hotel ou

restaurante, pois era nesse ramo que eu trabalhava antes, lá em Natal.

Tentei, tentei, mas não consegui nada. Aí, um primo meu que vende

canga e bronzeador em Genipabu me ofereceu uns produtos fiado [sic]

para eu vender, mas longe dele (risos). Aí, resolvi voltar prá [sic] cá e

tô [sic] nesse ramo já faz [sic] uns seis anos.

Venda ambulante, prestação de serviços e trabalhos domésticos são as principais

atividades do circuito inferior da economia que acolhem os moradores locais não

absorvidos em empregos formalmente constituídos. Contudo, a despeito da existência

desse excedente, há forte atuação dos agentes hegemônicos no sentido de barrar as

iniciativas espontâneas de exercício dessas atividades econômicas.

Em Porto de Galinhas, por exemplo, a aparente harmonia entre os diversos

agentes ali alocados, sustentada pelo discurso oficial das peças publicitárias da

Prefeitura Municipal de Ipojuca, bem como pelas falas correntes dos agentes

econômicos locais, pode ser contradita pela existência de alguns objetos e pela

ocorrência de algumas ações, nem sempre evidentes, mas que revelam, no mínimo,

certo desacordo de interesses entre as partes coexistentes.

Page 215: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

216

Em uma das áreas de maior circulação de turistas, no largo que finda a Rua da

Esperança e dá acesso à praia, há uma placa, instalada por ordem da Prefeitura

Municipal de Ipojuca, na qual se adverte sobre a proibição de comércio ambulante

naquele logradouro (Figura 19). Reveladora e desconcertante, a referida placa é um

instrumento que coage não só pelos dizeres e símbolos proibitivos, mas pela própria

localização onde fora afixada, denotando a presença fiscalizadora e severa do Estado

justamente em local de concentração de pessoas, tal e qual o pelourinho no centro de

uma urbe colonial portuguesa.

Figura 19. Porto de Galinhas: largo no final da Rua da Esperança. Em destaque, placa afixada pela Prefeitura Municipal de Ipojuca.

Fonte: Acervo do autor (2012).

A placa se impõe como um instrumento de normatização empregado com o

intuito de estabelecer um “efeito-represa” que impeça a ação daqueles que atuam em um

dos níveis mais elementares do circuito inferior da economia, considerados nocivos ao

bom desempenho de Porto de Galinhas como destino em plena competição pela

preferência de turistas nacionais e estrangeiros, bem como dos empreendedores formais,

os beneficiários maiores da turistificação em curso. Como estratégia de contenção, a

placa objetiva, enfim, garantir “a abreviação e/ou o desvio de uma dinâmica, e

impedimento ou a restrição à sua expansão, à sua proliferação” (HAESBAERT, 2009a,

p. 115).

No que concerne à percepção das populações locais quanto à importância do

turismo nas nucleações, os questionários apontam que há um entendimento do papel

fundamental que o turismo desempenha no crescimento das localidades. Por outro lado,

trechos de entrevistas cedidas por alguns dos moradores de Pipa, Porto de Galinhas e

Page 216: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

217

Praia do Forte, servem para melhor dimensionar o caráter contraditório de tal percepção,

como se verá a seguir.

Em Pipa (Figura 20), os dados indicam que 93% das pessoas que responderam

aos formulários, creem que o turismo tenha muita ou total importância para a

localidade. Tal percepção incorpora a dimensão do papel que o balneário exerce não

apenas em uma escala local, mas em um âmbito mais amplo, como visto no item

anterior, a partir dos dados de ocupação e do caráter estratégico que os agentes

hegemônicos do turismo revestem a localidade, assim como o fazem nas demais aqui

examinadas.

Figura 20. Percepção popular quanto à importância atual do turismo para a Praia da Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA).

Fonte: Pesquisa direta (2012).

Alusivo a tal percepção, E.B., atendente em loja de souvenirs, moradora da Praia

da Pipa, comenta:

Aqui, só não arruma trabalho que não quer, não gosta de trabalhar.

Toda hora tem placa nas portas das lojas oferecendo emprego. Eu

mesma, já trabalhei em uns seis lugares [referindo-se a

estabelecimentos comerciais]. Quando saio de um trabalho, não fico

nem um mês parada, já arrumo outro.

Porém, ao ser perguntado sobre a sua alta rotatividade no exercício laboral, a

entrevistada afirma:

Nenhuma

Pouca

Muita

Total

Pipa

Nenhuma

Pouca

Muita

Total

Porto de Galinhas

Nenhuma

Pouca

Muita

TotalPraia do Forte

Nenhuma

Pouca

Muita

Total

7

58

35

4

36

60

3 8 30

59

Page 217: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

218

O povo [referindo-se aos proprietários de estabelecimentos

comerciais] é meio explorador, sabe? Às vezes, quer que a pessoa

trabalhe até altas horas da noite, de madrugada, e não pagam hora

extra. Quando encerra, só sai depois que lava tudinho. Nem um lanche

eles querem dar.

Fica patente, nas palavras da entrevistada, o caráter contraditório das relações de

trabalho. A aparente euforia apresentada no primeiro trecho da entrevista contrasta com

a desilusão pela precariedade à qual é submetida em cada uma das atividades que já

exerceu. Assim, ao mesmo tempo em que reconhece a importância adquirida pelo

turismo como um elemento dinamizador do quadro de relações do lugar, a entrevistada

expõe as condições de sujeição às quais está submetida.

Em Porto de Galinhas (Figura 20), como visto na figura acima, o total de

respostas agregadas que denotaram muita ou total importância do turismo para a

localidade foi de 96%. Assim como no caso anterior, há uma percepção quase que

absoluta de que a prática turística tem forte incidência sobre o crescimento econômico

local, bem como sobre o destino dos seus moradores.

Ao ser perguntado sobre os motivos pelos quais o turismo é considerado uma

prática de tanta importância para a localidade, M.M., comerciante, morador de Porto de

Galinhas, sentenciou:

O turismo trouxe tudo que você vê aí: luz, água encanada, celular,

gente do mundo todo e dinheiro, que é o bom. O turismo é o ganha-

pão de muita gente, por aqui, né? Não dá para renegar. Se não fosse

[sic] os turistas, o povo estava passando necessidade, pescando,

tirando marisco para ter um de comer. Até a polícia, só chegou para cá

por causa dos turistas.

As impressões contidas no relato acima, partilhadas com outras pessoas ouvidas,

apontam para a implantação de infraestrutura e para a possibilidade de inserção no

mercado de trabalho como os principais atributos que fazem do turismo um elemento

fundamental no dia a dia dos moradores de Porto de Galinhas. Há, portanto, uma

percepção segundo a qual a economia é o motor da evolução do balneário.

No caso de Praia do Forte, a figura anterior mostra que em 89% das respostas

atribui-se muita ou total importância ao turismo como um elemento definidor da

realidade local. Esse reconhecimento advém, em grande parte, da inserção econômica

(ainda que precária, em boa parte dos casos) permitida pelo turismo para uma parcela da

população, bem como por uma certa percepção ufanista do turismo como um vetor das

Page 218: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

219

transformações que, nas palavras de V.S., agricultora aposentada, moradora da vila,

“colocaram Praia do Forte no mapa”, “fizeram o lugar ficar conhecido”.

Outro aspecto dimensionado no questionário diz respeito à percepção popular

quanto aos problemas cotidianos gerados pelo turismo. Em Pipa (69%), Porto de

Galinhas (74%) e Praia do Forte (76%), a maioria das respostas aponta para a não

existência de reveses causados pela prática turística. Entre os que, ao contrário,

consideram o turismo um fomentador de danos às localidades, são as seguintes as

consequências tidas como mais graves atreladas ao processo de turistificação (Quadro

02):

Quadro 02. Percepção popular dos problemas ligados ao turismo em Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA).

Localidade Problemas mais evidentes

(segundo a ordem de citações)

Pipa Porto de Galinhas Praia do Forte

Tráfico de drogas Aumento dos casos de prostituição Aumento da poluição Perda das tradições culturais Altos preços dos alimentos Altos preços da moradia Tráfico de drogas Altos preços dos alimentos Aumento dos casos de prostituição Saída de moradores antigos Altos preços da moradia Perda das tradições culturais Tráfico de drogas Altos preços dos alimentos Saída de moradores antigos Altos preços da moradia Perda das tradições culturais Aumento da poluição

Fonte: Pesquisa direta (2012).

O quadro acima revela que as preocupações dos moradores que acreditam

existirem problemas diretamente relacionados à prática turística podem ser agrupadas

em itens como segurança pública, custo de vida, tradição/memória locais e meio

ambiente. O relato de G.S., vendedora de pamonha em Praia do Forte e moradora de

Açu da Torre, é demonstrativo de algumas dessas preocupações:

Page 219: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

220

Quando esse negócio do turismo começou a ganhar importância por

aqui, a polícia veio e fez uma “limpa” nos ladrãozinho [sic] e nos

viciados. Mas, com o tempo, eles voltaram. (...). O pior é que vem

gente de fora, traz essas “porqueiras” prá [sic] vender aqui e as mães

não tem mais sossego.

(...)

Os mais antigos diziam que antes dava até para dormir de porta aberta.

Hoje, eu mesma já não deixo meus meninos ficarem na rua até mais

de dez horas da noite. Não que aconteça problema toda hora, mas,

quando acontece, sai de baixo!

Em Pipa, A.G., agricultor aposentado, morador da Bela Vista, quando inquirido

sobre o custo de vida na localidade, afirma:

Meu amigo, a coisa aqui é feia! É tudo caro. (...). Tem gente que

prefere fretar um carrinho e ir fazer compra em Natal, sabe? Mas nem

todo mundo pode fazer isso, né? Aí, prá [sic] comprar um feijãozinho,

um arroz, uma macaxeira, tem que ser pagando é caro!

Outra coisa que o Sr. quis saber é sobre a moradia, né? Prá [sic] mim

não, que tenho minha casinha que é minha mesmo. Mas o povo fala

por aí que os preços de aluguel é [sic] igual os de cidade grande.

Por outro lado, é possível perceber que, sob influência dos discursos propagados

pelos agentes hegemônicos, os moradores sustentam uma visão positiva do turismo a

partir de uma perspectiva economicista. Importante notar que, em grande medida, as

respostas que acenam negativamente para a existência de problemas vinculados ao

turismo foram emitidas por pessoas que declararam possuírem membros da família que

tem vínculos de trabalho ligados à prática turística.

A atribuição de tamanha importância à prática turística pelas populações locais,

a negação dos problemas provenientes da turistificação e a consequente resignação a

uma realidade na qual os agentes hegemônicos exercem sua dominação, resulta da

formulação de um consenso da salvação pelo turismo. Neste caso, o desengajamento é

parte do exercício de poder que emana dos referidos agentes, que trata menos da corrida

por posses e mais da “capacidade de gerenciar pessoas, (...), de estabelecer as regras de

conduta e obter obediência a essas regras” (BAUMAN, 2003, p 41).

Além disso, como afirma o próprio Zygmunt Bauman, a insegurança quanto à

posição social e as incertezas sobre o futuro, sensações típicas dos tempos hodiernos,

dão substância a um medo generalizado da perda do pouco que os agentes oferecem às

populações. Segundo o sociólogo polonês:

Quando a ameaça à mudança unilateral ou do fim dos arranjos

correntes por parte daqueles que decidem o meio em que os afazeres

da vida devem ser realizados paira perpetuamente sobre as cabeças

Page 220: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

221

daqueles que os realizam, as chances de resistência aos movimentos

dos detentores do poder, e particularmente de resistência firme,

organizada e solidária são mínimas (...) (opus cit., p. 42).

Hissa (2009, p. 50), por seu turno, avalia que os ditos homens lentos –

evidenciados por Milton Santos – são os portadores da indignação que se manifestaria

através do desejo de transformação da realidade vigente, maculada pela “fábrica

cultural do consumo”, mas, ao mesmo tempo, podem carregar sonhos de inclusão

através da inserção nos mesmos processos que os excluem. Nas palavras do autor:

Assim, nesses termos, carregariam o desejo de transformação, mas

contraditoriamente, o da permanência. Por qual razão isso se dá?

Porque no contexto do terror e da barbárie, a competição que aniquila

emerge como a única alternativa de defesa nas circunstâncias de

ausência ou fragilidade de solidariedade coletiva. A solução para os

sofrimentos da vida indigna, aqui, nos termos em que se apresenta a

questão, na ausência da crítica indignação, na prevalência dos

paradigmas da modernidade conservadora, não passaria pela

reconstrução dos valores da vida, dos valores sociais e culturais (opus

cit.).

Daí que a atribuição de importância do turismo nas vidas das populações de

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte se configure como uma espécie de defesa da

prática turística naqueles lugares, mesmo que, nas entrelinhas dos discursos, possam

emergir revelações que apontem para a existência de contradições inerentes ao

desenvolvimento turístico.

Ainda de acordo com os dados extraídos da pesquisa direta, a maioria quase

absoluta dos moradores locais das três localidades informou nunca ter sofrido qualquer

constrangimento para ingressar em algum empreendimento ou evento por não ser

turista. No entanto, entre os que tiveram acesso barrado sob a alegação acima

mencionada, tal ato se deu, em todos os casos, em condomínios residenciais e/ou

empreendimentos hoteleiros, sendo que, no segundo local a ocorrência foi superior que

o primeiro em mais de 80%, nos três balneários.

Segundo relato informal de um gerente de hotel em Porto de Galinhas, o

impedimento do acesso em condomínios e nos hotéis, pousadas e albergues ocorre

apenas quando há a desconfiança de se tratar de prostituição e/ou comércio de produtos

ilícitos ou quando a pessoa não se identifica apropriadamente ao tentar ingressar nas

dependências do empreendimento.

Page 221: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

222

Por outro lado, uma maioria considerável entre os grupos que cederam

informações nas três localidades afirma não frequentar lugares onde haja grande

concentração de turistas, conforme se pode observar na Figura 21.

Figura 21. Costume de frequentar locais de concentração de turistas, segundo os moradores de Praia da Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA).

Fonte: pesquisa direta (2012).

Os três motivos mais alegados para o pouco interesse pela convivência com os

turistas foram:

Os moradores de Pipa (a) reclamam dos preços abusivos praticados em locais de

concentração de turistas (31%), (b) não se sentem acolhidos em tais lugares

(23%) ou (c) não gostam de frequentar as zonas onde tais visitantes se

concentram (19%);

Em Porto de Galinhas, as respostas ao questionário apontam que (a) os

moradores não se sentem acolhidos (32%), (b) os preços altos dos produtos e

serviços (26%) ou (c) não gostam de compartilhar a presença com turistas

(25%);

Em Praia do Forte, as respostas mais frequentes foram (a) não há acolhimento

para os “nativos” nos locais de concentração de turistas (28%), (b) os preços

praticados são altos (21%) ou (c) não gostam de frequentar os locais de

concentração de turistas (20%).

Entre aqueles que costumam frequentar locais onde há maior concentração de

turistas, foram listados: em Pipa, a praia, em 77% das respostas, bares e restaurantes, em

0

10

20

30

40

50

60

70

80

(%)

Sim

Não

Pipa Porto de Galinhas Praia do Forte

Page 222: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

223

26%, e outros lugares, em 8%, entre os quais, a Avenida Baía dos Golfinhos foi o mais

citado (56%); em Porto de Galinhas, a praia, conforme indicado por 63% dos

moradores, bares e restaurantes, por 10%, e festas e eventos, por outros 10%; em Praia

do Forte, para 64% dos inquiridos, a praia é o local onde compartilham presença com os

turistas, festas e eventos, para 26%, e bares e restaurantes, para 9%.

