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9 Sandra Sueli Garcia de Sousa Rádios ilegais: da legitimidade à democratização das práticas Dissertação apresentada ao Centro de Pós-Graduação da UMES, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do grau de Mestre em Comunicação Social, sob a orientação do Prof. Dr. J. S. Faro. Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (UMES) São Bernardo do Campo, SP, Brasil, agosto, 1997
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Rádios ilegais: da legitimidade à democratização das práticas · em que as rádios estão inseridas; a segunda parte aprofunda a discussão sobre as ... A comunicação alternativa

Jan 08, 2019

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Page 1: Rádios ilegais: da legitimidade à democratização das práticas · em que as rádios estão inseridas; a segunda parte aprofunda a discussão sobre as ... A comunicação alternativa

9

Sandra Sueli Garcia de Sousa

Rádios ilegais: da legitimidade à democratização das

práticas

Dissertação apresentada ao Centro de Pós-Graduação da UMES, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do grau de Mestre em Comunicação Social,

sob a orientação do Prof. Dr. J. S. Faro.

Universidade Metodista de São Bernardo do Campo (UMES) São Bernardo do Campo, SP, Brasil, agosto, 1997

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Resumo

O fenômeno das rádios ilegais existe em todo o mundo desde que surgiu a

radiodifusão. No Brasil, as emissoras sem autorização oficial surgiram em maior

número a partir da década de 80. Num primeiro momento, foram chamadas de

“rádios piratas”, um hobby de adolescentes estudantes de eletrônica; depois

foram as “rádios livres”, uma forma política de descentralizar a propriedade dos

meios de comunicação e, atualmente, são conhecidas como “rádios

comunitárias”, emissoras dirigidas ao cotidiano dos bairros em que se localizam

e que também lutam por uma maior democracia nos meios de comunicação.

Esta dissertação trata desse fenômeno em duas partes: a primeira traça um

perfil histórico das emissoras ilegais, identifica a experiência como uma das

formas de se realizar a comunicação alternativa e situa a conjuntura política

em que as rádios estão inseridas; a segunda parte aprofunda a discussão sobre as

rádios comunitárias, tomando como exemplo a Rádio Cidadã, uma rádio

comunitária localizada na zona Oeste da cidade de São Paulo, que procura ser o

veículo de expressão de sua comunidade.

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Abstract

The phenomenon of illegal radios has existed throughout the world since

radiodiffusion began. In Brazil, the broadcasting station without official

authorization appeared in great number by the earlier 80’s. First, these

broadcasting stations were called “pirate radios”, a hobby of adolescents who

were studying eletronic. After that, they were called “free radios”, a political

way to descentralize the means of communication’s domain. Nowadays, these

radios are known as “local radios” which are broadcasts that deal with the daily

activities of the district where they are. Besides that, they also want more

democracy in the means of the communication.

This dissertation, which is about this phenomenon, is divided in two parts:

the first one makes a historic perfil of the illegal radios, identifies the experience

as one way to consummate alternative communication and situates the

political conjuncture in which the radios are inserted; the second one deepens

the discussion about the local radios, taking as example Cidadã Radio which is a

local radio situated in the west of São Paulo and that wants be the expression

vehicle of its community.

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Para meu querido

companheiro,

Eliézer Barreto,

e para meus pais,

Wilson Francisco de

Souza e

Rocimar Garcia de Souza.

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Agradecimentos

Agradeço à Universidade Federal do Pará (UFPA) por ter acreditado em

mim concedendo-me a bolsa do Programa Institucional de Capacitação de

Docentes e Técnica (PICDT), sem a qual não teria sido possível a realização

desta dissertação. Agradeço à firme orientação prestada pelo Prof. Dr. J. S. Faro,

que contribuiu valiosamente para a consecução desta. Agradeço em especial às

orientações iniciais dos Profs. Drs. Joana Puntel e Luiz Roberto Alves pelas

imprescindíveis sugestões. Agradeço a José Carlos Francisco de Paula, pelo

acesso a uma parte do material bibliográfico utilizado. Agradeço a todos da

Rádio Cidadã pelo pronto atendimento durante a pesquisa de campo, em

especial a Luci Martins, Grácia e Donizete. Por fim, agradeço ao meu

companheiro, a minha família e aos meus amigos pelo apoio sempre necessário.

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Sumário

Introdução Parte I Capítulo 1 Os caminhos do rádio 1.1. A invenção do rádio e seu rápido crescimento 1.2. A chegada do rádio no Brasil 1.3. Nos barcos e nos porões: a pirataria está no ar 1.4. Rádios clandestinas e sindicais: lutas políticas 1.5. O movimento de contestação das rádios livres Capítulo 2 As rádios ilegais no Brasil 2.1. As primeiras ondas livres no Brasil 2.2. Rádios religiosas: a “salvação” vem pelo ar 2.3. Rádios comunitárias: um novo canal de expressão Capítulo 3 A comunicação alternativa e a comunicação popular 3.1. A comunicação alternativa 3.2. A comunicação popular 3.3. Localizando as práticas Capítulo 4 A democratização da comunicação

4.1. Anos 80: os movimentos sociais e as novas tecnologias 4.2. O movimento pela democratização da comunicação 4.3. As rádios livres: conotações políticas 4.4. Anos 90: o início da luta pela regulamentação das rádios comunitárias 4.5. Exploração do serviço de radiodifusão 4.6. As principais leis que orientam o serviço de radiodifusão

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Parte II Capítulo 5 A história de uma rádio comunitária: a Rádio Cidadã 5.1. Antecedentes 5.2. Principais características do Butantã e região 5.3. A Rádio Cidadã Capítulo 6 Os programas da Rádio Cidadã 6.1. A grade de programação da emissora 6.2. Primeira grade: programas de domingo 6.3. Segunda grade: programas de segunda à sexta-feira 6.4. Terceira grade: programas de sábado Capítulo 7 A voz da Rádio Cidadã 7.1. Os programas analisados 7.2. Na boca do povo 7.3. Encontro com as comunidades 7.4. Cala a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer) Capítulo 8 Pistas sobre o público da Rádio Cidadã 8.1. Considerações preliminares 8.2. O perfil do ouvinte jovem 8.3. O perfil do ouvinte adulto 8.4. O não-ouvinte da Rádio Cidadã

Conclusão

Bibliografia

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“deixar que os fatos sejam fatos naturalmente,

sem que sejam forjados para acontecer

deixar que os olhos vejam pequenos detalhes lentamente

deixar que as coisas que lhe circundam

estejam sempre inertes

como móveis inofensivos

pra lhe servir quando for preciso

e nunca lhe causar danos morais, físicos ou psicológicos."

(Chico Science & Nação Zumbi)

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Introdução

O ano de 1989 marcou, no Brasil, a volta das eleições diretas para a

presidência da República. Falava-se em democracia, e novos instrumentos de

comunicação surgiam para testá-la, entre os quais estavam as rádios livres. Foi

naquele ano que tivemos nosso primeiro contato com essa experiência, o qual se

deu por meio da leitura da obra Rádios Livres, a reforma agrária no ar, de

Arlindo Machado, Caio Magri e Marcelo Masagão.

A partir daí pudemos vivenciar o rádio na prática, criando alguns

programas na rádio livre do Centro Acadêmico de Comunicação Social da

Universidade Federal do Pará, onde cursávamos o segundo ano de Jornalismo.

Em 1991, participamos do III Encontro Nacional de Rádios Livres, em Macaé

(RJ), e ampliamos um pouco mais o nosso conhecimento sobre o assunto. Na

época, víamos a rádio livre como um laboratório onde era possível uma fala

diferente no ar. Ainda não enxergávamos outras possibilidades no veículo, o que

só ocorreria nos anos seguintes.

Em 1992, pairou sobre Belém (PA) um estranho Sinal de fumaça1, vindo

da desconhecida cidade de Poá, na Grande São Paulo, que divulgava uma série

1 Sinal de fumaça foi um fanzine produzido para divulgar as rádios livres; fanzine é a contração das palavras fanatic e magazine, designando uma publicação alternativa, amadora e produzida artesanalmente.

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de experiências libertárias no éter. Atração à primeira lida. Fins de 1993:

mudamo-nos para Poá, onde se deu início esta dissertação, que pesquisa o

fenômeno das rádios ilegais2.

O assunto das rádios piratas, rádios livres ou rádios comunitárias é tema

na imprensa desde meados de 1985, mas recentemente voltou à pauta como

hipótese para explicar a queda de dois aviões: o que trazia a bordo o grupo

musical Mamonas Assassinas, em março de 1996, e o Fokker 100 da TAM, que

matou 99 pessoas em São Paulo no final de outubro do mesmo ano. Ambos os

acidentes teriam sido provocados pela interferência de uma rádio pirata nas

linhas aéreas.

Considerando essas hipóteses como verdadeiras, em novembro daquele

ano, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) lança a

campanha “Rádios Piratas: só as autoridades não interferem”, veiculada

pelas rádios oficiais, mas que também conseguiu espaço na televisão em forma

de matérias nos telejornais (só a Rede Globo ocupou-se de pelo menos três

matérias, divididas entre o São Paulo Já e o Jornal Nacional), cuja tônica foi a

interferência – e conseqüente perigo – das rádios ditas “piratas” na comunicação

entre a torre de controle dos aeroportos e a tripulação dos aviões.

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Mas que emissoras são essas? Ouve-se falar de rádios piratas, rádios

clandestinas, rádios livres e rádios comunitárias. Qual é a diferença entre elas?

Ou não há diferenças? Para a Abert, seguramente são todas iguais: todas essas

rádios são piratas, ilegais, porque não possuem concessão oficial para operar, e

portanto precisam ser combatidas, já que representam até mesmo um perigo de

vida à população3.

À parte a opinião oficial, propomos conhecer melhor o mundo dessas

rádios, com mais informações que possam enriquecer a discussão.

Rádios piratas, rádios livres e rádios comunitárias

2 Devido aos diversos nomes dados às rádios sem concessão, optamos por chamá-las de ilegais, pois, apesar das diferenças de conteúdo, a característica comum dessas emissoras é funcionar sem concessão governamental, portanto, são formalmente ilegais.

3 Interessante observar que, durante o movimento de rádios livres na Itália, na metade da década de 70, uma empresa de aviação, a Alitalia, também levantou uma polêmica desse tipo. Marco Gaido diz, a respeito, em “Los orígenes: la FM, los disk-jockeys y las radios piratas”, In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981. p. 175: “Alitalia introduziu uma ridícula polêmica em função das interferências provocadas pelas rádios livres, que eram recebidas nas rádios dos aviões durante a aterrissagem. À parte a puerilidade técnica (os aviões recebem e transmitem em bandas muito distantes das rádios livres, à parte que as fases de aterrissagem e de decolagem são dirigidas também por rádio e pelas torres de controle, por emissões de impulsos hertzianos que devem ser descodificados a bordo do avião), o que levava tudo para ser um grande escândalo foi calado rapidamente porque a companhia entrou em greve”.

A presidente da Associação Paulista dos Proponentes de Emissoras de Radiodifusão Local-Comunitária (Aperloc), Luci Martins, em entrevista ao programa Opinião nacional, da TV Cultura, disse que tanto as rádios comunitárias quanto as piratas e até mesmo as comerciais realmente interferem nas comunicações dos aeroportos de Guarulhos e Congonhas, mas para ela há um certo exagero em afirmar que as interferências são um risco de vida, e esse exagero, segundo ela, deve-se ao fato de o projeto que regulamenta o serviço das rádios comunitárias já ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados Federais e ter sido encaminhado ao Senado: “Costumamos brincar entre nós que se as

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Há diferenças entre essas nomenclaturas. Não se pode chamar, por

exemplo, uma rádio de “pirata” e “comunitária” ao mesmo tempo. O termo

“rádio pirata” surgiu na Inglaterra, no final da década de 50, quando vários

barcos equipados com transmissores, navegavam pelos mares, apontando suas

antenas para terras inglesas, com o objetivo principal de obter lucro através da

colocação dos produtos norte-americanos na região.

No Brasil, não se tem notícia de rádios piratas que tenham transmitido de

dentro de barcos. No entanto, prevalece o fato de que as rádios piratas daqui têm

como preocupação fundamental explorar o rádio comercialmente, através da

publicidade, como forma de obtenção de lucro.

Assim, são consideradas rádios piratas as que vêem o rádio como um

negócio lucrativo e, em termos de programação, não apresentam nada de novo

em relação à programação das rádios oficiais. Pelo contrário, apenas repetem de

forma massificada, e pouco elaborada, o que já é feito pelas rádios que possuem

concessão.

As “rádios livres” são diferentes das piratas por não priorizarem o lucro.

Por vezes, os conceitos ficam pouco claros e acabam confundindo-se as

manifestações. Mas, historicamente, as rádios livres surgem na Europa (Itália e

rádios tivessem tamanho poder de interferência nos aeroportos, nós iríamos vender essa tecnologia para o país vizinho, para o Peru...”.

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França são os países que melhor referenciam o movimento de rádios livres) na

década de 70, objetivando quebrar o monopólio estatal de controle da

radiodifusão. As rádios livres querem ser uma alternativa à programação oficial,

preocupando-se com a contra-informação, a contracultura, a autogestão, a

liberdade de expressão e vários temas afins, sempre em tom contestatório.

As rádios livres européias influenciaram profundamente o movimento

brasileiro, principalmente na metade dos anos 80, quando foram lançadas suas

primeiras sementes, e hoje ele atinge praticamente todo o país. Uma das

principais personalidades a divulgar as rádios livres européias no Brasil foi o

filósofo francês Felix Guattari, que, empolgado com o movimento, fez palestras

a respeito do assunto na Pontíficie Universidade Católica de São Paulo (PUC-

SP), durante suas visitas ao país, em 1982 e 1985.

Finalmente, as “rádios comunitárias” podem ser consideradas como um

outro momento das rádios livres, pelo menos no Brasil. Elas nascem a partir da

organização das rádios livres como movimento e da disseminação destas entre

as classes populares, que passam a fazer uso do rádio como veículo de

entretenimento e organização social. As rádios comunitárias têm como

preocupação fundamental possibilitar o acesso da comunidade ao rádio, para que

o veículo seja um instrumento (meio, e não fim) de mobilização e conquistas

populares dentro de determinada comunidade.

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Este trabalho tem como objetivos mostrar o quadro histórico das rádios

ilegais no Brasil; identificar esses veículos como uma das maneiras de se

realizar uma comunicação alternativa à dos meios oficiais; mostrar o

funcionamento de uma rádio comunitária, visando a traçar um perfil da emissora

e verificar se existem novas formas de comunicação, através da criação de

linguagens radiofônicas.

Em função desses objetivos, dividimos a dissertação em duas partes: a

primeira traça o histórico das experiências ilegais no éter e apresenta um painel

teórico da comunicação alternativa e popular, ligando-as aos fenômenos das

rádios livres e comunitárias.

No nosso entender, quando as pessoas são impedidas, de alguma forma,

de expressar seus pensamentos e idéias, surgem outras formas de comunicação

que podem levar a processos comunicacionais completos: emissores e

receptores, intermediados por um canal, interagem suas respostas, e dá-se,

assim, uma comunicação que vai de encontro à comunicação dos grandes meios,

procurando mostrar o outro lado de determinadas informações, aquele que não

aparece ou surge deturpado na comunicação oficial.

Por isso, acreditamos que é preciso ampliar as formas de comunicação

existentes. É preciso que todos tenham direito à antena e não apenas aqueles

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com grande poder aquisitivo. Marques de Melo4, ao resgatar algumas idéias a

respeito do direito à informação e à educação, considera como uma das metas

prioritárias, entre outras:

(...) democratizar o acesso à propriedade dos meios de comunicação.

Neutralizar o monopólio hoje desfrutado pela burguesia, que dispõe do

capital necessário à sua implantação e manutenção. Criar mecanismos

jurídicos para distribuir as concessões radiofônicas ou as facilidades

editoriais com as outras forças atuantes na sociedade: sindicatos,

movimentos sociais, sociedades culturais ou científicas. Assim,

introduzindo no mercado fatores de competição, alternativas de

qualidade, matrizes plurais de percepção ideológica.

Entendemos que democratizar a comunicação, introduzindo mais

pluralidade aos meios, é fator essencial para uma sociedade mais justa e

igualitária. Macbride5 leva em conta vários aspectos ao examinar o conceito de

democratização da comunicação, entre os quais define a democratização como

“o processo mediante o qual: a) o indivíduo passa a ser um elemento ativo, e não

um simples objeto da comunicação; b) aumenta constantemente a variedade de

mensagens intercambiadas; c) aumentam também o grau e a qualidade da

representação social na comunicação ou na participação”.

4 MELO, José Marques de. Comunicação: direito à informação. São Paulo, Papirus, 1986. p. 81-2.

5 MACBRIDE, Sean. “Um mundo e muitas vozes”. Relatório da Unesco. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas/Unesco, 1982. p. 277.

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O conceito deixa claro que a democratização dos meios de comunicação

não é estática e deve ser vista como um processo contínuo, em que o indivíduo é

o protagonista e as mensagens são trocadas o tempo todo, o que o leva a um

desenvolvimento crítico muito grande. As palavras-chave são: processo, troca de

mensagens (feed-back) e participação. Juntos, esses três elementos tornam uma

sociedade mais democrática e consciente de seus direitos.

Para a realização desse processo são utilizados vários instrumentos de

comunicação, entre os quais se encontram as rádios comunitárias, presentes em

vários países da América Latina e que começaram a despontar no Brasil no

início desta década.

Para aprofundar esse assunto, na segunda parte desta dissertação

analisamos o funcionamento de uma rádio comunitária, a Rádio Cidadã,

localizada no bairro do Butantã, zona Oeste da cidade de São Paulo, que foi

criada com a finalidade de ser uma rádio para atender aos interesses dos

moradores do bairro.

Essa emissora foi escolhida a partir de uma matéria publicada no

suplemento Folhinha, do jornal Folha de S.Paulo, do dia 26 de janeiro de 1996,

que divulgava um programa da Rádio Cidadã feito só por crianças. Devido ao

fato pouco comum, interessamo-nos em conhecer de perto a experiência desse e

de outros programas da emissora. Depois de ter visitado outras rádios ilegais,

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escolhemos a emissora do Butantã para mostrar como se dá o funcionamento de

uma rádio comunitária.

Assim, através de entrevistas com os organizadores da emissora,

apresentadores de programas e alguns ouvintes, traçamos um perfil da rádio.

Além disso, selecionamos os programas que têm como objetivo específico

oferecer espaço para a expressão da comunidade: Na boca do povo, Encontro

com as comunidades e Cala a boca já morreu (porque criança também tem o

que dizer).

Os dois primeiros têm como proposta ser o canal de expressão da

população local, que por sua vez deve recorrer a esses programas para falar dos

assuntos de seu cotidiano. O terceiro programa é todo feito por cerca de dez

crianças entre sete e doze anos. Acompanhadas de uma psicopedagoga, as

crianças fazem as pautas, realizam entrevistas, apresentam o programa e operam

a mesa de som. A intenção é desenvolver as aptidões de cada criança com vistas

a formar pessoas críticas de sua realidade. Os três programas foram analisados

no mês de abril, a partir da gravação das edições do mês.

Como suporte à pesquisa do funcionamento da rádio, entrevistamos 15

moradores da região, entre ouvintes e não-ouvintes da emissora. Nosso objetivo

foi levantar dados sobre como se dá a participação da comunidade na emissora,

já que esta tem como pressuposto básico ser a rádio da comunidade.

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Acreditamos que as 15 entrevistas realizadas são suficientes para coletar

informações relevantes, porém não definitivas, acerca da visão que os moradores

têm da Rádio Cidadã.

Essa segunda parte da dissertação foi desenvolvida durante os meses de

março e abril, com entrevistas, observações in loco e gravações de programas.

Optamos por fazer a pesquisa de campo propositadamente durante os meses

citados pela inexistência de fatores estranhos ao funcionamento normal da

emissora. Nossa principal preocupação foi mostrar a rádio em seu cotidiano, e

para isso precisávamos de um período neutro, em que não houvesse, por

exemplo, eleições ou qualquer data comemorativa que pudessem influenciar na

coleta de dados para a pesquisa.

Uma das principais dificuldades em ambas as etapas da pesquisa foi a

escassa bibliografia acadêmica a respeito das rádios. Por isso, foi de

fundamental importância a consulta de informações divulgadas em jornais,

revistas, fanzines (publicações alternativas) e documentos do movimento das

rádios ilegais. Todo esse material forneceu-nos dados interessantes e

importantes no tratamento do objeto proposto.

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Parte I

Capítulo 1

Os caminhos do rádio

1.1. A invenção do rádio e seu rápido crescimento

No final do século XIX, o italiano Guglielmo Marconi tem a idéia de

propagar as ondas hertzianas em transmissões radiofônicas, sem que para isso

necessite de fios que liguem os aparelhos de emissão e recepção. Assim nascia

um dos maiores meios de comunicação: o rádio. A Inglaterra financia o invento,

e a primeira transmissão ocorre em 1896.

Um dos primeiros usos do rádio foi na esfera militar. A marinha inglesa,

por exemplo, equipou toda sua frota com aparelhos de transmissão. O próprio

termo inglês broadcasting vem do contexto militar, sendo uma espécie de jargão

usado pela marinha americana que significa as ordens das autoridades que

precisavam ser passadas aos seus subordinados, um tipo de “disseminação” de

ordens pelo rádio6.

O rádio evolui rapidamente e na década de 20 as técnicas de transmissão

estão bem aprimoradas. As estações utilizam a modulação em amplitude ou

6 MELIANI, Marisa. Rádios livres; o outro lado da voz do Brasil. São Paulo, USP, 1995. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Comunicação e Artes, p. 27.

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amplitude modulada (AM). O mundo todo explora o novo veículo de

comunicação e o Estado passa a gerenciar a sua utilização e de outros meios de

comunicação, seja ele próprio explorando os serviços seja dando concessões aos

setores privados para que o façam.

1.2. A chegada do rádio ao Brasil

O Brasil foi um dos pioneiros na utilização do rádio. As primeiras notícias

a respeito do veículo dão conta que em Recife, no dia 6 de abril de 1919, alguns

amadores realizam experiências com um transmissor de rádio importado da

França, que logo se transformaria na Rádio Clube de Pernambuco.

No entanto, a história oficial diz que, no Brasil, o rádio surgiu no Rio de

Janeiro, precisamente no dia 7 de setembro de 1922, quando comemorou-se o

centenário da Independência. Mas apenas no ano seguinte, através da Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquete Pinto e Henry Morize, o

rádio estaria presente em seletos lares brasileiros.

Roquete Pinto, antropólogo, etnólogo e escritor, acreditava que a principal

missão do rádio era “transmitir educação e cultura aos brasileiros espalhados por

todas as regiões do País”7. No entanto, de início foi um veículo profundamente

7 MOREIRA, Sônia Virginia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora, 1991. p. 15.

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elitista, dirigido por intelectuais e cientistas, com pouco (ou nenhum) alcance

entre as classes populares.

As nascentes emissoras denominavam-se “clube” ou “sociedade”.

Possuíam esses títulos porque nasciam no formato de clubes ou associações,

para os quais as pessoas que tinham aparelhos receptores em casa pagavam uma

mensalidade − até então os aparelhos eram muito caros, por isso poucos tinham

acesso a eles.

Cabia a esses ouvintes também a função de programadores musicais:

emprestavam seus discos de ópera às rádios para que estas programassem suas

atrações musicais8. Além de contar com a ajuda do ouvinte, as primeiras

emissoras recebiam doações de entidades públicas ou privadas e, de acordo com

Gisela Ortriwano9, raramente havia anúncios pagos, proibidos por lei na época.

A partir da década de 30, aos poucos a população ia podendo contar com

um aparelho de rádio em casa. Mas o ideal educativo já havia sido posto de lado,

pois o veículo, apesar da sua crescente popularização, passa a enfatizar o aspecto

comercial em detrimento do educacional. Para isso, contribuem: a autorização

oficial para veiculação de anúncios publicitários (chamados de “reclames”), em

8 Idem, ibidem, p. 16.

9 A informação no rádio; os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo, Summus, 1985. p. 14.

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1932; a adoção do modelo norte-americano de radiodifusão e a distribuição de

concessões de canais a particulares10.

Segundo Gisela Ortriwano11, a expansão da radiodifusão é favorecida pelo

contexto político-econômico da época: o comércio e a indústria ganhavam força

e precisavam introduzir seus produtos no mercado interno, através do incentivo

ao consumo. Aliado a isso, o poder Executivo estava fortemente centralizado

nas mãos de Getúlio Vargas, que foi o primeiro governante brasileiro a perceber

as potencialidades políticas do rádio12.

A junção desses fatores contribuiu para a fase seguinte do rádio brasileiro,

na década de 40, a sua “época de ouro”, marcada pela grande audiência, pelos

anunciantes estrangeiros, pelo surgimento das primeiras radionovelas e pela

afirmação do radiojornalismo, com a criação dos históricos Repórter Esso,

Grande jornal falado Tupi e Matutino Tupi.

No entanto, com a chegada da televisão nos anos 50, o rádio vai perdendo

aos poucos o seu reinado, pois agora conta com a concorrência da imagem.

“Quando surge, ela (a televisão) vai buscar no rádio seus primeiros

profissionais, imita seus quadros e carrega com ela a publicidade. Para enfrentar

10 MOREIRA, Sônia Virginia, op. cit., p. 23.

11 Op. cit., pp. 15-16.

12 Nos regimes autoritários o rádio é usado como um importante instrumento de propaganda política, mobilizando a população a favor ou contra determinado regime. Goebbels, Mussolini, Roosevelt e outros encontraram no veículo uma forte arma doutrinária.

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a concorrência com a televisão, o rádio precisava procurar uma nova linguagem,

mais econômica.”13

Sob essa nova realidade, o rádio vai-se adaptando, encontrando outras

fórmulas de sobrevivência. Saem os cantores do rádio, entram os discos e fitas

gravadas; saem as novelas, entram as notícias; saem os programas ao vivo de

auditório, entram os serviços de utilidade pública.

Das produções caras, com multidões de contratados, o rádio parte agora

para uma comunicação ágil, noticiosa e de serviços. Aliado a outros

avanços tecnológicos, o transistor deu ao rádio sua principal arma de

faturamento: é possível ouvir rádio a qualquer hora e em qualquer lugar,

não precisando mais ligá-lo às tomadas.14

É assim que nas décadas seguintes, o rádio encontra um outro caminho e

consegue manter-se como importante meio de comunicação de massa, como

vimos, explorando mais a música, o radiojornalismo e os serviços de utilidade

pública, um modelo adotado principalmente pelos profissionais do rádio AM.

O rádio em freqüência modulada −−−− FM

A freqüência modulada (FM) começou a ser utilizada no Brasil na década

de 50, como um link que ligava o estúdio e o transmissor de emissoras AM. A

13 Idem, ibidem, p. 21.

14 Idem, ibidem, p. 22.

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32

FM também era utilizada para fornecer um sistema de som fechado, com música

ambiente em indústrias, escritórios e hospitais15. Segundo Nélia Del Bianco16,

três fatores contribuíram para a inexpressividade do rádio FM até a década de

70: os empresários de rádio achavam desvantajoso investir numa freqüência de

pouco alcance, os aparelhos receptores que captavam a AM e a FM eram

importados e muito caros e o estilo da programação das emissoras FM era pouco

atraente, indicado apenas para a venda do serviço a hospitais e escritórios. No

entanto, a partir de 1973 o governo militar decide incentivar a proliferação de

rádios FM, como forma de expandir o sistema de comunicação.

Ao estabelecer uma política de ampliação do setor de radiodifusão

através de sua reorganização, a começar pelo recadastramento e exame

das condições técnicas de cada emissora, o governo militar decidiu que

era o momento de investir na distribuição de concessões de canais FM.17

Ainda de acordo com Nélia Del Bianco, a reorganização do serviço de

radiodifusão era urgente e necessária, pois várias emissoras funcionavam sem

permissão, enquanto outras operavam com problemas técnicos de transmissão

fora do canal.

15 BIANCO, Nélia Del. “FM no Brasil 1970-79: crescimento incentivado pelo regime militar”. Revista

Comunicação e Sociedade, no 20, dez. 1993, p. 138.

16 Op. cit., pp. 138-139.

17 Idem, ibidem, p. 140.

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33

Com isso, o governo atendia também aos objetivos políticos de “integrar e

desenvolver o país” e “resguardar o território nacional e os valores culturais”,

através do combate às emissoras estrangeiras que irradiavam programas para o

Brasil, principalmente as comunistas. Nos anos seguintes, a FM tornar-se-ia

também instrumento de barganha política, usada como moeda entre o governo e

seus protegidos políticos.

O fortalecimento do setor contou ainda com a qualidade sonora e com o

novo estilo da programação e locução, fazendo da rádio FM a preferida do

público jovem, o que chamou a atenção dos anunciantes, que voltaram a investir

no rádio, cuja consolidação definitiva ocorre na década de 80.

Paralela à história da radiodifusão oficial, encontramos a história da

radiodifusão não-oficial. Uma história que aos poucos começa a ser

documentada e tida como importante dentro do quadro geral da comunicação

social, como veremos nos tópicos seguintes.

1.3. Nos barcos e nos porões: a pirataria está no ar

As rádios piratas começaram sua trajetória na Inglaterra, no final da

década de 50, com o claro objetivo de quebrar o monopólio da British

Broadcasting Corporation (BBC), que controla o serviço de telecomunicações

do país.

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34

Essas rádios tinham seus transmissores dentro de barcos em alto mar, a

uma distância em que a jurisdição inglesa podia ou não intervir18. Eram

empresários tentando impor seus produtos através da publicidade e minorias de

tendências ecológicas, musicais, contraculturais, esotéricas etc. testando seu

próprio meio de expressão19. Durante a emissão radiofônica costumava-se

erguer uma bandeira negra como faziam os piratas do mar, daí a origem do

nome “rádio pirata”. Depois passou-se a transmitir também de dentro de sótãos,

quartos, porões, sempre na tentativa de burlar a fiscalização.

O financiamento para as rádios piratas dos empresários vinha de empresas

norte-americanas, entre as quais a Ford, a Lever e a American Tobacco. “Essas

multinacionais tinham interesses comerciais no mercado europeu e precisavam

fazer seus informes publicitários perfurarem o edifício do monopólio.”20

Perfurar o edifício do monopólio da BBC não foi difícil, já que na

primeira metade dos anos 60, o rock- and- roll era a música preferida do público

jovem, mas quem quisesse ouvir pelo rádio os grupos ingleses Rolling Stones,

Beatles ou The Who “ficaria a ver navios” e teria de contentar-se em escutar

apenas músicas clássicas, juntamente com uma programação pouco atraente da

18 Arlindo, Machado, Caio Magri e Marcelo Masagão, no livro Rádios livres, a reforma agrária no

ar, p. 61, explicam que as rádios que emitem a uma distância que foge ao poder da jurisdição de determinado país, ao qual direcionam suas antenas, são chamadas de “rádios periféricas”: “Teoricamente, elas emitem do exterior, não estando portanto subordinadas à lei do monopólio”.

19 CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo, Summus, 1986. p. 50.

20 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 60.

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35

BBC. E é desse espaço que as rádios piratas se aproveitam. Coube a elas

apresentar as novidades musicais, e nesse contexto surge o disc-jóquei — uma

criação tipicamente norte-americana, que hoje é representado pela pessoa que

fala nas FMs de maneira pasteurizada o tempo todo. Assim, as piratas

alcançaram sucesso em pouquíssimo tempo, principalmente junto ao público

jovem.

Rádio Merkur

Oficialmente, a primeira pirata foi a Rádio Merkur, que estreou em julho

de 1958, emitindo na costa de Copenhague, na Dinamarca. O sucesso financeiro

dessas rádios era grande: um mês depois de ter estreado, a Rádio Merkur já

contava com verbas publicitárias de 150 mil dólares21. Dessa forma, a

publicidade vem a ser a principal peça de engrenagem das rádios piratas. De

acordo com Passeti, “a noção de pirataria inclui toda e qualquer transmissão

ilegal que envolve veiculação de publicidade, cujo objetivo é o de competir no

mercado, seja transmitindo do próprio território ou do exterior” 22.

Rádio Caroline

21 Idem, ibidem, p. 60.

22 “A política no ar; rádios livres e estatização”. In: CONGRESSO ESTADUAL DOS SOCIÓLOGOS DO

ESTADO DE SÃO PAULO. 4., São Paulo, 1987. p. 04.

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A pirata mais popular em terras inglesas é a Rádio Caroline, nome que

homenageou a filha do primeiro presidente católico dos Estados Unidos, John

Kennedy, de origem irlandesa como o criador da rádio, Roanan O’Rahilly.

Em 1961, O’Rahilly parte de Dublin (Irlanda) para Londres (Inglaterra), o

cenário da música pop do momento. O rapaz tinha 21 anos e era agente de

jovens artistas. Sua intenção era divulgar o trabalho de seus contratados nas

rádios londrinas. Mas O’Rahilly não conseguiu o que queria, pois as rádios não

abriam as portas para quem não estava inserido no cartel das gravadoras da

época. Assim o irlandês decidiu criar sua própria rádio.

A Rádio Caroline fez sua estréia no domingo de Páscoa de 1964, quando

zarpa da Irlanda para o mar da Inglaterra, dirigindo sua programação para a Grã-

Bretanha, que passa a ter 24 horas de música pop sem parar. Mas em 1966, por

ser considerada ilegal pelo governo inglês, precisou deixar as águas britânicas,

para instalar-se definitivamente no mar do Norte, onde permanece até hoje.

Entre os anos de 1964 e 1968, a rádio chega a ter 28 milhões de ouvintes23.

Apesar do sucesso, as rádios piratas em terras inglesas tiveram que

enfrentar a perseguição da polícia e das autoridades, que afirmavam que as

emissões piratas estavam interferindo nos serviços de emergência da polícia, dos

bombeiros e até mesmo de ambulâncias.

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A pirataria força o governo a expandir as faixas de transmissão,

aumentando o número de emissoras independentes e a BBC a criar o seu

rádio especializado em rock and roll. Há autorização para o

funcionamento de 20 estações de rádio especializadas nos interesses das

comunidades étnicas ou de minorias políticas.24

Rádios piratas em terras tupiniquins

No início das experiências com as rádios ilegais no Brasil, as próprias

pessoas que colocavam um transmissor no ar intitulavam seus experimentos de

piratas. A imprensa também sempre tratou a questão como prática de pirataria,

sem se preocupar em estabelecer as diferenças básicas.

