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O gnero textual: Adaptao oficialde filme em quadrinhos
Cludia Lopes Nascimento Saitouniversidade Estadual Centro-Oeste
Brasil
Resumo: Com as mesmas caractersticas do seu gnero de origem as
histrias em quadrinhos, a adaptao oficial de filme em quadrinhos
vem se destacando por apre-sentar a transposio das pelculas
cinematogrficas para suportes impressos como, por exemplo, os
filmes de super-heris tal como o Homem-Aranha II, corpus desta
pesquisa. Tomando como aportes tericos fundamentos da semitica
(Greimas & Courts, 1979), aliados ao interacionismo
sociodiscursivo (Bronckart, 2003, 2006), esta pesquisa apre-senta
dados de anlise e descrio do entrecruzamento das linguagens verbal
e visual. uma das concluses a que chegamos a de que esse gnero
textual, por se constituir de um sistema narrativo composto por
duas semiticas que atuam em interao sincre-ticamente, tem na
linguagem visual a sua principal fonte de transmisso, fazendo dele
um autntico megainstrumento a ser mais estudado por todo aquele que
se disponha a realizar transposio didtica (Chevellard, 1991).
Palavras-Chave: ISD, semitica, gnero adaptao oficial de filme,
sincretismo.
Recibido:20-XI-2009Aceptado:24-V-2010
Correspondencia: Cludia Lopes Nascimento Saito
(cln_saito@yohoo.com.br). Departamen-to de Letras, universidade
Estadual Centro-Oeste. R. Salvatore Renna, padre Salvador 875,
Santa Cruz, Guarapuava-pR. CEp 85015-43, Brasil.
Revista Signos2010 / 43
Nmero EspecialMonogrfico N 1
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El gnero de adaptacin de la pelcula cmica oficial
Resumen: Con las mismas caractersticas de gnero de su origen el
cmic, la adaptacin oficial de la pelcula cmica ha ido en aumento
por la presentacin de la aplicacin de pelculas cinema-togrficas
para los medios impresos, por ejemplo, las pelculas de superhroes
como Spider-Man II, corpus de esta investigacin. Tomando como marco
terico los fundamentos de la semitica (Greimas & Courts, 1979),
junto con el interaccionismo sociodiscursivo (Bronckart, 2003,
2006), esta inves-tigacin presenta datos de anlisis y descripcin de
la interseccin de lenguajes verbales y visuales. una de las
conclusiones a las que se llega es que este gnero textual, por
constituirse de un sistema narrativo compuesto por dos semiticas
interactuando sincrticamente, tiene en el lenguaje visual su
principal fuente de transmisin, haciendo de l un autntico
megainstrumento a ser ms estu-diado por cualquiera que est
dispuesto a hacer la transposicin didctica(Chevallard, 1991).
Palabras Clave: ISD, semitica, gnero de adaptacin oficial de
pelculas, sincretismo.
The textual genre: The official adaptation of film to comic
Abstract: Having the same characteristics of its genre of origin
the comic books, offi cial adapta-the comic books, offi cial
adapta-the comic books, offi cial adapta-, offi cial adapta-,
official adapta-tions of films to comics have grown because they
present the transposition of movies into printed matter, including
the superhero (e.g., Spider-Man II) the corpus of the present
research. Based on the theoretical framework of both semiotics
(Greimas & Courts, 1979) and sociodiscursive inter-actionism
(Bronckart, 2003; 2006), this research presents data on the
analysis and description of the intersection between verbal and
visual languages. One of the conclusions is that because this
textual genre consists of a narrative system composed by two
semiotics acting in syncretical interac-tion it finds its main
source in the visual language, thus making it an authentic and
powerful tool to be studied by everyone who is willing to
accomplish didactic transposition (Chevellard, 1991).
Key Words: SDI, semiotics, genre, official adaptation of film,
syncretism.
INTRODUO
Na perspectiva do Interacionismo sociodiscursivo proposto por
Bronckart (2006), entende-se a linguagem como um instrumento
semitico pelo qual o homem existe e age, o que implica interpretar
os fatos de linguagem como traos das condutas humanas socialmente
contextua-lizadas (Bronckart, 2006: 78).
Citado por Bronckart (2006) como uma das fontes tericas do
interacionismo sociodiscursivo, Bakhtin (1992) postula que os
gneros discursivos so construes sociais histricas como tudo o que
criado pelo homem e que, apesar de configurarem as aes humanas em
qualquer contexto/discurso:
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No so instrumentos estanques, enrijecedores da ao criativa do
homem, so ma-leveis, dinmicos, transformam-se e se adaptam s
necessidades e atividades sociais e culturais (Bakhtin, 1992:
173).
