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Teresa Coimbra Cultura, Cidadania e Desenvolvimento Trabalho final de Fontes de Informação Sociológica Janeiro 2014
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Teresa Coimbra Imagem Cultura, Cidadania e Desenvolvimento · elaboração de um conceito capaz de delimitar de um modo suficientemente rigoroso o âmbito dos fenómenos culturais

Dec 10, 2018

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Imagem

Teresa Coimbra

Cultura, Cidadania e Desenvolvimento

Trabalho final de Fontes de Informação Sociológica

Janeiro 2014

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Cultura, Cidadania e Desenvolvimento

Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular de Fontes de Informação

Sociológica na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra - Licenciatura em

Sociologia.

Docentes:

Professora Doutora Paula Abreu

Professor Doutor Paulo Peixoto

Ano Letivo: 2013\2014

Imagem da Capa

Origem: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mapa-descobrimentos.jpg>, Acedido em

13 de Janeiro de 2014

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Índice

Introdução ...................................................................................................................... 1

Cultura, Cidadania e Desenvolvimento:

Oque é cultura? ......................................................................................................... 2

O que é desenvolvimento? ........................................................................................ 5

Cultura e desenvolvimento ........................................................................................ 7

Uma cultura para o desenvolvimento? ...................................................................... 9

Cidadania cultural ................................................................................................... 11

Projetos culturais promotores de

cidadania cultural e desenvolvimento: o caso do teatro .......................................... 13

Ficha de leitura ............................................................................................................. 15

Avaliação de uma página da internet ........................................................................... 18

Descrição detalhada da pesquisa .................................................................................. 20

Conclusão ..................................................................................................................... 21

Referências Bibliográficas ........................................................................................... 22

Anexo1 – Texto de suporte à ficha de leitura

(Miller, Toby (2011), "Cidadania cultural", MATRIZes, 2 (4), 57-74.)

Anexo2 – Página da Internet avaliada

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Introdução

Escolhi este tema por me ter despoletado várias questões: afinal, o que é cultura? O que

é desenvolvimento? E cidadania? Como se interligam? De que forma se traduzem estes

conceitos na prática? A partir destas questões, iniciei a pesquisa do trabalho e organizei os seus

conteúdos.

Os estudos culturais são extremamente vastos (desde a antropologia, sociologia da

cultura, estudos culturais e artísticos...) para que os consiga estudar e sintetizar neste espaço.

Assim, é feita uma exploração geral sobre as perspetivas do conceito de cultura.

Em seguida, processa-se uma exploração semelhante para esclarecer os significados de

“desenvolvimento”, com vista a prosseguir para uma relação entre dois, dividida em dois

tópicos.

Finalmente, é feita uma ponte com a cidadania, resultando no conceito de cidadania

cultural, tal como proposto por Toby Miller. Estes pontos completam-se com os exemplos de

projectos culturais, expressos no último tópico.

A imagem escolhida para a capa ilustra o que julgo ser o lugar da cultura quando se

trata de conseguir estratégias de cidadania e desenvolvimento: é o “elefante na sala”, no sentido

em que é um tema muito presente, mas que acaba por ser pouco discutido.

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O que é cultura?

O conceito de cultura tem vindo a adquirir sentidos diferentes consoante o tempo

histórico e as ideias predominantes em cada época. Desde se relacionar com o cultivo da terra,

passando pelo cultivo da mente, até ilustrar uma perspetiva hierárquica da sociedade, na qual é

feita uma divisão entre “alta” e “baixa” cultura.

Esta bifurcação do conceito de cultura é desencadeada pelo contacto entre povos que se

viam separados geograficamente. Denys Cuche (1999) explica que é a hierarquia social que leva

à hierarquia cultural: é o primeiro contacto que cria a diferenciação cultural, e é pelas interações

sociais estabelecidas posteriormente que se origina a desigualdade de relações.

Desta forma, o conceito de cultura começa por se complexificar e a hierarquizar com a

expansão ultramarina, tal como o ilustra a palavra: “Descobrimentos”, a qual se refere à chegada

dos europeus a territórios por eles desconhecidos, mas que contém nela muito mais: quase como

se estes territórios não tivessem qualquer significado antes da sua exploração e dominação pela

Europa.

“Vês Europa Cristã, mais alta e clara/Que as outras em polícia e fortaleza./Vês África,

dos bens do mundo avara,/Inculta e toda cheia de bruteza;/Co Cabo que até 'qui se vos

negara,/Que assentou pera o Austro a Natureza./Olha essa terra toda, que se habita/Dessa gente

sem Lei, quási infinita.” (Camões, 2012:269)

Tal como refere Camões, a Europa era o exemplo de perfeição, a potente catedral, para

a qual todas as pequenas capelinhas circundantes se deviam prostrar e reverenciar. Aliás, a

própria palavra “alta” (cultura) não deixa de ser esclarecedora quanto à conotação religiosa

(cristã) que carrega. A altura figura o que é desejável: é “Deus nas alturas” - o que se reflete na

construção de formas artísticas; a catedral é o local mais alto da cidade e, quanto mais alta esta

for, mais poderosa será a cidade.

Entre a época dos “Descobrimentos” e o século dezoito, o conceito de cultura vai-se

moldando. Identifico os seguintes acontecimentos e processos como os que mais contribuíram

para delimitar os contornos do conceito de cultura e distinção entre culturas: o Iluminismo e o

eclodir das ciências e a procura da razão; os imperialismos, colonialismos e dominação

ocidental.

