1 REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO E A CULPABILIZAÇÃO DA MULHER DIANTE À VIOLÊNCIA Guilherme Manoel de Lima Viana 1 RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo entender o crime de pornografia de vingança, detalhar o perfil das vítimas e dos responsáveis pela divulgação de imagens não autorizadas e analisar a legislação que tipifica esse crime. O uso de modernas tecnologias trouxe rapidez e praticidade na comunicação entre as pessoas. Enviar mensagens através de fotos ou vídeos íntimos, conhecidos como nudes ou sexting, tornou-se uma prática comum entre pessoas que têm algum tipo de relacionamento. No entanto, quando essas imagens passam a ser divulgadas sem o consentimento de um dos envolvidos, tem início uma violação do direito à intimidade e a vida privada, conhecida como pornografia de vingança ou revenge porn. Os primeiros casos divulgados no Brasil, por não terem uma legislação própria, eram julgados como difamação e injúria, presentes nos artigos 139 e 140 do Código Penal. Com a divulgação de casos que causaram muito prejuízo às vítimas, inclusive, levando ao suicídio algumas delas, outras leis passaram a ser utilizadas nesse tipo de crime. A Lei Maria da Penha é utilizada em casos que fique caracterizada a existência de violência moral e psicológica contra a mulher e o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando existe a violação dos direitos de vítimas menores de 18 anos. Além disso, por causa do inconformismo de muitas das vítimas diante das sentenças dadas aos autores dos crimes, outras leis foram criadas para tipificar esse tipo de crime. Mesmo assim, ainda existe a culpabilização das vítimas por terem sofrido esse tipo de ação. Palavras-chave: Vingança. Internet. Crime contra honra. Leis. ABSTRACT This research aims to understand the crime of revenge pornography, detail the profile of the victims and those responsible for the disclosure of unauthorized images and analyze the legislation that typifies this crime. The use of modern technologies has brought speed and practicality in communication between people. Sending messages through intimate photos or videos, known as nudes or sexting, has become a common practice among people who have some kind of relationship. However, when these images are released without the consent of one of those involved, a violation of the right to privacy and privacy, known as revenge porn or porn vengeance, begins. The first cases reported in Brazil, for not having their own legislation, were judged as defamation and injury, present in articles 139 and 140 of the Penal Code. With the disclosure of cases that cause a lot of harm to the victims, including leading some of them to suicide, other rights can be used in this type of crime. The Maria da Penha Law is used in cases that characterize the occurrence of moral and psychological violence against a woman and the Child and Adolescent Statute, when there is a violation of the rights of children under 18 years of age. In addition, because of the non-conformity of many of the victims in the face 1 Graduando no curso de Direito, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 8º semestre em 2020. [email protected]
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1
REVENGE PORN: ABORDAGEM NO DIREITO BRASILEIRO E
A CULPABILIZAÇÃO DA MULHER DIANTE À VIOLÊNCIA
Guilherme Manoel de Lima Viana1
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo entender o crime de pornografia de vingança, detalhar
o perfil das vítimas e dos responsáveis pela divulgação de imagens não autorizadas e analisar a
legislação que tipifica esse crime. O uso de modernas tecnologias trouxe rapidez e praticidade
na comunicação entre as pessoas. Enviar mensagens através de fotos ou vídeos íntimos,
conhecidos como nudes ou sexting, tornou-se uma prática comum entre pessoas que têm algum
tipo de relacionamento. No entanto, quando essas imagens passam a ser divulgadas sem o
consentimento de um dos envolvidos, tem início uma violação do direito à intimidade e a vida
privada, conhecida como pornografia de vingança ou revenge porn. Os primeiros casos
divulgados no Brasil, por não terem uma legislação própria, eram julgados como difamação e
injúria, presentes nos artigos 139 e 140 do Código Penal. Com a divulgação de casos que
causaram muito prejuízo às vítimas, inclusive, levando ao suicídio algumas delas, outras leis
passaram a ser utilizadas nesse tipo de crime. A Lei Maria da Penha é utilizada em casos que
fique caracterizada a existência de violência moral e psicológica contra a mulher e o Estatuto
da Criança e do Adolescente, quando existe a violação dos direitos de vítimas menores de 18
anos. Além disso, por causa do inconformismo de muitas das vítimas diante das sentenças dadas
aos autores dos crimes, outras leis foram criadas para tipificar esse tipo de crime. Mesmo assim,
ainda existe a culpabilização das vítimas por terem sofrido esse tipo de ação.
Palavras-chave: Vingança. Internet. Crime contra honra. Leis.
