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1 REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO E A CULPABILIZAÇÃO DA MULHER DIANTE À VIOLÊNCIA Guilherme Manoel de Lima Viana 1 RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo entender o crime de pornografia de vingança, detalhar o perfil das vítimas e dos responsáveis pela divulgação de imagens não autorizadas e analisar a legislação que tipifica esse crime. O uso de modernas tecnologias trouxe rapidez e praticidade na comunicação entre as pessoas. Enviar mensagens através de fotos ou vídeos íntimos, conhecidos como nudes ou sexting, tornou-se uma prática comum entre pessoas que têm algum tipo de relacionamento. No entanto, quando essas imagens passam a ser divulgadas sem o consentimento de um dos envolvidos, tem início uma violação do direito à intimidade e a vida privada, conhecida como pornografia de vingança ou revenge porn. Os primeiros casos divulgados no Brasil, por não terem uma legislação própria, eram julgados como difamação e injúria, presentes nos artigos 139 e 140 do Código Penal. Com a divulgação de casos que causaram muito prejuízo às vítimas, inclusive, levando ao suicídio algumas delas, outras leis passaram a ser utilizadas nesse tipo de crime. A Lei Maria da Penha é utilizada em casos que fique caracterizada a existência de violência moral e psicológica contra a mulher e o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando existe a violação dos direitos de vítimas menores de 18 anos. Além disso, por causa do inconformismo de muitas das vítimas diante das sentenças dadas aos autores dos crimes, outras leis foram criadas para tipificar esse tipo de crime. Mesmo assim, ainda existe a culpabilização das vítimas por terem sofrido esse tipo de ação. Palavras-chave: Vingança. Internet. Crime contra honra. Leis. ABSTRACT This research aims to understand the crime of revenge pornography, detail the profile of the victims and those responsible for the disclosure of unauthorized images and analyze the legislation that typifies this crime. The use of modern technologies has brought speed and practicality in communication between people. Sending messages through intimate photos or videos, known as nudes or sexting, has become a common practice among people who have some kind of relationship. However, when these images are released without the consent of one of those involved, a violation of the right to privacy and privacy, known as revenge porn or porn vengeance, begins. The first cases reported in Brazil, for not having their own legislation, were judged as defamation and injury, present in articles 139 and 140 of the Penal Code. With the disclosure of cases that cause a lot of harm to the victims, including leading some of them to suicide, other rights can be used in this type of crime. The Maria da Penha Law is used in cases that characterize the occurrence of moral and psychological violence against a woman and the Child and Adolescent Statute, when there is a violation of the rights of children under 18 years of age. In addition, because of the non-conformity of many of the victims in the face 1 Graduando no curso de Direito, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 8º semestre em 2020. [email protected]
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REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO ...

May 17, 2023

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REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO E

A CULPABILIZAÇÃO DA MULHER DIANTE À VIOLÊNCIA

Guilherme Manoel de Lima Viana1

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo entender o crime de pornografia de vingança, detalhar

o perfil das vítimas e dos responsáveis pela divulgação de imagens não autorizadas e analisar a

legislação que tipifica esse crime. O uso de modernas tecnologias trouxe rapidez e praticidade

na comunicação entre as pessoas. Enviar mensagens através de fotos ou vídeos íntimos,

conhecidos como nudes ou sexting, tornou-se uma prática comum entre pessoas que têm algum

tipo de relacionamento. No entanto, quando essas imagens passam a ser divulgadas sem o

consentimento de um dos envolvidos, tem início uma violação do direito à intimidade e a vida

privada, conhecida como pornografia de vingança ou revenge porn. Os primeiros casos

divulgados no Brasil, por não terem uma legislação própria, eram julgados como difamação e

injúria, presentes nos artigos 139 e 140 do Código Penal. Com a divulgação de casos que

causaram muito prejuízo às vítimas, inclusive, levando ao suicídio algumas delas, outras leis

passaram a ser utilizadas nesse tipo de crime. A Lei Maria da Penha é utilizada em casos que

fique caracterizada a existência de violência moral e psicológica contra a mulher e o Estatuto

da Criança e do Adolescente, quando existe a violação dos direitos de vítimas menores de 18

anos. Além disso, por causa do inconformismo de muitas das vítimas diante das sentenças dadas

aos autores dos crimes, outras leis foram criadas para tipificar esse tipo de crime. Mesmo assim,

ainda existe a culpabilização das vítimas por terem sofrido esse tipo de ação.

Palavras-chave: Vingança. Internet. Crime contra honra. Leis.

ABSTRACT

This research aims to understand the crime of revenge pornography, detail the profile of the

victims and those responsible for the disclosure of unauthorized images and analyze the

legislation that typifies this crime. The use of modern technologies has brought speed and

practicality in communication between people. Sending messages through intimate photos or

videos, known as nudes or sexting, has become a common practice among people who have

some kind of relationship. However, when these images are released without the consent of one

of those involved, a violation of the right to privacy and privacy, known as revenge porn or

porn vengeance, begins. The first cases reported in Brazil, for not having their own legislation,

were judged as defamation and injury, present in articles 139 and 140 of the Penal Code. With

the disclosure of cases that cause a lot of harm to the victims, including leading some of them

to suicide, other rights can be used in this type of crime. The Maria da Penha Law is used in

cases that characterize the occurrence of moral and psychological violence against a woman

and the Child and Adolescent Statute, when there is a violation of the rights of children under

18 years of age. In addition, because of the non-conformity of many of the victims in the face

1 Graduando no curso de Direito, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 8º semestre em 2020.

[email protected]

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of the sentences given to the perpetrators of crimes, other laws were used to typify this type of

crime. Even so, there is still a blame for the victims for suffering this type of action.

Keywords: Revenge. Internet. Crime against honor. Laws.

INTRODUÇÃO

O artigo está baseado na intimidade das relações humanas, muitas vezes fragilizada por

conta de certas ações praticadas pelos envolvidos em um relacionamento. O texto faz uma

análise do crime de revenge porn ou pornografia de vingança, detalha os primeiros casos em

que ocorreu esse tipo de crime e explica os principais pontos da legislação vigente no Brasil.

A justificativa para a escolha do tema está relacionada ao interesse em mostrar que na

atual sociedade, as pessoas estão conectadas o tempo todo e os fatos que acontecem em qualquer

lugar do mundo são transmitidos rapidamente, através de programas televisivos, aplicativos

para computador e celular, entre outros. Essas ferramentas trouxeram ao mundo moderno

muitos benefícios por sua facilidade e rapidez, diminuindo as fronteiras e aproximando as

pessoas. Mas nem sempre são usadas de maneira adequada, pois entre os fatos divulgados,

podem estar aqueles que não têm autorização para virem a público e, com certeza, poderão

causar algum tipo de prejuízo a alguém. Com o estreitamento dos laços afetivos, principalmente

entre casais, muitos passam a compartilhar imagens íntimas, às vezes com conteúdo sexual e,

quando esses relacionamentos chegam ao fim, essas imagens são expostas em redes sociais sem

o consentimento de uma das partes, caracterizando a chamada revenge porn ou pornografia de

vingança. Além de trazer inúmeras consequências às vítimas, a pornografia de vingança atinge,

de forma direta ou indireta, o grupo familiar e social dos quais a vítima faz parte.

A maioria das vítimas desse crime são mulheres, sendo que o autor do fato é, na maioria

dos casos, um ex-companheiro que se sentindo desprezado pelo fim do relacionamento ou

humilhado por uma traição, resolve expor essa vítima.

Ao longo dos anos, as vítimas deixaram de se omitir e, apesar da vergonha e humilhação

a que são expostas, preferem enfrentar a situação e mover ações contra as pessoas que

trouxeram a público essas imagens. Muitas dessas vítimas perderam seus empregos, tiveram

que mudar de residência ou de cidade, alterando até a aparência física, para tentarem diminuir

o assédio que sofriam. Outras não conseguiriam suportar a exposição e acabaram cometendo

suicídio. Tudo isso, levou a elaboração de projetos, que depois de sancionados, tornaram-se leis

para coibir esse tipo de crime.

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O primeiro capítulo aborda a origem da pornografia de vingança, através do relato de

casos ocorridos em outros países, mesmo antes desse crime ser praticado pela internet. Crimes

digitais, sexting e revenge porn são termos usados no capítulo e que servem para dar a dimensão

do problema que o mau uso dos aplicativos existentes pode causar.

No segundo capítulo são citados os primeiros casos ocorridos no exterior e que levaram

à punição de seus autores e casos que aconteceram no Brasil. Dentre esses casos, encontram-se

aqueles cujas sentenças são usadas como jurisprudência em casos semelhantes.

O terceiro capítulo traz os pontos principais das leis que podem ser utilizadas nos

julgamentos dos crimes de pornografia de vingança. Leis que garantem a inviolabilidade da

intimidade, da privacidade, da honra e da imagem das pessoas, previsto no artigo 5º da

Constituição Federal de 1988 e leis que garantem a segurança das vítimas, como o Estatuto da

Criança e do Adolescente, Lei Maria da Penha e Lei Maria da Penha Virtual, Marco Civil da

Internet, entre outras.

1. CRIME DIGITAL

A internet foi criada em 1969, quando o primeiro e-mail foi enviado. Os benefícios

trazidos por esse recurso são incalculáveis, porém, essa tecnologia fez surgir os crimes digitais

que prejudicam as pessoas de várias formas.

Crespo2 explica que os crimes digitais estão relacionados ao “acesso não autorizado a

sistemas informáticos, ações destrutivas nesses sistemas, a interceptação de comunicações, [...],

incitação ao ódio e descriminação, escárnio religioso, difusão de pornografia infantil,

terrorismo, entre outros.” (CRESPO, 2011, p.30).

Em muitos casos, a exposição constante de particularidades nas redes sociais, acontece

porque indivíduos querem compartilhar coisas que lhe trouxeram algum tipo de satisfação e,

normalmente, não imaginam que essas publicações podem ser um caminho para a violação de

direitos, sobretudo, aqueles que se referem à intimidade e a vida privada.

Na opinião do pensador norte-americano de Henri Jehkins3, “entretenimento não é a

única coisa que flui pelas múltiplas plataformas de mídia. Nossa vida, nossos relacionamentos,

memórias, fantasias e desejos também fluem pelos canais de mídia”. (JEHKINS, 2009, p.44).