Para Schech e Haggis (2000:18): “Esta noção hierárquica da cultura como estilos de

vida de uma elite foi traduzida no século dezanove para a cultura no sentido de busca pela

perfeição. Nesta aceção moderna, a distinção familiarizada entre cultura “alta” e “popular”

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privilegia os desígnios artísticos de uma elite social, enquanto que a cultura “popular” cobre os

aspetos da vida social criativa e imaginativa acessível e desfrutada por uma audiência em massa,

é considerada de segundo nível.” (tradução minha)

As transformações causadas pela revolução industrial, pelas suas consequências e

posteriores desenvolvimentos científicos e tecnológicos, conduzem ao conceito de cultura de

massas. Relativo ao aumento de capacidade de produção e distribuição de bens e serviços

(decorrentes das inovações da indústria) assim como aos mass media.

A teorização do conceito de cultura, aprofundada no estudo antropológico, adquire um

caráter mais científico:

“Em 1971, o etnológo americano Edward Tylor definia a cultura como «aquele

conjunto de elementos que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, usos e quaisquer

outras capacidades e costumes adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade»

(…). É esta uma das primeiras tentativas para uma definição científica de cultura, ou de

elaboração de um conceito capaz de delimitar de um modo suficientemente rigoroso o âmbito

dos fenómenos culturais enquanto objeto de análise das ciências sociais.” (Crespi, 1997:13)

As teorizações e interpretações acerca deste conceito foram-se complexificando e

ganhando diferentes contornos. Foram diversos os escritos/estudos que contribuem para a

cimentação e reflexão acerca do mesmo. Desde: Karl Marx, Max Weber, Émile Durknheim,

Georg Simmel, Bronislaw Malinovski, Radcliffe-Brown, Talcott Parsons, Pierre Bourdieu,

Claude Lévi-Strauss, Theodor W.Adorno, entre muitos outros.

Não quero com isto dizer que a cultura apenas é tida como matéria de estudo

conceptual. Todos estes autores, exploram a cultura enquanto conceito, enquanto práticas

culturais específicas (formas, espaços, tempos, atores e públicos ligados a essas práticas)

procurando ultimamente chegar à sua essência e à forma como se interliga com as relações

sociais.

Para Augusto Santos Silva, a cultura é “um conjunto complexo e dinâmico de

significações, padrões de conduta, práticas, obras e instituições (…) quadro, elemento e

resultado das relações sociais.” (2000:1-2)

Pierre Bourdieu (apud Lahire, 2013) introduz o conceito de “habitus” que se refere às

predisposições para a ação adquiridas pelo processo de socialização, as quais se manifestam nos

estilos de vida dos indivíduos, nos seus comportamentos, escolhas, gostos... muitas vezes

associados à classe social à qual o indivíduo pertence. Bourdieu estuda também o conceito de

capital cultural (entre outros: capital social, económico e simbólico, que engloba os recursos, a

informação que os indivíduos têm disponíveis para mobilizar a seu proveito.

Denys Cuche (1999) vê os valores como o ponto nuclear da cultura e apresenta os

seguintes conceitos: “subcultura” (subgrupos que se inserem na sociedade e têm práticas

específicas), “aculturação (a integração de um indivíduo numa cultura diferente da sua),

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“contracultura” (todos os grupos que se opõe à cultura dominante, geralmente representada

pelas elites).

Já Max Weber (apud Cuche, 1999), identifica a cultura como todo o processo de

atribuição de sentido às coisas. Desta forma, o significado de cultura abre-se para os meios,

valores, símbolos e formas de vida; engloba práticas sociais que produzem significado,

produções artísticas, assim como dimensões simbólicas e ritualisticas. Relaciona-se com o

conceito de identidade, e pode também referir-se à diferença étnica.

“Tem-se vindo a afirmar gradualmente, nos tempos modernos, a perceção de que a

cultura é uma dimensão constitutiva da nossa experiência de vida. (…) O resultado dessa

transformação, no preciso momento em que se vai tornando claro que a cultura constitui o

horizonte insuperável no interior do qual conhecemos e experimentamos a realidade, tem

igualmente evidenciado a fragilidade e os limites de qualquer forma cultural. Daí a exigência de

aumentarmos a nossa capacidade de gerir as contradições emergentes da relação ambivalente

que necessariamente mantemos com a cultura.” (Silva, 2000:11)

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O que é desenvolvimento?

Schech e Haggis (2000:2) caracterizam o desenvolvimento como: “(…) um processo

imanente, que cria o novo pela destruição do velho, semelhante ao crescimento de uma planta.

Esta conceptualização pré-moderna de desenvolvimento já terá sido utilizada usualmente pelos

Gregos antigos, os quais também reconheciam que a decadência e a destruição são uma parte

integral do ciclo do desenvolvimento.” (tradução minha)

Segundo Augusto Santos Silva (2000:143-170): “(…) o desenvolvimento é, do ponto de

vista do cientista, um processo social complexo que se confunde com a própria história de cada

povo, e cuja avaliação se torna singularmente difícil, embora necessária. (…) O

desenvolvimento corresponde ele próprio a um processo de mudança social (…). O processo de

desenvolvimento (…) pode e deve ser comparável (…) com o conjunto cultural característico de

cada grupo, quer dizer, com a globalidade (…) dos seus valores, operadores e práticas

simbólicas; (…) Não há desenvolvimento sem declínio de certas atividades, de certas tradições,

de certos grupos - e o típico da perspetivação cultural consiste em assumir, contra as várias

espécies de darwinismo social, que o desenvolvimento passa também, e certamente, pela

atenção aos grupos em declínio.”

