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DA TERAPIA COGNITIVA À TERAPIA DO ESQUEMA Um vislumbre sobre o campo da te- rapia cognitivo-comportamental 1 ajuda a explicar a razão pela qual Young conside- rou tão importante o desenvolvimento da terapia do esquema. Os pesquisadores e profissionais do campo cognitivo-compor- tamental têm alcançado excelentes avan- ços no desenvolvimento de tratamentos psi- cológicos eficazes para transtornos do Ei- xo 1, incluindo muitos transtornos de hu- mor, ansiedade e uso excessivo de álcool e drogas. Geralmente, esses tratamentos são de curto prazo (em torno de 20 sessões) e concentram-se na redução dos sintomas, na formação de habilidades e na solução de problemas atuais na vida do paciente. Entretanto, embora tais tratamentos ajudem a muitos pacientes, isso não ocor- re com vários outros. As pesquisas sobre resultados de tratamentos relatam índices de sucesso muito elevados (Barlow, 2001). A terapia do esquema é uma proposta de terapia inovadora e integradora, desenvol- vida por Young e colegas (Young, 1990, 1999), que amplia significativamente os tratamentos e conceitos cognitivo-compor- tamentais tradicionais. O enfoque dessa proposta mescla elementos das escolas cognitivo-comportamental, de apego, da gestalt, de relações objetais, construtivista e psicanalítica em um modelo conceitual e de tratamento rico e unificador. A terapia do esquema proporciona um novo sistema psicoterápico especial- mente adequado a pacientes com trans- tornos psicológicos crônicos arraigados, até então considerados difíceis de tratar. Em nossa experiência clínica, pacientes com transtornos de personalidade profun- dos, assim como aqueles com questões caracterológicas importantes que subja- zem os transtornos de Eixo I, em geral respondem muito bem a tratamentos ba- seados em esquemas (às vezes combina- dos a outras abordagens). 1 TERAPIA DO ESQUEMA: MODELO CONCEITUAL 1 Neste capítulo, usamos o termo terapia cognitivo-comportamental a fim de referir a vários protocolos desenvolvidos por autores como Beck (Beck, Rush, Shaw e Emery, 1979) e Barlow (Craske, Barlow e Meadows, 2000) para tratar transtornos do Eixo 1. Alguns terapeutas cognitivo-comportamentais adap- taram esses protocolos, de maneiras coerentes com a terapia do esquema, ao trabalho com pacientes difíceis (cf. Beck, Freeman et al., 1990). Discutimos algumas dessas modificações posteriormente neste capítulo (ver p. 48-53). Em sua maioria, contudo, os atuais protocolos de tratamento dentro da terapia cognitivo-comportamental não refletem essas adaptações.
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TERAPIA DO ESQUEMA: MODELO CONCEITUAL - … · 2014-09-11 · Terapia do esquema 19 aplicar-lhes a terapia cognitivo-comporta-mental tradicional. Pressupostos da terapia cognitivo-comportamental

Aug 23, 2018

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VũDương
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DA TERAPIA COGNITIVAÀ TERAPIA DO ESQUEMA

Um vislumbre sobre o campo da te-rapia cognitivo-comportamental1 ajuda aexplicar a razão pela qual Young conside-rou tão importante o desenvolvimento daterapia do esquema. Os pesquisadores eprofissionais do campo cognitivo-compor-tamental têm alcançado excelentes avan-ços no desenvolvimento de tratamentos psi-cológicos eficazes para transtornos do Ei-xo 1, incluindo muitos transtornos de hu-mor, ansiedade e uso excessivo de álcool edrogas. Geralmente, esses tratamentos sãode curto prazo (em torno de 20 sessões) econcentram-se na redução dos sintomas,na formação de habilidades e na soluçãode problemas atuais na vida do paciente.

Entretanto, embora tais tratamentosajudem a muitos pacientes, isso não ocor-re com vários outros. As pesquisas sobreresultados de tratamentos relatam índicesde sucesso muito elevados (Barlow, 2001).

A terapia do esquema é uma proposta deterapia inovadora e integradora, desenvol-vida por Young e colegas (Young, 1990,1999), que amplia significativamente ostratamentos e conceitos cognitivo-compor-tamentais tradicionais. O enfoque dessaproposta mescla elementos das escolascognitivo-comportamental, de apego, dagestalt, de relações objetais, construtivistae psicanalítica em um modelo conceitual ede tratamento rico e unificador.

A terapia do esquema proporcionaum novo sistema psicoterápico especial-mente adequado a pacientes com trans-tornos psicológicos crônicos arraigados,até então considerados difíceis de tratar.Em nossa experiência clínica, pacientescom transtornos de personalidade profun-dos, assim como aqueles com questõescaracterológicas importantes que subja-zem os transtornos de Eixo I, em geralrespondem muito bem a tratamentos ba-seados em esquemas (às vezes combina-dos a outras abordagens).

1TERAPIA DO ESQUEMA:MODELO CONCEITUAL

1 Neste capítulo, usamos o termo terapia cognitivo-comportamental a fim de referir a vários protocolosdesenvolvidos por autores como Beck (Beck, Rush, Shaw e Emery, 1979) e Barlow (Craske, Barlow eMeadows, 2000) para tratar transtornos do Eixo 1. Alguns terapeutas cognitivo-comportamentais adap-taram esses protocolos, de maneiras coerentes com a terapia do esquema, ao trabalho com pacientesdifíceis (cf. Beck, Freeman et al., 1990). Discutimos algumas dessas modificações posteriormente nestecapítulo (ver p. 48-53). Em sua maioria, contudo, os atuais protocolos de tratamento dentro da terapiacognitivo-comportamental não refletem essas adaptações.

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Por exemplo, no caso de depressão, o suces-so ultrapassa os 60%, imediatamente apóso tratamento; porém, o índice de recidivaé de cerca de 30%, depois de um ano(Young, Weinberger e Beck, 2001), apon-tando um número significativo de pacientesque tiveram tratamento mal-sucedido. Mui-tas vezes, pacientes com transtornos de per-sonalidade e problemas caracterológicosnão respondem totalmente a tratamentoscognitivo-comportamentais tradicionais(Beck, Freeman et al., 1990). Um dos de-safios enfrentados pela terapia cognitivo-comportamental hoje em dia é o desenvol-vimento de terapias para esses pacientescrônicos e difíceis de tratar.

Problemas caracterológicos podemreduzir a eficácia da terapia cognitivo-comportamental tradicional de várias for-mas. Alguns pacientes apresentam-se comsintomas do Eixo 1, como ansiedade e de-pressão, e não avançam no tratamento, ourecidivam quando de sua suspensão. Porexemplo, uma paciente apresenta-se paratratamento cognitivo-comportamental deagorafobia. Por meio de um programa queconsiste em treinamento de respiração,questionamento de pensamentos catastró-ficos e exposição gradual a situaçõesfóbicas, ela reduz significativamente seumedo de sintomas de pânico e supera aevitação de várias situações, mas, quandoo tratamento termina, a paciente volta aoestado de agorafobia. Toda uma vida dedependência, junto com sentimentos devulnerabilidade e incompetência – a quechamamos de esquemas de dependênciae vulnerabilidade –, impedem-na de seaventurar no mundo por conta própria.Essa paciente carece de autoconfiança paratomar decisões e não consegue adquirir ha-bilidades práticas como dirigir automóveis,orientar-se em seu entorno, administrardinheiro e escolher os lugares adequadosaonde ir, preferindo deixar que outras pes-soas que lhe são importantes tomem asprovidências necessárias. Sem a orienta-

ção do terapeuta, a paciente não conse-gue administrar os deslocamentos públi-cos necessários para manter as conquistasdo tratamento.

Outros pacientes realizam, inicial-mente, tratamento cognitivo-comporta-mental de sintomas do Eixo 1, e, após aresolução desses sintomas, os problemascaracterológicos passam a ser o foco do tra-tamento. Por exemplo, um paciente faz te-rapia cognitivo-comportamental paratranstorno obsessivo-compulsivo. Por meiode um programa comportamental de cur-to prazo, que combina exposição com pre-venção de resposta, eliminam-se, em gran-de parte, os pensamentos obsessivos e ri-tuais compulsivos que consumiram a maiorparte de sua vida. Quando os sintomas doEixo 1 diminuem, e o paciente dispõe detempo para retomar outras atividades, énecessário encarar a quase total ausênciade vida social que resultou de seu estilo devida solitário. O paciente tem o que cha-mamos de “esquema de defectividade”,com o qual lida com as situações sociais,evitando-as. Ele é tão sensível a descasos erejeições que, desde a infância, evitou amaior parte da interação pessoal com ou-tros. Terá de lutar contra seu padrão deevitação, que já dura toda sua vida, a fimde desenvolver uma vida gratificante emsociedade.

Há ainda outros pacientes que pro-curam tratamento cognitivo-comporta-mental, mas carecem de sintomas especí-ficos que possam servir como alvo da tera-pia. Seus problemas são vagos e difusos,ou não há fatores ativadores claros. Elessentem que alguma coisa vital está erradaou ausente em suas vidas. Tais pacientessão encaminhados à terapia por seus pro-blemas caracterológicos, isto é, chegambuscando tratamento para dificuldades crô-nicas nos relacionamentos com pessoaspróximas ou no trabalho. Como não apre-sentam sintomas do Eixo 1 importantes ouos têm em grandes quantidades, é difícil

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Terapia do esquema 19

aplicar-lhes a terapia cognitivo-comporta-mental tradicional.

Pressupostos da terapiacognitivo-comportamentaltradicional descumpridospor pacientes caracterológicos

A terapia cognitivo-comportamentaltradicional parte de diversos pressupostossobre pacientes, os quais, muitas vezes, nãose mostram verdadeiros no caso de pacien-tes com problemas caracterológicos, quetêm uma série de atributos psicológicos queos distinguem de casos explícitos de Eixo 1e os tornam candidatos menos adequadosao tratamento cognitivo-comportamental.

Um desses pressupostos é o cumpri-mento do protocolo de tratamento pelospacientes. A terapia cognitivo-comporta-mental padrão pressupõe que os pacien-tes estejam motivados a reduzir os sinto-mas, a formar habilidades e a resolver seusproblemas atuais e, portanto, com umpouco de estímulo e reforço positivo, quecumpram os procedimentos necessários aotratamento. Todavia, para vários pacien-tes caracterológicos, as motivações à te-rapia são complicadas. Há inúmeros ca-sos em que eles não estão dispostos ounão conseguem cumprir os procedimen-tos da terapia cognitivo-comportamental.Esses pacientes podem não realizar tare-fas que lhes são prescritas, demonstrargrande relutância a aprender estratégiaspara autocontrole ou parecer mais moti-vados a receber consolo do terapeuta doque a aprender estratégias que ajudem asi próprios.

Outro pressuposto da terapia cogni-tivo-comportamental é que, com um pou-co de treinamento, os pacientes acessemsuas cognições e emoções e as informemao terapeuta. No início da terapia, espera-se que observem e registrem seus pensa-mentos e sentimentos, mas os pacientes

com problemas caracterológicos várias ve-zes não o conseguem, parecendo, com fre-qüência, não ter contato com suas cogni-ções e emoções. Muitos desses pacientesdesenvolvem evitação cognitiva e afetiva.Bloqueiam pensamentos e imagens pertur-badoras, evitam suas próprias memórias eseus sentimentos negativos evitando olharfundo dentro de si mesmos. Também evi-tam muitos dos comportamentos e situa-ções essenciais a seu avanço. Esse padrãode evitação provavelmente se desenvolvecomo resposta instrumental, aprendidaporque é reforçada pela redução de sen-timentos negativos. As emoções negativas,como ansiedade e depressão, são ativadaspor estímulos associados a memórias de in-fância, induzindo à evitação dos estímulosa fim de se esquivar das emoções. A evita-ção se torna uma estratégia para enfrentaras emoções negativas habituais e é extre-mamente difícil de mudar.

A terapia cognitivo-comportamentaltambém pressupõe que os pacientes se-jam capazes de mudar seus comportamen-tos e cognições problemáticos por meiode práticas como análise empírica, discur-so lógico, experimentação, exposiçãogradual e repetição. Entretanto, para pa-cientes caracterológicos, muitas vezes issonão acontece. Em nossa experiência, ospensamentos distorcidos e os comporta-mentos de auto-sabotagem desses pacien-tes são extremamente resistentes à modi-ficação apenas por meio de técnicas cogni-tivo-comportamentais. Mesmo após mesesde terapia, inúmeras vezes não há melho-ra sustentada.

Como geralmente carecem de flexi-bilidade psicológica, os pacientes caracte-rológicos têm muito menos capacidade deresposta a técnicas cognitivo-comporta-mentais e com freqüência não passam pormudanças significativas a curto prazo. Emlugar disso, são psicologicamente rígidos,o que configura uma marca dos transtor-nos de personalidade (American Psychiatric

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Association, 1994, p. 633). Esses pacientestendem a expressar desesperança com rela-ção a mudança. Seus problemas caractero-lógicos são egossintônicos: os padrões au-todestrutivos parecem estar tão integradosa quem são, que não podem imaginar alterá-los. Os problemas são centrais a seu senti-do de identidade, e abrir mão deles podeparecer uma forma de morte, a morte deuma parte de si mesmos. Quando questio-nados, agarram-se de forma rígida, reflexi-va e, por vezes, agressiva ao que acreditamser verdade em relação a eles próprios e aomundo.

A terapia cognitivo-comportamentaltambém pressupõe que os pacientes pos-sam desenvolver uma relação de colabora-ção com o terapeuta em algumas poucassessões. As dificuldades da relação terapêu-tica geralmente não são vistas como umfoco importante dos tratamentos cognitivo-comportamentais, e sim como obstáculosa serem superados para que o pacientecumpra os procedimentos do tratamento.A relação terapeuta-paciente não costumaser considerada um “ingrediente ativo” dotratamento, mas não raro os pacientes comtranstornos caracterológicos têm dificulda-des para estabelecer uma aliança terapêu-tica, refletindo assim suas dificuldades dese relacionar com as pessoas. Muitos pa-cientes difíceis de tratar tiveram relacio-namentos pessoais disfuncionais desdecedo. Problemas duradouros em relaciona-mentos com pessoas importantes são ou-tra marca registrada dos transtornos depersonalidade (Millon, 1981). Esses pa-cientes costumam considerar difícil esta-belecer relações terapêuticas seguras. Al-guns deles, como no caso de transtornosda personalidade borderline ou dependen-te, costumam ser tão absorvidos pela ten-tativa de fazer com que o terapeuta aten-da suas necessidades emocionais que sãoincapazes de se concentrar em suas pró-prias vidas fora da terapia. Outros, como

os que têm transtorno de personalidadenarcisista, paranóide, esquizóide ou obses-sivo-compulsivo, costumam ser tão desco-nectados ou hostis que não conseguem tra-balhar em conjunto com o terapeuta. Comoas questões interpessoais costumam ser oproblema central, a relação terapêuticaconstitui-se em uma das melhores áreaspara se avaliar e tratar esses pacientes, umponto na maioria das vezes descuidado naterapia cognitivo-comportamental tradi-cional.

Por fim, no tratamento cognitivo-comportamental, supõe-se que o pacientetenha problemas-alvo prontamente discer-níveis. No caso de pacientes com problemascaracterológicos, não raro esse pressupos-to não se cumpre, pois eles costumam apre-sentar problemas vagos, crônicos e difusos.São infelizes em áreas importantes de suasvidas e têm estado insatisfeitos desde queconseguem se lembrar. Talvez sejam inca-pazes de estabelecer um relacionamentoromântico de longo prazo, não consigamatingir o potencial desejado no trabalho outenham a sensação de que suas vidas sãoum vazio. São fundamentalmente insatis-feitos no amor, no trabalho ou no lazer. Es-ses temas da vida, amplos e difíceis de de-finir, via de regra não conformam alvos fá-ceis de abordar por meio de tratamentoscognitivo-comportamentais tradicionais.

Posteriormente, examinaremos comoesquemas específicos podem dificultar aobtenção de benefícios por pacientes tra-tados com terapia cognitivo-comportamen-tal padrão.

O DESENVOLVIMENTODA TERAPIA DO ESQUEMA

Pelas muitas razões recém-descritas,Young (1990, 1999) desenvolveu a tera-pia do esquema para tratar pacientes comproblemas caracterológicos crônicos, que

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não estavam sendo resolvidos de formaadequada pela terapia cognitivo-compor-tamental: os “insucessos de tratamento”.O autor desenvolveu a terapia do esque-ma como uma abordagem sistemática queamplia a terapia cognitivo-comportamen-tal, integrando técnicas derivadas de váriasescolas diferentes de terapia. A terapia doesquema pode ser breve, de médio ou delongo prazo, dependendo do paciente. Elaamplia a terapia cognitivo-comportamentaltradicional ao dar ênfase muito maior àinvestigação das origens infantis e adoles-centes dos problemas psicológicos, às téc-nicas emotivas, à relação terapeuta-pa-ciente e aos estilos desadaptativos de en-frentamento.

Uma vez diminuídos os sintomas agu-dos, a terapia do esquema é adequada paratratar muitos transtornos dos Eixos 1 e 2que têm base importante em temas caracte-rológicos que duram toda a vida. Não raro,realiza-se a terapia em conjunto com ou-tras modalidades, como terapia cognitivo-comportamental e medicação psicotrópica.A terapia do esquema volta-se ao tratamen-to dos aspectos caracterológicos dos trans-tornos, e não aos sintomas psiquiátricosagudos (como depressão grave ou ataquesde pânico recorrentes). A terapia do esque-ma mostrou-se útil no tratamento de de-pressão ou ansiedade crônicas, transtornosalimentares, problemas difíceis de casal edificuldades duradouras na manutenção derelacionamentos íntimos satisfatórios. Tam-bém tem ajudado criminosos e evitado re-caídas entre usuários de drogas e álcool.

A terapia do esquema visa os temaspsicológicos fundamentais típicos de pa-cientes com transtornos caracterológicos.Como discutimos em detalhe na seção se-guinte, chamamos esses temas fundamen-tais de esquemas esquemas desadaptativosremotos. A terapia do esquema ajuda pa-cientes e terapeutas a entender problemascrônicos e difusos e a organizá-los de ma-

neira compreensível. O modelo identificaa trajetória desses esquemas desde a in-fância até o presente, com ênfase particu-lar nos relacionamentos interpessoais dopaciente. Usando o modelo, os pacientesobtêm a capacidade de perceber os pro-blemas caracterológicos como egodistôni-cos e, assim, de se capacitar para abrir mãodeles. O terapeuta se alia aos pacientes paralutar contra os esquemas destes, usandoestratégias cognitivas, afetivas, comporta-mentais e interpessoais. Quando os pa-cientes repetem padrões disfuncionais ba-seados em seus esquemas, o terapeuta osconfronta, empaticamente, com as razõespara a mudança. Por meio de uma “recu-peração parental limitada”, o terapeuta for-nece a muitos pacientes um antídoto par-cial às necessidades que não foram atendi-das adequadamente na infância.

ESQUEMASDESADAPTATIVOS REMOTOS

Voltamo-nos agora a um exame deta-lhado dos construtos básicos que formama terapia do esquema. Começamos com ahistória e a evolução do termo “esquema”.

A palavra esquema é usada em muitoscampos de estudo. Em termos gerais, umesquema é uma estrutura, uma armação ouuma conformação. Nos primórdios da filo-sofia grega, os lógicos estóicos, especialmenteCrisipo (cerca de 279 a 206 a.C.), apresen-taram princípios de lógica na forma de um“esquema de inferência” (Nussbaum, 1994).Na filosofia kantiana, esquema é uma con-cepção do comum a todos os membros deuma classe. O termo também é usado nateoria dos conjuntos, na geometria algébri-ca, na educação, na análise literária e naprogramação de computadores, para citarapenas alguns dos distintos campos em quese usa o conceito de “esquema”.

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O termo tem uma história especial-mente rica na psicologia, mais amplamen-te na área do desenvolvimento cognitivo.Nesse campo, um esquema é um padrãoimposto à realidade ou à experiência paraajudar os indivíduos a explicá-la, para me-diar a percepção e para guiar suas respos-tas. Esquema é uma representação abstra-ta das características distintivas de umevento, uma espécie de esboço de seus ele-mentos de maior destaque. Na psicologia,é provável que mais comumente se associeo termo a Piaget, que escreveu em deta-lhes sobre esquemas mentais em diferen-tes etapas do desenvolvimento cognitivona infância. Em psicologia cognitiva, pode-se também pensar um esquema como umplano cognitivo abstrato que serve de guiapara interpretar informações e resolver pro-blemas. Sendo assim, podemos ter um es-quema lingüístico para entender uma fra-se ou um esquema cultural para interpre-tar um mito.

Passando da psicologia cognitiva àterapia cognitiva, Beck (1967), em seusprimeiros trabalhos, referiu-se a esquemasmas, no contexto da psicologia e da psi-coterapia, em termos gerais, qualquerprincípio organizativo amplo que um in-divíduo use para entender a própria ex-periência de vida pode ser considerado umesquema. Um conceito importante, comrelevância para a psicoterapia, é a noçãode que os esquemas, muitos dos quais for-mados em etapas iniciais da vida, tornam-se mais complexos e, depois, superpostosa experiências posteriores, mesmo quan-do não mais são aplicáveis. A isso se cha-ma, às vezes, necessidade de “coerênciacognitiva” para manter uma visão estávelde si mesmo e do mundo, mesmo que im-precisa ou distorcida. Segundo essa defi-nição ampla, um esquema pode ser posi-tivo ou negativo, adaptivo ou desadapti-vo, e os esquemas podem ser formadosna infância ou em momentos posterioresda vida.

A definição deesquema de Young

Young (1990, 1999) formulou a hi-pótese de que alguns desses esquemas –sobretudo os que se desenvolvem comoresultado de experiências de infância no-civas – podem estar no centro de trans-tornos de personalidade, problemas carac-terológicos mais leves e muitos transtor-nos do Eixo 1. Para explorar essa idéia,ele definiu um subconjunto de esquemaschamados de esquemas desadaptativos re-motos.

Nossa definição abrangente e revi-sada de um esquema desadaptativo remo-to é:

• um tema ou padrão amplo, difuso;• formado por memórias, emoções

e sensações corporais;• relacionado a si próprio ou aos

relacionamentos com outras pes-soas;

• desenvolvido durante a infânciaou adolescência;

• elaborado ao longo da vida do in-divíduo;

• disfuncional em nível significativo.

Em síntese, os esquemas desadap-tativos remotos são padrões emocionaise cognitivos autoderrotista iniciados emnosso desenvolvimento desde cedo e re-petidos ao longo da vida. Observemosque, segundo essa definição, o compor-tamento de um indivíduo não pertenceao esquema em si. Young teoriza que oscomportamentos desadaptivos desenvol-vem-se como respostas a um esquema.Portanto, os comportamentos são provo-cados pelos esquemas, mas não se cons-tituem em partes deles. Exploraremos emdetalhe tal conceito quando discutirmosestilos de enfrentamento, posteriormen-te, neste capítulo.