Na verdade, o nome “pirata” até serviu de argumento para definir o perfil

de algumas rádios livres: Capitão Gancho, Corsário, Ladrão do Mar, Mobidique,

Pirata I etc., que tinham como uma das preocupações fundamentais fazer uma

rádio diferente dos padrões institucionais e por isso se autodenominavam de

rádios livres, como veremos adiante.

No entanto, com o avanço do movimento das rádios ilegais no Brasil, o

nome “pirata” passa a ser motivo de preocupação, uma vez que remete ao

sentido pejorativo da palavra: ‘ladrão’. Assim, ter uma rádio pirata é roubar algo

de alguém. Explicitando a questão, o pirata do rádio estaria então roubando as

23 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 61.

24 MELIANI, Marisa, op. cit., pp. 47-48.

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ondas hertzianas que permitem a emissão radiofônica daqueles que possuem

concessão governamental para operar o veículo. Esse é o raciocínio de quem

utiliza o termo “rádio pirata” para qualificar as emissões não-legalizadas, não-

concessionadas.

Em resposta a isso, a Rádio Xilik25 lança em meados de 1985 o slogan:

“Piratas são eles. Nós não estamos atrás do ouro”, com o objetivo de deixar bem

claro que as verdadeiras rádios piratas são aquelas preocupadas única e

exclusivamente com o lucro. E nesse caso estão incluídas tanto as rádios

oficiais, de gênero comercial, quanto algumas rádios ilegais, também de gênero

comercial, como veremos no decorrer desta dissertação.

Para Luci Martins, presidente da Associação Paulista dos Proponentes de

Emissoras de Radiodifusão Local-Comunitária (Aperloc), uma rádio é pirata se

possui um dono, é comercial, não respeita os limites de potência determinados

pelos movimentos de rádios comunitárias e além disso não conta com a

participação da comunidade em sua gestão26. Poderíamos acrescentar, também

que os piratas não se preocupam em colocar no ar uma programação

diferenciada das rádios oficiais, repetindo modelos desgastados e não trazendo

nada de novo ao público ouvinte. Se as diferenças fossem esclarecidas,

25 Os criadores dessa rádio, em união com o professor Arlindo Machado, da ECA-USP, possuem o mérito de terem lançado no Brasil, em 1986, o único livro a respeito do assunto: Rádios livres, a

reforma agrária no ar. Voltaremos a falar da Rádio Xilik.

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principalmente pela imprensa, é possível que a confusão entre os termos

deixasse de existir.

1.4. Rádios clandestinas e sindicais: lutas políticas

Fazer uso do rádio para organizar politicamente uma população,

colocando no ar contra-informações em período de guerra é um dos principais

objetivos de uma rádio clandestina. Na rádio sindical, o apelo maior é em

torno de reivindicações de trabalhadores, que utilizam o transmissor para

divulgar suas informações de classe, criando assim um elo mais estreito entre o

sindicato e o empregado.

Geralmente, a rádio clandestina funciona em ondas curtas, uma das

faixas utilizadas na radiodifusão, com especiais características de propagação,

ideais para transmissões a longa distância.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45) houve um maciço uso

dessas rádios, que transmitiam para toda a Europa. Um dos que mais se serviu

de sua utilização foi Adolf Hitler, que tinha a Inglaterra como principal alvo. O

grupo encarregado de veicular a propaganda nazista – Sendergruppe Concordia

(grupo de transmissores disfarçados Concordia) – montou quatro transmissores

26 Afirmação feita durante uma entrevista de Luci Martins ao programa Opinião nacional, veiculado pela TV Cultura de São Paulo, no dia 13 de dezembro.

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direcionados aos ingleses. Cada uma dessas emissoras dirigia-se a um

determinado público, que ia das classes média e alta até os mais religiosos.

Tentavam disfarçar-se de rádios inglesas atacando o governo e a política

desenvolvida por Winston Churchill. A Inglaterra contra-atacou com cinco

emissoras dirigidas à Alemanha, também tentando passar-se por alemãs.

Luiz Fernando Santoro nos dá outro exemplo do uso do rádio como arma

política durante a Segunda Guerra:

Na França, foi um importante instrumento de ligação entre os

combatentes do interior e os líderes que estavam fora do país, através da

veiculação de informações, geralmente cifradas, que orientavam

sabotagens, desembarques, etc. A BBC de Londres teve grande

importância na reconstituição de uma consciência nacional francesa, que

estava debilitada pelas derrotas e pela propaganda nazista, com informes

e campanhas antinazistas, fazendo de sua escuta nos países ocupados

um verdadeiro ato patriótico.27

Em outro ponto da Europa, ainda em plena Segunda Guerra Mundial, no

dia 22 de julho de 1941, a Rádio Espanha Independente (REI), ou Rádio

Pirenaica, começava suas emissões clandestinas contra o regime franquista

espanhol. Essas emissões duraram mais de 35 anos, terminando oficialmente no

dia 14 de julho de 1977, quando o franquismo já havia acabado.

27 “Rádios livres: o uso popular da tecnologia”. Revista Comunicação e Sociedade, no 6, 1981. p. 98.

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Aquí Radio España Independiente, estación pirenaica, la única emisora

española sin censura de Franco.28

De acordo com Marcel Plans29, a REI era a única voz de oposição ao

governo de Franco. Fundada em Moscou, quando os dirigentes soviéticos

decidem montar uma série de emissoras “nacionais” para combater o fascismo, a

REI só adquire o caráter de rádio independente quando a maioria das emissoras

criadas pelos soviéticos dissolve-se, pois em muitos países europeus (a Espanha

era exceção) voltava-se a falar em democracia, e o Partido Comunista não era

mais ilegal. Em 1955, a rádio é deslocada para Bucareste, na Romênia, onde

permanece até o fim.

Algumas experiências rebeldes na América Latina

Na América Latina, entre 1958 e 1959, surge outra famosa rádio de

guerra: a Rádio Rebelde, idealizada por “Che” Guevara, na luta a favor da

Revolução Cubana. De acordo com Machado30, vários transmissores formavam

a Rádio Rebelde. “Em cada território tomado, um novo emissor era montado,

sempre em conexão com o quartel-general.” Com Fidel Castro no poder, a

28 Apud PLANS, Marcel, “Radio España Independiente, la ‘Pirenaica’, entre el mito y la propaganda”. In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981, p. 130.

29 Op. cit., p. 119.

30 Op. cit., p. 98.

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situação se inverteu: hoje a Rádio Rebelde é a oficial e as emissoras clandestinas

dirigidas a Cuba falam contra o regime castrista.

Para Claude Collin, o papel primordial de uma rádio de um movimento de

libertação é “elaborar contra-informação eficaz, desmontar as mentiras das

rádios oficiais (sejam elas da classe no poder ou da potência imperialista) e

fornecer os dados verdadeiros sobre a situação militar, denunciando os

assassinatos cometidos pelas forças de repressão”31.

Da mesma forma que a Rádio Rebelde atuou na Revolução Cubana,

outras rádios exerceram o mesmo papel em outras guerrilhas. É o caso da Rádio

Venceremos, de El Salvador, criada durante a guerra civil de 1981, e da Rádio

Sandino, da Nicarágua, criada durante a luta sandinista pelo poder.

“¿Pero, que pasó? Los trabajadores se pararon como un solo hombre y

dijeron: mientras no nos devuelvan las radios, no entramos a trabajar. Y se

declararon en huelga.”32

Do lado sindical, a mais impressionante história ocorreu na Bolívia, onde,

em 1963, havia 23 transmissores operando, os quais cobriam 20% do país, todos

mantidos por trabalhadores mineiros, através de descontos quinzenais em seus

31 Apud MACHADO, Arlindo et alii, op. cit. p. 97.

32 CHUNGARA, Domitilia, apud MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 111.

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salários. A criação dessas rádios está ligada à necessidade de comunicação entre

os mineiros, que lutavam por “melhores salários e condições de trabalho”33.

O governo boliviano não vê as rádios sindicais com bons olhos e passa a

reprimi-las a partir de 1965, com a invasão de tropas militares às minas,

massacre dos trabalhadores e destruição das rádios34. Mas, apesar dessa primeira

ofensiva do governo, e de tantas outras que se seguiram, as rádios dos mineiros

bolivianos continuaram a sobreviver, contando com o apoio popular.

Em 1980, o general Garcia Meza dava um golpe militar, assassinando

personalidades bolivianas e prendendo dirigentes sindicais. A reação das rádios

sindicais foi histórica: oito emissoras entraram em cadeia nacional, ao vivo,

conversando entre si. “A população trabalhadora inteira estava sintonizada com

as rádios, pois eram a única fonte segura de informação com que podiam contar

naquele momento.”35 A resistência era possível.

1.5. O movimento de contestação das rádios livres

As rádios livres podem ser consideradas como um dos frutos

amadurecidos do Maio de 68, movimento contestatório dos estudantes e

33 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 31.

34 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 106.

35 Idem, ibidem, p. 107.

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operários franceses, logo espalhado por toda a Europa e que lança as sementes

para o surgimento das primeiras rádios livres.

No entanto, é na década de 70 que as rádios livres têm seu melhor

momento, colocando em xeque o conteúdo das rádios oficiais e conseguindo dar

voz a vários setores sociais, que até então não possuíam um canal legítimo de

expressão.

As rádios livres representam, antes de qualquer outra coisa, uma utopia

concreta, suscetível de ajudar os movimentos de emancipação desses

países a se reinventarem. Trata-se de um instrumento de experimentação

de novas modalidades de democracia, uma democracia que seja capaz

não apenas de tolerar a expressão das singularidades sociais e

individuais, mas também de encorajar sua expressão, de lhes dar a

devida importância no campo social global.36

O movimento de rádios livres européias tem entre suas preocupações

fundamentais dar voz a todos aqueles que não podem se expressar nos grandes

meios de comunicação. A intenção é fazer com que o rádio seja um canal

democrático de comunicação, no qual esta se realize num processo dialógico,

numa profunda interação com o ouvinte, que deixa de ser um consumidor

passivo, para participar de forma ativa da troca de informações.

36 GUATTARi, Felix. Prefácio. In: MACHADO et alii, op.cit.

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Na Itália, por exemplo, isso se deu na prática através do uso do telefone –

“As rádios independentes têm lançado a figura do correspondente com fichas

telefônicas. É uma pessoa qualquer, informalmente vinculada à rádio, que entra

em um bar, pede dez fichas e informa direto à rádio o que está vendo.”37 –, das

portas literalmente abertas da emissora, para receber quem quer que seja para

dar ao vivo seu depoimento, ou da veiculação de fitas gravadas pelos ouvintes:

As emissoras independentes têm substituído o italiano uniforme da rádio

estatal pelos acentos locais. Os ouvintes estão surpresos. Locutores que

falam do mesmo modo que os habitantes de seu povo ou de sua cidade

destroem a sensação de que a rádio é uma espécie de voz oficial (...). Os

acontecimentos são descritos por quem acaba de vivê-los (...) O ouvinte

tem a sensação clara de que alguém chegou correndo no estúdio da

emissora para relatar o que acaba de ver. Existe a impressão de uma

falta total de censura, impressão porque esse tipo de colaboração

depende da orientação ideológica da emissora.38

Da discussão da TV a cabo surgem as rádios livres na Itália

O movimento de rádios livres instaura-se primeiramente na Itália. Tudo

começa na década de 70 com uma tentativa de lá instalar as televisões a cabo.

Questionava-se o poder do Estado na gestão dessas TVs, perguntando-se se o

cabo estaria ao alcance do monopólio estatal exercido pela Radio-Audizione

37 ECO, Umberto. “Una nueva era en la libertad de expresión”. In: BASSETS, Lluís (ed.), op. cit., p. 214.

38 ECO, Umberto, op. cit., p. 220.

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Italiana (RAI). Politicamente, o poder na Itália estava representado por uma

aliança entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista Italiano.

As TVs a cabo acabaram não sendo instaladas naquela década, mas, em

compensação, todas aquelas indagações a respeito da legitimidade do Estado na

gestão das telecomunicações tornaram-se públicas e foram a gota que faltava

para o surgimento das primeiras rádios livres.

As rádios Milano Internazionale e Emmanuel de Ancona são tidas como

algumas das pioneiras do movimento de rádios livres italiano. Surgiram, como

muitas, na primavera de 1975, mas, como muitas também, não eram donas de

projetos alternativos em suas gestões e sim concentravam no rádio a esperança

de lucro certo e imediato.

Por outro lado, também surgiram as rádios que procuravam fazer valer o

movimento de rádios livres, como a Canale 96, de Milão, a Milano Centrale, a

Cittá Futura e a Rádio Bra Onde Rosse, autênticas representantes de uma nova

maneira de utilizar o rádio. De acordo com Machado39, essas emissoras foram

algumas das que melhor personificaram a gestão alternativa da informação e o

exercício direto da democracia, através de sua ligação com movimentos sociais

contestatórios.

39 Op. cit., p. 63.

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Como se vê, foi grande a diversidade das rádios livres italianas. Lado a

lado, no dial, encontravam-se as emissoras comerciais, com seus anúncios, e as

rádios politizadas, que, por sua vez, também eram de várias tendências: havia

rádios de extrema esquerda, da nova esquerda, comunistas, socialistas, dos

sindicatos e as rádios do lado oposto, como a emissora Comunhão e Liberação,

pertencente ao movimento direitista católico.

Com tantas rádios, umas sobrepondo-se às outras, as autoridades italianas

não viram outra saída a não ser regulamentá-las. Para se ter uma idéia, no final

de 1975 havia quase 100 rádios livres espalhadas pela Itália. No ano seguinte,

através da sentença 202 do Tribunal Constitucional, as rádios foram liberadas

para emitir, desde que tivessem competência técnica e econômica. Houve, então,

uma corrida vertiginosa para se obter uma faixa de freqüência modulada ou de

TV, tanto que, em 1978, contabilizavam-se nada menos que 2275 rádios locais e

503 TVs, das quais a maioria apresentava programação comercial, sem a

preocupação de fazer um trabalho diferenciado. Com isso as rádios mais

alternativas do movimento saíram perdendo.

Alice é il Diavolo!40

40 Título do livro escrito pelo Colletivo A/Traverso, grupo criador da Rádio Alice.

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Não se pode falar do movimento de rádios livres italiano sem que se passe

pela história da Rádio Alice, talvez a rádio mais famosa de todo o movimento.

Ao mesmo tempo que conseguiu criar uma nova linguagem no rádio, também

foi uma das que mais obtiveram popularidade e participação dos ouvintes, no

período em que esteve no ar, de janeiro de 1976 a março de 1977, na cidade de

Bolonha.

A saga da Rádio Alice só pode ser compreendida a partir do momento que

se conhece a realidade italiana após 1968, quando todas as reivindicações

estudantis e operárias converteram-se, nos anos 70, em vários segmentos

específicos de lutas, as chamadas “autonomias”, palavra genérica para designar

na Itália os núcleos dotados de singularidades. Assim, há um núcleo que luta por

melhores condições de vida no bairro, outro cujo interesse é a juventude, outro

formado apenas por mulheres, outro que cuida do meio ambiente, outro de

minorias sexuais, raciais etc.

Foi no seio de um desses grupos, o Colletivo A/Traverso, que nasceu a

Rádio Alice. Já na sua primeira emissão, avisava aos mais desatentos:

Rádio Alice emite: música, notícias, jardins em flor, conversas que não

vêm ao caso, inventos, descobrimentos, receitas, horóscopos, filtros

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mágicos, amor, partes de guerra, fotografias, mensagens, massagens e

mentiras.41

As citações preferidas da rádio incluíam, entre outros, Marquês de Sade,

Maiakovski, Mandrake (o herói de histórias em quadrinhos), Artaud e até

mesmo um certo Guattareuze, ou seja, um herói cujo nome é a mescla dos

nomes dos filósofos Guattari e Deleuze. O mosaico da programação da emissora

permanecia nas músicas. Numa mesma hora era possível ouvir “Satisfaction”,

dos Rollings Stones, marchinhas regionais e “O Barbeiro de Sevilha”, de

Rossini. Quanto ao ouvinte, este era provocado a todo instante:

Alice transmite de tudo aquilo que você queria e aquilo que você não

queria ouvir, aquilo que você pensou e aquilo que você pensou em

pensar, especialmente se você vier até aqui dizê-lo42.

Por tudo isso, a Rádio Alice teve sérios problemas com o prefeito

comunista de Bolonha, que a perseguiu sem tréguas, até que conseguiu fechá-la

de vez e prender alguns de seus animadores. O estopim deu-se nos conflitos de

rua que ocorreram na cidade em 1977, principalmente nos dias 11, 12 e 13 de

março, quando Bolonha passava por uma verdadeira guerrilha urbana.

Alice transmitia os conflitos praticamente ao vivo, com intervenções de

vários ouvintes via telefone, que informavam sobre a luta entre os policiais e os

41 ECO, Umberto, op. cit., p. 223.

42 CARRIERi, André. “Alice”. Folha de S. Paulo, 12 mar. 1987. Caderno A-41.

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estudantes. Além de informar onde estavam ocorrendo os confrontos, a rádio

incitava os moradores de Bolonha a reagir contra a repressão. O prefeito

considerou essas intervenções verdadeiras ameaças à ordem e decretou o

fechamento da rádio, que foi transmitido até o último minuto, quando os

policiais invadem os estúdios da Alice e calam sua voz:

– Me dá um disco, que já pomos um pouco de música, “porco dio”...

(Telefone) Alice... o telefone aqui toca direto, toca direto mesmo. “Ecco”,

um Beethoven...zzzz... se você gosta, ótimo, do contrário, que se dane.

(Telefone) não, Calimero foi embora. “Dio porco”, que sacanagem, que

sacanagem. Não escuta? Estamos com a polícia que está batendo (toca

um piano, poucas notas), um pouco de música de fundo. Estamos

esperando os advogados (o som do piano até desaparecer). Não, não sei

nem se vou dormir esta noite. Volto a dizer que estamos esperando os

advogados e a polícia começou a bater outra vez na porta, continua

gritando para abrir. Cuidado, fica agachado.

– Abram a porta!

– Os advogados estão chegando, mais cinco minutos e eles já estão

vindo (gritos incompreensíveis)... zzzz... (gritos) entraram, entraram,

estamos com as mãos ao alto, entraram, estamos com as mãos ao alto.

“Ecco”, estão arrancando, estão arrancando o microfone.

– Mãos ao alto.

– Estamos com as mãos ao alto. Estão arrancando o microfone, olha,

este é um local... o mandato de... (silêncio mortal).43

As rádios livres na França

43 CARRIERI, André, op. cit.

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51

Apesar de não ter sido a primeira rádio livre em território francês44, a

Rádio Verte de Paris possui o mérito de ter sido a rádio que mais estardalhaço

causou junto à opinião pública. A sua história entrou para o rol das clássicas das

rádios livres.

Era 1977 e a França estava sob o governo do conservador Giscard

D’Estaing. Também era período de eleições municipais, e os principais nomes

da oposição ao governo participavam de uma mesa-redonda televisionada pela

emissora estatal TF1. Uma das personalidades foi o líder do Partido Verde

francês, Brice Lalonde. Durante o debate, Lalonde retira do bolso um pequeno

rádio, sintonizando-o nos 92 megaHertz da Rádio Verte, uma autêntica rádio

livre, de caráter ecológico. A façanha obteve uma audiência de milhões de

telespectadores e logo o assunto foi a principal notícia na imprensa durante

semanas.

A investida bem planejada e histórica de Brice Lalonde foi um trauma para

os conservadores, o poder vigente. O monopólio das comunicações

acabou por sofrer o primeiro ultraje em público. Foi um estrondoso início.

Em uma noite, Lalonde causou mais impacto para as rádios livres do que

centenas de debates isolados.”45

44 A primeira rádio livre francesa foi criada em 1969 pelos universitários da cidade de Lille e chamava-se Rádio Campus.

45 MARINOVIC, Ivan. “Piratas de carteirinha: a deglutição oficial da nova onda”. Humanidades, no 19, 1988. p. 27.

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O governo não se conformava com o espaço obtido pelas rádios livres,

que a cada dia surgiam em maior número, e não tardou a reprimi-las, apesar da

baixa audiência alcançada, uma vez que poucas pessoas conseguiam sintonizá-

las, devido à acirrada perseguição que sofriam (uma das formas de boicotar a

transmissão era a utilização de um forte zumbido — brouillage — em cima da

emissora, o que forçava as rádios a mudar constantemente de freqüência).

O interesse do governo francês em não deixar que as rádios livres se

proliferassem pelo território explica-se pela própria política na área da

radiodifusão: centralizadora e monopolizadora ao extremo. A gestão do rádio e

da televisão estava nas mãos do governo, que cobrava um imposto anual

(redevances) dos proprietários de aparelhos televisivos para manter tanto as

transmissões de TV como as de rádio, já que nessa época era proibido o uso da

publicidade.

No entanto, apesar do monopólio acirrado, havia espaços para emissão

radiofônica, com muita publicidade. Enquanto durou a centralização do governo

no rádio e na televisão, a França se viu invadida por um arsenal de emissoras

periféricas, que transmitiam para o país sem que estivessem dentro do seu

território.

A política de comunicação centralizadora do governo, as rádios

periféricas e o aparecimento da Rádio Fil-Bleu, colocada no ar em 1977 na

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cidade de Montpellier (sul da França) por um advogado partidário do governo,

que descobriu algumas falhas na jurisdição da comunicação, deram o aval para o

surgimento de mais e mais rádios livres.

Em 1979, a Assembléia Nacional, preocupada com a rápida proliferação

das rádios “piratas”, resolve designar uma comissão parlamentar para

estudar a independência e o pluralismo da informação pública no estatuto

do monopólio. Após seis meses de trabalho a comissão estimou, após

ouvir 97 pessoas, que o serviço de comunicação radiofônica não era

suficiente, além de que a independência e o pluralismo da informação não

estavam assegurados. O monopólio da radiodifusão sofreu mais um duro

golpe.”46

O Partido Socialista não tarda a colocar no ar sua própria emissora,

engajando-se de fato na luta. Em junho de 1979, nasce a Rádio Rispote, que teve

como primeiro secretário o futuro presidente da República, François Mitterrand,

responsável pela liberação das ondas francesas. A Confederation Général du

Travail (CGT) também coloca no ar suas emissoras, chamadas de “rádios de

luta”, sempre em locais de intensas reivindicações trabalhistas.

1981: a vitória socialista de Mitterrand

No dia 21 de maio de 1981, Mitterrand vencia as eleições presidenciais na

França. Não demorou muito para que os adeptos das rádios livres invadissem o

dial, que se tornou pequeno para tantas rádios, gerando uma situação caótica.

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Havia de tudo: rádios roqueiras, de jazz, de anarquistas, de homossexuais, de

seitas, de emigrantes, ou seja, uma diversidade sem igual, ou “um verdadeiro

farwest: o primeiro a chegar reivindica o território”.47

O Partido Socialista, cumprindo seu programa de governo, permitiu a

transmissão das chamadas “rádios locais”, com as seguintes condições: no

máximo 30 km de zona de escuta, publicidade limitada a cinco minutos por

hora, as rádios precisariam ter um estatuto de associação, sem fins lucrativos e

sem a criação de redes de transmissão, deveriam produzir 60% dos seus

programas e estavam sujeitas à lei de imprensa.

A situação das rádios livres francesas ainda demorou a ficar estabilizada,

já que o governo queria evitar o uso da publicidade, para não dar abertura ao

grande capital, chegando até a criar um fundo de ajuda às pequenas rádios. O

ministro das Comunicações, Georges Filloud, conseguiu se manter inflexível até

1984, quando finalmente permitiu o uso da publicidade. O que se segue daí é a

progressiva perda de qualidade das rádios mais criativas do movimento e a

instalação de rádios estritamente comerciais.

46 Idem, ibidem, p. 28.

47 Idem ibidem, p. 29.

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55

Capítulo 2

As rádios ilegais no Brasil

2.1. As primeiras ondas livres no Brasil

As rádios ilegais no Brasil possuem quatro momentos distintos em sua

história. Na primeira fase, as rádios não-oficiais são colocadas no ar quase por

ingenuidade; os organizadores da experiência nem sabiam da ilegalidade do ato.

Depois, elas surgem em Sorocaba, interior do estado de São Paulo, como

experimento de jovens da área eletrônica e possuem um caráter de hobby. O

terceiro momento é mais politizado; marca o surgimento das rádios livres, que

têm como pressuposto básico democratizar o acesso a antenas; paralelamente às

rádios livres começam a surgir as emissoras de tendência religiosa. Por fim, no

quarto momento, que presenciamos hoje, são as rádios comunitárias que estão

em cena, organizando-se para serem regulamentadas.

O primeiro momento das rádios ilegais brasileiras é composto de dois

casos isolados de pessoas que praticaram a radiodifusão sem permissão oficial,

pelo simples prazer de fazer rádio e sem nenhuma intenção subversiva no ato.

De acordo com Marisa Meliani48, em 1931 o publicitário Rodolfo Lima

Martensen, com a ajuda de um amigo, colocou no ar, em Rio Grande de São

48 Op. cit., pp. 104-105.

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Pedro (RS) a primeira emissora de rádio da cidade. A iniciativa fez tanto sucesso

que acabou sendo oficializada, transformando-se na Rádio Sociedade do Rio

Grande do Sul.

O segundo registro é de 1971, em Vitória (ES). Vivia-se em plena

ditadura militar e, por isso, a história não teve um final tão feliz quanto à do

publicitário gaúcho. Tudo começou quando Eduardo Luiz Ferreira Silva, de 16

anos, apaixonado por eletrônica, desmonta um aparelho de rádio, remontando-o

em seguida em forma de um transmissor à válvula de 15 watts. Surge a Rádio

Paranóica.

Eduardo põe a rádio no ar com a ajuda de seu irmão. As emissões atingem

as imediações do local em que estava instalado o transmissor (no banheiro do

bar do pai dos rapazes, que nem sabia da existência da rádio dos filhos).

Eduardo decide aumentar a capacidade do transmissor para 300 watts, e assim

consegue atingir toda a cidade, concorrendo com as duas emissoras oficiais de

Vitória, tornando a Paranóica muito famosa.

A gente tocava música, metia o pau nos comerciantes que roubavam no

peso, reclamava da prefeitura... A gente era tão bobo, tão inocente com o

que fazia, que até dava o telefone do bar. Não sabia que era proibido.49

49 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 105.

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Mas os dois irmãos foram denunciados, acusados de subversão, quando a

rádio completava apenas seis dias de emissão. Eduardo teve a casa toda

vasculhada e quebrada, e o bar foi destruído. Ele foi preso junto com seu pai (o

irmão conseguiu fugir), mas foi logo liberado. Seu pai, semi-analfabeto, só

conseguiu ser solto depois de três dias. Em 1994, Eduardo conseguiu ter acesso

ao seu processo e descobriu que a sua rádio foi acusada, por um famoso

jornalista de Vitória, de ser “uma armação dos comunistas para desestabilizar o

regime”.

Sorocaba (SP), verão de 1982

Consideradas como as primeiras rádios livres brasileiras, as emissoras

sorocabanas foram aos poucos chamando a atenção na cidade durante a primeira

metade dos anos 80, mais como hobby do que como um movimento nascido de

causas político-contestatórias. O nível de industrialização de Sorocaba, os

inúmeros técnicos em eletrônica e a falta de locais de diversão para os jovens de

baixa renda foram motivos suficientes para o avanço das rádios livres no local.

Alguns adolescentes, cansados de ouvir a programação pasteurizada das

FMs comerciais, descobrem que podem fazer suas próprias rádios com a ajuda

dos componentes eletrônicos certos. A primeira rádio ilegal de Sorocaba, cujas

transmissões atingiam apenas um quarteirão, chamou-se Spectro e foi ao ar em

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1976 (seis anos antes do boom de Sorocaba) pelas mãos de um adolescente de

14 anos.

O mesmo garoto montou outro transmissor, em 1980, que dessa vez atinge

10 km. Já no final de 1981, Sorocaba possui mais seis rádios: junto com a

Spectro, também transmitem as rádios Estrôncio 90, Alfa 1, Colúmbia, Fênix,

Star e Centauros (esta última troca o nome para Voyage e mescla-se com a

Spectro, nascendo assim a Spectro Voyage Clandestina – SVC, uma das mais

famosas rádios livres de Sorocaba). Em 1982, estão no ar, oficialmente, 43

emissoras, mas há informações de que mais de 100 rádios transmitiam na época.

O movimento nasce de forma autêntica, sem publicidade e com objetivos

de organização autogestionária. A verdadeira mania que surge em

Sorocaba leva os radioamantes a criar o Conselho das Rádios

Clandestinas de Sorocaba, na tentativa de obter organização e impedir

as interferências sobre as freqüências oficiais e mesmo sobre outras não-

autorizadas.50

O conselho foi extinto um mês depois de criado, devido à impossibilidade

de controlar tantas rádios. O antigo Departamento Nacional de

Telecomunicações (Dentel), hoje Departamento Nacional de Fiscalização das

Comunicações, não demorou muito a entrar em ação, ameaçando os chamados

radioamantes com o Código Brasileiro de Telecomunicações, que prevê pena de

prisão para quem transmitir sem concessão na faixa de FM. Com isso, as

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emissoras foram saindo do ar paulatinamente, até que em 1984 contabilizavam-

se apenas 15 rádios ilegais em Sorocaba.

Rádio Xilik: “uma emissora mais lida do que ouvida”

As rádios de Sorocaba não demoraram muito a despertar o interesse da

imprensa paulistana, que divulgou várias matérias a respeito, em especial a

imprensa escrita. Através dessas informações, um grupo de rapazes, alguns do

Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS) da Pontíficie Universidade

Católica de São Paulo (PUC-SP) e outros da Universidade de São Paulo (USP),

têm a idéia de também montar uma emissora, mas com claros objetivos

políticos.

Era o ano de 1985 e o país todo lastimava-se pela morte do presidente

Tancredo Neves. Quem não sucumbiu, ficou revoltado com tantas informações

erradas dadas pela imprensa em geral. Os rapazes do CACS e da USP discutiam

essas questões, quando surgiu a idéia de montar uma rádio livre e dar “a versão

real dos fatos e usar a liberdade de expressão até as últimas conseqüências”51.

Assim nascia a Rádio Xilik, com 6 watts de potência, montada dentro de uma

panela, na sede do Centro Acadêmico.

50 Idem, ibidem, p. 109.

51 MELIANI, Marisa. “Rádios livres: o outro lado da voz do Brasil”. São Paulo, USP, 1989. Projeto Experimental em Jornalismo. p. 74.

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A Xilik entrou em fase experimental no dia 26 de junho de 1985,

abrangendo alguns bairros da zona Oeste de São Paulo. Influenciados pelo

movimento de rádios livres da Europa (França e Itália em especial), os 12

integrantes da Xilik queriam chamar a atenção do público para questões como

democratização da comunicação e liberdade de expressão, divulgando dessa

forma o ideário das autênticas rádios livres.

Para isso utilizaram uma tática, que seria comum sempre que houvesse

transmissão: convocar a imprensa para escutar a rádio. Inúmeras matérias

surgiram em jornais da capital e em algumas revistas, fazendo da Xilik “uma

rádio mais lida do que ouvida”, como disse um dos integrantes, André Picardi52.

Um transmissor mais potente, de 40 watts, a comprovação da audiência e

a criação da Cooperativa de Rádio-Amantes (Coralivre) caracterizaram a

segunda fase da Xilik. O grupo discute no ar, em forma de debate, a importância

de se ter uma rádio livre. Além disso, empresta o transmissor para o nascimento

de outras rádios, aproxima-se de sindicatos, visita favelas e envia transmissores

para outros estados, como Paraná e Pará.

A rádio também promove várias campanhas, como ensinar a população a

remarcar os preços nos supermercados, durante o Plano Cruzado: “Já que eles

52 MELIANI, Marisa. Rádios livres; o outro lado da voz do Brasil. São Paulo, USP, 1995. Dissertação de mestrado apresentada à Escola de Comunicação e Artes. p. 115.

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remarcam tudo, peguem os selos mais baratos e coloquem nos produtos mais

caros”53; plantar maconha em casa, quando ainda nem se falava na

descriminalização do uso da erva; entrar pela porta de trás do ônibus, afinal “o

ônibus é um dever do Estado e um direito do cidadão”54.

O Dentel tentou duas vezes apreender o incômodo transmissor da Xilik,

mas não conseguiu, pois a rádio contava com largo apoio dos estudantes e até da

reitoria da PUC. Sua última transmissão foi ao ar em dezembro de 1985, por

decisão do próprio grupo, que considerou ter cumprido sua missão.

Rádios Selvagens no Leste ocidental

Apesar de a Rádio Xilik ser considerada uma das pioneiras na discussão

da democratização da comunicação, outras rádios foram suas contemporâneas.

Merecem destaque as primeiras rádios livres da Grande São Paulo, em especial

aquelas localizadas no município de Poá, um dos menores municípios do estado,

média de 100 mil habitantes, entre as quais citamos Capitão Gancho, Estação

Apache e Tuaregs. Sobre o fenômeno, um de seus principais sustentadores

explica:

53 MELIANI, Marisa. “Rádios livres: o outro lado da voz do Brasil”. São Paulo, USP, 1989. Projeto Experimental em Jornalismo. p. 78-9.

54 Idem, ibidem, p. 79.

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Música. Essa é a primeira idéia que vem à mente quando se fala em

rádio. Estranho, mas outros fatores igualmente ou mais importantes como

noticiário, informações, bate papo, sempre acabam ficando para segundo

plano (...) Com certeza, a origem das Rádios Selvagens do Leste não foi

muito diferente. A música teria sido o embrião e o combustível da

desordem. Claro que o fator música, tem a ver com todo um contexto dos

anos oitenta: abertura política (?), formação de novos partidos, novos

canais de participação, livre associação, movimentos de massa, novos

valores musicais e artísticos surgindo em cena, etc.55

A rádio Capitão Gancho foi criada pelo sociólogo José Carlos Francisco

de Paula, que soube das rádios livres assistindo às palestras de Felix Guattari em

São Paulo. Assim, José Carlos montou uma rádio (transmissor valvulado caseiro

com cinco watts de potência) com o seguinte perfil: autogestionária,

ideologicamente voltada ao esquerdismo, locução e músicas com tempo

equivalentes, músicas alternativas, personagens criadas a partir da fábula de

Peter Pan, situados na Terra do Nunca – Barba Negra, Barba Ruiva, Barba

Timão, Barbarella, Sininho e Peter Punk eram alguns dos pseudônimos

utilizados pelos organizadores da emissora.