Esta formulação de que a rutura ou falência são condição para o desenvolvimento é

facilmente identificável com a teoria dos ciclos económicos: a economia capitalista desenrola-se

por flutuações, nas quais as crises são geralmente precedidas por momentos de expansão; assim

também os momentos de florescimento económico se seguem à recuperação pós crise. Tal como

nos diz o provérbio: “depois da tempestade vem a bonança”.

Contudo, estes processos são bem mais complexos do que uma simples alternância entre

luz e trevas. Se o desenvolvimento só acontece após o declínio (o que é discutível - explicarei de

seguida), então não é só o novo que surge com a transformação que merece atenção, mas

também aquilo que está em decadência e os processos pelos quais ocorre a mudança (Silva,

2000).

É importante referir que este declínio não significa a perda da tradição, e a tradição não

é contrário de mudança. A tradição é o que permanece ao longo do tempo e que faz a ligação

entre diferentes momentos temporais. Assim, a tradição é uma referência cultural que nos

reporta para outros tempos.

Tal como explica Augusto Santos Silva, a tradição “não é um obstáculo ao

desenvolvimento (…) não tem sido (…) um travão ao desenvolvimento (…) é um recurso de

desenvolvimento (…) é um instrumento cultural básico.” (2000: 39,40)

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Nesta linha de pensamento, o historiador Eric J. Hobsbawm defende que o

tradicionalismo não é um obstáculo para a transformação. O autor apresenta duas possibilidades

de convivência de tradicionalismo e transformação: a primeira, resume-se à manutenção das

formas e alteração dos conteúdos e a segunda consiste na alteração das formas, sem modificação

de conteúdos. Para ilustrar a primeira possibilidade, Hobsbawm recorre ao exemplo das

instituições que se mantêm na sociedade, com conteúdos alterados: as funções (conteúdo) da

monarquia (forma, instituição) nos dias de hoje e em 1750.

Para nos elucidar relativamente à segunda possibilidade, o exemplo utilizado é o

seguinte: “O chamado conservadorismo inglês não passa ideologicamente do liberalismo do

laissez-faire, triunfante entre 1820 e 1850 e que, de um ponto de vista não formal, constitui

também o conteúdo da secular lei consuetudinária (Common Law), pelo menos no campo de

propriedade e contratação.” (Hobsbawm, 1978:21)

Assim, o conceito de desenvolvimento remete para a ideia de movimento/ação de um

objeto, ser, forma, ideia, que se transforma pelo acréscimo ou pelo decréscimo de algo. O mais

usual, é que desenvolvimento seja conotado com uma transformação positiva (o que é

discutível).

O desenvolvimento pode resultar da destruição ou revolução de formas/conteúdos

preexistentes, mas não é regra geral que assim aconteça. Através da manutenção do que existe

também se pode originar transformação e, por conseguinte, desenvolvimento.

Sumariando, arrisco-me a dizer que o desenvolvimento, enquanto transformação e

mudança, ocorre quase inevitavelmente como característica de tudo o que vive. No entanto, o

modo como tudo isto se processa não é unilateral, depende dos pontos de partida e caminhos

escolhidos.

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Cultura e Desenvolvimento

A cultura “tem uma relação crucial com o desenvolvimento: matriz de condutas, sim,

mas ainda conjunto de bens produzidos em sede próprio e com títulos de legitimidade próprios;

artes diárias de ser, fazer e saber e competências consagradas; universo de práticas simbólicas

socialmente diferenciadas e ainda sistema institucionalizado de criação/circulação de objetos e

ideias” (Silva, 2000:145)

Desde que há uma confrontação com a diferença, a “cultura” é mobilizada para servir de

elemento que distingue os povos “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos”, tal como referido

anteriormente. Embora tudo isto seja questionável, são estes os termos utilizados para distinguir

entre os diferentes grupos, povos, países, sociedades.

São igualmente elementos distintivos: o “moderno” e o “tradicional”. Susanne Schech e

Janne Haggis (2000) explicam que foi com o desvanecimento dos imperialismos europeus, a

ascensão dos Estados Unidos da América como superpotência económica e a crescente

materialização do “espectro do comunismo” que a cultura adquiriu o papel de distinguir entre

sociedades modernas e tradicionais.

A “cultivação” e ocidentalização tornaram-se requisitos necessários para a modernidade

(mais do que características distintivas). Os chamados “países de terceiro mundo” ou

“subdesenvolvidos” conseguem esta designação pela ausência ou carência de modelos e ideais

políticos e económicos, capitalistas, liberais e de consumo.

Assim, os países de “terceiro mundo” passam a constituir uma espécie de fonte de

diversão para os padrões de consumo ocidentais, pelo exotismo da sua cultura, pela diversidade

étnica, pelas práticas ritualísticas, simbólicas e pelos modos de vida.

Aliás, a própria expressão “Terceiro Mundo” resulta de uma divisão e estratificação do

mundo, que se mede por padrões ocidentais. A unidade de medida utilizada é abundância

material, a identificação com práticas de consumo, entre outros; sendo o desenvolvimento, um

produto (etnocêntrico) dos recursos científicos, económicos e tecnológicos.