Com a evolução da tecnologia, qualquer pessoa produz e compartilha textos, imagens e

vídeos que são disseminados rapidamente e, mesmo quando esses conteúdos são considerados

impróprios, dificilmente podem ser reparados.

2 CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Crimes digitais. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 3 JEHKINS, Henri. Cultura da Convergência. Aleph. 2 ed. São Paulo, 2009.

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Diante disso, Jehkins4 mostra que existe uma grande facilidade em unir texto, imagem

e vídeo em um mesmo ambiente, conceituando essa prática como cultura de convergência. “[...]

a convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são

incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de mídia

dispersos.” (JEHKINS, 2009, p.30).

Dependendo do conteúdo publicado na internet, a quantidade de visualizações e

compartilhamentos alcança um número significativo, principalmente, se esse conteúdo tiver

teor sexual ou fotos de jovens nuas.

1.1 SEXTING E REVENG PORN

O progresso digital trouxe uma prática comum nos dias atuais, a de enviar e trocar

mensagens com fotos ou vídeos de teor sexual, conhecidos como nudes ou sexting, junção de

sex [sexo] e texting [envio de mensagens].

Na explicação de Garcia5 (2017), sexting tornou-se uma prática comum entre indivíduos

que têm acesso a mídias digitais, como forma de “apimentar” o relacionamento ou, como uma

forma de expressar intimidade e sexualidade entre pessoas que já se relacionam ou pretendem

se relacionar,

Não existem dados precisos sobre quando o termo sexting foi inicialmente usado.

Crespo (2015)6 explica que em 2004, dois jornais canadenses, The Globe e Mail, usaram a

expressão sext-messaging, ao relatarem em suas matérias, o envolvimento do jogador de futebol

David Beckhan, que enviou mensagens sexualmente explícitas à sua assistente, Rebecca Loos.

O principal problema dessa prática é o fato de que o remetente não ter controle sobre a

divulgação do material e, segundo Crespo7 (2015) “além de tudo, se dissemina muito

rapidamente na Internet, podendo chegar à inóspita Deep Web, de onde dificilmente serão

removidos, perpetuando o ato e se tornando um verdadeiro tormento para muitos.”

4 Ibid. p. 30 5 GARCIA, Andressa. A importância da conscientização digital: Sexting, nude e vingança pornô podem matar!

Jusbrasil, publicada em 27/10/2017. Disponível em:

<https://garciandressa.jusbrasil.com.br/artigos/514080545/a-importancia-da-conscientizacao-digital-sexting-

nude-e-vinganca-porno-podem-matar> Acesso em 16/10/2019 6 CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Sexting e Revenge Porn: por que precisamos falar sobre isso?. Canal

Ciências Criminais, publicada em 15/07/2015. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/sexting-e-

revenge-porn-por-que-precisamos-falar-sobre-isso/amp/> Acesso em 18/10/2019. 7 Ibid., publicada em 15/07/2015.

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É neste ambiente e, geralmente após o término de um relacionamento, que cada vez

mais é praticado a revenge porn, ou pornografia da vingança, quando um dos envolvidos não

aceita a nova situação e divulga as imagens íntimas por vingança.

Sydon e Castro8 usam a expressão vingança pornográfica “para descrever a

distribuição/publicação não consensual de imagens de nus em fotografia e/ou vídeos

sexualmente explícito; também, a publicação de áudios de conteúdo erótico pode se encaixar

em tal terminologia.” (SYDON; CASTRO, 2019, p.39)

Na visão de Vitória Buzzi9, estudiosa sobre o tema, essa é uma vingança que acarreta

graves consequências:

O “termo pornografia de vingança”, tradução da expressão em inglês “revenge porn”,

nomeia o ato de disseminar, sobre tudo na internet, fotos e\ou vídeos privados de uma

pessoa, sem a sua autorização, contendo cenas de nudez ou sexo com objetivo de

expô-la através da rápida viralização do conteúdo, e assim causar estragos sociais e

emocionais na vida da vítima. (BUZZI, 2015, p. 29)

Na maioria dos casos de revenge porn, as vítimas são mulheres, adolescentes e jovens,

que têm suas fotos ou vídeos divulgados sem sua autorização. Esse é o perfil das vítimas desde

que os primeiros casos começaram a ser divulgados.

Um levantamento realizado pela ONG Safernet Brasil que monitora violações de

direitos humanos na internet, mostrou que o número de denúncias de vítimas atendidas dobrou

ente 2012 e 2013. E, segundo Faria, Araújo e Jorge10, “as denúncias são mais frequentes entre

jovens de 13 a 15 anos de idade (35,71%) e de 18 a 25 (32,14%). Porém o dado mais relevante

para o presente estudo é o recorte de gênero identificado: as mulheres são a maioria das vítimas,

correspondendo a 77,14% dos casos.” (ARAÚJO, FARIA, JORGE, 2015, p.667).

Outros dados mostram que esse tipo de crime tem aumentado e que as mulheres

continuam sendo as maiores vítimas. Melo Júnior11 relata que “que 90% das vítimas da

pornografia de vingança são mulheres, sendo que 93% afirmaram já ter sofrido problemas

emocionais por terem sido vitimadas.” (MELO JÚNIOR, 2016).

8 SYDON, Spencer Toth; CASTRO, Ana Lara Camargo. Exposição Pornográfica não consentida na internet: da pornografia de vingança ao lucro. 2 ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019. 9 BUZZI, Vitória de Macedo. Pornografia da Vingança: Contexto histórico-social e abordagem no direito

brasileiro. Florianópolis. Empório do Direito, 2015. 10 ARAÚJO, Júlia Silveira de; FARIA, Fernanda Cupolillo Miana de; JORGE, Marianna Ferreira. Caiu na rede é

porn: pornografia de vingança, violência de gênero e exposição da “intimidade”. Revista de Comunicação e

Cultura, v. 13, n. 03, p. 659-677, (set-dez 2015). 11 MELO JÚNIOR, Marcos Francisco Machado. Pornografia de Vingança e Sua Relação Com a Lei Maria da

Penha. Jusbrasil, 2016. Disponível em:

<https://marcosfmachadomelojr.jusbrasil.com.br/artigos/299368736/pornografia-de-vinganca-e-sua-relacao-

com-a-lei-maria-da-penha> Acesso em: 27/03/2020.

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Por serem as vítimas, mulheres, a vingança é praticada na maioria dos casos por homens.

“Um em cada dez ex-parceiros já ameaçaram divulgar fotos da outra pessoa na Internet, sendo

que 60% destes concretizaram a ameaça e publicaram as fotos, juntamente com informações

pessoais [...]” (FREITAS E JUSTINO, 2014 apud MELO JÚNIOR, 2016)12.

A vingança, geralmente ocorre quando, ex-amantes, ex-namorados, ex-maridos ou

pessoas que, que tiveram algum tipo de vínculo afetivo, decidem se vingar expondo fotos e

vídeos com conteúdo sexual, a fim de desmoralizar a imagem da pessoa com que tiveram um

relacionamento. Em grande parte dos casos, são os homens que inconformados com o término

do relacionamento, por sentirem-se traídos ou pelo mero desejo de expor o ato sexual, acabam

publicando esse material.

O sexting, assim como a pornografia de vingança, tornou-se comum e tem apresentado

um aumento nos casos divulgados, e segundo Faria, Araújo e Jorge13 (2015, p.666), isso

acontece devido à evolução tecnológica e à facilidade de se produzir, divulgar e distribuir

imagens e vídeos que podem ser acessados e compartilhados livremente nas redes sociais como

YouTube, Facebook e Instagram e aplicativos como WhatsApp.

De acordo com Sydon e Castro14, a rede mundial de computadores mostra-se como “o

ambiente mais promissor para a divulgação de materiais [...], nos quais se encontra a exposição

pornográfica não consentida”. (SYDON; CASTRO, 2019, p.18)

Para Buzzi15 (2015, p.33), a repercussão dos casos de pornografia de vingança,

divulgados pela mídia ou por grupos em defesa das mulheres, tem mostrado que existem muitas

falhas nos serviços online e nas redes sociais. As empresas responsáveis por esses serviços

editaram normas mais severas visando coibir o compartilhamento de material não autorizado.

A exposição de imagens sem consentimento já existe há muito tempo, mas essa ação

ganhou visibilidade através do uso das redes sociais e dos aplicativos, tornando fácil a

visibilidade e difícil a exclusão desses conteúdos indevidamente publicados.

Araújo, Faria e Jorge16 salientam que, “mesmo quando um conteúdo é removido de um

determinado site, dificilmente se perde. Basta que um único internauta tenha feito uma cópia

do material para que este possa ser replicado em poucos segundos.” (ARAÚJO, FARIA,

JORGE, 2015, p.666).

12 Ibid. 2016 13 FARIA; ARAÚJO; JORGE, op. cit., p.666. 14 SYDON; CASTRO, op. cit., p. 18. 15 BUZZI, op. cit., p. 33. 16 ARAÚJO; FARIA; JORGE, op. cit., p.666.

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As imagens, segundo Sydon e Castro17 (2019, p. 30) podem ser obtidas de duas

maneiras: com o conhecimento da outra parte, num contexto privado ou confidencial, muitas

vezes capturadas pela própria vítima e compartilhada com o parceiro; ou, essas imagens serem

feitas sem o consentimento da vítima, através de uma câmera escondida, por exemplo. Em

ambos os casos, a divulgação dessas imagens ocorre sem autorização.

Quando ocorre a divulgação de imagens íntimas, a vítima por ter consentido ou ter

participado na obtenção das mesmas, além de ser exposta, muitas vezes é julgada, tem sua

imagem denegrida e acaba sofrendo um processo de exclusão social.

Esse tipo de julgamento já existe há muito tempo de acordo com Sydon e Castro18: “Não

é nova a ideia de marcar de forma indelével uma pessoa a partir de suas alegadas transgressões,

tornando-as públicas para que tal degradação tenha a dupla função de punir o pecador e os que

vivem em tentação.” (SYDON; CASTRO, 2019, p.52).

Sydon e Castro19 (2019, p.52) relatam que existe a crença de que a pessoa exposta é

responsável pela sua própria infelicidade e, assim, merecedora de todo mal que lhe é imposto,

diminuindo a conduta do expositor e levando à sensação que essas ações têm pouca gravidade.