Perguntado sobre as práticas de lazer oferecidas aos jovens da localidade, F.G.,

atendente de lanchonete, morador de Pipa expõe suas impressões:

Não tem quase nada de bom prá [sic] mocidade fazer por aqui. Um

campinho, o governo não faz. (...). Tem o ginásio de esportes, mas já

tá [sic] todo arrebentado. O jeito é dar umas voltinhas na praia, uns

mergulhos, prá [sic] passar o tempo, né? Os adolescentes é que

acabam indo prás [sic] festas e caem na cachaça, na droga.

Quanto à participação em entidades de classe, associações de moradores e

demais organizações locais, essa é uma prática relativamente comum entre os

moradores dos três balneários em exame. Algo em torno de ⅓ dos moradores de Pipa

(29%), Porto de Galinhas (33%) e Praia do Forte (27%) alegam fazerem parte de

alguma organização localmente constituída. A diferença se expressa apenas nos

números de participantes em cada um dos tipos de entidades, o que revela a importância

e o nível de inserção de cada uma delas junto aos habitantes locais (Figura 22).

Figura 22. Participação dos moradores de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA) em entidades e organizações localmente constituídas.

Fonte: pesquisa direta (2012).

Em Pipa e Praia do Forte, a maioria das pessoas que responderam positivamente

quanto à participação em tais entidades se autodeclarou envolvida em suas respectivas

Pipa Porto de Galinhas

Praia do Forte

36%

24%

22%

5%

13%

43%

32%

13%

12%

38%

25%

24%

10% 3%

Associação de moradores

Associação comercial/de classe

Colônia de pescadores

Organização não governamental

Outros

Page 223: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

224

associações de moradores, enquanto que, em Porto de Galinhas, um grupo majoritário

apontou a vinculação em associações de classe, sendo as mais citadas as de jangadeiros

e de proprietários e condutores de buggy, nesta ordem.

Quando inquiridos sobre a distância entre os locais de moradia e trabalho, os

moradores de Pipa e Porto de Galinhas creem, em sua maioria, que habitam muito

próximos ou relativamente próximos dos locais onde exercem alguma atividade laboral.

Em Praia do Forte, ao contrário, uma quantidade considerável de respostas aponta para

uma prevalência de pessoas que moram relativamente distantes ou muito distantes do

local onde trabalham (Tabela 02).

Tabela 02. Percepção dos moradores de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA) quanto à distância entre os locais de moradia e trabalho.

Situação

(%)

Pipa Porto de Galinhas Praia do Forte

Mora no trabalho Mora muito próximo Mora relativamente próximo Mora relativamente distante Mora muito distante

2 40 33 16 9

4 42 28 18 8

2 23 25 36 14

Fonte: pesquisa direta (2012).

Diferente dos dois primeiros destinos turísticos citados, onde a

desterritorialização dos antigos moradores das vias mais valorizadas pelos agentes

hegemônicos provocou a formação de periferias em áreas contíguas aos balneários, na

vila baiana, tal processo acabou por gerar uma mobilidade de população que se

reterritorializou, preferencialmente, em localidades mais distantes, todas assentadas,

inclusive, na margem esquerda da BA-099, sentido Salvador-Costa do Sauípe, oposta,

portanto, em relação à Praia do Forte. A despeito da distância, esses antigos moradores

desterritorializados mantiveram-se, em grande medida, dependentes dos postos de

trabalho oferecidos na vila praieira.

Além disso, os elevados preços cobrados para aluguéis e aquisição de imóveis

em Praia do Forte tem tornado impeditiva a moradia da força de trabalho que

recentemente migrou em busca de oportunidades de trabalho na vila turística. A solução

encontrada para uma maioria de trabalhadores é, mais uma vez, a fixação nos

assentamentos urbanos circunvizinhos.

Page 224: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

225

Segundo G.S., vendedora de pamonha, moradora de Açu da Torre, tendo

migrado de Euclides da Cunha (Bahia) para Praia do Forte há cerca de oito anos, os

preços de aluguel atualmente praticados na vila são inibidores da fixação de moradores

mais pobres. Nas palavras de G.S.:

Logo quando cheguei aqui, faz [sic] uns oito anos, morei com minha

filha e o neto numa casinha aí atrás [no momento do diálogo, a

entrevistada vendia pamonha em uma barraca na Av. ACM]. Era bem

um quarto e sala. Mas não dei conta de pagar o aluguel nem seis

meses. Tive que ir lá prá [sic] riba [sic] [referindo-se à Açu da Torre].

Morei lá de aluguel por uns dois anos e, depois comprei um terreno e

estou levantando uma casinha aos poucos.

Tal situação é geradora de uma especificidade quanto aos processos de des-

reterritorialização dos antigos moradores do balneário de Praia do Forte, em se

comparando com as demais localidades evidenciadas. Como se verá mais adiante, de

modo mais detalhado, muitos dos antigos moradores da vila baiana foram expulsos por

fatores econômicos e, em função das rígidas regras de uso e ocupação do solo impostas

pela Fundação Garcia D’Ávila para a localidade, acabaram migrando para outras

nucleações urbanas do município de Mata de São João, relativamente distantes do

famoso destino turístico.

Os aspectos abordados nas linhas anteriores, colhidos dos questionários

aplicados junto aos moradores de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, denotam

modos de vida, econômica, política, cultural e socialmente dimensionados, condições de

moradia, relações com o turismo e os turistas, além de percepções sobre os lugares onde

vivem, todos contribuindo, em maior ou menor medida, para o desenvolvimento das

práticas territoriais desses habitantes, ainda que, por vezes, reproduzindo modos de vida

alheios às horizontalidades.

7.3 As práticas territoriais dos moradores de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do

Forte: tipologia e evidências empíricas

No aprofundamento da análise visando compreender as dinâmicas territoriais

que se desenvolvem a partir da relação dos moradores locais com a prática turística, fica

patente a existência de uma tipologia com dois perfis mais ou menos bem definidos,

cujas formas de atuação, desde um ponto de vista territorial, podem ser definidas como

territorialidades adesistas e territorialidades insurgentes.

Page 225: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

226

As territorialidades adesistas tem sua raiz nas práticas territoriais dos grupos

que, vislumbrando possibilidades de inserção no mercado predominante – de

forma mais ou menos precária, dependendo do caso – através da execução de

atividades ligadas à prática turística, criam meios que as viabilizam. Nesse

sentido, os indivíduos ou coletivos que compõem tal grupo atuam de modo a

promover uma aproximação com os agentes hegemônicos (Estado e detentores

dos meios de produção), reforçando a condição de destinação turística das

localidades em exame. Dessa forma, as territorialidades que daí derivam são

realizadas com anuência e/ou fomento dos agentes hegemônicos ou nas brechas

por eles deixadas.

As territorialidades insurgentes, cujo termo foi parcialmente tomado de

empréstimo de Souza (2003; 2006; 2009; 2010), se origina das práticas

territoriais que ocorrem em contrariedade aos interesses dos agentes

hegemônicos, ainda que, em alguns casos, tais práticas tenham no turismo um

suporte para a sua existência. A atuação de tais agentes exerce, pois, um efeito

negativo sobre a destinação turística ou obstrui/retarda a ação do Estado e dos

detentores dos meios de produção. Além disso, tais territorialidades podem ser

enquadradas como legais ou ilegais.

Importante salientar que algumas práticas, pela complexidade da sua

constituição, podem promover ambos os tipos de territorialidades, assim como terem

origem, ao mesmo tempo, a partir de iniciativas individuais e coletivas, estando,

portanto, em uma condição de hibridismo constitutivo ou genético.

O esquema a seguir (Figura 23) é uma síntese das territorialidades analisadas em

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, permitindo uma visualização do

“posicionamento” de cada agente exposto quanto à sua condição como adesista ou

insurgente, bem como quanto ao caráter coletivo ou individual das práticas.

Como se pode observar, as territorialidades adesistas, por exigirem certo nível de

organização, o que é imperioso para a articulação com os agentes hegemônicos, tendem

a ter uma prevalência de práticas coletivas, ao passo que as territorialidades insurgentes,

pela pouca organização prévia, pela espontaneidade da ação e, em alguns casos, por sua

ilegalidade, tem uma prevalência de práticas individuais.

Page 226: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

227

Figura 23. Representação do “posicionamento” dos indivíduos e grupos das localidades de Pipa (RN), Porto de Galinhas (PE) e Praia do Forte (BA), quanto às suas práticas territoriais.

Fonte: elaborado pelo autor, a partir de pesquisa direta (2012).

Por outro lado, é fundamental esclarecer a escolha do termo empregado.

Territorialidade e território são duas palavras que, enquanto campos de análise, fazem

parte daquilo que se convencionou chamar de abordagem territorial. A escolha pelo

primeiro dos termos mencionados, em detrimento do segundo, se deu pelo caráter

efêmero e fluido de algumas das práticas.

Segundo Saquet (2009, p. 86), “A territorialidade corresponde às ações

humanas, ou seja, à tentativa de um indivíduo ou grupo para controlar, influenciar ou

afetar objetos, pessoas e relações humanas numa área delimitada”, revelando a dinâmica

e o movimento como condições de existência do ente geográfico em tela. Em outras

palavras, a territorialidade é o projeto, em andamento, de construção do território.

Ademais, conforme salientado por Haesbaert (2008), a territorialidade incorpora, além

de um dimensão estritamente política, outras, que são de caráter econômico e/ou

cultural.

Embora as práticas analisadas sejam consideradas territorialidades, algumas não

se consolidam, necessariamente, como territórios. Assim, levando-se em conta que todo

Page 227: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

228

território advém de alguma territorialidade, mas nem toda territorialidade chega a

adquirir o status de território, se mostrou mais coerente empregar o termo que denota

ação e movimento.

A análise que segue tratará, pois, de empiricizar essas formulações, enquadrando

as distintas territorialidades verificadas nos balneários de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte segundo as tipologias aqui explicitadas, sem nunca perder de vista, no

entanto, ser este um estudo de caráter comparativo.

7.3.1 As territorialidades adesistas em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

Alguns indivíduos e grupos das localidades de Pipa, Porto de Galinhas e Praia

do Forte exercem territorialidades convergentes com os interesses dos agentes

hegemônicos que atuam nos referidos balneários. Desses, é possível destacar, entre os

que atuam sob a forma de práticas coletivas, entidades associativistas, camelôs,

organizações não-governamentais; entre os que exercem territorialidades a partir de

práticas individuais: comerciantes locais e especuladores locais, além de pescadores e

entidades culturais, cuja ação é marcada pelo hibridismo, conforme explicitado alhures.

O associativismo se constitui em mais uma das formas segundo as quais os grupos

locais – mas não apenas eles – garantem as condições para o exercício de

territorialidades que permitem a sua reprodução social. A formação dessas entidades é,

assim, um meio de salvaguardar os interesses de uma coletividade, além de ser uma

forma de afirmação de determinados grupos locais, inseridos no mercado turístico

graças, tão somente, à sua capacidade de organização.

São aqui consideradas como entidades associativistas aquelas organizadas em

torno de interesses de classe (jangadeiros, condutores de buggy e colônias de

pescadores, por exemplo), as cooperativas (artesãos e doceiras, entre outros) e as

associações de moradores.

Alguns relatos coletados de informantes que vivenciam, pelo mundo do trabalho,

o dia a dia das localidades são indicativos das formas de atuação – desde um ponto de

vista territorial – das entidades associativistas. Através de informações obtidas em

entrevista, cedida pelo jangadeiro T.C., bem como por meio das observações

sistemáticas, é possível compreender alguns aspectos do processo de territorialização

levado a cabo por alguns dos agentes que aderem ao turismo local.

Em Porto de Galinhas, umas das entidades mais representativas é a Associação

de Jangadeiros de Porto de Galinhas. Ao ser questionado sobre a forma de organização

Page 228: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

229

dos passeios turísticos entre os profissionais que conduzem as embarcações, T.C.,

morador do Socó, periferia (social e geográfica) da vila pernambucana, afirma:

Tem a associação, que diz as regras, sabe? Tem uma ordem de quem

vai primeiro, vai segundo, e por aí vai... só pode trabalhar aqui se for

associado. Se não for, não tem jeito, a associação não deixa “carregar”

turista não.

Mais adiante, ao ser perguntado sobre as atribuições da associação, o mesmo

entrevistado afirma:

A associação é que cuida de tudo da gente [referindo-se aos

jangadeiros]. Organiza os passeios, diz quem pode trabalhar e trata das

nossas coisas [demandas, reivindicações] com a Prefeitura. Cuida de

tudo, mas é bem rígida, viu? Se o jangadeiro “some”, tem que botar

alguém no lugar e, ainda assim, quando volta, tem que se explicar

direitinho, para não perder o direito de trabalhar.

O relato acima, por um lado, revela o refinado nível de organização dos

moradores e dos trabalhadores que atuam na realização de passeios turísticos, algo

salutar, notadamente por ser uma iniciativa de base local, e, por outra parte, denotam a

capacidade de controle quase que absoluto sobre as ações dos seus membros, inclusive

quanto à contenção do ingresso de novos profissionais nas atividades, conforme

observado no exemplo do associativismo. Neste sentido, a territorialidade promovida

pela associação, com anuência dos agentes hegemônicos, sob o discurso da organização

da atividade, se manifesta, na verdade, como prática de contenção territorial.

A contenção territorial figura entre os diversos arranjos que dão sentido ao

território. Seu conceito, segundo Haesbaert (2009a) está ainda em construção. Contudo,

o autor arrisca pré-defini-la por meio da dissecação de algumas de suas características

mais expressivas:

“Contenção” foi o termo que encontramos para revelar, sobretudo, o

sentido ambivalente, a ambiguidade envolvida nas formas

contemporâneas de territorialização. A começar pelas novas cercas e

muros, de toda ordem, que proliferam pela superfície do planeta, e que

não significam, simplesmente, um processo de “exclusão”.

(...)

Basicamente essas barreiras físicas, paralelamente aos “campos” de

contenção, estão sendo propostas e construídas visando o fluxo de

pessoas (...), em nome de discursos xenófobos pautados no medo (...)

e na insegurança frente às diversas “ameaças” ou “riscos” imputados

ao Outro, ao diferente, àquele que deve permanecer “do outro lado”

(Idem, p. 114-115).

Page 229: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

230

Mais adiante, segue afirmando:

Contenção envolve também esta característica de ambivalência em

que estamos ao mesmo tempo “contendo” a progressão de outros e

“nos contendo” em termos da nossa própria progressão/mobilidade, de

modo que o “conter” (o outro) e o “estar contido” (pela não-

progressão do outro) se mesclam de tal forma que, podemos dizer, o

“outro” está em nós pelo mesmo processo de contenção que, ao evitar

sua expansão, provoca também, de alguma forma, o nosso retraimento

(Ibdem, p. 115).

Neste sentido, a contenção territorial envolve processos de construção material e

simbólica de elementos que visam, de forma parcial, provisória e paliativa, promover

fechamentos, interrupções ou redução da presença ou da expansão de indivíduos, grupos

e entidades, bem como das suas ações, que são indesejáveis aos que tomam tais

iniciativas.

Além disso, pela força do turismo, antigos pescadores são, agora, jangadeiros e

as jangadas, outrora um elemento fundamental para o deslocamento até aqueles locais

mais piscosos e para o carreto da carga animal retirada do mar, passa a ser um meio de

transporte voltado ao lazer dos turistas. Neste sentido, é lícito afirmar que as atribuições

e atividades inerentes à Colônia de Pescadores Z12 e à Associação de Jangadeiros de

Porto de Galinhas não tem limites tão rígidos ao ponto de impedir que haja certa falta de

clareza quanto aos papéis de cada uma das entidades.