Esta ideia de que modernização e desenvolvimento pressupõem ocidentalização, e que

ocidentalização é sinónimo de homogeneização cultural, é, em larga medida, desafiada pela

industrialização de países asiáticos, ou mesmo pela União Soviética, após a instalação do

regime comunista. Nestes, desenrolam-se processos de industrialização e militarização, os quais

(por si só) não eliminam valores e ideais presentes nestas futuras potências. 1

1 Estes casos servem de exemplo para o que foi mencionado anteriormente, relativamente à questão do

conflito ou coexistência de desenvolvimento e tradicionalismo.

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“De forma a experienciar o progresso, pessoas de países desenvolvidos foram levadas a

adotar a cultura moderna, que era por definição ocidental. Contudo, muitas sociedades

resistiram à identificação com a modernidade do ocidente. As suas várias alternativas, sejam

capitalistas (Singapura), ou socialistas (China, Cambodja, Tanzânia), procuravam o

desenvolvimento mantendo as suas raízes nativas. (…) O desenvolvimento por si só não é

desafiado – os Neyerere na Tanzânia esperavam traçar uma modernidade socialista africana, não

capitalista, e mesmo o Cambodja, sob Pol Pot manteve-se com a ideia de progresso.” (Schech e

Haggis, 2000:51, tradução minha)

A globalização, isto é, a intensificação das ligações a nível global; a expansão do

capitalismo; a abertura do sistema de mercados; a divisão internacional do trabalho; o aumento

dos fluxos migratórios; a crescente facilitação e rapidez dos processos comunicativos, que se

manifestam na economia, na política, nas ideias, nas práticas culturais, levam à seguinte

questão: estará o mundo a tornar-se cada vez mais uniformizado?

Para Schech e Haggis, “(...) o argumento da americanização traz um reverso negativo à

tese da modernização. Um bom exemplo disto é a maneira como alguns estados islâmicos

identificaram a americanização como uma ameaça escondida no desenvolvimento, ou na

modernização, e procuraram rejeitar alguns aspetos da globalização, por exemplo, no caso do

Irão, banindo as antenas de satélite para impedir que os seus cidadãos visualizassem televisão

americana, vista como um ataque à integridade da cultura Iraniana.” (Schech e Haggis,

2000:60,Tradução minha)

O desvio e a diversidade não deixam de ser realidades, mas até que ponto não será esta

questão pertinente, tento em conta o contexto de ocidentalização, ou mais especificamente,

“americanização”, que se traduz numa ameaçada pela dominação económica, política,

ideológica e cultural dos Estados Unidos da América.

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Uma cultura para o desenvolvimento?

Augusto Santos Silva sugere que a criação e a inovação devem ser incentivadas, em

diversos setores, estabelecendo uma relação de cooperação entre cultura e economia, cultura e

políticas de desenvolvimento. Esta cooperação efetuar-se-ia também à escala internacional,

como uma convergência para o desenvolvimento conjunto.

“ (…) Parece-me ambíguo falar-se em desenvolvimento cultural e mais correto falar em

perspetivação cultural do desenvolvimento. (…) Perspetivar culturalmente o desenvolvimento

tem de ser encará-lo a partir de uma cultura para o desenvolvimento.” (Silva, 2000:146)

Assim, cultura para o desenvolvimento consistiria na: “ (...) promoção das condições

institucionais favoráveis e das competências necessárias à criação (...) de obras e saberes, sejam

eles tratados de filosofia ou receitas culinárias, danças tradicionais ou música de vanguarda,

conhecimentos políticos ou aptidões técnicas, artesanato ou domínio de línguas estrangeiras,

exercícios desportivos ou assistência a espetáculos, pintura ou frequência a museus.” (Silva,

2000:146)

O autor defende a promoção de uma educação para uma sensibilização e abertura para

aquilo que nos rodeia. Ou seja, um processo constante e permanente que não se limite a uma

formação para a especialização do trabalho, mas sim para uma disponibilização para receber

conhecimento diversificado. Um despertar que poderá ser emocional, sensorial, físico e mental

para o que nos rodeia.

O autor explica que, face ao reconhecimento da impossibilidade de uma distribuição

global igualitária de recursos, a economia deve tornar-se mais próxima das ciências sociais. Não

menos objetiva, mas sem dúvida menos neutra e mais sensível a outro tipo de questões (neste

caso, culturais). Também Toby Miller partilha desta opinião (embora estes autores não

dialoguem entre si), quando relaciona cidadania cultural, com cidadania económica e política.

Silva (2000) sublinha a necessidade da “educação para a participação” aliada a uma

abertura de pensamento e a um equilíbrio com a vertente económica (enquanto ciência e

material) e com as instituições.

Ora, se bem compreendo a proposta de Augusto Santos Silva, uma educação para a participação

levaria a mudanças revolucionárias e, possivelmente, muito complexas. Passo a explicar: só a

proposta de uma educação que não seja apenas para a especialização do trabalho e que fomente

a recetividade a uma aprendizagem abrangente, implicaria uma alteração na visão do trabalho (e

de tudo o que com este se relaciona: desde os hábitos da vida quotidiana à perceção do

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excedente económico). Talvez implicasse um abandono da visão do trabalho enquanto recurso

comercializável. Não levaria esta mudança a uma completa reestruturação das relações sociais?

Com que consequências?

Há desenvolvimento sem democratização cultural. Contudo, o desenvolvimento que se

aqui se questiona é o desenvolvimento aliado precisamente à democratização cultural, um

desenvolvimento orientado para isso, e uma cultura democrática do desenvolvimento. Será tudo

isto apenas utópico? Ou haverá formas de converter estas ideias em ação, sem criar desutopias?

Como articular estas questões em contexto de multiculturalismo?

Todas estas questões levam-me ao conceito de cidadania cultural.