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CARACTERÍSTICAS DOS ESQUEMASDESADAPTATIVOS REMOTOS

Examinemos algumas das principaiscaracterísticas dos esquemas. (De agora emdiante, usaremos o termo esquemas em lu-gar de esquemas desadaptativos remotos deforma praticamente intercambiável.) Con-sideremos pacientes que tenham um dosquatro esquemas mais prejudiciais em nos-sa lista de 18 (ver Quadro 1.1): abando-no/instabilidade, desconfiança/abuso, pri-vação emocional e defectividade/vergo-nha. Quando eram crianças, esses pacien-tes foram abandonados, vítimas de abuso,negligenciados ou rejeitados; quando adul-tos, seus esquemas são ativados por even-tos que percebem (inconscientemente)como semelhantes às experiências traumá-ticas de sua infância. Quando se ativa umdesses esquemas, experimentam uma for-te emoção negativa, como aflição, vergo-nha, medo ou raiva.

Nem todos os esquemas fundamentam-se em traumas ou maus-tratos na infância.Na verdade, uma pessoa pode desenvolverum esquema de dependência/incompetên-cia sem vivenciar uma única situação trau-mática na infância, tendo sido uma criançacompletamente abrigada e superprotegida.Contudo, embora nem todos os esquemaspossuam o trauma como origem, todos sãodestrutivos, e a maioria é causada por expe-riências nocivas repetidas regularmente du-rante a infância e adolescência. Os efeitos detodas essas experiências nocivas relaciona-das acumulam-se e, juntos, levam ao surgi-mento de um esquema pleno.

Os esquemas desadaptativos remotoslutam para sobreviver. Como mencionamosanteriormente, isso resulta da necessidadeinstintiva que os seres humanos têm decoerência. O esquema é o que o indivíduoconhece. Embora cause sofrimento, é con-fortável e familiar, e ele se sente bem. Aspessoas se sentem atraídas por eventos queativam seus esquemas. Trata-se de uma das

razões pelas quais os esquemas são tão difí-ceis de mudar. Os pacientes os consideramverdades a priori, de modo que influenciamo processamento de experiências posterio-res, cumprindo um papel crucial na formacomo os pacientes pensam, sentem, ageme relacionam-se com outros. Paradoxal-mente, levam os pacientes a recriar, inad-vertidamente, quando adultos, as condi-ções da infância que lhes foram mais pre-judiciais.

Os esquemas começam no início dainfância ou na adolescência, como repre-sentações do ambiente da criança basea-das na realidade. Nossa experiência mos-tra que os esquemas pessoais refletem combastante precisão o seu ambiente remoto.Por exemplo, se um paciente nos diz que,quando criança, sua família era fria e pou-co afetiva, geralmente tem razão, mesmoque possa não entender por que seus paisapresentavam dificuldade de demonstrarafeto ou expressar sentimentos. As razõespor ele atribuídas aos sentimentos dos paispodem estar equivocadas, mas sua sensa-ção básica sobre o clima emocional e sobrecomo foi tratado quase sempre é válida.

A natureza disfuncional dos esquemastende a aparecer em momentos posterioresda vida, quando os pacientes continuam aperpetuar os esquemas que construíram nasinterações com outras pessoas, embora suaspercepções não sejam mais adequadas. Osesquemas desadaptativos remotos e as for-mas desadaptativas com que os pacientesaprendem a enfrentá-los inúmeras vezesestão por trás de sintomas crônicos do Eixo1, como ansiedade, depressão, uso de dro-gas e álcool e transtornos psicossomáticos.

Os esquemas são dimensionais: têmdiferentes níveis de gravidade e penetra-ção. Quanto mais grave o esquema, maioré o número de situações que podem ativá-lo. Dessa forma, por exemplo, se um indi-víduo desde cedo e com freqüência, passapor críticas extremas e de ambos os pais, ocontato que essa pessoa terá com quase

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qualquer outro indivíduo provavelmenteativará um esquema de defectividade. Sea experiência de crítica surge mais tardena vida, de forma ocasional, leve e de par-te de apenas um dos pais, essa pessoa temmenor probabilidade de ativar o esquemamais tarde. Por exemplo, o esquema podeser ativado apenas por figuras de autori-dade exigentes do mesmo gênero do pai.Além disso, quanto mais grave o esquema,mais intenso costuma ser o sentimento ne-gativo quando se ativa esse esquema, emais tempo ele durará.

Como já mencionado, há esquemaspositivos e negativos, bem como esquemasremotos e posteriores. Nosso foco está qua-se que exclusivamente em esquemas desa-daptativos remotos, de forma que não des-crevemos os esquemas positivos posterio-res em nossa teoria. Todavia, alguns auto-res afirmam que, para cada um de nossosesquemas desadaptativos remotos, há umesquema adaptativo correspondente (verteoria da polaridade de Elliot; Elliott eLassen, 1997). Por outro lado, consideran-do-se as etapas psicossociais de Erikson(1950), poder-se-ia afirmar que a resolu-ção bem-sucedida de cada etapa resulta emum esquema adaptativo, ao passo que anão-resolução de uma etapa leva a um es-quema desadaptativo. Não obstante, nos-sa preocupação neste livro é com a popu-lação de pacientes de psicoterapia comtranstornos crônicos, e não com a popula-ção normal. Portanto, tratamos sobretudode esquemas desadaptativos remotos, queacreditamos estar por trás da patologia dapersonalidade.

AS ORIGENS DOS ESQUEMAS

Necessidades emocionaisfundamentais

Propomos, fundalmentalmente, queos esquemas resultam de necessidades

emocionais não-satisfeitas na infância. Pos-tulamos cinco necessidades emocionaisfundamentais para os seres humanos.2

1. Vínculos seguros com outros indi-víduos (inclui segurança, estabili-dade, cuidado e aceitação).

2. Autonomia, competência e senti-do de identidade.

3. Liberdade de expressão, Necessi-dades e emoções válidas.

4. Espontaneidade e lazer.5. Limites realistas e autocontrole.

Acreditamos que essas necessidadessão universais: todas as pessoas as têm,embora algumas apresentem necessidadesmais fortes do que outras. Um indivíduopsicologicamente saudável é aquele queconsegue satisfazer de forma adaptativa asnecessidades emocionais fundamentais.

A interação entre o temperamentoinato da criança e o primeiro ambiente re-sulta na frustração, em lugar da gratifica-ção, dessas necessidades básicas. O objeti-vo da terapia do esquema é ajudar os pacien-tes a encontrar formas adaptativas de sa-tisfazer suas necessidades emocionais fun-damentais. Todas as nossas intervençõesconstituem meios dirigidos a esse fim.

Primeiras experiências de vida

Experiências de vida nocivas configu-ram a origem básica dos esquemas desadap-tativos remotos. Os esquemas desenvolvi-dos mais cedo e mais fortes geralmente se

2 Nossa lista de necessidades deriva das teoriasde outros autores, bem como de nossa própria ob-servação clínica, e não foi testada empiricamente.Esperamos ainda realizar pesquisas neste tema.Estamos abertos à revisão com base em pesquisae já revisamos a lista com o passar do tempo. Alista de domínios (ver a Figura 1.1) também estáaberta a modificações com base em conclusõesempíricas e experiência clínica.

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originam na família nuclear. Em grandemedida, as dinâmicas da família de umacriança são as dinâmicas de todo o seu mun-do remoto. Quando os pacientes se encon-tram em situações adultas que ativam os es-quemas desadaptativos remotos, o quevivenciam é um drama da infância, em ge-ral com um dos pais. Outras influências –como amigos, escola, grupos da comunida-de e cultura ao seu redor –, tornam-se cadavez mais importantes à medida que a crian-ça amadurece e podem ocasionar o desen-volvimento de esquemas. Contudo, os es-quemas desenvolvidos posteriormente nãocostumam ser tão impregnados ou tão po-derosos. (O isolamento social trata-se doexemplo de um esquema que costuma sedesenvolver posteriormente na infância ouna adolescência e que pode não refletir asdinâmicas da família nuclear.)

Observamos quatro tipos de experiên-cias no início da vida que estimulam a aqui-sição de esquemas. A primeira delas é umafrustração nociva de necessidades, ocorridaquando a criança passa por muito poucasexperiências boas e adquire esquemas comoprivação emocional ou abandono por meiode déficits no ambiente, no início de suavida. O ambiente da criança carece de sen-sações importantes, como estabilidade, com-preensão e amor. O segundo tipo de expe-riência de vida remoto que engendra esque-mas é a traumatização ou vitimação. Nestecaso, causa-se um dano à criança ou ela setransforma em vítima e desenvolve esque-mas como desconfiança/abuso, defectivi-dade/vergonha ou vulnerabilidade ao dano.No terceiro tipo, a criança passa por umagrande quantidade de experiências boas: ospais lhe proporcionam em demasia algo que,moderadamente, seria saudável. Com es-quemas como dependência/incompetênciaou arrogo/grandiosidade, por exemplo, acriança raramente é maltratada. Em lugardisso, é tratada com demasiada indulgên-cia. Não se atende às necessidades emocio-nais de autonomia ou limites realistas. Os

pais podem estar exageradamente envolvi-dos na vida da criança, superprotegê-la oudar-lhe liberdade e autonomia sem limites.

O quarto tipo de experiência de vidaque origina esquemas é a internalização ouidentificação seletiva com pessoas impor-tantes. A criança identifica-se seletivamentee internaliza pensamentos, sentimentos, ex-periências e comportamentos dos pais. Porexemplo, dois pacientes buscam tratamen-to, ambos vítimas de abuso infantil. Quan-do crianças, o primeiro paciente, Ruth, su-cumbiu ao papel de vítima. Quando seu pailhe batia, ela não reagia; em lugar disso,tornava-se passiva e submissa. Era vítimado comportamento abusivo do pai, mas nãoo internalizou: experimentou o sentimen-to de ser vítima, sem internalizar o senti-mento de ser abusadora. O segundo paci-ente, Kevin, reagia ao pai abusivo. Identi-ficava-se com ele, internalizava seus pen-samentos, sentimentos e comportamentosagressivos, e acabou por se tornar, ele pró-prio, abusivo. (Este exemplo é extremo. Narealidade, a maioria das crianças absorvea experiência de ser vítima, bem como al-guns dos pensamentos, sentimentos e com-portamentos de adultos maldosos.)

Em outro exemplo, dois pacientes seapresentam com esquemas de privaçãoemocional. Quando crianças, ambos ti-nham pais e mães frios e se sentiam solitá-rios e não-amados. Deveríamos pressuporque, quando adultos, ambos haveriam setornado emocionalmente frios? Não neces-sariamente. Embora os dois pacientes sai-bam o que significa receber frieza, eles pró-prios não são necessariamente frios. Comodiscutiremos a seguir, na parte sobre esti-los de enfrentamento, em lugar de se iden-tificar com os pais frios, os pacientes po-dem enfrentar os sentimentos de privaçãocom a atitude de cuidadores, ou, por outrolado, carentes, sentindo-se com direitos.Nosso modelo não pressupõe que as crian-ças se identifiquem e internalizem tudo oque seus pais fazem; em lugar disso, ob-

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servamos que elas se identificam e interna-lizam seletivamente certos aspectos de pes-soas que lhes são importantes. Algumas des-sas identificações e internalizações se tornamesquemas, modos ou estilos de enfrenta-mento.

Acreditamos que o temperamentodetermine em parte se um indivíduo irá seidentificar e internalizar as característicasde uma pessoa importante. Por exemplo, éprovável que uma criança com tempera-mento distímico não internalize o estilootimista de um de seus pais para lidar como infortúnio. O comportamento do pai ouda mãe é tão contrário à disposição do fi-lho que este não pode assimilá-lo.

Temperamento emocional

Outros fatores, além do ambiente re-moto da criança, também cumprem pa-péis fundamentais no desenvolvimento deesquemas. O temperamento emocional éespecialmente importante. Como a maio-ria dos pais percebe com rapidez, cadacriança tem uma “personalidade” ou tem-peramento singular e distinto desde o nas-cimento. Algumas são mais irritadiças; ou-tras, mais tímidas, e outras, ainda, maisagressivas. Há muitas pesquisas que sus-tentam a importância das bases biológicasda personalidade. Por exemplo, Kagan ecolaboradores (Kagan, Reznick e Snidman,1988) geraram um corpo de pesquisa so-bre traços de temperamentos presentesna primeira infância e concluíram que es-tes são bastante estáveis com o passar dotempo.

A seguir, eis algumas dimensões detemperamento emocional que, segundonossa hipótese, podem ser amplamenteinatas e relativamente imutáveis se trata-das somente por meio de psicoterapia.

Lábil �� Não-reativoDistímico �� Otimista

Ansioso �� CalmoObsessivo �� DistraídoPassivo �� AgressivoTímido �� Sociável

Pode-se pensar em temperamentocomo a combinação única que cada indi-víduo possui de pontos neste conjunto dedimensões (bem como outros aspectos dotemperamento certamente identificadosno futuro).

O temperamento emocional interagecom eventos dolorosos da infância na for-mação de esquemas. Diferentes tempera-mentos expõem, de forma seletiva, as crian-ças a diferentes circunstâncias de vida. Porexemplo, uma criança agressiva pode termais probabilidade de evocar abuso físicode pai ou mãe violento do que uma crian-ça passiva, aplacada. Além disso, diferen-tes temperamentos tornam as crianças dis-tintamente suscetíveis a diferentes circuns-tâncias de vida. Dado o mesmo tratamen-to por parte dos pais, duas crianças podemreagir de formas muito diferentes. Consi-deremos, por exemplo, dois meninos, am-bos rejeitados por suas mães. A criança tí-mida se esconde do mundo e se torna cadavez mais retraída e dependente de sua mãe;a criança sociável se aventura e estabeleceoutras conexões, mais positivas. Na verda-de, a sociabilidade mostrou-se um traço dedestaque em crianças com alta capacidadede recuperação, que prosperam apesar deabusos ou negligência.

Em nossa observação, há possibilidadede um ambiente remoto extremamente fa-vorável ou adverso sobrepujar em muito otemperamento emocional. Por exemplo,um ambiente seguro e amoroso em casapode tornar até mesmo uma criança tími-da bastante amigável em algumas situa-ções, ao passo que, se o primeiro ambienteremoto é de rejeição, até mesmo uma crian-ça sociável pode se tornar retraída. Damesma forma, há chance de um tempera-mento extremamente emocional sobrepu-

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jar um ambiente comum e produzir psico-patologias sem justificativa aparente nohistórico do paciente.

DOMÍNIOS DEESQUEMAS E ESQUEMASDESADAPTATIVOS REMOTOS

Em nosso modelo, os 18 esquemasestão agrupados em cinco categorias am-plas de necessidades emocionais não-satis-feitas a que chamamos “domínios de es-quemas”. Faremos uma revisão do suporteempírico desses 18 esquemas em momen-to posterior deste capítulo. Nesta seção,aprofundamos a discussão sobre os cincodomínios e listamos os esquemas que osmesmos contêm. No Quadro 1.1, os cincodomínios de esquemas estão centralizados,em itálico, sem números (por exemplo,Desconexão e rejeição); os 18 esquemas es-tão alinhados à esquerda e numerados (porexemplo, 1. Abandono/instabilidade).

Domínio I: Desconexão e Rejeição

Pacientes com esquemas neste domí-nio são incapazes de formar vínculos se-guros e satisfatórios com outras pessoas.Acreditam que suas necessidades de esta-bilidade, segurança, cuidado, amor e per-tencimento não serão atendidas. As famí-lias de origem costumam apresentar insta-bilidade (abandono/instabilidade), abuso(desconfiança/abuso), frieza (privação emo-cional), rejeição (defectividade/vergonha)ou isolamento do mundo exterior (isola-

mento social/alienação). Pacientes com es-quemas no domínio de desconexão e rejei-ção (especialmente os quatro primeirosesquemas) costumam sofrer os maioresdanos. Muitos tiveram infâncias traumáti-cas e, como adultos, tendem a passar dire-tamente de um relacionamento autodes-trutivo a outro, ou evitar por completo os

relacionamentos íntimos. A relação tera-pêutica costuma ser central para o trata-mento desses pacientes.

O esquema de abandono/instabilida-de é a pecepção de instabilidade no víncu-lo com indivíduos importantes. Os pacien-tes com esse esquema têm a sensação deque pessoas queridas que participam desuas vidas não continuarão presentes por-que seriam emocionalmente imprevisíveis,estariam presentes apenas de forma errá-tica, morreriam ou deixariam o pacientepor preferirem alguém melhor.

Os pacientes com o esquema de des-

confiança/abuso possuem a convicção deque, tendo oportunidade, outras pessoasirão usá-los para fins egoístas. Por exem-plo, abusarão, magoarão, humilharão,mentirão, enganarão ou manipularão o pa-ciente.

O esquema de privação emocional é aexpectativa de que o desejo de conexão emo-cional do indivíduo não será satisfeito ade-quadamente. Identificam-se três formas deprivação emocional: (1) privação de cuidados(ausência de afeto ou carinho); (2) privaçãode empatia (ausência de escuta ou compre-ensão); (3) privação de proteção (ausência deforça ou orientação por parte de outros).

O esquema de defectividade/vergonha

consiste no sentimento de que se é falho,ruim, inferior ou imprestável e de que nãose seria digno de receber amor de outros,caso exposto. O esquema, via de regra, en-volve uma sensação de vergonha com re-lação aos próprios defeitos percebidos. Asfalhas podem ser privadas (por exemplo,egoísmo, impulsos agressivos, desejos se-xuais inaceitáveis) ou públicas (como apa-rência não-atraente, inadequação social).

O esquema de isolamento social/alie-nação consiste no sentimento de ser dife-rente ou de não se adequar ao mundo so-cial mais amplo, fora da família. Geralmen-te, os pacientes com esse esquema não sesentem pertencentes a qualquer grupo oucomunidade.

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Quadro 1.1 Esquemas desadaptativos remotos com domínios de esquemas associados

DESCONEXÃO E REJEIÇÃO

(Expectativa de que as necessidades de ter proteção, segurança, estabilidade, cuidado e empatia, de com-partilhar sentimentos e de ser aceito e respeitado não serão satisfeitas de maneira previsível. A origem familiartípica é distante, fria, rejeitadora, refreadora, solitária, impaciente, imprevisível e abusiva.)

1. Abandono/instabilidade

Percepção de que os outros com quem poderia se relacionar são instáveis e indignos de confiança.Envolve a sensação de que pessoas importantes não serão capazes de continuar proporcionando apoioemocional, ligação, força ou proteção prática porque seriam emocionalmente instáveis e imprevisíveis(por exemplo, têm ataques de raiva), não mereceriam confiança ou só estariam presentes de formaerrática; porque morreriam a qualquer momento, ou iriam abandoná-lo por outra pessoa melhor.

2. Desconfiança/abuso

Expectativa de que so outros irão machucar, abusar, humilhar, enganar, mentir, manipular ou aproveitar-se.Geralmente, envolve a percepção de que o prejuízo é intencional ou resultado de negligência injustificadaou extrema. Pode incluir a sensação de que sempre se acaba sendo enganado por outros ou “levando apior”.

3. Privação emocional

Expectativa de que o desejo de ter um grau adequado de apoio emocional não será satisfeito adequada-mente pelos outros. As três formas mais importantes de privação são:

a) Privação de cuidados: ausência de atenção, afeto, carinho ou companheirismo.b) Privação de empatia: ausência de compreensão, de escuta, de uma postura aberta ou de comparti-

lhamento mútuo de sentimentos.c) Privação de proteção: ausência de força, direção ou orientação por parte de outros.

4. Defectividade/vergonha

Sentimento de que é defectivo, falho, mau, indesejado, inferior ou inválido em aspectos importantes, oude não merecer o amor de pessoas importantes quando está em contato com elas.Pode envolver hipersensibilidade à crítica, rejeição e postura acusatória; constrangimento, comparaçõese insegurança quando se está junto de outros, ou vergonha dos defeitos percebidos. Essas falhas podemser privadas (como egoísmo, impulsos de raiva, desejos sexuais inaceitáveis) ou públicas (como aparên-cia física indesejável, inadequação social).

5. Isolamento social/alienação

Sentimento de que se está isolado do resto do mundo, de que se é diferente das outras pessoas e/ou denão pertencer a qualquer grupo ou comunidade.

AUTONOMIA E DESEMPENHO PREJUDICADOS

(Expectativas, sobre si mesmo e sobre o ambiente, que interferem na própria percepção da capacidadede se separar, sobreviver, funcionar de forma independente ou ter bom desempenho. A família de origemcostuma ter funcionamento emaranhado, solapando a confiança da criança, superprotegendo ou nãoestimulando a criança para que tenha um desempenho competente extra-familiar.)

6. Dependência/incompetência

Crença de que se é incapaz de dar conta das responsabilidades cotidianas de forma competente semconsiderável ajuda alheia (por exemplo, cuidar de si mesmo, resolver problemas do dia-a-dia, exercer acapacidade de discernimento, cumprir novas tarefas, tomar decisões adequadas).Com freqüência, apresenta-se como desamparo.

7. Vulnerabilidade ao dano ou à doença

Medo exagerado de que uma catástrofe iminente cairá sobre si a qualquer momento e de que não hácomo a impedir.

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Quadro 1.1 (continuação)

O medo se dirige a um ou mais dos seguintes: (A) catástrofes em termos de saúde (ataques do coração,AIDS, etc.); (B) catástrofes emocionais (enlouquecer, por exemplo); (C) catástrofes externas (queda deelevadores, ataques criminosos, desastres de avião, terremotos).

8. Emaranhamento/self subdesenvolvido

Envolvimento emocional e intimidade em excesso com uma ou mais pessoas importantes (com freqüên-cia, os pais), dificultando a individuação integral e desenvolvimento social normal.Muitas vezes, envolve a crença de que ao menos um dos indivíduos emaranhados não consegue sobre-viver ou ser feliz sem o apoio constante do outro. Pode também incluir sentimentos de ser sufocado oufundido com outras pessoas e de não ter uma identidade individual suficiente. Com freqüência, é vivenciadocomo sentimento de vazio e fracasso totais, de não haver direção e, em casos extremos, de questionar aprópria existência.

9. Fracasso

Crença de que fracassou, de que fracassará inevitavelmente ou de que é inadequado em relação aoscolegas em conquistas (escola, trabalho, esportes, etc.).Costuma envolver a crença de que é burro, inepto, sem talento, inferior, menos exitoso do que os outros,e assim por diante.

LIMITES PREJUDICADOS

(Deficiência em limites internos, responsabilidade para com outros indivíduos ou orientação para objeti-vos de longo prazo. Leva a dificuldades de respeitar os direitos alheios, cooperar com outros, estabelecercompromissos ou definir e cumprir objetivos pessoais realistas. A origem familiar típica caracteriza-se porpermissividade, excesso de tolerância, falta de orientação ou sensação de superioridade, em lugar deconfrontação, disciplina e limites adequados em relação a assumir responsabilidades, cooperar de formarecíproca e definir objetivos. Em alguns casos, a criança pode não ter sido estimulada a tolerar níveisnormais de desconforto e nem ter recebido supervisão, direção ou orientação adequadas.)