Ao enviar imagens eróticas no meio de conversas com teor sexual para namorados ou

parceiros sexuais, muitas vezes a pedido dos mesmos, as mulheres não acreditam que no

futuro, após o término do relacionamento, essas imagens possam vazar e ter consequências

drásticas em suas vidas.

1.2 ORIGEM- REVENG PORN

Muitas histórias que relatam a exposição de imagens privadas de conteúdo erótico ou

sexual, sem consentimento, ganharam visibilidade ao serem divulgadas, primeiramente na

imprensa e, posteriormente, na internet. Através dessas histórias surgiram leis e jurisprudências

que serviram de base para discussões sobre esse tipo de situação.

Sydon e Castro20 (2019, p. 53-54) relatam casos de imagens íntimas divulgadas sem

consentimento das vítimas, ocorrido na seção Beaver Hunt (caça ao esquilo, tradução livre) da

revista americana Hustler, feita para o público masculino, onde eram divulgadas imagens de

mulheres em poses erótico-sensuais, de forma explícita. Em meados dos anos 1970, a revista

17 SYDON; CASTRO, op. cit., p. 30. 18 Ibid., p. 52. 19 Ibid., p. 52. 20 Ibid., p. 53-54.

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passou a divulgar fotografias não profissionais de mulheres nuas, em situações do dia a dia ou

em espaços públicos, enviadas por leitores que eram pagos se a fotografia enviada fosse

selecionada.

O sucesso desse tipo de publicação foi imediato, ficando evidente a atração que os

leitores sentiam por esse tipo de pornografia amadora, especialmente quando as mulheres

fotografadas não faziam ideia de que eram alvo destes “cliques”.

Por conta do sucesso deste tipo de publicação, muitas mulheres foram fotografadas e

expostas e, em alguns casos, os leitores forneciam nome, número de telefone, local de trabalho

e residência. Ao tomarem conhecimento de tal exposição, muitas mulheres acabaram por

processar a revista.

Segundo os autores, Sydon e Castro 21 (2019, p. 54-55), um desses casos ocorreu em

1980, quando LaJuanWood e seu marido, Billy Wood ao acamparem, tiraram fotografias

íntimas um do outro; fotos que eram para ficar apenas entre o casal, mas que foram roubadas

pelo casal de vizinhos, Steve Simpson e Kelly Rhoades. Steve enviou uma das fotos da mulher

à coluna Beaver Hunt e, ainda fraudou um cadastro onde fingia ser o marido da vítima e dava

informações falsas para a revista. Informados por amigos, o casal processou a revista que teve

sua culpa reconhecida pela falta de procedimento seguro para verificação da veracidade dos

formulários e foi condenada a pagar uma alta indenização.

A revista foi processada por outras pessoas e condenada a pagar indenizações pelo

descuido acerca do consentimento das vítimas que se sentiam violadas quanto à sua privacidade.

Revistas especializadas nesse tipo de publicação passaram a ter um maior controle sobre

as imagens recebidas. Entretanto, após o surgimento da internet e facilidade em se veicular

conteúdos que são vistos por um número imenso de pessoas, esse tipo de ação passou a

acontecer com maior frequência.

No início dos anos 2000, Sérgio Messina, músico e escritor italiano, deu um novo

significado à pornografia amadora, ao observar que a distribuição de vídeos pornográficos pela

Internet tornou-se maior devido ao custo reduzido. Segundo Gomes22, “Messina percebeu como

crescente em grupos de fóruns da Usenet, uma das redes pioneiras de comunicação por

computador, um tipo de pornografia nomeada por ele de realcore [...]”. (GOMES, 2014, p.6).

21 Ibid., p. 54-55 22 GOMES, Marilise Mortágua. “As Genis do século XXI”: Análise de casos de pornografia de vingança através

das redes sociais. Orientadora: Cristiane Henriques Costa. Rio de Janeiro: UFRJ/ECO. Monografia em Jornalismo.

2014

Disponível em: < https://core.ac.uk/download/pdf/30409811.pdf> Acesso em 10/12/2019

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Sydon e Castro23 detalham que “Messina acabou por cunhar o termo Realcore, hoje

mundialmente utilizado para descrever as produções visuais feitas por pessoais reais, vivendo

seus próprios desejos e fantasias, e fazendo sexo de verdade e não apenas uma performance

para a câmera.” (SYDON; CASTRO, 2019, p. 58)

Com a crescente exposição de realcores, em 2006, surgiu o serviço XTube, sediado na

Holanda, tornando-se o primeiro site a permitir que vídeos pornográficos fossem carregados e

distribuídos pelos usuários. Sydon e Castro24 (2019, p. 59) explicam que o site não produzia os

vídeos, mas servia de provedor da plataforma para hospedagem desse material e seu lucro era

oriundo da publicidade e da parcela de lucro recebida dos amadores que usavam esse site para

publicar seus vídeos. Além dos realcores, a plataforma tornou-se um caminho para a publicação

de revenge porn.

O termo revenge porn, apareceu pela primeira vez no Urban Dictionary em outubro

2007 e era conceituado segundo o jornalista Richard Morgan (2008, apud SYDON; CASTRO,

2019, p. 59), como a “pornografia caseira uploaded por uma ex-namorada ou (usualmente) por

um ex-namorado, após ruptura particularmente tormentosa, como meio de humilhar o/a ex.”

Mas, esse tipo de publicação não passava despercebido pelas vítimas. De acordo com

Gomes25, o site “XTube [...] informou em sua página principal que recebia de duas a três

reclamações semanais de mulheres que viam ali sua intimidade exposta sem autorização.

“(GOMES, 2014, p.6).

No ano de 2010, a pornografia de vingança ganhou atenção mundial, quando o

americano Hunter Moore criou o site IsAnyOneUp? (Tem alguém afim?, tradução livre)

especializado em reveng porn, onde recebia material de usuários amadores que buscavam

diversão ou vingança. Na grande maioria, o material era de mulheres nuas (ex- parceiras,

conhecidas, desconhecidas, famosas etc.) e, após certificarem que as pessoas expostas eram

maiores de 18 anos, disponibilizavam a foto para acesso irrestrito.

Sydon e Castro26 (2019, p. 60) relatam que o site IsAnyOneUp? incentivava que junto

ao material enviado, o usuário indicasse nome completo, cidade, profissão e links que

permitissem pesquisa por nome em algum mecanismo de busca, como o Google ou Facebook.

Ainda, segundo os autores27 (2019, p. 60-61), Hunter Moore se auto intitulava “Rei da

Vingança Pornográfica ou Destruidor Profissional de Vidas”. E, a fim de defender-se das

23 SYDON; CASTRO, op. cit., p. 58. 24 Ibid., p.59 25 GOMES, op. cit., p.6. 26 SYDON; CASTRO, op. cit., p. 60 27 Ibid., p. 60-61

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acusações de que causava danos à vida das pessoas, Moore alegava estar protegido pelo

parágrafo 230 do Communications Decency Act (CDA), que exclui de responsabilidade, os

proprietários de sites por material publicados por terceiros.

Em seu auge, o site chegou a ter 30 mil visualizações diárias, o que rendia mensalmente

ao seu criador, cerca de US$ 10 mil, fazendo com que Moore ficasse conhecido como o homem

mais odiado da internet.

2. CASOS EMBLEMÁTICOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Muitos casos de revenge porn já foram divulgados e, apesar de causarem muitos danos

às vítimas, demorou que uma legislação para esse tipo de crime fosse elaborada e posta em

vigor. Apesar de essa prática ter se iniciado bem antes do aparecimento da internet, foi através

das mídias sociais que esse tipo de publicação ganhou grande repercussão.

No julgamento dos primeiros casos de revenge porn, a legislação usada na maioria das

vezes se referia a calunia, injúria e difamação, nas quais, a pena aplicada é considerada branda.

A primeira prisão por pornografia de vingança ocorreu em 2010, quando Joshua Simon

Ashby que vivia no subúrbio da Nova Zelândia e tinha apenas 20 anos na época, publicou no

facebook, fotos de sua ex-namorada que aparecia nua em frente a um espelho. Para que a foto

não fosse removida, alterou as configurações da publicação, deixando a foto acessível para

todos os usuários do site. A vingança ocorreu após o término do relacionamento do casal. Além

disso, mesmo antes de publicar a foto, o jovem já havia mandado mensagem de texto

ameaçando matar a namorada. E, de acordo com Veiga28 (2010), “os argumentos de defesa de

que estaria sob o efeito do álcool não foram suficientes para que o juiz o inocentasse, e Joshua

Simon Ashby foi condenado a quatro meses de prisão.”

Outro caso conhecido é sobre o já citado, Hunter Moore, criador do site IsAnyOneUp?,

que após muitas denúncias, acabou por ser processado por suas publicações e por outros crimes.

De acordo com Sydon e Castro29 (2019), Moore agiu impunemente, até que Charlotte

Laws iniciasse uma campanha incessante contra ele, ao saber que a fotografia de sua filha

Kayla, seminua, havia sido postada no site. A jovem, em janeiro de 2012, teve sua conta de e-

mail invadida e sua foto, com o seio esquerdo despido, publicada no site. Mesmo após ser

28 VEIGA, Leonor. Facebook: Jovem preso por publicar fotografias da ex-namorada nua. Expresso, 16/11/2010.

Disponível em: <https://expresso.pt/actualidade/facebook-jovem-preso-por-publicar-fotografias-da-ex-namorada-

nua=f615496> Acesso em: 28/01/2020 29 SYDON; CASTRO, op. cit., p. 61-63

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11

formalmente notificado, recusava-se em remover a foto e não temia ações indenizatórias,

alegando que as vítimas pediam para serem abusadas. Lawas acabou conseguindo o apoio do

Federal Bureau of Investigation (FBI) que apreendeu material eletrônico na casa dos pais de

Moore. Em 2012, Moore acabou fechando o IsAnyOneUp?.

Moore foi preso em 2014 por crimes federais previstos no Computer Fraud and Abuse

Act (Lei de fraude e abuso de computador, tradução livre) que, segundo Sydon e Castro30

“incluíam invasão de contas de e-mail para subtração de fotografias comprometedoras e suas

postagens” (SYDON; CASTRO, 2019, p.63).