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Cidadania cultural

Tal como Turner, também Toby Miller se debruça no conceito de cidadania como

intimamente ligado ao conceito de cultura, visto que na atribuição de direitos de cidadania a um

indivíduo, a diferença cultural é um fator de exclusão. Por exemplo, Toby Miller identifica a

linguagem, os costumes, a “raça”, entre outros, como fatores de exclusão e divisão, mascarados

de tentativas de inclusão na vida quotidiana.

“A cidadania pode ser definida como um conjunto de práticas que fazem dos indivíduos

membros competentes de uma sociedade (...) [trata-se de] um conjunto de práticas que são

sociais, legais, políticas e culturais (...) nesta perspetiva, a cidadania cultural consiste naquelas

práticas que possibilitam que um cidadão competente participe na cultura [como um todo] (...)

que socialize o indivíduo num novo sistema de valores.” (Turner apud Carvalho, 2004:6)

Desta forma, cidadania cultural é o direito à representação cultural, à expressão, à

comunicação, o direito a exercer a democracia. Em suma, exercer o direito de um indivíduo ser

incluído num espaço social como cidadão, sem ter renunciar à sua identidade e cultura originais.

Mais do que o respeito pela diferença, é a sua adaptação e inclusão, sem destruição de formas

pré-existentes (a tal dicotomia mencionada anteriormente, do desenvolvimento e tradição). A

cidadania cultural representa inúmeros desafios na prática.

Um deles relaciona-se com os preconceitos, estereótipos ou estigmas que são criados

em relação à diferença e que levam a um sentimento de ameaça.

“E são efetivamente muitas as perceções da ameaça que têm sido relacionadas

positivamente com a discriminação, o preconceito ou a oposição à igualdade de direitos (como o

direito à segurança social, saúde e habitação): (perceção de ameaça) ao bem estar económico ou

social, à identidade nacional, à cultura, ao emprego, à zona onde se mora, à segurança,

criminalidade, à segurança social, a liberdades fundamentais ou a valores como o

individualismo, responsabilização e ética protestante do trabalho, obediência e disciplina (...)”

(Nata, 2011:76)

Esta perceção de ameaça torna-se num perigo real, não por haver de facto uma ameaça

na diferença, mas pela crença de que ela existe.

Na história universal, não faltam exemplos de casos em que isto se verifica. Um deles é

o do nazi-fascismo alemão. Se não houvesse uma crise económica desesperante como a que se

desenrolou no entre - guerras (com particular fragilização da Alemanha na cena internacional),

Hitler não teria arrecadado os primeiros votos, que mais tarde o fizeram ascender ao poder

(embora de forma menos democrática). A crise levou à criação de bodes expiatórios que se

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traduziram em destruição maciça, os quais permaneceram e permanecem, mesmo após a

deposição do regime (tal como o mostra o filme de Fassbinder, O medo come a alma).

É aqui que podem intervir práticas culturais e artísticas de inclusão: como abertura do

pensamento e aumento da recetividade para a diferença, tal como defendido por Augusto Santos

Silva.

Segundo Claúdia Monteiro de Pato Carvalho (2004), as sociedades pós-modernas

caracterizam-se pelo despertar de dinâmicas sociais e culturais alternativas. No caso da

sociedade portuguesa:

“A sociedade do pós-25 de Abril abriu portas a uma fragmentação e diferenciação dos

estilos de vida culturais, que já não tinham que ser pautados pela ética do antigo regime. A

liberdade de ação passava então pela contestação ao regime e pela descoberta de novos

caminhos de ação cultural onde era defendido o indivíduo e a sua participação em sociedade.”

(Carvalho, 2004:4)

Ainda segundo a mesma autora (2004:28,30,32): “Um projeto cultural pode assim ser

um instrumento para o desenvolvimento regional (capacidade de atração de população e de

criação de emprego), dada à sua possível associação à imagem desse mesmo local (...). Além

disso, a dinâmica cultural pode “pôr no mapa” territórios sociais marginais e até aí

desconhecidos, inserindo-os em redes de interação e troca cultural. (...) Neste sentido, a

atividade artística é concebida como um veículo para a construção de uma autoconsciência

social da possibilidade da autonomia de grupos sociais descentralizados política, social e

territorialmente (...) Ou seja, a democracia cultural implica a apreensão das práticas culturais

centradas mais na criação do que na receção. Exige e promove, portanto, a necessidade de ação

e participação individual para a promoção de uma cidade, região ou local.”

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Projetos culturais promotores de cidadania cultural e

desenvolvimento: o caso do teatro

Se a cidadania cultural e o desenvolvimento se promovem através de projetos culturais e

da sensibilização para a abertura a um conhecimento não apenas especializado, então o teatro

poderá cumprir estas funções.

Um espetáculo teatral agrega em si diferentes linguagens cénicas, que são um conjunto

de expressões artísticas. Se estas forem organizadas segundo uma dramaturgia, são imensas as

possibilidades de mensagens e informação que podem ser comunicadas através deste meio.

Após um olhar sobre a história do teatro, é evidente a adaptação às transformações

sociais. O teatro vai adquirindo diferentes sentidos e utilizações, podendo ter como objetivo a

sátira (Gil Vicente, por exemplo), a contestação social, a negação e o inconformismo (teatro do

absurdo, de Alfred Jarry, ou de Apollinaire) a consciencialização política e a democratização

(teatro épico, de Brecht; teatro do oprimido, de Augusto Boal; teatro total, de Piscator), entre

muitos outros. Como todas as formas de expressão artística, o teatro pode ser revolucionário, ou

profundamente reacionário.