Nos casos de Pipa e Praia do Forte, o que difere da situação acima descrita é a

falta de uma entidade criada para salvaguardar os interesses dos pescadores

metamorfoseados em cicerones de turistas ávidos pela realização de atividades, tais

como avistar golfinhos, no caso da localidade potiguar, e baleias, no balneário baiano.

Assim, ainda que – a exemplo daqueles de Porto de Galinhas – exercendo funções de

guias de turismo, esses pescadores seguem atuando sob a tutela de suas respectivas

colônias de pescadores.

Outro tipo de entidade associativista que exerce sua territorialidade de modo

intenso são as associações de moradores. Assim como as associações de classe, essas

entidades são criadas, via de regra, pela necessidade de salvaguardar interesses, sendo

uma forma de organização da coletividade local, inclusive, no que se refere às

reivindicações junto ao Estado, principalmente quanto ao acesso aos bens coletivos,

como escolas, postos de saúde, saneamento ambiental e abastecimento de energia e

água, entre outras demandas sociais. Quando cumpridoras das suas atribuições, as

Page 230: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

231

associações de moradores são, portanto, um veículo para a promoção de justiça

territorial.

Segundo Andrade (1996, p. 215), ao analisar as novas territorialidades surgidas

da ampliação dos territórios produzidos pelos agentes hegemônicos e da consequente

desterritorialização dos grupos prejudicados por tal ação, afirma que “Dessa

convergência espacial dos contrários, surgia a reação à gestão central, à

desterritorialidade (...), com a formação de novas territorialidades”, o que, no caso deste

estudo, se dá com o aparecimento das associações de moradores (ao menos em teoria).

Em Pipa, a associação de moradores local é representativa de todos os

habitantes, indistintamente. Isto fica patente, inclusive, em sua denominação:

Associação de Moradores e Amigos da Praia da Pipa. Em Porto de Galinhas, porém, a

entidade para onde convergem os interesses de habitantes locais não possui alcance em

toda a nucleação, mas, como a denominação permite inferir (Associação de Moradores

do Pantanal, Socó e Salinas), apenas nos fragmentos urbanos mais precários da

localidade. No caso de Praia do Forte, apesar da existência de uma entidade com a

finalidade de intervir pelos interesses dos moradores, a que agrega tais funções, por

vontade popular, é a Acomea (Associação Comunitária de Educação Ambiental).

Apesar de serem detentoras de uma representatividade nada desprezível (vide

Figura 21), as associações de moradores padecem da desconfiança de alguns dos seus

representados, não faltando, em entrevistas e relatos, acusações de má administração e

cooptação pelos agentes hegemônicos.

Enquanto F.S., eletricista e encanador, morador de Pipa, afirma que os dirigentes

da associação de moradores local teriam intenções político-partidárias ao tomarem a

frente dos cargos que ocupam e que a entidade serviria como forma de promoção dos

seus interesses, A.F., empregada doméstica, moradora de Porto de Galinhas, reclama da

pouca capacidade de articulação da Ampass junto à Prefeitura Municipal de Ipojuca.

Segundo a entrevistada:

Depois que o Governo fez a pista [referindo-se ao novo acesso às

localidades de Socó, Pantanal e Salinas], o povo da associação parece

que ficou satisfeito, sabe? Parece até que não tem mais nada prá [sic]

fazer aqui.

Em Praia do Forte, as reclamações estão centradas na atuação pouco combativa

das associações quanto às revindicações da população local por maior participação nas

decisões referentes ao turismo. G.S., pescador aposentado, morador da vila, relata:

Page 231: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

232

Eu não tenho do que reclamar, por que não dependo deles prá [sic]

nada. Mas, a Acomea e a outra [referindo-se à associação de

moradores] só “dizem amém” prá [sic] tudo que os “donão” [em

referência aos agentes hegemônicos do turismo] daqui querem fazer.

Se dizem que vão botar supermercado, eles não reclamam nada, se

tem festa aí “a torto e a direito”, a mesma coisa. Fazer o quê, né?

Há, porém, quem julgue como importantes e necessárias as ações das

associações de moradores, posto que as entidades representem interesses coletivos que,

sem essa organização, dificilmente seriam atendidos. Para S.D., moradora de Pipa,

cozinheira em pousada, cuja opinião é compartilhada por outros entrevistados, “(...) se

não fosse a associação, nem sei se teríamos metade do que temos aqui. Eles brigam por

nós, levam nossas queixas para a Prefeitura. Às vezes, não dá para resolver uma

coisinha ou outra, mas eles tentam sempre”.

As divergências quanto à atuação das associações de moradores revelam toda a

complexidade das ações inerentes a essas entidades, posto que sejam as mediadoras, por

excelência, das relações entre as populações locais e – de modo mais intenso – o Estado,

principalmente na sua esfera municipal.

Quanto às territorialidades exercidas pelas organizações não-governamentais, é

importante pontuar que, a despeito de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte serem

localidades onde a beleza cênica, vinculada aos atributos da natureza, é explorada ao

extremo, as iniciativas locais voltadas à criação de tais entidades são poucas,

principalmente se comparadas ao processo de implantação de organismos de interesse

ambiental por parte dos agentes hegemônicos ou em associação direta com eles. Há, no

entanto, algumas Ongs voltadas ao desenvolvimento de atividades de cunho

socioambiental e socioeducativo, notadamente em Pipa, com a Educapipa, e Praia do

Forte, com a já citada Acomea.

Assim como as cooperativas, as Ongs atuam com pouco protagonismo, o que

influencia nas territorialidades de ambas as entidades. Vale afirmar, pois, que, ainda que

presentes nas respectivas realidades locais e executando estratégias de apropriação do

espaço, tais organismos estão, via de regra, à sombra dos agentes hegemônicos,

legitimando suas ações por meio da adesão plena aos seus interesses.

No que tange àqueles que trabalham com comércio de rua, é importante advertir,

inicialmente, que, no âmbito deste estudo, são identificados dois tipos de profissionais:

camelôs e ambulantes. Os primeiros atuam em espaços públicos, normalmente em

praças ou ruas movimentadas, mas em pontos fixos ou fazendo uso de mobilidade

Page 232: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

233

limitada; os seguintes exercem sua atividade também em espaços públicos, mas de

forma itinerante, como o próprio termo sugere.

Importante salientar essa diferença, posto que tais distinções incidem sobre as

territorialidades que praticam. Ao aderirem aos desígnios dos agentes hegemônicos, os

camelôs exercem práticas coletivas, posto que tenham que estar representados por

entidades cuja organização é imposta pelo Estado, na esfera municipal. Os ambulantes,

por atuarem de forma insurgente, exercem práticas individuais ou em pequenos grupos

de organização primitiva, uma estratégia para passarem desapercebidos pelo crivo dos

fiscais municipais.

Conforme afirmado por Silva (2008, p. 219), em estudo sobre o comércio de rua,

o trabalho exercido por camelôs se dá através “da ocupação de um espaço público para

trabalhar de maneira informal e precária”, o que gera o compartilhamento de valores e

práticas sociais que lhe conferem uma identidade de grupo. Tal ação acaba por produzir

um “componente territorial – o lugar de trabalho – na produção das práticas materiais e

imateriais que produzem e reproduzem comportamentos culturais específicos”,

conferindo ao lugar, ainda segundo o autor, o sentido de território.

Como fora evidenciado em outro trecho, em Porto de Galinhas, o comércio de

rua – tanto para camelôs, quanto para ambulantes – é terminantemente proibida na Rua

da Esperança, a via principal da localidade, mas liberado na faixa de praia, com

anuência do órgão municipal responsável pelo inventário dos trabalhadores. Em Praia

do Forte, é possível o exercício do comércio de rua, desde que o camelô possua cadastro

emitido pela Prefeitura Municipal de Mata de São João, enquanto que, em Pipa, há

maior flexibilidade, ainda que, a exemplo dos demais casos, existam formas de controle

da atividade. Em todos os casos, as municipalidades exigem alguma forma de

organização por parte dos camelôs.

Em atenção às exigências impostas pelas gestões dos municípios onde atuam, os

camelôs exercem suas territorialidades em locais definidos pelas prefeituras, segundo

critérios os mais diversos. Para N.T., morador ocasional de Açu da Torre, camelô em

Praia do Forte, componentes político-econômicos incidiram na escolha dos locais onde

os camelôs daquele destino turístico podem atuar:

Por que não podemos ficar “espalhados” pela Avenida? Essa

concentração aqui atrapalha muito, pois todo mundo vende

praticamente as mesmas coisas. Se cada um tivesse o seu canto, uns

ali perto do Souza [famoso restaurante local], outros ali no

“larguinho” e outros aqui mesmo, seria bem melhor. Prá [sic] mim, é a

Page 233: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

234

força dos grandes [referindo-se aos agentes econômicos] que tá [sic]

por trás disso.

No que se refere aos comerciantes locais, tais agentes são habitantes das próprias

localidades que, ao vislumbrarem a possibilidade de inserção na economia do turismo,

seja por exercerem alguma atividade com potencial para ser absorvida pela prática

turística ou por possuírem imóveis, acabam por implantarem empreendimentos

comerciais e de serviços.

De acordo com os dados obtidos nas observações realizadas em campo, as

atividades principais exercidas pelos comerciantes locais são: (a) empreendimentos

voltados à comercialização de alimentos e bebidas, de lembranças e souvenirs,

pequenos mercados e pousadas; (b) empreendimentos voltados à oferta de serviços de

guiamento de turistas e traslados (Figura 24).

Figura 24. Exemplos de meios de transportes empregados no traslado de turistas: (a) “trenzinho”, em Pipa (RN), e (b) taxibike, em Praia do Forte (BA).

Fonte: arquivo do autor (2010; 2012).

Por outro lado, a despeito de atuarem em convergência com os interesses e as

práticas dos agentes hegemônicos, seja em Pipa, Porto de Galinhas ou Praia do Forte, a

maioria dos comerciantes locais tem os seus empreendimentos em zonas menos

privilegiadas quanto à concentração de turistas, exceção feita às barracas de praia

(Figura 25), cuja localização é ideal para um destino de Sol e Praia.

Page 234: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

235

Figura 25. Locais onde estão estabelecidos empreendimentos de comerciantes locais em (a) Pipa (RN), (b) Porto de Galinhas (PE) e (c) Praia do Forte (BA).

Fonte: arquivo do autor (2010; 2012).

Sobre as barracas de praia, vale aqui um exame mais detalhado, posto que seus

proprietários (agentes, portanto) exerçam suas territorialidades nos espaços mais

valorizados dos destinos em tela.

Em obra que resgata a história e interpreta fatos recentes da Praia da Pipa,

Simonetti (2012) alerta para os excessos cometidos pelos proprietários de barraca, ao

tempo em que alerta para a falta de regulamentação do uso e ocupação da faixa de praia,

enfatizando a complacência da Prefeitura Municipal de Tibau do Sul em relação a tais

agentes de produção do espaço. Sobre ocupação desordenada da praia, o autor comenta,

evidenciando a articulação de agentes econômicos distintos:

Na praia principal, os sombreiros se multiplicam a uma velocidade

espantosa, sem nenhum critério. Cada dono de barraca quer colocar o

maior número de sombreiros, no afã de arrebanhar para si a maior

quantidade de clientes. Para isso, contam com a ajuda das empresas de

bebidas que doam, além dos sombreiros, mesas e cadeiras, com tanto

que vendam o seu produto. E, assim, a beira da praia, que deveria ser

Page 235: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

236

de livre acesso aos banhistas no direito de ir e vir, fica entupida com

tanta barraca, que mais parece uma feira livre (p. 218).

Em Porto de Galinhas, A.S. relata que tanto a atividade que exerce (garçom)

quanto a organização das barracas de praia (quantidade de mesas e de funcionários, por

exemplo) sofrem rígido controle da Prefeitura Municipal de Ipojuca, mais

especificamente de um preposto da Secretaria de Turismo de nome Coronel Alexandre.

Segundo o entrevistado, o referido funcionário tem a incumbência de resolver conflitos

relativos à gestão do turismo, atuando, inclusive, na regulamentação dos preços dos

produtos comercializados nas barracas de praia, visando evitar abusos.

Quanto à Praia do Forte, após o episódio de destruição das barracas de praia

ocorridos em meados da década de 1990 (relatados em outro trecho desta tese), foi

celebrado um acordo entre as partes em conflito (FGD e Prefeitura Municipal de Mata

de São João, de um lado, e os barraqueiros, de outro), e os proprietários – antigos e

novos – passaram a utilizar a linha da praia, mas com limites estabelecidos nos moldes

dos que foram relatados no exemplo de Porto de Galinhas, preservando-se, assim, a

possibilidade do exercício de territorialidades pelos chamados “barraqueiros” com

anuência dos agentes hegemônicos.

Os casos acima relatados expressam territorialidades que, ao tempo em que

permitem a atuação de agentes determinados, obstruem outras iniciativas espontâneas

de inserção de determinados grupos ao mercado do turismo através do emprego de um

efeito-barragem que, possuindo ou não a concretude de uma placa com dizeres e

símbolos proibitivos, é efetivo pela força da ordem, do disciplinamento.

Além das territorialidades anteriormente destacadas, há que serem mencionadas

as ações praticadas por aqueles moradores que se negam vender suas residências para

agentes econômicos de caráter hegemônico.

Há que se atentar, porém, para o fato de existirem duas motivações distintas para

a manutenção de residências por parte de antigos moradores em logradouros valorizados

pelos agentes econômicos ligados aos setores de comércio, serviços e imobiliários.

Enquanto alguns dos residentes demonstram clara intenção de promover a especulação,

em outros casos, é possível constatar o interesse de seguir vivendo em imóveis cuja

propriedade resulta de herança familiar ou que foram adquiridas após anos de intensa

labuta para conquistar uma moradia. Aqueles, serão analisados neste subitem. Quanto

Page 236: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

237

aos últimos citados, seu exame terá lugar no fragmento do texto que evidencia as

territorialidades insurgentes.

Como uma das mais modernas formas de acumulação do capital, o turismo

impõe novas territorialidades aos lugares onde passam a vigorar. A maioria dos arranjos

territoriais que disso decorrem possui um caráter contraditório, posto que os agentes

vinculados à prática turística tem, como poucos, a capacidade de “desterritorializar, ao

reterritorializar” (LACERDA, 2010, p. 44). Dentre as práticas que se enquadram nesse

processo dialético, é especialmente reveladora a especulação imobiliária.

Ávidos por rápidos ganhos econômicos derivados da prática turística e tendo

tomado conhecimento da valorização pela qual passaram seus imóveis, em especial

aqueles localizados nas vias principais ou próximas, alguns moradores locais passaram

a atuar como verdadeiros especuladores em escala local. Sobre o tema ora evidenciado,

o relato de O.J., morador de Pipa, guardador de automóveis, é elucidativo ao extremo:

Aquela casa ali [apontando para uma das residências localizadas nas

proximidades da Avenida Baía dos Golfinhos], a dona só tá [sic]

esperando alguém chegar com o dinheiro “certo”, que ela vende. Ouvi

falar que até já ofereceram uma boa nota, mas ela acha que dá prá [sic]

ganhar mais e tá [sic] lá, quietinha, só esperando a vez dela. (...) Ela tá

[sic] é certa. Aqui já teve muita gente que se deu bem em cima da

inocência dos outros. Chegavam aqui, davam qualquer “mil réis” e os

pobres depois é que ficavam se lamentando da “burrada”.

Atos individuais, mas nem por isso incomuns, tais ações, pelo próprio caráter

especulativo que lhes dão sentido, se convertem em territorialidades contingentes, posto

que durem apenas enquanto não apareça compradores que se disponham a pagar os

valores estabelecidos pelos moradores. Assim, reafirmando o caráter contraditório da

atuação desses agentes, sua desterritorialização afirma a capacidade de

reterritorialização daqueles que buscam estabelecer vínculos exclusivamente

econômicos nas destinações turísticas.