Com a Rádio Capitão Gancho surge o primeiro veículo escrito de

divulgação das rádios da região: o fanzine Garrafa. Em princípio, foi produzido

para informar apenas as atividades da Capitão Gancho, depois passou a divulgar

o trabalho de outras rádios livres, fornecendo também dicas de como montar

55 DE PAULA, José Carlos Francisco. “O movimento”. In: fanzine Turba Iratus, no 3, 1994.

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transmissores ilegais. Outras formas de divulgar o trabalho da rádio foram as

vendas de camisetas com o logotipo da Gancho, cartazes e grafitagem pelas

principais ruas da cidade. Em 1989, discordâncias entre os organizadores da

rádio põem fim ao projeto, que naufraga junto com o Garrafa.

Estação Apache: “contra os brancos, bélicos e cristãos”56

Esta foi outra rádio criada pela iniciativa de José Carlos, com o objetivo

de fazer uma rádio mais combativa, divulgando principalmente a causa indígena

brasileira (transmissor de cinco watts de potência, valvulado, abrangendo Poá e

municípios vizinhos como Suzano, Ferraz de Vasconcelos e parte de Mogi das

Cruzes). Para isso, conta com a participação do funcionário público Eliézer

Barreto, ouvinte da Capitão Gancho, que depois passa a dirigir a Estação

Apache sozinho.

A Estação Apache teve sua primeira transmissão em setembro de 1988.

Toda a estrutura da rádio foi pensada com cuidado, do nome ao perfil da

emissora. Segundo Eliézer Barreto, o termo “estação” surgiu como referência à

demolição da antiga estação de trem de Poá: “Achávamos um absurdo

demolirem a estação em volta da qual a cidade nasceu, então pintou a idéia de

resgatar o termo”57. O nome apache foi uma referência à tribo de índios norte-

56 Uma das frases utilizadas pelos apresentadores da Estação Apache.

57 Depoimento de Eliézer Barreto dado à autora em junho de 1995.

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americanos, que mais lutou contra a colonização. Além disso, eram chamados

apaches, os marginais perseguidos pela polícia por praticarem pequenos furtos

para sobreviver na Paris do século XIX.

Com a leitura dos livros Enterrem meu coração na curva do rio, de Dee

Brown, e Nossos índios, nossos mortos, de Edilson Martins, veio a construção

da linguagem utilizada pela Estação Apache, até esse momento, toda voltada

para a causa indígena. Em 1989, José Carlos deixa a Apache para montar outra

rádio.

A Estação Apache vive seu segundo momento quando se preocupa em

divulgar o pensamento anarquista e a cultura marginal suburbana.

Nos correspondíamos com diversos lugares do Brasil e recebíamos muito

material alternativo, como fanzines sobre variados temas, demos tapes58

de bandas de garagem, então passamos a divulgar todo esse material

nos programas da rádio, complementando-os com textos clássicos do

anarquismo.59

Além disso, há entrevistas com o somaterapeuta Roberto Freire, com o

anarquista Jayme Cuberos, com o músico Tom Zé e com músicos da região.

58 Demo tape (fita demo) é uma fita cassete gravada amadorísticamente durante ensaios de bandas musicais.

59 Depoimento dado à autora.

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A terceira e última fase da rádio foi acompanhada de mais pessoas: 15

ouvintes da Apache juntam-se à Eliézer, dando o caráter autogestionário que

faltava. Os programas passaram a ser discutidos em reuniões, e o grupo comprou

todo o equipamento da rádio, dividindo também as suas despesas com

manutenção. Em julho de 1992, a Estação Apache faria sua última intervenção

na cidade. Interferência nas televisões dos vizinhos e a falta de um local

apropriado para transmissão colocaram fim à experiência.

Tuaregs: no deserto com Alah60

A Tuaregs foi a terceira rádio livre criada por José Carlos de Paula em

cinco anos de militância na causa das emissoras livres. O trabalho foi solitário

nessa nova experiência. A Tuaregs surgiu em julho de 1990 (transmissor de 15

watts de potência, transistorizado) com a proposta de utilizar o humor e o

anarquismo nos programas.

O perfil da rádio vem do nome “tuaregues”, povos nômades e guerreiros

que vivem no deserto africano. Aproveitando a história desse povo, José Carlos

cria o vocabulário da emissora com algumas palavras da língua islâmica,

mesclando-as com estranhas gírias usadas no filme “Laranja mecânica”, de

Stanley Kubrick chamadas de “nadstat”. Definido o vocabulário da rádio, são

60 Alah era a grafia utilizada pelos componentes da rádio livre Tuaregs.

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criadas as personagens para que toda a ação se passe “num deserto imaginário

com os inconvenientes de praxe”61. Entre os principais “apresentadores” de

programas estão: Chacal, Jamal, Maluf Malaka e Jack Estuprador, todos eles

representados pelo criador da emissora.

Em 1992, a rádio lança seu informativo, o Turba Iratus (povo irado), um

fanzine com periodicidade anual que divulga a causa das rádios livres. Em 1995,

alguns dos participantes da Estação Apache juntam-se à Tuaregs, que tenta

manter seu projeto original, mas com certa dificuldade, pois nem todos os novos

participantes adaptam-se a sua linguagem. Atualmente, a Tuaregs está fora do

ar, tentando encontrar um novo local para transmissão.

No vento e nas aldeias, um Sinal de fumaça

Sinal de fumaça foi um fanzine lançado pela Estação Apache e pela

Tuaregs no início de 1990, com muita contra-informação. Foram cinco números,

cujo objetivo era levar o sinal das emissoras até onde ele não conseguia

alcançar. A distribuição foi feita via correio, e o Sinal de fumaça rompeu

61 Depoimento dado à autora em junho de 1995 e informações contidas nos fanzines Garrafa,

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fronteiras, chegando até o Japão e sendo citado no jornal Barlavento, de

Portugal. O fanzine recebeu inúmeras cartas de todo o Brasil e os seus

organizadores atingiram a marca de 50 transmissores vendidos.

O mais interessante dessas rádios é a originalidade com que elas foram

desenvolvidas. Xilik, Capitão Gancho, Estação Apache e Tuaregs, as três

últimas com seus respectivos fanzines, trazem no seio todo o ideal das rádios

livres mais autênticas, ou seja, o de fazer rádio de maneira criativa, trabalhando

a linguagem e oferecendo ao ouvinte uma programação diferenciada, alternativa

à programação oficial, predominantemente musical. Também foi característica

dessas rádios funcionar em regime de clandestinidade, no sentido de não

divulgarem seus endereços ou telefones para contato, uma vez que a fiscalização

era mais acirrada. O contato com o ouvinte era feito por meio de uma caixa

postal.

Rádio Reversão: resistir é preciso

De todos os problemas enfrentados pelas rádios livres, o maior diz

respeito ao lado financeiro. Ceder espaço para anunciantes, o que seria uma

forma de gerar receita, significa limitar a liberdade de expressão. Por outro lado,

não é possível sobreviver apenas com as colaborações. Uma rádio que conseguiu

Kachorro Louko, Sinal de fumaça e Turba Iratus.

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pôr fim a esses problemas foi a Reversão, uma rádio livre localizada na Vila Ré,

zona Leste de São Paulo, que se tornou um marco na história das rádios livres

brasileiras.

Sua história começa em 1988, quando surge como veículo de divulgação

da cultura urbana underground da cidade de São Paulo, em geral, e do bairro em

que se localiza, em particular.

Na realidade, a Rádio Reversão faz parte de um projeto cultural de grande

abrangência iniciado em 1975 pelo jornalista Léo Tomaz. A idéia era agrupar

poetas, escritores, artistas plásticos e músicos da Vila Ré, na Casa de Cultura

Reversão, espaço criado originalmente com o intuito de integrar os artistas

locais. Como esses artistas não possuíam espaço para expressão na mídia, eles

decidem ter seu próprio veículo de comunicação, nascendo, assim, a Rádio

Reversão, sem qualquer orientação ideológica e que conta com total apoio da

comunidade do bairro.

A rádio foi colocada no ar em programas diários, das 20 horas à meia-

noite, com 27 pessoas revezando-se na operação, locução e funcionamento do

espaço. O transmissor possuía 20 watts e atingia um raio de quatro quilômetros.

Os programas tratavam de vários temas: havia programas produzidos pelas

mulheres do bairro, programas destinados à divulgação de poesia, à produção

musical marginalizada pela mídia, programas que apresentavam bandas

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musicais da região, programas sobre meio ambiente, entre outros. Com objetivos

estritamente culturais, a Reversão era mantida com recursos provenientes do bar

instalado na Casa de Cultura.62

No dia 9 de abril de 1991 a rádio sofre intervenção, e o equipamento é

apreendido pela Polícia Federal e pelo Departamento Nacional de Fiscalização

das Comunicações. Léo Tomaz é processado sob acusação de violar o artigo 70

do Código Brasileiro de Telecomunicações. Surgem várias manifestações de

apoio à rádio, além de fartas matérias na imprensa. Em março de 1994, o juiz

Cazem Mazloum, da 4a Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, absolve

Tomaz, argumentando:

A utilização de aparelhos de telecomunicação, de reduzida potência,

destinados a atividades culturais, ou no contexto de tais fins, como

comprovado no caso dos autos, não constitui atividade que afronta as

normas vigentes, notadamente sob o aspecto criminal.63

Com a absolvição de Léo Tomaz, a Reversão tem seus equipamentos

devolvidos e volta ao ar. A notícia repercute, abrindo um precedente para o

funcionamento de muitas outras rádios ilegais. Só no estado de São Paulo, há

mais de mil rádios, com propostas diversificadas, salientando-se que a maioria

delas é de cunho evangélico e comercial.

62 MELIANI, Marisa, op. cit., pp.11-6.

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2.2. Rádios religiosas: a “salvação” vem pelo ar

Foi na segunda metade da década de 80 que os religiosos, a maioria

evangélicos, começaram a ter as suas primeiras rádios ilegais64. Eles

descobriram o filão inexplorado do ponto de vista religioso e começaram a

propagar mensagens evangélicas. São rádios pertencentes a várias denominações

protestantes, que no início dos anos 90 cresceram muito.

De acordo com reportagem veiculada pela Folha de S.Paulo65, em 1991,

apenas na zona Leste da capital operavam mais ou menos 20 emissoras,

“mantidas por contribuições dos evangélicos e anúncios pagos por pequenos

comerciantes”. Para os pastores responsáveis pelas rádios, a meta não é ganhar

dinheiro e sim propagar o que eles chamam de “cultura evangélica”. Muitas

dessas rádios, para aumentar o alcance, unem-se em rede, segundo atesta Marisa

Meliani66 ao citar o exemplo da rádio Nova Jerusalém FM, que transmite junto

com as rádios Jerusalém Celestial e Virtudes FM, na zona Norte da cidade.

Um exemplo, que serve para ilustrar como essas rádios funcionam, é o da

rádio Cultura Celestial, situada no bairro Jardim Castelo, em Ferraz de

63 GIRON, Luís Antônio. “Rádio pirata volta sem ameaça da polícia”. Folha de S.Paulo, 9 abr. 1994. Ilustrada, p. 1.

64 Dentre as rádios ilegais religiosas já se encontram também rádios da religião católica, agregadas na Associação Nacional Católica de Rádios Comunitárias (Ancarc).

65 ANDERAOS, Ricardo. “Evangélicos utilizam rádios piratas para propagar a ‘palavra de Deus’”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 27 abr. 1991. Ilustrada, p. 1.

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71

Vasconcelos (Grande São Paulo). A emissora é coordenada pelo pastor Roque

Santos da Silva, envolvido com a problemática das rádios ilegais desde 1987. O

pastor já possuiu três outras rádios no mesmo estilo. Uma delas, a FM

Apostólica, foi apreendida pelo antigo Dentel, e ele foi processado no final de

1989, e enquadrado na lei de Segurança Nacional. Apesar do processo, Roque

não desistiu das rádios e continuou montando outras FMs.

A rádio Cultura Celestial foi criada no final de 1994, na freqüência 108.1,

com um transmissor de 40 watts e funciona com 26 programadores, revezando-

se das 6 horas à meia-noite durante a semana. A emissora é mantida com apoio

cultural e pagamento de uma taxa por quem faz programas. Para um programa

de uma hora de duração, podem entrar três apoios culturais, que não devem

tratar de bebidas, cigarros ou qualquer outro produto que, segundo o pastor,

“prejudique a saúde”. Em média cobram-se R$ 10,00 mensais por apoio cultural

anunciado. Para ter um programa na rádio é preciso pagar R$ 10,00 por hora de

programa.

Os programas são compostos por temáticas evangélicas, com hinos de

louvores e músicas religiosas. De acordo com o pastor, a orientação é que só

haja veiculação de “músicas que edifiquem”. A rádio recebe cerca de 150

telefonemas por dia. Os programadores são na maioria evangélicos, apesar de o

66 Op. cit., p. 143.

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pastor afirmar que para se fazer parte da rádio não é necessário ser vinculado a

qualquer igreja.

Com a possibilidade de regulamentar as rádios de caráter comunitário,

muitas rádios piratas, livres e evangélicas têm-se transformado em

“comunitárias”. É o caso da Cultura Celestial. De acordo com o pastor Silva, a

emissora é comunitária porque está aberta a qualquer pessoa, desde que não se

critique o governo67.

2.3. Rádios comunitárias: um novo canal de expressão

No Brasil, começou-se a falar em rádios comunitárias no início da década

de 90, quando as rádios ilegais passaram a ser utilizadas em maior escala pela

comunidade de vários bairros. De acordo com José Carlos Rocha, integrante do

Fórum Democracia na Comunicação, entidade ligada à defesa das rádios ilegais,

o termo “rádio comunitária” surge a partir de 1991, durante o Terceiro Encontro

Nacional de Rádios Livres, em Macaé, RJ.

Antes as rádios eram mais de cultura alternativa e de repente com o

grande crescimento das rádios, muitas passaram a ter um trabalho mais

vinculado à comunidade e funcionando de peito aberto, nada clandestino,

67 Depoimento dado à autora em fevereiro de 1996.

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73

nada romântico e aventureiro, uma rádio que presta serviço aos

interesses da comunidade.68

Além disso, os projetos que entraram em tramitação pelo Congresso

Federal regulamentam o funcionamento das rádios de caráter comunitário. Por

isso, muitas rádios se auto-intitulam comunitárias na esperança de poder

funcionar sem o risco de apreensão.

É preciso não confundir as rádios comunitárias com as rádios de alto-

falantes. Enquanto aquelas emitem em freqüência modulada, portanto,

sintonizadas nos aparelhos radiofônicos, estas emitem através de alto-falantes

suspensos em postes – por isso são conhecidas como rádios populares, rádios-

poste, bocas de ferro etc. – e são muito comuns no interior das cidades

brasileiras69, principalmente no Norte-Nordeste.

As rádios comunitárias (e, num determinado momento, também as rádios

livres) têm um formato semelhante ao do rádio brasileiro da década de 20: as

emissoras comunitárias possuem entre seus ideais propagar a cultura, o lazer e a

educação, nascem também no formato de associações e são mantidas com

contribuições e apoios culturais. Além disso, é comum na rádio comunitária o

68 Entrevista concedida à autora no dia 21 de julho de 1993.

69 De acordo com Sônia Virginia Moreira, op. cit., p. 65, as emissoras que utilizam os alto-falantes geralmente prestam serviços de utilidade pública, com programas elaborados pela comunidade em que se situam. Interessante observar que, com o avanço das rádios livres no Brasil, o baixo custo do equipamento e, por trás de tudo isso, o avanço tecnológico, muitas rádios que funcionavam com alto-falantes abandonaram essa prática e passaram a fazer uso do rádio em freqüência modulada.

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apresentador de um programa ser a mesma pessoa que vai atrás de apoios

culturais e representar ao mesmo tempo o contato comercial, o produtor, o

redator e o locutor.

Uma rádio de caráter comunitário pertence a uma associação sem fins

lucrativos, cuja preocupação fundamental é ceder espaço para a expressão de

vários setores de uma determinada comunidade. A gerência da emissora fica a

cargo dessa associação, que precisa ser pluralista. Assim, fazem parte a dona-de-

casa, o jovem, o comerciante, o padre, o pastor, a mãe-de-santo, o estudante, o

trabalhador, o vereador da região, a oposição política, o aposentado, o professor

e quem mais vier para colaborar. É a partir desse mosaico que a voz da

comunidade vai-se delineando na emissora, sem discriminações e com espaço

para todos. Outra característica da rádio comunitária é o seu alcance, que precisa

ser mínimo (25 watts foi a potência estipulada para a regulamentação federal).

A maior importância das rádios comunitárias é o seu papel social,

enquanto porta-vozes de uma (grande) parcela da população, que não tem um

canal de comunicação próprio. Essas emissoras representam, assim, a voz da

comunidade fazendo-se ouvir, procurando uma resolução para os seus

problemas, com vistas a um avanço social. Esse é o esboço do que vem a ser

uma rádio comunitária de fato. O assunto voltará a ser discutido na segunda

parte desta dissertação quando será analisada a Rádio Cidadã.

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Capítulo 3

A comunicação alternativa e a comunicação popular

3.1. A comunicação alternativa

Para compreender o que é a comunicação alternativa, remetemo-nos à

origem das duas palavras, ambas latinas. Assim, comunicação vem de

communis, significa “tornar algo comum à comunidade”70 e indica troca de

idéias, informações e mensagens.

A comunicação só ocorre se houver acesso aos canais de expressão e os

envolvidos fizerem parte do processo de troca de idéias, informações e

mensagens, participando de um diálogo crítico contínuo que é fundamentado no

conhecimento objetivo que o homem tem da realidade71. Paulo Freire afirma que

a palavra é um direito de todos:

Se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é praxis, é transformar

o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito

de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra

verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com

o qual rouba a palavra aos demais. O diálogo é este encontro dos

70 FESTA, Regina. Comunicação popular e alternativa; a realidade e as utopias. São Bernardo do Campo, IMS, 1984. Dissertação de mestrado. p. 166.

71 Idem, ibidem, p. 166.

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homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando,

portanto, na relação eu-tu.72

Ainda segundo o pensador, quando os homens dialogam, dá-se “um

encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos

significados”73. A partir daí estariam prontos para pensar o mundo criticamente

com vistas a uma transformação.

Voltando à comunicação alternativa, localizamos o significado da palavra

alternativa em alter, que quer dizer ‘outro’ e “indica uma relação com outro, um

alter que chama a si os que se desviam de um caminho inicial”74. Assim, pode-

se dizer que a comunicação alternativa é uma opção à comunicação de massa,

produzida pelos grandes meios.

Alternativa porque também representa uma busca por tudo o que é

inovador e diferente dentro da sociedade de consumo, como forma de crítica e

transformação social: a contracultura, os movimentos hippie, beat e pacifista e

as comunidades alternativas foram sem dúvidas alternativas políticas que

buscaram um outro caminho frente ao que estava dado pelo poder vigente.

72 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. pp. 92-3.

73 LIMA, Venício Artur de. Comunicação e cultura; as idéias de Paulo Freire. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. p. 59.

74 CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de massa sem massa. São Paulo, Summus, 1986. p. 45.

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O termo “alternativo” sempre foi historicamente vinculado mais à criação

de alternativas técnicas e culturais ao estabelecido (tecnologias,

linguagens, novas formas de vida, etc.) e visto também à margem,

paralelo à sociedade estabelecida.75

Para Regina Festa76, a comunicação alternativa, no caso brasileiro, surgiu

numa situação de marginalidade aos grandes meios de comunicação e se

mostrou alternativa ao reorientar as forças sociais, mas não surgiu para se

contrapor à comunicação dos meios de massa e sim para ser uma oposição ao

poder constituído. Além disso, reflete a autora, é um tipo de comunicação que

serve como “mediadora dos interesses entre classes dominantes, sociedade civil

e classes populares”77.

O conteúdo é fundamental

De acordo com Maximo Simpson Grinberg78, para se compreender melhor

a comunicação alternativa é preciso levar em consideração alguns fatores. O

conteúdo, por exemplo, é fundamental, e, a partir dele, quatro aspectos podem

ser levantados: a seleção dos temas, a hierarquização das informações, sua

classificação por seções e seu posterior tratamento e a linguagem. A partir

75 SOUZA, Marcio Vieira de. As vozes do silêncio, o movimento pela democratização da comunicação

no Brasil. Paris/Florianópolis, Foundation pour le progrès de l’homme/Diálogo, 1996. pp. 81-2.

76 Op. cit., p. 170.

77 Idem, ibidem, p. 171.

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dessas informações, podem-se ver os aspectos que tornam um meio alternativo

ou não.

Grinberg também nos dá um panorama a respeito da comunicação

alternativa e suas significações. Transcrevemos as seis dimensões do assunto,

relacionadas pelo autor como fatores alternativos dentro de determinados

meios79:

• alternativa 1: produzida de maneira não-massiva; definida pelo controle e

propriedade coletivos do meio, pelo princípio de participação na seleção dos

assuntos e na elaboração das mensagens, no seu conteúdo aberto e

antiautoritário, na ambivalência de papéis emissor-receptor e na

multidirecionalidade das mensagens;

• alternativa 2: também não-massiva; a eleição dos temas e elaboração das

mensagens são feitas com a participação ativa dos receptores. As

características definidoras deste meio estão centradas na propriedade e

controle coletivos, pela participação e pelo caráter do discurso;

• alternativa 3: produzida de forma massiva; tem como objetivo a difusão

massiva de mensagens. A alternatividade é mais restrita por situações

78 “Comunicación Alternativa: dimensiones, límites, posibilidades”. In: GRINBERG, Maximo Simpson (org.). Comunicación alternativa y cambio social. Ciudad del Mexico, Universidad Nacional Autonoma de Mexico, 1981, p. 113.

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conjunturais.

Dois exemplos alternativos pelo caráter da mensagem: quando a mensagem é

elaborada por um grupo reduzido de pessoas, que tem a propriedade do meio

e exerce o seu controle, a comunicação é unidirecional, mas existe o caráter

antiautoritário do texto; quando a mensagem é antiautoritária, também

elaborada por um reduzido grupo, que não é o proprietário do meio mas

possui liberdade para escolher e hierarquizar os temas, abordando-os

criticamente;

• alternativa 4: massiva; as condições políticas e sociais de determinado local

são instáveis, quem está no controle e/ou é proprietário do meio (estatal ou

privado) pode exercer uma linguagem antiautoritária em seções, colunas ou

programas que mostram o inconformismo, servindo de instrumento crítico do

status quo;

• alternativa 5: massiva; um meio massivo pode constituir-se, globalmente, em

opção ao monopólio da informação se há mecanismos que tornem factível o

acesso de diversos setores sociais e políticos que, podendo gravitar na

formulação da política editorial, gerem mensagens a partir de uma concepção

antiautoritária. Característica definidora: propriedade e controle coletivos,

acesso ao meio de grandes setores sociais e caráter do discurso;

79 Op. cit., pp. 116-9.

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• alternativa 6: massiva; o meio é propriedade coletiva de seus trabalhadores,

difunde mensagens não-autoritárias e está identificado com os interesses das

maiorias sociais; no entanto, não dá acesso, na formulação de sua política

editorial, a setores alheios a ele.

Grinberg ressalta, dessa forma, os seguintes aspectos que mais

influenciam para que um meio seja de fato alternativo, ou que comporte alguns

elementos de alternatividade: o tipo de discurso – “sem discurso alternativo não

há meio alternativo”, diz o autor –, o controle e a propriedade coletiva do meio,

a participação dos receptores na escolha dos assuntos e na elaboração das

mensagens, o conteúdo antiautoritário e o acesso de diversos setores sociais. Um

meio que faça a convergência de todos esses aspectos pode ser entendido como

genuinamente alternativo, pois implica uma séria opção diante do discurso

dominante, uma opção qualitativa, que apresenta outras vozes cujo acesso ao

discurso oficial dos grandes meios é muito difícil.

No entanto, precisamos ressaltar que o caráter alternativo pode estar

presente mesmo nos meios de comunicação de massa. Lins da Silva, ao analisar

as “brechas” da indústria cultural brasileira, as quais só foram viabilizadas após

a fase de abertura do regime militar, encontra esses canais por onde é possível

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“passar ao público conteúdos diversos e, algumas vezes, contrários aos

interesses das classes dominantes e do próprio Estado”80.

Mas essas “brechas” só podem ser assimiladas se houver um

conhecimento prévio de determinado assunto por parte do público, ou seja, é

preciso que o público tenha suficiente grau de discernimento crítico das questões

para que possa compreender o que lhe é apresentado81.

Por outro lado, também existem os meios que apenas se “disfarçam” de

alternativos, no dizer de Grinberg, mas que na verdade reproduzem o mesmo

tipo de discurso que os meios oficiais. Aqui podemos voltar a falar das rádios

que funcionam à margem da lei, tomando-as como exemplos de meios que se

autointitulam alternativos sem realmente sê-los.

Algumas rádios piratas inglesas tinham programação estritamente musical

e o seu maior objetivo era o lucro. Sua inovação foi ter apresentado um novo

estilo de locução, mas, além dessa novidade estética, nada mais apresentava de

questionador.

Com uma proposta completamente diferente, as rádios clandestinas que

participam de um processo de guerrilha são críticas e democráticas enquanto

80 SILVA, Carlos Eduardo Lins da. “As ‘brechas’ da indústria cultural brasileira”. In: FESTA, Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986. p. 52.

81 FESTA, Regina, op. cit., p. 172.

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estão inseridas na luta política, sendo porta-vozes de contra-informação; no

entanto, assim que assumem o poder e vencem a guerra “passam a se comportar

com as mesmas características das emissoras autorizadas, mesmo trazendo, em

alguns casos, mais democracia para o veículo”82.

As rádios livres européias, por sua vez, tiveram em seu meio várias

emissoras que apenas se aproveitam do movimento para obter a regulamentação,

sem possuir um conteúdo crítico da realidade. Ao contrário, eram rádios de

caráter comercial, de mentalidade mercadológica, que novamente estavam

apenas interessadas no lucro.

No Brasil, a história se repete, havendo hoje inúmeras emissoras sem

autorização, de caráter comercial, religioso, musical etc. A partir de uma

pesquisa de escuta, feita entre março de 1994 e fevereiro de 1995, Marisa

Meliani83 sintonizou 50 emissoras de rádio ilegais na zona Norte de São Paulo,

das quais 68% (34 emissoras) tinham fins lucrativos, 24% (12 emissoras) não

tinham fins lucrativos e 8% (4 emissoras) tinham objetivos ignorados. Em

relação ao conteúdo das emissões, a pesquisadora verificou que 44% eram de

82 MELIANI, Marisa, op cit. pp. 35-6.

83 Op. cit., pp. 180-1.

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caráter comercial evangélico, 24% de caráter comercial musical, 24% de caráter

cultural e 8% de conteúdo ignorado84.

As rádios evangélicas apresentam um conteúdo totalmente voltado para a

causa religiosa, com pregações ostensivas e músicas que seguem a linha da

emissora. Já o discurso apresentado pelas rádios comerciais é muito próximo do

discurso pasteurizado das rádios oficiais: “A estrutura básica da programação é

montada tendo como referência a moda lançada pelo mercado de bens

culturais”85.

Assim, essas rádios praticamente imitam as emissoras concessionadas,

repetindo as mesmas músicas e o mesmo estilo de locução. A diferença é o fato

de não serem oficializadas e estarem fisicamente mais próximas do ouvinte, que

não raro visita a rádio e telefona constantemente para pedir músicas.

O acesso do ouvinte à rádio existe, por certo, mas é a distância, passivo e

sem caráter participativo86. Isso pode ser explicado pela característica de

passividade do povo brasileiro. Ao analisar esses traços, Marques de Melo87 –

referendando as idéias de Paulo Freire segundo as quais o povo brasileiro é

84 A autora não informa se as rádios identificadas como culturais e sem fins lucrativos são as rádios comunitárias.

85 Idem, ibidem, p. 156.

86 Mais adiante discutiremos os critérios participativos.

87 Comunicação; direito à informação. São Paulo, Papirus, 1986. pp. 65-9.

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caracterizado pela “inexperiência democrática” e pelo “mutismo” – considera

que:

Um povo que não tem experiência de participação, de intervenção na

coisa pública, de exercitação da sua capacidade de influir nas decisões

nacionais, é um povo condenado à marginalização social e política, a

permanecer mudo, silencioso, apático.

A ausência de participação popular nos destinos do país e a conseqüente

castração das potencialidades comunicativas do nosso povo tem sido

uma constante na História do Brasil, da Colônia ao Império, da Velhíssima

República às Novas Repúblicas que surgiram neste século.

O autor acredita que a educação é fator primordial para a transformação.

Assim:

Comunicar, expressar livremente fatos e idéias, pressupõe o domínio do

código e o acesso aos conteúdos que permitirão produzir mensagens e

difundi-las, divulgá-las. Logo, pressupõe o manejo de informações. E tal

atividade se estriba na instrução básica, no conhecimento sistematizado,

no treinamento para a aprendizagem continuada.88

Falando novamente das experiências radiofônicas citadas, será que por

mais que funcionem à margem da instituição e que estejam exercendo seu

direito de liberdade de expressão89 podem ser taxadas de “alternativas”?

88 Idem, ibidem, p. 69.

89 Ainda ligando a comunicação ao saber, Marques de Melo diz: “Não basta portanto que a lei assegure a todos a liberdade de expressão. É imprescindível dotar a todos da capacidade de saber, fazer, transformar, criar. Do contrário, o direito de comunicar se esvazia, na medida em que o seu exercício fica limitado aos poucos instruídos, capazes de formular mensagens, recheá-las de conteúdos e disseminá-las adequadamente” (Op. cit., pp. 69-70.).

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Se alternativa é toda experiência que traz uma proposta diferente, original

em seu conteúdo, como podemos considerar rádios alternativas as que tocam

músicas comerciais o tempo todo, que estão interessadas apenas no fator

financeiro ou na tomada do poder político e que repetem os mesmos padrões já

tão desgastados das rádios oficiais? Recorremos novamente a Grinberg, que vê a

qualidade das experiências como outro fator importante para localizar o

alternativo nos meios:

No nosso entender, para ser verdadeiramente alternativo, não basta que

um meio esteja à margem das redes de distribuição da grande imprensa,

deve sim ostentar uma diferença qualitativa em relação a ela; em tal

sentido, o alternativo se opõe ao meramente complementar ou marginal,

pois implica, embora em medida variável, um questionamento do status

quo90.

Portanto, encontrar-se à margem da mídia oficial não é fator determinante

para que um veículo de comunicação seja entendido como alternativo. O

alternativo se inscreve numa perspectiva mais ampla, na qual são

imprescindíveis fatores como o conteúdo do discurso e a participação ativa dos

receptores.

90 Op. cit., p. 116.

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3.2. A comunicação popular

Além do termo “comunicação alternativa”, existem outras denominações

para designar o tipo de atuação da comunicação que pretende ser um canal

diferenciador de informações veiculadas pela mídia. Analisando o assunto,

Regina Festa encontrou 33 termos para denominar uma comunicação com vistas

à transformação social, contando com a participação de vários setores sociais91,

entre os quais estão a comunicação popular, a participativa, a contestatória, a

marginal, a comunitária, a emergente, a de resistência etc., todas primando pela

análise crítica da realidade, procurando mudanças estruturais a partir de uma

interação entre emissores e receptores, os quais, num processo participativo,

trocam constantemente de papel. Por isso, as diferenças entre essas várias

comunicações são tênues e difíceis de ser diagnosticadas.

No entanto, em relação à comunicação alternativa e à comunicação

popular, podemos ver a seguinte diferença: enquanto aquela não precisa

necessariamente contar com a participação de diversos setores sociais na sua

formulação, para que apresente um discurso alternativo, esta prevê uma

comunicação que conta essencialmente com a participação popular e nesse caso

há grande ênfase na representatividade, ou seja, é importante a participação de

vários setores da sociedade na formulação de seu discurso.

91 Op. cit., pp. 174-5.

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Segundo Robert White92, a comunicação popular não é um tipo qualquer

de mídia; surge sim “dentro de um movimento de base: grupos de camponeses

ou trabalhadores falam entre si ou a outros grupos similares”. A partir dessa

interação pode ocorrer o uso de um ou de vários tipos de mídia, que passam a

ser um instrumento de comunicação do grupo.

Para Cicilia Peruzzo93, a comunicação popular está vinculada às práticas

dos movimentos coletivos, possui um conteúdo diferente dos meios de

comunicação de massa, sendo “um grito antes sufocado de denúncia e

reivindicação por transformações”. Fazem parte dessa comunicação, segundo a

autora, os pequenos jornais, boletins, rádios populares, teatro, folhetos, vídeos,

faixas, cartazes etc. Acrescentamos a essa lista, as rádios comunitárias, um dos

novos instrumentos de comunicação popular ou comunitária94.

As rádios comunitárias, como já dissemos, são dirigidas aos interesses da

comunidade, entendida como interação e ação de pessoas num determinado

local limitado geograficamente. Assim, um dos meios de realizar essa interação

é a utilização de emissoras comunitárias, as quais são feitas pela comunidade e

para ela, servindo de instrumentos que possibilitem a ação em busca de

92 Apud PUNTEL, Joana. A igreja e a democratização da comunicação. São Paulo, Paulinas, 1994. pp. 194-5.

93 “Comunicação popular em seus aspectos teóricos”. In: PERUZZO, Cicilia. (org.). Comunicação e

culturas populares. São Paulo, INTERCOM, 1995. p. 29.

94 O termo comunitário é usado aqui como sinônimo de popular.

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melhorias sociais. Essa prática implica que haja participação no meio, e para

isso é necessário que haja acesso, e num nível mais elevado, gestão conjunta

nesse meio.

Níveis e modalidades de participação

É comum muitas rádios ilegais se autointitularem comunitárias por terem

a comunidade participando da programação da emissora. Mas esse

“participando” se restringe a telefonemas para pedir músicas, para mandar

recados ou para conversar com os apresentadores.