Não podendo mais invocar o parágrafo 230 do CDA, pois ficou provado que ele

contratava o hacker Charles Evens para invadir contas e obter material privado, Moore pagou

fiança e aguardou o julgamento em liberdade. Abby Ohlheiser, apud Sydon e Castro (2019, p.

63) afirma que, finalmente, “o homem mais odiado da Internet foi condenado à pena de dois

anos e meio em prisão federal, seguida de liberdade condicional por três anos e meio após a sua

liberação”. A punição em si, não foi pelas publicações não autorizadas, mas por ter sido

criminalizado pelo acesso não autorizado a contas e equipamentos das vítimas.

Diante desses fatos, surgiu em 2013, na Flórida, a proposta para criação da primeira lei

que tornaria a prática de revenge porn um crime grave, cuja pena podia chegar a cinco anos de

prisão em regime fechado. Mesmo tendo sido bem aceito, o debate sobre o assunto foi adiado.

De acordo com Neris, Ruiz e Valente31 (2018), apesar dos Estados Unidos ainda não

possuir uma lei federal específica para o crime, trinta e nove estados e o Distrito de Columbia

criminalizam esse tipo de ação. No país, de acordo com a gravidade da ação cometida, o crime

é punido como: infraction (infração, tradução livre), por ser considerado um delito leve, a pena

aplicada pode ser uma advertência ou multa; misdemeanor (contravenção, tradução livre), neste

caso, existe flexibilidade na sentença determinada e cada estado pode variar os tipos de punição

aplicada, podendo ser multa, serviços prestados à comunidade ou pena de prisão que pode

chegar até um ano de detenção; felony (crime, tradução livre), considerado o tipo mais grave,

geralmente, a pena aplicada é de mais de um ano de prisão.

Em julho de 2019, o estado da Virgínia alterou uma lei de 2014 que passou a considerar

a distribuição maliciosa de imagem ou vídeo uma contravenção de Classe 1, na qual o culpado

pode ter uma pena de até 12 meses de prisão e/ou até US$ 2.500 em multas.

30 Ibid. p. 63 31 NERIS, Natália; RUIZ, Juliana Pacetta; VALENTE, Mariana Giorgetti. Enfrentando Disseminação Não

Consentida de Imagens Íntimas: uma análise comparada. INTERNETLAB, 10/05/2018

Disponível em: <https://www.internetlab.org.br/wp-

content/uploads/2018/05/Neris_Ruiz_e_Valente_Enfrentando1.pdf > Acesso em: 02/02/2020

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2.1 VÍTIMA E AUTOR DO FATO

Nos casos de revenge porn, a maioria das vítimas são mulheres, adolescentes e jovens,

que por diversos motivos acabam deixando o companheiro registrar fotos ou vídeos íntimos.

Em alguns casos é a própria vítima que faz os registros e, por ingenuidade, acredita que em

momento algum, o companheiro será capaz de expô-la.

De acordo com Kohlrausch32, “muitas vezes traídas pela boa-fé e confiança no

relacionamento, mulheres que consentiram em ter momentos íntimos gravados acabam

expostas perante toda a sociedade, passando a ser julgadas e culpabilizadas diante da fruição de

sua liberdade sexual.” (KOHLRAUSCH, 2017, p.33).

O perfil do autor da postagem, geralmente, é de um ex-companheiro, possessivo e

ciumento, que age para se vingar de uma traição ou pelo término de um relacionamento que ele

não aceita. Ele espera causar na vítima, a mesma dor que sente.

Kohlrausch33 explica que existe outro tipo de pessoa que posta imagens sem o

consentimento da vítima. São “jovens do sexo masculino, na tentativa de se auto promover,

compartilham com amigos fotos e vídeos de natureza íntima, que uma vez no ambiente virtual,

se espalham rapidamente sem nenhuma forma de controle.” (KOHLRAUSCH, 2017, p.33).

No Brasil, a pornografia de vingança passou a fazer parte do lado negativo que a internet

proporciona a seus usuários. Muitos casos já foram divulgados, sendo que alguns são

considerados graves por conta dos desfechos que tiveram.

O caso da jornalista Rose Leonel foi um dos primeiros casos de pornografia de vingança

a vir a público. Em 2006, após o término de um relacionamento, teve fotos íntimas divulgadas

na internet pelo ex-namorado, Eduardo Gonçalves da Silva. Em consequência, seu filho de 12

anos teve que ir morar no exterior com o pai; ela perdeu o emprego e foi hostilizada em Maringá

(PR), cidade onde morava com a filha de oito anos. A criança também sofreu todo tipo de

discriminação e mudou várias vezes de escola na tentativa de amenizar a situação.

Em busca de justiça, entrou no juizado de pequenas causas de sua cidade defendida por

um advogado sem muita experiência. O acusado foi sentenciado a pagar uma multa considerada

irrisória pela vítima.

32 KOHLRAUSCH, André Rodrigo. A “Pornografia de Vingança” e a Lei Maria da Penha: Crime e Exposição

Pública de Intimidade Sexual. Lajeado, RS, 2017. Disponível em:

<https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/1879/1/2017AndreRodrigoKohlrausch.pdf> Acesso em:

18/04/2020 33 Ibid

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Mas as perseguições continuaram e de acordo com Buzzi34, “mesmo após ganhar o

primeiro processo que moveu contra o ex-namorado na Justiça, recebendo o valor de três mil

reais, os ataques contra Rose não cessaram. Assim que foi liberado, Eduardo retomou-os com

vigor, chegando a persegui-la pela cidade de carro.” (BUZZI, 2015, p.48)

Por estar descreditada em sua cidade e não conseguir contratar um advogado que

quisesse defendê-la procurou ajuda em São Paulo. Além de um advogado, também conseguiu

apoio de um perito criminal que identificou o ID (identificação do usuário da internet) de onde

eram feitas as postagens, ficando provado que era seu ex-namorado que continuava a postar

suas imagens.

O acusado foi condenado a um ano, 11 meses e 29 dias de reclusão, mas a pena foi

convertida em serviços comunitários e pagamento de cestas básicas. Também foi condenado a

pagar uma indenização de R$ 30.000,00, que a vítima nunca recebeu.

Com o intuito de ajudar mulheres que passam por situações semelhantes a que passou,

a jornalista fundou em 2013, a ONG Marias da Internet, que acolhe e orienta mulheres que são

expostas e sofrem com críticas e preconceitos por terem sua intimidade divulgada.

Caso semelhante correu em outubro de 2013, quando a jovem goiana Francyelle dos

Santos Pires, com 19 anos, teve um vídeo íntimo divulgado na internet pelo ex-namorado Sérgio

Henrique de Almeida, na época com 22 anos. Fran, como ficou conhecida, fez um boletim de

ocorrência após ter ciência que seu perfil nas redes sociais, com fotos e número de telefone,

havia sido amplamente divulgado. Para não expor a filha, com dois anos na época dos fatos e

nem se expor, Fran afastou-se do trabalho, mudou a cor e o corte do cabelo na tentativa de

preservar sua identidade.

O caso foi a julgamento em 8 de outubro de 2014, sendo que Fran mostrava-se

visivelmente abalada com a situação. O acusado foi condenado a prestar serviços comunitários

durante cinco meses. Para a vítima, a pena foi insuficiente e ficou a sensação de impunidade,

uma vez que ela continuou tendo dificuldade para encontrar trabalho e sentindo o peso dos

julgamentos por ter feito o vídeo.

Francyelle espera que a maneira como ela enfrentou a situação de ver a exposição da

sua imagem na internet sirva de exemplo para outras vítimas. De acordo com Buzzi35, “ao invés

do silêncio, ela concedeu entrevistas aos mais diversos canais de comunicação, afirmando-se

como vítima, e não como responsável pelo constrangimento sofrido.” (BUZZI, 2015, p.52).

34 BUZZI. op. cit., p. 48 35 Ibid., p.52

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No final de 2013, com quatro dias de diferença, duas adolescentes, após terem imagens

íntimas divulgadas pela internet, cometeram suicídio por não suportarem o assédio a que

vinham sendo submetidas por parte de conhecidos e desconhecidos.

Júlia Rebeca de 17 anos, natural do Piauí, estudante do ensino médio, descobriu no dia

5 de novembro de 2013, que um vídeo havia sido compartilhado no Whatsapp, onde ela, um

rapaz e outra garota apareciam tendo relação sexual. No início, ela mostrou-se indignada, mas

com o passar dos dias, as atitudes da adolescente demostravam que ela não estava bem, pois

postava mensagens onde deixava claro estar em uma tristeza profunda. Em 10 de novembro, a

adolescente foi encontrada enforcada com o fio de uma prancha alisadora.

Antes da exposição do vídeo, Júlia era vista como uma adolescente alegre e sorridente.

Mas depois de ver sua imagem divulgada, segundo Buzzi36, “passava boa parte das aulas

digitando no celular, distante de todas suas amigas. Júlia demonstrava sentir-se culpada e

envergonhada pela exposição não consensual de sua intimidade na internet, um sentimento

comum entre as vítimas.” (BUZZI, 2015, p.57).

O suspeito de ter produzido o vídeo e divulgado na internet era menor na época e seu

nome não foi divulgado.

A estudante do ensino médio, Giana Laura Fabi de 16 anos, natural do Rio Grande do

Sul, viu sua vida mudar após saber que imagens onde aparecia seminua haviam sido divulgadas

nas redes sociais. Cometeu o suicídio, no dia 14 de novembro de 2013, usando um cordão de

seda para enforcar-se.

Buzzi37 explica que “Giana não sabia que seria fotografada quando, atendendo aos

pedidos de um colega de escola com quem conversava pelo programa Skype, tirou seu sutiã

para o webcam. A imagem ficou guardada por ele, sigilosamente, durante algum tempo.”

(BUZZI, 2015, p.60).

O motivo da divulgação não foi totalmente esclarecido. Especula-se que esse colega

manifestava interesse pela adolescente. Mas, ela não correspondeu às expectativas do rapaz e

teria começado um relacionamento com outra pessoa. O jovem com ciúmes enviou a foto a

alguns amigos como forma de vingança e a foto rapidamente viralizou na internet.

Segundo Gomes38 “Julia e Giana não estão sozinhas: de acordo com uma série de

estudos publicada no periódico "Lancet" e divulgados em reportagem da Folha de São Paulo, o

suicídio é a primeira causa de morte entre meninas de 15 a 19 anos.” (GOMES, 2014, p.30).