10. Arrogo/grandiosidade

Crença de que é superior a outras pessoas, de que tem direitos e privilégios especiais, ou de que não estásujeito às regras de reciprocidade que guiam a interação social normal.Envolve a insistência de que se deveria poder fazer tudo o que se queira, independentemente da realida-de, do que outros consideram razoável ou do custo a outras pessoas. Tem a ver com o foco exagerado nasuperioridade (estar entre os mais bem sucedidos, famosos, ricos) para atingir poder ou controle (e nãoprincipalmente para obter atenção ou aprovação). Às vezes, inclui competitividade excessiva ou domi-nação em relação a outros: afirmar o próprio poder, forçar o próprio ponto de vista ou controlar ocomportamento de outros segundo os próprios desejos, sem empatia ou preocupação com as necessi-dades ou desejos dos outros.

11. Autocontrole/autodisciplina insuficientes

Dificuldade ou recusa a exercer autocontrole e tolerância à frustração com relação aos próprios objetivosou a limitar a expressão excessiva das próprias emoções e impulsos. Em sua forma mais leve, o pacienteapresenta ênfase exagerada na evitação de desconforto: evitando dor, conflito, confrontação e respon-sabilidade, à custa da realização pessoal, comprometimento ou integridade.

DIRECIONAMENTO PARA O OUTRO

(Foco excessivo nos desejos, sentimentos e solicitações dos outros, à custa das próprias necessidades,para obter aprovação, manter o senso de conexão e evitar retaliação. Geralmente, envolve a supres-são e a falta de consciência com relação à própria raiva e às próprias inclinações naturais. A origemfamiliar típica caracteriza-se pela aceitação condicional: as crianças devem suprimir importantes as-pectos de si mesmas para receber amor, atenção e aprovação. Em muitas famílias desse tipo, asnecessidades emocionais e os desejos dos pais – ou sua aceitação social e seu status – são valorizadosmais do que as necessidades e sentimentos de cada filho.)

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Quadro 1.1 (continuação)

12. Subjugação

Submissão excessiva ao controle dos outros, por sentir-se coagido, submetendo-se para evitar a raiva, aretaliação e o abandono.As duas principais formas são:

a) Subjugação das necessidades: supressão das próprias preferências, decisões e desejos.b) Subjugação das emoções: supressão de emoções, principalmente a raiva.

Envolve a percepção de que os próprios desejos, opiniões e sentimentos não são válidos ou importantespara os outros. Apresenta-se como obediência excessiva, combinada com hipersensibilidade a sentir-sepreso. Costuma levar a aumento da raiva, manifestada em sintomas desadaptativos (como comporta-mento passivo-agressivo, explosões de descontrole, sintomas psicossomáticos, retirada do afeto, “atua-ção”, uso excessivo de álcool ou drogas).

13. Auto-sacrifício

Foco excessivo no cumprimento voluntário das necessidades de outras pessoas em situações cotidianas,à custa da própria gratificação.As razões mais comuns são: não causar sofrimento a outros, evitar culpa por se sentir egoísta, ou mantera conexão com outros percebidos como carentes. Muitas vezes, resulta de uma sensibilidade intensa aosofrimento alheio. Às vezes, leva a uma sensação de que as próprias necessidades não estão sendoadequadamente satisfeitas e a ressentimento em relação àqueles que estão sendo cuidados. (Sobrepõe-se ao conceito de co-dependência.)

14. Busca de aprovação/busca de reconhecimento

Ênfase excessiva na obtenção de aprovação, reconhecimento ou atenção de outras pessoas, ou nopróprio enquadramento, à custa do desenvolvimento de um senso de self seguro e verdadeiro.A auto-estima depende principalmente das reações alheias, em lugar das próprias inclinações naturais.Por vezes, inclui uma ênfase exagerada em status, aparência, aceitação social, dinheiro ou realizaçõescomo forma de obter aprovação, admiração ou atenção (não principalmente em função de poder oucontrole). Com freqüência, resulta em importantes decisões não-autênticas nem satisfatórias, ou emhipersensibilidade à rejeição.

SUPERVIGILÂNCIA E INIBIÇÃO

(Ênfase excessiva na supressão dos próprios sentimentos, impulsos e escolhas espontâneas, ou no cum-primento de regras e expectativas internalizadas e rígidas sobre desempenho e comportamento ético, àcusta da felicidade, auto-expressão, descuido com os relacionamentos íntimos ou com a saúde.) Aorigem familiar típica é severa, exigente e, às vezes, punitiva: desempenho, dever, perfeccionismo, cum-primento de normas, ocultação de emoções e evitação de erros predominam sobre o prazer, sobre aalegria e sobre o relaxamento. Geralmente, há pessimismo subjacente e preocupação de que as coisasdesabarão se não houver vigilância e cuidado o tempo todo.)

15. Negativismo/pessimismo

Foco generalizado, que dura toda a vida, nos aspectos negativos (sofrimento, morte, perda, decepção,conflito, culpa, ressentimento, problemas não resolvidos, erros potenciais, traição, algo que pode darerrado, etc.), enquanto se minimizam ou negligenciam os aspectos positivos ou otimistas.Costuma incluir uma expectativa exagerada – em uma ampla gama de situações profissionais, financei-ras ou interpessoais – de que algo vai acabar dando muito errado, ou, que aspectos da própria vida queparecem ir muito bem acabarão por desabar. Envolve um medo exagerado de cometer erros que podemlevar a colapso financeiro, perda, humilhação ou a se ver preso em uma situação ruim. Como exageramos resultados negativos potenciais, essas pessoas costumam se caracterizar por preocupação, vigilância,queixas ou indecisão crônicas.

16. Inibição emocional

Inibição excessiva da ação, dos sentimentos ou da comunicação espontâneos, em geral para evitar adesaprovação alheia, sentimentos de vergonha ou de perda de controle dos próprios impulsos.

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Quadro 1.1 (continuação)

As áreas mais comuns da inibição envolvem: (a) inibição da raiva e da agressão; (b) inibição de impulsospositivos (por exemplo, alegria, afeto, excitação sexual, brincadeira); (c) dificuldade deexpressar vulnerabilidade ou comunicar livremente seus sentimentos, necessidades e assim por diante;(d) ênfase excessiva na racionalidade, ao mesmo tempo em que se desconsideram emoções.

17. Padrões inflexíveis/postura crítica exagerada

Crença subjacente de que se deve fazer um grande esforço para atingir elevados padrões internalizadosde comportamento e desempenho, via de regra para evitar críticas.Costuma resultar em sentimentos de pressão ou dificuldade de relaxar e em posturas críticas exageradascom relação a si mesmo e a outros. Deve envolver importante prejuízo do prazer, do relaxamento, dasaúde, da auto-estima, da sensação de realização ou de relacionamentos satisfatórios.Os padrões inflexíveis geralmente se apresentam como: (a) perfeccionismo, atenção exagerada a deta-lhes ou subestimação de quão bom é seu desempenho em relação à norma; (b) regras rígidas e idéiasde como as coisas “deveriam” ser em muitas áreas da vida, incluindo preceitos morais, éticos, culturaise religiosos elevados, fora da realidade; (c) preocupação com tempo e eficiência, necessidade de fazersempre mais do que se faz.

18. Postura punitiva

Crença de que as pessoas devem ser punidas com severidade quando cometem erros.Envolve a tendência a estar com raiva e a ser intolerante, punitivo e impaciente com aqueles (incluindoa si próprio) que não correspondem às suas expectativas ou padrões. Via de regra, inclui dificuldades deperdoar os próprios erros, bem como os alheios, em função de uma relutância a considerar circunstân-cias atenuantes, permitir a imperfeição humana ou empatizar com sentimentos.

Nota. Direitos autorais de 2002, de Jeffrey Young. A reprodução não autorizada, sem consentimentopor escrito do autor, é proibida. Para mais informações, escreva ao Schema Therapy Institute, 36 West44th Street, Suite 1007, New York, NY 10036.

Domínio II: Autonomiae Desempenho Prejudicados

Autonomia é a capacidade de sepa-rar-se da própria família e funcionar deforma independente, no nível de pessoasda mesma idade. Os pacientes com esque-mas nesse domínio têm expectativas sobresi próprios e sobre o mundo que interfe-rem em sua capacidade de se diferenciardas figuras paternas ou maternas e funcio-nar de forma independente. Quando crian-ças, na maioria dos casos, os pais lhes sa-tisfaziam todas as vontades e os superpro-tegiam, ou, no extremo oposto (muito maisraro), quase nunca os cuidavam nem se res-ponsabilizavam por eles. (Ambos os extre-mos levam a problemas na esfera da auto-nomia.) Com freqüência, os pais solapa-ram sua autoconfiança e não reforçaramos filhos para que tivessem um desempe-nho competente fora de casa. Como resul-

tado, tais crianças, quando adultas, tor-nam-se incapazes de moldar suas própriasidentidades e criar suas próprias vidas, nemde estabelecer objetivos pessoais e domi-nar as habilidades necessárias. Com rela-ção à competência, permanecem criançasdurante boa parte de suas vidas adultas.

Os pacientes com o esquema de de-

pendência/incompetência sentem-se incapa-zes de dar conta das responsabilidades co-tidianas sem ajuda substancial de tercei-ros. Por exemplo, sentem-se incapazes degerenciar dinheiro, resolver problemas prá-ticos, usar o discernimento, assumir novastarefas ou tomar decisões acertadas. O es-quema costuma apresentar-se como passi-vidade ou impotência generalizadas.

A vulnerabilidade ao dano ou à doençaé o medo exagerado de que uma catástrofeacontecerá a qualquer momento e de quenão será capaz de enfrentá-la. O medo con-centra-se nos seguintes tipos de catástrofes:

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(1) saúde (por exemplo, ataques do cora-ção, doenças como a AIDS); (2) emocional

(por exemplo, enlouquecer, perder o con-trole); (3) externo (por exemplo, acidentes,crime, catástrofes naturais).

Os pacientes com o esquema de ema-ranhamento/self subdesenvolvido costu-mam estar envolvidos com uma ou maispessoas importantes em sua vida (muitasvezes, os pais), em detrimento de sua indi-viduação e desenvolvimento social. Essespacientes com freqüência acreditam que aomenos um dos indivíduos emaranhadosnão poderia funcionar bem sem o outro. Oesquema pode incluir sentimentos de sersufocado ou fundido com outros, ou a fal-ta de um senso claro de identidade e ori-entação.

O esquema de fracasso é a crença nofracasso inevitável em áreas de atividade(como estudos, esportes, trabalho) e naprópria inadequação em termos das reali-zações nessas atividades, em comparaçãocom outras pessoas que as realizam. O es-quema, via de regra, envolve crenças deser pouco inteligente, inepto, sem talentoe mal-sucedido.

Domínio III: Limites Prejudicados

Os pacientes com esquemas nestedomínio não desenvolveram limites inter-nos adequados em relação a reciprocidadeou autodisciplina e podem ter dificuldadede respeitar os direitos de terceiros, coo-perar, manter compromissos ou cumprirobjetivos de longo prazo. Tais pacientesmuitas vezes são egoístas, mimados, irres-ponsáveis ou narcisistas. Na maioria doscasos, cresceram em famílias exagerada-mente permissivas ou indulgentes. (O ar-rogo pode, às vezes, constituir-se em umaforma de hipercompensação de outros es-quemas, como privação emocional. Nessescasos, o excesso de tolerância não costu-ma ser a origem primeira, como discutire-

mos no Capítulo 10.) Quando crianças, nãolhes foi exigido que seguissem as regrasaplicadas a todas as outras pessoas, queconsiderassem os demais ou que desenvol-vessem autocontrole. Como adultos, care-cem da capacidade de restringir seus im-pulsos e de postergar a gratificação em fun-ção de benefícios futuros.

No esquema de arrogo/grandiosidade,pressupõe-se que se é superior a outras pes-soas e, portanto, merecedor de direitos eprivilégios especiais. Os pacientes com esseesquema não se sentem submetidos às re-gras de reciprocidade que orientam a con-duta social normal. Inúmeras vezes, insis-tem que devem fazer o que bem querem,independentemente do custo a outros.Mantêm um foco exagerado na superiori-dade (por exemplo, estar entre os mais bemsucedidos, famosos, ricos) para adquirirpoder. Esses pacientes costumam ser de-masiado exigentes ou dominadores e ca-recer de empatia.

Pacientes com o esquema de autocon-

trole/autodisciplina insuficientes não con-seguem ou não querem exercer suficienteautocontrole e tolerância à frustração emrelação ao alcance de objetivos pessoais.Esses indivíduos não regulam a expressãode suas emoções e impulsos. Na forma maisleve desse esquema, os pacientes apresen-tam ênfase exagerada na evitação do des-conforto. Evitam, por exemplo, a maiorparte dos conflitos e responsabilidades.

Domínio IV:Direcionamento para o Outro

Os pacientes nesse domínio enfatizamem excesso o atendimento às necessidadesdos outros em lugar de suas próprias. Fa-zem-no para obter aprovação, manter a co-nexão emocional e evitar retaliações. Quan-do interagem com outras pessoas, tendema se concentrar exclusivamente nas solici-tações destas em detrimento de suas pró-

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prias necessidades e, por vezes, não têmconsciência de sua própria raiva e de suaspreferências. Quando crianças, não eramlivres para seguir as próprias inclinações.Como adultos, em lugar de se voltarempara si, voltam-se para fora e seguem osdesejos alheios. A origem familiar típica ca-racteriza-se pela aceitação condicional: ascrianças devem restringir aspectos impor-tantes de si mesmas para obter amor ouaprovação. Em várias dessas famílias, ospais valorizam suas próprias necessidadesemocionais ou a “aparência” mais do queas necessidades únicas da criança.

O esquema da subjugação consiste emuma entrega excessiva de controle a outrosindivíduos, por sentir-se coagido. Sua fun-ção é evitar a raiva, a retaliação e o aban-dono. As duas principais formas: (1) subju-gação de necessidades: supressão das pró-prias preferências e desejos; (2) subjugaçãode emoções: supressão de emoções, em es-pecial a raiva. O esquema envolve a per-cepção de que as próprias necessidades ousentimentos não são válidos ou importan-tes. Apresenta-se como obediência excessi-va ou avidez de agradar, combinada comhipersensibilidade a se sentir preso. A subju-gação costuma levar a aumento da raiva,manifestada em sintomas desadaptativos(como comportamentos passivo-agressivos,explosões de descontrole, sintomas psicosso-máticos, distanciamento afetivo).

Pacientes com o esquema de auto-sa-crifício cumprem voluntariamente as neces-sidades alheias, à custa da própria gratifi-cação, com vistas a poupar os outros desofrimento, evitar culpa, ganhar auto-esti-ma ou manter uma relação com alguémque consideram carente. Muitas vezes, issoresulta de uma sensibilidade intensa aosofrimento de terceiros. Envolve a sensa-ção de que as próprias necessidades nãosão adequadamente satisfeitas e pode pro-vocar ressentimento. Este esquema sobre-põe-se ao conceito de “co-dependência” dos12 passos.

Pacientes com o esquema de busca deaprovação/busca de reconhecimento alme-jam sua aprovação ou seu reconhecimentoface a outras pessoas em detrimento de umsenso de self seguro e genuíno. Sua auto-estima depende das reações alheias, emlugar de suas próprias. O esquema incluiuma ênfase exagerada em status, aparên-cia, dinheiro ou sucesso como forma deobter aprovação ou reconhecimento. Comfreqüência, resulta na tomada de impor-tantes decisões que não são autênticas ousatisfatórias.

Domínio V:Supervigilância e Inibição

Os pacientes com esquemas nessedomínio suprimem seus sentimentos e im-pulsos espontâneos e se esforçam paracumprir rígidas regras internalizadas comrelação a seu próprio desempenho, à custada felicidade, auto-expressão, relaxamen-to, relacionamentos íntimos e boa saúde.A origem típica caracteriza-se por uma in-fância severa, reprimida e rígida, na qualo autocontrole e a negação de si própriopredominaram sobre a espontaneidade esobre o prazer. Quando crianças, esses pa-cientes não foram estimulados a ter mo-mentos de lazer e a buscar a felicidade, esim a estar supervigilantes em relação aeventos negativos na vida e a considerá-latriste. Esses pacientes transmitem uma sen-sação de pessimismo e preocupação, poistemem que suas vidas possam ruir se nãoestiverem alertas nem forem cuidadosos otempo todo.

O esquema de negativismo/pessimis-mo constitui um foco generalizado perma-nente nos aspectos negativos da vida (comosofrimento, morte, perda, decepção, con-flito, traição) enquanto se minimizam osaspectos positivos. Inclui a expectativa exa-gerada de que algo acabará por dar muitoerrado em uma ampla gama de situações

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profissionais, financeiras ou interpessoais.Esses pacientes possuem medo exageradode cometer erros que possam ocasionar umcolapso financeiro, uma perda, uma humi-lhação ou uma situação ruim e sem saída.Como exageram os resultados negativospotenciais, esses pacientes costumam ca-racterizar-se por preocupação, apreensão,supervigilância, queixume e indecisão.

Os pacientes com inibição emocionalrestringem ações, sentimentos e comuni-cações espontâneos. Fazem-no para impe-dir que sejam criticados ou percam o con-trole de seus impulsos. As áreas mais co-muns deste esquema envolvem:

1. inibição da raiva;2. inibição de impulsos positivos (por

exemplo, alegria, afeto, excitaçãosexual, lazer);

3. dificuldade de expressar vulnera-bilidade;

4. ênfase na racionalidade, ao mes-mo tempo em que se desconside-ram emoções.

Esses pacientes muitas vezes se apre-sentam como indiferentes, contidos, retraí-dos ou frios.

O esquema de padrões inflexíveis/pos-tura crítica exagerada é a sensação de quese deve dispender um grande esforço paraatingir elevados padrões internalizados,com vistas a evitar desaprovação ou ver-gonha, resultando em sentimentos de pres-são constante e atitude crítica exageradaem relação a si mesmo e aos outros. Paraser considerado um esquema desadaptativoremoto, deve causar importante prejuízo àsaúde, à auto-estima, aos relacionamentosou à experiência de prazer do paciente. Oesquema típico apresenta-se como: (1)perfeccionismo (ou seja, a necessidade defazer as “coisas certas”, atenção exagera-da aos detalhes, ou subestimação do pró-prio nível de desempenho); (2) regras rí-gidas (idéias fixas acerca do que é “certo”

em muitas áreas da vida, incluindo padrõesmorais, culturais ou religiosos elevados,fora da realidade; (3) preocupação comtempo e eficiência.

O esquema de postura punitiva con-siste na convicção de que os indivíduos de-veriam ser severamente punidos por errosque cometem. Implica a tendência a terraiva e ser intolerante com as pessoas (in-cluindo a si próprio) que não atingem ospadrões almejados, e inclui a dificuldadede perdoar os erros devido à relutância emconsiderar circunstâncias atenuantes, per-mitir a imperfeição humana ou levar emconta as intenções alheias.

Exemplo clínico

Consideremos um breve relato decaso que ilustra o conceito de esquema.Uma jovem chamada Natalie procura tra-tamento apresentando esquema de priva-ção emocional: em termos de relaciona-mentos íntimos predominam experiênciasem que suas necessidades emocionais nãosão atendidas, e tem sido assim desde queela era muito pequena. Natalie era filhaúnica de pais emocionalmente frios que,embora atendessem todas as suas necessi-dades físicas, não cuidavam da filha nemlhe davam atenção ou afeto suficiente. Elesnão tentavam entender quem era a filha.Em família, Natalie sentia-se só.

O problema declarado por Nataliecomo motivo para o tratamento é a depres-são crônica. Ela disse ao terapeuta que estádeprimida toda a vida. Embora tenha feitoterapia, a depressão continua. Em geral,ela sente-se atraída por homens que a pri-vam emocionalmente, e seu marido, Paul,encaixa-se nesse padrão. Quando Nataliese dirige a Paul em busca de abraços ou desolidariedade, ele se irrita e a afasta, ati-vando o esquema de privação emocional,e Natalie se enraivece. Sua raiva justitica-se parcialmente, mas é uma reação exage-

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rada a um marido que a ama, porém nãosabe como demonstrar isso.

A raiva de Natalie afasta seu maridoe faz com que ele se distancie ainda maisdela, perpetuando o esquema de privação.O casamento cai em um ciclo vicioso, mo-vido pelo esquema. Nesse casamento,Natalie continua a viver de sua privaçãode infância. Antes de se casar, ela havianamorado um homem que demonstravamais suas emoções, mas ela não tinha atra-ção sexual por ele e sentia-se “sufocada”por expressões normais de ternura. Tal ten-dência a sentir-se mais atraída por parcei-ros que ativam um esquema nuclear cos-tuma ser observada em nossos pacientes(“a química do esquema”).

Esse exemplo ilustra como a privaçãomuito precoce na infância leva ao desen-volvimento de um esquema, que, depois, éacionado involuntariamente em momen-tos posteriores da vida, levando a relacio-namentos disfuncionais e a sintomas crô-nicos de Eixo 1.

Esquemas condicionais versusesquemas incondicionais

Inicialmente, acreditávamos que aprincipal diferença entre os esquemas desa-daptativos remotos e os pressupostos subja-centes de Beck (Beck, Rush, Shaw e Emery,1979) estava na incondicionalidade dosesquemas e na condicionalidade dos pres-supostos. Hoje, consideramos alguns esque-mas como condicionais e outros como in-condicionais. Via de regra, os esquemas maisremotos e nucleares são crenças incondi-cionais em relação a si mesmo e aos outros,enquanto os mais tardios são condicionais.

Os esquemas incondicionais não ofe-recem esperanças ao paciente. Não impor-ta o que o indivíduo faça, o resultado seráo mesmo. Ele será incompetente, sem iden-tidade, não-merecedor de amor, desajus-tado, ameaçado; terá uma atitude negati-

va, e nada poderá mudar isso. O esquemaincondicional encapsula o que se fez à cri-ança, sem que ela tivesse tido qualquer pos-sibilidade de escolha. O esquema simples-mente é. Por outro lado, os esquemas con-dicionais dão uma possibilidade de espe-rança. O indivíduo pode mudar o resulta-do. Pode subjugar-se, sacrificar-se, buscaraprovação, inibir emoções ou se esforçarpara cumprir padrões elevados e, ao fazê-lo, talvez evitar o resultado negativo, pelomenos temporariamente.

Esquemas incondicionais Esquemas condicionais

Abandono/instabilidade SubjugaçãoDesconfiança/abuso Auto-sacrifícioPrivação emocional Busca de aprovação/Defectividade Busca de reconhecimentoIsolamento social Inibição emocionalDependência/ Padrões inflexíveis/ incompetência postura críticaVulnerabilidade a exagerada dano ou doençaEmaranhamento/self subdesenvolvidoFracassoNegativismo/pessimismoPostura punitivaArrogo/grandiosidadeAutocontrole/autodisciplina insuficientes

Os esquemas condicionais, várias vezes,desenvolvem-se como tentativas de obten-ção de alívio quanto a esquemas incondi-cionais, caracterizando-se como “secundá-rios”. Eis alguns exemplos:

Padrões inflexíveis em resposta à defectibili-dade. A pessoa acredita que, “Se puderser perfeito, então vou merecer amor.”