Acredita-se assim que o simples fato de o ouvinte ligar para pedir música

e ser atendido imprime à emissora o caráter de comunitária. Mas não se pode

isolar o significado da rádio comunitária adotando apenas esse critério de

participação. É preciso ir além, procurando aumentar os níveis na qualidade

participativa da comunicação.

Estudando as principais formas de participação na comunicação

comunitária, Cicilia Peruzzo95 apresenta seis níveis de participação popular

ampliada, a partir da divisão proposta por Jorge Merino Utreras, e divide em três

as modalidades participativas:

95 “Pistas para o estudo e a prática da comunicação comunitária participativa”. In: PERUZZO, Cicilia (org.). Comunicação e culturas populares. São Paulo, INTERCOM, 1995. pp 147-8.

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90

• Participação ao nível das mensagens: divulgação de entrevistas,

depoimentos, denúncias, avisos, pedidos de músicas, sugestões, concursos etc.

• Participação ao nível da produção de mensagens: elaboração sistemática,

periódica ou ocasional de notícias, desenhos, poesias etc., os quais são

transmitidos pelo meio de comunicação. Implica acesso a conhecimentos

técnicos.

• Participação ao nível da produção de programas, de boletins

informativos etc.: participação no processo de planejamento, de produção e

edição. Implica conhecimentos e recursos técnicos e participação das tomadas

de decisões.

• Participação ao nível do planejamento global do meio de comunicação:

compreende a participação popular na definição da política editorial, da

estrutura de programação global, dos objetivos, das formas de sustentação

financeira, dos princípios de gestão etc. Implica participação das tomadas de

decisões.

• Participação ao nível da gestão global do meio de comunicação:

compreende a participação popular no processo de administração e controle

do veículo ou instituição de comunicação como um todo. Implica partilha do

exercício do poder.

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• Participação ao nível do planejamento global dos meios de comunicação

locais, regionais e nacionais: acesso à definição das políticas e planos

globais de comunicação.

A autora lembra que para esses níveis de participação ampliada ocorrerem

é mister que os canais de participação sejam “abertos e desobstruídos” e que se

incentive e facilite “a participação popular através de uma metodologia que

privilegie a participação enquanto processo que vai crescendo em qualidade

participativa”. A abordagem de Peruzzo prevê as três modalidades de

participação como: não-participação, participação controlada e participação-

poder:

• Não-participação: trata-se de uma participação passiva; a postura de

espectador e de sujeição é explícita; o poder de decisão é delegado a terceiros;

a não-participação também pode ser uma forma de protestar contra algo; aqui

o exercício do poder é autoritário.

• Participação controlada: pode ser limitada, realizando-se com ressalvas, e

incentivada somente até onde não conflitue com os interesses do poder, e

manipulada, disfarçadamente, “e visa adaptar as demandas da comunidade

aos interesses políticos daqueles que detêm o poder”96, sem que esses

96 Idem, ibidem, pp. 152-3.

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interesses políticos sejam explicitados. O exercício do poder apresenta-se

como democrático, mas é autoritário, já que mantém as estruturas do poder.

• Participação-poder: divide-se em co-gestão e autogestão. A co-gestão é

uma participação ativa mas limitada em relação ao acesso ao poder e a sua

partilha; assim o poder é descentralizado e há delegação de funções; as

decisões centrais permanecem sob o poder da cúpula hierárquica, sem alterar

a estrutura central de poder; a autogestão é a forma mais avançada de

participação-poder. Trata-se de uma participação direta das tomadas de

decisões, abrangendo todas as esferas da vida econômica, social, cultural,

política e jurídica. O exercício do poder é partilhado em ambos os casos e é

prevista a representatividade, com mandato temporário e revogável pelos

eleitores, eleições democráticas e intercâmbio constante com as bases.

Com esse painel, já sabemos que participar vai além da mera prática de

telefonar, pedir música, ser atendido por alguém, como é o caso das rádios

comunitárias, que comumente restringem a participação do receptor ao nível das

mensagens e apresentam a modalidade de não-participação como a mais

praticada em sua estrutura.

Sendo assim, ir além dessas formas de participação é uma tarefa que se

faz necessária, mas para isso é imprescindível uma prática educativa em que

tanto os emissores quanto os receptores estejam dispostos a pensar nas

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93

diferentes maneiras de se conquistar a participação. É claro, que isso só se

alcança no processo, ou seja, na medida em que o trabalho se realiza. Além de

tudo, as rádios comunitárias têm pouco tempo de existência e faz muito pouco

tempo também que se adotaram no país palavras como cidadania97, direito de

informação e liberdade de expressão, termos utilizados para defender a prática

das rádios comunitárias. Mas como diz Pedro Demo98, “(a participação) não é

dada, é criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência.

Participação precisa ser construída, forçada, refeita e recriada”.

3.3. Localizando as práticas

A comunicação alternativa pôde ser encontrada já durante as

reivindicações estudantis de 1968. De acordo com Armando Cassigoli, foi a

situação histórico-política daquele ano que deu vazão ao surgimento dos meios

alternativos:

A teorização da cultura alternativa, ou de um sistema de informação

alternativa ao sistema oficial, surge das situações que se produziram

precisamente em 1968 em quase toda a Europa, Estados Unidos, Ásia e

97 A definição de cidadania para Cicilia Peruzzo está baseada “na ação social e política coletiva, na unidade dos cidadãos em torno dos direitos individuais e coletivos”. Op cit., p. 156.

98 Apud PERUZZO, Cicilia, op. cit., p. 158.

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América Latina, assim como dos processos de crítica e até de separações

em muitos partidos comunistas99.

A partir das buscas daqueles jovens contestadores surge uma série de

produções envolvendo desde o movimento de rádios livres na Europa, passando

pela imprensa alternativa no Brasil (apesar da repressão) e abrangendo outras

tantas matizes culturais.

Para Santoro100, foi em Maio de 68 que a Europa parece ter tomado

consciência maciçamente do papel fundamental dos aparelhos de informação no

condicionamento ideológico, dando origem às rádios livres.

O papel desmobilizador dos meios de comunicação de massa foi, por

muitos, supervalorizado (...) Surgiram, a partir de então, verdadeiros

“militantes das ondas”, jovens que se propunham a trabalhar no domínio

do rádio e que, em sua maioria, agrupavam-se em torno de organizações

políticas.

Na Tchecoslováquia, o uso subvertido do rádio teve papel fundamental

durante a organização do povo contra a tomada do país pelos tanques soviéticos.

A Rádio Praga, que era oficial, passa a ser não-oficial, operando

clandestinamente como a Rádio Praga Livre. Naquele momento, a emissora foi

99 “Sobre la contrainformación y los así llamados medios alternativos”. In: GRINBERG, Maximo Simpson (org.). Comunicación alternativa y cambio social. Ciudad del Mexico, Universidad Nacional Autonoma de Mexico, 1981. p. 34.

100 Op cit., p.99.

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o único meio de comunicação que falava abertamente sobre a realidade que se

abatia sobre a Tchecoslováquia.

Durante a primeira semana da ocupação, a Rádio Praga Livre foi quem de

fato governou o povo tcheco: além de mantê-lo informado sobre o

desenvolvimento da situação, instruía-o nas táticas de resistência passiva

ao invasor, arregimentava funcionários das administrações estatais e

membros do Partido Comunista para reuniões de emergência, denunciava

elementos colaboracionistas e advertia sobre deslocamentos das tropas

estrangeiras e seus atos de repressão.101

Década de 70: a resistência

Na Itália, até os anos 60, a Radio-Audizione Italiana (RAI) monopolizava

completamente a área das telecomunicações e por muito tempo foi um dos

instrumentos ideológicos da Democracia Cristã (DC), que dominou a vida

pública italiana através de distintas combinações governamentais por 30 anos.

Com o crescimento do Partido Comunista (PC), durante os anos 70, a política

italiana ficou centrada na bipolaridade DC/PC, repercutindo na atuação da RAI.

A partir da reforma de 1975, o controle da radio-televisão italiana passou

do Poder Executivo ao Parlamento. Na prática, essa medida se traduziu

na repartição das cadeias de TV entre a Democracia Cristã e a esquerda.

101 REVISTA REALIDADE. “Rádio – foi assim que ouvimos a invasão”, no 31, out. 1968, p. 8.

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96

Com a reforma da RAI, a classe dirigente italiana perdeu o controle

exclusivo de um importante aparato ideológico.102

As rádios livres italianas surgem em 1974, após forte discussão pública

sobre a privatização da TV a cabo. Nesse ano, o Tribunal Constitucional italiano

declarava ilegítimo o monopólio do Estado sobre as telecomunicações103, fato

que impulsionou o aparecimento das primeiras rádios livres.

Essas rádios já nasceram divididas: de um lado estavam as emissoras que

tinham interesses comerciais e intenção de abrir o canal à publicidade e assim

transformar o rádio em um negócio lucrativo; de outro lado estavam aquelas

preocupadas em utilizar o rádio de forma alternativa104, numa vivência mais

democrática; operavam de maneira autogestionária e eram mantidas com

contribuições de colaboradores e simpatizantes da causa.

O princípio norteador das rádios livres era fazer com que o “ouvinte” se

sentisse dentro e participante de um movimento: a qualquer momento (e

sem que esse momento pudesse ser determinado a priori) ele poderia

telefonar para a emissora para informar qualquer coisa que estivesse

acontecendo à sua volta e ser colocado imediatamente no ar, sem

102 FLICHY, Patrice. “La explosión del monólogo. Las radios paralelas en la Europa Occidental”. In: BASSETS, Lluís (ed.). De las ondas rojas a las radios libres. Barcelona, Ed. Gustavo Gili, 1981. pp 185-7.

103 FLICHY, Patrice, op. cit., p. 188.

104 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., pp 62-3.

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qualquer censura, ou então se dirigir diretamente à emissora para dar o

seu recado.105

Representante típica das rádios mais conseqüentes do movimento italiano

foi a Rádio Milano Centrale. De acordo com Machado, esta rádio “mantinha

conexões diretas com fábricas ocupadas e contava com uma rede de informações

sobre a vida da cidade que incluía, entre outros, os motoristas de táxi de

Milão”106. Os ouvintes mantinham-se informados sobre as concentrações, as

greves e as manifestações; a publicidade também era utilizada de forma

alternativa: a rádio anunciava apenas as cooperativas e os mercados que

vendiam a preços populares.

No final da década de 70, as rádios livres chegam à França, inspiradas

pelas rádios da Itália. Após a investida de Brice Lalonde para chamar a atenção

do público à causa das rádios livres, vários transmissores começam a ser

montados.

Os ecologistas denominam a nova experiência de “rádios de quarteirão”.

Para eles, o consumo mínimo de energia elétrica e a possibilidade de atingir boa

parte da população, de forma barata e rápida e sem desperdício de papel, são os

105 Idem, ibidem, p. 30.

106 Op. cit., p. 63.

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melhores argumentos a favor das rádios. Chegou-se até a pensar em emissoras

alimentadas com energia solar.107

Emissoras como Rádio Verte de Paris, Rádio Tomate, Rádio Oblíqua,

Rádio Gay e tantas outras deram voz a vários setores da sociedade, que pela

primeira vez experimentaram falar sem intermediários. A Rádio Tomate, da qual

fez parte Felix Guattari, às vezes era tomada pelos moradores do bairro,

desempregados e até mendigos, os quais pediam a palavra para fazer o Quartier

Latin ouvi-los.108

Mas o movimento de rádios livres não foi formado apenas pelas emissoras

preocupadas com o uso subversivo do rádio. Existiram também os grupos

econômicos interessados no novo filão que se abria, além dos grupos políticos,

mais preocupados em fazer a propaganda de seus partidos. Contraditoriamente,

foram as duas vertentes que saíram lucrando quando houve a regulamentação

das rádios livres na Itália e na França.

No Brasil, a imprensa alternativa

Enquanto a Europa utilizava as rádios livres como contestação ao

monopólio estatal das telecomunicações, a situação brasileira na área política era

107 MARINOVIC, Ivan, op. cit., p. 27.

108 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 30.

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ditatorial, com a censura prévia à imprensa persistindo vigorosamente. O grande

paradoxo é que nesse período a imprensa alternativa entrava numa rica fase de

produção.

Para Regina Festa, o decênio 1968-78 é caracterizado por uma

“comunicação de resistência, denúncia e acumulação de forças por parte das

oposições”109, quando articularam-se espaços para o confronto com o poder

militar, através de novos e corajosos canais de expressão.

De um lado, a repressão direta e a censura aos meios de comunicação de

massa tentavam bloquear as manifestações e as reivindicações

populares, com o objetivo de impor um isolamento ao movimento de base

e à sociedade civil no seu todo. De outro lado, as próprias condições de

marginalidade social e política, acrescida à crescente pauperização das

classe subalternas, construíam pólos de conflito e resistência.110

A autora acredita que a organização dos movimentos sociais nessa fase

não ocorreu por acaso: localizados no interior dos conflitos, os movimentos

sociais passam a lutar pelos espaços que lhe são negados e pelo próprio direito à

vida. Constituíram, portanto, uma questão de sobrevivência.

109 Op. cit., p. 58.

110 Idem, ibidem, pp. 58-61.

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Dessa forma, o confronto ocorreu através do surgimento de inúmeros

movimentos sociais, com características diferentes mas tendo em comum a

resistência ao sistema.

Foi nessa época, por exemplo, que se multiplicaram as Comunidades

Eclesiais de Base (CEBs), as quais reuniam as pessoas pela fé, para “descobrir

os signos de morte e de injustiça, e, a partir do próprio Evangelho, buscar

identificar os signos de vida e de transformação da sociedade”111. Muitos

movimentos populares nasceram a partir das CEBs, responsáveis pela presença e

participação das mulheres nos movimentos sociais e também pela origem de

uma série de veículos da comunicação popular.

A organização dos movimentos sociais, relacionada com o momento

político vivido pelo país, teve como porta-voz a imprensa alternativa. À essa

imprensa, organizada por médios empresários e pela pequena burguesia112,

coube o papel de servir de instrumento de comunicação dos ditos movimentos,

dos intelectuais, dos grupos de oposição política etc., indo até mesmo além da

mera oposição ao regime, conforme atesta Raimundo Pereira:

A imprensa alternativa, porém, fez mais que opor-se à forma política – de

ditadura militar – assumida pelo regime: opôs-se ao seu conteúdo

111 Idem, ibidem, pp. 63-4.

112 PEREIRA, Raimundo Rodrigues. “Vive a imprensa alternativa. Viva a imprensa alternativa!”. In: FESTA, Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e alternativa no

Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986. p. 56

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antinacional e antipopular, opôs-se à monopolização da economia, à sua

integração com os grandes trustes financeiros internacionais.113

Nesse ínterim, é que essa imprensa ganha força e respaldo junto ao povo

com a circulação de dezenas de jornais como O Pasquim (1969), Bondinho

(1970), Pato Macho (1971), Grilo (1971), Opinião (1972), Ex (1973), De Fato

(1976), Coojornal (1976), Lampião (1976), Repórter (1977), Em Tempo (1977).

113 Op. cit., p. 57.

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102

Capítulo 4

A democratização da comunicação

4.1. Anos 80: os movimentos sociais e as novas tecnologias

No início da década de 80, os movimentos sociais encontravam-se em

refluxo. O país atravessava séria crise financeira por causa da dívida externa e,

como conseqüência, a inflação, o desemprego e a miséria estavam em alta. As

greves e a impopularidade do governo Figueiredo completavam o cenário.

Diante desse quadro, a partir de 1983 começam as mobilizações populares

em torno do restabelecimento do regime democrático, exigindo-se as eleições

diretas dos governantes. A sociedade civil volta às praças públicas em inúmeras

manifestações que chegam a surpreender pelo número de pessoas nas ruas – no

Anhangabaú, em São Paulo, a campanha pelas diretas chegou a reunir 1,7

milhão de pessoas.

Nesse período ressurgem também os jornais populares, como o Jornal dos

trabalhadores, Mulherio, Cadernos do Terceiro Mundo etc., e o teatro de

conteúdo político, como o Grupo Forja, dos metalúrgicos de São Bernardo do

Campo, e o Grupo Tetra, dos bancários, exemplos desse tipo de engajamento

nas artes.

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103

As novas tecnologias chegam aos poucos, e aos poucos também, devido

ao baixo custo dos equipamentos, aproximam-se dos movimentos populares que,

num primeiro momento, usam vídeos e computadores, para posteriormente

utilizar as rádios e TVs livres.

O Brasil começava a entrar, em caráter irreversível, na era da eletrônica

(nova etapa de aliança com o capital internacional, apesar da Lei de

Informática e de Reserva de Mercado), abrindo conseqüentemente a

possibilidade de uso alternativo dessas tecnologias por setores dos

movimentos sociais.114

Durante a década de 70 as novas tecnologias da comunicação e da

informação surgem nos países industrializados, conseqüência dos avanços da

indústria eletrônica. Mas só na década seguinte passam a fazer parte daquele

mercado, logo espalhando-se pelo resto do mundo115. Fazem parte dessas novas

tecnologias uma gama de equipamentos como videoteipes, videocassetes,

videodiscos, câmeras portáteis, TVs a cabo, computadores, fax, correios

eletrônicos etc.

Grupos isolados e os movimentos sociais brasileiros percebem nas novas

tecnologias uma outra forma de comunicação, com a possibilidade de atingir

114 FESTA, Regina. “Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa”. In: FESTA, Regina & SILVA, Carlos Eduardo Lins da (orgs.). Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo, Paulinas, 1986. p. 29.

115 MELO, José Marques de. Comunicação; direito à informação. São Paulo, Papirus, 1986. p. 29.

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104

mais pessoas, estimulando-as à participação conjunta nas lutas por melhorias

sociais.

Contudo, o controle da venda e produção dos equipamentos de

informática e eletroeletrônicos está nas mãos do Estado, que controla também as

ondas de radiodifusão. Mas isso não impede que surjam as “rádios piratas” na

década de 80 e que muitos grupos passem a produzir vídeos populares.

Contribui para isso o fato de essas novas tecnologias gradativamente alcançarem

um baixo custo, possibilitando o acesso aos equipamentos.

4.2. O movimento pela democratização da comunicação

Diante de todos esses fatores, passa-se a debater a democratização dos

meios de comunicação, numa tentativa de dar aos mais variados setores sociais a

oportunidade de se expressar.

Na realidade, toda essa questão só pode ser compreendida a partir do

surgimento, na década de 70, da Nova Ordem Mundial da Informação e

Comunicação (Nomic), movimento que surgiu através da Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e que “propõe a

distribuição eqüitativa dos recursos de comunicação entre as nações e mudanças

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105

profundas nos fundamentos legais e institucionais que hoje regem as relações

internacionais de comunicação”116.

A Unesco, junto com organizações internacionais e instituições

acadêmicas, organizou várias reuniões e conferências debatendo a

democratização da comunicação, até que em 1976 constitui a Comissão

Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, presidida por Sean

Macbride, jornalista, jurista e ex-ministro das relações exteriores da Irlanda,

contando com mais 16 personalidades internacionais na área da comunicação e

cultura.

Em 1980, essa comissão divulgou o resultado do estudo intitulado “Um

Mundo e muitas vozes”, o famoso “Relatório Macbride”, o documento mais

amplo e abrangente sobre a democratização da comunicação já publicado 117. O

relatório final fala de censura, controle governamental, monopólio e

comercialização dos meios de comunicação, domínio cultural, poder das

sociedades transnacionais, direito de informar e ser informado, políticas de

comunicação etc. assuntos sobre os quais, 17 anos depois, ainda estão em

acirrada discussão.

116 SOUZA, Marcio Vieira de. As vozes do silêncio, o movimento pela democratização da

comunicação no Brasil. Paris/Florianópolis, Foundation pour le progrès de l’homme/Diálogo, 1996. pp. 58-9.

117 Idem, ibidem, p. 59.

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106

A mobilização brasileira

Durante a campanha pelas eleições diretas, em 1984, surgem as primeiras

iniciativas para se criar um movimento de luta pela democratização dos meios

de comunicação no Brasil. Segundo Marcio Vieira de Souza118, as tentativas de

manipulação do processo político feitas pela Rede Globo durante a campanha

das diretas serviram de estímulo para que um grupo de jornalistas, professores e

estudantes de comunicação, apoiados por várias entidades da sociedade civil,

organizassem a Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação

(FNPDC).

Após a derrota da emenda Dante de Oliveira, que propunha as eleições

diretas em 1985, a FNPDC se desarticula, mas serve como referência à

Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) durante o período de instalação da

Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, para a proposta de avanços na área

da comunicação social.

Pouco se conseguiu, mas pela primeira vez foi incluído um capítulo

especial na Constituição tratando da comunicação social em cinco artigos (Art.

220 a 224) e “também foi aprovada a instituição do Conselho Nacional de

118 Op. cit., p. 23.

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107

Comunicação Social como órgão auxiliar do Congresso Nacional com

representação obrigatória de entidades representativas da sociedade civil”119.

Outras entidades surgem tendo como bandeira a democratização da

comunicação. É o caso do Movimento Nacional de Democratização da

Comunicação (MNDC), que surgiu em São Paulo em 1987, e dos Comitês de

Democratização dos Meios de Comunicação, surgidos em vários estados em

1990, que depois passam a fazer parte do Fórum Nacional pela Democratização

da Comunicação (FNDC)120, criado em 1991.

À parte tantas organizações que tratam da democratização das

comunicações, existe na realidade uma série de movimentos que nem sempre

estão inseridos em associações específicas, apesar de lutarem de uma forma ou

de outra por mais democracia nos meios. Marcio Vieira de Souza refere-se

acertadamente ao movimento pela democratização da comunicação como uma

ampla rede de movimentos sociais121:

Estamos nos referindo aos inúmeros movimentos, grupos, experiências

sociais e culturais que se desenvolvem na sociedade brasileira com o

intuito de expressar diversas vozes, culturas e ideologias que não têm

119 Idem, ibidem, p. 34.

120 Idem, ibidem, pp. 34-7.

121 O autor esclarece que ao falar de “redes” está referindo-se a “redes sociais” no sentido de “formas de organização humana e de organização entre grupos e instituições”. Salienta também que as referidas redes sociais, ligadas à comunicação, estão vinculadas a uma outra forma de rede, redes físicas e de recursos comunicativos, as quais propiciam maior desenvolvimento às redes sociais. Op. cit., pp. 24-5.

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108

chance de manifestar-se livremente ou são ignoradas pela mídia brasileira

(...) O desenvolvimento das novas tecnologias e a possibilidade de

criação de redes de comunicação, de interesses específicos, redes

técnicas (físicas), utilizando os mais variados recursos, meios e canais,

são fundamentais para o desenvolvimento destas redes de movimentos

sociais.

Uma dessas inúmeras redes é o movimento de rádios livres, um dos

pioneiros no debate sobre a democratização das comunicações e exemplo da

possibilidade de expressão de outras (diferentes) vozes retinindo paralelas aos

grandes meios de comunicação.

4.3. As rádios livres: conotações políticas

Como já vimos, foi a partir de 1985 que várias rádios ilegais, então

conhecidas como “rádios piratas”, surgiram em Sorocaba, interior de São Paulo,

voltadas sobretudo à diversão dos jovens que as colocavam no ar, num

confronto direto com o monopólio estatal da comunicação.

Naquele mesmo ano um grupo de estudantes da PUC de São Paulo coloca

no ar a Rádio Xilik que surge ao lado de outras rádios livres.

Essas rádios possuem uma conotação diferente da das rádios sorocabanas,

pois preocupam-se em resistir ao monopólio através de uma programação

conseqüente aos moldes do movimento das rádios livres na Europa.

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109

O discurso é político sem ser partidário, as músicas são de caráter

alternativo, cabendo desde um Frank Zappa até um então desconhecido Arrigo

Barnabé, e é comum também lançarem um manifesto anunciando a proposta da

rádio.

Para as rádios livres a legalização não é vista com bons olhos, pois isso

significaria burocratizar as experiências e assim perder-se-ia parte da

criatividade contida nessas emissoras. Nas palavras dos integrantes da Rádio

Xilik “é impossível normatizar o desejo e a rádio livre deve continuar a

atravessar a comunicação oficial indefinidamente porque é esta a sua verdadeira

função dentro da democracia”122.

Dar espaço à publicidade é outra polêmica que divide os integrantes de

várias rádios livres, sem que haja um consenso. Algumas defendem a entrada de

publicidade em forma de apoio cultural (o que se concretiza com as rádios

comunitárias) e outras que rechaçam qualquer tipo de anúncio ou apoio cultural,

defendendo meios alternativos (vendas de camisetas, bottons, organização de

festas etc.) para se obter a renda necessária à manutenção da experiência

radiofônica.

Vigilância no éter

122 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 114.

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110

Quando essas rádios mais politizadas surgem no Brasil, o presidente da

República é José Sarney e o ministro das Comunicações, Antônio Carlos

Magalhães. Preocupado com o crescente número de rádios livres, o ministro

baixa a Portaria 223, no dia 15 de agosto de 1985, determinando ao Dentel que

intensifique a vigilância e o rigor no combate aos serviços de telecomunicações

clandestinos, especialmente os de radiodifusão123.

Organizando o movimento

Numa tentativa de organizar o movimento, em maio de 1989 surge o

Coletivo Nacional de Rádios Livres, com o objetivo de divulgar a causa das

emissoras sem concessão em encontros estaduais e nacionais. O Coletivo realiza

três encontros nacionais de 1989 a 1991, em São Paulo (SP), Goiânia (GO) e

Macaé (RJ), respectivamente.

No Primeiro Encontro Nacional de Rádios Livres, ocorrido na Escola de

Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), foi definido

que as rádios livres “são aquelas que vão ao ar sem pedir autorização a quem

123 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., pp. 178-9.

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111

quer que seja”124. Os termos “pirata” e “clandestina” são rechaçados, pois as

rádios livres “não são lucrativas nem partidárias”.125

Consideramos a definição proposta nesse encontro muito imprecisa e

contraditória. Se as rádios livres são aquelas que vão ao ar sem pedir autorização

a ninguém, isso engloba todo tipo de rádio ilegal: comerciais, evangélicas, com

propostas culturais, comunitárias etc. Para Marisa Meliani, o objetivo dessa

definição “é a instalação do maior número possível de emissoras em todo o

País”126. Ou seja, não importa a qualidade do conteúdo dessas rádios e sim o

número de rádios que vão ao ar.

Ao mesmo tempo, nesse encontro foram rechaçados os termos “pirata” e

“clandestina” por se entender que as rádios livres não têm como objetivo o lucro

e o partidarismo político. Mas se rádios livres são todas aquelas que vão ao ar

sem autorização, o que dizer das rádios ilegais que têm como objetivo apenas o

lucro ou a divulgação religiosa ou ainda a divulgação de determinados nomes

políticos durante as épocas eleitorais?

No nosso ponto de vista, não se pode considerar como rádios livres

aquelas que visam ao lucro ou à disseminação de correntes religiosas. Isso tiraria

todo o caráter de alternatividade desse tipo de proposta.

124 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 125.

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112

Historicamente, as rádios livres estão ligadas a um modo diferente de

fazer rádio, com um discurso alternativo ao existente e não com um discurso

reprodutor do status quo, conforme vimos no terceiro capítulo deste trabalho.

Nessa perspectiva, Daniel Herz, ao falar da atuação do FNDC junto às

rádios livres e comunitárias, considera extremamente importante o papel

diferenciado destas em relação às rádios oficiais:

A perspectiva do Fórum em relação à radiodifusão livre e comunitária não

é simplesmente assegurar que, quantitativamente proliferem emissoras,

mas assegurar que as emissoras se disseminem cumprindo um papel

diferenciado em relação às emissoras de radiodifusão convencional. Não

nos interessa difundir pequenas “globos” no Brasil afora com práticas

manipulatórias e igualmente perversas. Interessa disseminar emissoras

que sejam capacitadas a difundir um conteúdo diferente e a adotar

práticas diferentes em relação aos veículos integrantes dos sistemas

dominantes de comunicação.127

Outras associações

Após a realização do Terceiro Encontro Nacional de Rádios Livres, em

Macaé (RJ), no mês de março de 1991, houve intensa repressão às rádios livres

com a apreensão de equipamentos pela Polícia Federal. Uma das rádios que

125 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., p. 107.

126 MELIANI, Marisa, op. cit., p. 125.

127 Entrevista concedida à autora no dia 4 de novembro de 1995, durante o I Encontro de Radiodifusão Livre e Comunitária, no Rio de Janeiro.

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tiveram o equipamento apreendido foi a Rádio Reversão, poucas semanas depois

desse encontro, o qual contou com a presença de Léo Tomaz, criador da rádio.128

A partir desse episódio surgiu em São Paulo a Associação de Rádios

Livres do estado de São Paulo (Arlesp), com estatuto registrado em cartório,

objetivando integrar as rádios livres do Estado. Participaram da primeira reunião

10 rádios livres, que aprovam, entre outras coisas, a potência máxima de 50

watts, o respeito aos horários políticos e à Voz do Brasil e a possibilidade de se

receber apoio cultural para a manutenção da rádio129.

Além da Arlesp, outras tantas associações e até sindicatos surgem

tentando agregar as inúmeras rádios ilegais presentes no país, principalmente as

comunitárias: Fórum Democracia na Comunicação; Sindicato das Rádios,

Televisão e Órgão de Comunicação Sonora Livre e Comunitária do Brasil [sic]

(Sinprocom); Associação Paulista dos Proponentes de Emissoras de

Radiodifusão Local-Comunitárias (Aperloc); Associação Brasileira de

Radiodifusão Comunitária (Abraço); Associação Nacional Católica de Rádios

Comunitárias (Ancarc) etc.

Muito antes de todas essas entidades existirem já havia em nível mundial

uma associação congregando em torno de 600 rádios comunitárias distribuídas

128 ABREU, Claudia de. “O início do movimento de rádios livres”. In: ENCONTRO ESTADUAL DE

RÁDIOS LIVRES E COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1., São Paulo, 1995.

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pela Europa, África e América Latina: a Associação Mundial de Rádios

Comunitárias (Amarc), com sede no Canadá, criada em 1983 durante a Primeira

Conferência Mundial de Rádios Comunitárias.

De acordo com Bruce Girard, coordenador do projeto de secretariado da

Amarc, a associação é hoje uma organização internacional não-governamental

com o objetivo de prestar serviços ao movimento de rádios populares: “Seu

trabalho é promover, facilitar e coordenar a cooperação e o intercâmbio entre

emissoras de todo o mundo”.130 Essas operações são dirigidas por um grupo de

10 pessoas com representantes de todos os continentes. No Brasil, há poucas

emissoras associadas à Amarc, mas só na América Latina há mais de 300 rádios

filiadas distribuídas em países como Equador, Peru, Colômbia, Bolívia,

Nicarágua, México e outros.

4.4. Anos 90: o início da luta pela regulamentação das rádios

comunitárias

No segundo capítulo desta dissertação, localizamos o momento em que

surgem as rádios comunitárias brasileiras precisamente no início dos anos 90,

quando a prática da radiodifusão livre espalha-se por vários lugares e alguns

movimentos sociais abraçam a causa, montando rádios para servir aos interesses

129 MELIANI, Marisa, op. cit., pp. 129-30.

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do bairro em que se situam. As rádios comunitárias também crescem em número

quando se passa a discutir sua regulamentação.

Talvez o principal ponto de partida tenha ocorrido em 1992, quando passa

a tramitar pelo Congresso Nacional a Lei de Informação Democrática (LID) de

autoria do deputado Zaire Rezende (PMDB). Se aprovada, essa lei

revolucionaria a comunicação no Brasil, como demonstramos em alguns pontos

a seguir:

Liberdade de transmissão municipal. Emissoras comunitárias de rádio

e televisão, de alcance municipal, sem fins lucrativos, poderão ser

instaladas apenas mediante registro no cartório local.

Direito à informação. Todas as pessoas terão liberdade de acesso às

informações existentes em repartições públicas de qualquer natureza.

Direito de antena. Entidades e movimentos de caráter estadual ou

nacional terão direito à horário [sic] gratuito no rádio e na televisão.

Fim do monopólio na comunicação. Ninguém poderá controlar mais de

30% da comunicação social em um estado ou no país. Ninguém poderá

possuir, ao mesmo tempo, rádio, jornal ou revista e televisão (...).131

Devido à grande abrangência do projeto e conseqüente imobilidade junto

ao Congresso, o FNDC reconheceu a impossibilidade de a LID ser aprovada e

resolveu desmembrar alguns pontos específicos do projeto, numa tentativa de

130 “Organizando as vozes de Babel”. Chasqui, Revista Latinoamericana de Comunicación, no 45, abr. 1993. pp.4-5.

131 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., pp. 169-70.

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vê-los aprovados, entre outros, a regulamentação das rádios livres e

comunitárias.

Segundo Marcio Vieira de Souza132, a proposta de regulamentação das

rádios livres e comunitárias surgiu de uma articulação do FNDC, que sugeriu

uma regulamentação através de decreto, sem necessidade de lei. O deputado

federal Fernando Gabeira (PV) patrocinou o projeto e juntou-se aos integrantes

do Fórum para debater o assunto com o ministro das Comunicações Sérgio

Motta, numa reunião em 10 de abril de 1995.

Mas na realidade pouca coisa avançou após essa reunião. As rádios

continuam sendo apreendidas, geralmente em função de denúncias e a Abert

promoveu no final de 1996 uma forte campanha nacional contra as rádios

ilegais, com vinhetas nas emissoras oficiais denunciando a prática de pirataria

radiofônica e listando as rádios ilegais apreendidas pela Delegacia Regional do

Ministério das Comunicações de São Paulo.

O paradoxo dessa situação é que, de acordo com o jornalista Nivaldo

Manzano133, o ministro Sérgio Motta teria afirmado, em 1995, que autorizaria a

instalação de 10 mil rádios comunitárias por meio de uma portaria até o final do

primeiro período do mandato de Fernando Henrique Cardoso.

132 Op. cit., p. 172.

133 MANZANO, Nivaldo. “Escândalo no ar”. Caros Amigos, São Paulo, no 2, maio 1997. p. 11.

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117

No entanto, ainda segundo o jornalista, o ministro teria desistido do

projeto por pressões da Abert: “Como havia outras questões em jogo, como a

reeleição, para a qual a Abert daria, como deu, uma contribuição fundamental,

Motta entregou os pontos”134.

