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Qui 24 Jun Edição Lisboa Quinta-feira, 24 de Junho de 2010, Ano XXI, nº 7385, 1,00 Directora: Bárbara Reis Directores adjuntos: Nuno Pacheco, Manuel Carvalho e Miguel Gaspar Directora de Arte: Sónia Matos www.publico.pt Livros Que Mudaram o Mundo 20.º Vol. – Alcorão Sagrado Hoje por mais 5,95Reportagem Cientistas portugueses à procura de burros selvagens na China P2 20 anos Por Teresa Firmino e Daniel Rocha em Xinjiang PS Deputados eleitos nas legislativas de 2009 PSD Braga PS 9 PSD 6 Vila Real PSD 3 PS 2 Viseu PSD 4 PS 4 Guarda PS 2 PSD 2 C. Branco PS 2 PSD 2 Aveiro PSD 7 PS 6 Porto PS 18 PSD 12 V. Castelo PS 2 PSD 2 Santarém PS 4 PSD 3 Faro PS 3 PSD 3 PS e PSD repartem quase por igual o número de deputados nos distritos atravessados pelas sete scut com cobrança já prevista para dia 1 ou ainda a portajar Beiras Litoral e Alta Interior Norte Norte Litoral Costa de Prata Grande Porto Beira Interior Via do Infante INFOGRAFIA: JOSÉ ALVES Primeiro-ministro anunciou que vai alargar as portagens a todas as Scut a Governo e PSD não têm um acordo concluído, mas sim um entendimen- to muito próximo sobre os chips e o pagamento de portagens nas Scut, apurou o PÚBLICO. No final de uma reunião de duas horas e meia, as duas partes foram bastante cautelosas nas palavras quanto a um acordo, mas uma das principais reivindicações do PSD, o fim da obrigatoriedade do chip, está praticamente assegurada. O tema será abordado hoje no Conselho de Ministros. c Destaque, 2 a 4 Governo e PSD muito próximos de acordo sobre as Scut e os chips Mundial 2010 Alemanha contra Inglaterra nos “oitavos” a Uma vitória da Alemanha sobre o Gana e um triunfo britânico frente à Eslovénia colocam as duas selecções em rota de colisão na próxima fase. Ainda nos “oitavos”, os EUA jogam com o Gana. c Desporto, 28 a 34 Espanha Afeganistão Senado quer proibir burqa em espaços públicos Obama demite general mas não muda estratégia a Moção proposta pelo PP foi apro- vada com o apoio dos nacionalistas catalães. Iniciativa pede ao Governo espanhol que proíba o uso de véus que dificultem a “identificação e a co- municação visual”. c Mundo, 14 a Exoneração tornou-se inevitável, depois de o general McChrystal se ter referido em termos impróprios a Oba- ma e aos membros da sua Administra- ção. David Petraeus, ex-comandante no Iraque, vai agora chefiar a missão afegã. c Mundo, 12/13 PUBLICIDADE Processo Moura Guedes José Sócrates disponível para ser ouvido a O primeiro-ministro aceita ser ouvi- do no processo por difamação movido por Moura Guedes, prometendo sus- tentar as suas afirmações sobre o Jor- nal de Sexta, que rotulou de “telejornal travestido”. O inquérito será conduzi- do pelo Supremo. c Portugal, 6 a A Telefónica vendeu oito dos 10 por cento que detinha na capital da Portugal Telecom, ficando agora com apenas dois por cento. A venda surge na véspera da assembleia geral da PT onde será votada a venda da Vivo aos espanhóis. c Economia, 19 Na véspera da AG Telefónica vende oito por cento da PT Prémios e progressões em risco no Estado a Os funcionários públicos não de- vem contar com prémios de desem- penho e progressões na carreira de- cididas pelos dirigentes nos próximos anos. O alerta foi deixado ontem pelo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, depois de afirmar que a situ- ação da economia portuguesa não deixará grande margem de manobra ao Governo, que apenas assegurará as progressões obrigatórias dos trabalha- dores. c Economia, 18 Peso eleitoral do PS e do PSD nos distritos das Scut é quase o mesmo Via Verde abre capital a outras concessionárias rodoviárias Não perca hoje no P2 Biodiversidade No Ano Internacional da Biodiversidade o Público dá-lhe a conhecer projectos de investigadores portugueses que trabalham na protecção de animais, plantas e habitats em Portugal e no estrangeiro. São 14 reportagens para ler, de 15 em 15 dias, até Novembro. APOIO
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Por Teresa Firmino Governo e PSD - FCUP...PSD Braga PS 9 PSD 6 Vila Real PSD 3 PS 2 Viseu PSD 4 PS 4 Guarda PS 2 PSD 2 C. Branco PS 2 PSD 2 Aveiro PSD 7 PS 6 Porto PS 18 PSD 12 V.

Aug 07, 2020

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Qui 24 Jun Edição Lisboa Quinta-feira, 24 de Junho de 2010, Ano XXI, nº 7385, 1,00 !Directora: Bárbara ReisDirectores adjuntos: Nuno Pacheco, Manuel Carvalho e Miguel GasparDirectora de Arte: Sónia Matoswww.publico.pt

Livros Que Mudaram o Mundo20.º Vol. – Alcorão Sagrado

Hojepor mais 5,95!