Subjugação em resposta a abandono. O in-divíduo acredita que “Se fizer tudo oque a outra pessoa quer e nunca ficarcom raiva por isso, ela ficará comigo”.

Auto-sacrifício em resposta à defectividade.“Se atender a todas as necessidades des-

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sa pessoa e ignorar as minhas próprias,então ela vai me aceitar, apesar de meusdefeitos, e não vou me sentir tão indig-no de amor”.

Costuma ser impossível cumprir asdemandas dos esquemas condicionais otempo todo. Por exemplo, é difícil subju-gar-se totalmente e nunca ficar com raiva.É difícil ser tão exigente a ponto de ter to-das as necessidades atendidas ou de se sa-crificar o suficiente para atender todas asnecessidades de outra pessoa. Na melhordas hipóteses, os esquemas condicionaispodem escamotear os esquemas nucleares.O indivíduo é forçado a ficar aquém e, por-tanto, a ter de encarar a verdade do esque-ma nuclear mais uma vez. (Nem todos osesquemas condicionais vinculam-se a es-quemas anteriores, sendo condicionais ape-nas no sentido de que, se a criança faz oque se espera dela, pode evitar as conse-qüências temidas.)

Como os esquemas interferem naterapia cognitivo-comportamentaltradicional

Muitos esquemas desadaptativos re-motos têm potencial para sabotar a tera-pia cognitivo-comportamental tradicional.Os esquemas dificultam o cumprimento demuitos dos pressupostos dessa terapiaapontados anteriormente neste capítulo.Por exemplo, com relação ao pressupostode que se pode estabelecer uma aliançaterapêutica positiva de forma razoavelmen-te rápida, os pacientes com esquemas nodomínio de desconexão e rejeição (aban-dono, desconfiança/abuso, privação emo-cional, defectividade/vergonha) podemnão ser capazes de estabelecer esse tipo delaço positivo descomplicado em um perío-do curto. Da mesma forma, em termos dapresunção de que os pacientes dispõem deum forte sentido de identidade e objetivos

claros para orientar a escolha de focos dotratamento, aqueles com esquemas no do-mínio de autonomia e desempenho preju-dicados (dependência, vulnerabilidade,emaranhamento/self subdesenvolvido, fra-casso) podem não saber quem são e o quequerem e, assim, não conseguir estabele-cer objetivos de tratamento específicos.

A terapia cognitivo-comportamentalsupõe que os pacientes consigam acessarcognições e emoções e as verbalizar na te-rapia. Os pacientes com esquemas no do-mínio de direcionamento para o outro(subjugação, auto-sacrifício, busca de apro-vação) podem estar demasiado concentra-dos em saber o que o terapeuta quer, paraolhar dentro de si mesmos ou falar sobreos próprios pensamentos e sentimentos.Por fim, a terapia cognitivo-comportamen-tal supõe que os pacientes possam cum-prir os procedimentos do tratamento. Pa-cientes com esquemas no domínio de li-mites prejudicados (arrogo, autocontrole/autodisciplina insuficiente) podem estardemasiado desmotivados ou indisciplina-dos para tanto.

EVIDÊNCIAS EMPÍRICASPARA ESQUEMASDESADAPTATIVOS REMOTOS

Já foi realizada uma quantidade con-siderável de pesquisa sobre os esquemasdesadaptativos remotos de Young, a maiorparte dela, até agora, utilizando a formalonga do Questionário de Esquemas deYoung (Young e Brown, 1990), emborahaja estudos com a forma resumida em an-damento. O Questionário de Esquemas deYoung foi traduzido para muitas línguas,como francês, espanhol, holandês, turco,japonês e norueguês.

A primeira investigação ampla de suaspropriedades psicométricas foi realizadapor Schmidt, Joiner, Young e Telch (1995).

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Os resultados desse estudo produziram co-eficientes alfa, para cada esquema desa-daptativo remoto, que iam de 0,83 (ema-ranhamento/self subdesenvolvido) a 0, 96(defectividade/vergonha) e coeficientes deteste-reteste de 0, 50 a 0,82 em uma po-pulação não-clínica. As subescalas primá-rias demonstram confiabilidade de teste-reteste e coerência interna elevadas. Oquestionário também demonstrou boasvalidades convergentes e discriminantesem medidas de desconforto psicológico,auto-estima, vulnerabilidade cognitiva àdepressão e sintomatologia de transtornode personalidade.

Os investigadores conduziram umaanálise fatorial com amostras clínicas e não-clínicas. As amostras revelaram conjuntossemelhantes de fatores primários que cor-respondiam muito aos esquemas de Youngdesenvolvidos clinicamente e às suas hipó-teses de relações hierárquicas. Em umaamostra de estudantes universitários, sur-giram 17 fatores, incluindo 15 de 16 pro-postos originalmente por Young (1990).Um esquema original, indesejabilidade so-cial, não surgiu, ao passo que emergiramoutros dois fatores não citados. Em um es-forço para validação cruzada desta estru-tura fatorial, Schmidt e colaboradores(1995) deram o Questionário de Esquemasde Young a uma segunda amostra de uni-versitários da mesma população. Usandoa mesma técnica de análise fatorial, os in-vestigadores descobriram que, dos 17 fa-tores produzidos na primeira análise, 13repetiram-se claramente na segunda amos-tra. Os investigadores também descobriramtrês outros fatores de ordem superior. Emuma amostra de pacientes, surgiram 15fatores, incluindo 15 dos 16 originalmen-te propostos por Young (1990). Esses 15fatores correspondiam a 54% da variânciatotal (Schmidt et al., 1995).

Nesse estudo, o Questionário de Es-quemas de Young demonstrou validade con-vergente com um teste de sintomatologia

de transtorno de personalidade (Hyler,Rieder, Spitzer e Williams, 1987). Demons-trou também validade discriminante commedidas de depressão (Beck, Ward, Men-delson, Mock e Erbaugh, 1961) e auto-es-tima (Rosenberg, 1965) em uma popula-ção não-clínica de universitários.

Esse estudo foi replicado por Lee,Taylor e Dunn (1999) com uma popula-ção clínica australiana. Os investigadoresrealizaram análise fatorial. Segundo con-clusões anteriores, 16 fatores surgiramcomo componentes primários, incluindo 15de 16 originalmente propostos por Young.Apenas a escala de indesejabilidade socialnão foi sustentada (desde então, elimina-mos a indesejabilidade social como esque-ma à parte e a fundimos com a defectivi-dade.) Além disso, uma análise de fatoresde ordem correspondeu em muito a al-guns dos domínios de esquemas propos-tos por Young. Em termos gerais, este es-tudo mostra que o Questionário de Esque-mas de Young possui coerência internamuito boa e que sua estrutura de fatoresprimários é estável em amostras clínicasde dois países diferentes e para diagnós-ticos diferentes.

Lee e colaboradores (1999) discutemalgumas razões pelas quais os dois estudosproduziram estruturas fatoriais um poucodiferentes, dependendo do uso de uma po-pulação clínica ou não-clínica. Os autoresconcluíram que as amostras de estudantesprovavelmente tiveram efeitos de variação,por ser improvável que muitos deles sofres-sem de formas extremas de psicopatologia.Eles afirmam que a replicação da estrutu-ra fatorial depende de se pressupor que osesquemas subjacentes à psicopatologia empopulações clínicas também estejam pre-sentes em uma amostra aleatória de estu-dantes universitários. Young sugere que osesquemas desadaptativos remotos estão,sim, presentes em populações não-clínicas,mas que se tornam exagerados e extremosem populações clínicas.

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Outros estudos examinaram a valida-de dos esquemas individuais e o quão bemeles sustentam o modelo de Young. Free-man (1999) explorou o uso da teoria dosesquemas de Young como modelo explica-tivo para o processamento cognitivo não-racional. Usando uma amostra de sujeitosnormais, Freeman concluiu que uma cor-relação menor com os esquemas desadap-tativos remotos indicava maior ajuste inter-pessoal. Essa conclusão está de acordo como preceito de Young de que os esquemasremotos são, por definição, negativos e dis-funcionais.

Rittenmeyer (1997) examinou a va-lidade convergente dos domínios de esque-ma de Young com o Inventário de Esgota-mento de Maslach (Maslach e Jackson,1986), um inventário de auto-avaliaçãoelaborado para avaliar o impacto negativode experiências estressantes. Em uma amos-tra de professores da Califórnia, Ritten-meyer (1997) concluiu que dois domíniosde esquema, superconexão e padrões exa-gerados, tinham forte correlação com aescala de esgotamento emocional do Inven-tário de Esgotamento de Maslach. O do-mínio de superconexão também se correla-cionava, embora não de maneira tão forte,com duas outras escalas, a de despersona-lização e a de realização pessoal.

Carine (1997) investigou a utilidadeda teoria dos esquemas de Young no trata-mento de transtornos de personalidadeusando os esquemas desadaptativos remo-tos, como variáveis preditoras, em umaanálise funcional discriminante. Carineexaminou se a presença dos esquemas deYoung discriminava pacientes com psicopa-tologia do Eixo II do DSM-IV de pacientescom outros tipos de psicopatologia. Carineconcluiu que a presença de transtorno doEixo II estava indicado corretamente em83% das vezes. Em apoio à teoria de Young,Carine também concluiu que o afeto pa-rece parte intrínseca dos esquemas.

Embora o Questionário de Esquemasde Young não tenha sido projetado paramensurar transtornos de personalidade es-pecíficos do DSM-IV, há associações signi-ficativas entre esquemas desadaptativos re-motos e sintomas de transtornos de perso-nalidade (Schmidt et al., 1995). O escoretotal tem alta correlação com o escore to-tal do Questionário de Diagnóstico de Per-sonalidade – revisado (Hyler et al., 1987),uma escala de auto-avaliação de patologiade personalidade do DSM-III-R. Nesse es-tudo, os esquemas de autocontrole/auto-disciplina insuficientes e defectividadeapresentaram as mais fortes associaçõescom sintomas de transtornos de persona-lidade. Esquemas específicos apresentaramassociação significativa com sintomas detranstornos de personalidade. Por exem-plo, desconfiança/abuso tem alta associa-ção com o transtorno da personalidadeparanóide; dependência, ao transtorno dapersonalidade dependente; autocontrole/autodisciplina insuficientes ao transtornoda personalidade borderline; e padrões in-flexíveis, ao transtorno da personalidadeobsessiva-compulsiva (Schmidt et al.,1995).

A BIOLOGIA DOS ESQUEMASDESADAPTATIVOS REMOTOS

Nesta seção, propomos uma visão bio-lógica dos esquemas, baseada em pesqui-sas recentes sobre emoção e biologia docérebro (LeDoux, 1996). Enfatizamos queesta seção propõe hipóteses sobre possíveismecanismos de desenvolvimento e modi-ficação de esquemas, já que ainda não serealizaram pesquisas para estabelecer se es-sas hipóteses são válidas.

Pesquisas recentes sugerem que nãoexiste um único sistema emocional no cére-bro, e sim vários. Diferentes emoções rela-cionam-se com distintas funções de sobre-

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vivência – como responder ao perigo, en-contrar comida, fazer sexo e encontrar par-ceiros, cuidar dos filhos, estabelecer laçossociais, – e cada uma delas parece mediadapor sua própria rede cerebral. Concentramo-nos na rede cerebral associada ao condicio-namento do medo e trauma.

Sistemas cerebrais relacionadosao condicionamento domedo e trauma

Estudos sobre a biologia do cérebroindicam locais em que pode ocorrer ativa-ção de esquemas baseados em eventos trau-máticos de infância, como abandono ouabuso. Em seu resumo da pesquisa sobre abiologia das memórias traumáticas, LeDoux(1996, p. 239) escreve:

Durante uma situação de aprendiza-gem traumática, as memórias conscientessão estabelecidas por um sistema que en-volve o hipocampo e áreas corticais relacio-nadas, ao passo que as memórias incons-cientes são estabelecidas por mecanismosde condicionamento do medo que operampor meio de um sistema baseado nas amíg-dalas. Esses dois sistemas operam em para-lelo e armazenam diferentes tipos de infor-mação relacionada à experiência. Quandoos estímulos presentes durante o trauma ini-cial são encontrados mais tarde, cada siste-ma é potencialmente capaz de recuperarsuas memórias. No caso do sistema amig-daliano, a recuperação resulta na expres-são de respostas corporais que preparam pa-ra o perigo e, no caso do sistema hipocam-pal, ocorrem lembranças conscientes.

Dessa forma, segundo LeDoux, os me-canismos cerebrais que registram, armaze-nam e recuperam memórias da importân-cia emocional de um evento traumáticodiferem dos mecanismos que processammemórias e cognições conscientes sobre omesmo evento. A amígdala armazena a

memória emocional, enquanto o hipocam-po e o neocórtex armazenam a memóriacognitiva. As respostas emocionais podemocorrer sem a participação de sistemas deprocessamento superior do cérebro, envol-vidos no pensamento, no raciocínio e naconsciência.

Características dosistema amigdaliano

Segundo LeDoux, o sistema amigda-liano dispõe de uma série de atributos queo distinguem do sistema hipocampal e doscórtices superiores.

• O sistema amigdaliano é incons-

ciente. Reações emocionais podemse formar na amígdala sem qual-quer registro consciente dos estí-mulos. Como afirmou Zajonc(1984) há mais de duas décadas,as emoções podem existir semcognições.3

• O sistema amigdaliano é mais rá-pido. Um sinal de perigo passapelo tálamo em direção à amíg-dala e ao córtex, mas atinge aamígdala antes de atingir o cór-tex. Quando o córtex reconhece osinal de perigo, a amígdala já co-meçou a responder ao perigo.Como Zajonc (1984) também afir-mou, as emoções podem existirantes das cognições.

• O sistema amigdaliano é automá-tico. Uma vez que o sistema dasamígdalas realiza uma avaliaçãodo perigo, as emoções e as respos-

3 Ao contrário de alguns cientistas cognitivos, de-finimos o termo cognição nesta seção como pensa-mentos ou imagens conscientes, e não comocognições “implícitas” ou simples percepções sen-soriais.

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tas corporais ocorrem automatica-mente. Em contraste, os sistemasenvolvidos no processamento cog-nitivo não se ligam tão intimamen-te às respostas automáticas. A ca-racterística distintiva do processa-mento cognitivo é a flexibilidadede resposta. Uma vez que tenha-mos cognição, teremos opção.

• As memórias emocionais no siste-ma amigdaliano parecem ficar per-

manentes. LeDoux escreve: “Me-mórias inconscientes relacionadasao medo estabelecidas através daamígdala parecem gravadas deforma indelével no cérebro e pro-vavelmente ficarão conosco paraa vida toda” (Le Doux, 1996, p.252). Há um valor de sobrevivên-cia em nunca esquecer estímulosperigosos. Essas memórias resis-tem à extinção. Em condições deestresse, mesmo medos que pare-cem extintos muitas vezes ressur-gem espontaneamente. A extinçãoimpede a expressão de respostascondicionadas com base em medo,mas não apaga as memórias subja-centes a essas respostas. “A extin-ção(...) envolve o controle corticalsobre o que sai da amígdala, maisdo que apagar o quadro de me-mórias da amígdala” (Le Doux,1996, p. 250). (Assim, dizemosque, provavelmente, os esquemasnão podem ser curados completa-mente.)

• O sistema amigdaliano não faz dis-criminações minuciosas. O sistemada amígdala tende a evocar res-postas condicionadas baseadas emmedo diante de estímulos traumá-ticos. Visto que uma memóriaemocional é armazenada na amíg-dala, a exposição posterior aosestímulos que lembrem, mesmolevemente, aqueles que estavam

presentes durante o trauma irãoativar a reação de medo. O siste-ma da amígdala proporciona umaimagem crua do mundo exterior,ao passo que o córtex oferece re-presentações mais detalhadas eprecisas. É o córtex o responsá-vel por suprimir respostas combase em avaliações cognitivas. Aamígdala evoca respostas, e nãoas inibe.

• O sistema amigdaliano é anterior,em termos evolutivos, aos córticessuperiores. Quando uma pessoa sedepara com uma ameaça, a amíg-dala dispara uma resposta demedo que mudou muito pouco aolongo dos tempos e que é compar-tilhada em todo o reino animal,talvez, até mesmo em espécies in-feriores. O hipocampo tambémintegra a parte evolutivamentemais antiga do cérebro, mas conec-ta-se ao neocórtex, que contém oscórtices superiores de desenvolvi-mento mais tardio.

Implicações para omodelo dos esquemas

Consideremos algumas implicaçõespossíveis desta pesquisa para a teoria dosesquemas. Como já dito, definimos um es-quema desadaptativo remoto como umconjunto de memórias, emoções, sensaçõescorporais e cognições que giram em tornode um tema de infância, como abandono,abuso, negligência ou rejeição. Pode-seconceituar a biologia cerebral de um es-quema da seguinte forma: as emoções e assensações corporais armazenadas no sis-tema amigdaliano portam todos os atribu-tos listados antes. Quando um indivíduoencontra estímulos reminiscentes dos even-tos de infância que levaram ao desenvolvi-mento do esquema, as emoções e sensa-

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ções corporais associadas ao evento sãoativadas inconscientemente pelo sistemaamigdaliano; se o indivíduo está conscien-te delas, as emoções e sensações corporaisativam-se mais rapidamente do que ascognições. Essa ativação das emoções e sen-sações corporais é automática e, provavel-mente constituirá uma característica per-manente da vida do indivíduo, embora ograu de ativação possa ser reduzido com acura do esquema. Por sua vez, as memó-rias e as cognições conscientes associadasao trauma armazenam-se no sistema hipo-campal e nos córtices superiores.

O fato de aspectos emocionais e cog-nitivos da experiência traumática locali-zarem-se em diferentes sistemas cerebraispode explicar a impossibilidade de se al-terarem os esquemas por meio de méto-dos cognitivos simples. Além disso, os com-ponentes cognitivos de um esquema, inú-meras vezes, desenvolvem-se posterior-mente, depois que as emoções e as sensa-ções corporais já estiverem armazenadasna amígdala. Muitos esquemas se desen-volvem em uma etapa pré-verbal, origi-nando-se antes que a criança tenha ad-quirido linguagem. Os esquemas pré-ver-bais surgem quando a criança é tão pe-quena que tudo o que está armazenadosão memórias, emoções e sensações cor-porais. As cognições surgem mais tarde,quando a criança começa a pensar e a fa-lar palavras. (Esse é um dos papéis do tera-peuta: ajudar o paciente a atribuir pala-vras à experiência do esquema.) Portan-to, as emoções têm primazia em relaçãoàs cognições no trabalho com vários es-quemas.

Quando se ativa um esquema desa-daptativo remoto, o indivíduo é inundadopor emoções e sensações corporais. A pes-soa pode conectar conscientemente ounão as emoções e sensações corporais àmemória original. (Esse é outro papel doterapeuta: ajudar os pacientes a conectaras emoções e sensações corporais a memó-

rias de infância.) As memórias encontram-se no coração do esquema, mas, via de re-gra, não estão explícitas na consciência,mesmo sob a forma de imagens. O tera-peuta proporciona o apoio emocional àmedida que o paciente luta para recons-truir essas imagens.

Implicações para aterapia do esquema

O primeiro objetivo da terapia do es-quema é a consciência psicológica. O tera-peuta ajuda os pacientes a identificar seusesquemas e a se tornar consciente de suasmemórias de infância, emoções, sensaçõescorporais, cognições e estilos de enfrenta-mento associados a eles. Uma vez que en-tendam seus esquemas e estilos de enfren-tamento, os pacientes começam a exerceralgum controle sobre suas respostas, au-mentando o exercício de livre-arbítrio emrelação aos esquemas. LeDoux (1996, p.265) diz:

A terapia é apenas mais uma forma decriar potenciação sináptica nas vias ce-rebrais que controlam a amígdala. As me-mórias emocionais da amígdala, comovimos, estão gravadas de forma indelé-vel em seus circuitos. A melhor esperan-ça que podemos ter é de regular sua ex-pressão, e a única maneira é fazer comque o córtex controle a amígdala.

Sendo assim, o tratamento objetivaaumentar o controle consciente sobre osesquemas, trabalhando para enfraqueceras memórias, emoções, sensações corpo-rais, cognições e comportamentos associa-dos a eles.

O trauma infantil precoce afeta váriasoutras partes de nosso corpo. Os primatasseparados de suas mães experimentam ní-veis elevados de cortisol plasmático. Se asseparações se repetem, essas mudanças setornam permanentes (Coe, Mendoza,

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Smotherman e Levine, 1978; Coe, Glass,Wiener e Levine, 1983). Outras mudançasneurobiológicas resultantes da separaçãoprecoce da mãe são as mudanças nasenzimas que sintetizam catecolamina nasglândulas adrenais (Coe et al., 1978, 1983)e a secreção de serotonina hipotalâmica(Coe, Wiener, Rosenberg e Levine, 1985).Pesquisas com primatas também sugeremque o sistema opióide está envolvido naregulação da ansiedade de separação, e queo isolamento social afeta a sensibilidade e onúmero de receptores de opióides cerebrais(van der Kolk, 1987). Evidentemente, ex-periências de separação precoce resultamem mudanças físicas que afetam o funcio-namento psicológico e que podem muitobem perdurar toda a vida.

OPERAÇÕES DOS ESQUEMAS

As duas operações de funcionamentofundamentais dos esquemas são a perpe-tuação e a cura. Pode-se dizer que todos ospensamentos, sentimentos, comportamen-tos e experiências de vida relevantes paraum esquema ou o perpetuam, tornando-omais elaborado e reforçado, ou o curam,enfraquecendo-o.

Perpetuação de esquemas

Perpetuação de esquemas refere-se atudo que o paciente faz (internamente ouem termos comportamentais) que mante-nha o esquema em funcionamento. Incluitodos os pensamentos, sentimentos e com-portamentos que acabam por reforçar, emvez de curar o esquema e todas as profeciasauto-confirmatórias que acabam por fazercom que a pessoa aja de forma a confirmaro esquema. Os esquemas são perpetuadospor meio de três mecanismos básicos: dis-torções cognitivas, padrões de vida autoder-rotistas e estilos de enfrentamento dos es-quemas (discutidos em detalhe na próxima

seção). Através de distorções cognitivas, oindivíduo percebe equivocadamente as si-tuações, de maneira tal que o esquema éreforçado, acentuando a informação que oconfirma ou negando a informação que ocontradiz. Afetivamente, o indivíduo podebloquear as emoções conectadas a um es-quema. Quando bloqueia o sentimento, oesquema não atinge o nível da consciência,de forma que a pessoa não consegue darpassos para alterá-lo ou curá-lo. Em termoscomportamentais, o indivíduo envolve-seem padrões autoderrotistas, escolhendo in-conscientemente situações e relacionamen-tos que ativam e perpetuam o esquema emantendo-se neles, enquanto evita relacio-namentos que têm probabilidades de curá-lo. Em termos de relações interpessoais, ospacientes relacionam-se de formas que le-vam outras pessoas a responder negativa-mente, reforçando o esquema.

Exemplo clínico

Martine tem um esquema de defecti-vidade, proveniente, em sua maior parte,da relação de infância com sua mãe. “Nãohavia nada de que minha mãe gostasse emmim”, diz ela ao terapeuta, “e nada que eupudesse fazer a respeito. Eu não era boni-ta, não era expansiva nem admirada, nãotinha uma personalidade marcante, nãosabia como me vestir com estilo. A únicacoisa que eu tinha, que era ser inteligente,não significava nada para ela”.