Depois disso, houve uma grande operação contra as rádios comunitárias

em que foram apreendidas centenas delas. Sérgio Motta, desistindo da portaria,

acolheu o projeto de lei de radiodifusão comunitária que regulamenta o serviço.

Esse projeto, de relatoria do deputado Koyo Iha (PSDB), foi aprovado em

dezembro de 1996 na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e

Informática, da Câmara dos Deputados e agora aguarda parecer na Comissão de

Constituição e Justiça; caso não haja nenhum entrave, será encaminhado ao

Senado e, se aprovado, passará às mãos do presidente para ser sancionado135.

4.5. A exploração do serviço de radiodifusão

É importante lembrar como o serviço de radiodifusão pode ser explorado.

Segundo Gisela Ortriwano136, a exploração pode acontecer de dois modos: o

sistema de monopólio, ou autoritário, em que o monopólio é estatal e o Estado

134 Idem, ibidem, p. 11.

135 SALIGNAC, Carla. “As rádios comunitárias são uma forma de participação do povo. Revista E, São

Paulo, SESC, no 11, maio 1997. pp. 31-32.

136 ORTRIWANO, Gisela. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos

conteúdos. São Paulo, Summus, 1985. pp. 52-4.

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pode explorar o serviço diretamente através da criação de uma empresa pública,

e o sistema pluralista, no qual a radiodifusão é explorada por emissoras estatais

e privadas (estas últimas com fins comerciais).

Nos dois casos, é o Estado que controla o serviço, seja de forma direta ou

concedendo a terceiros o direito de emissão, por determinado período. Prevalece

no Brasil o sistema pluralista, cabendo ao Estado conceder a autorização para a

exploração do serviço, geralmente a grupos econômicos e políticos da sua

confiança137, num prazo fixado em 10 anos para as emissoras de rádio e 15 anos

para as de TV.

O Estado permanece encarado como proprietário legítimo do espaço

eletromagnético, donde decorre que o apadrinhamento continua sendo a

conseqüência fatal do mecanismo de concessões. Sejam quais forem os

critérios de distribuição, a concessão equivale, nesse sistema, a uma

outorga de privilégios, de forma que qualquer alteração da estrutura de

poder a nível das mídias de teledifusão significará apenas uma troca de

mandarins, sem qualquer progresso real para a democratização dos

meios.138

As concessões

Com a Nova República esperava-se uma mudança na política de

concessões na área de radiodifusão, segundo compromisso assumido por

137 MACHADO, Arlindo et alii, op. cit., p. 28.

138 Idem, ibidem, op. cit., p. 16.

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Tancredo Neves e pela Aliança Democrática. O então ministro das

Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, prometia medidas moralizadoras, e,

três dias após assumir o cargo, suspendia 140 processos de concessões

outorgadas nos últimos seis meses do governo Figueiredo.

Mas a medida servia apenas como retaliação a seus adversários políticos,

como ficou demonstrado mais tarde: “O governo da Nova República adotou a

velha política do clientelismo e da barganha política na distribuição das

concessões de emissoras de rádio e televisão, agravando a concentração da

mídia eletrônica no país”139.

Assim, o governo Sarney repetia a mesma prática de seus antecessores e

até se destacou com o recorde de 1028 concessões de emissoras de rádio e TV

outorgadas, trocadas por interesses do governo, principalmente à época da

Constituinte, quando se intensificaram as outorgas por ocasião da votação para

ampliar o mandato de quatro para cinco anos ao presidente José Sarney140.

Até 1988, as concessões eram atribuições do presidente da República e do

ministro das Comunicações. A nova Constituição, em seu Artigo 37, determina

que as concessões sejam feitas através de licitação pública, assegurando a

igualdade de condições aos concorrentes.

139 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., p. 35.

140 Idem, ibidem, p. 35.

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Novas regras para as concessões de rádio e TV

No governo de Fernando Henrique Cardoso foram definidos critérios mais

rigorosos para as outorgas de rádio e televisão, através do Decreto 2 018

publicado no Diário Oficial em 26 de dezembro de 1996.

Dentre os principais pontos do decreto reafirma-se a regra de licitação

pública para se conseguir uma concessão de rádio (onda média, curta, tropical e

freqüência modulada) e de televisão; veta-se a participação de políticos em

exercício de mandato nos quadros de direção de empresas concessionárias; a

mesma entidade ou as pessoas que integram o seu quadro acionário e diretivo

não poderão receber mais de uma outorga do mesmo tipo de serviço de

radiodifusão na mesma localidade141.

Antes desse decreto ser publicado, o jornal Folha de S.Paulo142 divulgou

matérias revelando um esquema paralelo de venda de concessões de FM, às

vésperas de ser anunciada a liberação de 120 concessões de rádio e TV, de um

total de 600 prometidas pelo ministro das Comunicações. Segundo as matérias

publicadas, grupos de lobistas estariam comercializando emissoras FM, do lote

das 120 concessões ainda não liberadas, por preços que variavam entre 50 e 150

mil reais.

141 OLIVEIRA, Ribamar. “Definidas regras para concessão de rádio e TV”. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 27 dez. 1996, p. A-4.

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Um outro fato envolveu diretamente o ministro Sérgio Motta, o da compra

de votos para reeleição, na primeira quinzena de maio deste ano. Segundo

gravações obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo, governadores e deputados do

Acre e do Amazonas teriam ganhado dinheiro em troca de seus votos favoráveis

à emenda da reeleição. Até mesmo concessões de TV e de rádio teriam sido

negociadas nesse esquema.

O monopólio nos meios de comunicação no Brasil

A propriedade dos meios de comunicação no Brasil está nas mãos de

políticos e seus familiares, oito famílias e grupos econômicos. Segundo

levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, em setembro de 1996, 104

dos 513 deputados federais e 25 dos 81 senadores são sócios ou proprietários de

emissoras de rádio e TV. A pesquisa demonstra também que 40% das emissoras

de rádio e 27% das de televisão de todo o país têm políticos como sócios143, ou

seja, em relação ao rádio, quase a metade das emissoras está nas mãos de

políticos, cuja lista inclui José Sarney, Fernando Collor de Melo, José Eduardo

Andrade Vieira, Antônio Carlos Magalhães, Inocêncio de Oliveira, Jader

Barbalho e muitos outros que têm ou já tiveram ligação com o governo.

142 Edições dos dias 20, 21, 22 e 24 de dezembro de 1996.

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As oito principais famílias que detêm o domínio da radiodifusão brasileira

são: Marinho (Rede Globo), Sirotsky (RBS), Bloch (Grupo Manchete), Saad

(Rede Bandeirantes), Abravanel (SBT, do Grupo Silvio Santos), Câmara (Grupo

Câmara), Dou (TV do Amazonas) e Jereisatti (Grupos Verdes Mares)144.

Esse quadro demonstra claramente que a comunicação no Brasil está

vinculada a interesses políticos e/ou econômicos. Por isso, é difícil esperar

grandes mudanças com resultados qualitativos na área, mesmo em relação à

provável regulamentação das rádios comunitárias: assunto que passa diretamente

pelos interesses políticos de quem controla a radiodifusão no país.

4.6. As principais leis que orientam o serviço de radiodifusão

O Código Brasileiro de Telecomunicações surge em 1962, através da Lei

4117, que regulamenta o sistema de concessão e distribuição de canais de rádio

e televisão, através do Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel). A

partir da implantação desse código, estava inaugurado o monopólio do Estado

sobre as telecomunicações.

Durante a vigência do governo militar, foi instituído o Decreto-Lei 236,

com o objetivo de “complementar e modificar a Lei 4117”. Segundo Sônia

143 OLIVEIRA, Ribamar, op. cit.

144 SOUZA, Marcio Vieira de, op. cit., p. 167.

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Virginia Moreira, o principal objetivo desse decreto foi o de “anular e substituir

artigos e parágrafos da legislação anterior para inserir medidas que, de acordo

com as exigências do momento, cerceavam as atividades das emissoras”145.

É do Decreto-Lei 236 que vem o entrave à prática das rádios ilegais. A

penalidade prevista está no Artigo 70 do referido decreto, que, como foi dito,

complementa e modifica a redação do texto da lei 4117, de 27 de agosto de

1962. Diz o decreto: “Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um)

a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou

utilização de telecomunicações sem observância do disposto nesta Lei e nos

regulamentos”.

Ainda em 1967 são criados o Ministério das Comunicações e o Dentel,

órgão que passa a fiscalizar, no lugar do Contel, a programação do rádio e da

televisão e posteriormente a prática das rádios ilegais.

O exercício da radiodifusão também é destacado pelo Código Penal

(Decreto-Lei 2 848, de 7/12/40), pela Lei de Imprensa (Lei 5250, de 9/2/67) e

pela Lei de Segurança Nacional (Lei 7170, de 14/12/83).

145 MOREIRA, Sônia Virginia, “A legislação dos meios eletrônicos nos Estados Unidos e no Brasil”. In: GT RÁDIO – XVIII INTERCOM – CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 1995. p. 9.

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Com a Constituição de 1988 surgem novas perspectivas para quem pratica

a radiodifusão sem autorização governamental. Através do Art. 5o, inciso IX, e

dos Artigos 1o, 215o, 220o e 223o, que garantem a liberdade de comunicação,

muitas rádios começam a ter mais argumentos legais para funcionar.

Fundamentados nesses artigos, alguns juízes absolvem os acusados de

crime por prática de radiodifusão ilegal, como foi o caso do jornalista Léo

Tomaz, da Rádio Reversão. Salientamos que, apesar disso, as leis do Código

Brasileiro de Telecomunicações, de 1967, continuam valendo, pois “ainda não

foram elaboradas novas leis complementares, regulamentando a Constituição de

1988”146.

146 ROCHA, José Carlos. “Quem vai controlar a rádio comunitária?”. In: ENCONTRO ESTADUAL DE

RÁDIOS LIVRES E COMUNITÁRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1., São Paulo, 1995.

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125

Parte II

Capítulo 5

A história de uma rádio comunitária: Rádio Cidadã

5.1. Antecedentes

A partir de abril de 1995 o governo federal, através do Ministério das

Comunicações, considera a possibilidade de regulamentar as rádios

comunitárias. Esse episódio foi mais um incentivo à proliferação dessas

emissoras, que já existiam em grande número.

Calcula-se que hoje existam mais de 2 mil rádios ilegais no Brasil. Só

estado de São Paulo concentra-se a maior parte delas, cerca de mil emissoras.

Mas o número pode se maior, uma vez que é quase impossível saber exatamente

quantas rádios ilegais estão no ar. Entre os praticantes da experiência é comum

dizer que para cada rádio fechada pela fiscalização do Ministério das

Comunicações surgem outras cinco.

Como já vimos, nem todas as rádios sem concessão são comunitárias.

Estas geralmente surgem a partir de um trabalho preexistente em movimentos

sociais, associações e comunidades de bairros, os quais percebem na rádio

comunitária a oportunidade de expressar sua voz, seus anseios e receios através

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126

de um novo veículo de comunicação com maior capacidade de mobilização de

pessoas.

É nesse contexto que em julho de 1995 surge a Rádio Cidadã, uma rádio

comunitária localizada no Jardim Bonfiglioli, bairro do Butantã, zona Oeste da

cidade de São Paulo. Essa emissora foi criada com o objetivo de desenvolver um

trabalho voltado à comunidade da região em que funciona. Para isso tem tentado

encontrar, nesses dois anos de funcionamento, uma maneira de integrar os

moradores de diferentes classes sociais existentes na região e assim ser um

veículo de expressão de todo o bairro e não apenas de determinado grupo.

Como veremos a seguir, a Rádio Cidadã foi criação de um grupo de

pessoas, sob a liderança de Luci Martins, que, junto com sua família, financiou

todo o projeto da rádio, cedendo os equipamentos, inclusive a casa onde a rádio

funciona. É Luci também quem preside a Associação Cidadã do Butantã,

entidade mantenedora da rádio.

Assim, a reconstituição de toda a história da Rádio Cidadã foi feita com

base principalmente em depoimentos da jornalista, que acompanhou o processo

de criação da emissora desde o início e é a pessoa central no funcionamento da

rádio. Além dela, também entrevistamos as pessoas que participam da

experiência no meio comunitário desde o início, como um dos filhos de Luci,

Paulo Marcelo Reis, e o músico José Luis da Silva.

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5.2. Principais características do Butantã e região147

O Butantã possui uma área de 12,9 km², com quase 100 mil habitantes

divididos em 19 bairros, entre os quais se encontram, além do Jardim

Bonfiglioli, a Cidade Universitária, Jardim Rizzo, Vila Pirajussara, City Butantã,

Inocoop, Jardim Christie, Instituto Previdência, Cidade dos Bandeirantes, Vila

Gomes e outros.

Teoricamente a Rádio Cidadã alcança todos esses locais, mas

provavelmente alcance ainda parte dos municípios vizinhos como Taboão da

Serra, Osasco e Cotia, além dos bairros próximos ao Butantã, como Jaguaré, Rio

Pequeno, Raposo Tavares, Vila Sônia e Morumbi. Esses bairros, junto com o

Butantã, possuem uma área de 66,2 km², com um total aproximado de 600 mil

habitantes e são administrados politicamente pela Administração Regional do

Butantã, ligada à Prefeitura Municipal.

Essa região caracteriza-se por concentrar ao mesmo tempo populações de

alto e de baixo poder aquisitivo. Há em torno de 60 favelas distribuídas pelos

bairros citados, com uma população estimada de 88 mil habitantes.

147 Todas as informações referentes às características do bairro do Butantã e região foram tiradas do documento Micro-Região: Butantã, elaborado pela equipe intersecretarial de planejamento entre out./nov. de 1991, obtido na Administração Regional do Butantã, que infelizmente não possuía dados mais atualizados.

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Não se pode esquecer que no Butantã estão localizados também a

Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Butantã, que, juntos, ocupam

quase a metade de todo o bairro. Por isso, pode-se afirmar que convivem lado a

lado pessoas de alto e de baixo nível intelectual.

Um dos principais problemas enfrentados pelo bairro ocorre na época de

chuvas, com o transbordamento de um dos córregos da região, o Pirajussara. O

Butantã possui três córregos: Pirajussara, Pirajussara-Mirim e Caxingui (em

parte).

Além dessas características, os bairros pertencentes à Administração

Regional do Butantã podem ser considerados aglutinadores de movimentos

sociais. Há na região mais de 100 associações comunitárias, localizadas

principalmente nas favelas, o que denota uma certa mobilização dos moradores.

5.3. A Rádio Cidadã

Ao iniciar suas primeiras transmissões, a Rádio Cidadã depara-se com as

características do bairro. Era necessário encontrar a fórmula de programação

comunitária que pudesse chamar, ao mesmo tempo, a atenção do morador de

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alta renda e do morador de baixa renda e assim promover uma integração entre

as duas partes. Essa preocupação, no entanto, é posterior à criação da rádio.

A história da Rádio Cidadã começou em março de 1995, quando o

produtor de rádio e TV Paulo Marcelo Martins Reis, 25 anos, teve a idéia de

montar uma “rádio pirata”. Apesar da resistência de sua mãe, a jornalista Luci

Martins, que, de acordo com Paulo Marcelo, considerava perigoso ter uma rádio

não-autorizada (um crime passível de prisão), ele não desistiu e, com o apoio de

seu irmão, pensou em se juntar a mais alguém que possuísse uma rádio não-

autorizada para desenvolver a idéia.

Passado um mês, Luci Martins mudou de opinião: “Ela falou assim: não,

nós vamos montar uma rádio nossa, não vai ter sociedade com gente que a gente

não conhece”, conta Paulo Marcelo. Estavam dados os primeiros passos para a

criação da Rádio Cidadã, que contava inicialmente com a participação de oito

pessoas.

Luci Martins trabalha com comunicação há mais de 30 anos e há quase 20

participa de associações de bairro e movimentos sociais. Segundo ela, o

envolvimento com as rádios livres deu-se na época em que estava trabalhando

em emissoras comerciais, entre as quais e mais recentemente, as rádios AM Tupi

e Atual. Em ambas as rádios, Luci sempre debateu o assunto das rádios livres,

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130

procurando diferenciá-las das rádios piratas; até então não se falava em rádios

comunitárias.

Paulo Marcelo, por sua vez, envolvido há 12 anos em trabalhos sociais,

fazia parte junto com sua família do Grupo de Defesa da Cidadania (GDC), com

sede também no Butantã. Quando a rádio surgiu, tiveram a idéia de transformá-

la na rádio do GDC. Assim a rádio ficou sendo a RC; posteriormente recebeu o

nome de Cidadão, e quando mudou a proposta para rádio comunitária, mudou-se

o nome para Rádio Cidadã, para fazer referência ao termo “cidadania”.

Com a rádio funcionando, logo foi desvinculada do GDC, uma vez que o

grupo abrangia toda a cidade de São Paulo, e, para tornar a rádio voltada

estritamente ao bairro do Butantã, montou-se a Associação Cidadã do Butantã,

mantenedora da rádio, que conta com mais de 30 pessoas associadas.

Essa associação realiza um trabalho voltado à comunidade do bairro do

Butantã. Fazem parte das atividades da associação a difusão educacional,

cultural, esportiva, artística, promoção social e comunicação social. A rádio

passou então a ser um veículo da associação. “A Associação Cidadã do Butantã

foi criada para poder trabalhar em caráter de rádio-escola, porque nós

entendemos que a melhor forma de conseguir fazer com que a rádio comunitária

tivesse prosseguimento fosse ela ter esse caráter”, explica Luci.

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131

Aproximação com a comunidade

Durante as primeiras intervenções da rádio, a propaganda era feita

verbalmente. Essa foi a fase inicial da emissora; os jovens chegaram de

imediato, seguidos dos profissionais desempregados de rádios comerciais e dos

religiosos. Logo após vieram os líderes comunitários, aqueles que já

desenvolviam um trabalho em associações do bairro e que encontraram na rádio

um veículo de aproximação entre os moradores da região.

Os jovens, interessados em conhecer de perto a novidade, chegaram com a

vontade de experimentar, querendo ser locutores, DJs ou, simplesmente, fazer

programas leves, chamados de “besteirol”, em geral reproduzindo as mesmas

músicas tocadas pelas grandes emissoras.

Luci explica que os programas desses jovens, além de serem quase

exclusivamente musicais, traziam muita brincadeira e também tinham um tom

apelativo.

É importante frisar que a rádio começou com um padrão “mauricinho”,

classe média alta; já a meninada mais pobre, eles chegaram ouvindo, não

tinham coragem de chegar na rádio porque não tinham auto-estima (...),

começaram a chegar na rádio muito timidamente e chegaram pelas mãos

dos “mauricinhos” (...) quando estes esgotaram o assunto deles,

descobriram essas equipes de periferia, que fazem som e foram elas que

acabaram ocupando o lugar dos “mauricinhos”, se firmaram e hoje é a

meninada que segura a rádio.

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132

Depois, houve a procura dos profissionais de rádios comerciais que,

desempregados, passaram a ver na rádio comunitária um novo mercado de

trabalho, com a oportunidade de manter os mesmos programas das rádios

comerciais:

Muitos profissionais de rádio a princípio vieram, fizeram seus programas e

mostramos a eles, ao longo do tempo, que eles são comerciais,

comerciantes, dependem de ganhar, dos anúncios, mostramos que aqui

não é possível porque o que eles conseguiram ganhar como profissionais

nas rádios comunitárias não paga nem a locomoção pra chegar aqui. O

que uma rádio que atinge um bairro vai conseguir dar de retorno pro

comerciante? Muitos acabaram desistindo. Outros resolveram montar as

suas rádios, já que não conseguiram ter lucro com os programas,

resolveram montar as rádios pra ganhar como empresários de rádio.

Já os religiosos, principalmente pastores de várias igrejas protestantes,

procuraram a emissora também querendo seu programa. “Você teria que deixar

quase 50% da programação da rádio voltada para pastor”, diz Luci. A rádio não

impossibilitou, no entanto, a presença de programas religiosos, havendo um

horário específico para esse fim, como veremos mais adiante.

Diante desses fatos houve necessidade de realizar um trabalho educativo

para ensinar como funciona uma rádio comunitária, que necessariamente tem de

oferecer espaço a vários segmentos da comunidade sem perder de vista os

interesses dessa mesma comunidade.

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133

Por fim, chegaram à rádio os líderes comunitários, pertencentes a cinco

das mais de 100 associações de bairro existentes no Butantã. A essas pessoas

coube o papel de tentar uma aproximação entre a rádio e os moradores do bairro.

Foi o caso do músico José Luis da Silva, 54 anos, presidente da União dos

Moradores da Favela Nossa Senhora Assunção há 12 anos e morador do bairro

há 48 anos. Desde então José Luis possui um programa musical chamado A

saudade me chama e participa também do programa Encontro com as

comunidades148.

Seguindo a propaganda verbal, chegaram mais pessoas do bairro

interessadas em conhecer a Rádio Cidadã. Assim, em agosto de 1995, a

psicopedagoga Grácia Lopes Lima e o professor de Filosofia Donizete Soares

ouviram falar a respeito da rádio e se propuseram a fazer parte do projeto, ela

com um programa voltado às crianças149 e ele com um programa voltado à

educação e cultura.

Os programas

Com a chegada das pessoas mencionadas e de outras, aos poucos a rádio

foi adquirindo um perfil de rádio comunitária. Estabelece-se uma outra fase na

148 Encontro com as comunidades é um dos programas que será enfocado nesta dissertação.

149 O programa supervisionado por Grácia chama-se Cala a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer) e será objeto de nossa análise mais adiante.

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emissora, com programas que prezam pela qualidade do que vai ao ar. Há

entrevistas com especialistas de várias áreas, como saúde, política, cultura,

educação etc. No entanto, ainda predominam os programas musicais. De acordo

com Luci, isso ocorre porque as pessoas não sabem o que significa uma rádio

comunitária:

[As pessoas] não sabem achar o canal de comunicação, de falar mais do

bairro, da nossa proposta, da melhoria de qualidade de vida, o que fica

claro é o seguinte: as pessoas não têm informação, elas sabem o que

incomoda, mas não sabem como se expressar e continua prevalecendo

essa história de que rádio é pra tocar música, rádio é pra mandar

abracinho, pra promoção pessoal.

Por ocasião da coleta de dados para esta pesquisa, havia 26 programas no

ar, divididos em 17 ou 24 horas diárias de programação. Do total exposto, 18

programas são musicais; os outros oito possuem temáticas diversas, entre as

quais reclamações da comunidade, crianças, adolescentes, religião e

entrevistas.150

Cada programa veiculado pela rádio tem um contrato de responsabilidade,

com normas tiradas do Conselho Comunitário, que envolve diferentes setores

sociais da comunidade do bairro: “Ouvimos o que o padre acha da programação,

150 No próximo capítulo trataremos da programação da emissora.

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o que a casa da cultura, o administrador regional e as entidades acham da

programação, que não é feita de forma aleatória”, diz a diretora da rádio.

Estrutura física e equipamentos da rádio

A Rádio Cidadã começou a funcionar com um transmissor de 20 watts de

potência produzido artesanalmente, ou seja, sem muitos arranjos técnicos, e

depois passou a utilizar um transmissor industrializado de 50 watts.

A rádio funciona num amplo sobrado (cuja proprietária é Luci Martins),

onde antes funcionava um pensionato para estudantes. Compõem a emissora,

além do transmissor, uma antena, uma torre, dois estúdios - um para

apresentação dos programas e outro para gravação de vinhetas da rádio, de

programas e de grupos da região que não tenham espaço para gravar uma fita

demo.

Os equipamentos básicos da emissora são duas mesas de som

semiprofissionais de 16 canais, CDs, tape decks, computadores, pick ups,

sistema de telefonia para colocar o ouvinte no ar, fax e telefones, dos quais

grande parte pertence à família de Luci ou foi doação de quem participa da rádio

e outros foram adquiridos pela própria rádio.

Custos e manutenção da rádio

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136

Para se manter no ar, a rádio tem um custo aproximado de dois mil e

quinhentos reais por mês. Segundo Luci, para operar com todas as condições

técnicas, a rádio precisaria ter uma arrecadação de cinco mil reais. Esse dinheiro

é destinado ao pagamento das contas de água, luz e telefone, manutenção dos

equipamentos, compra de material fonográfico, como discos, CDs e fitas

cassetes, e pagamento de uma ajuda de custo aos operadores da mesa de som. A

arrecadação desse montante é feita através dos apoios culturais e das

contribuições da diretoria da associação que agrega a rádio. Muitas vezes, a

própria Luci assume as despesas até conseguir marcar uma reunião com a

diretoria da associação e discutir o assunto.

Os apoios culturais são conseguidos no comércio local pelos

programadores da rádio, geralmente os que possuem programas musicais. Um

programa diário custa em torno de 8 a 9 reais por hora, o que dá de 240 a 270

reais por mês, considerando-se 30 dias. Aos sábados, um programa de uma hora

de duração equivale a 120 reais mensais.

Isso gera um certo conflito entre alguns dos programadores da rádio: por

estarem em busca de apoios culturais, acreditam ter plenos direitos sobre o

horário em que fazem seus programas. Isso é constestado pela diretoria da

associação, que vê o fato como uma divisão de responsabilidades dentro da

emissora, não havendo portanto donos de horários e de programas.

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Para Luci Martins, essa é uma troca justa. Citando um exemplo, ela fala a

respeito dos programas desenvolvidos pelas equipes de DJs que têm programas

na rádio com o objetivo de promover a equipe de som e assim realizar mais

bailes no bairro: “É promoção da equipe, então tem que trocar: buscam o apoio

para cobrir o horário da despesa”.

Como o Butantã é um bairro predominantemente residencial, com pouco

comércio, há dificuldades em se conseguirem apoios culturais para a rádio. Isso

se explica pelo fato de ser novidade: a rádio comunitária é um veículo novo,

ainda não regulamentado, e o apoio cultural não tem a finalidade de ser uma

publicidade. Enquanto esta tem mais liberdade para falar de determinada

empresa, produtos e promoções, aquele é limitado a falar apenas do nome da

empresa. Ainda assim, a Cidadã tem colocado telefones e endereços nos apoios

culturais, porque o projeto que regulamenta essas rádios ainda não foi aprovado.

Programas sem apoio cultural

Os programas voltados à comunidade não possuem apoios culturais e são

subsidiados pela rádio, que faz uma espécie de permuta com os responsáveis

pelos programas. Esse é o caso da Revista Cidadã; do programa Na boca do

povo e dos programas de domingo das 6 às 12 horas e das 14 às 18 horas.

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A permuta funciona da seguinte forma: no caso da Revista Cidadã, um

profissional de determinada área se dispõe a produzir e apresentar um bloco do

programa que interessa à comunidade e a rádio cede o espaço; o programa Na

boca do povo, por ser voltado completamente aos interesses da comunidade,

também é subsidiado pela rádio, assim como o programa Encontro com as

comunidades; em troca do espaço para fazer o programa A saudade me chama, o

músico José Luis opera a mesa de som da rádio durante toda a manhã de

domingo: das 6 às 12 horas; no caso do projeto Rádio-Escola, que atualmente

envolve os programas Metamorfose e Cala a boca já morreu..., a permuta é feita

com o Gens Serviços Educacionais, que faz toda a produção, arcando inclusive

com os serviços da psicopedagoga que supervisiona o projeto, e a rádio se

encarrega de veicular os programas.

Rotatividade

Outra característica da Rádio Cidadã é a grande rotatividade de pessoas. A

rádio comunitária conta com o trabalho voluntário dos integrantes e não há

remuneração para quem faz programas. Algumas pessoas se aproximam da rádio

justamente esperando encontrar ali uma fonte de subsistência, principalmente

através da arrecadação dos apoios culturais; quando constatam que a realidade é

outra, elas saem da rádio:

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139

O que ocorre: essas pessoas procuram a rádio ou porque estão atrás de

emprego ou porque querem aprender alguma coisa, a partir do momento

que aprendem vão embora procurar o seu caminho. Outra: você depende

muito da disponibilidade de tempo do pessoal de participar, então tudo

bem, nesse momento a pessoa tem um tempo ela vem dentro daquele

horário que ela pode vir participar. Amanhã surge um problema, óbvio,

entre ela resolver o problema e vir à rádio, ela vai resolver o problema.

Dificilmente você tem um dia igual ao outro, a não ser nos horários de

ponta: os primeiros da manhã e os últimos da noite.

Notamos outro motivo que também faz com que a entrada de pessoas na

rádio e a saída dela seja uma constante: o choque de idéias com a direção da

emissora, principalmente com a presidente da associação, Luci Martins, que é

considerada por muitos apresentadores como a verdadeira dona da rádio. Sem

dúvida, é a jornalista quem comanda a Rádio Cidadã, que não existiria sem a sua

intervenção. Por isso, é Luci quem dá a palavra final sobre qualquer problema

que ocorra. Nesse ponto, fica claro que a associação mantenedora da Rádio

Cidadã tem um papel figurativo, pois não possui poder de decisão para resolver

os conflitos.

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140

Capítulo 6

Os programas da Rádio Cidadã

6.1. A grade de programação da emissora

Devido à extensão da grade de programação da rádio, optamos por dividi-

la em três partes: uma com os programas de domingo, uma com os da semana e

a última parte com os programas de sábado. É importante frisar que ao longo de

toda essa programação há os espaços destinados aos apoios culturais e aos

serviços de utilidade pública - vinhetas educativas, como orientações para não

desperdiçar água, não exagerar na alimentação etc.

Salientamos que em função da rotatividade de pessoas na emissora, a

grade de programação sofre constantes alterações, principalmente nos

programas musicais. A grade apresentada neste trabalho estava sendo seguida no

mês em que realizamos esta pesquisa, abril de 1997.

Para fins classificatórios dos programas da Rádio Cidadã, adotamos a

seleção proposta por André Barbosa Filho151, que sugere uma classificação dos

gêneros radiofônicos “em razão de sua função específica de seu objeto diante de

sua audiência”. O autor divide em sete os gêneros radiofônicos: jornalístico,

151 Gêneros radiofônicos; tipificação dos formatos em áudio. São Bernardo do Campo, IMS, 1996. Dissertação de mestrado, p.37.

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educativo-cultural, de entretenimento, publicitário, propagandístico, de serviço e

especial. Na Rádio Cidadã são encontrados cinco desses gêneros:

• gênero jornalístico: atualiza seu público através da divulgação, do

acompanhamento e da análise dos fatos. Pode ser em diversos formatos: nota,

notícia, boletim, reportagem, entrevista, comentário, editorial, crônica, rádio-

jornal, documentário-jornalístico, mesa-redonda ou debate, programa policial,

programa esportivo e divulgação técnico-científica; é marcado pelas

características subjetivas dos conteúdos.

A Rádio Cidadã possui o gênero jornalístico nos programas Encontro com as

comunidades, Revista cidadã e Na boca do povo, sendo que o único que

possui apenas um formato é o Revista cidadã (entrevistas), os demais utilizam

vários formatos do gênero jornalístico – notícia, reportagem, entrevista,

comentário, debate e outros.

• gênero de entretenimento: está ligado ao universo do imaginário, gerando

assim uma relação de proximidade com o receptor. Pode ser programa

musical, programação musical152, programa ficcional, programete artístico,

evento artístico ou programa interativo de entretenimento.

Na Rádio Cidadã os formatos adotados desse gênero são a programação musical,

presente na maioria dos programas, e o programa interativo de

152 Segundo André Barbosa Filho, a diferença entre os formatos programa musical e programação musical é que enquanto aquele possui conteúdo e plástica diferenciados, divulgando obras musicais de diversos gêneros com discussões de tendências, textos e entrevistas, este é representado como uma esteira de músicas, reproduzindo o conceito geral de programação, na realidade, uma esteira de programas, com a seqüencialidade das execuções musicais (Op cit., pp.71-3.).

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entretenimento, formato constituído “no conjunto de ações de cunho

diversional, que tem como pressuposto fundamental a presença dos ouvintes

que participam de jogos, gincanas, programas de perguntas e respostas,

brincadeiras (...)”153, encontrado apenas no programa Direitos do cidadão.

• gênero propagandístico: está dividido em peça radiofônica de ação pública,

programa eleitoral e programa religioso.

Na Rádio Cidadã encontramos apenas o programa religioso, Vivendo com Jesus

no lar, representando esse gênero. O objetivo do programa religioso é

“difundir as idéias e preceitos de uma doutrina ou seita religiosa”154.

• gênero de serviço: “os produtos radiofônicos de serviço são informativos de

apoio às necessidades reais e imediatas de parte ou de toda a população,

atingida pelo sinal transmitido pela emissora de rádio”155. Esse gênero é

dividido em notas de utilidade pública, programete de serviço e programa de

serviço.

A Rádio Cidadã utiliza em sua programação as notas de utilidade pública, que

são informativos de curta duração e objetivam alertar o ouvinte sobre vários

assuntos.

• gênero especial: apresenta várias funções em um só programa. Está dividido

em programa infantil e programa de variedades.

153 Idem ibidem, p. 80. 154 Idem ibidem, p. 97. 155 Idem ibidem, p. 98.

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143

Classificamos dois programas da Rádio Cidadã dentro desse gênero: o Cala a

boca já morreu..., um programa infantil que pretende divertir, educar e

informar, e o Metamorfose, um programa de variedades “pela multiplicidade

de informações com características diferenciadas”156 que apresenta.

6.2. Primeira grade: programas de domingo

Horário Nome Gênero

6 às 8 horas A saudade me chama entretenimento (musical)

8 às 12 horas Encontro com as comunidades* jornalístico

12 às 14 horas Sua discoteca está no ar entretenimento (musical)

14 às 16 horas Metamorfose especial (variedades)

16 às 18 horas Cala a boca já morreu...* especial (infantil)

18 às 19 horas Jovem rural entretenimento (musical)

19 às 20 horas Brasileiríssimo entretenimento (musical)

20 às 22 horas Landa Mack Show entretenimento (musical)

22 às 23 horas Vivendo com Jesus no lar propagandístico (religioso)

* Programas que serão analisados no próximo capítulo.

Como vemos, a programação de domingo é bastante eclética, apesar de

predominarem os programas de entretenimento voltados à música. Há alguns

aspectos sobre esses programas que merecem ser mencionados.