Um exemplo recente do teatro enquanto possível meio afirmação de identidades e, por

conseguinte, de democratização cultural, são os espetáculos que a coreógrafa Filipa Francisco

tem feito pelo país, já há vários anos.

O primeiro foi o projeto Rexistir. Um projeto que levou a formação em teatro--dança

aos reclusos do estabelecimento prisional de Castelo Branco. O projeto teve a duração de três

anos (2002, 2003, 2004), que culminaram em apresentações levadas a cena em 2004. O projeto

incluía homens e mulheres, de diferentes faixas etárias.

O segundo foi o projeto Íman, o qual envolveu um ano de formação com jovens do

bairro da Cova da Moura. Mais uma vez, a formação foi em teatro-dança, com uma componente

de dança reforçada, em vários estilos: dança tradicional africana, hip-hop (com os quais os

jovens mais se identificavam) e dança contemporânea (mais confortável para os formadores).

Também este projeto levou à apresentação de vários espetáculos, em 2008 (com o nome do

projeto: Íman).

O terceiro foi o projeto A Viagem, desenvolvido desde 2009. Este é, sem dúvida, o mais

abrangente, visto que possibilitou mais encontros entre diferentes criadores e públicos. O

projeto consiste na criação de vários espetáculos, por todo o país. Os criadores são a coreógrafa,

dois bailarinos de dança contemporânea (que podem variar consoante o espetáculo) e grupos

folclóricos de diferentes localidades.

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O processo de criação passa pela junção de coreografias de dança contemporânea, com

os costumes, tradições, trajes, músicas e movimentos de cada grupo folclórico (depende da

localidade em questão). Nestas coreografias, todos participam nos diferentes estilos, tentando

criar um equilíbrio, sem deixar de haver afirmação de identidades.

Menciono este exemplo, pois parece-me ser uma forma eficaz de democratização

cultural. Isto porque todos estes processos não se desenrolam pela imposição de nenhuma

expressão artística e cultural sobre a outra, mas sim pela partilha de conhecimentos e pela

aprendizagem em conjunto. Ou seja, a formação não é apenas para quem a recebe, mas também

para os que se apelidam de formadores, que vivenciam as experiências numa perspetiva de

aprendizagem, e para os públicos que assistem a estes projetos.

Projetos como estes poderão ir de encontro à proposta de Augusto Santos Silva, no

sentido em que disponibilizam conhecimentos, estimulam sensibilidades e apresentam

possibilidades para a afirmação de identidades.

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Ficha de Leitura

TÍTULO DA PUBLICAÇÃO: Cidadania Cultural AUTOR: Toby Miller

EDIÇÃO: Matrizes, ano 4, nº2

LOCAL ONDE SE ENCONTRA: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=143018637004>

DATA DE PUBLICAÇÃO: 2011

DATA DE LEITURA: outubro, 2013

Nº DE PÁGINAS: 57 – 74

ÁREA CIENTÍFICA: Sociologia

ASSUNTO: Cidadania Cultural

PALAVRAS-CHAVE: Cultura; cidadania; teoria política; direito à comunicação;

representação da diferença cultural.

OBSERVAÇÕES: ISSN 1982-2073

O texto visa apresentar diferentes abordagens ao conceito de cidadania cultural, qual se

tem vindo a desenvolver no seguimento de outros dois conceitos: cidadania política e cidadania

económica. Cidadania cultural como direito à representação cultural, à expressão, à

comunicação, como direito à democracia.

Toby Miller (1958) é britânico, australiano e americano. Trabalha como autor, editor;

como comentador convidado em programas de rádio e televisão; é professor na Universidade de

Riverside (Califórnia) e investigador multidisciplinar (dentro das ciências sociais). Miller

debruça-se sobre vários temas, entre os quais: os média, o desporto, o género, a cidadania, a

política, a cultura, a tecnologia e o ambiente.

Miller começa por referir os caminhos de desenvolvimento do conceito de cidadania;

defende que este sempre esteve vinculado ao conceito de cultura. Desta forma, o conceito de

cidadania cultural é o resultado: das adaptações às transformações económicas e políticas (desde

a Revolução Francesa), do liberalismo, pós-colonialismos e respetivas consequências.

O autor continua, apresentando perspetivas dos critérios/pré-requisitos culturais para a

cidadania em diferentes países. Nomeadamente, a língua, os costumes, a “raça”, entre outros.

Estes são, para o autor, fatores de exclusão e divisão, mascarados de tentativas de inclusão na

vida quotidiana.

A Globalização é apontada como um fator decisivo para o debate da cidadania cultural,

visto que o desenvolvimento dos diferentes países e os seus conceitos de cidadania são

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fortemente marcados pela transnacionalização, pelo aumento da mobilidade, pela divisão

internacional do trabalho. Ou seja, a alteridade tem um papel decisivo nos diferentes países e

isso reflete-se no debate da cultura e cidadania. Assim, surgem as necessidades: de

reconhecimento de direitos culturais, de proteção de identidades; de uma revisão da articulação

entre cidadania cultural e democracia; de um equilíbrio entre a igualdade de direitos dos

trabalhadores migrantes e não migrantes.

O autor divide em sete grupos aqueles que são, para si, os principais teorizadores do

conceito de cidadania cultural, “(…) todos eles contando com a esfera pública como elemento

essencial do seu argumento”(Miller, 2011, p. 62):

O primeiro é Tony Bennett (estudos culturais, Sociologia), o qual defende um equilíbrio

entre autonomia e responsabilidade social, entre difusão cultural e respeito pelo conhecimento

popular.