Atualmente, Martine tem 31 anos epoucas amigas. Recentemente, seu namora-do, Johnny, apresentou-a às namoradas deseus amigos. Martine gosta muito dessasmulheres, mas, embora tenha sido bem re-cebida, sente-se incapaz de estabeleceramizade com elas. “Eu não acho que elasgostem de mim”, explica ao terapeuta. “Fi-co muito nervosa quando estou com elas.Não consigo me acomodar e me relacionarnormalmente.”

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Em termos cognitivos, sentimentais,comportamentais e interpessoais, Martineage para perpetuar o esquema de defectivi-dade com essas mulheres. Cognitivamente,distorce informações para que estas susten-tem o esquema. Desconsidera os muitosgestos de amizade que essas pessoas já tive-ram em relação a ela (“elas só estão sendosimpáticas por causa do Johnny, mas nãogostam de mim de verdade”) e interpretafalsamente o que elas fazem e dizem comoevidências de que não gostam dela. Porexemplo, quando uma dessas mulheres,Robin, não convidou Martine para ser ma-drinha de seu casamento, ela já concluiu queRobin a “detesta”, ainda que ela não a co-nhecesse por tempo suficiente para ser ma-drinha de seu casamento. Em termos senti-mentais, Martine possui respostas emocio-nais fortes a eventos que lembrem, mesmoque minimamente, os ativadores de seus es-quemas infantis. Ela fica irritada com qual-quer coisa que perceba como rejeição, nãoimporta quão leve seja. Quando Robin nãolhe convidou para ser madrinha de casa-mento, por exemplo, Martine sentiu-se to-talmente indigna e constrangida. “Eu meodeio”, disse ela ao terapeuta.

Esta paciente gravita em relaciona-mentos que têm probabilidades de repetirsua relação de infância com a própria mãe.No grupo de mulheres, ela busca a amiza-de de uma que é mais difícil de agradar,que é muito crítica, e, assim como fazia comsua mãe quando criança, Martine compor-ta-se com ela de forma diferente e descul-pando-se.

Quase todos os pacientes com trans-tornos caracterológicos repetem, de formaautoderrotista, padrões negativos advindosda infância. De maneira crônica e genera-lizada, desenvolvem pensamentos, emo-ções, comportamentos e meios de relacio-nar-se que perpetuam seus esquemas. Aofazê-lo, continuam, involuntariamente, arecriar em suas vidas adultas as condiçõesque mais lhes prejudicaram na infância.

Cura de esquemas

A cura de esquemas é a finalidadeúltima da terapia do esquema. Como umesquema trata-se de um conjunto de memó-rias, emoções, sensações corporais e cog-nições, sua cura envolve a redução de to-dos estes: a intensidade das memórias co-nectadas ao esquema, sua carga emocio-nal, a força das sensações corporais e assoluções desadaptativas. A cura de esque-mas também envolve a mudança compor-tamental, à medida que os pacientes apren-dem a substituir estilos de enfrentamentodesadaptativos por padrões de comporta-mentos adaptativos. Sendo assim, o trata-mento inclui intervenções cognitivas,afetivas e comportamentais. À medida quese cura um esquema, ele torna-se cada vezmais difícil de ativar. Quando ativado, aexperiência é menos sufocante, e o pacienterecupera-se mais rápido.

A trajetória da cura de esquemas cos-tuma ser árdua e longa. Modificá-los é di-fícil, pois configuram crenças profunda-mente arraigadas sobre si e sobre o mun-do, aprendidas desde muito cedo. Inúme-ras vezes, constituem tudo o que o pacienteconhece. Por mais destrutivos que sejam,os esquemas proporcionam ao paciente umsentimento de segurança e previsibilidade.Os pacientes resistem a abster-se deles por-que são fundamentais à sua sensação deidentidade. É desagregador renunciar a umesquema. O mundo inteiro balança; porisso, a resistência à terapia configura umaforma de autopreservação, uma tentativade se agarrar à sensação de controle e coe-rência interior. Renunciar a um esquema éabrir mão do conhecimento de quem se éou de como é o mundo.

A cura de esquemas requer a disposi-ção de enfrentar o esquema e travar bata-lhas contra ele, e demanda disciplina e prá-tica freqüentes. Os pacientes devem obser-var sistematicamente o esquema e traba-lhar a cada dia para mudá-lo. A menos que

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seja corrigido, o esquema irá se perpetuar.A terapia é como declarar guerra contra oesquema: terapeuta e paciente formamuma aliança para derrotá-lo, com o objeti-vo de fazer com que desapareça. O objeti-vo, contudo, costuma ser um ideal inalcan-çável: a maioria dos esquemas nunca secura completamente, porque não se podeerradicar as memórias associadas a eles.

Os esquemas nunca desaparecem detodo. Em lugar disso, quando curados, ati-vam-se com menos freqüência, e o senti-mento associado torna-se menos intenso,não durando tanto. Os pacientes respon-dem à ativação de seus esquemas de ma-neira saudável. Escolhem parceiros e ami-gos mais amorosos, e vêem a si mesmos deforma mais positiva. Apresentamos uma vi-são geral de como curar esquemas na últi-ma seção deste capítulo.

ESTILOS E RESPOSTAS DEENFRENTAMENTO DESADAPTATIVAS

Os pacientes desenvolvem estilos erespostas de enfrentamento desadaptativasdesde cedo em suas vidas para se adaptara esquemas, para que não tenham devivenciar as emoções intensas e pesadasque os esquemas geralmente engendram,mas é importante lembrar que, embora osestilos de enfrentamento auxiliem os paci-entes a evitar um esquema, não o curam.Dessa forma, todos os estilos de enfrenta-mento desadaptativos ainda servem comoelementos no processo de perpetuação doesquema.

A terapia do esquema diferencia oesquema em si das estratégias que a pes-soa utiliza para enfrentá-lo. Sendo assim,em nosso modelo, o esquema em si con-tém memórias, emoções, sensações corpo-rais e cognições, mas não as respostascomportamentais do indivíduo. O compor-

tamento não é parte do esquema, e sim parteda resposta de enfrentamento. O esquema

provoca o comportamento. Embora a maiorparte das respostas de enfrentamento sejacomportamental, os pacientes também en-frentam o esquema por meio de estratégi-as cognitivas e emotivas. Quer o estilo deenfrentamento se manifeste por meio decognição, sentimento ou comportamento,não consiste parte do esquema em si.

Diferenciamos esquemas de estilos deenfrentamento porque cada paciente usadiferentes estilos em situações diversas, emetapas distintas de suas vidas, para enfren-tar o mesmo esquema. Portanto, os estilosde enfrentamento para um determinadoesquema não necessariamente permanecemestáveis para uma pessoa com o passar dotempo, ao contrário do esquema em si. Alémdisso, diferentes pacientes usam comporta-mentos muito variáveis, até mesmo opos-tos, para enfrentar o mesmo esquema.

Por exemplo, considere três pacien-tes que em geral enfrentam seus esquemasde defectividade por meio de mecanismosdiferentes. Embora todos os três sintam-sefracassados, um busca parceiros e amigoscríticos, outro evita aproximar-se de quemquer que seja, e o terceiro adota uma ati-tude crítica e superior em relação a outraspessoas. Portanto, o comportamento de en-frentamento não é intrínseco ao esquema.

Três estilos de enfrentamentodesadaptativos

Todos os organismos possuem trêsrespostas básicas à ameaça: lutar, fugir ouparalisar-se. Elas correspondem aos trêsestilos de enfrentamento: hipercompensa-

ção, evitação e resignação. Em termos mui-to amplos, a luta é hipercompensação; afuga, evitação, e a paralisia, resignação.

No contexto da infância, um esque-ma desadaptativo remoto representa a pre-sença de uma ameaça. A ameaça é umafrustração de algumas das necessidadesemocionais fundamentais da criança (vín-

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culo seguro, autonomia, liberdade de auto-expressão, espontaneidade e lazer, ou li-mites realistas). A ameaça também podeincluir o medo das intensas emoções que oesquema ativa. Deparando-se com essaameaça, a criança pode reagir por meiode alguma combinação dessas três respos-tas de enfrentamento: resignar-se, evitarou hipercompensar. Todos os três estilosde enfrentamento costumam operar forada consciência, ou seja, inconscientemen-te. Em qualquer situação dada, é provávelque a criança utilize apenas um deles, mastalvez apresente estilos de enfrentamentodiferentes em distintas situações com es-quemas diferentes (apresentamos exem-plos desses três estilos a seguir).

Assim, a ativação de um esquema éuma ameaça – a frustração de uma necessi-dade emocional fundamental e as emoçõesconcomitantes – à qual o indivíduo respon-de com um estilo de enfrentamento. Essesestilos de enfrentamento, via de regra, sãoadaptativos na infância e considerados me-canismos de sobrevivência saudáveis, mastornam-se desadaptativos à medida que acriança cresce, pois os estilos de enfrenta-mento continuam a perpetuar o esquema,mesmo quando as condições mudam e a pes-soa dispõe de opções mais adequadas. Osestilos de enfrentamento desadaptativosacabam por manter os pacientes aprisiona-dos a seus esquemas.

Resignação aos esquemas

Ao se resignar a um esquema, os pa-cientes consentem com o mesmo. Não ten-tam evitá-lo nem lutam contra ele, aceitan-do que é verdadeiro. Sentem diretamente osofrimento emocional do esquema e agemde maneira a confirmá-lo. Sem perceberemo que fazem, repetem os padrões evocadospelo esquema, de forma que, quando adul-tos, continuam a reviver as experiências deinfância que o engendraram. Quando en-

contram gatilhos ativadores, as respostasemocionais são desproporcionais, e os indi-víduos vivenciam suas emoções de formaintegral e consciente. Em termos comporta-mentais, escolhem parceiros que têm maisprobabilidades de tratá-los como “o pai oua mãe agressivo” o fez no passado, a exem-plo de Natalie, a paciente deprimida quedescrevemos anteriormente, que escolheuum marido, Paul, que a privava emocional-mente. Depois, costumam relacionar-se comesses parceiros de maneira passiva e com-placente, perpetuando o esquema. Na rela-ção terapêutica, esses pacientes podem tam-bém representar o esquema consigo mes-mos no papel de “criança”, e o terapeuta,no de “pai ou mãe agressivo”.

Evitação de esquemas

Quando utilizam a evitação como es-tilo de enfrentamento, os pacientes tentamorganizar suas vidas de maneira que o es-quema nunca seja ativado. Tentam viver semconsciência dele, como se não existisse; evi-tam pensar a respeito dele; bloqueiam pen-samentos e imagens que provavelmente oativem, e, quando esses pensamentos eimagens surgem, os indivíduos distraem-se ou os repelem. Evitam sentir o esquema;quando esses sentimentos vêm à tona, re-futam-nos por reflexo. Podem beber emexcesso, ingerir drogas, fazer sexo promís-cuo, comer demais, limpar compulsivamen-te, buscar estimulações ou se tornar vicia-dos no trabalho. Quando interagem comoutros, podem parecer perfeitamente nor-mais. Costumam evitar situações que ati-vem o esquema, como relacionamentos ín-timos ou desafios profissionais. Muitos pa-cientes afastam-se por completo de ativi-dades nas quais se sentem vulneráveis. Inú-meras vezes, evitam a terapia – por exem-plo, podem “esquecer-se” de realizar tare-fas de casa, deixar de expressar sentimen-tos, levantar apenas questões superficiais,

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chegar atrasados às seções ou encerrar otratamento prematuramente.

Hipercompensação de esquemas

Quando hipercompensam, os pacien-tes lutam contra o esquema pensando, sen-tindo, comportando-se e relacionando-secomo se o oposto do esquema fosse verda-deiro. Dedicam-se a ser o mais diferentepossível das crianças que foram quando oesquema foi adquirido. Se se sentiam semvalor quando crianças, como adultos ten-tam ser perfeitos; se foram subjugados quan-do crianças, como adultos desafiam a to-dos; se foram controlados quando crianças,como adultos controlam outras pessoas ourejeitam todas as formas de influência; seabusados, abusam de outros. Diante do es-quema, contra-atacam. Na superfície, sãoautoconfiantes e seguros, mas, no íntimo,sentem a pressão do esquema ameaçandouma erupção.

A hipercompensação pode ser consi-derada uma tentativa parcialmente saudá-vel de lutar contra o esquema que avançaos limites, de forma que o esquema é per-petuado em vez de curado. Muitos “hiper-compensadores” parecem saudáveis; na ver-dade, algumas das pessoas mais admiradasna sociedade – estrelas da mídia, líderes po-líticos, gigantes empresariais – muitas ve-zes são hipercompensadores. É saudável lu-tar contra um esquema, desde que o com-portamento seja proporcional à situação,que se levem em conta os sentimentos deoutros e que se possa esperar razoavelmen-te chegar ao resultado desejado, mas oshipercompensadores costumam ater-se aocontra-ataque, com um comportamentoexcessivo, insensível e improdutivo.

Por exemplo, é saudável que os pacien-tes subjugados exerçam mais controle so-bre suas vidas, mas, quando hipercompen-sam, tornam-se excessivamente contro-

ladores e dominadores e acabam por afas-tar outras pessoas. Um paciente que hiper-compensa a subjugação não consegue per-mitir que terceiros assumam a frente, mes-mo em casos em que é saudável fazê-lo.Da mesma forma, é saudável para um pa-ciente emocionalmente privado pedir apoioemocional a outras pessoas, mas umpaciente que hipercompensa a privaçãoemocional ultrapassa os níveis adequados,tornando-se demasiado exigente e arrogan-do-se privilégios.

A hipercompensação desenvolve-seporque oferece uma alternativa ao sofri-mento causado pelo esquema. É uma for-ma de escapar da sensação de impotênciae vulnerabilidade que o paciente sentiuquando cresceu. Hipercompensações nar-cisistas, por exemplo, geralmente servempara ajudar os pacientes a lidar com senti-mentos fundamentais de privação emocio-nal e defectividade. Em lugar de se sentirignorados ou inferiores, esses pacientespodem se sentir especiais e superiores. En-tretanto, embora bem-sucedidos no univer-so exterior, os pacientes narcisistas geral-mente não estão em paz consigo mesmos.Sua hipercompensação os isola e acaba porlhes trazer infelicidade. Eles continuam ahipercompensar, não importando o quan-to isso afaste outras pessoas, e assim per-dem a capacidade de se conectar profun-damente com outros indivíduos. Estão tãoenvolvidos em parecer perfeitos que des-cuidam da intimidade verdadeira. Maisalém, não importa o quanto tentem serperfeitos, acabarão falhando em algo, maiscedo ou mais tarde, e raramente sabemcomo lidar com a derrota de forma cons-trutiva. São incapazes de assumir respon-sabilidades por seus fracassos ou de reco-nhecer suas limitações e, portanto, têm di-ficuldades de aprender com os próprioserros. Quando experimentam reveses sufi-cientemente significativos, sua capacidadede hipercompensar vem abaixo, e eles, mui-

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tas vezes, descompensam, tornando-se cli-nicamente deprimidos. Quando a Hiper-compensação não funciona, os esquemaspor trás dela se reafirmam com uma enor-me força emocional.

Levantamos a hipótese de que o tem-peramento é um dos principais fatores paradeterminar por que os indivíduos desen-volvem determinados estilos de enfrenta-mento em vez de outros. Na verdade, otemperamento provavelmente cumpre umpapel maior na determinação dos estilosdos pacientes do que na determinação deseus esquemas. Indivíduos com tempera-mento passivo, por exemplo, provavelmen-te têm mais chances de se render ou evi-tar, ao passo que os que têm temperamen-tos agressivos apresentam mais chances dehipercompensar. Outro fator que explicapor que os pacientes adotam um determi-nado estilo de enfrentamento é a interna-lização seletiva, ou modelação. As crian-ças podem modelar seu comportamento deenfrentamento a partir do de um dos paiscom o qual se identificam.

Aprofundamos os estilos de enfrenta-mento no Capítulo 5.

Respostas de enfrentamento

Respostas de enfrentamento são oscomportamentos específicos, através dosquais os três estilos de enfrentamento sãoexpressados. Todas as respostas a ameaçascontidas no repertório comportamental doindivíduo, todas as formas únicas e idios-sincráticas com que os pacientes manifes-tam hipercompensação, evitação ou resig-nação são respostas de enfrentamento.Quando o indivíduo tem por hábito adotardeterminadas respostas de enfrentamento,elas se associam para formar “estilos de en-frentamento”. Um estilo de enfrentamentoé um traço, ao passo que uma resposta deenfrentamento é um estado. Um estilo de

enfrentamento consiste em um conjunto derespostas de enfrentamento que um indi-víduo costuma usar a fim de evitar a resig-nação ou a hipercompensação. Uma res-posta de enfrentamento é um comporta-mento específico (ou estratégia) que a pes-soa exibe em um determinado momento.Por exemplo, consideremos um pacienteque usa alguma forma de evitação em qua-se todas as situações em que é ativado seuesquema de abandono. Quando sua namo-rada ameaçou terminar o relacionamento,ele foi para casa e bebeu cerveja até des-maiar. Nesse exemplo, a evitação é o estilo

de enfrentamento do paciente para aban-dono, e beber cerveja foi sua resposta deenfrentamento nessa situação com a na-morada. (Discutimos essa distinção maisprofundamente na seção seguinte, sobremodos de esquemas.)

A Tabela 1.1 lista alguns exemplos derespostas de enfrentamento desadaptativaspara cada esquema. A maioria dos pacientesusa uma combinação de respostas e estilosde enfrentamento. Às vezes se rendem, àsvezes evitam, outras vezes hipercompensam.

Esquemas, respostasde enfrentamento ediagnósticos do Eixo II

Acreditamos que o sistema de diag-nóstico do Eixo II no DSM-IV têm falhasgraves. Em outra publicação (Young eGluhoski, 1996), analisamos essas muitaslimitações, incluindo a confiabilidade e avalidade baixas para várias categorias e onível inaceitável de sobreposição entre ca-tegorias. Neste capítulo, contudo, enfati-zamos o que consideramos falhas concei-tuais mais fundamentais do Eixo II. Pare-ce-nos que, em uma tentativa de estabele-cer critérios baseados em comportamentosobserváveis, seus criadores perderam a es-sência daquilo que diferencia transtornos

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de Eixo I e Eixo II, e o que torna os trans-tornos crônicos difíceis de tratar.

Segundo nosso modelo, os esquemasinternos estão no centro dos transtornosde personalidade, e os padrões comporta-mentais no DSM-IV são, basicamente, res-postas aos esquemas nucleares. Como enfa-tizamos, a cura dos esquemas deveria cons-tituir o objetivo central no trabalho comos pacientes em nível caracterológico. A eli-minação permanente das respostas de en-frentamento desadaptativas é quase impos-sível sem a mudança dos esquemas que asprovocam. Além disso, como os comporta-mentos de enfrentamento não são tão es-táveis quanto os esquemas, pois mudamconforme o esquema, a situação e a etapade vida em que se encontra o paciente, ossintomas (e o diagnóstico) parecerão sealterar quanto tentarmos mudá-los.

Para a maioria das categorias do DSM-IV, os comportamentos de enfrentamentoconsistem em transtornos de personalida-de. Vários critérios diagnósticos são as listasde respostas de enfrentamento. O modelode esquemas, por sua vez, dá conta de pa-drões caracterológicos crônicos e generali-zados em termos de esquemas e respostasde enfrentamento; ele relaciona os esque-mas e as respostas de enfrentamento a suasorigens no início da infância, e apresentaimplicações diretas e claras para o trata-mento. Além disso, considera-se cada pa-ciente como um perfil único, incluindo vá-rios esquemas e respostas de enfrentamen-to, cada um deles presente em diferentesníveis de intensidade (dimensionais) emlugar de uma única categoria de Eixo II.

MODOS DE OPERAÇÃODOS ESQUEMAS

O conceito de modo de esquema é,provavelmente, a parte mais difícil de ex-plicar na teoria do esquema, porque en-

globa muitos elementos. Os modos de ope-ração dos esquemas são os estados emocio-nais e respostas de enfrentamento – adap-tativos e desadaptativos – que vivenciamosa cada momento. Freqüentemente, nossosmodos de esquemas são ativados por situa-ções de vida às quais somos supersensíveis(nossos “botões emocionais”). Diferente-mente da maioria dos construtos de esque-ma, estamos muito interessados em traba-lhar com os modos adaptativos e desadap-tativos. Na verdade, tentamos ajudar ospacientes a cambiar, passando de um mododisfuncional a um modo funcional, comoparte do processo de cura do esquema.

Em qualquer momento determinado,alguns de nossos esquemas ou de nossasoperações de funcionamento de esquemas(incluindo as respostas de enfrentamento)estão inativos ou latentes, enquanto ou-tros são ativados por eventos e predomi-nam em nosso humor e em nosso com-portamento naquele momento. O estadopredominante em que estamos em umdado momento se chama “modo de esque-ma”. Usamos o termo “cambiar” para nosreferir à mudança de um modo a outro.Como já dissemos, esse estado pode seradaptativo ou desadaptativo. Todos cam-biamos, de um modo a outro, ao longo dotempo. Um modo, portanto, responde àseguinte pergunta: neste momento, queconjunto de esquemas ou operações de es-quema o paciente está?

Nossa definição revisada de modo deesquema: são os esquemas ou operaçõesde esquemas, adaptativos ou desadapta-tivos, que estão ativos no indivíduo no mo-mento. Num modo de esquema disfun-

cional é ativado quando esquemas desa-daptativos ou respostas de enfrentamentoespecíficos irrompem em forma de emo-ções desagradáveis, respostas de evitaçãoou comportamentos autoderrotistas queassumem o controle do funcionamento doindivíduo.

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Tabela 1.1 Exemplos de respostas de enfrentamento desadaptivas

Esquemas desadaptativos Exemplos Exemplos Exemplos deremotos de resignação de evitação hipercompensação

Abandono/Instabilidade Escolhe parceiros Evita relacionamentos “Agarra-se” ao parceirocom os quais não íntimos. e o “sufoca” a ponto deconsegue estabelecer afastá-lo. Atacacompromisso e veementemente ose mantém no parceiro até mesmorelacionamento. por pequenas

separações.

Desconfiança/Abuso Escolhe parceiros Evita se tornar Usa e abusa de outrosabusivos e permite vulnerável e acreditar (“pegue-os antes queo abuso. em qualquer pessoa; eles lhe peguem”).

mantém segredos.

Privação emocional Escolhe parceiros Evita totalmente Age de formaque lhe privam relacionamentos emocionalmenteemocionalmente e não íntimos. exigente com parceiroslhes pede que atendam e amigos íntimos.suas necessidades.

Defectividade/Vergonha Escolhe amigos que o Evita expressar os Critica e rejeita oscriticam e rejeitam; verdadeiros pensamentos outros, enquantodiminui a si próprio. e sentimentos e deixar aparenta ser perfeito.

que os outros seaproximem.