Ao se referir a esse carter mediador e vincular concepo de gnero
a de formas estveis, Bakhtin (1992) demonstra ter previsto a
velocidade que se impe e interfere nas produes miditicas.
As formulaes bakhtinianas a respeito da constituio e
funcionamento dos gneros na comu-nicao verbal das diferentes
esferas sociais refletem as tendncias mais estveis e perenes da
evoluo dos textos e antecipam as atividades de linguagem mediadas
pelas modernas tecnologias.
1. O surgimento de um novo gnero
Na relao dialgica entre os enunciados atuam foras centrpetas que
buscam a concentra-o, a centralizao, a mesmice, e as foras
centrfugas, que vo corroendo as tendncias centralizadoras por meio
de vrios processos como a imitao, a parfrase, a pardia, a
estili-zao, a hibridizao, em suma, a novidade.
Nesse jogo entre o velho e o novo, o que fica transparente a
idia de que a produo e a interpretao de um texto esto atreladas ao
reconhecimento de suas regularidades e variabi-lidades, o que faz
com que um texto seja sempre construdo dentro das convenes de um
g-nero. Como afirma Bakhtin (1992: 187), onde h enunciado h gnero,
e o novo no significa necessariamente o indito, mas novo porque
construdo para uma ocasio social especfica, para um momento
scio-histrico culturalmente determinado.
Se o princpio para a formao e diferenciao dos gneros dentro das
esferas sociais reside na finalidade da interao social e na relao
entre os participantes e o objeto da interao, o g-nero textual
adaptao oficial de filme em quadrinhos um produto que tem como
finali-dade promover o filme a partir da sua transposio da mdia
cinematogrfica para a impressa.
A adaptao oficial de filme em quadrinhos se apresenta, assim
como todo gnero discursivo, como um enunciado relativamente estvel
e como resultado da ao de um sujeito singular que, diante de
determinados parmetros da situao em que se encontrava, foi obrigado
a (re) criar, transformar, enriquecer ou empobrecer um gnero que j
existia antes como um artefato cultural e scio-histrico, surgindo
assim como um novo gnero.
Com as mesmas caractersticas do seu gnero de origem, as histrias
em quadrinhos, o que vai
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diferenciar esse novo gnero (adaptao oficial de filme em
quadrinhos) que nele h um tema especfico que so os filmes de
super-heris veiculados no cinema com sucesso de bilheteria. A
adaptao, como o nome j indica, a transposio de uma pelcula
cinematogrfica para o suporte impresso gibi, com caractersticas
temticas, estilsticas e composicionais advindas das histrias em
quadrinhos.
Isso poderia nos levar a pensar que se trata apenas de uma
variante de HQ, contudo assu-mimos que o gnero adaptao se trata de
um novo gnero por configurar uma atividade de linguagem em um
contexto especfico, com finalidades especficas e com caractersticas
espe-cficas. Assim, trata-se, ao nosso ver, de um novo gnero que
conquistou seu espao, sendo facilmente identificvel visualmente,
pois sua composio bem estvel.
No seu plano global textual (Bronckart, 2003), podemos perceber
que o formato do gibi sempre o mesmo (26 por 17 cm), a sua impresso
de altssima qualidade, em sua capa sem-pre vem focalizada uma cena
do filme em que aparece o super-heri; o nome do filme que foi
adaptado para os quadrinhos, aparece na lateral esquerda,
normalmente na parte superior da capa, a logomarca ou logotipo da
produtora da HQ do super-heri se encontra no canto superior
esquerdo; na parte inferior, centralizada, aparece a expresso
adaptao oficial do filme que vem, s vezes, acompanhada por outra
expresso em quadrinhos.
Com o intuito de caracterizar as especificidades centrais desse
gnero discursivo, recorremos s adaptaes oficiais de outros filmes
de super-heris, como ilustram as figuras abaixo, mas no esquecendo
que estes exemplos so variantes do processo, uma vez que nosso
interesse se d apenas na adaptao do filme do Homem-Aranha II para
os quadrinhos.
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Ilustrao 1. Adaptao Oficial do FilmeBatman em Quadrinhos
(1989).
Ilustrao 2. Quadrinizao Oficial do FilmeBatman Eternamente
(1990).
Ilustrao 3. Adaptao Oficial do FilmeHomem Aranha II em
Quadrinhos (2004).
Ilustrao 4. Adaptao Oficial do FilmeBatman Begins em Quadrinhos
(2005).