O segundo é Renato Rosaldo (estudos culturais, Antropologia), ligado à luta pelos

direitos das minorias - especificamente as de origem mexicana nos Estados Unidos da América -

, defendendo a manutenção simultânea de um património comum e de identidades culturais

distintas.

O terceiro é Kymlicka (Teoria Política), que pretende uma aproximação entre maiorias e

minorias, que não deixe de considerar os interesses de ambas.

Já Rorty (filosofia), apresenta uma visão neoliberal, na qual o desenvolvimento da

cultura ocorreria simplesmente pela abertura do acesso à educação ao nível universal.

O quinto autor mencionado é Parekh (teoria política, presidente da comissão da

fundação Runnymede no Reino Unido). Este está relacionado com a multiplicidade étnica na

Grã-Bretanha e com a presença do racismo nas suas instituições.

A sexta autora é Amy Chua (direito), a qual tem como foco da sua investigação as

consequências das reações das maiorias populares contra o poder económico das minorias.

Por fim, são mencionados Bernard Lewis e Samuel Huntington (História, Relações

Internacionais), os quais abordam os conflitos supranacionais dos EUA e “hegemonia” cultural

do ocidente.

Miller termina, propondo uma rearticulação da cultura com a economia e a política.

Acrescenta e que, para diminuir as desigualdades, é preciso rejeitar “o tecnicismo, o utopismo, o

liberalismo, o nacionalismo e o neoliberalismo” (Miller, 2011, p. 71).

O autor termina questionando o leitor da seguinte forma: “você ainda é um

culturalista?” (Miller, 2011, p. 71).

O texto passa por várias abordagens ao conceito de cidadania cultural, visando abrir o

debate relativamente a esta questão, já que esta está fortemente relacionada com questões

económicas e políticas, não podendo, no entanto, ser debatida da mesma forma.

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O autor não fica confinado a apenas uma perspetiva da questão, expondo propostas de

vários autores. Recorre a diferentes exemplos ao longo do texto, numa tentativa de comprovar e

desenvolver as suas ideias.

Miller apresenta várias referências histórico-culturais. As mais relevantes são: a

Revolução Francesa (como a causa do despoletar do desenvolvimento da cidadania política,

económica e cultural); as consequências dos imperialismos (pós-colonialismo); o

desenvolvimento do liberalismo e neoliberalismo; divisão do trabalho e abertura de um mercado

de trabalho internacional.

Os temas/conceitos sobre os quais o texto se desenvolve, são os seguintes: as respostas

ao colonialismo, à globalização, às consequências do desenvolvimento do liberalismo, dos

nacionalismos, do capitalismo, do aumento dos fluxos migratórios, etc; o papel da alteridade no

desenvolvimento da história, da política e da economia de um país; a cultura como fator de

inclusão ou exclusão e a sua articulação com a cidadania; a relação de cidadania cultural com

cidadania política e económica. O texto leva à reflexão sobre se há ou não uma crescente

eliminação da diferença cultural, causada pela globalização, e os seus impactos na cidadania, na

política e no desenvolvimento dos países.

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Avaliação de uma página da internet

A página da internet seleccionada para fazer uma avaliação tem como título:

“Citizenship – European Commission” e está disponível no seguinte endereço:

<http://ec.europa.eu/citizenship/index_en.htm>.

Seleccionei a página por conter uma descrição de iniciativas e programas promotores de

cidadania na União Europeia. Embora não se foque especificamente na cidadania cultural, a

informação disponível no site torna a reflexão acerca do tema mais consistente. Para além disso,

o site está actualizado – as ultimas alterações foram feitas no dia 6 de Novembro deste ano.

Consultei a página na versão em inglês, visto que está disponível apenas em três

línguas: inglês, francês e alemão. Tendo em conta o conhecimento que tenho da lingua, não me

pareceu haver falhas na escrita, erros ou gralhas.

Parto do princípio de que o conteúdo disponível tem qualidade, até porque a entidade

responsável é a Comissão Europeia.

A informação está organizada em tópicos no corpo da página e em divisórias na parte

superior, simplificando a navegação pelo site. Os temas são tratados com detalhe e são

facilmente acedidos através dos tópicos/divisórias.

Os conteúdos são pertinentes e coerentes com aquilo que o site promete na sua

apresentação. Contudo, em “legal notice” estão uma série de avisos acerca do site. Está

estipulado que o site não foi criado para destinatário específico, sendo de livre acesso. É avisado

que a informação pode não ser necessáriamente “compreensível, completa, precisa ou

actualizada.

As fontes de informação do site são as decisões tomadas pela Comissão Europeia. A

página contém ligações com outros sites, os quais, não estando relacionados com a Comissão, o

site desresponsabiliza-se acerca da legitimidade dessas ligações.

O site é bastante apelativo. As divisórias têm cores identificativas, as quais estão

claramente pensadas para se distribuirem de forma equilibrada. Através de um atalho,

rapidamente se aumenta ou diminui o tamanho da letra. O texto é intercalado por imagens (e até

um vídeo), tornando o seu aspecto mais leve. A página disponibiliza um botão que adapta o seu

formato para versão de impressão, o qual exclui as imagens.

Relativamente ao critério de amigabilidade do site, não há nada de negativo que possa

apontar. Parece-me relevante o facto de o site ter um aviso (referido acima) acerca da

legitimidade dos seus conteúdos. Os utilizadores são também avisados acerca de como se

processam as trocas de e-mails.