ABSTRACT
This research aims to understand the crime of revenge pornography, detail the profile of the
victims and those responsible for the disclosure of unauthorized images and analyze the
legislation that typifies this crime. The use of modern technologies has brought speed and
practicality in communication between people. Sending messages through intimate photos or
videos, known as nudes or sexting, has become a common practice among people who have
some kind of relationship. However, when these images are released without the consent of one
of those involved, a violation of the right to privacy and privacy, known as revenge porn or
porn vengeance, begins. The first cases reported in Brazil, for not having their own legislation,
were judged as defamation and injury, present in articles 139 and 140 of the Penal Code. With
the disclosure of cases that cause a lot of harm to the victims, including leading some of them
to suicide, other rights can be used in this type of crime. The Maria da Penha Law is used in
cases that characterize the occurrence of moral and psychological violence against a woman
and the Child and Adolescent Statute, when there is a violation of the rights of children under
18 years of age. In addition, because of the non-conformity of many of the victims in the face
1 Graduando no curso de Direito, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 8º semestre em 2020.
of the sentences given to the perpetrators of crimes, other laws were used to typify this type of
crime. Even so, there is still a blame for the victims for suffering this type of action.
Keywords: Revenge. Internet. Crime against honor. Laws.
INTRODUÇÃO
O artigo está baseado na intimidade das relações humanas, muitas vezes fragilizada por
conta de certas ações praticadas pelos envolvidos em um relacionamento. O texto faz uma
análise do crime de revenge porn ou pornografia de vingança, detalha os primeiros casos em
que ocorreu esse tipo de crime e explica os principais pontos da legislação vigente no Brasil.
A justificativa para a escolha do tema está relacionada ao interesse em mostrar que na
atual sociedade, as pessoas estão conectadas o tempo todo e os fatos que acontecem em qualquer
lugar do mundo são transmitidos rapidamente, através de programas televisivos, aplicativos
para computador e celular, entre outros. Essas ferramentas trouxeram ao mundo moderno
muitos benefícios por sua facilidade e rapidez, diminuindo as fronteiras e aproximando as
pessoas. Mas nem sempre são usadas de maneira adequada, pois entre os fatos divulgados,
podem estar aqueles que não têm autorização para virem a público e, com certeza, poderão
causar algum tipo de prejuízo a alguém. Com o estreitamento dos laços afetivos, principalmente
entre casais, muitos passam a compartilhar imagens íntimas, às vezes com conteúdo sexual e,
quando esses relacionamentos chegam ao fim, essas imagens são expostas em redes sociais sem
o consentimento de uma das partes, caracterizando a chamada revenge porn ou pornografia de
vingança. Além de trazer inúmeras consequências às vítimas, a pornografia de vingança atinge,
de forma direta ou indireta, o grupo familiar e social dos quais a vítima faz parte.
A maioria das vítimas desse crime são mulheres, sendo que o autor do fato é, na maioria
dos casos, um ex-companheiro que se sentindo desprezado pelo fim do relacionamento ou
humilhado por uma traição, resolve expor essa vítima.
Ao longo dos anos, as vítimas deixaram de se omitir e, apesar da vergonha e humilhação
a que são expostas, preferem enfrentar a situação e mover ações contra as pessoas que
trouxeram a público essas imagens. Muitas dessas vítimas perderam seus empregos, tiveram
que mudar de residência ou de cidade, alterando até a aparência física, para tentarem diminuir
o assédio que sofriam. Outras não conseguiriam suportar a exposição e acabaram cometendo
suicídio. Tudo isso, levou a elaboração de projetos, que depois de sancionados, tornaram-se leis
para coibir esse tipo de crime.
3
O primeiro capítulo aborda a origem da pornografia de vingança, através do relato de
casos ocorridos em outros países, mesmo antes desse crime ser praticado pela internet. Crimes
digitais, sexting e revenge porn são termos usados no capítulo e que servem para dar a dimensão
do problema que o mau uso dos aplicativos existentes pode causar.
No segundo capítulo são citados os primeiros casos ocorridos no exterior e que levaram
à punição de seus autores e casos que aconteceram no Brasil. Dentre esses casos, encontram-se
aqueles cujas sentenças são usadas como jurisprudência em casos semelhantes.
O terceiro capítulo traz os pontos principais das leis que podem ser utilizadas nos
julgamentos dos crimes de pornografia de vingança. Leis que garantem a inviolabilidade da
intimidade, da privacidade, da honra e da imagem das pessoas, previsto no artigo 5º da
Constituição Federal de 1988 e leis que garantem a segurança das vítimas, como o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei Maria da Penha e Lei Maria da Penha Virtual, Marco Civil da
Internet, entre outras.