36 Ibid., p.57 37 Ibid., p.60 38 GOMES, op. cit., p. 30.

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Muitos outros casos ocorreram e continuam ocorrendo, confirmando que as vítimas são

na sua maioria mulheres jovens e que de alguma forma são julgadas e consideradas culpadas

por terem se deixado fotografar ou filmar em momentos de intimidade.

2.2 CULPABILIZAÇÃO DA VITIMA

A divulgação das imagens como forma de constranger e humilhar as mulheres e a

maneira como os casos são divulgados deixa evidente que existe uma forte tendência à

culpabilização da vítima, herança de uma sociedade sexista e patriarcal.

No entendimento de Buzzi39, ainda é possível “salientar que a culpabilização das vítimas

da pornografia de vingança é um reflexo bastante óbvio da mesma cultura de dominação

masculina, em que o valor da mulher reside na sua capacidade de resistir aos avanços

masculinos.” (BUZZI, 2015, p.44).

Todos os dias, mulheres sofrem humilhações, ameaças, censuras e diversos tipos de

chantagem, como consequência dessa cultura patriarcal em que a mulher, em pleno século XXI,

ainda tem que ser submissa à vontade de alguns homens. Mesmo depois de décadas, os

ensinamentos de Beauvoir40 ainda podem ser usados para explicar o comportamento sexista:

A civilização patriarcal votou a mulher à castidade; reconhece-se mais ou menos

abertamente ao homem o direito a satisfazer seus desejos sexuais ao passo que a

mulher é confinada ao casamento: para ela, o ato carnal, em não sendo santificado

pelo código, pelo sacramento, é a falta, queda, derrota, fraqueza; ela tem o dever de

defender sua virtude, sua honra; se “cede”, se “cai”, suscita o desprezo; ao passo que

até na censura que se inflige ao seu vencedor há admiração. (BEAUVOIR, 1970,

p.112).

Na divulgação dos casos de estupro pela mídia, muitas vezes o que se vê é a vítima

sendo considerada culpada pela violência que sofreu. “A vítima estava andando sozinha,

voltava de uma festa muito tarde, havia tido problemas anteriores com o agressor [...]. Todos

esses fatores levam o leitor a pensar que o crime aconteceu porque a vítima agiu de forma errada

e, de certa maneira, a culpa foi dela.” (PIMENTA, 2014)41.

Da mesma forma, os casos de pornografia de vingança ao serem divulgados, revelam

que para muitos, a mulher é responsável pelas criticas que sofre e merece passar por humilhação

39 BUZZI. op. cit., p. 44. 40 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo – Fatos e mitos. São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1970. 41 PIMENTA, Juliana. O estupro no discurso da mídia. Observatório da Imprensa, 2014. Disponível em:

<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/caderno-da-cidadania/_ed819_o_estupro_no_discurso_da_midia/>

Acesso em: 28/02/2020

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e sofrimento em decorrência das imagens publicadas, mesmo que tenham sido obtidas sem o

seu consentimento.

Os crimes divulgados pela internet ocorrem de várias maneiras e de acordo com Buzzi42,

“no Brasil, a divulgação de fotos, vídeos e outros materiais com teor sexual sem o

consentimento dos envolvidos pode ser interpretada pela Justiça como crime, além de passível

de indenização moral e material na esfera cível.” (BUZZI, 2015, p. 71). Diversos casos já foram

julgados e as jurisprudências existentes podem servir como orientação para casos semelhantes.

Quando do julgamento da apelação do réu Eduardo Gonçalves da Silva, ex-namorado

da jornalista Rose Leonel, que teve imagens íntimas divulgadas sem o seu consentimento pelo

apelante, a decisão apresentada pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná: -,

Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Paraná, Relator: Lilian Romero, Julgado em

07/07/2011, trouxe a seguinte ementa:

PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E

140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS

DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE PARA

ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE

COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL

FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS, BEM COMO A CRIAÇÃO E

ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM O NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE

VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA

VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO

CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

[…]

3. Comete os crimes de difamação e de injúria qualificadas pelo emprego de meio

que facilita a sua propagação - arts. 139 e 140 c.c. 141, II do CP - o agente que posta na Internet imagens eróticas e não autorizadas de ex-namorada, bem como textos

fazendo-a passar por prostituta. TJ-PR - APL 756.367-3. (BRASIL, 2011) 43

O caso citado foi um dos primeiros a se tornar público, sendo o réu condenado pelos

crimes de difamação e injúria qualificadas previstos no Código Penal. A apelação feita pelo réu

foi negada e a condenação confirmada.

Outro caso ocorrido em janeiro de 2014, no Estado do Espirito Santo, em que o

denunciado, Gabriel Emery Santana, após se apoderar do celular da ex-companheira, Rafaela

Bolsan de Moraes, divulgou fotos íntimas da vítima em grupos de WhatsApp e no Facebook,

42 BUZZI. op. cit., p. 71 43 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Criminal nº 756.367-3. Relatora: Desembargadora

Lilian Romero. 2ª Câmara Criminal. Curitiba, PR, 07 de julho de 2011. Disponível em: <https://tj-

pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20132845/apelacao-crime-acr-7563673-pr-0756367-3> Acesso em

08/03/2020.

Page 17: REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO ...

17

como forma de vingança pelo fim do relacionamento que havia entre eles. A decisão

apresentada pela Primeira Câmara Municipal, Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Relator:

Desembargador Willian Silva, Julgado em 31/01/2018, é descrita na ementa a seguir:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 154-A DO CP. INVASÃO DE

DISPOSITIVO ELETRÔNICO. ALEGADA AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO

DA VÍTIMA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE. PROVA DA AUTORIA E MATERIALIDADE

DEVIDAMENTE COMPROVADA. RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO.

PEDIDO DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO § 4º DO

ART. 154-A DO CP. POSSIBILIDADE. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1.

A vítima expressamente declarou o desejo de representar criminalmente contra o réu

em sede policial. 2. Restou cabalmente comprovado que o réu se apoderou do celular

da vítima, único objeto que continha fotos suas em situações íntimas, divulgando-o

por grupos de Whatsapp, utilizando-se, assim, da chamada revenge porn, ou vingança

pornográfica, como forma de penalizar a vítima pelo fim do relacionamento amoroso

que havia entre eles. 3. Tendo o agente divulgado as fotos para um número

indeterminado de pessoas, deve incidir a causa de aumento prevista no art. 154-A, §

4º do CP. 4. Recurso defensivo desprovido. Recurso ministerial provido. TJ-ES -

APL: 00035837320148080011 (BRASIL, 2018)44

Nesse caso, o acusado postou fotos íntimas da vítima após a invasão de dispositivo

eletrônico, no caso o celular, configurando o crime disposto no Art. 154 – A do CP. A vingança

foi o motivo pelo qual o acusado cometeu o crime, conhecido como revenge porn ou

pornografia de vingança. Pelo réu ter tido um relacionamento afetivo com a vítima por um

longo período, a pena foi majorada em 2/3 (dois terços), sendo fixada em 01 (um) ano, 02 (dois)

meses e 08 (oito) dias. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas

de direito, prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade.

O caso a seguir corre em segredo de justiça e, segundo relato, o réu enviou fotos íntimas

à mãe da vítima, causando-lhe constrangimento e diversos danos à sua pessoa. A decisão

apresentada pelo TJ-DF, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF,

Relator: Almir Andrade de Freitas, Julgado em 25/04/2018, tem como redação a seguinte

ementa:

JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL.

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA (?PORN REVENGE?). DIVULGAÇÃO DE

FOTO ÍNTIMA PARA FAMILIAR DA VÍTIMA. VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE E HONRA. VIOLAÇÃO A DIREITOS DA MULHER. LEI 11.340/2006.

CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ. DANO MORAL CONFIGURADO.

INDENIZAÇÃO DEVIDA. MAJORAÇÃO DO VALOR. INVIABILIDADE.

44 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. APL: 00035837320148080011. Relator:

Desembargador Willian Silva. Primeira Câmara Municipal. Cachoeiro de Itapemirim, ES, 31 de janeiro de 2018.

Disponível em: <https://tj-es.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/548955475/apelacao-apl-

35837320148080011/inteiro-teor-548955528?ref=juris-tabs> Acesso em: 17/04/2020

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RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. I. O art. 5º, X, da Constituição

da República consagra como direito fundamental da pessoa a inviolabilidade da

intimidade e da vida privada do indivíduo. [...] De fato, nada pode ser mais íntimo

e privado e, portanto, indevassável, do que a conduta sexual da pessoa. Assim,

mesmo a pretexto das melhores intenções morais e éticas, não era lícito à parte ré

enviar para a mãe da autora fotografia íntima de sua ex-consorte. II. A conduta do

réu/recorrente caracteriza o que se conhece como ?pornografia de vingança? ou

?revenge porn? e configura violência de gênero, pois se trata de constrangimento

voltado ao controle do comportamento da mulher, causadora de dano emocional e

diminuição da autoestima da vítima, motivada pela interrupção de relacionamento afetivo (Lei 11.340/2006, art. 7.º, II). Agiu o réu/recorrente no intuito de vingar o

sentimento não correspondido por meio do aviltamento da autoimagem da ex-

namorada e da imagem desta no seio de sua família, restando configurado o dano

moral. [...] III. A compensação por danos morais possui três finalidades, quais

sejam, a prestação pecuniária serve como meio de compensar a lesão a aspecto de

direito de personalidade, punição para o agente causador do dano e prevenção futura

quanto a fatos semelhantes. Atento a tais diretrizes, o valor do dano moral arbitrado

não pode ser ínfimo, diante do alto grau de reprovabilidade da conduta praticada

pelo requerido e do dano ocasionado. No caso, a conduta do requerido mostra-se de

elevada reprovabilidade, tendo em conta que o Estado brasileiro se fundamenta na

dignidade da pessoa humana e tem por objetivo promover uma sociedade sem preconceitos (CF, art. 1.º, III e 3.º, IV), tendo aderido à Convenção Interamericana

para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém

do Pará ? Decreto 1.973/96), documento que consagra a liberdade da mulher em

todos os aspectos, inclusive o de ser valorizada e educada livre de padrões

estereotipados de comportamento e no qual se inserem os preceitos da Lei

11.340/2006, acima referidos. Contudo, a pessoa que se expõe na rede mundial de

computadores postando fotografias íntimas, de seus relacionamentos e etc., acaba

por dar motivos a eventuais divulgações. É que não existem páginas totalmente

privadas nas redes sociais, porque quem tem conta possui contas também tem

?amigos? e por aí vai a divulgação de dados. A pessoa que não quer ser alvo de

comentário ou divulgação que seja discreta. IV - Não há autos prova de eventual capacidade financeira do réu para pagar o valor arbitrado na sentença, além do que,

a autora, na inicial, sequer apresentou a qualificação do réu. Alegou que seus dados

eram desconhecidos quando não eram. V. Recursos conhecidos e não providos. TJ-

DF 07282603620178070016 - Segredo de Justiça (BRASIL, 2018)45

Fica claro na apelação, o reconhecimento do direito fundamental da pessoa a

inviolabilidade da intimidade e da vida privada do indivíduo previsto no art. 5º, X, da

Constituição Federal de 1988. Ainda se caracteriza a ação do réu/recorrente como pornografia

de vingança e violência de gênero, já que o mesmo mostrou ter o intuito de causar dano

emocional e diminuição da autoestima da vítima, por causa do término de relacionamento

afetivo entre ambos, sendo que a última ação está prevista na Lei 11.340/2006, art. 7.º, II,

conhecida como Lei Maria da Penha.