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Na antecapa, novamente vem em destaque o ttulo do filme na parte
superior e logo abaixo ao ttulo so apresentadas indicaes sobre o
roteirista, o adaptador, o desenhista, o tradutor, os encarregados
da arte final e das cores da adaptao, como tambm indicaes dos nomes
de todos aqueles envolvidos na produo cinematogrfica. Na ltima
pgina desta HQ, novamente, aparecem informaes sobre a equipe tcnica
da adaptao e do filme.
Como pudemos ver, um texto tende a ser inteiramente construdo
dentro das convenes de um gnero, por isso o novo no significa
necessariamente o indito. portanto, o gnero adaptao vai receber o
mesmo tratamento que uma histria em quadrinhos, uma vez que nos
remete ao seu gnero-matriz.
Quanto ao mundo discursivo, ou seja, ao plano da enunciao e
operao psicolgica em que se baseia (Bronckart, 2006)1, como a
maioria das HQ, o gnero adaptao configura um discurso na ordem do
narrar, apresentando um desvio forte em relao ao mundo ordinrio da
ao de linguagem, pois veicula um narrar totalmente ficcional, que
corresponde ao arqutipo psicolgico que Bronckart (2006) denomina de
narrao.
Dolz e Schneuwly (2004), autores afiliados vertente mais didtica
do interacionsimo socio-discursivo, buscaram contribuir para a
construo de instrumentos que pudessem auxiliem o professor a
planejar as atividades didticas baseadas nas prticas de linguagem,
apresentam uma proposta para o enfoque de agrupamentos de
gneros.
De acordo com a proposta dos autores, o gnero adaptao pode ser
includo no agrupamen-to de gneros do narrar, tendo em vista os
critrios apresentados pelos autores: 1. quanto ao domnio social de
comunicao, a adaptao um gnero que pertence cultura literria
ficcional; 2. quanto s capacidades de linguagem dominantes, a
adaptao se apresenta com um discurso da ordem do narrar em que se
configura a mmeses da ao atravs da criao de intriga.
Alm de tipo de discurso, para Bronckart (2003), outro elemento
fundamental da infra-estru-tura textual a forma de organizao
sequencial ou linear dos textos. Considerando o discurso da ordem
do narrar que predomina no gnero adaptao, outra caractersticas
discursiva da adaptao a predominncia de seqncias narrativas e
dialogais em sua constituio, apre-sentando uma linguagem verbal bem
prxima da coloquial em sua modalidade oral, apoiada por uma
linguagem no-verbal (visual).
1.1. As condies de produo do gnero adaptao do filme
Acrescentando mais um argumento que corrobora com a tese de que
a adaptao oficial de
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filme em quadrinhos constitui um novo gnero discursivo que, na
transposio de textos oriundos do cinema para os quadrinhos, podemos
observar que as HQs tm uma narratividade mais peculiar se
comparadas mdia cinematogrfica, uma vez que so mais condicionadas
pelos aspectos pertinentes sua linguagem, resultantes do ritmo e
fluxo narrativos e pela de-composio, em segmentos seqenciados, dos
eventos presentes no enredo.
Na arte seqencial, esses segmentos so os prprios quadrinhos, que
encontram seus paralelos nas seqncias e planos da linguagem
cinematogrfica, no havendo, portanto, uma correspon-dncia direta
dos quadros das HQs com os quadros cinematogrficos.
Os quadrinhos, por comporem um audiovisual impresso que tm
disposio um espao menor para exposio de imagens, tm capacidade e
necessidade de snteses maiores que o cinema, compondo-se numa
linguagem que requer, alm do texto escrito, que o prprio trao do
dese-nho traga em si uma escritura, que tem por funo se aproximar
daquele do qual se originou.
A traduo2, conforme plaza (2001), por definio criadora, pois
mantm uma ntima relao com o original, mas trilha seu prprio
caminho, gerando novas realidades, novas formas, novas imagens,
novos contedos o que faz da adaptao a (re)criao de uma nova
realidade.
No caso da adaptao do filme Homem-Aranha II, traduo
interssemitica em que focamos a nossa reflexo, embora o sujeito
produtor da produo impressa tenha atropelado algumas passagens
importantes da aventura cinematogrfica, procurou ser o mais fiel
possvel. Certa-mente, deveria estar consciente de que construir uma
histria muito extensa iria, alm de encarecer a sua produo, desviar
o interesse da publicao, o que acabou sendo responsvel pela
simplificao do roteiro.
Outro fato importante a se considerar em relao s condies de
produo desse gnero que os quadrinhos no conseguem outorgar aos seus
personagens qualidades interpretativas que acentuem determinados
aspectos da personalidade, alm daquilo que o prprio trao definiu de
maneira geral.