Isolamento social/ Em reuniões sociais, Evita situações sociais Torna-se um camaleãoAlienação concentra-se e grupos. para ajustar-se a

exclusivamente nas grupos.diferenças em relaçãoa outros, em vez denas semelhanças.

Dependência/ Pede a pessoas Evita assumir novos Torna-se tão auto-Incompetência importantes (pais, desafios, como suficiente que não pede

cônjuge) que tomem aprender a dirigir. nada a ninguémtodas as suas decisões (“contradependente”).financeiras.

Vulnerabilidade ao dano Lê obsessivamente Evita ir a lugares que Age de forma negligente,ou a doença sobre catástrofes não pareçam sem consideração pelo

em jornais e as prevê totalmente “seguros”. perigo (“contrafóbico”).em situações cotidianas.

Fracasso Faz as coisas com Evita completamente Torna-se uma pessoapouca dedicação ou desafios profissionais. muito bem-sucedida,de forma descuidada. Posterga as tarefas. estimulando-se

ininterruptamente.

(Continua)

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Tabela 1.1 (Continuação)

Esquemas desadaptativos Exemplos Exemplos Exemplos deremotos de resignação de evitação hipercompensação

Arrogo/Grandiosidade Pressiona as outras Evita situações nas Presta atençãopessoas para que tudo quais é médio, e excessiva àsaconteça à sua maneira. não superior. necessidades alheias.Jacta-se de suaspróprias realizações.

Autocontrole/ Desiste rapidamente Evita empregos Torna-seAutodisciplina de tarefas de rotina. e não aceita exageradamenteinsuficientes responsabilidade. autocontrolado ou

autodisciplinado.

Subjugação Deixa que outros Evita situações Rebela-se contra aindivíduos controlem que possam autoridade.situações e tomem envolver conflito comdecisões. outros indivíduos.

Busca de aprovação/ Age para impressionar Evita interagir com Faz o que pode paraBusca de reconhecimento outras pessoas. aqueles cuja conseguir a

aprovação é cobiçada. desaprovação deoutros. Mantém-se emsegundo plano.

Negativismo/Pessimismo Concentra-se no Bebe para dissipar É exageradamentenegativo. Ignora o sentimentos pessimistas otimista (do tipopositivo. Preocupa-se e infelicidade. “Poliana”). Negaconstantemente. Faz realidadesmuitos esforços para desagradáveis.evitar qualquer resultadonegativo possível.

Inibição emocional Mantém uma conduta Evita situações nas Tenta, de formacalma, sem intensidade quais as pessoas desajeitada, ser “aemocional. discutem ou expressam animação da festa”,

sentimentos. ainda que pareçapouco natural.

Padrões inflexíveis/ Gasta muito tempo Evita ou posterga Não se importa nemPostura crítica exagerada tentando ser perfeito. situações e tarefas em um pouco com os

que o desempenho padrões – cumpreserá julgado. tarefas de maneira

apressada e descuidada.

Postura punitiva Trata a si mesmo e a Evita outros por Comporta-se deoutros de maneira medo de punição. maneiradura e punitiva. exageradamente

clemente.

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Terapia do esquema 51

Um indivíduo pode passar de ummodo de esquema disfuncional a outro.Quando esse câmbio ocorre, diferentes es-quemas ou respostas de enfrentamento,antes latentes, são ativadas.

Modos de esquemas disfuncionaiscomo estados dissociados

Visto de maneira diferente, um modode esquema disfuncional é uma faceta doself com esquemas ou operações de esque-mas específicos que não foi totalmente in-tegrada a outras facetas. Segundo essaperspectiva, os modos de esquema podemcaracterizar-se pelo grau em que um de-terminado estado provocado por esquemasse tornou dissociado, ou desconectado, dosoutros modos de um indivíduo. Um modode esquema disfuncional, portanto, é umaparte do self desconectada em algum nívelde outros aspectos do self.

Um modo de esquema disfuncionalpode ser descrito como o ponto em um es-pectro de dissociação em que se encontra omodo específico. Se o indivíduo for capazde vivenciar ou combinar simultaneamentemais de um modo, o nível de dissociação émais baixo. Via de regra, referimo-nos a essaforma leve de modo de esquema como umamudança de humor normal, como um esta-do de humor alegre ou de humor zangado.No nível mais alto de dissociação, está umpaciente com transtorno dissociativo deidentidade (ou transtorno da personalidademúltipla). Nesses casos, o indivíduo em ummodo talvez nem saiba que existe outromodo, e, em casos extremos, um pacientecom transtorno dissociativo de identidadepode ter um nome próprio diferente em cadamodo. Adiante, discutiremos mais profunda-mente esse conceito de modos como estadosdissociativos.

Identificamos 10 modos de esquemas,embora outros certamente serão identifi-

cados no futuro. Os modos foram agrupa-dos em quatro categorias gerais: modoscriança, modos enfrentamento disfuncio-nal, modos pais disfuncionais e modosadulto saudável. Alguns modos são saudá-veis ao indivíduo, ao passo que outros sãodesadaptivos. Trataremos com mais deta-lhe desses dez modos em seção posterior.

Um objetivo importante da terapia doesquema é ensinar os pacientes a fortale-cer seus modos adulto saudável, de formaque aprendam a navegar, lidar, cuidar ouneutralizar modos disfuncionais.

O desenvolvimentodo conceito de modo

O conceito de modos de esquema ori-ginou-se de nosso trabalho com pacientesportadores de transtorno da personalidadeborderline, embora agora o apliquemos tam-bém a outras categorias de diagnóstico. Umdos problemas de aplicar o modelo de es-quemas em pacientes com transtorno dapersonalidade borderline residia no fato deque o número de esquemas e respostas deenfrentamento por eles apresentado erademasiado elevado para que paciente e te-rapeuta lidassem com todos ao mesmo tem-po. Concluímos, por exemplo, que, quandoaplicamos a pacientes com transtorno dapersonalidade borderline o Questionário deEsquemas de Young, é comum que eles te-nham escores altos em quase todos os 16esquemas avaliados. Concluímos, então, queprecisávamos de uma unidade de análisediferente, que pudesse agrupar os esque-mas e os tornasse mais manejáveis.

No caso de pacientes com transtornoda personalidade borderline, a aplicação domodelo de esquemas original era prolemá-tica também devido à sua constante osci-lação de um estado afetivo ou resposta deenfrentamento a outro: em um momentotais pacientes tinham raiva, no momento

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seguinte poderiam estar tristes, distancia-dos, evitativos, robóticos, apavorados, im-pulsivos ou cheios de ódio de si próprios.Nosso modelo original, por focar nos cons-trutos de traço – um esquema ou do câm-bio estilo de enfrentamento – não pareciasuficiente para dar conta do fenômeno docâmbio dos estados.

Aprofundemo-nos um pouco maisnessa distinção estado-traço, e sua relaçãocom a terapia do esquema. Quando um in-divíduo tem um esquema, não quer dizerque em todos os momentos esse esquemaencontra-se ativado. Em vez disso, o esque-ma é um traço que pode estar ou não ati-vado em um dado momento. Da mesmaforma, os indivíduos têm estilos de enfren-tamento característicos, que podem estarou não em uso em um dado momento.Dessa forma, nosso modelo original de tra-ço discorre sobre o funcionamento do pa-ciente no decorrer do tempo, mas não so-bre seu estado atual. Como os pacientescom transtorno da personalidade borderline

são muito instáveis, decidimos nos afastardo modelo de traço e nos dirigir ao mode-lo de estado, tendo o modo de esquemacomo construto conceitual básico.

Quando observamos cuidadosamen-te pacientes específicos, notamos que seusesquemas e suas respostas de enfrentamen-to tendem a se agrupar em partes do self.Certos agrupamentos de esquemas ou res-postas de enfrentamento são ativados jun-tos. Por exemplo, no modo criança vulne-rável, o afeto é de uma criança desampa-rada – frágil, assustada e triste. Quandoum paciente está nesse modo, esquemasde privação emocional, abandono e vul-nerabilidade podem ser ativados simulta-neamente. O modo criança zangada mui-tas vezes se apresenta com o afeto de umacriança furiosa, com acesso de raiva. Omodo protetor desligado caracteriza-sepela ausência de emoções, combinada comaltos níveis de evitação. Dessa forma, al-

guns dos modos compõem-se basicamentepor esquemas, enquanto outros represen-tam respostas de enfrentamento.

Cada paciente exibe determinadosmodos de esquema característicos, ou seja,agrupamentos característicos de esquemase respostas de enfrentamento. Da mesmaforma, alguns diagnósticos de Eixo II sãodescritos em termos de seus modos típi-cos. Por exemplo, o paciente com trans-torno da personalidade borderline típicoexibe quatro modos de esquemas e passarapidamente de um a outro. Em um mo-mento, está no modo criança abandona-da, vivenciando o sofrimento de seus es-quemas; no momento seguinte, cambiapara o modo criança zangada expressan-do raiva; ele pode, então, cambiar para omodo pais punitivos, e punir a criançaabandonada; finalmente, recolhe-se ao mo-do protetor desligado, bloqueando suasemoções e afastando-se das pessoas paraproteger-se.

Os modos comoestados dissociados

Mencionamos brevemente que nossoconceito de modo de esquema tem a vercom um espectro de dissociação. Emboratenhamos claro que o diagnóstico tornou-se polêmico, vemos as diferentes perso-nalidades de pacientes com transtorno dis-sociativo de identidade como formas ex-tremas de modos disfuncionais. Diferentespartes do self dividiram-se em distintas per-sonalidades que, inúmeras vezes, não es-tão conscientes umas das outras e que po-dem ter diferentes nomes, idades, gêneros,traços de personalidade, memórias e fun-ções. As identidades dissociativas típicasdesses pacientes consistem em uma crian-ça de determinada idade que vivencioutrauma grave, pai ou mãe internalizadosque atormentam, criticam ou perseguem a

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criança, ou um modo de enfrentamento detipo adulto, que, de alguma forma, prote-ge ou bloqueia a criança. Acreditamos queas identidades dissociativas no transtornodissociativo de identidade diferem dos mo-dos de pacientes com transtorno da perso-nalidade borderline principalmente emgrau e número. Tanto os modos de perso-nalidades múltiplas quanto os modos depersonalidade borderline constituem-se empartes do self dividido, mas os modosborderlines não foram divididos no mesmograu. Ademais, pacientes com transtornodissociativo de identidade geralmente pos-suem mais modos do que pacientes comtranstorno da personalidade borderline por-que com freqüência têm mais de um modode cada tipo (por exemplo, três modos cri-ança vulnerável, cada um em uma idadediferente).

O indivíduo psicologicamente sau-dável tem modos reconhecíveis, mas o sen-tido de um self unificado permaneceintacto. O indivíduo saudável pode passara um humor desligado e zangado em res-posta a mudanças nas circunstâncias, mastais modos irão diferir dos modos border-

lines em vários aspectos importantes. Emprimeiro lugar, como dissemos, os modosnormais são menos dissociados do que osborderline. Indivíduos saudáveis podemvivenciar mais de um modo simultanea-mente, por exemplo, ficarem tristes e feli-zes em relação a um evento, produzindoassim uma sensação “agridoce”. Por outrolado, quando falamos de um modo borderli-

ne, referimo-nos a uma parte do self sepa-rada das outras partes de uma forma purae intensa. O indivíduo é assustado ao ex-tremo ou completamente enraivecido. Emsegundo lugar, modos normais são menosrígidos e mais flexíveis e abertos a mu-danças do que os de pacientes com proble-mas caracterológicos graves. Em termospiagetianos, mais abertos à acomodaçãoem resposta à realidade (Piaget, 1962).

Em resumo, os modos variam de umindivíduo para outro em várias dimensões:

Dissociado �� IntegradoNão-reconhecido �� ReconhecidoDesadaptativo �� AdaptivoExtremo �� ModeradoRígido �� FlexívelPuro �� Mesclado

Outra diferença entre indivíduos saudá-veis e mais comprometidos reside na forçae na eficácia do modo adulto saudável. Em-bora todos tenhamos um modo adulto sau-dável, ele é mais forte e presente com maisfreqüência em pessoas psicologicamentesaudáveis. Pode moderar e curar modosdisfuncionais. Por exemplo, quando sentemraiva, as pessoas psicologicamente saudá-veis dispõem de um modo adulto saudávelque costuma impedir que as emoções e oscomportamentos saiam de controle. Poroutro lado, pacientes com transtorno dapersonalidade borderline geralmente têmum modo adulto saudável muito frágil, deforma que, quando se ativa o modo crian-ça zangada, não há força suficiente paracontrabalançar. A raiva toma conta quaseque por completo da personalidade do pa-ciente.

Dez modos de esquemas

Identificamos dez modos de esque-mas que podem ser agrupados em quatrocategorias amplas: modos criança, modosenfrentamento disfuncional, modos paisdisfuncionais e modos adulto saudável.Acreditamos que os modos criança são ina-tos e universais, ou seja, todas as criançasnascem com potencial para manifestá-los.Identificamos quatro: os modos criançavulnerável, criança zangada, criança impul-siva/indisciplinada e criança feliz. (Essasdenominações são termos gerais. Na tera-

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pia real, individualizamos os nomes dosmodos em colaboração com os pacientes.Por exemplo, podemos nos referir ao modocriança vulnerável como Aninha, ou CarolAbandonada.)

A criança vulnerável é o modo em quegeralmente se apresenta maioria dos esque-mas nucleares: a criança abandonada, acriança abusada, a criança privada ou acriança rejeitada. A criança zangada é aparte que está com raiva por não ter suasnecessidades emocionais atendidas, queage com base nessa raiva, sem consideraras conseqüências. A criança impulsiva/indisciplinada expressa emoções, age a par-tir de desejos e segue vontades naturais demomento a momento de maneira negligen-te, sem considerar possíveis conseqüênciaspara o self ou para outros. A criança feliz éaquela cujas necessidades emocionais bá-sicas encontram-se atendidas atualmente.

Identificamos três modos enfrenta-mento disfuncional: o capitulador compla-cente, o protetor desligado e o hipercom-pensador. Esses três modos correspondema três estilos de enfrentamento de resigna-ção, evitação e hipercompensação. (Maisuma vez, adaptamos o nome do modo paraque se ajuste aos sentimentos e comporta-mentos do paciente.) O capitulador com-placente submete-se ao esquema, tornan-do-se, mais uma vez, a criança passiva edesamparada que deve ceder aos outros.O protetor desligado desliga-se psicologica-mente do sofrimento do esquema afastan-do-se emocionalmente, abusando de álcoolou drogas, auto-estimulando, evitando aspessoas ou utilizando outras formas deescape. O hipercompensador reage, sejamaltratando outras pessoas, seja compor-tando-se de formas extremas, em uma ten-tativa de refutar o esquema de uma ma-neira que acaba mostrando-se disfuncional(ver a discussão anterior sobre hipercom-pensação, para exemplos). Todos os trêsmodos desadaptativos acabam por perpe-tuar os esquemas.

Identificamos dois modos de pais dis-funcionais até agora: o pai/mãe punitivo eo pai/mãe punitivo exigente. Nesses mo-dos, o paciente torna-se semelhante ao paiou à mãe internalizado. O pai/mãe puniti-vo pune um dos modos da criança por “secomportar mal”, e o pai/mãe exigente em-purra e pressiona a criança a cumprir pa-drões demasiado elevados.

O décimo modo, como descrito ante-riormente, é o do adulto saudável. Trata-se daquele que tentamos fortalecer na te-rapia, ensinando o paciente a moderar,cuidar ou curar os outros modos.

AVALIAÇÃO E MUDANÇADE ESQUEMAS

Este pequeno panorama do processode tratamento apresenta os passos envol-vidos na avaliação e na mudança de esque-mas. Nos capítulos seguintes, descreve-seem detalhe cada um desses procedimen-tos. As duas etapas do tratamento são afase de avaliação e educação e a de mu-dança.

Fase de avaliação e educação

Nesta primeira fase, o terapeuta ajudaos pacientes a identificar seus esquemas eas origens dos mesmos na infância e naadolescência. No decorrer da avaliação, oterapeuta instrui o paciente em relação aomodelo de esquemas. Os pacientes apren-dem a reconhecer seus estilos de enfrenta-mento desadaptativos (resignação, evita-ção ou hipercompensação) e a perceber co-mo suas respostas de enfrentamento aju-dam a perpetuar os esquemas. O terapeutatambém ensina os pacientes com dificulda-des mais graves os seus modos de esquemasbásicos e os auxilia a notar como cambiamde um a outro. Queremos que os pacientesentendam intelectualmente seus modos de

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operações de esquemas e, bem como viven-ciem emocionalmente tais processos.

A avaliação é multifacetada, incluin-do uma entrevista sobre histórico de vida,vários questionários de esquema, tarefas deautomonitoramento e exercícios com ima-gens mentais, que ativam esquemas e aju-dam os pacientes a estabelecer vínculosemocionais entre problemas atuais e ex-periências de infância relacionadas a eles.Ao final dessa etapa, o terapeuta e o pa-ciente desenvolvem uma conceituação decaso completa do esquema e definem cola-borativamente um plano de tratamentofocado nos esquemas, que inclui estraté-gias cognitivas, vivenciais e comportamen-tais, bem como componentes curativos darelação terapeuta-paciente.

Fase de mudança

Durante a fase de mudança, o tera-peuta mescla estratégias cognitivas, viven-ciais, comportamentais e interpessoais demaneira flexível, dependendo das necessi-dades do paciente a cada semana. O tera-peuta do esquema não adere a um proto-colo ou a um conjunto rígido de procedi-mentos.

Técnicas cognitivas

Enquanto os pacientes acreditaremque seus esquemas são válidos, não conse-guirão mudar e continuarão a manter vi-sões distorcidas acerca deles próprios e dosoutros. Os pacientes aprendem a construiruma argumentação contrária ao esquema,refutando sua validade em nível racional,listando todas as evidências ao longo davida que comprovam e as que não com-provam o esquema, e então terapeuta e pa-ciente avaliam as evidências.

Na maioria dos casos, as evidênciasmostrarão que o esquema é falso. O pacien-

te não é, inerentemente, defectivo, incom-petente ou fracassado. Em vez disso, pormeio de um processo de doutrinação, o es-quema foi ensinado ao paciente na infân-cia, da mesma forma que a propaganda en-sina a população. Contudo, apenas a evi-dência nem sempre é suficiente para refu-tar o esquema. Por exemplo, os pacientespodem ser realmente fracassados no tra-balho ou nos estudos. Como resultado deprocrastinação e evitação, não desenvol-veram as habilidades profissionais neces-sárias. Se não há evidências suficientes paraquestionar o esquema, os pacientes avaliamo que poderiam fazer para mudar esse as-pecto de suas vidas. O terapeuta orienta-os, por exemplo, a lutar contra o fracassode forma que aprendam habilidades pro-fissionais eficazes.

Após o exercício, terapeuta e pacien-te resumem a argumentação contrária aoesquema em um cartão que elaboram jun-tos. Os pacientes levam consigo esses car-tões e os lêem com freqüência, sobretudoquando enfrentam gatilhos ativadores doesquema.

Técnicas vivenciais

Os pacientes lutam contra o esquemaem nível emocional. Usando técnicas viven-ciais, como imagens mentais e diálogos, ex-pressam raiva e tristeza sobre o que lhesaconteceu quando crianças. Com as técni-cas de imagens mentais, enfrentam um dospais e a outras figuras importantes em suainfância, e protegem e confortam a crian-ça vulnerável. Os pacientes falam do quenecessitavam, mas não receberam de seuspais quando crianças. Relacionam imagensde infância com imagens de situações de-sagradáveis em suas vidas atuais. Confron-tam o esquema e sua mensagem diretamen-te, opondo-se e lutando contra ele. Exer-citam dar respostas a pessoas que são im-portantes em suas vidas atuais, por meios

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de imagens mentais e de dramatizações, oque os fortalece para romper o ciclo de per-petuação do esquema em nível emocional.

Rompimento depadrões comportamentais

O terapeuta ajuda o paciente a elabo-rar tarefas e exercícios comportamentais,com vistas a substituir respostas de enfrenta-mento desadaptativas por padrões de com-portamento novos e mais adaptativos. O pa-ciente passa a enxergar como determina-das escolhas em termos de parceiros ou de-cisões na vida perpetuam o esquema e co-meça a fazer opções mais saudáveis pararomper antigos padrões autoderrotistas.

O terapeuta ajuda o paciente a plane-jar e a se preparar para tarefas de casa, en-saiando novos comportamentos com o usode imagens mentais ou dramatização na ses-são. O terapeuta usa técnicas de cartões eimagens mentais para ajudar o paciente asuperar obstáculos à mudança comporta-mental. Depois de realizar as tarefas, o pa-ciente discute os resultados com o terapeu-ta, avaliando o que aprendeu. Aos poucos,abandona estilos de enfrentamento desa-daptativos por padrões mais adaptativos.

A maioria dos comportamentos disfun-cionais é formada, na verdade, por respos-tas de enfrentamento a esquemas, os quais,muitas vezes, consistem nos principais obs-táculos à cura de esquemas. Os pacientesdevem estar dispostos a abrir mão de seusestilos de enfrentamento para que possammudar. Por exemplo, os pacientes que con-tinuam a se resignar aos esquemas, perma-necendo em relacionamentos destrutivos ounão estabelecendo limites nas esferas pes-soal ou profissional, perpetuam o esquemae não avançam a contento na terapia. Oshipercompensadores podem não conseguiravançar no tratamento porque, em vez dereconhecer seus esquemas e assumir respon-sabilidades por seus problemas, culpam a

outros, ou estão demasiado preocupadoscom a hipercompensação – trabalhandomais, melhorando, impressionando aos ou-tros –, para identificar claramente seus es-quemas e se dedicar a mudar.

Os evitadores talvez não avancem porcontinuarem a escapar do sofrimento deseus esquemas. Não se permitem focar osseus problemas, o passado, a família e ospadrões que seguem. Desconectam suasemoções ou as anestesiam. É necessário termotivação para superar a evitação comoestilo de enfrentamento. Como ela é grati-ficante a curto prazo, os pacientes devemestar dispostos a suportar o desconforto ea encarar as conseqüências negativas a lon-go prazo.

Relação terapeuta-paciente

O terapeuta avalia e trata esquemas,estilos de enfrentamento e modos à medi-da que eles aparecem na relação terapêu-tica. A relação terapeuta-paciente servecomo antídoto parcial aos esquemas do pa-ciente, e ele internaliza o terapeuta comoo “adulto saudável”, que luta contra os es-quemas e busca uma vida emocionalmen-te satisfatória.

Duas características da relação tera-pêutica constituem elementos importantesem especial da terapia do esquema: a pos-tura terapêutica da confrontação empática

e a reparação parental limitada. A confron-tação empática envolve demonstrar em-patia pelos esquemas do paciente quandoeles surgem em relação ao terapeuta, aomesmo tempo em que se mostra ao pa-ciente que suas reações ao terapeuta mui-tas vezes são distorcidas ou disfuncionais,refletindo seus esquemas e estilos de en-frentamento. Realizar a reparação paren-tal limitada significa fornecer, com os vín-culos apropriados da relação terapêutica,aquilo de que os pacientes necessitavam,mas não receberam de seus pais durante a

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infância. Discutimos tais conceitos maisprofundamente adiante.