1. CRIME DIGITAL
A internet foi criada em 1969, quando o primeiro e-mail foi enviado. Os benefícios
trazidos por esse recurso são incalculáveis, porém, essa tecnologia fez surgir os crimes digitais
que prejudicam as pessoas de várias formas.
Crespo2 explica que os crimes digitais estão relacionados ao “acesso não autorizado a
sistemas informáticos, ações destrutivas nesses sistemas, a interceptação de comunicações, [...],
incitação ao ódio e descriminação, escárnio religioso, difusão de pornografia infantil,
terrorismo, entre outros.” (CRESPO, 2011, p.30).
Em muitos casos, a exposição constante de particularidades nas redes sociais, acontece
porque indivíduos querem compartilhar coisas que lhe trouxeram algum tipo de satisfação e,
normalmente, não imaginam que essas publicações podem ser um caminho para a violação de
direitos, sobretudo, aqueles que se referem à intimidade e a vida privada.
Na opinião do pensador norte-americano de Henri Jehkins3, “entretenimento não é a
única coisa que flui pelas múltiplas plataformas de mídia. Nossa vida, nossos relacionamentos,
memórias, fantasias e desejos também fluem pelos canais de mídia”. (JEHKINS, 2009, p.44).
Com a evolução da tecnologia, qualquer pessoa produz e compartilha textos, imagens e
vídeos que são disseminados rapidamente e, mesmo quando esses conteúdos são considerados
impróprios, dificilmente podem ser reparados.
2 CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Crimes digitais. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 3 JEHKINS, Henri. Cultura da Convergência. Aleph. 2 ed. São Paulo, 2009.
4
Diante disso, Jehkins4 mostra que existe uma grande facilidade em unir texto, imagem
e vídeo em um mesmo ambiente, conceituando essa prática como cultura de convergência. “[...]
a convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são
incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos de mídia
dispersos.” (JEHKINS, 2009, p.30).
Dependendo do conteúdo publicado na internet, a quantidade de visualizações e
compartilhamentos alcança um número significativo, principalmente, se esse conteúdo tiver
teor sexual ou fotos de jovens nuas.
1.1 SEXTING E REVENG PORN
O progresso digital trouxe uma prática comum nos dias atuais, a de enviar e trocar
mensagens com fotos ou vídeos de teor sexual, conhecidos como nudes ou sexting, junção de
sex [sexo] e texting [envio de mensagens].
Na explicação de Garcia5 (2017), sexting tornou-se uma prática comum entre indivíduos
que têm acesso a mídias digitais, como forma de “apimentar” o relacionamento ou, como uma
forma de expressar intimidade e sexualidade entre pessoas que já se relacionam ou pretendem
se relacionar,
Não existem dados precisos sobre quando o termo sexting foi inicialmente usado.
Crespo (2015)6 explica que em 2004, dois jornais canadenses, The Globe e Mail, usaram a
expressão sext-messaging, ao relatarem em suas matérias, o envolvimento do jogador de futebol
David Beckhan, que enviou mensagens sexualmente explícitas à sua assistente, Rebecca Loos.
O principal problema dessa prática é o fato de que o remetente não ter controle sobre a
divulgação do material e, segundo Crespo7 (2015) “além de tudo, se dissemina muito
rapidamente na Internet, podendo chegar à inóspita Deep Web, de onde dificilmente serão
removidos, perpetuando o ato e se tornando um verdadeiro tormento para muitos.”
4 Ibid. p. 30 5 GARCIA, Andressa. A importância da conscientização digital: Sexting, nude e vingança pornô podem matar!
Jusbrasil, publicada em 27/10/2017. Disponível em:
nude-e-vinganca-porno-podem-matar> Acesso em 16/10/2019 6 CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. Sexting e Revenge Porn: por que precisamos falar sobre isso?. Canal
Ciências Criminais, publicada em 15/07/2015. Disponível em: <https://canalcienciascriminais.com.br/sexting-e-
revenge-porn-por-que-precisamos-falar-sobre-isso/amp/> Acesso em 18/10/2019. 7 Ibid., publicada em 15/07/2015.
É neste ambiente e, geralmente após o término de um relacionamento, que cada vez
mais é praticado a revenge porn, ou pornografia da vingança, quando um dos envolvidos não
aceita a nova situação e divulga as imagens íntimas por vingança.