Por isso, em alguns momentos, fora excludo completamente da
verso em quadrinhos o efei-to dramtico construdo por Sam Raimi ao
longo da produo cinematogrfica e que o diferen-ciava dos demais
filmes de super-heris, caracterizando o como sendo um longa
metragem de aventura com um tom dramtico acentuado.
Nas telas de cinema, a construo do personagem definida pelo
diretor e mediada pelo autor, a partir de um quadro referente que
orienta o que de fato se pretende extrair de determinadas situaes e
temas, constituindo-se, assim, a situao de produo do filme.
O gnero textual: Adaptao oficial de filme em quadrinhos / Lopes
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No podemos deixar de mencionar que as HQs so um desenho,
portanto, no so uma cpia fiel da realidade. De acordo com Barthes
(1982: 35):
A operao do desenho (a codificao) obriga imediatamente uma certa
partilha entre significante e insignificante: o desenho no reproduz
tudo, e muitas vezes at bem poucas coisas, sem deixar, contudo de
ser uma mensagem forte.
A histria em quadrinhos veicula uma mensagem que se constitui a
partir dos valores da cultura em que est inserida e promove um
efeito de realidade, o que a torna passvel de ser aceita como parte
de nosso arcabouo sociocultural. Nesse caso, a concepo fica a cargo
do desenhis-ta e do escritor como conseqncia do seu olhar
interpretativo e avaliativo sobre o objeto, mas tambm dentro das
possibilidades tcnicas das quais dispem.
Os desenhos, nas histrias em quadrinhos, tm um grafismo
especfico, que se notabilizam por terem que construir uma imagem
num primeiro momento inanimada, congelada, que no ganha vida e
movimento pela simples vontade do desenhista, mas, sim, quando
percebida na ao receptiva do leitor. Isso implica em se reconhecer
uma certa limitao de ordem da continui-dade nessa escritura
quadrinhstica que pode ser relacionada aos conceitos de corte,
planos -imagem e planos- seqncia.
o corte que opera e se familiariza muito mais com as obras
filmadas que determinado, im-posto e invariante linguagem da HQ em
suas qualidades intrnsecas, por sua prpria natureza, visto que a
cada quadro do desenho aparece obrigatoriamente realizado um corte,
a chamada elipse.
Assim como fazem os elementos de corte cinematogrficos, o
desenhista precisa proporcio-nar ao leitor a continuidade fluida do
enredo que tem em mos e isso requer habilidade do
sujeito-autor-criador, pois no podemos esquecer de que o gnero
textual adaptao oficial um produto que tem como finalidade promover
o filme a partir da sua transposio para a mdia impressa.
1.2. O homem-aranha: Um super-heri s avessas
As primeiras aventuras envolvendo fico cientfica apareceram no
final da dcada de 20, pois at ento as tiras publicadas pelos
jornais tinham sempre um carter humorstico. Com essas histrias de
aventura veio tambm a tendncia naturalista nos quadrinhos, que
aproximou os desenhos de uma reproduo mais fiel de pessoas e
objetos, ampliando o seu impacto junto ao pblico leitor.
Em 1960, lanado o Homem-Aranha. Criado pelos americanos Stan Lee
e Steve Ditko, esse
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super-heri surgiu quando Peter Parker, um adolescente americano,
recebera uma picada de aranha radioativa. A partir desse acidente,
o rapaz comeou a ter super-poderes.
Apesar de sua criao como heri ser do tipo clssico, a carga de
seus problemas pessoais nada tinha de tradicional, no que diz
respeito aos quadrinhos. Esse super-heri nasceu com a marca dos
tempos atuais, em que os super-heris tornaram-se mais humanizados,
passaram a refletir sobre suas angstias, medos e dvidas.
Em sua identidade secreta, o Homem-Aranha se preocupa
cotidianamente com problemas co-muns de sobrevivncia. Trabalhando
para um jornal e morando em companhia de uma velha tia, com ele se
identifica boa parte da classe mdia, vendo-o constantemente
atrapalhado por causa de dinheiro, e sem que isso seja resolvido
pelo fato de ser ele o Homem-Aranha, com poderes super humanos.
O Homem-Aranha que parece se caracterizar mais como um heri s
avessas, um antpoda, vive no filme Homem-Aranha II uma grande crise
existencial: ser ou no ser super-heri. Fato que nos influenciou e
nos fez escolher a adaptao impressa desse filme como objeto de
nossa pesquisa. Alm de ter sido um sucesso de bilheteria, causou
uma grande polmica entre espec-tadores fanticos pelo super-heri e,
por isso, teve uma grande repercusso na imprensa dos pases em que a
pelcula foi exibida.