Longe de serem harmônicas (a despeito da imbricação de interesses entre

agentes locais e hegemônicos), as territorialidades adesistas revelam o caráter

contraditório do turismo como ora é gestado nas localidades de Pipa, Porto de Galinhas

e Praia do Forte. Além disso, essas estratégias territoriais tornam mais complexas as

relações entre as pessoas, entidades, organismos públicos, privados e do Terceiro Setor.

Por outro lado, as territorialidades adesistas são elementos de articulação entre o

mundo e os lugares, transformados em centros do turismo globalizado. Em outras

palavras, através da adesão de parte da população local aos desígnios impostos pelos

Page 237: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

238

agentes hegemônicos, se estreitam os vínculos entre as verticalidades e as

horizontalidades do/no espaço.

Nas palavras de Santos (2002a), a tendência atual é de uma unificação

verticalmente constituída dos lugares, gerando uma entropia que, a partir da ação dos

vetores de modernização “trazem desordem aos subespaços em que se instalam e a

ordem que criam é em seu próprio benefício” (Idem, p. 287).

Existem, porém, as práticas que se manifestam na forma de

contrarracionalidades a esse processo homogeneizante, cuja força motriz está na

possibilidade do fortalecimento horizontal dos lugares, “reconstruindo, a partir das

ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil,

a serviço dos interesses coletivo” (Ibdem, p. 287-288), como se verá a seguir.

7.3.2 As territorialidades insurgentes em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

Diferente dos indivíduos e grupos anteriormente analisados, os que serão

abordados neste subitem atuam na construção de territorialidades que contrariam, de

alguma maneira, os interesses dos agentes hegemônicos. Entre os indivíduos, destacam-

se membros das populações locais (ainda que, em situações específicas, possam agir em

pequenos grupos), ambulantes, pessoas resistentes à especulação e pescadores (porém,

marcados pelo hibridismo); em meio aos grupos, são os mais importantes o tráfico de

drogas e a prostituição (ambos resultando, também, de formas individualizadas de

atuação).

As práticas territoriais da população local são, em sua grande maioria,

pulverizadas em pequenos atos isolados, que se enquadram nas dinâmicas das já

abordadas microterritorialidades. Contudo, em alguns casos, mais evidentes, é possível

destacar ações mais contínuas, ainda que espontâneas, tornando mais factível o seu

exame. Tome-se como exemplo os jovens moradores locais e as territorialidades que

praticam ao usufruírem da praia como local de lazer.

Nos balneários em exame, a praia se constitui em um dos poucos locais onde não

há restrições (ostensivas ou veladas) à presença de pessoas, independentemente de

quaisquer agrupamentos nos quais a sociedade esteja enquadrada. Se os preços

praticados em bares, restaurantes, boates e festas ou as vestimentas, linguagens e

expressões corporais dos turistas são elementos de constrangimento e inibição da

presença de indivíduos dos balneários em locais de grande concentração de turistas,

Page 238: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

239

configurando formas de contenção territorial, a praia, ao contrário, permite a

copresença.

Conforme afirma Haesbaert (2009a), toda forma de contenção acaba gerando

também o seu oposto, ou seja, a possibilidade de recomposição do fluxo a ser contido,

em outras bases, em outros ritmos. Nas palavras do autor, empregando postulações

foulcautianas,

Por mais que tentemos conter a sua fluidez e a sua mobilidade, o

Outro está permanentemente descobrindo novos caminhos, novos

“vertedouros”, impelido, numa sociedade cada vez mais biopolítica,

pela própria luta da sobrevivência biológica cotidiana. Ou seja, não

serão meros mecanismos de contenção, envolvidos em políticas “de

exceção”, cada vez mais autoritárias, que irão impedi-lo de buscar

uma saída (...) (p. 118).

A praia é, assim, um local onde os moradores dos balneários conformam

territorialidades que, pela proximidade com os turistas, contornam e, ao fim e ao cabo,

afrontam as dinâmicas de contenção territorial praticadas nos demais espaços destinados

aos visitantes.

Quanto aos ambulantes, esses formam um dos mais expressivos contingentes de

trabalhadores, dentre aqueles que atuam no circuito inferior da economia dos balneários

turísticos. Sem organização prévia, esses trabalhadores formam, porém, um grupo

invisibilizado, graças, sobretudo, ao emprego de estratégias que tem o propósito de

burlar as fiscalizações municipais. “É difícil trabalhar aqui, viu? A Prefeitura não deixa

que a gente fique nessa parte aqui [divisando a Rua da Esperança]. Tem muita

perseguição.”, afirma G.A., ambulante em Porto de Galinhas, morador de Ipojuca.

No que se refere à Praia da Pipa, o Ministério Público Estadual ajuizou, na

Comarca de Goianinha (RN), a Ação Civil Pública n. 116.06.200770-4, em 2010,

requisitando do Poder Executivo de Tibau do Sul a realização de cadastramento e

definição dos limites de atuação dos ambulantes, de quem se reclama do descontrole na

ocupação dos espaços públicos. No entanto, essas pessoas seguem trabalhando,

principalmente nas praias mais centrais, em meio às barracas, onde vendem desde

gêneros alimentícios a vestimentas, valendo-se, para tanto, da precariedade da

fiscalização impetrada pela municipalidade.

Em Porto de Galinhas, a proibição da atividade ambulante na Rua da Esperança

surtiu efeito, ao menos até o presente momento. Ao contrário do que ocorria em anos

anteriores, não há mais, na via, qualquer comércio de rua. A partir de então, sob

Page 239: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

240

controle da Prefeitura Municipal de Ipojuca, os ambulantes foram cadastrados e

passaram a atuar, com permissão governamental, nas praias, com número limitado de

pessoas que podem trabalhar. Isto não significa, porém, que não haja ambulantes

irregulares, que atuam nas “brechas”, onde a fiscalização municipal não é capaz de

obstruir a atividade.

Semelhantes às localidades de Pipa e Porto de Galinhas, Praia do Forte é locus

de intensa ação de ambulantes, onde também ocorrem restrições ao comércio de rua. No

balneário baiano, esses profissionais atuam nas praias e nas proximidades dos principais

restaurantes da vila, locais onde há grande concentração de turistas.

Outros indivíduos que exercem territorialidades que são um contraexemplo do

adesismo são as pessoas resistentes à especulação. Em Praia do Forte, ao mesmo tempo

em que há um processo de desterritorialização da população local para as demais

nucleações do município de Mata de São João, como Malhadas e Açu da Torre, entre

outras, como resultado da prática de especulação imobiliária e do vertiginoso aumento

do custo de vida, há resistências de alguns moradores, ainda que difusas e cada vez

menos visíveis, que permanecem habitando suas antigas moradias na via principal da

vila, não cedendo ao apelo do mercado, cujos agentes os assediam com o intuito de

transformar as construções residenciais em empreendimentos comerciais (Figura 26).

Figura 26. Processos de (des)territorialização em Praia do Forte e entorno: (a) favelização entre Açu da Torre e Malhadas; (b) imóvel residencial localizado na Av. ACM.

Fonte: acervo do autor (2010; 2012).

Conforme aponta Santos (2007, p. 112), “A localização das pessoas no território

é, na maioria das vezes, produto de uma combinação entre forças de mercado e decisões

de governo”. Assim, a saída de antigos moradores de Praia do Forte para as localidades

(a) (b)

Page 240: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

241

mencionadas, processo que encontra certa similaridade – em menores distâncias que no

caso baiano – com aqueles observáveis em Porto de Galinhas, quando da formação das

nucleações do Socó, Pantanal e Salinas, e em Pipa, a partir da expansão da mancha

urbana em direção ao loteamento Bela Vista (na margem da estrada que liga Pipa à sede

municipal de Tibau do Sul), tem na atuação especulativa dos agentes econômicos – ora

com anuência, ora com intervenção direta do Estado – a causa principal da sua

ocorrência.

A reterritorialização desses moradores em localidades menos valorizadas do

ponto de vista turístico-hoteleiro e imobiliário de alto rendimento é precedida, assim, de

uma desterritorialização marcada não apenas pela perda do solo na perspectiva do valor

de troca que é inerente ao mercado de terras, mas também, e principalmente, pelo

descolamento do eixo da vida. O que era o locus de reprodução social passa a ser, para

esse antigo morador desterrado, um território de estranhamento, o que, de certa forma,

também explica o desinteresse pela copresença naqueles espaços dominados pelos

turistas, como visto alhures.

No entanto, a despeito da intensa pressão que os agentes hegemônicos

promovem sobre os moradores locais em razão da força da especulação imobiliária e da

transformação das localidades em centros de consumo, alguns desses “nativos” acabam

estabelecendo uma verdadeira revanche, ao insistirem em permanecer habitando

residências localizadas em logradouros valorizados pelos agentes econômicos ligados

aos setores de comércio, serviços e imobiliários.

A casa é, para Maia (2012), mais do que uma simples estrutura arquitetônica, um

objeto dotado de sentido, posto que contenha significados para aquele que a habita.

Através da casa, comunicamos aos outros nossa identidade; buscamos

segurança e privacidade; gozamos de momentos íntimos; deixamos o

“mundo” em suspenso; demarcamos nosso “pedaço”; exibimos nossas

prioridades, gostos e desejos. Em seu interior, exercemos o direito à

liberdade ou, ao contrário, aprisionamo-nos no mundo que

construímos (p. 340).

Mais adiante, segue:

A casa assume junto aos segmentos populares (...) um valor

inestimável. Para a maioria deles, significa a possibilidade de

integração efetiva ao bairro e à cidade e, mais que isso, elemento

capaz de torná-los reconhecidos como sujeitos e autores de sua própria

história (p. 341).

Page 241: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

242

Os fragmentos extraídos do escrito de Rosemere Santos Maia são argumentos

irrefutáveis para a constatação de que a casa é um território identitário para a pessoa que

a habita, o que é motivo suficiente para que se refute a possibilidade da sua perda, ainda

que – transformada a residência em valor de troca por quem a pretende – os

quantitativos financeiros ofertados sejam altos. Nas palavras da autora: “(...) as

territorialidades criadas expressam a consciência dos sujeitos, sua intencionalidade,

forjando sua identidade e demarcando sua diferença/distinção em relação ao outro” (p.

346).

Além dessas casas assentadas nos espaços preferenciais para o flaneur dos turistas,

os becos e vielas que ligam essas importantes vias dos balneários litorâneos a pequenas

aglomerações de residências localizadas no entorno de pátios internos (Figura 27), são

exemplos adicionais dessas formas de reprodução social que escapam à

homogeneização que acomete a Avenida Baía dos Golfinhos, em Pipa, a Rua da

Esperança, em Porto de Galinhas ou da Alameda do Sol/Avenida ACM, em Praia do

Forte.

Figura 27. Vielas e becos nas proximidades da (a) Avenida Baía dos Golfinhos, em Pipa (RN) e da (b) Avenida ACM, em Praia do Forte (BA).

Fonte: acervo do autor (2012).

No que tange ao tráfico de drogas e à prostituição, por motivos de segurança, a

análise das territorialidades impetradas por tais agentes decorre, tão somente, da

interpretação crítica e reflexiva de breves relatos colhidos durante as pesquisas de

campo. Tema tabu junto às populações que habitam as localidades em estudo, foram

poucos os entrevistados que se dispuseram a tratar, ainda que de modo superficial, de

questões atinentes ao tráfico de drogas e à prostituição. No entanto, os parcos relatos

Page 242: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

243

obtidos permitem inferir que o tráfico é uma atividade em rede – cujas articulações

estão para além do próprio estado – e que se mantém a partir de práticas coletivas.

Quanto à prostituição, os indícios apontam para práticas mais individualizadas,

que envolvem jovens – homens e mulheres – locais, além de pessoas que vivem

ocasionalmente nos balneários, especificamente nos períodos de alta estação.

No âmbito das territorialidades insurgentes, os indivíduos exercem seu poder (ou

tentam exercê-lo), que se manifesta, especialmente, através de resistências, nas escalas

menores da vida, presididas pelas nanoterritorialidades ou microterritorialidades. Para

Costa (2008, p. 183), essa “análise microgeográfica” prioriza o exame de fenômenos

que se desenvolvem em escala local, produzindo e diferenciando o espaço como

resultado da apropriação e especialização de pequenos lugares por processos

particulares de convivência social. Nas palavras de Souza (2009, p. 67), esta é “a

escala, por excelência, dos oprimidos e de suas táticas, com suas resistências

quotidianas inscritas no espaço (...)”.

Contudo, adverte Benhur Pinós da Costa (Idem), com base nas formulações de

Paulo César da Costa Gomes, a ênfase na escala microgeográfica não descarta a análise

extralocal, que evidencia processos mais gerais e de escala mais globalizante. Assim, a

microgeografia que trata dessa escala territorial marca o atravessamento do mundo nos

lugares, conforme ensina Santos (1997, 2000, 2002a) ou, em outros termos, “As

territorialidades micro (...) são, portanto, subsidiárias deste ‘encontro’ de processos

socioespaciais situados na confluência interescalar do macro e do micro” (FORTUNA,

2012, p. 201).

Essas estratégias territoriais resultam, primordialmente, de atos que se manifestam

a partir das horizontalidades do/no espaço, que, mesmo atravessado pelas imposições

verticalmente constituídas, admite formas de convivência e regulação criadas sob

lógicas endógenas (SANTOS, 2000), substantivando, assim, a copresença e as

resistências.

7.3.3 As territorialidades híbridas em Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

Em meio a toda multiplicidade de arranjos que se conformam nas localidades de

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, há ainda as estratégias territoriais cuja atuação

dos agentes pode estar enquadrada tanto nas territorialidades adesistas, quanto naquelas

de caráter insurgente, estando, pois, marcadas por um hibridismo. São práticas que

Page 243: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

244

permitem ações mais próximas aos ditames do turismo ou, em sentido inverso, que

neguem/se oponham à prática.

Conforme demonstrado na figura 21, duas entre as diversas estratégias

territoriais identificadas nos citados balneários turísticos estão enquadradas nessa

condição híbrida, quais sejam: aquelas provenientes das ações das entidades culturais e

dos pescadores.

Para efeito desse estudo, são consideradas entidades culturais os organismos que

atuam, de forma organizada, na preservação, realização e/ou divulgação de práticas e

eventos ligados à cultura popular, tais como festas tradicionais, inclusive as de caráter

religioso, e manifestações artísticas e folclóricas. Não se enquadram nesse contexto, as

empresas de eventos.

Algumas festas e manifestações culturais são consideradas positivas como

elementos que tem a capacidade de incrementar o turismo nos balneários, sendo

transformadas, portanto, em atrativos turísticos, muitas das quais organizadas com apoio

logístico e/ou financeiro das municipalidades e agentes econômicos. Nesses casos, as

entidades que assumem a tarefa de preservar, realizar e divulgar tais práticas passam a

assumir territorialidades adesistas.

Para Santos (2000), a globalização exerce sua influência sobre todos os aspectos

da existência, inclusive na vida cultural. Uma das consequências desse processo é, ainda

segundo o autor, o novo significado que se dá à cultura popular, resultante da

incapacidade dos agentes da globalização em homogeneizar a tudo e a todos e, como

efeito disso, a acessão dessas manifestações em condição de rivalidade com a chamada

cultura de massas. Assim, o movimento unificador da massificação encontra a

resistência cultural preexistente, constituindo-se, assim, “formas mistas sincréticas,

dentre as quais, oferecidas como espetáculo, uma cultura popular domesticada

associando um fundo genuíno a formas exóticas que incluem novas técnicas” (p. 144).