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O site é completamente livre, não há nenhum preço a pagar por aceder à informação.

Pode até ser partilhado em todas as redes sociais, basta clicar em “share” e selecionar o ícone da

rede pretendida.

A página principal da Comissão Europeia, pela diversidade de temáticas, dispõe de um

mapa. O mesmo não se verifica neste site, visto que este aborda apenas os assuntos relativos à

cidadania. Contudo, duvido que o mapa do site seja necessário para uma orientação eficiente

dentro do mesmo, já que a informação está subdividida de forma clara e há um botão de

pesquisa (“Search”) que dá acesso a toda informação (inclusive a de outras páginas da

Comissão).

Finalmente, não detetei nenhuma ferramenta que permita a recuperação da informação.

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Descrição detalhada da Pesquisa

Para a primeira parte da pesquisa servi-me de vários motores de busca: Google

books, Google Schoolar, Metacrawler, Duckduckgo, pondo em prática os operadores

boleanos. No Metacrawler, por exemplo, inseri os seguintes termos:

“culture+development” e “culture+development+citizenship”. A pesquisa remeteu-me

instantaneamente para outra pesquisa: “the role of culture in development”. Embora não

me tenham servido directamente para o trabalho, estes resultados iniciais foram úteis

para me encaminhar numa pesquisa mais detalhada.

O passo seguinte foi pesquisar no catálogo bibliográfico da Faculdade de

Economia, tanto em português como em inglês, tendo obtido resultados bastante

frutíferos: conduziu-me à maioria das referências bibliográficas.

A obra de Augusto Santos Silva foi um caso singular. Foi a conferência

“Portugal e a crise, que futuro?” que me sugeriu pesquisar sobre o seu trabalho escrito

acabando por me dar um grande apoio na realização deste trabalho.

A ficha de leitura foi particularmente útil para o penúltimo tópico do estado das

artes: a cidadania cultural. E para conduzir o trabalho.

As restantes referências resultaram de estudos anteriores à disciplina, com os

quais encontrei ligação para o tema e me ajudar a completar a reflexão.

Utilizei o programa Zotero para me servir de base para a recolha de dados

inicial. Contudo, rapidamente me apercebi que talvez não fosse o sistema mais indicado

para a minha pesquisa, já que fui armazenando a maior parte dos dados recolhidos em

resumos, em papel.

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Conclusão

Realizar este trabalho envolve mais do que desenvolver um dos temas propostos. É

também uma aprendizagem para lidar com a sociedade da informação: conseguir manter o norte

numa pesquisa por referências (numa biblioteca, na Internet), saber seleccionar e filtrar a

informação com a qual somos confrontados, aprender a utilizar as fontes conseguidas (citar e

referenciar) e, por fim, aplicar as referências numa reflexão pessoal.

Recentemente deparei-me com um autor, cujo pensamento vai de encontro aos três

temas que tentei desenvolver anteriormente, esse autor é Amartya Sen (1999). A sua tese

consiste na visão da liberdade como fim último do desenvolvimento. O autor explica que: “O

desenvolvimento requer a eliminação das principais fontes de restrições (...)” (Sen, 1999:20),

sendo que uma privação alimenta outras privações. A privação política, por exemplo, que

restringe os direitos de cidadania, contribui para a privação económica (ausência de recursos

que satisfaçam as necessidades mínimas individuais).

Não sei até que ponto este enunciado se pode provar como regra geral, no entanto, não

deixa de se relacionar com a cidadania cultural e o desenvolvimento. O desenvolvimento, na

medida em que tem como objectivo a liberdade, deve ser sinónimo de extensão dos direitos de

cidadania à cultura. Assim, o desenvolvimento passa pela eliminação das restrições ao exercício

da cidadania cultural.

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Referências Bibliográficas

Camões, Luís de (2012), Os Lusíadas. Porto: Porto Editora.

Carvalho, Cláudia Monteiro de Pato (2004), Dinâmicas culturais e cidadania: as culturas locais

na Pós-modernidade: um estudo de caso. Dissertação de mestrado em Sociologia, apresentada à

Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Comissão Europeia (2013), “Citizenship – European Commission”. Acedido em 8 de Dezembro

de 2013, disponível em <http://ec.europa.eu/citizenship/index_en.htm>.

Crespi, Franco (1997), Manual de sociologia da cultura. Lisboa: Editorial Estampa.

Cuche Denys (1999), “Hierarquias sociais e hierarquias culturais”, in D. Cuche, A noção de

cultura nas ciências sociais. Lisboa: Fim de Século Edições, pp. 103-121.

Hobsbawm, Eric J. (1978), Indústria e Império I. Lisboa: Presença.

Lahire, Bernard (2003), “O actor plural”, in B.Lahire, As molas da ação. Lisboa: Instituto

Piaget, pp. 21-47.

Miller, Toby (2011), "Cidadania cultural", MATRIZes, 2 (4), 57-74.

Nata, Gil (2011), Diferença culturais e democracia. Identidade, cidadania e tolerância na

relação entre maioria e minorias. Lisboa: ACIDI.

Schech, Susanne e Haggis, Jane (2000), Culture and Development: a critical introduction.

Oxford: Blackwell.

Sen, Amartya (1999), O desenvolvimento como liberdade. Lisboa: Gradiva.

Silva, Augusto Santos (2000), Cultura e desenvolvimento: estudos sobre a relação entre ser e

agir. Oeiras: Celta.