Sydon e Castro8 usam a expressão vingança pornográfica “para descrever a
distribuição/publicação não consensual de imagens de nus em fotografia e/ou vídeos
sexualmente explícito; também, a publicação de áudios de conteúdo erótico pode se encaixar
em tal terminologia.” (SYDON; CASTRO, 2019, p.39)
Na visão de Vitória Buzzi9, estudiosa sobre o tema, essa é uma vingança que acarreta
graves consequências:
O “termo pornografia de vingança”, tradução da expressão em inglês “revenge porn”,
nomeia o ato de disseminar, sobre tudo na internet, fotos e\ou vídeos privados de uma
pessoa, sem a sua autorização, contendo cenas de nudez ou sexo com objetivo de
expô-la através da rápida viralização do conteúdo, e assim causar estragos sociais e
emocionais na vida da vítima. (BUZZI, 2015, p. 29)
Na maioria dos casos de revenge porn, as vítimas são mulheres, adolescentes e jovens,
que têm suas fotos ou vídeos divulgados sem sua autorização. Esse é o perfil das vítimas desde
que os primeiros casos começaram a ser divulgados.
Um levantamento realizado pela ONG Safernet Brasil que monitora violações de
direitos humanos na internet, mostrou que o número de denúncias de vítimas atendidas dobrou
ente 2012 e 2013. E, segundo Faria, Araújo e Jorge10, “as denúncias são mais frequentes entre
jovens de 13 a 15 anos de idade (35,71%) e de 18 a 25 (32,14%). Porém o dado mais relevante
para o presente estudo é o recorte de gênero identificado: as mulheres são a maioria das vítimas,
correspondendo a 77,14% dos casos.” (ARAÚJO, FARIA, JORGE, 2015, p.667).
Outros dados mostram que esse tipo de crime tem aumentado e que as mulheres
continuam sendo as maiores vítimas. Melo Júnior11 relata que “que 90% das vítimas da
pornografia de vingança são mulheres, sendo que 93% afirmaram já ter sofrido problemas
emocionais por terem sido vitimadas.” (MELO JÚNIOR, 2016).
8 SYDON, Spencer Toth; CASTRO, Ana Lara Camargo. Exposição Pornográfica não consentida na internet: da pornografia de vingança ao lucro. 2 ed. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019. 9 BUZZI, Vitória de Macedo. Pornografia da Vingança: Contexto histórico-social e abordagem no direito
brasileiro. Florianópolis. Empório do Direito, 2015. 10 ARAÚJO, Júlia Silveira de; FARIA, Fernanda Cupolillo Miana de; JORGE, Marianna Ferreira. Caiu na rede é
porn: pornografia de vingança, violência de gênero e exposição da “intimidade”. Revista de Comunicação e
Cultura, v. 13, n. 03, p. 659-677, (set-dez 2015). 11 MELO JÚNIOR, Marcos Francisco Machado. Pornografia de Vingança e Sua Relação Com a Lei Maria da
Muitos outros casos ocorreram e continuam ocorrendo, confirmando que as vítimas são
na sua maioria mulheres jovens e que de alguma forma são julgadas e consideradas culpadas
por terem se deixado fotografar ou filmar em momentos de intimidade.
2.2 CULPABILIZAÇÃO DA VITIMA
A divulgação das imagens como forma de constranger e humilhar as mulheres e a
maneira como os casos são divulgados deixa evidente que existe uma forte tendência à
culpabilização da vítima, herança de uma sociedade sexista e patriarcal.
No entendimento de Buzzi39, ainda é possível “salientar que a culpabilização das vítimas
da pornografia de vingança é um reflexo bastante óbvio da mesma cultura de dominação
masculina, em que o valor da mulher reside na sua capacidade de resistir aos avanços
masculinos.” (BUZZI, 2015, p.44).
Todos os dias, mulheres sofrem humilhações, ameaças, censuras e diversos tipos de
chantagem, como consequência dessa cultura patriarcal em que a mulher, em pleno século XXI,
ainda tem que ser submissa à vontade de alguns homens. Mesmo depois de décadas, os
ensinamentos de Beauvoir40 ainda podem ser usados para explicar o comportamento sexista:
A civilização patriarcal votou a mulher à castidade; reconhece-se mais ou menos
abertamente ao homem o direito a satisfazer seus desejos sexuais ao passo que a
mulher é confinada ao casamento: para ela, o ato carnal, em não sendo santificado
pelo código, pelo sacramento, é a falta, queda, derrota, fraqueza; ela tem o dever de
defender sua virtude, sua honra; se “cede”, se “cai”, suscita o desprezo; ao passo que
até na censura que se inflige ao seu vencedor há admiração. (BEAUVOIR, 1970,
p.112).