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144

O programa A saudade me chama, apresentado pelo músico José Luis da

Silva, foi um dos primeiros a surgirem na Rádio Cidadã. Trata-se de um

programa musical, do gênero de entretenimento, com grande audiência e em que

são tocadas músicas antigas de várias tendências, muitas já esquecidas pelas

emissoras comerciais.

O programa Encontro com as comunidades tem um estilo peculiar:

começa a partir de uma conversa entre os seus quatro

apresentadores/debatedores, que pode ser sobre um tema recente da imprensa ou

da própria comunidade e se desenvolve com a intervenção dos ouvintes, que

ligam ou visitam a rádio, e com a intervenção de Sérgio Boiadeiro, responsável

pelas reportagens externas.

No programa Sua discoteca está no ar, o ouvinte é quem faz e apresenta a

programação, diretamente da rádio ou via telefone. É um programa musical, do

gênero de entretenimento, que funciona da seguinte maneira: há uma explicação

prévia sobre o que é uma rádio comunitária e a responsabilidade sobre os

assuntos abordados. Quem quer participar do programa vai à emissora e leva

seus discos, para mostrar suas músicas preferidas, ou telefona. Um operador é

responsável pelo horário e ajuda na seleção musical. Mas além das músicas, há

também muita troca de recados entre amigos e vizinhos. É um programa que

também faz parte da grade de sábado e é feito basicamente por jovens do bairro.

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145

Metamorfose é um programa feito apenas por adolescentes que cursam o

colegial. Esse programa é parte integrante do projeto Rádio-Escola, que visa

desenvolver um trabalho de aplicação da educação alternativa através do rádio.

Atualmente, apenas duas adolescentes integram o Metamorfose e fazem toda a

sua produção e apresentação, supervisionadas por Grácia Lopes. Classificamos

esse programa como de variedades dentro do gênero especial, já que diversifica

os assuntos em cada edição. Há entrevistas com bandas musicais, com políticos,

com profissionais ligados aos questionamentos dos adolescentes etc.

Outro programa que também integra o projeto Rádio-Escola é o Cala a

boca já morreu (porque criança também tem o que dizer), um dos programas

mais antigos da rádio, que teve sua primeira edição no dia 20 de agosto de 1995.

Ele é todo feito por crianças, desde a pauta, operação da mesa de som e até a sua

apresentação. É dividido em blocos e aborda diversos temas. Pode ser

classificado como um programa infantil, dentro do gênero especial. A diferença

entre este e os outros programas de mesmo perfil é que neste as próprias

crianças determinam o que colocar no ar.

Jovem rural, Brasileiríssimo e Landa Mack Show são programas

musicais, no gênero de entretenimento. O primeiro é ligado à música sertaneja; o

segundo faz um resgate da música brasileira e o terceiro apresenta as músicas

156 Idem ibidem, p. 104.

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tocadas pelas equipes de som do bairro, que fazem festas dançantes na região.

Os três programas são produzidos e apresentados por moradores da comunidade.

Finalmente, o programa religioso Vivendo com Jesus no lar, de gênero

propagandístico, procura não se ligar a uma religião específica, apesar de ser

apresentado por uma missionária de uma igreja evangélica, e é ecumênico em

sua abordagem.

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6.3. Segunda grade: programas de segunda à sexta-feira

Horário Nome Gênero

6 às 7 horas Alma sertaneja entretenimento (musical)

7 às 8 horas Direitos do cidadão entretenimento (interativo)

8 às 12 horas Revista Cidadã jornalístico (entrevistas)

12 às 13 horas Bate-bola com Deley jornalístico (esportivo)

13 às 15 horas Cantinho do JB entretenimento (musical)

15 às 17 horas Projeto Rap entretenimento (musical)

17 às 18 horas Show da 98.1 entretenimento (musical)

18 às 20 horas Momento sertanejo entretenimento (musical)

20 às 21 horas Balanço radical entretenimento (musical)

21 às 22 horas Seleção sertaneja entretenimento (musical)

22 às 23 horas Vivendo com Jesus no lar* propagandístico (religioso)

22 às 6 horas Black visual** entretenimento (musical)

* Exceto às sextas-feiras. ** Este programa é apresentado somente às sextas-feiras, das 22 horas às 6 horas de sábado.

De segunda à sexta-feira, a programação tem as seguintes características:

no início da manhã é musical, com o programa de músicas sertanejas, depois das

8 horas adquire um perfil mais jornalístico e à tarde e à noite volta a ser

exclusivamente musical, com destaque para sambas, pagodes, raps, músicas

afras e sertanejas.

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O programa Direitos do cidadão, apresentado pelo bacharel em Direito

João Ferreira, tinha a proposta inicial de ser um programa para orientar os

ouvintes sobre aspectos desconhecidos da legislação, principalmente do ramo

imobiliário. Mas, na realidade, esse objetivo se perdeu e hoje é um programa

musical, com grande participação dos ouvintes, que ligam para pedir músicas e

conversar com o apresentador.

Inserimos esse programa no gênero de entretenimento porque está voltado

para esse fim, sendo interativo por incentivar a participação dos ouvintes em

promoções com direito a prêmios, como a de ser locutor por um dia: o ouvinte

liga, dá seu nome e depois é escolhida em sorteio a pessoa que apresentará o

programa por um dia, junto com João Ferreira.

O programa Revista Cidadã é composto de vários subprogramas,

divididos de 8 às 12 horas, com um apresentador fixo para o horário. Assim, das

8 às 9 horas é apresentado o rádio-jornal da emissora, exceto às terças-feiras,

quando o programa não vai ao ar (uma programação musical cobre o horário);

das 9 às 9h15 vai ao ar um programa que envolve exercícios de neurolingüística;

das 9h30 às 12 horas ocorrem os programas de entrevistas.

O rádio-jornal, inserido no gênero jornalístico, existe no atual formato

desde outubro de 1996. É apresentado por Juarez Pereira, 33 anos, pós-produtor

de TV, que já havia passado por outros dois programas musicais na rádio e foi

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149

convidado por Luci Martins para apresentar o programa de notícias. Esse

programa informa aos ouvintes as principais notícias veiculadas nos grandes

jornais impressos, como O Estado de S. Paulo, a Folha de S.Paulo e

ocasionalmente o Diário Popular.

O programa funciona da seguinte maneira: o apresentador seleciona as

notícias que considera mais relevantes no dia, geralmente sobre o cenário

político brasileiro, e faz a leitura, tecendo, às vezes, algum comentário pessoal.

Além disso, mescla as informações com músicas. A particularidade é que não há

a preocupação em transformar a linguagem impressa em linguagem radiofônica,

ou seja, as informações são passadas como foram publicadas nos jornais.

O programa que utiliza a neurolingüística é batizado com o nome de

Sintonia RC. Trata-se de exercícios de neurolingüística, geralmente de

relaxamento, que duram 15 minutos e são elaborados por um empresário da

região que estuda o assunto. Nem sempre é apresentado ao vivo; normalmente,

uma fita gravada é colocada no ar.

Os programas de entrevistas são apresentados por pessoas diferentes,

revezando-se de segunda à sexta-feira, em diferentes horários. Participam vários

profissionais liberais, entre os quais há um médico, um odontólogo, um

professor de Filosofia e um profissional liberal. Existe grande flexibilidade nos

horários: por exemplo, o tempo de um bloco pode ser estendido para que um

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entrevistado tenha mais espaço em determinado dia. Os assuntos são

diversificados: política, cultura, saúde, problemas do bairro, educação etc.

Após a Revista Cidadã, entra no ar o Bate-bola com Deley, apresentado

por um ex-jogador de futebol de várzea, Wanderley. Esse é um dos programas

de maior audiência da rádio. Vai ao ar das 12 às 13 horas e seu principal assunto

é o futebol de várzea. O programa procura fazer a integração entre os clubes de

várzea da região, organizando e fazendo a cobertura de eventos esportivos.

No período da tarde, a rádio é predominantemente musical. Há os

seguintes programas: Cantinho do JB, apresentado por Sérgio JB (os principais

estilos musicais tocados são o samba e o pagode e, além disso, o programa

mostra a produção musical dos grupos da região); Projeto Rap, apresentado por

Júlio César, o Teco, com rap e participação dos ouvintes direto na rádio; Show

da 98.1, apresentado por Antônio Carlos, com músicas regionais de todo o

Brasil e sucessos da música pop; Momento sertanejo, apresentado por Celso

Moraes, com músicas sertanejas; Balanço radical é apresentado por Serginho,

Magno e Xand Brow, que mesclam várias músicas afras; Seleção sertaneja é

apresentado por Delvechio; Black visual, que é um baile de música transmitido

pela emissora apenas às sextas-feiras, das 22 horas até as 6 horas de sábado.

6.4. Terceira grade: programas de sábado

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Horário Nome Gênero

6 às 8 horas Jovem Guarda entretenimento (musical)

8 às 12 horas Na boca do povo* jornalístico

12 às 15 horas Cantinho do JB entretenimento (musical)

15 às 16 horas Sua discoteca está no ar entretenimento (musical)

16 às 18 horas Black balanço entretenimento (musical)

18 às 19 horas Planeta música entretenimento (musical)

19 às 20 horas Mundo da música entretenimento (musical)

20 às 21 horas Acustic company by Bon Jovi entretenimento (musical)

** 21 às ... Sua discoteca está no ar entretenimento (musical)

* Este programa será analisado no próximo capítulo.

** Este programa não tem hora definida para terminar; freqüentemente vai até às 6 horas de domingo.

No sábado a programação também é musical. Cabe aos jovens o comando

da maior parte dos programas. A exceção fica por conta do programa Jovem

Guarda, apresentado pelo aposentado Eros Machado, que também participa do

Na boca do povo, que é muito parecido com o programa Encontro com as

comunidades: denúncias, entrevistas e debates ao vivo são o conteúdo básico do

Na boca do povo.

Em relação aos demais programas, são todos musicais e apresentam as

músicas preferidas dos apresentadores e/ou dos ouvintes: Black visual, baile de

música transmitido pela emissora; Black Balanço, retrospectiva da música

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152

negra; Planeta música, rock nacional; Mundo da música, reggae; Acustic

company by Bon Jovi, músicas do cantor pop, Bon Jovi − recebe esse nome por

ser apresentado pelo cover do cantor, Mauro Bon Jovi −, conta com a

participação dos fãs-clubes do ídolo.

6.5. Ondas paranóicas: uma nova relação com a loucura

O programa Ondas paranóicas não consta da grade de programação da

Rádio Cidadã por se tratar de um programa especial, sem data para ir ao ar. É

um programa feito pelos doentes mentais da Associação Franco Basaglia, uma

organização não-governamental que funciona no Centro de Apoio Psicossocial

(Caps), órgão pertencente ao Estado.

O Ondas Paranóicas, nome sugerido pelos próprios doentes, tem vários

assuntos: política, música, poesia, saúde mental, entrevistas gravadas e

conversas com ouvintes. Seu principal objetivo é testar as possibilidades do

rádio, dando espaço aos que estão à margem da sociedade. Assim, os

participantes têm a oportunidade de mostrar seus talentos: declamam suas

poesias, tocam músicas, falam de seus interesses, fazem reportagens, falam de

suas vidas, entre muitas outras coisas.

O programa advém de uma oficina lúdica e terapêutica produzida na

Associação Franco Basaglia, durante dois meses, coordenada pelo psicólogo

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153

Edson Fragoaz e pela psicopedagoga Grácia Lopes Lima. O grupo da oficina é

composto por 10 usuários do Caps. Lá eles aprendem a fazer pautas, anotando

os assuntos, e a apresentar um programa. Após esse aprendizado, ficam aptos a

apresentar o programa ao vivo, na Rádio Cidadã, com uma hora de duração.

Até agora já foram ao ar três programas. Segundo Grácia, a função do

Ondas paranóicas é terapêutica e comprovadamente eficaz. Ela conta o caso de

uma paciente que, durante uma das oficinas, estava muito agitada e queria saltar

de um muro próximo. O psicólogo, sabendo que a paciente gostava de cantar,

pegou um gravador e chamou-a para cantar, pois a música seria colocada no

programa. “Ela ocupou-se em gravar a música e esqueceu que queria saltar”,

conta Grácia e explica que toda a equipe vai à emissora nos dias de programa, o

que deixa os participantes mais motivados e ocupados.

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154

Capítulo 7

A voz da Rádio Cidadã

7.1. Os programas analisados

Um dos objetivos desta dissertação é mostrar como funciona uma rádio

comunitária, a partir do conhecimento de sua programação e do seu conteúdo.

Para isso acompanhamos os trabalhos da Rádio Cidadã durante o mês de abril de

1997. Como o estudo é de uma rádio em particular, não podemos generalizar as

conclusões para outras rádios comunitárias, visto que cada rádio tem sua

peculiaridade.

Há 26 programas na emissora, a maioria do gênero de entretenimento,

com ênfase nos musicais. Apesar de os programas musicais terem sua

importância na programação, porque constituem a sua parte de entretenimento,

não nos deteremos em analisá-los, haja vista nossa proposta dar ênfase ao que

caracteriza como comunitária a emissora, e eles não têm esse perfil, pois são

dirigidos comumente por uma ou duas pessoas e seu principal objetivo é o de

entreter através da música, não havendo espaço para outras discussões. Além

disso, os atuais programas musicais da rádio, em alguns aspectos, não se

diferenciam dos programas musicais das emissoras comerciais. Pelo contrário,

apesar das exceções, veiculam basicamente as mesmas músicas que as rádios

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comercias. A diferença em relação a estas está no estilo de locução e no

atendimento ao pedido musical do ouvinte, que é feito de imediato.

O programa Revista Cidadã também não será analisado por se tratar de

um espaço segmentado; cada segmento é apresentado por profissionais de

diferentes áreas e tem em comum com os outros o formato de entrevista.

Interessa-nos analisar os programas que possuem a “cara” e a “voz” da

comunidade. Assim, consideramos que esses aspectos podem ser encontrados

não nos musicais ou nas entrevistas com personalidades e sim nos programas em

que há a discussão de temas relevantes à região e em que o morador fala de sua

realidade sem intermediários. Nessa perspectiva, selecionamos os seguintes

programas para análise: Na boca do povo, Encontro com as comunidades e Cala

a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer).

Os dois primeiros têm como principal objetivo ser o canal para os

moradores da região abrangida pela rádio reclamarem dos serviços públicos,

divulgarem seus talentos e apresentarem as informações que considerem

importantes. O Cala a boca já morreu..., por sua vez, tem como objetivo ser um

espaço alternativo de educação, no qual as crianças integrantes do programa

aprendam a expor seus desejos, dúvidas e conhecimento, num processo de

aprendizagem via rádio, diferenciando-se completamente dos programas infantis

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conhecidos. Nele, não é um adulto que fala para as crianças e sim as próprias

crianças falam para outras crianças.

7.2. Na boca do povo

O programa Na boca do povo surgiu em junho de 1996 para ser um dos

canais de expressão da comunidade via rádio. O programa teve duas fases: a

primeira, que durou apenas quatro meses, sob responsabilidade do presidente da

Sociedade Amigos de São Domingos, Manoel Borges; a segunda e atual fase

começou em outubro do mesmo ano, sob a responsabilidade do marceneiro

Beijomar de Oliveira. Nesta fase, o programa foi dividido em dois: um vai ao ar

aos sábados, das 8 às 12 horas, e o outro, com o nome de Encontro com as

comunidades, vai ao ar aos domingos, também das 8 às 12 horas.

Na boca do povo é um programa ao vivo que trata dos assuntos da

comunidade, com entrevistas de personalidades de várias áreas e denúncias de

problemas ocorridos no bairro, e pretende possibilitar a manifestação das

pessoas sobre os temas que lhes incomodam. As reclamações que surgem no

programa são encaminhadas pelos responsáveis aos setores competentes, seja

municipal ou estadual, e, tão logo haja uma informação sobre o caso, o

programa a divulga.

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Toda a produção do Na boca do povo é feita por quatro pessoas,

responsáveis pelo direcionamento de cada edição do programa. São eles que

escolhem os entrevistados, organizam os assuntos e encaminham as reclamações

às autoridades competentes. A apresentação é feita por Beijomar de Oliveira; há

comentários de João Victorelli157 e reportagens externas de João Ferreira158 e

Eros Machado159. Além dos comentários em estúdio e reportagens externas,

fazem parte do programa as matérias editadas, produzidas durante a semana por

qualquer um dos integrantes do programa e levadas ao ar aos sábados; são

basicamente entrevistas sobre problemas da região e não ocorrem em toda

edição.

Características

O programa Na boca do povo inicia sempre com uma conversa entre o

apresentador e o comentarista, geralmente abordando uma notícia veiculada

durante a semana pela grande imprensa ou comentando um fato da região onde a

emissora funciona. As notícias voltadas à comunidade sempre possuem uma

ênfase maior.

157 João Victorelli é presidente da Sociedade Amigos do Jardim Alvorada, Vila Sônia, e dirige o jornal de bairro Alvorada, que enfoca informações referentes ao Butantã.

158 João Ferreira é responsável também pelo programa Direitos do cidadão.

159 Eros Machado apresenta outros dois programas na emissora: Alma sertaneja e Jovem Guarda.

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À medida que os assuntos são explorados pelo apresentador e pelo

comentarista, os ouvintes começam a telefonar para participar do debate,

cumprimentar os responsáveis pelo programa, mandar recados ou pedir e

oferecer músicas. Há ouvintes que se dirigem pessoalmente à emissora e

participam do programa in loco, mas isso ocorre normalmente quando se quer

passar determinada notícia ou divulgar determinado trabalho.

Todo programa conta com entrevistados especiais, podendo ser desde uma

dona-de-casa reclamando da falta de professores na escola de seu filho até um

vereador da região explicando como vai funcionar a parte do rodo-anel na zona

Oeste de São Paulo. Enquanto ocorrem os debates em estúdio, os dois repórteres

externos estão percorrendo a região e podem entrar no ar a qualquer momento,

sempre que há algum fato interessante para ser reportado.

Importante salientar que não há um tempo determinado para nenhum dos

temas, apenas a cada meia hora de programa é aberto um intervalo musical que

dura cerca de dez minutos. Nesse intervalo são veiculadas duas músicas,

vinhetas de outros programas da emissora, apoios culturais e serviços de

utilidades públicas patrocinados pela rádio ou por um apoio cultural.

Apesar de existir um planejamento em cada edição, existe muita

improvisação, dependendo dos assuntos explorados pelos ouvintes ou pelos

convidados. Assim, uma determinada matéria pode ser estendida ou não, de

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acordo com o interesse dos ouvintes, que ligam para dar sua opinião e participar

das conversas em estúdio, e com o próprio rendimento da entrevista.

Identificação

O Na boca do povo utiliza alguns recursos para ser identificado. Um deles

é a apresentação de Beijomar de Oliveira falando sobre o programa e a Rádio

Cidadã, o nome dos apresentadores e a área de abrangência da emissora,

divulgando ainda o telefone e incentivando os ouvintes a participar, nos

primeiros minutos de cada edição. Um trecho da música “É”, do compositor

Gonzaguinha, serve como tema do programa.

Beijomar de Oliveira: Hoje é dia 26 de abril de 1997. Está começando

mais uma edição do programa Na boca do povo, pela Rádio Cidadã, 98.1

FM, a pioneira do Butantã. Esse programa, que vai ao ar todos os

sábados das 8 ao meio-dia, apresentação de Beijomar de Oliveira, com

os comentários do professor João Victorelli e a participação do dr. João

Ferreira. Na técnica está a Fernanda (...) Esse programa, que é o

programa da comunidade, por isso o telefone pra você ligar e participar é

o 268-3302, que está aí à sua disposição. Esse programa, que trata dos

assuntos da população, da comunidade de toda a zona Oeste aqui da

cidade São Paulo e também dos municípios vizinhos de Osasco, Taboão

da Serra e Cotia... Por isso, você, amigo ouvinte que nos ouve todos os

sábados, você que está nos ouvindo pela primeira vez podem participar

pelo telefone 268-3302, fazendo aí as suas reivindicações, falando sobre

os problemas, sobre os assuntos, também mandando aí o seu recadinho,

por isso esse é o programa da comunidade pra você ligar e participar.

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O apelo para que o ouvinte participe do programa é constante, ressaltado a

cada 30 minutos e sempre que o ouvinte telefona. É dada grande importância à

participação da comunidade no programa, pois, como já dissemos, esse é o seu

maior objetivo. Assim, os telefonemas dos ouvintes, as reportagens que vão até

eles procurar informações de interesse da comunidade e as entrevistas com

pessoas da própria região, renomadas ou não, são fatores essenciais para a

existência do Na boca do povo e de outros programas de mesmo perfil da

emissora.

Reportagens externas

As reportagens externas são realizadas sem uma pauta definida. João

Ferreira e Eros Machado percorrem de carro as ruas do bairro e adjacências,

munidos de telefone celular, procurando assuntos que mereçam ser noticiados.

Não há critério para definir quais assuntos são os mais importantes. Assim que

encontram algo, os repórteres informam direto do local, em entradas ao vivo,

sem hora determinada. De acordo com Eros Machado, as informações são

voltadas aos moradores da região:

Normalmente a gente vai atender o ouvinte porque o ouvinte liga aqui pra

gente reclamando da rua, dos buracos, enfim qualquer reclamação, aí a

gente vai até o local faz entrevista com os moradores da rua, fazendo a

cobrança para o administrador regional da prefeitura.

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Para ilustrar como funciona essa parte do programa, tomamos como

exemplo alguns trechos de duas reportagens externas realizadas no dia 26 de

abril, sob responsabilidade de João Ferreira. Às 10 horas, Beijomar e Victorelli

entrevistavam no estúdio a presidente do Conselho de Escolas Municipais da

região, Ângela Penha Silva Lima, discutindo os problemas educacionais na área

municipal. Naquele momento, João Ferreira fez sua primeira intervenção do dia,

com uma chamada do Morumbi, onde se realizava uma feira de livros. A

conversa toda durou 12 minutos.

João: Beijomar, primeiro nós vamos falar com a dona Maria Cristina,

chefe do departamento de Língua Portuguesa do colégio Miguel de

Cervantes, só um minutinho.

Beijomar: Pois não, estamos com a nossa reportagem lá no Morumbi.

Alô, bom dia!

Maria Cristina: Bom dia.

Beijomar: Como é o nome da senhora?

Maria Cristina: Maria Cristina Ferreira Alves.

Beijomar: Ah, tudo bem, dona Maria?

Maria Cristina: Tudo bem, graças a Deus.

Beijomar: A senhora...

Maria Cristina: Estamos aqui na nossa 14a feira do livro...

Beijomar: Ah, tá.

Maria Cristina: ... com escritores famosíssimos como Luis Fernando

Verissimo, que veio de Porto Alegre especialmente para esse evento,

Sérgio Caparelli também, poeta e escritor, especialmente para esse

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evento, Tatiana Belinky, Eva Furnari, Cristina Porto, Luis Galdin, entre

outros. Olha não dá pra enumerar todo o pessoal tão importante que tá

aqui conosco hoje, tá?

Beijomar: Tá certo. Essa feira começou quando aí, dona Maria?

Maria Cristina: Por favor, dá pra repetir a pergunta?

Beijomar: Ahn, quando começou essa feira aí?

Maria Cristina: Aqui, hoje? Aqui vai das 9 às 16 horas, mas essa feira é a

nossa 14a, e o intuito, o objetivo é colocar o aluno em contato com o

escritor (...)

Beijomar: A senhora...

Maria Cristina: Essa é a grande importância da nossa feira.

Salientamos que a entrevista foi comprometida pelas interferências no

aparelho celular, o que pode ter dificultado a compreensão de ambos os lados:

entrevistador e entrevistado. Mas fazemos a seguinte observação sobre a

primeira parte da entrevista: o apresentador fica confuso nas abordagens à

entrevistada, que toma a iniciativa e dá as informações básicas sobre a feira de

livros.

Ainda na mesma entrevista, o apresentador e o comentarista tentam

explicar a Maria Cristina o teor do assunto que estavam discutindo em estúdio, a

falta de professores nas escolas municipais. O objetivo era comparar uma escola

particular com uma escola pública. Mas assim que começam a falar, cai a

ligação do celular. Victorelli, o comentarista, explica:

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Victorelli: Nós provocamos essa diferença... nesse país, que nós

dizemos que todos têm o mesmo direito perante a lei, esse direito

realmente fica muito distante... quando se trata de poder aquisitivo é

muito desigual. A senhora está aqui (dirige-se à convidada Ângela Lima)

reclamando que falta professor numa escola municipal e a dona Maria,

professora Maria Cristina Alves, professora de português duma escola

como a...

Ângela: Conceituada, né? (...)

Novamente, o repórter volta a chamar da feira, prosseguindo a entrevista

com a coordenadora do evento, mas a ligação continua com interferências.

Quando o repórter João Ferreira retoma o contato, coloca no ar o escritor Luis

Fernando Verissimo, desconhecido pelos apresentadores, resultando uma

entrevista pouco produtiva.

João: Beijomar, nós vamos falar aqui com o Luis Fernando Verissimo; é a

primeira vez que ele sai do Rio Grande do Sul e vem numa feira do livro

aqui em São Paulo. Eu gostaria que ele desse uma palavra a todas as

pessoas aqui da nossa região e principalmente assim no incentivo à

cultura, né? Aliás à leitura... então eu gostaria que ele desse essa palavra

aos estudantes aqui da nossa região, tá bom?

(...)

Beijomar: Alô, bom dia, alô, vamos conversar com o...

Luis Fernando Verissimo: Bom dia.

Beijomar: Bom dia, tudo bem?

Veríssimo: Tudo bem.

(...)

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Beijomar: Como é que o senhor está se sentindo aqui em São Paulo? É

a primeira vez que o senhor vem participar de uma feira aqui em São

Paulo?

Verissimo: Feira do livro de... de... com essas características de ser

numa escola, é a primeira vez sim.

Beijomar: Tá certo. Qual é a mensagem que o senhor diria para os

nossos ouvintes sobre a questão da leitura.

Verissimo: Bom, eu acho que tudo que se fizer para promover o livro e a

leitura é bem-vindo e positivo, né? (...)

A partir desse ponto, Beijomar direciona a entrevista para o assunto da

falta de professores, perguntando como está a situação das escolas gaúchas e o

que deveria ser feito para mudar. Verissimo dá sua opinião, falando sobre o

problema nacional da educação e da falta de prioridade para as áreas sociais.

Após conversarem sobre isso, Beijomar indaga-o sobre sua vida de escritor.

Beijomar: O senhor é professor, né?

Verissimo: Não, não...

Beijomar: É só escritor, né?

Verissimo: Jornalista.

Beijomar: O senhor tá trazendo algum livro do senhor aí pra essa feira

também?

Verissimo: Não, o livro novo não, mas tem vários livros antigos, já

publicados, que estão aqui.

Beijomar: Ahn. O senhor escreve mais sobre o quê? Que assunto mais...

Verissimo: A minha atividade é mais jornalística, então eu faço esse tipo

de literatura jornalística, um jornalismo literário, que é a crônica, né?

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Beijomar: Ahn, o senhor poder citar alguns livros do senhor?

Verissimo: Bom, tem diversos: Comédia da vida privada é um dos

últimos, tem O analista de Bagé, tem A velhinha de Taubaté, tem várias

coleções de crônicas...

Beijomar: Tá ok. O senhor mora em que cidade do Rio, lá do Rio Grande

do Sul?

Verissimo: Porto Alegre.

Beijomar: Porto Alegre, né? Tá bom, seu Luis, muito obrigado pela sua

participação.

Verissimo: Eu que agradeço.

(...)

Beijomar: Tá bom, obrigado, e, dr. João, tem mais alguém pra falar

conosco?

João: Eu quero agradecer aqui o escritor, o Luis Fernando Verissimo, né?

pela simpatia que passou essas palavras aqui para os estudantes da

nossa região. Eu vou ficando por aqui e chamo a qualquer momento.

Outra intervenção do repórter João Ferreira ocorreu por volta das 10h45.

Discutia-se no estúdio o projeto do rodo-anel, que objetiva diminuir o tráfego na

cidade de São Paulo, desviando a rota de veículos de carga. O repórter chama

diretamente da rodovia Régis Bittencourt e coloca no ar um motorista de carreta,

chileno, para opinar sobre o rodo-anel. No entanto, como o motorista fala

castelhano, não é possível entender muita coisa, principalmente pela má

qualidade da ligação via telefone celular.

João: (...) eu agora estou aqui na rodovia Régis Bittencourt, no quilômetro

22. É um posto aqui onde ele concentra um grande número de

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caminhões, inclusive caminhões internacionais, né? Então pra eles é

importante até essa informação sobre esse grande projeto que vai tirar o

trânsito da capital. Eu vou tentar falar aqui com um senhor, ele é chileno,

mas ele entende um pouco o português. Eu vou perguntar pra ele o que

significa isso aí para o motorista de carreta nessa região aí, tá bom?

Beijomar tenta conversar com o motorista, mas não entende o que ele diz.

Nesse ponto, o vereador Nelson Proença (PSDB), que estava sendo entrevistado

no estúdio, passa a conduzir a conversa com o motorista, em castelhano,

traduzindo-a para todos. Diz que não pode falar por muito tempo em espanhol

porque os ouvintes não poderiam compreender tudo. Cumprimenta o motorista e

pergunta se ele está feliz com a novidade do rodo-anel e sobre as dificuldades

que o motorista encontra ao chegar com seu caminhão em São Paulo. A

entrevista termina com o motorista falando das vantagens do projeto, reforçadas

a todo momento pelo vereador.

Os trechos transcritos dão-nos um exemplo de como funcionam as

reportagens externas. Nos dois casos, houve a intenção de colocar as pessoas

entrevistadas na rua a par do que se estava discutindo em estúdio. Não se pode

afirmar, no entanto, que toda reportagem externa tenha esse objetivo.

Levantamos aqui as seguintes considerações sobre esses trechos do

programa: a condução da entrevista com a coordenadora da feira de livros e com

Luis Fernando Verissimo é inconsistente, faltando mais informações sobre os

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assuntos abordados. A entrevista com o motorista de caminhão serviu apenas

para o vereador presente no estúdio exercitar seu espanhol, já que os

responsáveis pelo programa ficaram o tempo todo calados, pois não entendiam a

língua do entrevistado. Nesse caso, o repórter externo deveria ter escolhido outra

pessoa para entrevistar, abordando um motorista brasileiro que conhecesse

melhor a problemática do trânsito em São Paulo, resultando, dessa maneira, uma

entrevista mais esclarecedora.

No entanto é preciso salientar que as reportagens acontecem sem uma

pauta determinada e muitas vezes o repórter escolhe o entrevistado

aleatoriamente (como foi o caso do motorista chileno). Além disso, o

apresentador, por desconhecer certo assunto, não sabe como direcionar a

entrevista (como foi o caso do escritor Luis Fernando Verissimo, que passou

anonimamente pelo programa, apesar de todo o seu renome como jornalista e

escritor).

Isso tudo pode ser compreendido com a ressalva de que o programa é feito

por pessoas da comunidade, que possuem pouco tempo de experiência em um

veículo de comunicação e que apenas recentemente descobriram que podem

reportar sem intermediários seus conflitos e esperanças de vida. E nessa

descoberta ainda há muito o que aprender, por isso algumas coisas se perdem. O

ponto alto do programa, sem dúvida, são os assuntos do dia-a-dia da

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comunidade. Por isso, quando surge uma matéria estranha a esse cotidiano,

naturalmente há um embaraço e uma perda no enfoque do objeto.

Assuntos diversificados durante quatro horas

A versatilidade do programa Na boca do povo resulta da diversificação

dos assuntos abordados a cada edição. Das quatro edições acompanhadas

durante o mês de abril, resumimos os temas abordados em duas edições. É

possível ver como um programa, dependendo da participação do ouvinte, pode

voltar-se mais para os problemas das localidades abrangidas pela rádio ou deter-

se na discussão de matérias específicas durante suas quatro horas, como foi o

caso de educação e rodo-anel.

Na boca do povo: edição de 05 de abril de 1997

Na edição de 5 de abril de 1997, a maioria dos assuntos levantados pelo

apresentador, pelo comentarista e pelos ouvintes tinham um ponto em comum:

referiam-se diretamente aos problemas enfrentados pelos moradores da região.

Nos primeiros 30 minutos, surgem três questões voltadas à região: uma

ouvinte que telefona para reclamar do alto valor de sua conta de água; a

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discussão de problemas do bairro São Domingos e uma reclamação sobre

brincadeiras de adolescentes em telefones comunitários. À medida que o

programa prossegue, ouvintes telefonam para reclamar sobre uma tarifa cobrada

na Administração Regional para dar entrada em ofícios, sobre a falta de luz num

bairro próximo e também para informar a mudança de itinerário de um ônibus

da região. Todos esses temas foram comentados no estúdio e foram cobradas

providências do poder competente.

Outros temas que surgiram nessa edição foram: a violência policial na

favela Naval, em Diadema, notícia recém-divulgada pela grande imprensa; o

projeto que tramita no Senado que prevê um único número para representar

todos os documentos do cidadão; quebra do sigilo bancário e telefônico do

prefeito Celso Pitta; precatórios e feira de Utensílios Domésticos. Em todos os

casos houve a citação das fontes, normalmente os programas televisivos e os

jornais impressos.

Um exemplo de como as notícias veiculadas pela grande imprensa surgem

no programa Na boca do povo é o caso Diadema. O apresentador e o

comentarista iniciaram a discussão do caso com as informações obtidas nos

telejornais Jornal da Band (Bandeirantes) e Jornal nacional (Globo) e no

programa de debates da TV Cultura, Opinião nacional. Depois deram suas

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próprias opiniões a respeito. Transcrevemos abaixo os primeiros dois minutos da

discussão.

João Victorelli: Beijomar, esta semana... vamos já...

Beijomar de Oliveira: Vamos às notícias, né? que tem muita coisa

quente hoje.

Victorelli: É. Realmente essa semana foi quente, uma semana cheia de

novidades, cheia de problemas... quase todas as semanas tem

problemas, mas realmente essa semana foi uma semana que

aconteceram coisas...

Beijomar: ...que mexeu não só com nós, brasileiros, mas com o mundo

inteiro, né, João?

Victorelli: Com o mundo inteiro, né, Beijomar? Como que nós ficamos

tristes quando isto acontece...

Beijomar: É lamentável.