COMPARAÇÃO ENTRE A TERAPIA DOESQUEMA E OUTROS MODELOS

No desenvolvimento de uma aborda-gem conceitual e de tratamento, os terapeu-tas do esquema adotam uma filosofia deabertura e inclusão. Valem-se de uma redeampla de recursos em busca de soluções,pouco se preocupando se seu trabalho seráclassificado como cognitivo-comportamen-tal, psicodinâmico ou gestaltiano. O focoprincipal é fazer com que os pacientes apre-sentem mudanças em aspectos significati-vos. Essa atitude contribui para uma sensa-ção de liberdade para pacientes e terapeutascom relação ao que discutem em sessões,quais intervenções usam e como as imple-mentam. Mais além, o modelo incorporarapidamente o estilo pessoal do terapeuta.

Entretanto, a terapia do esquema nãoé eclética, no sentido de proceder por ten-tativa e erro, mas se baseia em uma teoriaunificadora. A teoria e as estratégias estãoentretecidas com firmeza em um modelosistemático e estruturado.

Como resultado dessa filosofia inclu-dente, o modelo dos esquemas se sobrepõea muitos outros modelos da psicopatologiae psicoterapia, incluindo as abordagenscognitivo-comportamental, construtivista,psicodinâmica, de relações objetais e daGestalt. Embora a terapia do esquema te-nha aspectos em comum com esses outrosmodelos, o modelo dos esquemas tambémdifere dos mesmos quanto a aspectos im-portantes. Ainda que a teoria do esquemacontenha conceitos semelhantes aos demuitas escolas da psicologia, nenhuma de-las coincide completamente com ela.

Nesta seção, destacamos algumas se-melhanças e diferenças entre terapia do es-quema e as recentes formulações de Becksobre a terapia cognitiva. Também trata-

mos, com brevidade, de algumas outrasabordagens terapêuticas coincidentes, empontos importantes, com a terapia do es-quema.

O modelo “reformulado” de Beck

Beck e colaboradores (Beck et al.,1990; Alford e Beck, 1997) revisaram a te-rapia do esquema para tratar de transtor-nos de personalidade. A personalidade de-fine-se como “padrões específicos de pro-cessos sociais, motivacionais e cognitivo-afetivos” (Alford e Beck, 1997, p. 25). Per-sonalidade inclui comportamentos, proces-sos de pensamento, respostas emocionaise necessidades motivacionais.

A personalidade é determinada pelas“estruturas idiossincráticas”, ou esquemas,que constituem os elementos básicos dapersonalidade. Alford e Beck (1997, p.25)propõem que o conceito de esquema pode“prover uma linguagem comum para faci-litar a integração de determinadas abor-dagens psicoterápicas”. Segundo o mode-lo de Beck, uma “crença nuclear” represen-ta o significado, ou o conteúdo cognitivo,de um esquema.

Beck também elaborou seu próprioconceito de modo (Beck, 1996). Um modoé uma rede integrada de componentes cog-nitivos, afetivos, motivacionais e comporta-mentais. Um modo inclui muitos esquemascognitivos. Os modos mobilizam as pesso-as em reações psicológicas intensas e sãodirigidos à conquista de determinados ob-jetivos. Assim como os esquemas, os mo-dos são basicamente automáticos e tam-bém requerem ativação. Indivíduos comvulnerabilidade cognitiva expostos a fato-res de estresse relevantes podem desenvol-ver sintomas relacionados ao modo.

Segundo a visão de Beck (Alford eBeck, 1997), os modos consistem em esque-mas, que contêm memórias, estratégias desolução de problemas, imagens e lingua-

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gem. Os modos ativam “estratégias progra-madas para desenvolver categorias básicasde habilidades de sobrevivência, como, porexemplo, defender-se de predadores”(Alford e Beck, p. 27). A ativação de ummodo específico relaciona-se com a cons-tituição genética do indivíduo, bem comocom suas crenças culturais e sociais.

Beck (1996, p. 9) também explicaque, quando um esquema é ativado, nãose aciona necessariamente um modo cor-respondente. Embora o componentecognitivo do esquema tenha sido ativado,pode ocorrer de não se ter qualquer com-ponente afetivo, motivacional ou compor-tamental correspondente.

No tratamento, o paciente aprende autilizar o sistema de controle conscientepara desativar modos, através da reinter-pretação de eventos gatilho, de uma formaque fique inconsistente com o modo. Alémdisso, os modos podem ser modificados.

Após uma revisão ampla da literaturade terapia cognitiva, concluímos que Becknão aprofundou – exceto em termos muitogerais – a forma como as técnicas para al-terar esquemas e modos diferem daquelasprescritas na terapia cognitiva tradicional.Alford e Beck (1997) reconhecem que arelação terapêutica é um mecanismo válidopara a mudança, e que o trabalho estrutu-rado com imagens pode alterar estruturascognitivas, comunicando-se “diretamentecom o vivencial (sistema automático) [emseu próprio meio, principalmente a fanta-sia]” (Beck, 1997, p. 70). Mas não encon-tramos estratégias de mudança detalhadase distintivas para esquemas ou modos.

Por fim, Beck e colaboradores (1990)discutem as estratégias cognitivas e com-portamentais dos pacientes. Estratégias pa-recem equivalentes à noção de estilos deenfrentamento da terapia do esquema. In-divíduos psicologicamente saudáveis lidamcom as situações da vida por meio de es-tratégias cognitivas e comportamentaisadaptativas, ao passo que pessoas com di-

ficuldades psicológicas usam respostas in-flexíveis, desadaptativas, conforme suasáreas vulneráveis.

Conceitualmente, o modelo cognitivorevisado de Beck e a mais recente descri-ção de Young sobre seu modelo de esque-mas apresentada neste capítulo têm mui-tos pontos em comum. Ambos enfatizamduas estruturas básicas amplas – esquemase modos – para entender a personalidade.As duas teorias incluem cognição, motiva-ção, emoção, constituição genética, meca-nismos de enfrentamento e influências cul-turais como pontos importantes da perso-nalidade. Ambos modelos reconhecem anecessidade focar em aspectos conscientese inconscientes da personalidade.

As diferenças entre os dois modelosteóricos são sutis e refletem diferenças deênfase, e não de áreas fundamentais de di-vergência. O conceito de Young de esque-mas desadaptativos remotos incorpora ele-mentos tanto de esquemas quanto de mo-dos, como definido por Beck (1996). Youngdefine ativação do esquema como algo queincorpora componentes afetivos, motivacio-nais e comportamentais. Tanto a estruturacomo o conteúdo que Beck discute são incor-porados à definição de esquemas de Young.

A ativação de modos muito asseme-lha-se ao conceito de ativação de esque-mas de Young. Não está claro por que Beck(1996) precisa diferenciar esquemas demodos, baseado em suas definições dessestermos. Em nossa opinião, seu conceito demodo poderia facilmente ser ampliado paraenglobar os elementos de um esquema (ouvice-versa). Talvez Beck queira diferenciaresquemas de modos para enfatizar que es-tes consistem em mecanismos evolutivospara a sobrevivência. O conceito de esque-ma, no modelo revisado de Beck, perma-nece mais próximo ao seu modelo cognitivooriginal (Beck, 1976) e, como tal, relacio-na-se mais com outros construtos cogniti-vos, como pensamentos automáticos ecrenças nucleares.

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O conceito de Young sobre modo deesquema apenas tangencia o uso que Beckfaz do termo “modo”. Beck (1996) desen-volveu seu construto de modo para dar con-ta de intensas reações psicológicas, relaci-onadas à sobrevivência e orientadas paraobjetivos. Young desenvolveu seu conceitode modo para diferenciar esquemas de es-tilos de enfrentamento como traços (pa-drões duradouros e constantes) e esque-mas e estilos de enfrentamento como esta-dos (padrões instáveis de ativação e desati-vação). Nesse sentido, o conceito que Youngapresenta de modo de esquema relaciona-se mais com os conceitos de dissociações e“estados do ego” do que com o conceito demodo de Beck.

Outra diferença conceitual importan-te é a ênfase relativa dada a estilos de en-frentamento. Embora Beck e colaboradores(1990) se refiram a estratégias de enfren-tamento desadaptativas, Beck não as con-siderou construtos importantes em sua re-formulação (Beck, 1996; Alford e Beck,1997). O modelo de Young, por sua vez,atribui um papel central aos estilos de en-frentamento na perpetuação de esquemas.Essa ênfase e esse aprofundamento de re-signação, evitação e hipercompensação deesquemas está em nítido contraste com adiscussão limitada de Beck.

Outra diferença fundamental é a maiorimportância atribuída a necessidades e pro-cessos centrais de desenvolvimento na te-rapia do esquema do que na terapia cogniti-va. Embora Beck e seus colegas concordem,em geral, que as necessidades motivacionaise as influências de infância cumprem umpapel importante na personalidade, os au-tores não se aprofundam no que são essasnecessidades fundamentais e em como ex-periências de infância específicas levam aodesenvolvimento de esquemas e modos.

Como era de se esperar, dado que aprincipal influência de Young antes do de-senvolvimento da terapia do esquema foia abordagem cognitiva de Beck, há muitas

áreas de justaposição nos tratamentos.Ambos estimulam um alto nível de colabo-ração entre paciente e terapeuta, e defen-dem que o terapeuta cumpra um papel ati-vo no direcionamento das sessões e dosrumos do tratamento. Young e Beck con-cordam que o empirismo cumpre um pa-pel importante na mudança cognitiva; por-tanto, ambos os tratamentos estimulam ospacientes a modificar seus condicionamen-tos, incluindo os esquemas, para estar maisalinhados com a “realidade” ou com asevidências empíricas da vida do paciente.As duas abordagens compartilham muitastécnicas de mudança cognitiva e compor-tamental, como o monitoramento de cogni-ções ou o ensaio comportamental. Em am-bas as abordagens, ensinam-se aos pacien-tes estratégias para alterar pensamentosautomáticos, pressupostos subjacentes,distorções cognitivas e crenças nucleares.

As terapias do esquema e cognitivaenfatizam a importância de educar o pacien-te sobre os respectivos modelos de terapia.Dessa forma, o paciente é trazido ao pro-cesso terapêutico como participante igual.O terapeuta compartilha a conceituação docaso com ele e o estimula a ler material deauto-ajuda que aprofunde cada abordagem.As tarefas de casa e de auto-ajuda cumpremimportante papel em ambas as estratégias,como mecanismo para ajudar os pacientesa aplicar no cotidiano o que aprendem nasessão. Além disso, para facilitar essa apren-dizagem, terapeutas do esquema e cogni-tivos ensinam estratégias práticas para li-dar de maneira adaptativa com eventos con-cretos da vida, fora da sessão, em vez dedeixar que os pacientes descubram por con-tra própria como aplicar os princípios cog-nitivo-comportamentais.

Apesar dessas semelhanças, tambémhá diferenças importantes na abordagemdo tratamento entre terapias cognitivas edo esquema, muitas das quais advém dofato de que as técnicas de tratamento daterapia cognitiva foram desenvolvidas ori-

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ginalmente para reduzir sintomas de trans-tornos de Eixo I, ao passo que as estratégi-as da terapia do esquema trataram, desdeo princípio, transtornos de personalidadee problemas crônicos. Segundo nossa ex-periência, há diferenças fundamentais nastécnicas de mudança para redução de sin-tomas em comparação com a mudança depersonalidade.

Em primeiro lugar, a terapia do es-quema começa “de baixo para cima”, e não“de cima para baixo”. Em outras palavras,os terapeutas do esquema começam no ní-vel nuclear, o dos esquemas, e gradualmen-te ligam esses esquemas a cognições maisacessíveis, como pensamentos automáticose distorções cognitivas. Em comparação, osterapeutas cognitivos começam com cog-nições em nível de superfície, como pensa-mentos automáticos, e tratam as crençasnucleares mais tarde, se o paciente perma-nece em tratamento quando os sintomasforam aliviados.

Na terapia do esquema, essa aborda-gem de baixo para cima provoca uma mu-dança fundamental de foco já no início dotratamento, passando de questões atuaispara padrões duradouros. Mais do que isso,na terapia do esquema, dedica-se a maiorparte do tempo a esquemas, estilos deenfrentamento e modos, geralmente secun-dários na terapia cognitiva. Essa mudançade foco também leva os terapeutas do es-quema a impor menos estrutura e umapauta menos formal às sessões. O terapeu-ta do esquema necessita da liberdade parase movimentar com fluência entre passa-do e presente, de um esquema a outro, emcada sessão e entre sessões. Na terapiacognitiva, por sua vez, o terapeuta buscaconstantemente problemas atuais ou con-juntos de sintomas claramente identifica-dos, até que eles tenham diminuído.

Além disso, como os esquemas e esti-los de enfrentamento constituem-se noselementos mais fundamentais do modelo,Young elaborou 18 esquemas remotos es-

pecíficos e três estilos de enfrentamentoamplos que formam a base para grandeparte do tratamento. Esses esquemas e me-canismos de enfrentamento são avaliadose refinados em um momento posterior daterapia para melhor se adequar a cada pa-ciente. Dessa forma, o terapeuta do esque-ma dispõe de ferramentas valiosas paraajudar a identificar os esquemas e compor-tamentos de enfrentamento que, de outromodo, poderiam não ser vistos por meiode técnicas normais de avaliação cognitiva.Um exemplo excelente é o esquema de pri-vação emocional, relativamente fácil dedescobrir com o uso de imagens voltadas aesquemas, mas muito difícil de reconhecerpor meio de questionamentos sobre pen-samentos automáticos e da exploração depressupostos subjacentes.

Outra diferença importante está naênfase que a terapia do esquema dá a ori-gens infantis e estilos parentais. A terapiacognitiva carece de especificidade em re-lação às origens das cognições, incluindocrenças nucleares. Por sua vez, os terapeu-tas do esquema identificaram as origensmais comuns para cada um dos 18 esque-mas e desenvolveram um instrumento paraavaliá-las. O terapeuta explica essas origensaos pacientes a fim de educá-los com rela-ção às necessidades normais de uma crian-ça e de explicar o que acontece quandoessas necessidades não são atendidas, evincula as origens na infância a qualquerdos esquemas de uma lista de 18 que pos-sam ser relevantes para o paciente. Alémde avaliar e educar os pacientes sobre asorigens de seus esquemas, os terapeutas doesquema os orientam por meio de uma sé-rie de exercícios vivenciais relacionados aexperiências desagradáveis na infância.Esses exercícios ajudam os pacientes a su-perar emoções, cognições e comportamen-tos de enfrentamento desadaptativos. Emcontraste, os terapeutas cognitivos costu-mam lidar com as experiências de infânciade maneira periférica.

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Uma diferença fundamental entre asduas abordagens está na importância dotrabalho vivencial, como imagens mentaise diálogos. Embora uma pequena minoriade terapeutas cognitivos tenha começadoa incorporar o trabalho vivencial (Smuckere Dancu, 1999), a maioria não consideraisso central ao tratamento e usa imagensmentais primariamente para fazer ensaioscomportamentais. Por sua vez, os terapeu-tas do esquema vêem as técnicas vivenciaiscomo um dos quatro componentes do tra-tamento e dedicam tempo considerável, emterapia, a essas estratégias. É difícil enten-der a relutância da maioria dos terapeutascognitivos a incorporar essas estratégias deforma mais ampla, dado que, via de regra,se aceita na literatura cognitiva que as “cog-nições quentes” (quando os sentimentos dopaciente são intensos) podem ser altera-das mais prontamente do que “cogniçõesfrias” (quando os sentimentos do pacientenão são intensos). As técnicas vivenciais,às vezes, podem constituir na única formade estimular cognições quentes na sessão.

Outra diferença básica está no papelda relação terapêutica. Ambas as terapiasreconhecem sua importância para um tra-tamento eficaz, mas o utilizam de formasmuito diferentes. Os terapeutas cognitivosvêem a relação terapêutica basicamentecomo veículo para motivar o paciente aaderir ao tratamento (por exemplo, pararealizar as tarefas de casa). Recomendamque o terapeuta se concentre em cogniçõesrelacionadas à relação terapêutica quandoesta parece impedir o avanço. Entretanto,esta não costuma ser considerada um veí-culo importante para a mudança, e sim ummeio que permite que esta aconteça. Parausar uma analogia médica, as técnicascognitivas são consideradas o “princípio ati-vo” da mudança, e a relação terapêutica, a“base” ou o “veículo” por meio do qual seaplica o agente da mudança.

Na terapia do esquema, a relação tera-pêutica é um dos quatro componentes bási-cos da mudança. Como mencionado ante-

riormente neste capítulo, os terapeutas doesquema utilizam a relação terapêutica deduas formas. A primeira delas envolve aobservação de esquemas à medida que sãoativados na sessão e, depois, o uso de umavariedade de procedimentos para avaliare modificar esses esquemas dentro da re-lação terapêutica. A segunda função envol-ve a reparação parental limitada, ou seja,utilizar a relação terapêutica como “expe-riência emocional corretiva” (Alexander eFrench, 1946). Dentro dos limites adequa-dos da terapia, o terapeuta age com o pa-ciente como um antídoto para déficits pri-mitivos no processo parental do paciente.

Em termos de estilo, o terapeuta doesquema utiliza a confrontação empáticamais do que o empirismo colaborativo. Osterapeutas cognitivos usam a descobertaguiada para ajudar os pacientes a perce-ber o quanto suas cognições são distorcidas.Em nossa experiência, pacientes com pro-blemas caracterológicos costumam não en-xergar uma alternativa realista e saudávela seus esquemas sem instrução direta doterapeuta. Os esquemas encontram-se tãoprofundamente arraigados e implícitos, quesomente o questionamento e a investiga-ção empírica não são suficientes para queesses pacientes vejam suas próprias dis-torções cognitivas. Dessa forma, o tera-peuta do esquema ensina a perspectivasaudável, criando empatia com a visão queo paciente tem do esquema, ao mesmotempo em que confronta o paciente com arealidade de que essa forma de ver o es-quema não funciona e não está em sintoniacom a realidade como outras pessoas avêem. O terapeuta do esquema deve con-frontar permanentemente o paciente, ouele recairá na perspectiva doentia do es-quema. Como dizemos aos pacientes, “o es-quema luta para sobreviver”. O conceitode lutar contra o esquema não é central àterapia cognitiva.

Como os esquemas são muito maisresistentes à mudança do que outros ní-

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veis de cognição, o tratamento com tera-pia do esquema para transtornos de EixoII é bem mais longo do que tratamentosbreves que utilizam terapia cognitiva paratranstornos de Eixo I. Não está claro, con-tudo, se a terapia cognitiva e a terapia doesquema diferem em duração no caso deproblemas do Eixo II.

Tanto na conceituação de um casocomo na implementação de estratégias demudança, os terapeutas do esquema preo-cupam-se mais com a mudança de padrõesdisfuncionais no longo prazo do que coma alteração de comportamentos específicosna circunstância atual (embora ambos se-jam necessários). Os terapeutas cognitivos,por estarem concentrados na redução rá-pida de sintomas, têm muito menos pro-babilidades de investigar problemas de lon-go prazo, como escolhas de parceiros dis-funcionais, problemas sutis com intimida-de, evitação de importantes mudanças navida ou necessidades fundamentais nãoatendidas, como cuidados maternais. Nes-sa mesma linha, os terapeutas cognitivostendem a dar importância central à identi-ficação e à mudança de estilos de enfrenta-mento que já vêm de toda a vida, comoesquemas de evitação, resignação e hipercompensação. Mesmo assim, em nossa ex-periência, são exatamente esses mecanis-mos de enfrentamento, e não simplesmen-te as crenças nucleares ou esquemas rígi-dos, que muitas vezes dificultam o trata-mento de pacientes com transtornos de per-sonalidade.

Já mencionamos nesta seção o con-ceito de modos. Embora as terapias cogni-tivas e do esquema incorporem, ambas, oconceito de modo, os terapeutas cognitivosainda não aprofundaram técnicas paraalterá-las. Os terapeutas do esquema jáidentificaram dez modos de esquema co-muns (baseados na definição de Young,observada anteriormente) e desenvolveramtodo um leque de estratégias de tratamen-to, como diálogos de modos, para tratar

cada modo individual. O trabalho com mo-dos forma a base da terapia do esquemapara pacientes com transtornos da perso-nalidade borderline e narcisista.

Abordagens psicodinâmicas

A terapia do esquema tem muitosparalelos com os modelos psicodinâmicosde terapia. Dois elementos importantescompartilhados pelas duas abordagens sãoa exploração das origens na infância de pro-blemas atuais e o foco na relação terapêuti-ca. Em relação a esta, a reorientação psico-dinâmica moderna no sentido de expressarempatia e estabelecer um relacionamentoverdadeiro (cf., Kohut, 1984; Shane, Shanee Gales, 1997) é compatível com nossasnoções de reparação processual limitada econfrontação empática. Tanto a abordagempsicodinâmica quanto a do esquema valo-rizam o insight intelectual, ambas enfati-zam a necessidade de processamento emo-cional do material traumático, ambas aler-tam os terapeutas para questões de trans-ferência e contratransferência, ambas afir-mam a importância da estrutura de perso-nalidade, garantindo que o tipo de estru-tura de personalidade apresentado pelo pa-ciente é a chave para uma terapia eficaz.

Também há diferenças essenciais en-tre a terapia do esquema e os modelospsicodinâmicos. Uma diferença importanteé que os psicanalistas tentam permanecerrelativamente neutros, ao passo que osterapeutas do esquema se empenham emser ativos e diretivos. Em contraste com amaioria das abordagens psicodinâmicas, osterapeutas do esquema promovem a repa-ração parental limitada, atendendo parcial-mente às necessidades emocionais não-sa-tisfeitas, com vistas a curar esquemas.

Outra diferença importante é que, aocontrário das teorias analíticas clássicas, omodelo dos esquemas não se trata de umateoria baseada em pulsões. Em lugar de se

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concentrar em pulsões sexuais e agressivasinstintivas, a terapia do esquema enfatizanecessidades emocionais fundamentais.Baseia-se no princípio da coerência cogni-tiva, ou seja, as pessoas são motivadas amanter uma visão coerente de si próprias edo mundo e tendem a interpretar situaçõesde forma a confirmar seus esquemas. Nessesentido, a abordagem baseada em esque-mas é mais um modelo cognitivo do quepsicodinâmico. Onde os psicanalistas vêemmecanismos de defesa contra desejos ins-tintivos, os terapeutas do esquema vêemestilos de enfrentamento dos esquemas e ne-cessidades não-atendidas. O modelo do es-quema considera as necessidades emocio-nais que o paciente tenta satisfazer comoinerentemente normais e saudáveis.

Por fim, os terapeutas psicodinâmicostendem a ser menos integradores do queos terapeutas do esquema. Os terapeutasde orientação psicodinâmica raramentedefinem tarefas a se realizar fora da ses-são e têm poucas probabilidades de usartécnicas de imagens ou dramatização.