Na divulgação dos casos de estupro pela mídia, muitas vezes o que se vê é a vítima
sendo considerada culpada pela violência que sofreu. “A vítima estava andando sozinha,
voltava de uma festa muito tarde, havia tido problemas anteriores com o agressor [...]. Todos
esses fatores levam o leitor a pensar que o crime aconteceu porque a vítima agiu de forma errada
e, de certa maneira, a culpa foi dela.” (PIMENTA, 2014)41.
Da mesma forma, os casos de pornografia de vingança ao serem divulgados, revelam
que para muitos, a mulher é responsável pelas criticas que sofre e merece passar por humilhação
39 BUZZI. op. cit., p. 44. 40 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo – Fatos e mitos. São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1970. 41 PIMENTA, Juliana. O estupro no discurso da mídia. Observatório da Imprensa, 2014. Disponível em:
e sofrimento em decorrência das imagens publicadas, mesmo que tenham sido obtidas sem o
seu consentimento.
Os crimes divulgados pela internet ocorrem de várias maneiras e de acordo com Buzzi42,
“no Brasil, a divulgação de fotos, vídeos e outros materiais com teor sexual sem o
consentimento dos envolvidos pode ser interpretada pela Justiça como crime, além de passível
de indenização moral e material na esfera cível.” (BUZZI, 2015, p. 71). Diversos casos já foram
julgados e as jurisprudências existentes podem servir como orientação para casos semelhantes.
Quando do julgamento da apelação do réu Eduardo Gonçalves da Silva, ex-namorado
da jornalista Rose Leonel, que teve imagens íntimas divulgadas sem o seu consentimento pelo
apelante, a decisão apresentada pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná: -,
Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Paraná, Relator: Lilian Romero, Julgado em
07/07/2011, trouxe a seguinte ementa:
PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 139 E
140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS ÍNTIMAS
DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE PARA
ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE
COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL
FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS, BEM COMO A CRIAÇÃO E
ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM O NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE
VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA
VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO
CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO.
[…]
3. Comete os crimes de difamação e de injúria qualificadas pelo emprego de meio
que facilita a sua propagação - arts. 139 e 140 c.c. 141, II do CP - o agente que posta na Internet imagens eróticas e não autorizadas de ex-namorada, bem como textos
RECURSOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. I. O art. 5º, X, da Constituição
da República consagra como direito fundamental da pessoa a inviolabilidade da
intimidade e da vida privada do indivíduo. [...] De fato, nada pode ser mais íntimo
e privado e, portanto, indevassável, do que a conduta sexual da pessoa. Assim,
mesmo a pretexto das melhores intenções morais e éticas, não era lícito à parte ré
enviar para a mãe da autora fotografia íntima de sua ex-consorte. II. A conduta do
réu/recorrente caracteriza o que se conhece como ?pornografia de vingança? ou
?revenge porn? e configura violência de gênero, pois se trata de constrangimento
voltado ao controle do comportamento da mulher, causadora de dano emocional e
diminuição da autoestima da vítima, motivada pela interrupção de relacionamento afetivo (Lei 11.340/2006, art. 7.º, II). Agiu o réu/recorrente no intuito de vingar o
sentimento não correspondido por meio do aviltamento da autoimagem da ex-
namorada e da imagem desta no seio de sua família, restando configurado o dano
moral. [...] III. A compensação por danos morais possui três finalidades, quais
sejam, a prestação pecuniária serve como meio de compensar a lesão a aspecto de
direito de personalidade, punição para o agente causador do dano e prevenção futura
quanto a fatos semelhantes. Atento a tais diretrizes, o valor do dano moral arbitrado
não pode ser ínfimo, diante do alto grau de reprovabilidade da conduta praticada
pelo requerido e do dano ocasionado. No caso, a conduta do requerido mostra-se de
elevada reprovabilidade, tendo em conta que o Estado brasileiro se fundamenta na
dignidade da pessoa humana e tem por objetivo promover uma sociedade sem preconceitos (CF, art. 1.º, III e 3.º, IV), tendo aderido à Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém
do Pará ? Decreto 1.973/96), documento que consagra a liberdade da mulher em
todos os aspectos, inclusive o de ser valorizada e educada livre de padrões
estereotipados de comportamento e no qual se inserem os preceitos da Lei
11.340/2006, acima referidos. Contudo, a pessoa que se expõe na rede mundial de
computadores postando fotografias íntimas, de seus relacionamentos e etc., acaba
por dar motivos a eventuais divulgações. É que não existem páginas totalmente
privadas nas redes sociais, porque quem tem conta possui contas também tem
?amigos? e por aí vai a divulgação de dados. A pessoa que não quer ser alvo de
comentário ou divulgação que seja discreta. IV - Não há autos prova de eventual capacidade financeira do réu para pagar o valor arbitrado na sentença, além do que,
a autora, na inicial, sequer apresentou a qualificação do réu. Alegou que seus dados
eram desconhecidos quando não eram. V. Recursos conhecidos e não providos. TJ-
DF 07282603620178070016 - Segredo de Justiça (BRASIL, 2018)45
Fica claro na apelação, o reconhecimento do direito fundamental da pessoa a
inviolabilidade da intimidade e da vida privada do indivíduo previsto no art. 5º, X, da
Constituição Federal de 1988. Ainda se caracteriza a ação do réu/recorrente como pornografia
de vingança e violência de gênero, já que o mesmo mostrou ter o intuito de causar dano
emocional e diminuição da autoestima da vítima, por causa do término de relacionamento
afetivo entre ambos, sendo que a última ação está prevista na Lei 11.340/2006, art. 7.º, II,
conhecida como Lei Maria da Penha.