Victorelli: Nós adoramos nossa pátria, e quando nós estamos sabendo

que lá fora fica sabendo alguma coisa a respeito, que vá prejudicar o

brasileiro de uma forma geral, nós ficamos bastante tristes, que essa

polícia nossa aqui tem gente realmente importante, pessoas que são

responsáveis, trabalha, honesto, mas infelizmente em tudo na vida, em

todos os setores da vida existem pessoas que não cumprem com seu

dever, não cumprem com a cidadania, não conhece o que faz e acontece

o que aconteceu isso aí nessa semana, né, Beijomar? (...) Inclusive essa

semana nós tivemos a oportunidade de comentar aí aquele rapaz que

filmou, ontem ele apareceu na Bandeirantes, não sei se você teve a

oportunidade de ver? (...) Inclusive no primeiro momento, quando eu vi

pela primeira vez a fita, eu já tinha certeza que era uma pessoa

profissional que estava fazendo aquele trabalho, como a Globo, na

ocasião, no primeiro momento, a Globo falou que era uma gravação de

um amador, coisa que não é verdade, foi um profissional que fez esse

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trabalho porque você percebe que não houve, em nenhum momento você

percebe que tremeu a câmera, foi um negócio bem feito (...) Nós estamos

ainda vivendo restos da ditadura, essas pessoas que fazem isso ainda

têm no sangue, ainda está no sangue de cada um desses soldados restos

da ditadura (...) Inclusive, ontem assistimos também ao programa do

canal 2 (...), Opinião nacional, com o chefe do gabinete do ministro

Nelson Jobim, e ele falou realmente que ainda estamos vivendo ainda as

raízes da ditadura, precisamos acabar de uma vez por todas com isso aí

(...).

Podemos observar que os apresentadores não identificam de imediato o

assunto sobre o qual vão discutir. Eles falam que a semana foi cheia de notícias,

mas não dizem quais foram elas; começam a dar suas opiniões a respeito,

considerando que a imagem do Brasil no exterior ficou mais prejudicada com o

caso em pauta e depois de dois minutos identificam o assunto, sem detalhes,

comentando as notícias obtidas através dos programas jornalísticos. A discussão

sobre a violência policial na favela Naval, de Diadema, prossegue ainda por

quase 30 minutos e prevalecem as opiniões pessoais do apresentador e do

comentarista, que assumem uma posição crítica diante do fato.

Na boca do povo: edição de 26 de abril de 1997

Na edição de 26 de abril de 1997, os principais temas referiram-se aos

problemas da educação nas escolas municipais da região, na primeira parte, e às

novidades do projeto do rodo-anel, na segunda parte.

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Para discutir a questão da educação, a convidada foi a presidente do

Conselho de Escolas Municipais, Ângela Lima, mãe de um aluno de uma escola

municipal e que foi ao programa para divulgar um documento que precisava de

assinaturas dos pais para ser encaminhado à Secretaria Municipal de Educação.

A entrevista ocorreu de maneira descontraída e durou uma hora, girando em

torno dos objetivos do Conselho e dos principais problemas educacionais

enfrentados pelas escolas municipais, como a falta de professores e de seus

baixos salários. Uma ouvinte ligou para reclamar da falta de professores nas

escolas e foi convencida a assinar o documento divulgado. Foi durante esse

debate que ocorreu, como vimos, a intervenção do repórter externo, João

Ferreira, para falar de uma feira de livros no Morumbi.

Na segunda metade do programa, o assunto é dirigido para o projeto do

rodo-anel. Participam do debate o vereador Nelson Proença, a presidente da

Associação Cidadã do Butantã, Luci Martins (os dois haviam realizado durante a

semana um vôo de helicóptero para ver o local de passagem do rodo-anel), e

outra integrante da associação, Maria Penha Silva, além do apresentador e do

comentarista do programa. Esse debate sobre o rodo-anel começou às 10h30 e

foi até o final do programa. Discutiram-se vantagens e desvantagens do projeto,

ressaltando-se mais as partes positivas.

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Nenhum ouvinte ligou para fazer perguntas ao vereador sobre o rodo-anel.

Os únicos telefonemas que foram ao ar eram do odontólogo Geraldo Leite, que

apresenta um bloco de entrevistas no programa Revista Cidadã, e de uma

ouvinte, uma empregada doméstica, que ligou para cumprimentar a todos do

estúdio por terem lembrado de homenagear o Dia da Empregada Doméstica, 27

de abril. Houve outros telefonemas de ouvintes para pedir música e

cumprimentar as pessoas presentes no estúdio, mas não quiseram falar ao vivo.

A síntese dessas duas edições nos permite reiterar a variedade de assuntos

de cada programa. Além disso, notamos que poucos ouvintes telefonam para

falar sobre matéria mais específica, como o caso do rodo-anel. O interesse maior

é pelos assuntos da comunidade. Para a exploração desses objetos, a Rádio

Cidadã parece ser o local apropriado, no sentido de ser um veículo aberto a todo

tipo de manifestação da comunidade.

7.3. Encontro com as comunidades

O programa Encontro com as comunidades nasceu em outubro de 1996,

em função do sucesso do Na boca do povo. Por causa do grande interesse da

comunidade, a diretoria da Associação Cidadã do Butantã criou o Encontro com

as comunidades, como uma extensão do Na boca do povo, para ser apresentado

aos domingos.

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O programa é apresentado ao vivo todos os domingos, das 8 às 12 horas; o

apresentador é o presidente da Sociedade Amigos de São Domingos, o eletricista

Manoel Borges, e os comentaristas são o aposentado Nadir de Souza e o músico

José Luis, que é presidente da União dos Moradores da favela Nossa Senhora

Assunção e opera a mesa de som durante o programa; Sérgio Boiadeiro faz as

reportagens externas (que não acontecem em todos as edições), percorrendo os

bairros das imediações da emissora160.

De acordo com Manoel Borges, que há 16 anos participa de associações

comunitárias, a principal idéia do Encontro com as comunidades é levar as

pessoas das comunidades a participar do programa junto com representantes do

poder público e assim discutirem ações que propiciem uma melhoria das

condições de vida do bairro. Mas, segundo ele, esse objetivo não foi

completamente alcançado.

Nós precisamos fazer um trabalho mais consistente com eles (os

moradores do bairro), ir mais atrás desse pessoal, já que na maior parte

são muito acomodados (...) Eles não estão acostumados com o rádio, não

estão acostumados a mostrar o que eles fazem na região e a forma de

trazer é a forma encontrada pela Cidadã porque é uma rádio comunitária.

As grandes emissoras não têm dado essa liberdade à população

160 Durante o mês de abril, o Encontro com as comunidades contou com a participação da profissional liberal Maria da Penha Silva, que estava participando da direção geral da Associação Cidadã do Butantã, encarregada de obter recursos financeiros para a emissora. No caso específico do programa, participava como produtora e comentarista. Divergências com a presidente da associação, Luci Martins, afastaram Maria da Penha de todas essas funções em maio.

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participar e é um lugar onde você pode se expressar, pode reclamar,

pode falar, pode agir é aqui na Rádio Cidadã... [sic]

Características

O improviso é a marca registrada do Encontro com as comunidades, que

também não possui uma pauta definida. O programa inicia sempre com uma

conversa entre o apresentador e os comentaristas sobre algum assunto ocorrido

na semana, podendo ser um assunto da grande imprensa ou um acontecimento

do bairro. Manoel Borges faz as seguintes considerações a esse respeito:

A rádio é comunitária, mas não pode ser limitada a uma rua, a um bairro,

tem que ser uma coisa voltada ao nosso país. Nós falamos do governo do

Estado, do governo Federal, falamos do deputado, do senador, do

vereador, do prefeito, do administrador regional, do presidente da

entidade, do diretor da escola, dos caras da escola de samba, nós

falamos de tudo. É global o tratamento que nós fazemos aqui na Rádio

Cidadã.

A falta de uma pauta específica em cada edição do programa leva muitas

vezes a sugestões de matérias durante a transmissão. Como exemplo, se o debate

é sobre falta de água na região, sugere-se entrevistar alguém da Sabesp. Um dos

integrantes do programa fica, então, encarregado de fazer o contato com a

empresa para a realização da entrevista no programa seguinte. Se a entrevista

não é apresentada, é explicado o motivo aos ouvintes.

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Outra característica do programa é a evolução dos temas abordados. Um

assunto começa a ser discutido num ponto específico, como a falta de lombadas

numa avenida, e termina em considerações mais amplas, como a necessidade da

existência de lombadas devido à falta de educação no trânsito.

O programa todo pode ser visto como uma longa conversa, comentário ou

discussão161 entre os presentes no estúdio e entre os ouvintes que telefonam,

com uma música de fundo em todas as falas, exceto nas dos ouvintes.

As discussões têm um tom crítico e são abordadas principalmente pelo

apresentador Manoel Borges. Para ilustrar essa afirmação, selecionamos um

trecho da edição do dia 20 de abril. Estão presentes no estúdio Manoel Borges,

Nadir de Souza, José Luis e Maria da Penha. Esta última informa aos ouvintes

que a Administração Regional do Butantã está atendendo a população em postos

itinerantes distribuídos pelos bairros e elogia a iniciativa; em seguida Nadir faz

uma sugestão:

Nadir: Maria, essa intenção, embora seja começo de administração, não

é ruim. Mas eu acho que seria melhor, por exemplo, ele localizar, por

exemplo, assim perto de onde tem a Sociedade Amigos de Bairros, juntar

sempre perto de oito, sete sedes e fazer uma parada nesse lugar, porque

ali a população já tem mais achego, tá entendendo?

161 Conversa, comentário ou discussão porque um assunto pode começar com uma conversa descontraída, evoluir para um comentário crítico e acabar em discussão exaltada.

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Penha: Eu acho assim, Nadir, nós mesmos que representamos a

comunidade, nós mesmos sabemos que tem um problema de

comunicação seríssimo, né?, que o certo era esse administrador ser

escolhido aí pela comunidade, né?, ser representante da comunidade.

Infelizmente nós temos um processo muito fraco de união da comunidade,

senão a gente teria força de ter colocado alguém, né? mais ligado a nós

aqui, não tivemos essa força (...).

Manoel Borges não se manifesta de imediato, então Nadir se dirige a ele

perguntando se algumas pessoas da Administração Regional não deveriam ser

demitidas para dar lugar a outras. Ele entra na discussão:

Manoel: (...) falando só dessa questão aí de regionalização, então eles

tão pegando, parece que eles tão pegando um trabalho que nós já

fazemos, viu, Maria da Penha, o Cepam, o Conselho Popular de

Abastecimento, toda essa idéia que tá dando aqui a Administração

Regional, eu tenho certeza que ele (o administrador regional) tirou do

vereador (...) agora só que tem uma coisa, só que, Nadir, não pode mexer

muito com aqueles cidadãos que já estão lá calejados, porque são

funcionários de carreira da Prefeitura. Nós temos um caso grave em São

Paulo: é que a Administração, o administrador é uma pessoa que é o

vereador que indica, então o vereador indica e quando serve ao vereador,

ele continua no cargo, quando não serve, o vereador tira ele e coloca

outro (...)

Penha: Ô, Manoel, qual foi o vereador mais votado aqui no Butantã?

Manoel: Olha, eu quero dizer que teve vários vereadores, mas o vereador

que sempre comandou aqui foi o Brasil Vita.

Penha: E o Brasil Vita é do Butantã?

Manoel: Não.

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Penha: Então eu acho que aí tem um problema muito sério é com a

população do Butantã, entendeu? A população do Butantã tem que votar

em vereadores do Butantã pra depois chegar e reclamar, pedir, solicitar

um representante do bairro; agora se a própria população vota no

vereador de fora daqui e vem uma pessoa de fora, não pode reclamar

nada, vai fazer o quê? (...)

O início da discussão foi o informe sobre a criação de postos de

atendimento da Administração Regional, elogiada por Maria da Penha. Depois

das sugestões de Nadir e de Maria da Penha, o apresentador faz suas

observações e o informe vira uma acirrada discussão.

A fala de Maria da Penha mostrou um desconhecimento de como funciona

a indicação de nomes para administrarem a região. Nesse ponto, Manoel Borges,

o mais experiente dos três na área, fez sua intervenção opinando sobre os

assuntos discutidos e mostrando a realidade política na atual gestão das

administrações regionais da cidade de São Paulo. Ao final, tocam num assunto

freqüente na emissora: a falta de união ou participação da comunidade para

resolver os problemas de seu interesse. O tema participação freqüentemente

surge nos debates, seja para elogiar quem telefona ou para criticar aqueles que

não se dirigem à emissora para se manifestar.

O programa Encontro com as comunidades dá grande ênfase aos trabalhos

da Sociedade Amigos de São Domingos, que foi citada em todos os programas

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do mês de abril. Manoel Borges falou a esse respeito na edição do dia 27 de

abril:

Muitas vezes o pessoal fala “ah, porque o pessoal só fala do Rio Pequeno

e do São Domingos”; é lógico, porque o pessoal do São Domingos e do

Rio Pequeno é o que tão mais participando aqui da rádio, então tem que

falar de quem tá participando [sic].

Outro fator que contribui para o destaque dado ao trabalho da associação

do bairro São Domingos é o fato de três dos quatro responsáveis pelo programa

pertencerem a esse bairro.

Intervalos e encaminhamento de reclamações

Os intervalos são compostos de músicas, serviços de utilidade pública e

apoios culturais e não há um critério para irem ao ar, podendo haver um

intervalo musical depois de 30 minutos de discussão ou dois intervalos em 10

minutos. Manoel Borges e José Luis encarregam-se da escolha dos momentos

propícios para a entrada dos intervalos. Durante todo o programa são tocadas,

em média, dez músicas de estilos variados, com ênfase às nacionais.

Em relação às queixas da comunidade sobre os seus problemas, o

tratamento é o mesmo do Na boca do povo: é apresentada a reclamação no

programa e seus articuladores se encarregam de obter a informação para o

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ouvinte, que nunca fica sem resposta. Segundo Manoel Borges, esse é um ponto

fundamental para incentivar a participação da comunidade.

Identificação

Como já frisamos, o Encontro com as comunidades é completamente

imprevisível em suas abordagens e em sua forma. Um ouvinte que sintonize a

emissora pela primeira vez, num domingo de manhã, com certeza demorará para

descobrir que emissora e programa são aqueles.

A identificação do Encontro com as comunidades é feita em alguns

momentos específicos: no início do programa, quando todos cumprimentam o

ouvinte; após um intervalo musical, quando o apresentador informa o horário, o

nome da emissora (que ele chama pelo antigo nome: RC) e do programa;

durante as conversas em estúdio e no final do programa, quando todos se

despedem. A seguir, uma das passagens de identificação do programa pelo

apresentador, no dia 6 de abril:

Manoel Borges: São oito horas e quarenta e três minutos na RC 98,1, a

pioneira do Butantã, Encontro com as comunidades. Ouvinte, liga pra cá,

dá seu recado, faça as suas reclamações, nós estamos aqui pra

realmente colocar coisas aí, pra cobrar de quem é de direito [sic] (...).

Reportagens externas

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As reportagens externas do programa são feitas pelo técnico operacional

Sérgio Boiadeiro, que é uma espécie de relações públicas da Sociedade Amigos

de São Domingos. Essas reportagens não ocorrem em todas as edições e, quando

ocorrem, não têm hora para ir ao ar nem tempo de duração definido. De acordo

com Sérgio, as reportagens de rua servem para cumprir o lema da rádio adotado

por Luci Martins: “se a comunidade não vai até a rádio, a rádio vai até a

comunidade”.

Da mesma forma que a apresentação do Encontro com as comunidades

em estúdio, as reportagens também não possuem pauta. Sérgio percorre as ruas

dos bairros a pé, andando cerca de 4 quilômetros, enquanto faz um rastreamento

de assuntos que mereçam ser reportados. Encontrando algo, ele primeiramente

conversa com um morador da região, em busca de mais informações, a seguir

identifica-se como repórter da rádio e pede uma entrevista para o programa,

colocando o informante para falar com o estúdio através de um telefone público.

Segundo Sérgio Boiadeiro, ele não utiliza o telefone celular da emissora porque

“às vezes, no meio da entrevista ele corta a linha”.

As discussões nas quatro horas de programa

O Encontro com as comunidades é um programa voltado às ações

políticas. Os principais assuntos dizem respeito às reivindicações dos moradores

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para solucionar problemas dos bairros e às ações do governo (municipal,

estadual ou federal), o que sempre dá margens a severas críticas. A esse respeito,

Manoel Borges é quem direciona as discussões, sem poupar comentários. Sem

dúvida, a figura-chave do programa é o apresentador, que ultrapassa essa

função, tornando-se também comentarista, mediador e debatedor. Cabe a ele

fazer a leitura dos acontecimentos e dar a sua interpretação, estabelecendo um

julgamento do fato.

Encontro com as comunidades: edição de 06 de abril de 1997

Na edição de 06 de abril de 1997, os principais temas voltaram-se à

região, intercalados com discussões a respeito do caso da violência policial na

favela Naval, de Diadema. Nos primeiros 35 minutos de programa, falou-se

dessa violência, de uma reunião na Sociedade Amigos de São Domingos, a ser

realizada nesse mesmo dia e que contaria com a presença de um assessor

político do prefeito de São Paulo, e também da falta de lombadas em avenidas

da região, cobrando-se soluções.

Esses assuntos foram discutidos pelo apresentador do programa e pelos

três comentaristas. Durante a discussão dos problemas da região, foi comentada

a reivindicação para a criação de novas linhas de ônibus na região, que fora

negada, e a mudança de itinerários de algumas linhas de ônibus que passavam

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pela avenida Paulista; foi proposta uma visita à CET para gravar entrevista a

respeito. Na metade do programa, a falta de água na região foi um tópico

bastante explorado e terminou com outra sugestão: a de levar ao programa

alguém da Sabesp para falar a respeito do assunto. A organização de mutirões

para a construção de casas populares, a divulgação de um encontro com todas as

sociedades de amigos de bairros da região, as privatizações de estatais e

novamente o caso dos policiais foram os assuntos que completaram o programa

do dia.

Encontro com as comunidades: edição de 27 de abril de 1997

Resumidamente, a edição de 27 de abril de 1997 teve como principais

temas os blecautes ocorridos durante a semana, discutidos a partir da leitura de

uma matéria publicada na Folha de S.Paulo do dia 25 de abril. Uma ouvinte

telefonou para falar a respeito do assunto com Manoel Borges, conversa que

durou quase dez minutos; o encontro das comunidades da região também

mereceu destaque no programa; o pequeno aumento do salário mínimo, tema

que levou a críticas ao governo federal. Esta edição contou com convidados

especiais: os integrantes do grupo de músicas nordestinas Trio Bahia, que

visitavam a rádio para divulgar seu trabalho. A reportagem externa do programa

foi feita por Maria da Penha, diretamente de uma feira no bairro São Domingos,

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onde ela entrevistou um consumidor sobre preço e qualidade dos produtos

oferecidos.

7.4. Cala a boca já morreu (porque criança também tem o que dizer)

O Cala a boca já morreu, que possui o subtítulo “porque criança também

tem o que dizer”, é um dos programas que começou junto com a Rádio Cidadã.

Ele completou dois anos em agosto deste ano e foi criado para viabilizar um

projeto de educação alternativa, batizado de Rádio-Escola. O programa é todo

feito por crianças entre sete e doze anos.

O Cala a boca já morreu... vai ao ar todos os domingos das 16 às 18 horas

e é o momento prático das oficinas de rádio idealizadas pela pedagoga e

psicopedagoga Grácia Lopes Lima, em sua escola, o Gens Serviços

Educacionais.

O programa conta com a participação de vinte crianças de dez escolas

diferentes, entre públicas e particulares, da região Oeste de São Paulo. Desse

grupo, dez crianças fazem parte do projeto desde o seu início. O critério de

seleção é que estejam cursando a escola regular e gostem de ler e escrever e

sejam curiosas para poderem experimentar o rádio como veículo de expressão.

Grácia conta como o grupo foi formado:

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Eu levei para participar da oficina algumas crianças que eu atendia

enquanto psicopedagoga. Eu tinha algumas crianças que tinham

dificuldade de aprendizagem, de relacionamento, de auto-imagem muito

negativa e eu vi a possibilidade delas estarem desenvolvendo um trabalho

em que essas deficiências pudessem ser favorecidas uma vez que

estariam integradas à crianças que não têm dificuldade tão acentuada (...)

O grupo nasceu boca a boca, inicialmente com as crianças que eu

atendia que devagarinho foram falando pro amigo, pro vizinho, pro colega

e o grupo foi se formando aleatoriamente.

As crianças que chegam ao projeto Rádio-Escola não são colocadas

imediatamente no programa. O processo é gradativo e há uma preocupação

grande em esclarecer, principalmente aos pais, que o objetivo não é artístico,

não visa formar talentos mirins e sim, como já foi dito, educar, incentivando

hábitos de leitura e escrita.

No primeiro mês de programa, as crianças não ficavam sozinhas no

estúdio, contavam com a companhia de Grácia, que mediava os assuntos, e

tinham operadores da rádio fazendo a parte técnica.

Depois de um mês, avaliando o trabalho, eu disse: “não, eu acho que o

mais legal é eu cair fora e deixar que as coisas rolem espontaneamente

com o linguajar deles e contando com a minha participação na

organização, impedindo que falem juntos, por exemplo, mas não tendo

uma atuação direta”.

Hoje, a participação de Grácia se restringe à produção do programa. Ela

elabora junto com as crianças as pautas de cada edição e, durante a

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apresentação, faz a supervisão. A técnica também passou a ser feita pelas

crianças: todas operam a mesa de som, em regime de revezamento.

Reuniões semanais

Ao contrário dos outros programas analisados, o Cala a boca já morreu...

é mais elaborado, com reuniões que visam discutir o desempenho de cada

criança e preparar os programas com antecedência. Esses encontros ocorrem

uma vez por semana, das 19h30 às 21 horas, com a presença de todas as crianças

do projeto, reservando-se espaço para que elas falem de si mesmas, para a

produção das pautas do programa seguinte, para a avaliação do programa

anterior e para que as crianças brinquem.

Nas reuniões semanais, todos aprendem a fazer pauta e possuem um

caderno para anotar cada passo da reunião: nome dos presentes, atrasos, faltas,

elaboração dos assuntos do programa etc. Há algumas regras a serem seguidas,

todas formuladas conjuntamente; duas delas são: três faltas não-justificadas

excluem a pessoa do grupo e lição de casa não é justificativa para faltas. O voto

é a maneira de decidir sobre os assuntos e todos votam e expõem sua escolha.

Pauta e blocos do programa

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A pauta do programa é apontada pelas crianças, que sugerem os assuntos

que querem discutir em cada bloco. O Cala a boca já morreu... é composto de

11 blocos fixos e nem todos são apresentados em cada edição, pois, dependendo

do assunto, é preciso mais espaço para determinado bloco. Mas há um cuidado

para que um não seja muito mais extenso que outro, por isso o grupo decidiu que

cada bloco terá em torno de seis minutos, intercalados por música a cada três

minutos. A exceção será aberta quando houver um assunto de maior interesse

para as crianças.

Os blocos surgiram a partir dos assuntos que as crianças queriam ver no

programa. Alguns temas, como educação ambiental e política, foram sugeridos

por Grácia:

Alguns assuntos, dada a forma como são apresentados nos meios de

comunicação, a criança foge rapidinho porque é muito chato. Falar de

política é muito chato, falar de ciências é muito chato, mas eu acho que é

chato porque foi passado de uma forma desagradável, foi passado numa

linguagem inacessível, então por que a gente não pode aprender a falar

desses assuntos?

Os nomes dos blocos são: Notícia quente é com a gente; Acorda, meu

filho; Espaço sideral; Criança ecologia; Nham, nham; Tamanho não é

documento; Beijinho de amor; Leitura da hora; Saúde da terra; Adivinhações; e

Rádio-novela.

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• Notícia quente é com a gente é um bloco que trata de temas diversos de

interesse das crianças, como a questão ambiental, mas pode ter também

entrevistas com um político, um dentista ou um grupo de atores de peça

infantil. As entrevistas são sugeridas e produzidas por Grácia. Segundo ela, as

crianças ainda não percebem a possibilidade de receber pessoas para falar

sobre determinados assuntos, daí sua influência; é ela que faz também o

contato com o entrevistado.

• Acorda, meu filho é específico para reclamar de qualquer assunto que

incomode as crianças no dia-a-dia. O mais comum é a reclamação do preço de

produtos, como lanches na cantina, material escolar etc.

• Espaço sideral trata dos assuntos intergalácticos, como planetas, sistema

solar, pesquisas em outros planetas etc.

• Criança ecologia é o bloco que fala de meio ambiente: da água, dos animais

em extinção, da poluição, entre outros.

• Nham, nham é o menor bloco do programa e vai ao ar na sua segunda hora.

Nele é passada uma receita culinária feita comprovadamente pelas crianças.

Há um rodízio no qual cada um dos componentes do programa testa em casa a

receita e depois a divulga no bloco.

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• Tamanho não é documento recebe convidados mirins para mostrarem seus

talentos, cabendo também a divulgação de trabalhos de adultos para crianças.

• Beijinho de amor é o bloco romântico, também da segunda hora. Nele surge

a personagem Tatiane, interpretada por Ísis Soares, dez anos, que participa do

programa desde os oito anos. Esse bloco foi criado para aproveitar o talento

das crianças na criação de personagens. Apesar de já terem existido outras

personagens, como o Espírito Santo, um menino que imitava Silvio Santos,

apenas a personagem Tatiane continua com o seu Beijinho de amor, que

recebe versos de ouvintes e recados de namorados para divulgação.

• Na Leitura da hora, as crianças comentam os livros que leram e

ocasionalmente entrevistam autores cujos livros foram lidos e discutidos por

todo o grupo. Já passaram pelo bloco escritores de livros infantis como Pedro

Bandeira, Eva Furnari, Maurício de Sousa e Wagner Costa.

• Saúde da Terra é o mais novo bloco do programa e dele participam algumas

das 20 crianças do projeto homônimo, em que crianças carentes aprendem o

cultivo e a utilidade de plantas medicinais numa horta comunitária, criada na

Sociedade Amigos de São Domingos, sob a responsabilidade de Grácia e de

uma farmacêutica. As crianças contam neste bloco as suas experiências no

projeto, além de participar de todas as outras partes do programa.

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• Adivinhações é o bloco em que as crianças brincam de “O que é, o que é?”,

contam piadas e curiosidades.

• A Rádio-novela não é constante. Trata-se de textos de livros transformados

em novela, que é gravada pelas crianças durante as reuniões semanais. Por

ocasião desta pesquisa, a novela que estava na pauta para gravação era “Vidro

vira vidro”, que fala da reciclagem de materiais.

Músicas

As músicas que tocam em cada programa também são escolhidas pelas

crianças, que geralmente reforçam a discoteca da rádio com seus acervos

pessoais, e são basicamente de estilo pop, rock e dance music.

Para Grácia Lopes, a falta de uma programação musical é um problema a

ser resolvido, pois em sua opinião o gosto das crianças é marcado pela

imposição da mídia, que de tempos em tempos lança um novo ídolo no mercado

fonográfico: “Aí eu fico pensando: cadê a dimensão também educacional quanto

à educação auditiva dessas crianças?”. A solução, segundo ela, seria mesclar

outras opções musicais com as músicas que as crianças gostam.

Audiência

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A audiência do programa é diversificada, composta de jovens, adultos e

crianças. Não se tem idéia do número de ouvintes, mas não parece ser grande,

pelo número de telefonemas – em torno de 5 – nas quatro edições. A razão pode

ser o horário em que o Cala a boca já morreu... vai ao ar: domingo, das 16 às 18

horas, horário em que também são transmitidos os programas televisivos de

Fausto Silva e Silvio Santos, o que se torna uma concorrência injusta com o

Cala a boca já morreu...

O Jornal Cala a boca já morreu...

A partir de uma entrevista das crianças com o diretor de uma rede de

jornais de bairros, a Rede A de Jornais, surgiu a idéia de as crianças produzirem

seu próprio jornal. O diretor se comprometeu a arcar com o projeto gráfico, a

impressão e a distribuição do jornal, enquanto as crianças fazem todo o resto do

trabalho: reportagem, redação, foto, legenda etc., sempre sob a orientação de

Grácia Lopes

Geralmente, as matérias do jornal são compostas pelas entrevistas e

assuntos que fizeram parte do programa de rádio. Atualmente, é um tablóide de

quatro páginas, distribuído gratuitamente como encarte do Jornal do Butantã.

São 20 mil exemplares, dos quais três mil são encaminhados para escolas.

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Alguns trechos de edições do mês de abril

Ilustrando um pouco a maneira como é desenvolvido o Cala a boca já

morreu... selecionamos alguns trechos de blocos dos programas do mês de abril.

Toda edição do Cala a boca já morreu... começa com a vinheta do programa,

seguida da apresentação, que explica que o Cala a boca já morreu... é mais um

dos programas do projeto Rádio-Escola; além disso, cada uma das crianças se

identifica, dizendo seu nome e a seguir começam a apresentar os blocos com

seus respectivos assuntos.

No programa do dia 6 de abril, o Notícia quente contou com a

participação de um odontólogo, Franco Rattichieri, que falou sobre sua

profissão, os cuidados com a higiene bucal, explicou o que é o dente de leite e o

dente do juízo etc. O bloco foi estendido para mostrar uma entrevista feita pelas

crianças com os atores da peça “Uma professora muito maluquinha”. As

crianças assistiram à peça e em seguida realizaram a entrevista. Eis um trecho:

Ísis: Estamos aqui diretamente do teatro Bibi Ferreira, a gente acabou de

assistir à peça “Uma professora muito maluquinha” e a gente agora vai

fazer um bate-papo com os atores.

Hans: Bom, o namorado, cadê? Cadê o namorado? (referindo-se ao ator

que faz a personagem que namora a professora)

Namorado: Pode perguntar. Qual é a primeira pergunta? Tô nervoso...

Hans:. O que você achou de encantador na professora?

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Namorado: O que eu achei de encantador? Eu achei ela bem maluca. Eu

acho que ela deixa a gente fazer o que quer, lá a gente pode brincar, a

gente tem a liberdade, mas a liberdade vigiada por ela, então ela dá uma

chance da gente não ficar com aquela coisa tradicional, sabe? (...)

A entrevista prossegue com os atores falando da dificuldade de se

interpretar um papel infantil e da mensagem da peça. Tanto na entrevista que

fizeram com o dentista, quanto na entrevista com os atores, o grupo do Cala a

boca já morreu... mostrou-se bastante integrado aos assuntos. O contrário

ocorreu no mesmo bloco da edição de 13 de abril, cujo entrevistado do Notícia

quente foi o deputado estadual Lívio Geosa (PSDB). Transcrevemos a seguir o

início da entrevista:

Ísis: Bom, gente, agora vamos entrevistar o deputado estadual Lívio

Geosa, que é suplente do Walter Feldman, né?

Lívio: Isso.

Ísis: Ah, bom. Então, antes eu queria te agradecer por você ter vindo

junto com a sua família, esposa.... E quando você começou a ter um

cargo político?

(...)

Livio: Sou fã desse programa. Conheci vocês numa grande reunião que a

gente fez através das rádios comunitárias (...) Bom, respondendo a sua

pergunta, bom, primeiro que eu realmente desde criança que eu me

interessava por assuntos políticos (...)

Ísis: Quando você começou a ter um cargo político?

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Lívio: Então, sobre duas coisas, né? Uma coisa é você exercer a política

no Executivo, outra coisa é você exercer a política no Legislativo. Eu vou

explicar (...)

Nessa primeira parte da entrevista, apenas o deputado fala e é pouco

interpelado pelas crianças. A primeira pergunta foi sobre o início da carreira de

Lívio Geosa como político, o que deu margem a uma extensa resposta. Sua

explicação é didática e as crianças se manifestam pouco, por isso ele fala

durante mais de dez minutos, com quase nenhuma interrupção.

Nota-se um certo desinteresse por parte das crianças, algumas conversam

no estúdio e poucas parecem prestar atenção ao que o deputado fala. Após um

breve intervalo musical, no qual Grácia chama a atenção das crianças por

estarem pouco participativas, o grupo muda de atitude, fazendo mais perguntas

ao deputado e colocando ainda a sua filha, mais ou menos da mesma faixa etária

que as crianças do Cala a boca já morreu..., para dizer o que pensa sobre a

profissão do pai.

Ísis: Agora vamos fazer uma pergunta pra sua filha Joana. Tudo bem?

Então.. cê não sente falta do teu pai, às vezes, quando ele vai fazer

reuniões em algum lugar? Você não sente falta dele?

Joana: Sinto.

Ísis: E você preferiria que ele levasse você junto ou que ele ficasse?

Joana: Que ele ficasse.

Ísis: Que ele ficasse? Então tá. E você gosta de política?

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Joana: Não.

(risos)

Ísis: Bom, por que você não gosta?

Joana: Ah, porque... ah, não sei explicar direito.

Ísis: Você acha chato?

Joana: Acho.

Hans: Bom, muita criança acha, né? Porque às vezes não entende, como

a gente às vezes também não entende algumas coisas, então a gente:

“ah, isso daí é chato, a gente não entende, é complicado”.

Ísis: Quando é horário político, desliga a televisão...

(...)

Hans: Você, ouvinte, mesmo não estando aqui, você pode perguntar. Liga

pro 268-3302 e você vai poder falar...

O grau de participação das crianças depende do assunto da entrevista.

Quando estão explorando pouco um assunto durante o programa, como no caso

da entrevista com o deputado, entra em cena a supervisão de Grácia, que orienta

o grupo a mudar de atitude, com o seguinte discurso: “O programa é de vocês,

interfiram, cortem a fala, façam explicar de outro jeito, digam ‘não entendi’, mas

nós temos que começar a falar dessas coisas, senão o mundo não muda”.

Mas o Notícia quente não é feito apenas com entrevistas e a participação

de convidados. Podem haver também discussões como os motivos da poluição

dos rios ou as notas recebidas na escola.

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Um dos blocos que mais demonstram a preocupação das crianças com o

meio ambiente é o Criança ecologia, em que já foi entrevistado o biólogo do

projeto S.O.S. Mata Atlântica e coordenador do Núcleo Pró-Tietê, Samuel

Barreto, que falou sobre o rio Tietê, e um professor do Instituto Butantã, que

conversou sobre cobras com as crianças.