Essa produo cinematogrfica quebrou o paradigma de filmes de
super-heris: ao invs de apresentar muita ao como de costume,
surpreendeu a todos quando dedicou praticamente metade do tempo de
exibio da pelcula a questes de cunho intimista.
2. A adaptao impressa: Um gnero sincrtico
Dentre os sistemas visuais abrigados por pela adaptao impressa,
a imagem, enquanto forma da expresso, manifestada no papel por
recortes chamados planos. Os enquadramentos ou planos, no sentido
cinematogrfico do termo, representam a forma como uma determinada
imagem foi representada, limitada na altura e largura, da mesma
forma como ocorre na pin-tura, na fotografia.
Os quadrinhos ora focados esto formatados em planos, tipos de
cortes que se constituem em elementos de uma espcie de gramtica de
textualizao e que podem ser entendidos como fatores determinantes
da forma da expresso no caso da construo visual do texto. Os
diversos planos so nomeados conforme se referirem representao do
corpo humano: plano geral; plano mdio ou aproximado; plano
americano; primeiro plano; plano de detalhe; pormenor ou
close-up.
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Dessa forma, como que em cmera objetiva, aquela que assume posio
do olho de um obser-vador onipresente e onisciente, mas do ponto de
vista de quem est fora da ao (no caso o destinatrio), podemos
mencionar os planos mais usados com freqncia na adaptao do filme do
Homem-Aranha II.
Podemos observar que dos duzentos e setenta e um quadrinhos que
compem essa HQ, o modo de existncia passional que caracteriza Peter
Parker aparece reiterado em noventa e seis qua-drinhos pelo
imbricamento do visual com o verbal, tanto a expresso facial como
corporal de Peter, mas tambm pelos os planos e ngulos utilizados
pelo enunciador e que denunciam o estado de esprito do
adolescente.
De todos os planos que compem a organizao visual desse gnero
veiculado na mdia im-pressa, o plano mdio o mais utilizado por seu
textualizador, pois enquadrando os atores da metade do trax para
cima, os dilogos entre os personagens so mais evidenciados,
caracte-rstica predominante do filme e, em conseqncia, da adaptao
do filme Homem-Aranha II em quadrinhos.
Ilustrao 5. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 5).
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Ilustrao 6. Adaptao Oficial do Filme Homem-Aranha II em
quadrinhos (p. 10).
Ilustrao 7. Adaptao Oficial do Filme Homem-Aranha II em
quadrinhos (p. 10).
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Ilustrao 8. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 35).
Percebemos que, em muitos quadrinhos, utilizado o primeiro plano
para tornarem ntidas as expresses faciais de Peter Parker e
revelarem seus sentimentos com mais fora dramtica na tentativa de
inserir o destinatrio na alma do personagem. Afinal, o que mais
marcou essa aventura do Homem-Aranha foi a mescla de drama e ao: o
fio condutor narrativo ao invs de ser utilizado apenas como pano de
fundo para as cenas de luta entre o super-heri e seu inimigo Dr.
Octopus, como normalmente acontece, foi ponto de destaque.
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173
Ilustrao 9. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 28).
Ilustrao 10. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 41).
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Ilustrao 11. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 47).
Na verdade, Peter Parker o ator central, quase que exclusivo da
narrativa; ocupa, assim, simultaneamente, inmeras posies distintas.
Destacado da ao, flutuando na incerteza, interroga-se sobre sua
identidade, avalia e interpreta suas percepes, um sujeito sensvel e
passional, j que experimenta dor, tristeza e indiferena.
Observando os quadrinhos da adaptao do filme Homem-Aranha II, em
princpio destaca-se, pela maneira de se expressar e de agir, a
figura de peter ator que se constitui pela no-alegria. Peter, o
sujeito de busca de nossa narrativa, marcado no enunciado pelo
desnimo, tristeza e desolao.
Para enfatizar esse estado de alma do rapaz, o narrador
(textualizador) coloca no enunciado uma srie de figuras de carter
somtico atitudes, gestos, proxmica, expresso facial e cor-
Ilustrao 12. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 48).
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175
Ilustrao 13. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 49).
Ilustrao 14. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 3).
poral que, infelizmente, nos quadrinhos, fica menos visvel que
no cinema, mas que do conta do processo de degradao emocional
provocado pela prpria crise existencial pela qual passa o jovem no
desenrolar da narrativa.
a linguagem visual a servio da verbal, utilizada a fim de se
compor sincreticamente as ca-ractersticas do sujeito passional
Peter, que permanece em quase toda narrativa cabisbaixo, com os
olhos semicerrados, a boca fechada ou arqueada para baixo e os
ombros reclinados para frente na prostrao do desnimo. Tal estado de
alma por se apresentar to recorrente aponta para o seu modo de
existncia: um rapaz tenso e infeliz.