45BRASIL. Tribunal de Justiça – Distrito Federal, APL: 0728260-36.2017.8.07.0016, 2ª Turma Recursal dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Relator: Almir Andrade de Freitas, Julgado em 25/04/2018.
meios ou serviços para o armazenamento ou acesso por rede de computadores às fotografias,
cenas ou imagens que indiquem pornografia infantil. A pena para esses crimes é de 3 a 6 anos
de reclusão e multa. (BRASIL, 2008)51
O artigo 241-B responsabiliza quem adquirir, possuir ou armazenar imagens, por
qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito
ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. A pena para quem mantem a posse desse
tipo material é de 1 a 4 anos de reclusão e multa. (BRASIL, 2008)52
No artigo 241-C, a punição com pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa aplica-se às
pessoas que simularem a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou
pornográfica feita através de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou
qualquer outra forma de representação visual. A mesma penalidade é aplicada para quem vende,
expõe à venda, disponibiliza, distribui, publica ou divulga por qualquer meio, adquire, possui
ou armazena o material produzido por adulteração. (BRASIL, 2008)53
A última infração, relacionada à pedofilia, prevista no artigo 241-D tem em vista punir
quem aliciar, assediar, instigar ou constranger crianças, através de qualquer meio de
comunicação, visando com ela praticar ato com caráter sexual. Ainda é passível de punição
quem induz ou facilita o acesso da criança a material pornográfico com o fim de com ela praticar
ato libidinoso ou induzi-la a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita. Esses
crimes são punidos com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. (BRASIL, 2008)54
No Art. 241-E fica esclarecido que “a expressão cena de sexo explícito ou
pornográfica compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em
atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas [...]”. (BRASIL, 2008)55.
A inclusão dos artigos 241-A a 241-E na Lei 11.829/08 aprimoraram o combate à
pornografia infantil presente na internet com a tipificação de novas condutas.
As mudanças ocorridas na Lei 8.069/90 visam diminuir a divulgação de imagens não
consentidas que possam prejudicar crianças e adolescentes e acarretar danos físicos e
psicológicos. Procuram ainda, conciliar a proteção integral e o direito à privacidade, fatores
essenciais ao desenvolvimento de crianças e adolescentes.
3.2 LEI CAROLINA DIECKMANN – LEI 12.737/12
51 Ibid. 52 Ibid. 53 Ibid. 54 Ibid. 55 Ibid.
23
O surgimento de novos casos, onde mulheres tiveram imagens divulgadas,
principalmente pela internet, fez com que a preocupação em adequar as leis ao mundo digital
aumentasse. Após a divulgação do roubo de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, foi
sancionada a Lei 12.737/12, que ficou conhecida pelo nome da atriz. A lei visa tipificar crimes
de roubo de informações contidas em dispositivos eletrônicos, praticados principalmente por
hackers que usam o conteúdo obtido para obter vantagens ilícitas, na maioria dos casos, de
ordem financeira.
O Projeto de Lei 2.793/11, apresentado por deputados ganhou impulso para a sua
aprovação, depois que a atriz Carolina Dieckmann, em 2012, teve fotos íntimas hackeadas e
publicadas na internet. Após aprovado e sancionado, o projeto passou a ser conhecido
simbolicamente como Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/12).
A Lei 12.737/1256, em seu artigo 1º: “Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos
informáticos; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; [...]”
(BRASIL, 2012), sendo acrescida dos artigos 154-A e 154-B:
Invasão de dispositivo informático
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de
computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim
de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
[...]