A teoria do apego de Bowlby

A teoria do apego, baseada no traba-lho de Bowlby e Ainsworth (Ainsworth eBowlby, 1991), teve um impacto importan-te sobre a terapia do esquema, em especialno desenvolvimento do esquema de aban-dono e em nossa concepção de transtornoda personalidade borderline. Bowlby for-mulou a teoria do apego a partir dos mo-delos da etologia, dos sistemas e da psica-nálise. Segundo seu principal preceito, osseres humanos (e outros animais) têm uminstinto de vínculo que visa estabelecer umrelacionamento estável com a mãe (ououtra figura de vínculo). Bowlby (1969)realizou estudos empíricos com criançasseparadas de suas mães e observou respos-tas universais. Ainsworth (1968) aprofun-dou a idéia da mãe como base segura a

partir da qual o bebê explora o mundo edemonstrou a importância da sensibilida-de maternal aos seus sinais.

Incorporamos a idéia da mãe comobase segura à nossa noção de reparaçãoparental limitada. Para pacientes comtranstorno da personalidade borderline (ecom outros transtornos mais graves), a re-paração parental limitada oferece um an-tídoto parcial ao esquema de abandono dopaciente: o terapeuta passa a constituir abase emocional segura que o paciente nun-ca teve, dentro dos limites apropriados deuma relação terapêutica. Em certa medi-da, quase todos os pacientes com esque-mas no domínio de desconexão e rejeição(à exceção do esquema de isolamento so-cial) requerem que o terapeuta se torne abase segura.

No modelo do esquema, fazendo ecoa Bowlby, o desenvolvimento emocionalinfantil avança do apego à autonomia e àindividuação. Bowlby (1969, 1973, 1980)afirma que um vínculo estável com a mãe(ou outra figura de vínculo importante) éuma necessidade emocional básica que pre-cede e promove a independência. Segun-do Bowlby, uma criança bem-amada pro-vavelmente protestará contra separar-sedos pais, mas posteriormente desenvolve-rá autoconfiança. A ansiedade de separa-ção em excesso é uma conseqüência deexperiências familiares difíceis, como aperda de um dos pais ou ameaças repeti-das de abandono por parte de um deles.Bowlby também apontou que, em algunscasos, a ansiedade de separação pode serbaixa demais, criando uma falsa impres-são de maturidade. A incapacidade de for-mar relacionamentos profundos com ou-tros pode resultar de uma substituiçãomuito freqüente de figuras de apego.

Bowlby (1973) propôs que os sereshumanos são motivados a manter um equi-líbrio dinâmico entre preservar a familia-ridade e buscar a novidade. Em termospiagetianos (Piaget, 1962), o indivíduo é

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motivado a manter um equilíbrio entre as-similação (integrar novas informações aestruturas cognitivas existentes) e acomo-dação (alterar as estruturas cognitivas exis-tentes para adequar as novas informações).Os esquemas desadaptativos remotos in-terferem nesse equilíbrio. Os indivíduosque estão no controle de seus esquemasinterpretam mal novas informações quecorrigiriam as distorções resultantes dessesesquemas. Em lugar disso, assimilam no-vas informações que poderiam refutar seusesquemas, distorcendo e ignorando novasevidências, de forma que os esquemas per-maneçam intactos. A assimilação, portan-to, sobrepõe-se nosso conceito de perpe-tuação de esquemas. A função da terapia éajudar os pacientes a acomodar novas ex-periências que refutem seus esquemas, pro-movendo, assim, a cura destes.

A noção de Bowlby de modelos de fun-cionamento interno coincide com a nossade esquemas desadaptativos remotos. As-sim como os esquemas, o modelo de fun-cionamento interno de um indivíduo baseia-se bastante em padrões de interação entreo bebê e a mãe (ou outra figura de apegoimportante). Se a mãe reconhece as neces-sidades de proteção do bebê, ao mesmotempo em que respeita sua necessidade deindependência, a criança provavelmentedesenvolverá um modelo interno de funcio-namento do self como meritório e compe-tente. Se a mãe rejeitar com freqüência astentativas do bebê de evocar proteção ouindependência, a criança construirá ummodelo de funcionamento interno de umself sem valor ou incompetente.

Utilizando seus modelos de funciona-mento, as crianças prevêem os comporta-mentos de figuras de apego e preparamsuas próprias respostas, de forma que ostipos de modelos de funcionamento queelas constroem são muito importantes.Nessa perspectiva, os esquemas desadap-tativos remotos são modelos de funciona-mento interno desadaptativos, e as respos-

tas características das crianças às figurasde apego são seus estilos de enfrentamen-to. Assim como os esquemas, os modelosde funcionamento orientam a atenção e oprocessamento de informações. Distorçõesdefensivas de modelos de funcionamentoocorrem quando o indivíduo bloqueia a in-formação da consciência, impedindo mo-dificações em resposta à mudança. Em umprocesso semelhante à perpetuação de es-quemas, os modelos internos de funciona-mento tendem a se tornar mais rígidos como passar do tempo. Os padrões de interaçãotornam-se habituais e automáticos. Com otempo, os modelos de funcionamento fi-cam menos disponíveis à consciência e maisresistentes à mudança como resultado deexpectativas recíprocas.

Bowlby (1988) abordou a aplicaçãoda teoria do apego à psicoterapia, obser-vando que um grande número de pacien-tes apresenta padrões de vínculos insegu-ro e desorganizado. Um dos objetivos prin-cipais da psicoterapia é a reavaliação demodelos internos de funcionamento ina-dequados e obsoletos para se relacionarcom figuras de apego. Os pacientes tendema impor modelos rígidos à relação de ape-go com o terapeuta. Terapeuta e pacienteconcentram-se, inicialmente em entendera origem dos modelos internos disfuncio-nais do paciente; e, depois o terapeuta ser-ve como base segura a partir da qual o pa-ciente explora o mundo e retrabalha seusmodelos de funcionamento internos. Osterapeutas do esquema incorporam essemesmo princípio a seu trabalho com mui-tos pacientes.

A terapia cognitivo-analítica de Ryle

Anthony Ryle (1991) desenvolveu a“terapia cognitivo-analítica”, uma terapiabreve e intensa que integra os aspectos ati-vos e educacionais da terapia cognitivo-

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comportamental às abordagens psicanalí-ticas, em especial as relações objetais. Rylepropõe uma estrutura conceitual que com-bina sistematicamente as teorias e técni-cas derivadas dessas abordagens. Como tal,a terapia cognitivo-analítica sobrepõe-se,em muito, com a terapia do esquema.

Chama-se a formulação de Ryle (1991)de “modelo de seqüência procedural”. Ryleusa uma “atividade direcionada à meta”,em vez de esquemas, como seu principalconstruto conceitual. Ele considera a neu-rose como o uso persistente de procedimen-tos ineficazes ou prejudiciais e a incapaci-dade de modificá-los. Três categorias deprocedimentos respondem pela maior par-te da repetição neurótica: armadilhas, di-lemas e obstáculos. Uma série de padrõesque o autor descreve coincide com esque-mas e estilos de enfrentamento.

Em termos de estratégias de trata-mento, Ryle estimula uma relação terapêu-tica ativa e colaborativa, que inclui umaconceituação abrangente e voltada à pro-fundidade sobre os problemas do pacien-te, assim como faz a terapia do esquema.O terapeuta compartilha a conceituaçãocom o paciente, incluindo um entendi-mento de como o passado deste levou aproblemas atuais e uma lista dos váriosprocedimentos desadaptativos que o pa-ciente usa para enfrentar esses problemas.Na terapia cognitivo-analítica, as princi-pais estratégias de tratamento são o tra-balho com a transferência para esclarecertemas e a manutenção de diários sobreproblemas desadaptativos. A terapia do es-quema inclui esses dois componentes, masacrescenta muitas outras estratégias tera-pêuticas.

A terapia cognitivo-analítica é ummétodo triplo de mudança: novo entendi-mento, nova experiência e nova atitude.Entretanto, o novo entendimento é o prin-cipal foco de Ryle, por ele considerado omais poderoso agente de mudança. Na te-rapia cognitivo-analítica, a fase de mudan-

ça consiste principalmente em auxiliar ospacientes a se conscientizar de padrõesnegativos. A ênfase de Ryle está no insight:“Na terapia cognitivo-analítica, a ênfase te-rapêutica situa-se no fortalecimento de ní-veis superiores (de cognição), particular-mente por meio de reformulação, que mo-difica os processos de avaliação e promo-ve auto-observação” (Ryle, 1991, p. 200).

Na terapia do esquema, o insight é umcomponente necessário, mas não suficien-te, da mudança. À medida que avançamosrumo ao tratamento de patologias maisgraves, como ocorre com pacientes comtranstornos da personalidade borderline enarcisista, descobrimos que o insight tor-na-se menos importante em relação à novaexperiência proporcionada pelas aborda-gens vivencial e comportamental. Ryle(1991) considera a nova compreensão oprincipal veículo para mudanças em pa-cientes com transtorno da personalidadeborderline. Seu foco está no que ele chamade “reformulações diagramáticas seqüen-ciais,” que são diagramas escritos que re-sumem a conceituação do caso. O terapeutacoloca os diagramas no chão, em frente aopaciente, e os consulta com freqüência. Asreformulações diagramáticas seqüenciaisvisam ajudar os pacientes com transtornoda personalidade borderline a desenvolverum “olhar observador”.

A terapia do esquema diverge da tera-pia cognitivo-analítica em vários aspectos:enfatiza a evocação de afetos e a reparaçãoparental limitada, especialmente com pa-cientes que têm transtornos caracterológi-cos graves. Assim, facilita a mudança emnível emocional. Ryle (1991) reconheceque procedimentos para ativar o afeto, co-mo as técnicas da Gestalt ou o psicodra-ma, podem ser adequados, em alguns ca-sos, para ajudar os pacientes ultrapassar oinsight intelectual. Young, por sua vez, con-sidera as técnicas vivenciais, como imagensou diálogos, úteis para quase todos os pa-cientes.

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Na abordagem de Ryle (1991), o tera-peuta interage basicamente com o lado adul-to do paciente, o modo adulto saudável, eapenas de forma indireta com o lado crian-ça do paciente, o modo criança vulnerá-vel. Segundo a abordagem do esquema,pacientes com transtorno da personalida-de borderline são como crianças muito pe-quenas e precisam se vincular de forma se-gura antes de se separar e individuar.

Horowitz: a terapiados esquemas pessoais

Horowitz desenvolveu uma estrutu-ra que integra abordagens psicodinâmicas,cognitivo-comportamentais, interpessoaise de sistemas familiares. Seu modelo enfa-tiza papéis e crenças com base na “teoriados esquemas pessoais” (Horowitz, 1991;Horowitz, Stinson e Milbrath, 1996). Oesquema de uma pessoa é uma matriz, ge-ralmente inconsciente, que inclui as visõesque essa pessoa tem de si e de outros, for-mado de resíduos de memórias de experi-ências infantis (Horowitz, 1997). Essa de-finição é praticamente idêntica à nossanoção de esquema desadaptativo remoto.Horowitz fica na estrutura geral de todosos esquemas, ao passo que Young delineiaesquemas específicos que estão por trás depadrões de vida negativos.

Horowitz (1997) discorre sobre o quechama de “modelos-padrão de relaciona-mentos”. O autor associa cada modelo derelacionamentos a: (1) um desejo ou ne-cessidade subjacente (o “modelo-padrão derelacionamento desejado”; (2) um medofundamental (o “modelo-padrão de relacio-znamento temido”); (3) modelo-padrão derelacionamentos que se defendem contrao modelo temido. Em termos de terapia doesquema, esses correspondem, em termosgerais, a necessidades emocionais funda-mentais, esquemas desadaptativos remo-tos e estilos de enfrentamento. Horowitz

(1997) explica que um modelo de relacio-namento inclui roteiros para transações, in-tenções, expressões emocionais, ações eavaliações críticas de ações e intenções.Como tal, contém aspectos de esquemas eestilos de enfrentamento. O modelo concei-tua esquemas e respostas de enfrentamentoem separado, já que os primeiros não seassociam diretamente a ações específicas.Diferentes indivíduos lidam com o mesmoesquema com estilos de enfrentamento di-ferentes, conforme seu temperamento ina-to e outros fatores.

Horowitz (1997) também define “es-tados mentais”, similarmente a nossos con-ceitos de modos. Um estado mental é um“padrão de experiências conscientes e ex-pressões interpessoais. Os elementos quese combinam para formar o padrão reco-nhecido como estado incluem expressãoverbal e não-verbal de idéias e emoções”(Horowitz, 1997, p. 31). Horowitz nãoapresenta esses estados mentais como umcontínuo de dissociação. No modelo doesquema, pacientes com transtornos maisgraves, como os que têm transtornos dapersonalidade narcisista ou borderline, pas-sam a estados mentais que abarcam inte-gralmente o sentido de self do paciente.Mais do que vivenciar estados mentais, opaciente experimenta um “self” ou “modo”diferente. Essa distinção é importante nosentido de que o grau de dissociação rela-cionado a um modo dita modificações im-portantes na técnica.

O que Horowitz (1997) chama de“processo de controle defensivo” tambémse parece com os estilos de enfrentamentode Young. Horowitz identifica três catego-rias principais:

1. Processos de controle defensivoque envolvem evitação de tópicosdolorosos por meio de conteúdodaquilo que é expresso (por exem-plo, afastar a atenção ou minimi-zar a importância).

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2. Processos que envolvem evitaçãopor meio da forma de expressão(por exemplo, intelectualizaçãoverbal).

3. Processos que envolvem enfrenta-mento por meio da mudança depapéis (por exemplo, passarabruptamente para um papel pas-sivo ou imponente).

Com essa tipologia, Horowitz (1997)cobre muitos dos fenômenos englobadospela evitação, pela resignação e pela hiper-compensação do esquema.

Durante o tratamento, o terapeutasustenta o paciente, contrapõe-se à evitação,redirecionando sua atenção, interpreta ati-tudes disfuncionais e resistência, e o ajudaa planejar tentativas de novos comporta-mentos. Como no trabalho de Ryle (1991),o insight é a parte mais vital do tratamento.O terapeuta esclarece e interpreta, concen-trando os pensamentos e o discurso do pa-ciente em modelos de referência para rela-cionamentos e processos de controle defen-sivo. O objetivo é que novos esquemas “não-subordinados” ganhem prioridade sobre osimaturos e desadaptativos.

Em comparação com a terapia do es-quema, Horowitz (1997) não proporcionaestratégias de tratamento detalhadas e sis-temáticas nem usa técnicas vivenciais ereparação parental limitada. A terapia doesquema dá mais ênfase à ativação do afetodo que a abordagem de Horowitz. O tera-peuta do esquema acessa o que Horowitz(1997) chama de “estados regressivos”, quechamamos de modo criança vulnerável dopaciente.

Terapia focada na emoção

A terapia focada na emoção, desen-volvida por Leslie Greenberg e seus colegas(Greenberg, Rice e Elliott, 1993; Greenberge Paivio, 1997) parte dos modelos vivencial,construtivista e cognitivo. Assim como a

terapia do esquema, a terapia focada naemoção é bastante informada pela teoriado apego e pela pesquisa sobre o processoterapêutico.

Na terapia focada na emoção, preva-lece a integração de emoção com cognição,motivação e comportamento. O terapeutaativa a emoção com vistas a repará-la, dan-do muito peso à identificação e reparaçãode esquemas de emoção, o que Greenberg(Greenberg e Paivio, 1997) define comoconjuntos de princípios organizativos,idiossincráticos em conteúdo, e junta emo-ções, objetivos, memórias, pensamentos etendências comportamentais. Os esquemasde emoção surgem por meio de uma intera-ção do histórico precoce de aprendizagemda pessoa e seu temperamento inato. Quan-do ativados, servem como forças organi-zativas poderosas na interpretação e naresposta a eventos da vida. Assim como nomodelo de esquemas, o fim último da te-rapia focada na emoção é mudar esses es-quemas emocionais. A terapia traz à cons-ciência do paciente “a experiência internainacessível... para construir novos esque-mas” (Greenberg e Paivio, 1997, p. 83).

Assim como a terapia do esquema, aterapia focada na emoção baseia-se muitona aliança de trabalho terapêutico, usan-do-a para desenvolver um “diálogo empá-tico” de foco emocional que estimula, ob-serva e presta atenção às preocupaçõesemocionais do paciente. Para que sejamcapazes de se envolver nesse diálogo, osterapeutas devem antes criar uma sensa-ção de segurança e confiança. Uma vezgarantido esse sentido, os terapeutas rea-lizam um equilíbrio dialético entre “seguir”e “guiar”, aceitando e facilitando a mudan-ça. Esse processo é semelhante ao ideal domodelo de esquemas, baseado na confron-tação empática.

Assim como a terapia do esquema, aterapia focada na emoção reconhece que amera ativação da emoção não é suficientepara engendrar mudança. Nessa terapia, a

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Young, Klosko & Weishaar68

mudança requer um processo gradual de ati-vação emocional por meio do uso de técni-cas vivenciais, a fim de superar a evitação,interromper comportamentos negativos e fa-cilitar a reparação emocional. O terapeutaajuda o paciente a reconhecer e expressarseus sentimentos básicos, verbalizá-los edepois acessar recursos internos (por exem-plo, respostas de enfrentamento adapta-tivas). Além disso, a terapia focada na emo-ção prescreve diferentes intervenções paradiferentes emoções.

Apesar de semelhanças consideráveis,várias diferenças teóricas e práticas distin-guem a terapia focada na emoção do mo-delo do esquema. Uma diferença está naprimazia que a primeira dá ao afeto den-tro dos esquemas emocionais em compa-ração com a visão mais igualitária da se-gunda sobre os papéis cumpridos por afe-to, cognição e comportamento. Além dis-so, Greenberg sustenta a existência de uma“quantidade infinita de esquemas emocio-nais singulares” (Greenberg e Paivio, 1997,p. 3), ao passo que o modelo de esquemadefine um conjunto de esquemas e estilosde enfrentamento e proporciona interven-ções adequadas para cada um.

O modelo de terapia focada na emo-ção organiza os esquemas de forma com-plexa e hierárquica, distinguindo entreemoções primárias, secundárias e instru-mentais, e desmembrando-as ainda mais,em emoções desadaptativas, complexas esocialmente construídas. O tipo de esque-ma emocional sugere objetivos específicosde intervenção, levando em conta se a emo-ção tem foco interno ou externo (por exem-plo, tristeza ou raiva) e se está, atualmen-te, super ou subcontrolada. Comparadocom o modelo de esquema, mais parcimo-nioso, a terapia focada na emoção atribuiuma carga considerável ao terapeuta naanálise das emoções de forma precisa e naintervenção nessas de maneiras muito es-pecíficas.

O processo de avaliação na terapiafocada na emoção baseia-se principalmen-te em experiências vivenciadas a cada mo-mento na sala de terapia. Greenberg ePaivio (1997) contrastam essas técnicascom abordagens fundamentadas em for-mulações iniciais de caso ou em avaliaçõescomportamentais. Embora o modelo deesquema utilize informações oriundas dasessão, é mais multifacetado, incluindo ses-sões de trabalho com imagens mentais, in-ventários de esquemas e sintonia na rela-ção terapêutica.

RESUMO

Young (1990) desenvolveu original-mente a terapia do esquema para tratarpacientes que não haviam respondido deforma adequada ao tratamento cognitivo-comportamental, em especial os que têmtranstornos de personalidade e questõescaracterológicas subjacentes a seus trans-tornos de Eixo I. Esses pacientes descum-prem vários pressupostos da terapia cogniti-vo-comportamental, sendo difíceis de tra-tar com sucesso por meio desse método. Re-visões mais recentes da terapia cognitiva so-bre transtornos de personalidade realizadaspor Beck e colaboradores (Beck et al., 1990;Alford e Beck, 1997) estão mais de acordocom as formulações da terapia do esque-ma. Entretanto, ainda há diferenças impor-tantes entre essas abordagens, sobretudo emtermos de ênfase conceitual e na gama deestratégias de tratamento.

A terapia do esquema é um modeloamplo e integrador. Como tal, tem muitoem comum com outros sistemas psicoterá-picos, incluindo os modelos psicodinâ-micos. Entretanto, a maioria dessas abor-dagens é mais estreita do que a terapia doesquema, seja em termos de modelo concei-tual, seja na gama de estratégias de trata-mento. Também há diferenças importan-

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Terapia do esquema 69

tes na relação terapêutica, no estilo geraldo terapeuta e em sua postura, bem comono grau da atividade terapêutica e dire-tividade.

Os esquemas desadaptativos remotossão temas ou padrões amplos e generali-zados, disfuncionais em um grau signifi-cativo, de uma pessoa e seus relacionamen-tos com outras. Os esquemas são forma-dos por memórias, emoções, cognições esensações corporais. Desenvolvem-se du-rante a infância e a adolescência, e são ela-borados durante toda a vida da pessoa.Esquemas começam como representaçõesadaptativas e relativamente precisas do am-biente da criança, mas se tornam mal-adaptativos e imprecisos à medida que acriança cresce. Como parte da pulsão hu-mana por coerência, os esquemas lutampara sobreviver. Cumprem um papel fun-damental na forma como os indivíduospensam, sentem, agem e relacionam-secom outros. Ativam-se quando os indiví-duos encontram ambientes que lembramos ambientes de sua infância produtoresdesses esquemas. Quando isso acontece, oindivíduo é inundado por intensos senti-mentos negativos. As pesquisas de LeDoux(1996) sobre sistemas cerebrais envolvidoscom o condicionamento do medo e trau-ma sugerem um modelo para as bases bio-lógicas dos esquemas.

Os esquemas desadaptativos remotosresultam de necessidades emocionais fun-damentais não-satisfeitas e têm sua origemprincipal em experiências desagradáveis nainfância. Outros fatores cumprem um pa-pel em seu desenvolvimento, como o tem-peramento emocional e as influências cul-

turais. Definimos 18 esquemas desadap-tativos remotos em cinco domínios, haven-do grande quantidade de apoio empíricopara esses esquemas e para alguns dos do-mínios.

Definimos duas operações fundamen-tais dos esquemas: a perpetuação e a cura.A cura de esquemas é o objetivo da terapiado esquema. Os estilos de enfrentamentodesadaptativos consistem nos mecanismosque os pacientes desenvolvem desde cedoem suas vidas para se adaptar a esquemas,e resultam em perpetuação dos mesmos.Identificamos três estilos de enfrentamen-to desadaptativos: resignação, evitação ehipercompensação. As respostas de enfren-tamento são os comportamentos específi-cos por meio dos quais se expressam essestrês estilos de enfrentamento amplos. Hárespostas de enfrentamento comuns paracada esquema. Os modos são estados, oufacetas do self, envolvendo esquemas ouoperações de esquemas específicos. Desen-volvemos quatro principais categorias demodos: modos criança, modos enfren-tamento disfuncional, modos pai/mãe dis-funcional e modos adulto saudável.

A terapia do esquema tem duas fases:a fase de avaliação e educação e a fase demudança. Na primeira, o terapeuta ajudaos pacientes a identificar seus esquemas,entender as origens destes na infância ouadolescência e a estabelecer relações comseus problemas atuais. Na fase de mudan-ça, o terapeuta combina estratégias cogniti-vas, vivenciais, comportamentais e interpes-soais para curar esquemas e substituir esti-los de enfrentamento desadaptativos porformas mais saudáveis de comportamento.