Como dissemos anteriormente, os quadrinhos constituem um sistema
narrativo composto por duas semiticas que atuam em constante
interao (sincreticamente): a visual e a verbal. Cada
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176 Revista Signos 2010, 43 / Nmero Especial Monogrfico N 1
uma delas ocupa um papel especial, reforando uma a outra e
garantindo que o enunciado seja entendido em plenitude.
Entretanto, outros tm na linguagem visual a sua fonte de
transmisso, como o caso das projees de pessoas no discurso que esto
sincretizadas, principalmente, por outros sistemas produtores de
significao, considerados secundrios ou acessrios e que remetem a
formas de linguagem conotativa e social, consideradas grandezas
lingsticas e pertencentes gestualida-de, proxmica que atuam
diretamente como recursos de caracterizao dos personagens.
Nas histrias em quadrinhos, apesar do texto estar aparentemente
ancorado na linguagem escrita, os efeitos de sentido so constitudos
e construdos pelas estratgias de enunciao, a partir das articulaes
entre as diferentes unidades dos sistemas de linguagens que a
engen-dram o sentido.
A caracterstica de um enunciado discursivo como esse, em que se
manifesta uma multipli-cidade de sistemas, tratada pelas chamadas
semiticas sincrticas (Greimas, 1991). Essas abordam seus objetos de
anlise como um todo de significao e o sentido construdo pelas
diferentes linguagens abrigadas e imbricadas no mesmo suporte.
Essas articulaes entre siste-mas semiticos so responsveis pela
constituio do sentido produzido na HQ.
Na histria da semitica de Greimas (1991), segundo Barros (1986:
32):
A necessidade de explicar os sistemas semiticos sincrticos, como
o cinema, os qua-drinhos ou a cano popular e a linguagem potica e
plstica, levou os estudiosos a se voltarem para o plano da
expresso.
As primeiras pesquisas com o discurso visual foram realizadas
Lindekens (1968) no domnio da anlise semitica da imagem fotogrfica.
Anos mais tarde, em busca de um mesmo ideal vieram Floch (1988,
1990, 1991, 1995, 1997) o Groupe (1992), e outros que deixaram uma
grande contribuio Semitica do Visual.
Floch (1988, 1990, 1991, 1995, 1997) empenhou-se em precisar a
noo de sincretismo e esta-belecer propostas de abordagem para os
textos sincrticos. Para tanto, utilizou os pares con-ceituais
forma/substncia e expresso/contedo, desenvolvidos por Hjelmslev3
(1943) a partir de propostas de Saussure (1916).
Nessa linha, o autor definiu as semiticas sincrticas como
aquelas em que o plano da expresso constitui-se de uma pluralidade
de substncias (por exemplo, sonora, visual, plstica), mas que
possibilita a manifestao de uma forma nica de linguagem (Floch,
1988).
Dessa forma, a sincretizao resulta da presena de uma pluralidade
de linguagens num cont-
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177
nuo discursivo, conforme as referncias de Floch (1991),
portanto, o enunciado no se separa em enunciaes de diferentes
naturezas, mas se manifesta acionado pelas vrias linguagens.
Com suas pesquisas, Floch (1991) muito contribuiu para o campo
da visualidade, pois agregou conhecimentos lingsticos aos visuais,
a fim de descrever os textos sincrticos em sua globa-lidade.
Por isso, quando partimos para o estudo dos mecanismos
enunciativos utilizados pelo autor da adaptao impressa, devemos
levar em considerao que, no gnero adaptao impressa, o significado
se instaura por meio do imbricamento de diferentes sistemas de
linguagem o verbal e o imagtico.
3. Os mecanismos enunciativos
Bronckart (2003) afirma que na abordagem do nvel dos mecanismos
enunciativos que pode-mos reconhecer as operaes de linguagem
responsveis pelo:
Estabelecimento da coerncia pragmtica do texto [...] as avaliaes
que podem ser formuladas a respeito de um ou outro aspecto do
contedo temtico, assim como as ins-tncias que as assumem ou que se
responsabilizam por elas (Bronckart, 2003: 319).
Podemos pensar que, nas histrias em quadrinhos, a
responsabilidade das operaes de lingua-gem no seja da competncia
exclusiva do autor emprico do texto, parece que a construo desse
enunciado requer uma linha de produo formada por uma equipe enorme
de profissio-nais.