Ação penal
Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante
representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou
indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios
ou contra empresas concessionárias de serviços públicos. (BRASIL, 2012)57
Destaca-se que o tipo penal presente no artigo 154-A quando faz referência a “invadir
dispositivo informático alheio [...]” (BRASIL, 2012)58 mostra que, apesar do verbo invadir dar
a ideia de uso de força, nesse caso não existe a presença de violência, mas o crime existe e pode
ser entendido como a ação de entrar sem autorização e se apropriar de informações sigilosas
armazenadas em dispositivos informáticos.
A atriz Carolina Dieckmann foi chantageada antes de suas fotos serem publicadas. Os
criminosos pediam R$ 10 mil para não publicarem as imagens. Primeiramente, 36 fotos da atriz
56BRASIL, Lei 12.737/12, de 30 de novembro de 2012. Brasília, DF. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm> Acesso em 12/03/2020
foram postadas em sites pornográficos e chegaram a ser publicadas em sites de órgãos públicos
de São Paulo, CETESB (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) e Prefeitura de
Carapicuíba. A atriz não cedeu à chantagem e denunciou o crime às autoridades policiais.
O grupo que hackeou o computador da atriz foi preso e julgado, mas a “Lei Carolina
Dieckmann” não pode ser usada, já que o caso ocorreu antes da Lei 12.737/12 entrar em vigor
em novembro de 2012.
Esse tipo de crime, onde ocorre à exposição de imagens, geralmente íntimas, acontece
porque a vítima não cede à chantagem dos criminosos.
3.3 MARCO CIVIL DA INTERNET – LEI 12.965/14
Antes de ser sancionada, a Lei 12.965/14, também conhecida como Marco Civil da
Internet, percorreu um longo caminho. Em 2009, o projeto de lei 2.126/11 que deu origem a
referida lei começou a ser analisado e foi amplamente discutido em debates públicos realizados
pela internet. Após muitas contribuições, entre comentários, e-mails e audiências públicas, o
projeto foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff em 2014.
A lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil
e segundo Buzzi59, “representou um passo importante para a investigação dos envolvidos nos
casos de pornografia de vingança, tratando ainda da responsabilidade civil dos sites hospedeiros
e dos mecanismos de busca.” (BUZZI, 2015, p. 79).
A lei assegura a liberdade de expressão na internet, conforme o artigo 5º, inciso IX da
Constituição Federal de 1988. Mas, também é assegurada às vítimas de pornografia de
vingança, a retirada de material divulgado sem consentimento.
Na maioria dos casos, a solicitação para a retirada de material divulgado pela internet é
feita através de ordem judicial. Mas, em se tratando de material com conteúdo íntimo, a retirada
deve ocorrer se a vítima ou representante legal solicitar, de forma direta, aos sites responsáveis
pela divulgação, conforme disposto no artigo 21, caput e parágrafo único da Lei 12.965/14:
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por
terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade
decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de
vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter
privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites
técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
59 BUZZI, op. cit., p. 79
25
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade,
elementos que permitam a identificação específica do material apontado como
violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para
apresentação do pedido. (BRASIL, 2014)60
O disposto no artigo supracitado, já era utilizado em outros países, para dar celeridade
no que concerne a parar a publicação do conteúdo não autorizado, impossibilitando que seja
amplamente divulgado e compartilhado.
Fazer esse pedido é uma forma que pode ajudar a parar com as publicações e
compartilhamentos. Mas, com a velocidade de informações e a possibilidade de que o usuário
tem de armazenar imagens em seus dispositivos, não é possível ter um controle se o conteúdo
não autorizado será novamente postado.
3.4 CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL - LEI 13.718/2018
No dia 24 de setembro de 2018, foi sancionada a Lei 13.718/2018, que versa sobre os
crimes contra a dignidade sexual, entre eles, tipifica os crimes de importunação sexual e de
divulgação de cena de estupro.
Art. 1º Esta Lei tipifica os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de
estupro, torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a
liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelece causas de aumento
de pena para esses crimes e define como causas de aumento de pena o estupro coletivo
e o estupro corretivo. (BRASIL, 2018)61
O projeto de lei 618/2015 foi aprovado pelo Senado Federal, em 2016, após a
divulgação de um vídeo de estupro coletivo, na qual uma adolescente de 16 anos foi dopada e
estuprada por alguns homens em uma comunidade da Zona Oeste, na cidade do Rio de Janeiro.
O estupro ocorreu entre os dias 21 e 22 de maio de 2016. O vídeo amplamente divulgado pelas
redes sociais mostra a jovem nua e desacordada com homens ao seu redor.