Festas dedicadas aos santos padroeiros (São Sebastião, em Pipa; Nossa Senhora

do Desterro, em Porto de Galinhas; São Francisco de Assis, em Praia do Forte),

carnavais e procissões religiosas e outras comemorações tradicionais, são, assim,

cooptadas pelo avanço do capital sobre a cultura e passam a fazer parte dos calendários

oficiais de eventos dos balneários.

Além disso, algumas das poucas entidades culturais existentes e grupos que

preservam manifestações tradicionais, são constantemente convocadas para realizarem

apresentações em eventos públicos, promovidos, na maioria das vezes, pelas prefeituras,

Page 244: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

245

ou privados, realizados, principalmente, pelas empresas do setor hoteleiro.

Recentemente, o Eco Resort & Thallasso SPA, o mais antigo empreendimento hoteleiro

da vila, desenvolveu o Projeto Caretas, que visa preservar uma das mais importantes

manifestações culturais do norte do estado, as caretas carnavalescas.

Por outro lado, quando a prática, ao contrário, exerce efeito negativo sobre o

turismo, a territorialidade advinda da ação empreendida pelos seus realizadores é

considerada insurgente. Assim, ainda que não sofra retaliações diretas por parte da

prefeitura municipal e dos agentes econômicos, a continuidade da manifestação cultural

é constantemente ameaçada pela falta de recursos para o provimento de equipamentos,

vestimentas e demais componentes necessários à realização da atividade.

De acordo com a análise realizada em campo, apenas alguns poucos grupos de

capoeira (em Pipa e Praia do Forte), samba-de-roda (em Praia do Forte) e Coco (em

Porto de Galinhas) se enquadrariam entre as entidades que exercem territorialidades

insurgentes, já que não estão alinhadas aos interesses de mercantilização da cultura.

Quanto aos pescadores, embora uma maioria esmagadora – nos três balneários –

tenha cedido ao “canto da sereia” empostado pelos agentes do turismo (com anuência

das respectivas colônias de pescadores), passando a assumir, como afirmado alhures, as

funções de guias de turismo, e portanto, submetidos a práticas geradoras de

territorialidades adesistas, há exemplos, isolados, mas significativos pela capacidade de

resistência, de profissionais que seguem dedicando a sua força de trabalho à atividade

que dominam, em muitos casos, desde a infância, o que, em sentido inverso, pode ser

considerado como territorialidades insurgentes (Figura 28).

Figura 28. Exemplos do hibridismo territorial dos profissionais da pesca: (a) jangadeiros transportando turistas em Porto de Galinhas (PE) e pescadores realizando manutenção das redes, em Praia do Forte (BA).

Fonte: arquivo do autor (2009; 2012).

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246

Em Porto de Galinhas, a substituição da pesca pelo guiamento é um processo

mais consolidado que nas demais localidades pesquisadas, ainda que, também nessas,

seja um fato significativo. Na localidade pernambucana, há forte demanda por

jangadeiros, posto que a visita aos corais seja uma das práticas mais requisitadas pelos

turistas. A.V., morador do Pantanal, pescador aposentado, revela uma inquietação

quanto ao futuro da atividade pesqueira:

Antes, meu amigo, todo menino daqui queria subir num barco para

aprender a pescar. Se o menino não virasse pescador, pelo menos

conhecia o ofício. Hoje, não sei qual é o futuro da pesca. Todo mundo

só quer “carregar” os turistas prá [sic] baixo e prá [sic] cima. Até os

pescadores mais antigos, que ainda estão na ativa, mais passeiam do

que pescam.

Essa cooptação dos pescadores pelo segmento turístico é uma realidade também

em Pipa e Praia do Forte. Contudo, a menor demanda turística, derivada da sazonalidade

imposta pelos limitados períodos nos quais é possível avistar golfinhos e baleias,

respectivamente, permite, ao menos em dados lapsos de tempo do ano, a manutenção da

pesca como meio de vida para alguns dos habitantes locais. D.G., morador de Praia do

Forte, pequeno comerciante e pescador, explica tamanha flexibilidade laboral:

No verão, quando isso aqui enche de turistas, sou comerciante, vendo

meu espetinho e minha cervejinha aqui na barraca. Nos períodos de

baixa [estação], “viro” pescador. (...) Tenho até a carteirinha da

colônia de pesca, recebo o dinheirinho do defeso e tudo (risos).

Por outro lado, há quem, por recusa ao imperativo dos novos tempos, segue

exercendo a atividades típicas de pescador. Um dos exemplos mais contundentes é o de

P.C., pescador, morador de Pipa, cujo relato revela toda a pressão exercida para que tais

profissionais sejam absorvidos pela prática turística:

Estou aqui desde pequeno. A única coisa que sei fazer é lidar com os

peixes. Já tive um curral [de pesca] bem aí em frente [apontando para

o trecho de praia em frente ao povoado]. Mas hoje, prá [sic] pescar,

tenho que ir cada vez mais longe. Às vezes, parece que meu trabalho

atrapalha o dos outros, sabe [referindo-se aos barqueiro que

transportam turistas]? Mas eu vou seguindo, como Deus quer, até o

fim da vida.

Em seguida, arremata, ao seu perguntado sobre a afirmativa anteriormente

descrita, de que sentia atrapalhar o trabalho dos barqueiros dedicados ao transporte de

turistas:

Não é que ninguém venha aqui prá me dizer “você tem que largar da

pesca e trabalhar com nós” [sic]. Mas toda hora tem um colega que

Page 246: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

247

vem com um “zum-zum-zum” na minha cabeça, que tá [sic] ganhando

dinheiro, que o bom é trabalhar com os turistas. Parece até que os

“cabra” querem acabar com o ofício de pescador na Pipa.

Essas práticas insurgentes são, no entanto, contingenciais, posto que alguns dos

pescadores, principalmente em Pipa, comercializem parte da sua produção em

empreendimentos hoteleiros e restaurantes que, ao fim e ao cabo, existem apenas para

darem vazão às demandas criadas pelos turistas, os mesmos cujos interesses são

negligenciados pelos profissionais da pesca.

7.4 Breve síntese da análise comparativa das estratégias territoriais verificadas em

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte

O exame das estratégias territoriais que ora se desenvolvem nos balneários de

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte é revelador, por um lado, do vertiginoso

processo de transformação pelo qual essas localidades vem sendo submetidas desde a

sua transformação em territórios do turismo e, por outra parte, da ampla diversidade de

territorialidades que são praticadas nesses destinos turísticos, isso a despeito das suas

pequenas dimensões demográficas e do império absoluto de uma função urbana, no caso

o turismo.

A multiterritorialidade – para empregar o termo mais adequado – diz respeito,

segundo Haesbaert (2004b, p. 344), à possibilidade de “experimentar vários territórios

ao mesmo tempo” ou, em outras palavras, à “vivência, concomitante, de uma enorme

gama de diferentes territórios” (HAESBAERT, 2008, p. 30), sendo esta a chave para o

entendimento da tipologia desenvolvida para abrigar, no contexto da urbanização

turística dos balneários em exame, as várias estratégias territoriais verificadas.

Importante salientar que, além da multiplicidade aqui revelada, há outras

territorialidades que se inscrevem nos quadros da realidade de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte, mas cujos agentes, os ditos hegemônicos, não receberam a mesma

atenção, no âmbito deste estudo, que os hegemonizados, ainda que haja um explícito

reconhecimento de que a atuação destes últimos resulta, em grande parte, de ajustes e

reações ao modo de agir daqueles.

As diferentes estratégias territoriais que tem nos já mencionados agentes

hegemonizados os seus protagonistas foram enquadradas em territorialidades adesistas e

territorialidades insurgentes. Há ainda aquelas cuja condição específica permite um

Page 247: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

248

enquadramento concomitante em ambos os tipos anteriormente aventados, sendo

caracterizadas, portanto, por serem híbridas.

Por outro lado, ao pensar a ocorrência dessas territorialidades segundo uma

perspectiva comparativa, é possível perceber que as similaridades e diferenças

verificáveis estão circunscritas ao grau de intensidade da ação exercida pelos agentes e

das repercussões que acarretam nos distintos destinos turísticos. Vale afirmar que,

mesmo em contextos espaço-temporais próprios, os agentes acabam por desenvolver

estratégias que se aproximam pelas características da ação impetrada, principalmente

nos casos de territorialidades adesistas, postos que sejam, em maior ou menor medida,

induzidas pelos agentes hegemônicos, sequiosos pela homogeneização das relações,

com evidentes consequências nos espaços transformados em territórios.

Page 248: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

249

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES

Não há como negar que o turismo, como atualmente é gestado, promove

considerável crescimento econômico nos lugares onde ocorre, tendo se tornado

elemento fundamental na geração de superávit e lucro – desde os pontos de vista do

Estado e dos agentes econômicos, respectivamente. Mas é preciso admitir, por outro

lado, que tal prática não remediou a contento os problemas que tais agentes prometiam

debelar, especialmente através da veiculação de discursos que apontam o turismo como

um vetor privilegiado de “redução das desigualdades sociais e regionais, promovendo a

inclusão social e gerando mais emprego e renda para a população” (BAHIA, 2011, p. 9).

Ao contrário, o turismo acabou por acentuar alguns problemas preexistentes

como a diferenciação da sociedade por classes, além de instaurar outros, até então

inéditos em pequenos povoados e vilas dispersos do litoral nordestino, como a

mobilidade da população local e os seus efeitos mais agudos, entre os quais, vale

destacar, a periferização e, em casos extremos, a favelização, todos com forte incidência

sobre os territórios.

Em localidades como Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, há uma

convivência, perversa, em todos os sentidos, entre territórios da modernidade, cuja

implantação tem no Estado e nos agentes econômicos os seus principais responsáveis, e

territórios da precariedade, nos quais as parcelas da população não ou pouco

beneficiadas pelo turismo se estabelecem.

Emerge dessa constatação a necessidade de refletir sobre os modelos de políticas

públicas, de ordenamento territorial e, como parte do anterior, de urbanização turística

voltados para a implantação da prática turística como ora se faz nesses lugares do litoral

nordestino, bem como sobre os arranjos territoriais daqueles indivíduos e grupos que

lidam – espontânea ou compulsoriamente – com o turismo, algo incessantemente

buscado neste estudo.

A tese, dividida em três partes e sete capítulos, busca lançar luzes sobre as

práticas territoriais dos indivíduos e grupos que, como em muitos casos, mesmo

habitando os lugares desde muito antes dos processos de reestruturação territorial

produtiva, não foram contempladas ou pouco se beneficiaram da formação de territórios

do turismo em praias nordestinas rigorosamente selecionadas por uma aparente aptidão

– ou “vocação”, como apregoado entre os planejadores e gestores públicos – para o

desenvolvimento turístico.

Page 249: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

250

A Parte I, denominada A dinâmica territorial do turismo na contemporaneidade,

trata de contextualizar o turismo como uma prática com grande capacidade de alienação

dos espaços onde ocorre. Para tanto, no Capítulo 1, é feita uma análise das

transformações pelas quais o turismo vem passando a partir da sua compreensão como

um elemento de produção e consumo do espaço assentado em bases (neo/pós)fordistas.

Além disso, no Capítulo 2, é feito um exame teórico-conceitual que expõe os aspectos

mais relevantes da abordagem territorial, mormente naquilo que se refere ao exame do

turismo sob tal perspectiva geográfica, considerando-a em seus aspectos relacional,

histórico e multidimensional.

Na Parte II, intitulada Processos de territorialização do turismo na América

Latina e no Brasil, é feita uma análise do papel desempenhado pelas políticas públicas

para o turismo na construção material e simbólica dos destinos. Neste sentido, o

fragmento se propõe a realizar um percurso analítico no qual se dimensiona a

importância do “modelo Cancún” como paradigma do Prodetur-NE, o que corresponde

ao Capítulo 3, ao tempo em que examina, no Capítulo 4, as estratégias de ordenamento

territorial e urbanização turística desenvolvidas nos destinos de Sol e Praia do litoral

setentrional brasileiro a partir da implantação do referido programa.

Em Territórios do turismo e outras territorialidades no Nordeste do Brasil,

correspondente à Parte III desta tese, é dado um enfoque – em uma perspectiva

comparativa – às práticas territoriais das populações locais de Pipa, Porto de Galinhas e

Praia do Forte frente ao processo de turistificação desses lugares. Tomado como o core

desta tese, o referido fragmento versa, em um primeiro momento (Capítulo 5), sobre os

caminhos metodológicos da pesquisa, enfatizando os procedimentos da abordagem

comparativa empregados na sua consecução, para, em seguida, proceder o exame da

formação territorial dos destinos turísticos postos em relevo neste estudo (Capítulo 6), e

a análise crítica e reflexiva das territorialidades praticadas pelos agentes hegemonizados

que ali vivem (Capítulo 7).

Vale ressaltar que a escolha pela realização de um exame de caráter geográfico

baseado na comparação de três dos mais importantes destinos turísticos do litoral

nordestino se impôs pela necessidade de exaltar as convergências e divergências

resultantes da complexa interação dos distintos agentes que atuam nesses lugares a

partir da implementação de políticas públicas amparadas na unicidade e na

homogeneização dos processos de produção e consumo desses espaços marcados por

uma pretensa “vocação” para o turismo.

Page 250: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

251

Como se pode observar na literatura relativa ao tema, são muitas as pesquisas

que tratam de compreender, explicar e mensurar os efeitos do turismo em destinos de

Sol e Praia nas quais Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte aparecem como objetos

de estudo, convertendo-os em lugares privilegiados no que tange à produção de

conhecimento novo, seja na própria Geografia ou em outros campos do saber, como nas

Ciências Sociais, Biologia e Meio Ambiente, Administração, Turismo e Psicologia, por

exemplo.

Ocorre, porém, que invariavelmente, tais estudos são realizados desde uma

perspectiva fragmentária de análise, como se a transformação dos lugares mencionados

em destinos turísticos resultasse de ações isoladas e não de um processo laboriosamente

bem articulado pelos agentes hegemônicos – Estado e detentores dos meios de produção

– que atuam no sentido de criar territórios do turismo, empregando, inclusive, modelos

bem sucedidos (desde uma perspectiva político-econômica), como no caso de Cancún

(México).

Fruto de um processo de turistificação do litoral nordestino gestado sob

condições normativas, organizacionais e operacionais únicas, pretensamente imunes às

vicissitudes produzidas pelo contato com o que é diverso, a transformação de

assentamentos multisseculares em destinos turísticos se dá sob um complexo arranjo de

articulações entre esses agentes hegemônicos, ávidos em replicar experiências de

mercado bem sucedidas onde quer que atuem. Tais estratégias permitiriam inferir que as

trajetórias geográfico-históricas desses destinos turísticos seriam absolutamente

convergentes dando margem para o surgimento de um período marcado pelo triunfo do

mundo sobre os lugares.

Por outro lado, as reações – favoráveis ou contrárias – a esse processo

transformador, cujas origens estão nesses lugares afetados pelo turismo, podem conter

elementos das singularidades que caracterizam esses diferentes pontos dispersos pelo

litoral nordestino. Nesse sentido, é possível estar diante de uma multiplicidade de ações

sintonizadas com o valor de uso ou com o valor de troca atribuídos aos lugares. Nessas

condições, surge toda uma miríade de (contra)racionalidades que, sejam fundadas na

expectativa de integração com as forças exógenas ou mesmo negando-as, encontram

sentido no próprio território e nunca para além dele.

Fica patente, pois, que, ao lançar luzes sobre os diversos processos que, ao fim e

ao cabo, se constituem em práticas territoriais substantivadas pela relação dialética entre

o global e o local, há que se considerar a dimensão relacional aí embutida. Desta forma,

Page 251: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

252

torna-se imperioso o uso de métodos de análise empregados na abordagem comparativa,

extraindo daí as diferenças e semelhanças na produção dessas territorialidades que se

desenvolvem em cada lugar e em todos os lugares evidenciados nesta tese.