Na antecapa da HQ vem a identificao dessas instncias de
responsabilidade: o autor, o ro-teirista, o adaptador, o desenhista
(responsveis pelas cores e pela arte final), assim como de todos
aqueles envolvidos na produo. Isso em termos comerciais acrescenta
valor ao que se veicula. Ao evidenciar os nomes de sucesso como o
da Marvel, o da Columbia Pictures, por exemplo, a editora procura
agregar qualidade e prestgio a seu produto.
J no exame do gerenciamento das vozes enunciativas, devem ser
observados alguns procedi-mentos discursivos ligados delegao de voz
e aos efeitos da enunciao decorrentes disso.
Na adaptao do filme do Homem-Aranha II, pela utilizao do
discurso em 1 pessoa do singu-lar, o narrador4 procura produzir um
efeito de subjetividade em seu discurso, delegando a voz a Peter.
Assim, do ponto de vista interno, ele assume o controle da
narrativa, o dever e o poder narrar o discurso est em suas mos.
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Peter Parker ao mesmo tempo o sujeito explicitamente localizado
da fala e o sujeito incerto de um discurso indireto livre. Ele,
como sujeito da instncia da enunciao simulada, ocupa o lugar de
narrador, o que nos leva a pensar que h uma narrativa dentro de
outra.
Nas HQs, a voz do narrador apresentada em forma de legendas, que
so dispostas normal-mente no canto superior esquerdo e so
destacadas ou no pela utilizao de cores. No caso de nossa adaptao,
as legendas aparecem assinaladas em azul, como podemos observar
abaixo.
Ilustrao 15. Adaptao Oficial do Filme Homem Aranha II em
Quadrinhos (p. 29).
Essas legendas representam a voz de peter e so utilizadas para
nos situar no tempo e no espa-o, indicando qualquer mudana de
localizao dos fatos, avano ou retorno no fluxo temporal, assim como
as expresses de sentimentos ou percepes dele.
Por sua vez, em relao s vozes enunciativas, percebemos que so
gerenciadas pelo narrador
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que delegada voz aos personagens e simula o dilogo entre eles.
No caso da adaptao do filme, essa delegao realizada por meio dos
bales, que no s representam que a palavra foi cedi-da aos
interlocutores, mas tambm aumentam o efeito de verdade pretendido
pelo narrador/textualizador (Bronckart, 2003), uma vez que o
discurso direto d ao destinatrio a iluso de estar ouvindo o prprio
discurso do outro, j que so bastante ntidas, at graficamente, as
fronteiras entre o discurso do enunciador e o discurso do outro,
pois uma voz no contamina a outra5.
CONCLUSES
Em nossa pesquisa conclumos que a adaptao oficial de filme em
quadrinhos trata-se de um novo gnero da mdia impressa, que surgiu
da necessidade de se atrair aqueles que assistiram a um determinado
filme de super-heri, mas que nem sempre tiveram o hbito de ler suas
revistas em quadrinhos.
Com as mesmas caractersticas do seu gnero de origem, as histrias
em quadrinhos, mas com um tema especfico que so os filmes de
super-heris veiculados no cinema com sucesso de bilheteria, esse
novo gnero consiste na transposio de uma pelcula cinematogrfica
para o suporte impresso gibi.
pudemos constatar que o trabalho com gneros textuais
verbovisuais, como a adaptao do fil-me, impe vrios desafios ao
analista, uma vez que implica na verificao de como os sentidos
foram construdos a partir do imbricamento de vrios sistemas de
linguagem.
O limite entre a linguagem verbal e a visual se apresentou
extremamente tnue em determi-nados momentos. Mesmo que
lexicalizadas, as figuras do visual se fizeram imprescindveis ao
tentarmos analisar a construo da imagem do sujeito peter parker. O
enunciador recorreu mui-to mais linguagem visual, a fim de se
compor sincreticamente o percurso do sujeito passional Peter, que
propriamente verbal.
Pudemos constatar, analisando os mecanismos enunciativos da
adaptao, que a crise de iden-tidade e os sentimentos passionais de
peter parker so comedidos demais. O carter demasia-damente humano,
que esta aventura enfatiza, caracteriza-se pelo artificialismo e
superficia-lismo, pois mesmo estando decepcionado, angustiado e
aflito com a vida que leva peter parker no rompe com aquilo que lhe
foi tacitamente institudo: a misso de proteger a populao de Nova
York da ao de malfeitores. Acima de tudo, ele um super-heri nos
modelos clssicos, em que o bom mocismo deve prevalecer acima de
qualquer coisa.