Em 2017, outro caso ocorrido em um ônibus na cidade de São Paulo, também divulgado
pela imprensa, foi de um rapaz que ao se masturbar, ejaculou em uma mulher sentada próxima
a ele. Apesar de o suspeito ter sido preso em flagrante e acusado de crime de estupro foi posto
em liberdade pelo Judiciário. E, de acordo com Araújo62, o acusado foi solto “sob a justificativa
60 BRASIL. Lei 12.965, de 23 de abril de 2014. Brasília, DF. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm> Acesso 15/03/2020. 61 BRASIL, Lei 13.718/2018, de 24 de setembro de 2018. Brasília, DF. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm> Acesso em 20/03/2020 62 ARAÚJO, Tiago Lustosa Luna de. Importunação sexual deixou de ser contravenção e virou crime. Análise do
delito criado pela Lei 13.718/2018, setembro de 2018. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/69232/importunacao-sexual-deixou-de-ser-contravencao-e-virou-crime> Acesso em
Ainda no que diz respeito a essa prática, o artigo 6º, identifica outro tipo de infração:
“A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos
direitos humanos.” (BRASIL, 2006)69.
Os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher são enumerados e
exemplificados no artigo 7º Lei 11.340/06:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou
saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)70
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a
utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o
exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure
retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de
trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos,
incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,
difamação ou injúria. (BRASIL, 2006)71
Por envolver todo tipo de conduta que viole a integridade ou a saúde corporal da mulher,
o conceito de violência física é extenso, incluindo a violência que não deixa marca visível,
como o empurrão, por exemplo.
A violência psicológica contra a mulher está presente na maioria dos casos e muitas
vezes não é denunciada. Em muitos casos, a vítima demora a entender que agressões verbais,
manipulações, situações que geram angustia ou estresse são formas de violência e precisam ser
denunciadas.
69 Ibid. 70 BRASIL. Lei nº 13.772, de 19 de dezembro de 2018, altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria
da Penha), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para reconhecer que a violação
da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de
conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm#art2> Acesso em 23/03/2020. 71 BRASIL. Lei 11.340/06, op. cit.
Com a evolução tecnológica, a Lei Maria da Penha também sofreu alterações a fim de
se adequar ao novo tipo de violência que as mulheres sofrem por terem imagens íntimas
divulgadas em dispositivos eletrônicos.
A luta das mulheres e de apoiadores para combater a pornografia de vingança não cessa.
Assim, inspirado no caso da jornalista Rose Leonel, que durante anos sofreu todo tipo de
preconceito por ter tido imagens íntimas divulgadas pelo ex-namorado, coube ao deputado
federal João Arruda defender o Projeto de Lei 5555/13 que: “Altera a Lei nº 11.340, de 7 de
agosto de 2006 - Lei Maria da Penha - criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas
contra a mulher na Internet ou em outros meios de propagação da informação.” (BRASIL,
2013)74
Em 2018, após as tramitações necessárias do projeto, foi sancionada a Lei 13.772/18,
conhecida como Lei Maria da Penha Virtual, que além de alterar a Lei Maria da Penha, também
alterou o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ao criar um novo tipo
penal, a exposição da intimidade sexual.
A Lei 13.772/18 reconhece em seu Art. 1º, “que a violação da intimidade da mulher
configura violência doméstica e familiar e criminaliza o registro não autorizado de conteúdo
com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.” (BRASIL, 2018)75.
Um ponto importante está no Art. 2º da Lei nº 13.772/18, que alterou o inciso II do caput
do art. 7º da Lei 11.340/06, citado anteriormente, ao incluir a conduta “violação de sua
intimidade” como violência psicológica, deixando claro que esta é mais uma forma de violência
doméstica e familiar contra a mulher. A alteração na lei justifica-se por serem as mulheres as
que mais sofrem com esse tipo de situação, já que ao serem expostas, são julgadas com rigidez
e condenadas por situações que não pediram para fazer parte.
Outro ponto importante da lei foram as alterações no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), que passou a criminalizar o registro não autorizado da
intimidade sexual, que inclui cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso. Ainda, considera crime,
quem realiza montagem incluindo pessoas em cenas íntimas, através de qualquer forma de
registro.
Art. 3º O Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo I-A:
CAPÍTULO I-A
DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL
74 BRASIL. PL 5555/2013. Brasília, DF. Disponível em: <
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=576366> Acesso em 23/03/2020 75 BRASIL. Lei 13.772, de 19 de dezembro de 2018. Brasília, DF. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13772.htm> Acesso em 23/03/2020