Neste sentido, mais do que realizar uma análise meramente contextual de três

lugares afetados pelo turismo, ao contemplar a abordagem comparativa neste estudo, foi

possível evidenciar o caráter relacional – nem sempre aparente – das práticas territoriais

originadas a partir das relações que se estabelecem entre as populações que habitam

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte e o turismo.

A análise comparativa deu base, pois, para a constatação da vigência, nos

referidos destinos turísticos, de múltiplas territorialidades impetradas pelos agentes

locais, sejam elas convergentes com as ações políticas e econômicas que levam à

turistificação e, portanto, denominadas de territorialidades adesistas, ou não

subordinadas a tal processo de reestruturação produtiva, configurando-se, assim, como

territorialidades insurgentes.

As ditas territorialidades adesistas surgem da tentativa de alinhamento

(submisso, na grande maioria das vezes) aos interesses hegemônicos por parte de

indivíduos e grupos dos lugares examinados, visando garantir alguma forma de inserção

no mercado turístico. Buscam, assim, extrair benefícios – em geral, meramente

econômicos – das práticas fomentadas pelo turismo.

A despeito da precariedade das atividades desenvolvidas pela maioria dos

indivíduos e grupos que opta por esse tipo de estratégia, tal inserção é buscada por uma

quantidade expressiva dos moradores de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, que

acabam por legitimar as transformações impetrada pelos agentes hegemônicos, em sua

ação verticalmente constituída.

Além disso, os afazeres realizados no contexto de adesão aos desígnios do

mercado turístico ocorrem, em muitos dos casos, a partir do aproveitamento ou

ressignificação de práticas tradicionais entre os moradores locais, como, por exemplo,

os antigos pescadores que passam a atuar como jangadeiros e barqueiros (Porto de

Galinhas e Pipa, respectivamente), ou seja, condutores e guias para os turistas.

Como parte do conjunto de afazeres considerados como territorialidades

adesistas, são considerados aqueles cujas práticas emanam das ações de entidades

associativistas, organizações não-governamentais, comerciantes locais e especuladores

locais.

Page 252: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

253

As territorialidades insurgentes emergem da não submissão, por parte de

indivíduos e grupos locais, aos ditames dos agentes hegemônicos do turismo. Apesar de

serem uma minoria, de não formarem um bloco homogêneo e, por vezes, nem sequer se

identificarem como agentes de uma contrarracionalidade manifestada em oposição à

maneira como o turismo é praticado nos lugares onde vivem, essas pessoas,

isoladamente ou em conjunto, refreiam, na medida do possível, os abusos da ação de

agentes como o Estado e s detentores dos meios de produção.

Ainda que, nos casos aqui examinados, não se tenha identificado situações

concretas, evidentes e ostensivas que permitam afirmar a existência de movimentos

sociais emancipatórios, ao menos não no sentido defendido por Marcelo Lopes de

Souza, é possível encontrar certo paralelismo entre aquilo que o referido autor,

amparado pelas contribuições de Henri Lefebvre sobre o tema, concebe como práticas

espaciais dos grupos por ele estudados e aquelas que tem nas populações locais de Pipa,

Porto de Galinhas e Praia do Forte os seus protagonistas.

Algumas práticas espaciais – com evidente caráter territorial – desenvolvidas por

essas populações praieiras podem ser enquadradas, assim, entre aquelas ditas

insurgentes (Idem). Neste sentido, está claro que há, em tais territorialidades (exceção

feita àquelas ligadas a práticas ilegais), um conteúdo reivindicatório baseado na

possibilidade da copresença, da inclusão honrosa, da repartição o quanto mais justa

possível da riqueza e da sua fonte de recursos – o lugar transformado em destino

turístico – e, enfim, do direito ao desenvolvimento pleno.

Ainda tratando das chamadas territorialidades insurgentes, são assim

consideradas aquelas praticadas pelos jovens locais, ambulantes, indivíduos resistentes à

especulação imobiliária, assim como aquelas que substantivam nas relações com o

tráfico de drogas e a prostituição.

Além das práticas territoriais acima mencionadas, há que se considerar também

a existência de grupos cujas territorialidades tanto podem se enquadrar no rol daquelas

tidas como adesistas, quanto das que se configuram como insurgentes: as

territorialidades híbridas. Os grupos que assumem tal comportamento de foro territorial

são as entidades culturais e os pescadores.

Por outro lado, para além da análise a que se dedica este estudo, faz-se

necessário acrescentar algumas recomendações visando alimentar um debate

propositivo acerca dos rumos possíveis para o planejamento e gestão do turismo a partir

de uma perspectiva que contemple o território como locus privilegiado de promoção da

Page 253: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

254

fraternidade, da justiça e da cidadania. Por outro lado, é dever esclarecer que não há a

menor intenção em passar o “abecedário” para planejadores e gestores quanto às

minúcias e parâmetros de foro técnico que substantivam os seus campos de atuação.

O intuito maior é, fazer reverberar ideias cujo conteúdo propugna que outra

forma de apropriação dos destinos turísticos é possível. Significa, pois, pensar e agir

sobre/nos territórios do turismo para além das bandeiras que oferecem a salvação pelo

turismo, incluindo-se aí a do chamado desenvolvimento sustentável.

Importante salientar, logo de início, que as proposições aqui contidas foram

desenvolvidas segundo bases que refutam toda e qualquer ligação com os princípios

daquilo que se convencionou denominar de Turismo Sustentável, ao menos nos moldes

que esta concepção fora exaustivamente explorada a partir da década de 1990, chegando

mesmo a tornar-se um termo-chavão, um fetiche para estudiosos do turismo ávidos por

apresentarem soluções que levassem à redenção de lugares ambiental e socialmente

frágeis através da “mão salvadora” da dita “indústria sem chaminés”.

Segundo Rodrigues (2004) apesar da aparente justificativa de consumir “apenas”

paisagem/espaço/território, sem, em tese, gerar impactos nos lugares visitados, o

turismo não pode ser considerado uma prática sustentável por dois motivos: (a) pela sua

articulação com os elementos que promovem a acumulação capitalista; (b) pela própria

contradição inerente à junção dos termos desenvolvimento e sustentabilidade.

Para a autora, existe uma complexidade na constituição do espaço pelo turismo

que enquadra tal prática como uma entre as demais que se substantivam a partir do

modo de produção capitalista. Ao dirigirem o consumo para os lugares turísticos, os

agentes ligados à prática transformam tais destinos, fazendo-os se tornarem

“comercializáveis”, tudo isto presidido pela lógica da busca por divisas e lucros.

Por outro lado, ainda conforme aponta Rodrigues, os termos desenvolvimento e

sustentabilidade não se coadunam, sendo, na verdade, contraditórios entre si. Salienta a

autora que desenvolver, segundo a acepção que lhe é atribuída na (pós)modernidade, é

uma meta que implica produção crescente de mercadorias a serem consumidas.

Sustentabilidade, por sua vez, significa “manutenção das condições” (Idem, p. 177),

algo inalcançável em um quadro de ampliação da produção e do consumo.

Segundo Candiotto (2009, p. 49), em convergência com o que fora abordado nos

parágrafos anteriores, o conceito de desenvolvimento sustentável empregado pela

Page 254: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

255

entidade que mais difunde tal paradigma, a ONU (Organização das Nações Unidas)27

,

sofre muitas críticas de diversos estudiosos do tema justamente por “não questionar o

modelo de desenvolvimento produtivista e a lógica de crescimento econômico ilimitado,

que é predominante no sistema capitalista”.

Conforme sentencia Machado (2000), para quem, em convergência com as

impressões acima evidenciadas, “Assumir o termo desenvolvimento sustentável, (...), é

adotar como premissa básica a inexorabilidade do desenvolvimento capitalista global e

dos seus efeitos mais aparentes” (p. 85) [destaque gráfico no original], a noção de

sustentabilidade “implicaria apenas um conjunto de mecanismos de ajuste para o

enfrentamento da ordem global ameaçada” (opus cit.).

Ao fundamentar-se nesse modelo de desenvolvimento, a concepção de turismo

sustentável mantém vínculos com um ideário produtivista. Segundo a OMT

(Organização Mundial do Turismo, em citação de Candiotto (opus cit., p. 49), o

“turismo sustentável é aquele que atende as necessidades dos turistas de hoje e das

regiões receptoras, ao tempo em que protege e amplia as oportunidades para o futuro”.

Ao privilegiar o atendimento aos interesses do turista (e, antes disso, mas de modo

velado, dos agentes que viabilizam o turismo), tal conceito revela uma fundamentação

econômica da prática, incorporando apenas “timidamente as dimensões ambiental,

social e cultural, entendendo-as como oportunidades e recursos para a continuidade da

atividade turística, fato que demonstra o viés utilitarista propagado pela OMT” (opus

cit., p. 49).

Apesar da aparente capacidade de harmonização de interesses diversos

emanados de toda a miríade de agentes que atuam nos destinos turísticos, o turismo

sustentável não foi capaz de promover formas verdadeiramente inclusivas da prática. Os

motivos desse fracasso estão nas verificações acima descritas e nas observações

apontadas por Moura (2008, p. 129), ao afirmar que a pouca confiabilidade do modelo

pode ser dimensionada “pelo seu conteúdo ambíguo, pela fragilidade das explicações

técnicas de como atingi-lo, pela discutibilidade dos critérios do que seja

sustentabilidade e, enfim, pelas implicações éticas e morais que envolve”.

27

Segundo a Organização das Nações Unidas (1988, p. 9), desenvolvimento sustentável é um

modelo de desenvolvimento que “atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades

das gerações futuras atenderem suas próprias necessidades”. Para tanto, seria fundamental levar em conta

três dimensões, quais sejam: a social, que incide na busca pela redução da pobreza e da desigualdade, a

ambiental, cuja meta é a redução dos processos de degradação do meio ambiente, e econômica, que trata

da produção de riqueza material.

Page 255: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

256

Se há, por parte da OMT, uma idealização do turismo sustentável como algo

harmônico, positivo e isento de imperfeições, é preciso considerar que, na realidade, tais

requisitos não se confirmam, e muito disto ocorre justamente por não haver uma

problematização acerca das relações de poder e das contradições que envolvem a prática

turística sob o rótulo da sustentabilidade (CANDIOTTO, 2009).

Por outro lado, no que tange ao viés da sustentabilidade como paradigma para o

desenvolvimento urbano, Souza (2003, p. 141) tece importantes críticas, evidenciando,

inclusive, a existência de uma exacerbação empírica nos estudos sob tal rótulo como

reflexo de uma “baixa densidade teórica” dessa abordagem do planejamento e gestão

urbanos.

De fato, é patente o pouco apuro teórico e a carga excessiva de empirismo que

há nos estudos que versam sobre a dita cidade sustentável. As pesquisas derivadas de tal

perspectiva orbitam, via de regra, entre os estudos sobre aspectos ou problemas pontuais

da cidade e a apresentação de soluções parciais – atreladas a uma visão “ecologizante”

da complexa realidade urbana – e de eficácia duvidosa no tratamento de questões

referentes ao alcance da justiça social em sua plenitude, utilizando, para tanto, discursos

empobrecidos desde um ponto de vista epistemológico, o que inclui, evidentemente, a

teoria, bem ao feitio do pensamento neoliberal, com o qual a abordagem em tela não se

propõe a romper (SOUZA, 2003).

A própria noção de cidade sustentável denota, aliás, o quão comprometido com a

continuidade do consenso neoliberal tal paradigma está. Segundo Schussel (2004, p.

65), tomando como referência o pensamento de R. Camagni,

O modelo de referência para a pesquisa sobre a sustentabilidade

urbana não pode ser o “paraíso terrestre de equilíbrio eco-biológico”,

nem uma cidade ideal, mas um arquétipo pluridimensional, em que as

diferentes funções da cidade são representadas de forma a: - garantir

as economias de aglomeração e de proximidade; - favorecera

acessibilidade e a interação social; permitir uma integração em rede

com o mundo exterior; e em que o máximo de bem-estar coletivo é

resultado de integração positiva entre o meio ambiente natural, o

patrimônio histórico cultural, a economia e a sociedade.

Ainda que a assertiva contenha uma crítica – necessária – aos excessos do

discurso ecologizante que permeia os estudos sobre desenvolvimento sustentável, a

ideia de cidade subjacente a tal paradigma apresenta considerações ingênuas sobre uma

possível conciliação entre a promoção do bem-estar coletivo e das economias de

aglomeração. Antes de mais nada, seria fundamental questionar, como fizera Francisco

Page 256: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

257

Weffort, em citação de Santos (2007, p. 28 [1987]), “Como incorporar à cidadania

pessoas economicamente ‘dependentes’?”.

Além disso, retomando a questão da empiricização excessiva, é possível

encontrar toda uma miríade de pesquisas e publicações com ofertas as mais diversas de

soluções para os problemas urbanos a partir da análise de casos pontuais. Assim,

resumindo o exposto em alguns exemplos, enquanto, em algumas obras, advoga-se,

como modo de se atingir a sustentabilidade nas cidades, pela formulação de concepções

de planejamento urbano com caráter ecológico (PHILLIPS, 2003), em outros casos, são

defendidas medidas de “contenção urbana”, estratégia a ser realizada através do

“estabelecimento de clara fronteira entre o solo urbano e rural” (PARO, 2012, p. 9),

todas elas alimentando o processo de constituição de algo que Acselrad (1999, p. 82)

denominou de “ecocracia emergente”.

Diante de tais constatações, fica claro que a inclusão do termo “sustentável”

como designativo de uma dada forma de turismo ou de uma perspectiva de

planejamento e gestão urbanos serve apenas para induzir uma ideologia da mudança de

comportamento de agentes econômicos e do Estado em direção a um modelo menos

predatório, o que é, na verdade, uma falácia.

Pensar em ações alternativas ao atual modelo de planejamento e gestão dos

territórios do turismo que passem ao largo do exaustivo e pouco consistente debate

sobre sustentabilidade exige refletir sobre condições, princípios e mecanismos que

permitam alcançar o pleno desenvolvimento de lugares dominados pela prática turística,

sem adjetivações.

O desenvolvimento, aqui considerado como a “conquista de melhor qualidade de

vida para um número crescente de pessoas e de cada vez mais justiça social” (SOUZA,

2005, p. 101), carrega um sentido qualitativo que diz respeito ao alcance de melhorias

atinentes à sociedade e, portanto, ao espaço. É, por assim dizer, uma condição de vida a

ser constantemente buscada e/ou ampliada.

Como afirmado na citação acima, desenvolver(-se) diz respeito à crescente

incorporação de qualidade à vida, o que, em uma sociedade complexa, diversa e

desigual, só se torna possível mediante a incorporação do principio de justiça, no caso

aqui evidenciado, de justiça nos territórios.

Decorre dessa constatação, a necessidade, pois, de dissecar, com brevidade, as

concepções de desenvolvimento e de justiça territorial, visando, assim, incorporar tais

elementos às recomendações formuladas como alternativas ao modelo de planejamento

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258

e gestão dos territórios do turismo como ora são implementados em balneários

litorâneos do Nordeste brasileiro, a exemplo de Pipa. Porto de Galinhas e Praia do

Forte.