45BRASIL. Tribunal de Justiça – Distrito Federal, APL: 0728260-36.2017.8.07.0016, 2ª Turma Recursal dos

Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Relator: Almir Andrade de Freitas, Julgado em 25/04/2018.

Disponível em: < https://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/582928051/7282603620178070016-segredo-de-

justica-0728260-3620178070016?ref=serp> Acesso em 18/04/2020

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19

Entretanto, nas alegações proferidas antes da sentença, explica-se que postar fotos

íntimas de relacionamentos pode dar motivos para uma maior exposição, já que não existe

garantia de privacidade nas redes sociais. A discrição é necessária para quem não deseja ser

alvo desse tipo de ação. Nesse caso, fica evidente que a vitima também é culpada pelo crime

praticado contra ela.

Os danos causados às vítimas que tiveram suas imagens divulgadas são incalculáveis e

muitas buscam ajuda no sistema de justiça criminal para que os culpados sejam punidos. As

mulheres ao se exporem, esperam ser reconhecidas como vítimas, todavia, nem sempre o que

ocorre.

Nos casos citados, as sentenças aplicadas estão de acordo com a legislação vigente na

época de seus julgamentos e apelações, mas posteriormente, muitas dessas penas tornaram-se

mais brandas. Isso torna difícil a retomada de uma vida normal para as vítimas, já que todo o

processo para o reconhecimento da culpa do responsável pelo crime nem sempre parece

evidente e a vítima, para muitos, ainda tem sua parcela de culpa.

3. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA E O DIREITO BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 garante o direito à inviolabilidade da intimidade, da

privacidade, da honra e da imagem das pessoas, previsto no inciso X do artigo 5º: “são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito

a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (BRASIL, 1988).46

Nos casos em que acontece a pornografia de vingança, o caminho para que

essa inviolabilidade seja respeitada continua difícil. A gravidade dos crimes que envolvem a

divulgação de imagens e vídeos íntimos na internet levou à criação de leis para que esse tipo de

crime pudesse ser julgado e punido.

Quando os casos de pornografia de vingança começaram a ser denunciados, o uso do

Código Penal - Decreto-lei 2848/40, com a aplicação do artigo 139º, crime de injúria e artigo

140º, crime de difamação, destacou-se como importante recurso jurídico. Mesmo que as penas

aplicadas não fossem o que muitas vítimas esperavam, foi através dos primeiros julgamentos

46 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília, DF. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 08/04/2020

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20

com o uso dessa legislação, que os casos de pornografia de vingança ganharam notoriedade e

começaram a repercutir no meio político e jurídico.

Para suprimir a lacuna jurídica existente e por não ter amparo legal, crimes contra a

honra, geralmente, são julgados como calunia (imputar falsamente fato definido como crime),

difamação (imputar fato ofensivo à reputação) e injúria (ofender a dignidade ou decoro),

presentes nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal - Decreto-lei 2848/40. Quando os casos

de pornografia de vingança começaram a ser denunciados, o uso desses artigos nas sentenças

tornou-se um importante recurso jurídico. Mesmo que as penas aplicadas não fossem o que

muitas vítimas esperavam, foi através dos primeiros julgamentos com o uso dessa legislação,

que os casos de pornografia de vingança ganharam notoriedade e começaram a repercutir no

meio político e jurídico.

Outras legislações são aplicadas dependendo das características dos casos, mostrando

que a justiça está cada vez mais preocupada em punir as pessoas que cometem esses crimes.

Em casos onde a vítima é menor de idade ou que o responsável pelas publicações tiver mantido

um relacionamento íntimo com a vítima, aplica-se o Estatuto da Criança e Adolescente ou a Lei

Maria da Penha.

A divulgação de casos em que vítima preferiu não se omitir e vir a público, apesar do

constrangimento e humilhação a que foi submetida, serviu para que projetos de lei fossem

elaborados, discutidos e sancionados em leis.

3.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI 8.069/90 (ALTERADA PELA

LEI 11.829/08)

A divulgação de imagens não consentidas e o seu compartilhamento são considerados

crimes. Quando envolve crianças e adolescentes, os envolvidos podem responder por crimes

associados à pornografia infantil, previstos na Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA).

Na promulgação da Lei 8.069/90, a pornografia infantil era tipificada em dois artigos:

no artigo 240, onde eram previstas sanções por “produzir ou dirigir representação teatral,

televisiva ou película cinematográfica, utilizando-se de criança ou adolescente em cena de

sexo explícito ou pornográfica”. (BRASIL, 1990)47; no artigo 241, em que a pena aplicada era

por “fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou

47 BRASIL, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm> Acesso em: 10/03/2020.

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21

adolescente”. (BRASIL, 1990)48. Em ambos os artigos, a pena imposta era de um a quatro

anos de reclusão.

Apesar de essa lei punir crimes de pornografia infantil, precisou ser adequada às novas

tecnologias que passaram a exibir imagens que comprometem a integridade física e moral de

crianças e adolescentes.

A Lei 8.069/90 foi alterada pela Lei 11829/08 de 25 de novembro de 2008, “para

aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como

criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na

internet” (BRASIL, 2008)49.

Art. 1º Os arts. 240 e 241 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer

meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

[...]

Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha

cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

[...] (BRASIL, 2008)50

Essa nova redação dada aos tipos penais dos artigos 240 e 241 da Lei 11829/08,

representou mudanças significativas de combate aos crimes de pedofilia, à medida que incluiu

novas formas de prática desses crimes que não estavam previstas na Lei 8.069/90, aumentando

consideravelmente as penas previstas por esses artigos.

O Art. 2º da Lei 11.829/08 é mais complexo, pois a sua redação foi acrescida de cinco

artigos, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E, sendo que os quatro primeiros artigos são novos

tipos penais que definem como crime algumas práticas relacionadas à pedofilia e destinam-se

a reprimir as essas práticas na internet, onde existe a divulgação de imagens e o comércio virtual

de sexo, em que crianças e adolescentes são protagonistas.

A prática prevista no artigo 241-A criminaliza quem oferecer trocar, disponibilizar,

transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio de comunicação, fotografia, vídeo

ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou

adolescente. Da mesma forma, responde criminalmente, qualquer pessoa que assegurar os

48 Ibid. 49 BRASIL, Lei 11829/08 | Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008. Brasília, DF. Disponível em

<https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/92844/lei-11829-08> Acesso em 10/03/2020.

50 Ibid.

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22

meios ou serviços para o armazenamento ou acesso por rede de computadores às fotografias,

cenas ou imagens que indiquem pornografia infantil. A pena para esses crimes é de 3 a 6 anos

de reclusão e multa. (BRASIL, 2008)51

O artigo 241-B responsabiliza quem adquirir, possuir ou armazenar imagens, por

qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito

ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. A pena para quem mantem a posse desse

tipo material é de 1 a 4 anos de reclusão e multa. (BRASIL, 2008)52

No artigo 241-C, a punição com pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa aplica-se às

pessoas que simularem a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou

pornográfica feita através de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou

qualquer outra forma de representação visual. A mesma penalidade é aplicada para quem vende,

expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui

ou armazena o material produzido por adulteração. (BRASIL, 2008)53

A última infração, relacionada à pedofilia, prevista no artigo 241-D tem em vista punir

quem aliciar, assediar, instigar ou constranger crianças, através de qualquer meio de

comunicação, visando com ela praticar ato com caráter sexual. Ainda é passível de punição

quem induz ou facilita o acesso da criança a material pornográfico com o fim de com ela praticar

ato libidinoso ou induzi-la a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. Esses

crimes são punidos com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. (BRASIL, 2008)54

No Art. 241-E fica esclarecido que “a expressão cena de sexo explícito ou

pornográfica compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em

atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas [...]”. (BRASIL, 2008)55.

A inclusão dos artigos 241-A a 241-E na Lei 11.829/08 aprimoraram o combate à

pornografia infantil presente na internet com a tipificação de novas condutas.

As mudanças ocorridas na Lei 8.069/90 visam diminuir a divulgação de imagens não

consentidas que possam prejudicar crianças e adolescentes e acarretar danos físicos e

psicológicos. Procuram ainda, conciliar a proteção integral e o direito à privacidade, fatores

essenciais ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.

3.2 LEI CAROLINA DIECKMANN – LEI 12.737/12

51 Ibid. 52 Ibid. 53 Ibid. 54 Ibid. 55 Ibid.

Page 23: REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO ...

23

O surgimento de novos casos, onde mulheres tiveram imagens divulgadas,

principalmente pela internet, fez com que a preocupação em adequar as leis ao mundo digital

aumentasse. Após a divulgação do roubo de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, foi

sancionada a Lei 12.737/12, que ficou conhecida pelo nome da atriz. A lei visa tipificar crimes

de roubo de informações contidas em dispositivos eletrônicos, praticados principalmente por

hackers que usam o conteúdo obtido para obter vantagens ilícitas, na maioria dos casos, de

ordem financeira.