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Dessa anlise, conclumos que, no nvel do parecer (de leitura
superficial), o filme Homem-Aranha II e, portanto, a adaptao para
os quadrinhos constitui-se em uma nova proposta de aventura de fico
cientfica, envolvendo super-heri. Entretanto, em sua essncia (de
leitura mais profunda), constatamos que essa pelcula e sua adaptao
seguem os padres clssicos das histrias em quadrinhos de
super-heris.
Na verdade, colocar em discurso valores e imagens que refletem a
imagem daquele para quem se fala, dos valores em vigncia na
sociedade a que pertence, constitui nada mais que uma estratgia do
textualizador.
Como sabemos, o autor faz escolhas ao construir seu enunciado
sempre de acordo com as re-presentaes que faz de seu destinatrio e
os valores que quer colocar em discurso. Resgatar, ento, em um
texto, os valores que regem a dinmica da vida social e determinam a
prxis scio-cultural de um povo , em certa medida, desvelar como os
sujeitos se reconhecem e afirmam a prpria identidade6.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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Fonte das ilustraes
Homem Aranha II: Adaptao oficial do filme em quadrinhos (2004).
Barueri/ Sp, Marvel / panini Comics.
NOTAS1 A discusso sobre gneros textuais e tipos de discurso pode
ser conferida em Bronckart (2006:
121-160). O autor se refere a essas duas etiquetas como
propiciadoras de desenvolvimento, ao enfatizar a importncia da
anlise das caractersticas do agir no verbal (agir geral) ao agir de
linguagem pelo ngulo das atividades de linguagem, realizao que se d
sob a forma de textos que se diversificam em espcies. Assim, o
autor faz a opo de reservar a noo de gnero so-mente aos textos
gneros de texto/gneros textuais utilizando, em outros nveis, as
frmulas espcies de atividades de linguagem, ou espcies de
discurso.
2 Nesse particular, alm dos recursos do texto e imagem, o cinema
conta com o movimento, com a ao direta de seus personagens, o que
lhe permite maior explorao das estruturas de imagem. Assim, a
escritura significada pela tela torna-se bem menos dependente do
textual, do verbal.
3 Hjelmslev definiu o signo como sendo a conjuno da forma de
expresso com a forma do conte-do denominada semiose ou funo
semitica. Os estudos do professor dinamarqus coincidem com a linha
de pesquisa de seu colega suo, Saussure, que encontrava no signo
uma relao de pressuposio recproca entre o significante e o
significado. Entretanto, a sua grande inova-o foi dissociar os dois
planos da linguagem (expresso vs contedo). A dicotomia
expresso/contedo foi utilizada por Hjelmslev para distinguir os
dois planos da linguagem, seguindo o pensamento saussureano que
definira o signo como a combinao de um significado (conceito) e um
significante (imagem acstica). Expresso e contedo so, portanto,
anlogos aos conceitos de significante e significado: a reunio
desses dois planos da linguagem que permite explicar a existncia de
enunciados providos de sentido (Greimas & Courts, 1979). A
dicotomia forma/ substncia, empregada por Saussure a fim de
distinguir a estrutura significante (por exemplo, a
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lngua) da realidade semntica ou material (por exemplo, os sons),
em que a lngua se projeta, foi empregada por Hjelmslev, que a
ampliou aos dois planos da linguagem (expresso/contedo), com o que
distinguiu quatro categorias: substncia da expresso e forma da
expresso, substn-cia do contedo e forma do contedo.
4 Recorrendo ao procedimento analtico de Bronckart (2003) ao se
referir s instncias enunciati-vas o autor considera as instncias do
autor, do narrador e das vozes enunciativas, estas definidas como
as entidades que assumem, ou s quais so atribudas a
responsabilidade do que enuncia-do.
5 Os bales tambm fazem a vez dos verbos de elocuo da linguagem
verbal, servem para carac-terizar outra semitica presente -os
elementos relativos oralidade (elocuo, entoao, inten-sidade da voz,
etc). Os bales so o resultado de uma conveno no seio da linguagem
das HQs, o continente do balo, ou seja, a linha que o delimita,
tambm informa vrias coisas ao leitor: Por exemplo, as linhas
tracejadas transmitem a idia de que o personagem est falando em voz
baixa.
6 Tanto o filme como sua adaptao impressa so considerados como
um produto da indstria cultural de massa que, enquanto artefatos
miditicos, so capazes de gerar bens simblicos que permeiam o
imaginrio social. Bronckart (2003: 322), [...] a ao de linguagem se
traduz por uma reposio em circulao, no campo das representaes
sociais cristalizadas no intertexto, de representaes j dialgicas,
que tm sua sede no autor. Esse confronto das representaes pessoais
com as representaes dos outros no pode se efetuar apenas no espao
mental do autor: ele exige a criao de um espao mental comum ou
coletivo.