Em um escrito publicado em 2008, Eliseu Savério Sposito descreve a definição

de desenvolvimento conforme preconizada pelo PNUD (Programadas Nações Unidas

para o Desenvolvimento): segundo o órgão supranacional o termo diz respeito, pois, à

“possibilidade de ampliação das opções de consumo e satisfações pessoais e coletivas

das pessoas” (SPOSITO, 2008, p. 65). Logo em sequência, o referido geógrafo

arremata, afirmando que “O consumo é material, e as satisfações são menos materiais”

(opus cit.), posto que estas últimas envolvam, ainda segundo o autor, em um esforço de

interpretação da ambígua definição, a liberdade de movimento e de expressão, além da

ausência de opressão, violência ou exploração.

Diante da ambiguidade da definição e do pouco interesse do autor que a emprega

em desdobrar tão polêmica concepção de desenvolvimento, cabe aqui um

questionamento retórico: como satisfazer aspirações pessoais e coletivas, como

liberdade de movimento e de expressão e ausência de opressão, violência e exploração

em um ambiente no qual o ideal de desenvolvimento está baseado na ampliação da

capacidade de consumo?

No âmbito do turismo, as pretensas relações entre essa prática e a promoção do

desenvolvimento são sempre ressaltadas, ainda que sem grande apuro analítico. Tome-

se como exemplo um livro ironicamente intitulado Turismo e Desenvolvimento, no qual

Oliveira (2002, p. 35) atribui ao turismo a capacidade de “produzir um respeitável

impacto na economia local”, sendo também “um meio de redistribuir renda, captar

divisas, gerar novos empregos, incrementar outro setores econômicos, aumentar a

arrecadação fiscal, promover o desenvolvimento regional e motiva novos investimentos

com benefícios sociais”. Nesse registro, o autor revela a prevalência de interesses

econômicos na produção e consumo dos espaços destinados ao turismo, muitos deles

com conteúdo falacioso, sem, no entanto, evidenciar quais benefícios sociais são

verdadeiramente tributários da prática turística e como se pode atingi-los.

Por outro lado, há, entre os autores que lidam com a temática do turismo, quem

conceba a ideia de desenvolvimento a partir unicamente de um dos seus elementos

constitutivos, sendo o viés econômico o mais requisitado. A obra Turismo e

Desenvolvimento. Estudos econômicos e estatísticos no planejamento, de autoria de

Rabahy (2003), é um exemplo de tão recorrente vício analítico: a despeito do emprego

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259

do termo “desenvolvimento” no título, o livro se resume ao exame dos efeitos do

econômicos do turismo, com destaque para o exame de aspectos como mercado, renda,

emprego e balanço de pagamento.

Além disso, o termo “desenvolvimento”, forjado a partir de uma “visão

instrumental-economicista, conservadora, etnocêntrica e historicista da ideologia do

desenvolvimento hegemônica” (SOUZA, 1997, p. 19), é exaustivamente empregado

como retórica dos discursos de planejadores e gestores do turismo, sendo confundido,

em larga medida, com a ideia de crescimento econômico e oferta de postos de trabalho.

Como já fora afirmado, as recomendações postas em relevo não dizem respeito

às tratativas de foro técnico que são próprias dos âmbitos do planejamento e da gestão.

O que se pretende colocar a descoberto é, pois, uma pauta de análise que possa fomentar

outros níveis de debate sobre o processo de dominação/apropriação dos territórios do

turismo em pequenos assentamentos urbanos do litoral nordestino que vão além da

míope racionalidade burocrática, alheia, via de regra, às necessidades, desejos e anseios

das populações locais, as mais afetadas pelas transformações.

Tal pauta se faz, portanto, a partir da busca pela incorporação de dois novos

elementos fundamentais para o debate relativo ao alcance do pleno desenvolvimento

nos circuitos de planejamento e gestão do turismo, quais sejam: autonomia e geosofia.

Tais concepções são tidas, por sua vez, como componentes de um processo de

assimilação da justiça territorial como meio para se buscar o desenvolvimento em toda

sua plenitude.

Os estudos sobre equidade e justiça territorial não se configuram como uma das

preocupações mais destacadas nas pesquisas de caráter geográfico, notadamente no

Brasil. Por isso, é imperativa a realização de uma reflexão teórica sobre o tema,

tomando-o como um contributo essencial à formulação de propostas que levem a uma

reestruturação das localidades turísticas em exame desde um ponto de vista

verdadeiramente qualitativo e duradouro.

Ao esboçar algumas notas introdutórias acerca do tema da equidade territorial

em um editorial da Revista Geográfica Venezolana, Trinca (2012, p. 5) afirma que, ao

engendrar riqueza e pobreza, o sistema capitalista se torna promotor “de una desigual

apropiación material del territorio”, o que implica, obviamente, em desequilíbrios

territoriais. Assim, os clamores por justiça social são, também, levantes por justiça

territorial.

Page 259: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

260

Segundo a autora, apenas recentemente a Geografia se apropriou – de modo

mais sistemático – do tema da justiça social, apontando como protagonistas de tal

empreitada David Harvey, na obra The social justice and the city (1973), e Edward

Soja, no livro Seeking spatial justice (2010). Vale mencionar que ambos os autores

propugnam suas análises a partir da categoria espaço e não pelo viés explícito da

abordagem territorial, o que, de modo algum, é impeditivo para um exame de tais

pressupostos a partir da assimilação do conceito de território.

Por outro lado, entre os estudiosos brasileiros dedicados à reflexão sobre a

incorporação da noção de justiça no pensar e agir técnico-científico sobre a cidade, é

necessária uma menção aos importantes trabalhos de Marcelo Lopes de Souza, entre os

quais se destacam Mudar a cidade (2003) e A prisão e a ágora (2006a), e de Milton

Santos, cujas reflexões contidas em A urbanização brasileira (2005a) e nO espaço do

cidadão (2007), servem de inspiração para um debate profícuo em torno de uma

mudança mais que necessária nas formas de constituição dos territórios do turismo em

balneários litorâneos do Nordeste do país.

Essencial salientar que as contribuições de Harvey (1973; 1996) e Souza (2003;

2006a) são fundamentais para sedimentar uma base teórica que permita a formulação de

um discurso que conduza a uma ação em favor do desenvolvimento autêntico das

nucleações urbanas atualmente transformadas em territórios do turismo. Embora o

segundo tenha empreendido severas críticas ao primeiro, dirigidas, principalmente, ao

que chama de “marxismo inseguro”, “confuso” e “fatigado” (SOUZA, 2012, p. 9; 11;

12) contido em recentes trabalhos do geógrafo britânico, é possível perceber certo grau

de complementaridade nos constructos de ambos os pensadores da Geografia

contemporânea, em especial naquilo que se refere à busca pela justiça social no espaço

urbano.

Tal constatação é possível de ser observada através da leitura de um texto

publicado há pouco mais de uma década, no qual Harvey (2002) aponta a existência de

alguns problemas-chaves e mitos correlatos no que se refere à compreensão da vida

urbana no século XXI. Entre esses mitos, que, segundo o autor, merecem ser refutados,

três são especialmente importantes por comprovarem certa convergência de pensamento

entre o geógrafo inglês e o seu colega brasileiro. Os trechos que seguem são

elucidativos desse “encontro” de ideias e valores:

O sexto mito é aquele segundo o qual as forças da globalização são

fortes o bastante para impedir qualquer autonomia relativa de

Page 260: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

261

iniciativas locais ou particulares de deslocar o processo de

urbanização para trajetórias diferentes: somente uma revolução global

poderia mudar algo.

(...)

O oitavo mito é o de que toda transformação radical das relações

sociais nas áreas urbanizadas devem esperar alguma sorte de

revolução socialista ou comunista que venha ordenar as nossas

cidades para permitir que novas relações sociais floresçam.

(...)

O nono mito sustenta que sobre nossas cidades prestes a desintegrar-se

deverá se impor a força da ordem, da autoridade e do controle

centralizado – seja ele moral, político, comunitário, religioso, físico ou

militar – sem que se interfira porém na fundamental liberdade de

mercado.

(...)

O décimo mito é o de que a diversidade e a diferença, a

heterogeneidade dos valores, a oposição dos estilos de vida e as

migrações caóticas devem ser temidas como fonte de desordem e os

“outros” mantidos fora para se defender a “pureza” do lugar (Idem, 6-

7).

Todos os trechos tratam, em alguma medida, da defesa de temas que são caros a

Marcelo Lopes de Souza, como o resguardo da autonomia como princípio para o

desenvolvimento da/na cidade (SOUZA, 1995; 2000; 2003, 2006a, 2012), a

possibilidade de exercício da autonomia sem rompimento com o Estado capitalista

(SOUZA, 2003; 2006b; 2010), a crítica à heteronomia (SOUZA, 2003, 2006a) e o

respeito à alteridade do outro (SOUZA, 1997). Neste sentido, ainda que reconhecendo

as diferenças existentes nos caminhos de análise de ambos os geógrafos, constata-se a

possibilidade de executar um profícuo exame sobre justiça territorial e desenvolvimento

a partir do emprego concomitante e convergente de suas formulações.

Por outra vertente do debate, vale advertir que, posto que os trabalhos de

referência acima citados tratem, quase sempre, das questões urbanas de cidades cuja

dimensão alcança a escala metropolitana, agrega-se ao esforço de elaboração da pauta

de análise já aventada o desafio de pensá-la como parte do quadro da realidade de

pequenas nucleações urbanas dominadas pelo turismo todo esse arcabouço teórico

produzido.

Segundo Santos (2005a, p. 105), “Com diferença de grau e intensidade, todas as

cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas”. Se características como tamanho,

tipo de atividade predominante, regiões das quais fazem parte, entre outros, são

elementos de diferenciação, problemas relativos ao emprego, habitação, transporte,

Page 261: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

262

lazer, saneamento, educação e saúde compõem uma realidade que se espraia para todos

os centros urbanos, indistintamente.

Isto posto, é possível inferir que, se os problemas relativos às dinâmicas da

reprodução social nas cidades são compartilhados por todas as nucleações, diferindo

apenas no grau e intensidade dos processos, as soluções podem ser buscadas, também,

através de um esforço de adequação de propostas elaboradas para a resolução de

problemas urbanos em magnitudes maiores, exigindo-se, para tanto, especial atenção à

escala de análise.

No tocante ao embasamento teórico-conceitual daquilo que se refere à justiça

territorial, Harvey (1973) aponta para as dificuldades em estabelecer uma análise do

tema, levando-se em conta o quão relativos são os princípios que o norteiam. No

entanto, o autor formula um conceito para o que denomina de justiça social territorial, a

partir de bases materialistas:

1. A distribuição de renda deveria ser tal que (a) as necessidades da

população dentro de cada território fossem localizadas, (b) os recursos

fossem então alocados para maximizar os efeitos multiplicadores

inter-territoriais, e (c) os recursos extras fossem alocados para ajudar a

resolver as dificuldades específicas emergentes no meio físico e

social.

2. Os mecanismos institucional, organizacional, político e econômico

deveriam ser tais que as perspectivas do território menos favorecido

fossem tão grandes quanto possivelmente pudessem ser.

Se essas condições fossem satisfeitas haveria uma distribuição justa

alcançada com justiça (Idem, p. 99).

Em que pese o valor deste conceito para a compreensão da justiça territorial,

posto que contenha referências ao atendimento das necessidades da população, faz-se

mister salientar que o seu alcance da justiça vai além da busca pela distribuição justa da

renda. Aspectos fundamentais da vida individual e coletiva, que norteiam as formas de

reprodução social (necessidades e desejos, alteridade, cultura, entre outros que expõe

subjetividade da existência humana) também devem ser considerados na tentativa de

promover o desenvolvimento pelo alcance da justiça territorial. Além disso, nenhuma

experiência que vise contemplar a busca pelo desenvolvimento pode ser considerada

válida se não levar em conta o protagonismo das populações envolvidas.

Conforme salientado por Santos (2007, p. 119), “as populações locais devem ter

direito à palavra, (...), como membros ativos de uma realidade (...) que lhes diz

diretamente respeito (...)”. Neste caso, não é apenas dando-lhes a palavra em audiências

públicas como forma de cumprimento de determinações jurídicas, mas criando

Page 262: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

263

condições para o efetivo protagonismo daqueles que serão afetados – para o bem ou

para o mal – pela prática turística. Desse modo, abre-se a perspectiva do planejamento e

gestão dos territórios do turismo “onde as realidades locais sejam um ponto de partida

para o raciocínio dos administradores” (opus cit., p. 118) e o seu trabalho esteja

subordinado à vontade dos habitantes.

Daí emergem – como já aventado – dois pontos que devem ser levados em

consideração no processo de articulação entre os envolvidos na conformação dos

territórios do turismo: o exercício da autonomia e a valorização do que se convencionou

chamar de geosofia. Esses, por sua vez, serão os elementos de amparo à configuração de

iniciativas voltadas para o desenvolvimento que sejam baseadas nos lugares onde

devam ocorrer.

Ao longo da sua carreira, Marcelo Lopes de Souza tem se dedicado à realização

de um denso debate, de caráter critico, reflexivo e propositivo, acerca da promoção do

desenvolvimento socioespacial, com interesse específico pelo espaço urbano, a partir do

que denomina de perspectiva autonomista (SOUZA, 2000). Sob forte influência de

Cornelius Cartoriadis, Marcelo Lopes de Souza introduz no seio da Geografia as

reflexões desse filósofo francófono de origem grega, notadamente naquilo que se refere

ao alcance da autonomia como condição de vida para as sociedades contemporâneas,

dando forma a um viés libertário (mas não anarquista, como faz questão de frisar) de

contribuição geográfica à questão do desenvolvimento, pensado em sua plenitude e não

como retórica.

Em sintonia com os ensinamentos de Castoriadis, Souza (2009, p. 68) entende

que a autonomia é

(...) a capacidade de um grupo de ‘dar a si próprio a lei’ (em outras

palavras, de autogerir-se e autogovernar-se, livre de hierarquias

institucionalizadas e assimetrias estruturais de poder e da atribuição da

legitimidade do poder a alguma fonte transcendental e externa ao

grupo) [itálicos no original].

O contrário disso, ou seja, a imposição de leis, normas e regulamento por meio

da supressão do diálogo e da livre negociação, “de cima para baixo e/ou de fora para

dentro” (opus cit.), é a heteronomia, condição na qual as sociedades mais estiveram

submetidas ao longo da História.

Souza (1997, p. 20) concebe a autonomia como “a ponte por excelência entre a

‘abertura’ necessária e o alcance prático que o conceito de desenvolvimento precisa

possuir”. Em outros termos, o exercício da autonomia torna a busca pelo

Page 263: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

264

desenvolvimento um ato operacional e, portanto, possível. Na medida em que os

cidadãos envolvidos criam mecanismos que se traduzem em garantia política de que

todos tenham de igualdade de condições nos processos relativos à tomada de decisões, é

factível assimilar o desenvolvimento como “um movimento (...) em cuja esteira uma

sociedade torna-se mais justa e aceitável para seus membros” (opus cit.).

Refletir sobre a conquista da autonomia no contexto dos destinos turísticos

litorâneos de Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte alguns aspectos que merecem

atenção: (a) toda a multiplicidade de agentes (tipificados, genericamente, como

hegemônicos e hegemonizados) e territorialidades e, como consequência, a necessidade

de equacionar interesses tão diversos, (b) o histórico de pouca ou nenhuma participação

popular na formulação e implantação das políticas públicas do turismo nos referidos

lugares e (c) a considerável pulverização das instituições que representam os diferentes

grupos de moradores, profissionais, entidades culturais e outros reunidos em torno de

interesses mais específicos.

Isso, porém, não deve ser tomado como empecilho ao avanço do movimento

pela emancipação através da adoção de práticas assentadas na autonomia. Ao contrário,

as condições anteriormente aventadas devem ser consideradas como uma oportunidade

que se abre na esteira da própria precariedade vivenciada pelas populações locais até

então, notadamente no que tange à participação (com protagonismo) nos rumos do

planejamento e gestão do turismo. Em outras palavras, a escassez do direito à palavra e

do poder de decisão é criadora da força latente que impulsiona o grupo à organização

coletiva.