O Projeto de Lei 2.793/11, apresentado por deputados ganhou impulso para a sua

aprovação, depois que a atriz Carolina Dieckmann, em 2012, teve fotos íntimas hackeadas e

publicadas na internet. Após aprovado e sancionado, o projeto passou a ser conhecido

simbolicamente como Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/12).

A Lei 12.737/1256, em seu artigo 1º: “Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos

informáticos; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; [...]”

(BRASIL, 2012), sendo acrescida dos artigos 154-A e 154-B:

Invasão de dispositivo informático

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de

computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim

de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

[...]

Ação penal

Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante

representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou

indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios

ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. (BRASIL, 2012)57

Destaca-se que o tipo penal presente no artigo 154-A quando faz referência a “invadir

dispositivo informático alheio [...]” (BRASIL, 2012)58 mostra que, apesar do verbo invadir dar

a ideia de uso de força, nesse caso não existe a presença de violência, mas o crime existe e pode

ser entendido como a ação de entrar sem autorização e se apropriar de informações sigilosas

armazenadas em dispositivos informáticos.

A atriz Carolina Dieckmann foi chantageada antes de suas fotos serem publicadas. Os

criminosos pediam R$ 10 mil para não publicarem as imagens. Primeiramente, 36 fotos da atriz

56BRASIL, Lei 12.737/12, de 30 de novembro de 2012. Brasília, DF. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm> Acesso em 12/03/2020

57 Ibid. 58 Ibid.

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24

foram postadas em sites pornográficos e chegaram a ser publicadas em sites de órgãos públicos

de São Paulo, CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e Prefeitura de

Carapicuíba. A atriz não cedeu à chantagem e denunciou o crime às autoridades policiais.

O grupo que hackeou o computador da atriz foi preso e julgado, mas a “Lei Carolina

Dieckmann” não pode ser usada, já que o caso ocorreu antes da Lei 12.737/12 entrar em vigor

em novembro de 2012.

Esse tipo de crime, onde ocorre à exposição de imagens, geralmente íntimas, acontece

porque a vítima não cede à chantagem dos criminosos.

3.3 MARCO CIVIL DA INTERNET – LEI 12.965/14

Antes de ser sancionada, a Lei 12.965/14, também conhecida como Marco Civil da

Internet, percorreu um longo caminho. Em 2009, o projeto de lei 2.126/11 que deu origem a

referida lei começou a ser analisado e foi amplamente discutido em debates públicos realizados

pela internet. Após muitas contribuições, entre comentários, e-mails e audiências públicas, o

projeto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff em 2014.

A lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil

e segundo Buzzi59, “representou um passo importante para a investigação dos envolvidos nos

casos de pornografia de vingança, tratando ainda da responsabilidade civil dos sites hospedeiros

e dos mecanismos de busca.” (BUZZI, 2015, p. 79).

A lei assegura a liberdade de expressão na internet, conforme o artigo 5º, inciso IX da

Constituição Federal de 1988. Mas, também é assegurada às vítimas de pornografia de

vingança, a retirada de material divulgado sem consentimento.

Na maioria dos casos, a solicitação para a retirada de material divulgado pela internet é

feita através de ordem judicial. Mas, em se tratando de material com conteúdo íntimo, a retirada

deve ocorrer se a vítima ou representante legal solicitar, de forma direta, aos sites responsáveis

pela divulgação, conforme disposto no artigo 21, caput e parágrafo único da Lei 12.965/14:

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por

terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade

decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de

vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter

privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites

técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.

59 BUZZI, op. cit., p. 79

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25

Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade,

elementos que permitam a identificação específica do material apontado como

violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para

apresentação do pedido. (BRASIL, 2014)60

O disposto no artigo supracitado, já era utilizado em outros países, para dar celeridade

no que concerne a parar a publicação do conteúdo não autorizado, impossibilitando que seja

amplamente divulgado e compartilhado.

Fazer esse pedido é uma forma que pode ajudar a parar com as publicações e

compartilhamentos. Mas, com a velocidade de informações e a possibilidade de que o usuário

tem de armazenar imagens em seus dispositivos, não é possível ter um controle se o conteúdo

não autorizado será novamente postado.

3.4 CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL - LEI 13.718/2018

No dia 24 de setembro de 2018, foi sancionada a Lei 13.718/2018, que versa sobre os

crimes contra a dignidade sexual, entre eles, tipifica os crimes de importunação sexual e de

divulgação de cena de estupro.

Art. 1º Esta Lei tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de

estupro, torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a

liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelece causas de aumento

de pena para esses crimes e define como causas de aumento de pena o estupro coletivo

e o estupro corretivo. (BRASIL, 2018)61

O projeto de lei 618/2015 foi aprovado pelo Senado Federal, em 2016, após a

divulgação de um vídeo de estupro coletivo, na qual uma adolescente de 16 anos foi dopada e

estuprada por alguns homens em uma comunidade da Zona Oeste, na cidade do Rio de Janeiro.

O estupro ocorreu entre os dias 21 e 22 de maio de 2016. O vídeo amplamente divulgado pelas

redes sociais mostra a jovem nua e desacordada com homens ao seu redor.

Em 2017, outro caso ocorrido em um ônibus na cidade de São Paulo, também divulgado

pela imprensa, foi de um rapaz que ao se masturbar, ejaculou em uma mulher sentada próxima

a ele. Apesar de o suspeito ter sido preso em flagrante e acusado de crime de estupro foi posto

em liberdade pelo Judiciário. E, de acordo com Araújo62, o acusado foi solto “sob a justificativa

60 BRASIL. Lei 12.965, de 23 de abril de 2014. Brasília, DF. Disponível em:<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm> Acesso 15/03/2020. 61 BRASIL, Lei 13.718/2018, de 24 de setembro de 2018. Brasília, DF. Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm> Acesso em 20/03/2020 62 ARAÚJO, Tiago Lustosa Luna de. Importunação sexual deixou de ser contravenção e virou crime. Análise do

delito criado pela Lei 13.718/2018, setembro de 2018. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/69232/importunacao-sexual-deixou-de-ser-contravencao-e-virou-crime> Acesso em

20/03/2020.

Page 26: REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO ...

26

de subsunção do fato à contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor – infração de

menor potencial ofensivo que não comportava a manutenção da prisão.” (ARAÚJO, 2018).

Na época, o número de homens que cometia esse tipo de crime estava crescendo,

principalmente nos transportes públicos e a ausência de uma tipificação legal deixava as vítimas

cada vez mais indefesas.

O Art. 2º alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal),

substituindo a contravenção penal e definindo no artigo 215-A o tipo penal, importunação

sexual: “Praticar, contra alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso, com o objetivo de

satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena - reclusão, de um a cinco anos, se o ato não

constitui crime mais grave.” (BRASIL, 2018)63

Ao expressar a conduta prevista no artigo 215-A pela expressão “praticar contra”, o

legislador procurou mostrar que o tipo penal, importunação sexual, é praticado através de ato

libidinoso sem consentimento da vítima e com o objetivo de satisfazer o próprio desejo sexual

ou de terceiros.

O Art 2º contemplou outro tipo penal previsto no artigo 218-C: “Divulgação de cena de

estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia.” (BRASIL,

2018)64

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,

distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de

comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou

outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável

ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.

(BRASIL, 2018)65

A utilização do verbo “oferecer” no início da descrição do artigo 218-C, mostra que

existem diversas outras ações que podem ser praticadas a partir dessa, quando da posse de

material que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável. Essas imagens podem ser

usadas para fazer apologia ou induzir à prática do estupro ou, ainda, serem divulgadas por

qualquer meio de comunicação, sem consentimento da vítima.

Na Lei 13.718/2018, o estupro coletivo é caracterizado quando praticado por dois ou

mais agentes. A lei também caracteriza o estupro corretivo, no qual o infrator visa controlar o

comportamento social ou sexual da vítima.

63 BRASIL, Lei 13.718/2018 op. Cit. 64 Ibid. 65 Ibid.

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27

Além de prever a reclusão de 1 a 5 anos, a lei também prevê o aumento da pena, de 1/3

(um terço) a 2/3 (dois terços) se o agente deste crime mantém ou tenha mantido relação íntima

de afeto com a vítima ou com fim de vingança ou humilhação.

Por ser a vingança e humilhação, um dos principais fatores que levam à pornografia de

vingança, a Lei 13.718/2018 tornou-se um importante recurso jurídico no combate a esse crime

por estar explícita a natureza do delito.

3.5 LEI MARIA DA PENHA- LEI 11.340/06 e LEI MARIA DA PENHA VIRTUAL- LEI

13.772/18

Conhecida simbolicamente como “Lei Maria da Penha”, a Lei 11.340/0666 tipifica e define a

violência doméstica e familiar contra a mulher com a criação mecanismos para coibir e prevenir

qualquer tipo de violência em consequência de maus tratos, humilhações, agressões físicas, sexuais,

morais, patrimoniais e psicológicas. Para que a lei fosse criada e sancionada, a farmacêutica Maria da

Penha Fernandes teve que recorrer ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos que

responsabilizou o governo brasileiro por omissão e negligência em não tomar medidas eficientes para

processar e julgar seu ex-marido por violência física e psicológica praticada contra ela e contra as filhas.

Em seus artigos iniciais, a Lei 11.340/0667 assegura à mulher viver sem violência,

preservando sua saúde física e mental, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual,

renda, cultura, nível educacional, idade e religião. E, cabe ao poder público desenvolver

políticas que garantam os direitos humanos da mulher para resguardá-la de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A definição de violência doméstica e familiar contra a mulher está descrita no artigo 5º,

que dispõe: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher

qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,

sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006)68.

A violência doméstica contra a mulher, prevista no artigo 5º da lei, pode ocorrer no

espaço de convívio entre as pessoas, que são ou se consideram parentes, unidas por qualquer

vínculo afetivo e em qualquer relação íntima de afeto.

66 BRASIL, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm> Acesso em: 23/03/2020 67.Ibid. 68 Ibid.

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28

Ainda no que diz respeito a essa prática, o artigo 6º, identifica outro tipo de infração:

“A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos

direitos humanos.” (BRASIL, 2006)69.