Assim como o Notícia quente, este bloco nem sempre conta com a

participação de convidados, o que possibilita que as crianças falem sobre outras

coisas, como os animais que estão em extinção, por exemplo. Quando o tema é

esse, o grupo fica responsável por pesquisar a respeito e conseguir todas as

informações possíveis sobre a matéria, como a que foi ao ar no programa do dia

13 de abril:

Ísis: E hoje, qual que é o assunto de hoje, Hans?

Hans: O assunto de hoje é o lobo.

Ísis: Que lobo? O guará?

Hans: Não somente do lobo guará, mas de todos os lobos.

Ísis: Posso falar um pouquinho primeiro?

Hans: Fala.

Ísis: O nome científico do lobo guará é Chrysocyon brachyurus; o

tamanho dele, ele mede de um metro e vinte a um metro e quarenta, mais

a cauda de 40 centímetros (...)

(...)

Hans: Quem escreveu a história do Lobo Mau, da Chapeuzinho Vermelho

nunca viu um na vida, né? O lobo na verdade não é tão mau assim e é

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até considerado bem covarde, acredita? Aquele lobo que o pessoal

“nossa, que feroz” é até considerado bem covarde. Ele só ataca animais

pequenos como sapos, lagartos, roedores e também se alimenta de

frutas, ovos, insetos e raízes (...)

Hans continua, falando a respeito do modo de vida do lobo guará e das

suas características. As crianças contam as histórias que conhecem a respeito do

lobo, como ele é representado nas histórias em quadrinhos e nos desenhos

animados, comparando com a realidade. Ao final, pedem aos ouvintes que

liguem caso queiram saber mais informações sobre os lobos.

No programa do dia 20 de abril, os assuntos que mais despertaram o

interesse das crianças foram o descobrimento do Brasil e Tiradentes, no bloco

Tamanho não é documento:

Renato: Agora, gente, pra quem não sabe, segunda-feira, amanhã, dia 21

de abril é o Dia de Tiradentes, feriado nacional. Então agora eu vou falar

um pouquinho de Tiradentes que amanhã vai fazer aniversário, não,

aniversário não (...).

Hans: Lembrando que dia 18 foi o aniversário de Monteiro Lobato, né? E

dia 19 foi o Dia do Índio.

(...)

Renato: ... como amanhã é o Dia de Tiradentes, eu vou contar um

pouquinho da vida de Tiradentes. Tiradentes não é um barbudo nem

cabeludo como mostra as representações conhecidas do maior

personagem da Inconfidência Mineira (...).

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Ísis: Bom, gente, agora eu quero falar uma coisa que um ouvinte

chamado Paulo... ele disse que o nome certo, Calhandra, não é

bicarbonato de sódio, é cloreto de sódio (referindo-se ao bloco anterior, o

Nham, nham, quando foram passadas as receitas de fondue de chocolate

com rabanete e de soda limonada; um dos ingredientes da soda, de

acordo com Calhandra, era o bicarbonato de sódio).

Calhandra: Quanta correção, né?

Renato: Valeu, pessoal, é Rádio-Escola, então a gente tá aprendendo,

por isso que serve de escola. Então, pessoal, mais um super-recado, que

dia 22 de abril, terça-feira... fala, Ísis.

Ísis: Por sinal, temos ouvintes, né?

Renato: É claro, por sinal, temos ouvintes e isso é muito bom, valeu

vocês terem corrigido a gente, e dia 22 de abril, que é terça-feira, foi o

descobrimento do Brasil.

Hans: Na verdade, não foi descobrimento, foi invasão; o Brasil já estava

descoberto porque já existiam os índios que são nativos. Saiu uma

reportagem no jornal no Estadinho desse sábado que diz que os

professores de escola dizem que o Brasil foi descoberto pelos

portugueses, mas.... historiadores dizem que ele não foi descoberto e na

verdade eles descobriram oficialmente e eles invadiram o Brasil...

Renato: É. Mas na história tá marcado como descobrimento do Brasil,

né? Porque os índios, a gente não sabe como os índios vieram.

(Grácia fala do outro lado do estúdio que os índios já estavam aqui.

Nesse momento, várias crianças falam ao mesmo tempo, defendendo seu

ponto de vista.)

Adriano: Só que eles tão falando que os índios vieram da Índia.

Renato: É... não, isso são várias hipóteses, né? Ninguém pode...

Hans: Os índios foram chamados de índios porque os portugueses na

verdade queriam chegar nas Índias e não sabiam da existência das

Américas, chegaram no Brasil, viram eles e disseram que eles eram os

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índios, pensando que ali era as Índias, por isso que os índios são

chamados de índios.

(Renato continua falando sobre a versão oficial para o descobrimento do

Brasil. Após um intervalo musical, Hans retoma a hipótese de invasão, e

Grácia, que acompanha de fora do estúdio, pergunta a ele a fonte da

informação.)

Hans: Isso eu tirei do Estadinho, que vem dentro d’O Estado de S. Paulo,

de sábado, 19 de abril.

Essa passagem demonstra a curiosidade das crianças pelos temas

explorados, ou seja, elas não se limitam a pesquisar apenas a versão oficial, que

muitas escolas repassam, e sim procuram ver outras interpretações, num

saudável exercício de busca de conhecimento. O grupo preocupa-se em trazer

novidades para o programa e em apresentar a fonte da informação. Essas

observações também foram verificadas no bloco Acorda, meu filho, do dia 27 de

abril:

Mariana: É o seguinte, eu vou reclamar sobre a segurança dos

shoppings; eu não vou falar o nome do shopping, mas...

Todos: Pode falar.

Mariana: É, então, ontem eu cheguei do shopping Continental, cheguei

em casa e liguei a TV, daí, quando eu liguei a TV, tava passando “Bomba

no shopping Continental”. Ainda bem que eu saí de lá, viu?, porque tinha

uma bomba lá dentro, dentro de um vaso sanitário, eu não lembro em

qual dos banheiros.

Hans: Já pensou se alguém senta lá? Ia ser desagradável...

(risos)

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Ísis: Isso não é motivo de risadas.

(mais risos)

Calhandra: É, cê falou e tá rindo, né, Ísis?

Hans: Não, sem brincadeira. Já pensou se alguém senta lá? Ia ser

chato...

(...)

Ísis: Como você acha que deve ter surgido essa bomba?

Mariana: Não sei (...) Você vai passear, acha que tá tudo bem e depois

chega lá e explode o shopping que você tá e você morre... é tão simples...

é demais, né?

(...)

Ísis: Ô, gente, espera aí, nós temos que verificar isso direito, né?

Porque... pra não ficar assustando os outros, pra gente saber direito o que

aconteceu. Não vamos ficar falando coisas que a gente não tem certeza.

Apesar de brincarem um pouco com o assunto, as crianças logo

demonstram a preocupação de não se divulgar uma notícia equivocadamente e

por isso elas colocam a dúvida, prometendo voltar ao assunto no programa

seguinte. Em seguida começam a reclamar de outras coisas, inclusive da

violência dos policiais no caso da favela Naval, de Diadema, e mostram-se

relativamente assustadas com a história. A seguir, transcrevemos um trecho em

que falam desse assunto:

Renata: Eu queria falar dos PMs, que eu vi na televisão que os PMs tão

batendo nas pessoas que passam assim nas ruas sem motivo de bater...

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Hans: Sem motivo? O caso de Diadema lá, aquilo foi mais do que sem

motivo...

Renata: Olha, na minha escola... eu acho isso ruim porque em vez de

bater eles podiam ajudar as pessoas.

Calhandra: Na minha escola tem gente que prefere ficar do lado de um

trombadinha do que de um PM, ele acha mais seguro.

Ísis: (...) tão falando na televisão que é preferível agora você chamar o

ladrão do que chamar a polícia...

O programa Cala a boca já morreu... pode ser considerado o mais

inovador da Rádio Cidadã. Nele, crianças fazem um programa para crianças no

seu particular ponto de vista (e os adultos podem aprender muito). É claro que a

mão da psicopedagoga está presente, mas apenas como uma maneira de

organizar os pensamentos das crianças, que muitas vezes se atrapalham ao

microfone, principalmente na parte técnica. No entanto, tudo é um rico

aprendizado e por isso o exercício é estimulante, já que incentiva as crianças a

pensar a realidade criticamente, a não aceitar os acontecimentos passivamente,

através do que está escrito nos livros de história. Para isso contribuem alguns

fatores:

1. a maioria das crianças que formam o grupo são da classe média e têm acesso

a jornais, revistas, boas bibliotecas e até mesmo já utilizam a Internet em

busca de informações. Mas, com a entrada das crianças do projeto Saúde da

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terra, cuja maioria é da classe baixa, começa-se a mesclar o grupo e a troca de

experiências de vida está passando a ser um novo componente;

2. a vivacidade do Cala a boca já morreu... mantém-se em decorrência da

preocupação em não sobrecarregar as crianças de tarefas, reservando-se

espaço para brincadeiras nas reuniões semanais e no próprio programa. Além

disso, insiste-se na filosofia do trabalho por prazer, deixando-se a criança

livre para sair do grupo quando quiser. “O mais importante”, nas palavras da

pedagoga, “é a criança participar enquanto tiver prazer, caso contrário, vira

algo burocrático”.

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Capítulo 8

Pistas sobre o público da Rádio Cidadã

8.1. Considerações preliminares

Advertimos que não é nossa proposta traçar um perfil completo a respeito

dos ouvintes da Rádio Cidadã. No entanto, parece-nos útil levantar algumas

hipóteses sobre os seus ouvintes e os seus não-ouvintes e como eles vêem a

emissora comunitária. Para isso, entrevistamos 15 pessoas, entre jovens, donas-

de-casa e comerciantes da região, com o intuito de apresentar alguns elementos

acerca da recepção da rádio. Ressaltamos que nosso objetivo é buscar, com isso,

um suporte à pesquisa feita sobre a emissora, não tendo, portanto, um caráter

conclusivo.

As entrevistas com ouvintes e não-ouvintes foi realizada entre abril e maio

de 1997, no período em que foi feita a pesquisa de campo na Rádio Cidadã. A

escolha dos entrevistados – que foram divididos em duas categorias: jovens e

adultos162, independentemente de sexo e profissão, entre 13 e 65 anos, faixa

etária que congrega o maior número de ouvintes – foi aleatória, bem como o

número de pessoas entrevistadas. As perguntas foram direcionadas a duas

162 Descartamos entrevistar as crianças por considerar que a maioria dos ouvintes da Rádio Cidadã é constituída de jovens e adultos, apesar de existir um programa infantil na emissora. Para chegar a essa conclusão, baseamos-nos em depoimentos de pessoas envolvidas com a rádio e em telefonemas dos ouvintes.

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questões básicas: a relação do entrevistado com a mídia oficial e a sua relação

com a Rádio Cidadã. Selecionamos alguns depoimentos para fundamentar nossa

análise.

8.2. O perfil do ouvinte jovem

O ouvinte jovem da Rádio Cidadã inclui jovens que têm entre 13 e 19

anos, mulheres em sua maioria, que trabalham, possuem o primeiro grau

incompleto e moram há mais de dez anos no Butantã. É um público que gosta da

emissora pelas músicas veiculadas, em especial samba, pagode e rap, e pode ser

visto como um público fiel, que telefona e visita a rádio freqüentemente.

Essas características mostram-nos o perfil do público que ouve a emissora

à tarde, que é predominantemente jovem. A participação restringe-se a

telefonemas (pedidos de música e recados para amigos e namorados) e visitas à

emissora para ver de perto a apresentação dos programas. Antes de conhecer a

Rádio Cidadã, esse público costumava ouvir emissoras como a Cidade e a 105.1,

também em função do estilo das músicas, mas não telefonava para as rádios.

Dentro dessas características, encontramos Ana Paula Oliveira, 18 anos,

ajudante-geral, primeiro grau completo, nascida no Butantã. Ela escuta a Rádio

Cidadã há algum tempo (não sabe precisar quanto) e conheceu a emissora

através de amigos que telefonavam para a rádio e falavam no ar. “Eu achei

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interessante e passei a ouvir”, conta. A partir daí, tornou-se uma ouvinte assídua,

sintonizando a rádio das 13 às 22 horas, período em que não trabalha. Seus

programas preferidos são: Cantinho do JB e Projeto Rap, que veiculam seus

dois estilos de música preferidos.

Conhecer a rádio pessoalmente foi outro motivo que levou Ana Paula a

ouvir a Rádio Cidadã. “Depois de uma semana escutando a rádio, vim conhecer,

eu e minha irmã”, diz, explicando que nunca tinha ido antes a uma emissora de

rádio. Sua relação com a emissora é de proximidade: telefona sempre para pedir

música, conversa com os apresentadores no ar, manda recados e conhece

pessoalmente os de seus programas preferidos.

Assim como Ana Paula, outra ouvinte fiel dos programas musicais da

rádio é Elisabeth Pereira, 15 anos, que estudou até a 3a série, não trabalha ainda

e também nasceu no bairro. Para ela, o rádio serve para se escutar música, e são

as músicas o que mais a atraem à Cidadã, além do relacionamento cordial que

mantém com os apresentadores. “Gosto mais das pessoas que atendem o

telefone, são muito simpáticos e o jeito de tratar a gente... tratam muito bem...

quando a gente manda recado, falam tudo certo, nunca tratam a gente mal”,

relata.

Outra ouvinte fiel da emissora é Patrícia do Carmo, 15 anos, 8a série, que

também nasceu no bairro. Antes de conhecer a Cidadã, só ouvia a 105.1, por

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causa das músicas: dance music e rap. Patrícia soube da existência da rádio por

meio de um amigo de sua família que foi apresentador na emissora. Ela escuta a

rádio todos os dias: “Quando saio da escola, a primeira coisa é ligar a rádio

[sic]”, e conta que sempre vai à emissora. “Eu ajudo: atendo telefone, levo

recadinhos.”

Essas informações permitem-nos algumas observações:

• o ouvinte jovem da Rádio Cidadã vê a emissora como musical, sem outras

possibilidades de uso do veículo;

• esse ouvinte demonstrou não saber o que é uma rádio comunitária nem qual o

seu papel junto à comunidade163;

• o mais importante para esse público é poder telefonar para a emissora, ser

bem atendido e visitá-la quando quiser. Esse é o aspecto que o atrai e faz com

que deixe de ouvir as rádios comerciais, passando a ouvir a rádio comunitária,

que sempre atende seus pedidos musicais. Para esse ouvinte, a rádio

comercial é distante, difícil de ser contactada e não lhe dá muita atenção, o

contrário do que se verifica na emissora comunitária: localizada na região em

que se reside, pode ser visitada sempre.

163 Houve entrevistados que responderam que uma rádio comunitária é uma emissora para onde se pode telefonar através de telefones públicos, o que não pode ser feito com relação às rádios comerciais, já que estas aceitam apenas ligações de telefones particulares.

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8.3. O perfil do ouvinte adulto

O ouvinte adulto da Rádio Cidadã inclui pessoas que têm entre 28 e 65

anos, mulheres donas-de-casa na maioria, com pelo menos o segundo grau

completo e que moram no Butantã há mais de 20 anos. A preferência pela Rádio

Cidadã dá-se, em primeiro lugar, pelas músicas e pela relação de amizade com

os locutores da emissora e, depois, pela possibilidade de utilizar a rádio como

instrumento de reivindicações de melhorias ao bairro.

Essas pessoas têm a Rádio Cidadã como a “sua” emissora, o veículo de

comunicação através do qual podem ouvir sempre boas informações (palavras

que os entrevistados mais utilizaram para explicar por que gostam da Rádio

Cidadã), e gostam, predominantemente, dos programas musicais como Alma

sertaneja, Direitos do cidadão, Jovem Guarda e A saudade me chama, mas

também têm preferência especial pelos programas de entrevistas e debates, entre

os quais, Revista Cidadã, Na boca do povo e Encontro com as comunidades.

Além disso, a rádio possibilita a esses ouvintes ampliar seu quadro de

amizades no bairro. Um dos programas com maior audiência, A saudade me

chama, promoveu um encontro entre as ouvintes mais assíduas, na própria

emissora. A partir desse encontro, elas se tornaram amigas, e utilizam a rádio

para mandar recados umas às outras.

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De acordo com esse perfil, selecionamos alguns ouvintes que melhor

representam o público adulto, entre os quais há casos peculiares: Elba Pinheiro

Simi, 65 anos, viúva, aposentada, moradora do Butantã há mais de 50 anos, é

considerada a ouvinte “número um” da Rádio Cidadã. Na emissora, é conhecida

como “a Dentel” da rádio, porque está sempre escutando a Cidadã, telefonando e

gravando alguns programas diariamente.

Na realidade, Elba possui uma espécie de fã-clube do Butantã, chamado

Crianças de Cosme, Poeta do Rio Pequeno, o qual possui mais de duas mil

assinaturas de pessoas do bairro e de fora dele (não há um objetivo específico

para esse fã-clube, o interesse é apenas colher assinaturas).

Todos os dias ela divulga a relação de aniversariantes do fã-clube, via

rádio, através dos programas Alma sertaneja e Direitos do cidadão. Sobre isso,

ela diz: “Antes de conhecer a rádio eu já tinha o fã-clube, que eu fiz para o poeta

do Rio Pequeno, chamado Abdias. Eu sou a presidente do fã-clube Criança de

Cosme. Quando o Abdias veio, eu disse que eu ia ajudar ele, ele entrou no fã-

clube e eu dei o fã-clube pra ele. Foi o Abdias que me levou pra rádio, aí o

pessoal da rádio entrou no fã-clube”.

Elba é ouvinte da rádio desde as primeiras transmissões: “A rádio me dá

tudo que eu preciso”, diz ela, e é capaz de falar sobre toda a grade de

programação sem titubear. Ela indica seus programas preferidos pelo nome do

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apresentador e não pelo nome do programa e cita o de Eros Machado (Alma

sertaneja), “porque ele divulga os aniversários do meu fã-clube, ele fala muito

bem, ele me quer muito bem, quando eu dou festa aqui, ele vem aqui, ele

participa de minhas festas aqui, ele, a esposa, os filhos. O doutor João também

(João Ferreira, Direitos do cidadão), aliás todos da rádio vêm aqui, até o filho da

Luci”.

Apesar de conhecer outras rádios comunitárias no bairro, Elba não troca

de emissora: “Eu escolhi a rádio Cidadã porque eu gosto da Luci, eu gosto da

família dela, ela me trata muito bem e gosto da minha rádio porque foi a

primeira rádio que me deu muito apoio, que os comunicadores são muito meus

amigos, todos eles, e quando eu ligo eles ficam felizes, me mandam aquele alô, a

ouvinte número um, eu sou muito bem tratada por eles. Então jamais eu trairia a

minha rádio, que eu gosto de todos que tão lá”.

Outra ouvinte assídua da emissora é a dona-de-casa Jovelina dos Santos,

52 anos, casada, que mora há 47 anos no bairro e escuta a rádio pela manhã.

Seus programas preferidos são os de Eros Machado, João Ferreira e José Luis,

respectivamente Alma sertaneja, Direitos do cidadão e A saudade me chama.

Além desses, também costuma ouvir a Revista Cidadã, com suas várias

entrevistas. Ela acompanha a emissora desde o início das transmissões e a

conheceu por meio de um dos apresentadores, José Luis.

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Ao contrário de Elba, Jovelina costuma ouvir também emissoras oficiais e

acompanha, em especial, o programa de Eli Correa, na Rádio Capital, para onde

sempre escreve pedindo músicas, já que participar pelo telefone, segundo ela, é

mais difícil. Reforçando, esse é um ponto de proximidade do ouvinte com a

Cidadã: “Sabe o que eu acho diferente? É que sempre que a gente liga pra lá, a

gente é bem atendido, então pede uma música, se eles não têm aquela hora, já

falam ‘amanhã eu toco’ e toca mesmo”.

Além de ligar para pedir músicas, Jovelina utiliza a rádio para tentar

solucionar alguns problemas cotidianos. Ela contactou, através da emissora, um

advogado para o seu filho: “Foi um advogado no programa do doutor Geraldo e

através do programa dele, a gente contratou esse advogado pra ser advogado do

meu filho numa causa trabalhista”, comenta. Ela também já usou a rádio para

fazer reclamações: “Eu fiz várias sobre lixo na rua, tanto no programa do Zé

Luis como nos outros programas, e dá resultado”.

O contato com a rádio é feito por meio de telefone e de visitas; neste

último caso, Jovelina combina com as amigas que conheceu através da rádio: “A

gente combina e vai, se encontra no programa do Zé Luis. Uma vez

combinamos e fizemos o aniversário do Zé Luis lá. Outra vez fomos no

programa do João Ferreira”. A única queixa de Jovelina em relação à rádio é

quanto à inconstância dos programas. De acordo com ela, já houve muitos

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programas bons que saíram do ar sem explicação: “Eu não entendo por que

esses programas bons como o do Everton, do doutor Geraldo saiu do ar [sic]”.

Elisabeth Rocha, 31 anos, administradora, residente no bairro há 28 anos,

considera o rádio o melhor veículo de comunicação, porque oferece serviços de

utilidade pública, música e informações: “Você pode ficar por dentro dos

acontecimentos do dia-a-dia”. Suas emissoras preferidas são a Rádio Cidadã e a

oficial Antena 1.

Na rádio comunitária, sua preferência recai nos programas musicais, entre

os quais Tarde vespertina, Black balanço e Cantinho do JB. “A gente entra em

contato, liga, passa recado, mensagem, sempre telefona”, explica, dizendo gostar

da educação e da dedicação com que tratam os ouvintes – “eles são muito

atenciosos” – e das músicas que tocam.

Maria José Rocha, 49 anos, presidente da creche Nossa Senhora

Assunção, no Jardim Bonfiglioli, residente em Cotia, sintoniza seu rádio na

Rádio Cidadã, no caminho de sua casa até a creche. Ela escuta a emissora por

causa das músicas tocadas, especialmente, as sertanejas. Ela conheceu a rádio

através de José Luis. Quando ainda morava no bairro, Maria José ouvia a

emissora com mais freqüência: “Eu ligava, oferecia música, a gente ligava pra

poder passar mensagens”. Ela diz que nunca telefonou para dar sugestões ou

reclamar de qualquer problema do bairro.

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A partir dessas entrevistas, observamos:

• o ouvinte adulto da Rádio Cidadã acompanha a programação da manhã, não

se interessando pelos programas vespertinos, e têm preferência pelos

programas musicais e os de entrevistas;

• há uma relação de amizade com os apresentadores dos programas, daí os

ouvintes sentirem a rádio como parte integrante de sua vida no bairro. Assim

como o público jovem, o adulto também diferencia a Rádio Cidadã das rádios

comerciais pelo tratamento recebido, frisando sempre a atenção com que o

ouvinte é tratado;

• o ouvinte adulto tem noção de que a rádio comunitária é um canal que deve

ser utilizado para resolução dos conflitos no bairro e até utiliza a rádio para

isso. No entanto, ainda predomina a visão do rádio como veículo de

entretenimento. O caso da ouvinte que preside a creche é revelador nesse

sentido, já que, mesmo sabendo da existência da rádio comunitária, não a

utiliza para falar dos problemas enfrentados na creche.

A emissora, por sua vez, apesar de utilizar o lema “se a comunidade não

vai até a rádio, a rádio vai até a comunidade”, deixa a desejar no sentido de não

explorar um assunto (como os problemas enfrentados na creche) que diz respeito

a vários moradores, fisicamente próximos à emissora que, contudo, acabam

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ficando à margem do principal objetivo da rádio: o de ser o veículo de expressão

da comunidade.

8.4. O não-ouvinte da Rádio Cidadã

Consideramos como não-ouvinte da Rádio Cidadã as pessoas que, mesmo

morando na área de abrangência da rádio e sabendo de sua existência, não a

escutam ou o fizeram poucas vezes. Esse grupo inclui pessoas que têm entre 17

e 49 anos, estudam ou trabalham. Os principais motivos elencados para não

ouvir a rádio comunitária são: o estilo de música tocado e as características dos

apresentadores, principalmente o estilo de locução.

Entrevistamos, entre outros, Elaine Silva Santos, 19 anos, estudante,

residente no bairro há 5 anos. Ela ouve rádio em função das músicas tocadas. As

emissoras preferidas são a Rádio Cidade e a Jovem Pan e ela costuma ouvir rap

e pagode. Elaine escutou a Rádio Cidadã uma vez, sem saber que era uma rádio

localizada no Butantã. Apesar de ter gostado, não voltou a ouvir a rádio, por

falta de tempo, segundo ela.

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Já a cabeleireira Ediléia Costa, 49 anos, que vive no bairro há 18, é

vizinha da emissora comunitária, mas não a escuta. Ela conhece a Rádio Cidadã

desde as primeiras transmissões e já a sintonizou, mas não continuou ouvindo-a,

por falta de tempo. Ela acha a rádio importante para o bairro, apesar de não

saber por quê: “Acho legal ter uma rádio no bairro, não sei explicar por quê,

parece que fica mais completo”.

Viviane Alves dos Santos, 19 anos, não mora no Butantã, mas trabalha no

bairro o dia todo, como ajudante num salão de beleza. Sua emissora radiofônica

preferida é a Rádio Cidade. “Adoro samba”, explica. Para ela, o rádio serve

apenas para tocar músicas, que precisam ser sempre renovadas, sem muita

repetição. “Na maioria das rádios, as músicas cansam por serem repetidas”.

Ela sintonizou a Rádio Cidadã uma vez, mas não gostou: “Eu acho que o

jeito deles falarem [sic] na rádio, a voz deles é muito estranha”, explica, dizendo

ter gostado apenas das músicas tocadas e que não voltará a ouvir a emissora.

Marcelo Pavan, 31 anos, comerciante, que mora há dois anos no bairro,

também não gostou da Rádio Cidadã por causa das músicas tocadas. O contato

que Marcelo teve com a Cidadã foi comercial, quando algumas pessoas da rádio

ofereceram a ele espaços para apoio cultural. Além disso, um amigo chegou a

fazer um programa na emissora e incentivou Marcelo a sintonizar a rádio. Mas o

estilo de música não o convenceu a continuar a audiência, apesar de achar a

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proposta da rádio “diferente”: “Achei interessante porque era uma rádio voltada

pro bairro mesmo... até fiquei sabendo por um funcionário meu que tinha uma

banda de pagode, e a rádio já tinha convidado todo o grupo dele, então eu achei

interessante porque é uma rádio voltada pro bairro”.

Com relação ao não-ouvinte da Rádio Cidadã, observamos:

• entre as pessoas entrevistadas predomina a visão do rádio como meio de

entretenimento: a maioria ouve rádio por causa das músicas e não se interessa

pelo seu lado informativo, seja a emissora oficial ou não;

• os entrevistados sabem que a rádio é localizada no bairro e que tem como

objetivo divulgar os acontecimentos locais, mas não se interessam em saber

mais a respeito.

No entanto, essa não é uma característica exclusiva desse público da

emissora, pois, como vimos, mesmo o público jovem não conhece todas as

potencialidades da rádio comunitária, restringindo seu uso à divulgação de

pedidos musicais e recados para amigos e namorados.

Tudo isso pode significar que a Rádio Cidadã não tem conseguido, nesses

dois anos e meio de emissão contínua, fazer-se entender pelo ouvinte, ou seja,

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ainda não conseguiu esclarecer sua comunidade acerca do papel de uma rádio

comunitária.

Conclusão

Na primeira parte desta dissertação delineamos um perfil histórico da

radiodifusão ilegal. Mostramos que a utilização do rádio pode ter objetivos tais

como entreter com finalidade lucrativa (caso das rádios piratas), ser uma arma

política para divulgar a contra-informação (caso das rádios clandestinas e

sindicais), ser portador de um discurso alternativo ao do rádio oficial (caso das

rádios livres), ser divulgador de práticas religiosas (caso das rádios evangélicas)

e ser o instrumento de comunicação de uma comunidade (caso das rádios

comunitárias).

O fato de termos direcionado particular atenção à prática das rádios livres,

tanto as européias quanto as brasileiras, explica-se pela influência das emissoras

livres na história das rádios ilegais no Brasil. É do movimento de rádios livres

que se originam as rádios comunitárias, nosso objeto de discussão na segunda

parte desta dissertação.

Ao analisar o fenômeno das rádios livres no país, encontramos também

sua ligação com um pressuposto básico da comunicação alternativa: a

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preocupação com um conteúdo diferente daquele que é apresentado pelas rádios

oficiais. Essa diferença estava presente não só na parte de locução como também

na parte musical: as músicas veiculadas pelas rádios livres eram escolhidas com

rigor, procurando uma adequação ao perfil da rádio, e geralmente eram músicas

que as rádios comerciais não tocavam. A origem dessa preocupação está na

formação de quem fazia rádio livre: alguns ligados a universidades, outros

estudantes autodidatas, outros ligados à cultura, ou seja, pessoas

intelectualmente esclarecidas, que viam no rádio um instrumento de divulgação

das práticas alternativas.

As rádios comunitárias, por sua vez, podem ser ligadas à comunicação

popular, já que surgem no seio dos movimentos sociais e são organizadas por

determinados segmentos da comunidade, como líderes de associações de bairro.

Essas rádios também têm a preocupação de apresentar um conteúdo diferente do

dos grandes meios, mas são marcadas pelas contradições de quem pratica a

experiência. Por isso, é comum encontrar na programação dessas emissoras as

mesmas músicas das rádios comerciais e um estilo de locução parecido com o

seu, ou igual a ele.

Para refletir mais a respeito da experiência das rádios comunitárias

analisamos o trabalho de uma dessas emissoras, a Rádio Cidadã. Vimos a sua

grade de programação, o conteúdo dos seus programas e como é feita a sua

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aproximação com a comunidade. A partir desse estudo foi possível chegar às

seguintes conclusões:

1. a Rádio Cidadã surgiu a partir de um grupo limitado de pessoas, que viram

na rádio comunitária uma forma de organização e mobilização popular, com o

objetivo de melhorar a qualidade de vida na comunidade. Assim, apesar de ter

a intenção de ser a emissora da comunidade, a Rádio Cidadã não nasceu da

organização dessa mesma comunidade;

2. a aproximação da Rádio Cidadã com a comunidade surge gradativamente,

primeiramente com os jovens da região, depois com os líderes comunitários e

por último com os outros moradores do bairro. É a partir desse encontro que a

emissora começa a ser comunitária, embora ainda não totalmente, pois, para

isso, precisaria ser dirigida de fato pela comunidade, o que não ocorre. Como

vimos, a Rádio Cidadã é dirigida pela jornalista Luci Martins, que, junto com

sua família, financiou todo o projeto da emissora;

3. a programação da emissora ainda é predominantemente musical, os

programas musicais são os mais ouvidos e as músicas não diferem muito

daquelas veiculadas pelas emissoras comerciais. O entretenimento é

importante dentro da programação de qualquer emissora, mas em uma rádio

comunitária não deve ocupar o maior espaço, visto que a sua proposta é

principalmente ser o veículo de expressão da comunidade, portanto, é

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necessário mais espaço na programação para os temas relevantes para a

comunidade, que deveriam necessariamente ser discutidos pela própria

comunidade;

4. nos programas Na boca do povo, Encontro com as comunidades e Cala a

boca já morreu(porque criança também tem o que dizer) reafirmamos que os

dois primeiros são os responsáveis pela aproximação da comunidade com a

rádio, pois são apresentados por moradores do bairro e alguns líderes

comunitários e é a esses programas que a comunidade recorre quando precisa

denunciar um fato de seu interesse; mas essa aproximação precisa

transformar-se em uma ampla participação; o programa Cala a boca já

morreu... representa uma nova linguagem na emissora, já que é realizado

apenas por crianças, e é o melhor exemplo de como um programa produzido e

apresentado coletivamente pode levar ao ar temas importantes ao cotidiano de

todos;

5. os programas da Rádio Cidadã são realizados por moradores do bairro, em

geral pessoas que nunca tinham tido uma experiência radiofônica, que nem

sequer conheciam uma emissora de rádio. Mas há um número limitado de

pessoas na apresentação dos programas. Por isso, consideramos que a

participação da comunidade na Rádio Cidadã ainda é pouco explorada, apesar

dos apelos constantes para que a comunidade usufrua mais da rádio, tomando-

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a como a rádio do seu bairro. Assim, a participação na emissora está

limitada ao nível das mensagens, com telefonemas, cujos principais assuntos

são os pedidos musicais, as reclamações sobre os problemas no bairro e os

elogios aos apresentadores por seus programas, além de visitas para conhecer

a estrutura física da emissora;

6. os ouvintes da Rádio Cidadã sabem que a emissora é do bairro e gostam do

atendimento recebido na rádio, mas a aproximação não vai além disso. Falta a

esse público conhecer as potencialidades do veículo comunitário; falta um

trabalho educativo que esclareça o papel social da rádio comunitária; mais

que tudo, falta a esse público compartilhar das decisões de poder na emissora,

desde a discussão da programação até a administração do meio. Um bom

exemplo de como poderia ocorrer essa partilha de poder é verificado no

programa infantil da própria Rádio Cidadã, no qual as crianças são educadas

nas oficinas de rádio a participar coletivamente de toda a sua produção.

O fator principal para que a emissora alcance um perfil definitivamente

comunitário começou com a comunidade sendo chamada a participar da rádio, a

tomá-la como sua, ou seja, a Rádio Cidadã está aberta a esse objetivo, apenas

precisa incentivar e facilitar a participação como um processo crescente em

qualidade, de acordo com o que foi discutido no terceiro capítulo desta

dissertação. Mas isso só será alcançado, não só na Rádio Cidadã como nas

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outras emissoras comunitárias, se o projeto que regulamenta esses veículos for

logo sancionado.

A regulamentação das rádios comunitárias é necessária, pois sem ela

muitas experiências tendem a ser interrompidas no meio do processo, como

aconteceu com a própria Rádio Cidadã, apreendida no dia 8 de julho de 1997,

após dois anos de funcionamento contínuo. A ação foi realizada pela Polícia

Federal e pela fiscalização do Departamento Nacional de Fiscalização das

Comunicações. Os equipamentos da rádio foram apreendidos e Luci Martins foi

indiciada. Com o silêncio deixado pela Rádio Cidadã, os moradores do bairro

que apresentavam programas resolveram unir-se e criar outra rádio comunitária,

a Rádio Coral, que nasce movida pela vontade dessas pessoas de continuar a

experiência iniciada com a Rádio Cidadã.

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