Neste sentido, caberia às populações locais promoverem, com base nos seus

interesses e necessidades, a criação de grandes instâncias deliberativas independentes,

abertas quanto participação popular e aglutinadoras dos diferentes grupos localmente

constituídos. Tais entidades devem ser o locus dos debates e proposições relativos ao

planejamento e gestão do turismo e à promoção do desenvolvimento urbano.

O exercício continuado da participação plena leva as populações locais a uma

medida crescente de independência e de envolvimento com a experiência democrática, o

que, em sentido oposto, diminui o grau de submissão em relação aos agentes

hegemônicos. Por isso, o princípio norteador desses organismos deve ser a autogestão.

Segundo Souza (2003, p. 205),

(...) implementar políticas e intervenções de modo autogestionário,

sem a presença de uma instância de poder pairando acima da

Page 264: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

265

sociedade (Estado), a qual decide quanto, quando e como o poder

poderá ser transferido – pressupõe, a rigor, um macrocontexto social

diferente: pressupõe uma sociedade basicamente autônoma.

Como é possível inferir, a partir do exposto, a conquista da autonomia se faz

pelo reconhecimento da liberdade como princípio maior da vida, o que incide, entre

outros aspectos, na obtenção do direito à palavra pelas populações locais e, como

consequência do anterior, na valorização dos saberes desenvolvidos por essas

populações ao longo do tempo de suas existências. Dentre os diversos saberes que se

desenvolvem como parte da relação contínua estabelecida entre as populações locais e a

sua realidade imediata, vale destacar o conhecimento geosófico.

O tratamento analítico daquilo que se denomina geosofia está mais próximo dos

campos humanístico e cultural da ciência geográfica, sendo, inclusive, tema de interesse

para pensadores como David Lowenthal, Yi-Fu Tuan e Paul Claval (MACIEL, 2009),

entre outros. Fica evidente, pelo percurso traçado até estas linhas, que este estudo não se

filia às abordagens humanística e cultural, não havendo qualquer pretensão em fazê-lo,

muito embora se reconheça que, ao tratar dos homens e da sociedade, em sua relação

com o ambiente do qual fazem parte, todo estudo geográfico tenha, em alguma medida,

um caráter humanístico e cultural.

A constatação dessa primazia dos campos que tratam do viés mais identitário e

cultural da Geografia nos estudos sobre geosofia não impede, porém, que essa temática

seja incorporada a outras vertentes da ciência, mesmo naquelas assumidamente críticas,

como esta, que trata das formas de apropriação de alguns dos territórios do turismo

localizados no litoral do Nordeste brasileiro pelos agentes hegemonizados que ali se

reproduzem socialmente.

Para Wright (1947, p. 12), o geógrafo responsável pela introdução do termo na

ciência, “Geosophy, (...), is the study of geographical knowledge from any or all points

of view”, afirmando, logo em sequência, que “(...) it deals with the nature and

expression of geographical knowledge both past and present – with was Whittlesey has

called ‘man’s sense of [terrestrial] space’”. Segundo McGreevy (1987), estudiosos da

Geografia Cultural e da Geografia Histórica – de origem anglo-saxônica, nunca é

demais ressaltar – tem demonstrado longo interesse pelos significados que as pessoas

atribuem aos lugares. Além disso, repercutindo as ideias do colega norte-americano

anteriormente citado, estabelece uma definição segundo a qual “The term ‘geosophy’

Page 265: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

266

was proposed (...) as the study of the world as people conceive of and imagine it” (p.

48).

Ademais, na sua reflexão conceitual sobre geosofia Maciel (opus cit., p. 15)

resgata formulações de Yi-Fu Tuan, para quem tal concepção trata da “experiência

geográfica popular e os elos que as pessoas manifestam com as suas regiões de origem”,

de David Lowental, que sugere ser esse “um estudo dos sentidos e valores atribuídos às

paisagens, lugares e ambientes pelos seus próprios habitantes”, e outros, para defini-la,

ele próprio, como “o senso humano do espaço terrestre, estendendo-se para além do

conhecimento científico da geografia” (p. 14).

Como um esforço de síntese dos conceitos ora especificados, afirma-se que a

geosofia diz respeito às maneiras segundo as quais o homem, no seu contato cotidiano

com o espaço onde vive (podendo este envolvimento ser mediado, também, pelas

relações de poder), produz e incorpora conhecimentos sobre essa geografia vivenciada,

sem que haja um amparo da Geografia, a ciência.

O homem – individualmente ou em constante diálogo com o grupo, a sociedade

– é detentor dos saberes locais (HISSA, 2010). Tributários, na grande maioria das vezes,

do senso comum, esses saberes resultam, pois, da leitura de mundo empreendida por

esse sujeito. Considerar tais saberes dentro de um quadro técnico-científico – do

planejamento e da gestão, por exemplo – significa ampliar as possibilidades de

compreensão plena de uma dada realidade, o que permite vislumbrar formas justas de

intervenção nos lugares.

Segundo Carlos Hissa (Idem, p. 64), essa articulação entre ciência e saberes

locais, é criadora de “territórios de solidariedade”, o que, para ele seriam

(...) uma expressão e um reflexo da extensão progressiva de diálogos

entre ciência e saberes comuns, locais. Esses territórios de

solidariedade seriam uma resposta às lógicas globais, às éticas

hegemônicas que estimulariam os desejos de transformação do mundo

através, também, do diálogo entre ciência e os saberes comuns.

Assim, no que se refere ao planejamento e gestão do turismo em locais como

Pipa, Porto de Galinhas e Praia do Forte, há que se levar em consideração a necessidade

de promover interlocuções entre os saberes locais – cuja articulação, no âmbito das

populações que habitam os lugares turísticos, deva ocorrer como uma das atribuições

inerentes às entidades autonomamente constituídas – e o conhecimento técnico-

científico.

Page 266: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

267

As decisões quanto, por um lado, às prioridades, ao caráter do turismo, seu nível

de inserção no cotidiano local, e, por outra parte, quanto ao planejamento e gestão

urbanos, tomadas de forma autônoma e democrática, privilegiariam, assim, as

iniciativas locais, as noções e saberes relativos ao lugar. O que se pretende, enfim, é que

as populações locais possam se envolver em atividades e práticas que não sejam

compulsoriamente afeitas ao turismo e, muito menos ainda, afetadas pela sua

sazonalidade. Isto implicaria em uma crescente diversificação da economia local e, em

última instância, no desmonte eficaz dos discursos que apregoam a fetichização do

turismo como solução única na salvação desses lugares litorâneos do Nordeste

brasileiro.

Os lugares do turismo passariam a ser, assim, locus de práticas cidadãs, forjadas

segundo os princípios da autonomia e do respeito aos saberes locais/geosofia. Segundo

Hissa (Ibdem, p. 65):

O exercício da cidadania pressupõe autonomia de modo a bem decidir,

julgar, participar ativamente da vida que envolve os indivíduos:

cultural, política, econômica e social. A cidadania não poderá ser

plena se não é tradutora do mundo moderno codificado. A cidadania,

portanto, pressupõe a ativa existência no mundo, enquanto o

fortalecimento da cidadania, por sua vez, exige mais saber circulante,

mais capacidade de comunicação (diálogo).

Assim, concordando com Castilho (2012, p. 30), ao afirmar que “é no lugar (...)

que se acha o conjunto das possibilidades para a mudança das condições de existência

da sociedade”, o turismo, pensado e gestado sob lógicas localmente constituídas, pode

vir a se tornar um elemento de transformação qualitativa dos territórios e das pessoas

em conformidade com parâmetros de justiça e liberdade, princípios tão caros e tão

distantes para muitos dos que vivem nos espetaculares e modernos balneários turísticos

do litoral nordestino.

Page 267: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

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300

REFERÊNCIAS DA INTERNET

Ayuntamiento de Benito Juárez

Bahiatursa

DataSus

Embratur

CONDEPE/FIDEM

IBGE

IDEMA

Portal Oficial de Pipa

Portal Oficial de Porto de Galinhas

Portal Oficial de Praia do Forte

Prefeitura Municipal de Ipojuca

Prefeitura Municipal de Mata de São João

Prefeitura Municipal de Tibau do Sul

Secretaria de Turismo de Pernambuco

SEI

www.cancun.gob.mx

www.bahiatursa.ba.gov.br

www.datasus.gov.br

www.turismo.gov.br

www.condepefidem.pe.gov.br

www.ibge.gov.br

www.idema.rn.gov.br

www.pipa.com.br

www.visiteportodegalinhas.com

www.praiadoforte.org.br

www.ipojuca.pe.gov.br

www.matadesaojoao.ba.gov.br

www.tibaudosul.rn.gov.br

www.setur.pe.gov.br

www.sei.ba.gov.br

Page 300: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

301

APÊNDICES

Modelo de questionários

Modelos de roteiros de entrevistas

Page 301: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

302

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

QUESTIONÁRIO PARA MORADORES

Localidade: Estado:

Local de nascimento:

Ocupação:

Data da aplicação:

Endereço atual:

1. O MODO DE VIDA

1.1 Gênero:

( )

( )

Masculino

Feminino

1.2 Faixa etária:

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Até 20 anos

De 21 a 30 anos

De 31 a 40 anos

De 41 a 50 anos

De 51 a 60 anos

De 61 a 70 anos

Maia de 70 anos

1.3 Escolaridade:

( )

( )

( )

( )

( )

Não alfabetizado

Nível Primário

Ensino Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

1.4 Renda familiar:

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Sem rendimento

Até 01 salário mínimo

De 01 a 02 salários mínimos

De 02 a 04 salários mínimos

De 04 a 06 salários mínimos

De 06 a 08 salários mínimos

De 08 a 10 salários mínimos

Mais de 10 salários mínimos

1.5 Principal fonte de renda:

( )

( )

( )

( )

( )

Sem rendimento

Aposentadoria

Atividade informal: ____________

Atividade formal: ______________

Outra: _______________________

2.3 Em caso afirmativo para a pergunta

1.6 Casa própria:

( )

( )

Sim

Não

1.7 Sempre residiu na mesma moradia:

( )

( )

Sim

Não

1.8 Compartilha moradia com:

( )

( )

( )

( )

( )

Não compartilha moradia

Com mais 01 pessoa.

Com mais 02 pessoas.

Com mais 03 pessoas.

Com 04 pessoas ou mais: ________

1.9 Tempo de moradia na localidade:

( )

( )

( )

( )

Menos de 01 ano

De 01 a 03 anos

De 03 a 05 anos

Mais de 05 anos: _______

2. O TURISMO

2.1 Como você classificaria a importância do

turismo para o lugar onde vive:

( )

( )

( )

( )

Nenhuma importância.

Pouca importância.

Muita importância.

Total importância.

2.2 Você e/ou alguém da sua família trabalha

em atividade(s) relacionada(s) ao turismo?

( )

( )

( )

( )

( )

Não, nem eu ou alguém da família.

Sim, apenas eu.

Sim, apenas familiar(es).

Sim, mais de um membro da

família.

Sim, todos os membros da família.

3.4 Você costuma frequentar lugares onde há

Page 302: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

303

anterior, em qual atividade (caso negativo,

seguir para a pergunta 2.4)?

( )

( )

( )

( )

Em atividade informal, de própria

propriedade.

Em atividade informal, como

empregado.

Em atividade formal, de própria

propriedade.

Em atividade formal, como

empregado.

2.4 O turismo gera problema no seu dia-a-

dia:

( )

( )

Sim

Não

2.5 Em caso afirmativo para a pergunta

anterior, em quais aspectos, escolhendo três

alternativas (caso negativo, seguir para o

item 3)?

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Altos preços dos alimentos.

Altos preços da moradia.

Aumento da violência.

Aumento nos casos de prostituição.

Tráfico de drogas.

Depredação do patrimônio.

Perda das tradições culturais.

Saída de moradores antigos.

Aumento da poluição.

3. COTIDIANO E TERRITORIALIDADES

3.1 Você já foi impedido(a) de entrar em

algum lugar por não ser turista?

( )

( )

Sim.

Não.

3.2 Em caso afirmativo para a pergunta

anterior, em que tipo(s) de lugar(es),

escolhendo até três alternativas (caso

negativo, seguir para a pergunta 3.3)?

( )

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Boate.

Festa privada.

Bar ou restaurante.

Condomínio residencial.

Hotel, pousada ou albergue.

Loja.

Outro: _______________________

3.3 O que costuma fazer em momentos de

lazer?

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Vai à praia.

Pratica esportes.

Frequenta bar.

Vai à eventos religiosos.

Reunião com amigos.

Outro: _______________________

grande concentração de turistas?

( )

( )

Sim.

Não.

3.5 Em caso afirmativo para a pergunta

anterior, qual(is) lugares, encolhendo até duas

alternativas (em caso negativo, seguir para a

pergunta 3.6)?

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Praia.

Boate.

Bares e restaurantes.

Festa privada.

Lojas.

Outro: _______________________

3.6 Em caso negativo para a pergunta 3.4, por

quê não frequenta?

( )

( )

( )

( )

( )

( )

Os preços são caros nesses lugares.

Não tenho roupas adequadas.

Não há permissão para entrar.

Não me sinto acolhido.

Não gosto de frequentar lugares

onde há turistas.

Outro: _______________________

3.7 Você participa de alguma organização ou

entidade exclusiva para os moradores locais?

( )

( )

Sim.

Não.

3.8 Em caso afirmativo para a pergunta

anterior, em qual(is) organização(ões) ou

entidade(s), escolhendo até duas alternativas

(caso negativo, seguir para a pergunta 3.X)?

( )

( )

( )

( )

( )

Associação de moradores.

Associação comercial/de classe.

Colônia de pescadores.

Organização não-governamental.

Outra: _______________________

3.9 Quanto à distância do seu local de moradia

em relação ao trabalho, você classificaria

como:

( )

( )

( )

( )

( )

Moro no local onde trabalho.

Moro muito próximo.

Moro relativamente próximo.

Moro relativamente distante.

Moro muito distante.

3.10 Você acha que o turismo ajuda a

preservar a cultura local?

( )

( )

Sim. Como? __________________

_____________________________

Não. Por quê? _________________

_____________________________

OBRIGADO PELA COLABORAÇÃO!

Page 303: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

304

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

MORADORES/TRABALHADORES LOCAIS

Localidade: Estado:

( ) Praia do Forte ( ) Pipa ( ) Porto de Galinhas

Grupo que representa:

NÃO SE APLICA

Nome completo do entrevistado:

Data:

Ocupação:

1. Descreva um pouco da sua trajetória acadêmica e profissional.

2. Como classificaria o seu grau de contato com a população da localidade?

3. Para você, ainda existem muitos moradores que viveram na localidade antes do

processo de turistificação da vila?

4. Você percebe alguma forma de segregação, principalmente em relação aos

espaços de moradia?

5. Para você, quais as principais estratégias que a população local utiliza para se

beneficiar do turismo? Inclui alguma ilegal?

6. Você percebe alguma forma de conflito entre os novos e os antigos moradores?

7. E entre os moradores e turistas ou entre moradores e agentes econômicos?

8. Para o Sr., os moradores antigos conseguiram/conseguem se inserir plenamente

no mercado do turismo?

9. O Sr. já viu ou já soube de notícias referentes a casos de prostituição, tráfico de

drogas ou algum outro tipo de crime na localidade? Se sim, com que frequência?

10. Na sua opinião, qual a impressão geral dos antigos moradores da vila em relação

às transformações pelas quais a localidade passou nas últimas décadas?

Page 304: TERRITÓRIOS DO TURISMO, TERRITÓRIOS DE TODOS?

305