Os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher são enumerados e

exemplificados no artigo 7º Lei 11.340/06:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou

saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano

emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno

desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,

isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação

de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou

qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à

autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)70

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a

presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante

intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a

utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,

mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o

exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure

retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de

trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,

incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,

difamação ou injúria. (BRASIL, 2006)71

Por envolver todo tipo de conduta que viole a integridade ou a saúde corporal da mulher,

o conceito de violência física é extenso, incluindo a violência que não deixa marca visível,

como o empurrão, por exemplo.

A violência psicológica contra a mulher está presente na maioria dos casos e muitas

vezes não é denunciada. Em muitos casos, a vítima demora a entender que agressões verbais,

manipulações, situações que geram angustia ou estresse são formas de violência e precisam ser

denunciadas.

69 Ibid. 70 BRASIL. Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018, altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria

da Penha), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para reconhecer que a violação

da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de

conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm#art2> Acesso em 23/03/2020. 71 BRASIL. Lei 11.340/06, op. cit.

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29

Admite-se a existência de violência sexual contra a mulher no ambiente doméstico, se

esta for forçada a presenciar, manter ou participar de relação sexual contra sua vontade, mesmo

que seja com o companheiro com quem tenha convivência.

Entende-se por violência patrimonial, qualquer conduta que impossibilite a mulher a ter

acesso, seja por subtração ou destruição, a objetos, bens, documentos pessoais e recursos

econômicos.

A violência moral ocorre nos casos em que a mulher passa por situações que configuram

calúnia, difamação ou injúria.

Assim, de acordo com os artigos 5º e 7º é possível perceber que a Lei 11.340/06 visa

proteger a total integridade da mulher e, nos casos de pornografia de vingança, já foi usada nos

processos de criminalização do agressor. No entanto, no âmbito jurídico e para as vítimas, as

penas aplicadas e as restrições impostas não eram as ideais quando penalizavam os responsáveis

por pornografia de vingança. Entre as restrições, a mais conhecida é a medida protetiva, onde

o agressor é afastado da convivência familiar, sendo proibido de frequentar os mesmos lugares

que a vítima e devendo manter distância, geralmente, determinada na sentença.

Visando maior agilidade na aplicação de medida protetiva, diante da existência de risco

à vida da mulher em situação de violência doméstica ou de seus dependentes, em 13 de maio

de 2019, foi sancionada a Lei 13.82772, que:

Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e o Decreto-Lei

nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para autorizar, nas hipóteses que

especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou

policial, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus

dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco

de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça. (BRASIL, 2019)

A Lei n.º 13.827/201973, além de autorizar a aplicação de medida protetiva de urgência

por parte de autoridade judicial ou policial, estabelece no Art. 38-A, que o registro das medidas

protetivas de urgência deve ser providenciado pelo juiz competente e serão registradas, de

acordo com o parágrafo único, “em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho

Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos

órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade

das medidas protetivas.” (BRASIL, 2019).

72 BRASIL. Lei n.º 13.827, de 13 de maio de 2019. Brasília, DF. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm> Acesso em 30/05/2020 73 Ibid.

Page 30: REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO ...

30

Com a evolução tecnológica, a Lei Maria da Penha também sofreu alterações a fim de

se adequar ao novo tipo de violência que as mulheres sofrem por terem imagens íntimas

divulgadas em dispositivos eletrônicos.

A luta das mulheres e de apoiadores para combater a pornografia de vingança não cessa.

Assim, inspirado no caso da jornalista Rose Leonel, que durante anos sofreu todo tipo de

preconceito por ter tido imagens íntimas divulgadas pelo ex-namorado, coube ao deputado

federal João Arruda defender o Projeto de Lei 5555/13 que: “Altera a Lei nº 11.340, de 7 de

agosto de 2006 - Lei Maria da Penha - criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas

contra a mulher na Internet ou em outros meios de propagação da informação.” (BRASIL,

2013)74

Em 2018, após as tramitações necessárias do projeto, foi sancionada a Lei 13.772/18,

conhecida como Lei Maria da Penha Virtual, que além de alterar a Lei Maria da Penha, também

alterou o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ao criar um novo tipo

penal, a exposição da intimidade sexual.

A Lei 13.772/18 reconhece em seu Art. 1º, “que a violação da intimidade da mulher

configura violência doméstica e familiar e criminaliza o registro não autorizado de conteúdo

com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.” (BRASIL, 2018)75.

Um ponto importante está no Art. 2º da Lei nº 13.772/18, que alterou o inciso II do caput

do art. 7º da Lei 11.340/06, citado anteriormente, ao incluir a conduta “violação de sua

intimidade” como violência psicológica, deixando claro que esta é mais uma forma de violência

doméstica e familiar contra a mulher. A alteração na lei justifica-se por serem as mulheres as

que mais sofrem com esse tipo de situação, já que ao serem expostas, são julgadas com rigidez

e condenadas por situações que não pediram para fazer parte.

Outro ponto importante da lei foram as alterações no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 (Código Penal), que passou a criminalizar o registro não autorizado da

intimidade sexual, que inclui cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso. Ainda, considera crime,

quem realiza montagem incluindo pessoas em cenas íntimas, através de qualquer forma de

registro.

Art. 3º O Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo I-A:

CAPÍTULO I-A

DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL

74 BRASIL. PL 5555/2013. Brasília, DF. Disponível em: <

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=576366> Acesso em 23/03/2020 75 BRASIL. Lei 13.772, de 19 de dezembro de 2018. Brasília, DF. Disponível em:<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm> Acesso em 23/03/2020

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Registro não autorizado da intimidade sexual Art. 216-B . Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo

com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem

autorização dos participantes:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia,

vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez

ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (BRASIL, 2018)76

Segundo Sydow77, “o registro não autorizado bem como a montagem multimídia era,

até dezembro de 2018, condutas sem tipo penal específico para retratar sua gravidade e,

portanto, exigia esforço de adaptação aos tipos penais clássicos (como o constrangimento ilegal

e a injúria)”. (SYDOW, 2019).

As alterações feitas na Lei Maria da Penha e no Código Penal procuram preencher a

lacuna existente no ordenamento jurídico, onde não era possível criminalizar a divulgação de

imagens intimas sem o consentimento das vítimas, além de garantir uma maior proteção e

ampliação dos direitos das mulheres. Essas modificações, para alguns juristas, são necessárias

para que haja um entendimento explícito do crime de pornografia de vingança e não dê margem

a diferentes interpretações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A evolução tecnológica trouxe inúmeros benefícios pela rapidez que textos e imagens

são divulgados e compartilhados. Mas trouxe prejuízos causados pela divulgação de conteúdos

não autorizados que acarretam prejuízos à vida das pessoas.

A partir da confiança estabelecida, principalmente entre casais, surge a prática de enviar

e trocar mensagens com fotos ou vídeos de teor sexual, conhecidos como nudes ou sexting.

Após o término do relacionamento, a divulgação dessas imagens pode ser feita sem a

autorização de um dos envolvidos, caracterizando a revenge porn ou pornografia de vingança.

As vítimas de revenge porn, na maioria dos casos, são mulheres, adolescentes e jovens,

que têm suas fotos ou vídeos divulgados sem seu consentimento por homens que tiveram algum

tipo de vínculo afetivo com a vítima e que, inconformados com o fim do relacionamento,

decidem se vingar, expondo esse material.

76 Ibid. 77 SYDOW, Spencer Toth. Análise preliminar da Lei no. 13.772/18 e o novo delito de Exposição da Intimidade

Sexual Spencer. 31/01/2019. Disponível em: <https://s3.meusitejuridico.com.br/2019/01/016224c6-exposicao-da-

intimidadesexual-v2-finalizada.pdf> Acesso em: 30/05/2020

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Mesmo antes do aparecimento da internet, a divulgação de imagens privadas de

conteúdo erótico ou sexual era feita pela imprensa. Revistas foram processadas por divulgarem

imagens sem o consentimento das vítimas que se sentiam violadas quanto à sua privacidade.

Em 2010, na Nova Zelândia, ocorreu a primeira prisão por pornografia de vingança,

quando um jovem de 20 anos divulgou no facebook, fotos íntimas de sua ex-namorada após o

término do relacionamento do casal. A partir desse fato, muitos outros passaram a ser

divulgados e punidos.

No Brasil, as vítimas de pornografia de vingança tiveram suas vidas transformadas de

forma negativa. Muitas perderam o emprego, sofreram humilhações, tiveram que mudar de

residência e até de aparência para fugirem do assédio a que eram submetidas. Mesmo assim,

algumas dessas vítimas não se calaram e buscaram ajuda no sistema de justiça criminal para

que os culpados fossem punidos. Porém, para algumas vítimas, a exposição de suas imagens

através das mídias sociais foi devastadora, levando-as ao suicídio.

Ser considerada vítima nesse tipo de crime nem sempre é uma tarefa fácil. A divulgação

de imagens com teor sexual e sem consentimento de uma das partes, apesar de ser um crime

que constrange e humilha, deixa evidente que existe uma forte tendência de culpar a vítima,

principalmente se for mulher, por ter feito essas imagens ou por ter se deixado filmar ou

fotografar em momentos íntimos.

A jurisprudência apresentada descreve que o poder judiciário utiliza em suas sentenças,

o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que garante o direito à inviolabilidade da

intimidade, o Código Penal - Decreto-lei 2848/40, com a aplicação do artigo 139º, crime de

injúria e artigo 140º, crime de difamação e o artigo 7º da Lei 11.340/2006, conhecida como

Lei Maria da Penha que tipifica os crimes de violência doméstica e familiar.

Em decorrência do aumento do número de casos divulgados e da dificuldade em se

coibir a propagação desse tipo de material, tornou-se necessária à alteração de algumas leis

para atender melhor às novas demandas. A Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e Adolescente,

foi alterada pela Lei 11829/08, para combater a produção, venda, distribuição e aquisição de

material contendo pornografia infantil.

Novas leis foram criadas para tipificar os crimes relacionados à pornografia de vingança

visando coibir essa prática. A Lei 12.965/14, Marco Civil da Internet, assegura às vitimas, o

direito de solicitar a retirada de material com conteúdo íntimo, de forma direita, aos sites

responsáveis pela divulgação, que após serem notificados, devem tornar indisponíveis o acesso

a esse conteúdo, sob pena de serem responsabilizados por essa disseminação. A Lei

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13.718/2018, que trata de crimes contra a dignidade sexual, entre eles, tipifica os crimes de

importunação sexual e de divulgação de cena de estupro.

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