ReportagemCientistas portugueses à procura de burros selvagens na ChinaP2

20 a

no

s

Por Teresa Firminoe Daniel Rocha em Xinjiang

PS

Deputados eleitos nas legislativas de 2009

PSD

BragaPS 9PSD 6

Vila RealPSD 3PS 2

ViseuPSD 4PS 4 Guarda

PS 2PSD 2

C. BrancoPS 2PSD 2

AveiroPSD 7PS 6

PortoPS 18PSD 12

V. CasteloPS 2PSD 2

SantarémPS 4PSD 3

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PS e PSD repartem quase por igual o número de deputados nos distritos atravessados pelas setescut com cobrança já prevista para dia 1 ou ainda a portajar

Beiras Litoral e Alta

Interior Norte

Norte Litoral

Costa de Prata

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Primeiro-ministro anunciou que vai alargar as portagens a todas as Scuta Governo e PSD não têm um acordo concluído, mas sim um entendimen-to muito próximo sobre os chips e o pagamento de portagens nas Scut, apurou o PÚBLICO. No fi nal de uma reunião de duas horas e meia, as duas partes foram bastante cautelosas nas palavras quanto a um acordo, mas uma das principais reivindicações do PSD, o fi m da obrigatoriedade do chip, está praticamente assegurada. O tema será abordado hoje no Conselho de Ministros. c Destaque, 2 a 4

Governo e PSD muito próximos de acordo sobre as Scut e os chips

Mundial 2010

Alemanha contra Inglaterra nos “oitavos”a Uma vitória da Alemanha sobre o Gana e um triunfo britânico frente à Eslovénia colocam as duas selecções em rota de colisão na próxima fase. Ainda nos “oitavos”, os EUA jogam com o Gana. c Desporto, 28 a 34

Espanha

Afeganistão

Senado quer proibir burqa em espaços públicos

Obama demite general mas não muda estratégia

a Moção proposta pelo PP foi apro-vada com o apoio dos nacionalistas catalães. Iniciativa pede ao Governo espanhol que proíba o uso de véus que difi cultem a “identifi cação e a co-municação visual”. c Mundo, 14

a Exoneração tornou-se inevitável, depois de o general McChrystal se ter referido em termos impróprios a Oba-ma e aos membros da sua Administra-ção. David Petraeus, ex-comandante no Iraque, vai agora chefi ar a missão afegã. c Mundo, 12/13

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Processo Moura Guedes

José Sócrates disponível para ser ouvidoa O primeiro-ministro aceita ser ouvi-do no processo por difamação movido por Moura Guedes, prometendo sus-tentar as suas afi rmações sobre o Jor-nal de Sexta, que rotulou de “telejornal travestido”. O inquérito será conduzi-do pelo Supremo. c Portugal, 6

a A Telefónica vendeu oito dos 10 por cento que detinha na capital da Portugal Telecom, fi cando agora com apenas dois por cento. A venda surge na véspera da assembleia geral da PT onde será votada a venda da Vivo aos espanhóis. c Economia, 19

Na véspera da AG

Telefónica vende oito por cento da PT

Prémios e progressões em risco no Estadoa Os funcionários públicos não de-vem contar com prémios de desem-penho e progressões na carreira de-cididas pelos dirigentes nos próximos anos. O alerta foi deixado ontem pelo ministro das Finanças, Teixeira dos

Santos, depois de afi rmar que a situ-ação da economia portuguesa não deixará grande margem de manobra ao Governo, que apenas assegurará as progressões obrigatórias dos trabalha-dores. c Economia, 18

Peso eleitoral do PS e do PSD nos distritos das Scut é quase o mesmo

Via Verde abre capital a outras concessionárias rodoviárias

Não perca hoje no P2

BiodiversidadeNo Ano Internacional da Biodiversidade o Público dá-lhe a conhecer projectos de investigadores portugueses que trabalham na protecção de animais, plantas e habitats em Portugal e no estrangeiro.São 14 reportagens para ler, de 15 em 15 dias, até Novembro.

APOIO

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Há burros selvagens na Rota da Seda Pág. 6/8

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6 • P2 • Quinta-feira 24 Junho 2010

Atrás dos burros Partiram de Portugal para viajar, quase cinco mil quilómetros, pelo coração da lendária Rota da Seda, em versão genética. Tinham em mira burros, marmotas e aves. Primeira de duas partes de uma expedição científi ca. Por Teresa Firmino (texto) e Daniel Rocha (fotografi a), em Xinjiang

a Pela mira telescópica, seis burros, alinhados lado a lado, cabeças levantadas, orelhas espetadas, olham na direcção de quem os olha ao longe.

“Eia, que espectáculo! Todos a olhar para cá”, diz Albano Beja Pereira.

“Oh, sim”, concorda Chen Shanyuan, quando chega a sua vez de espreitar pela mira, em cima de um tripé assente na areia.

“Posso ver?”, atira Nuno Monteiro.

Surgem umas orelhas com pontas pretas, crinas negras, cabeças e dorsos cremes, patas e ventres de um branco sujo, entre uma paisagem dominada pela areia pintalgada por vegetação rasteira, verde-escura.

O burro selvagem da Mongólia, o Equus hemionus hemionus, esquivo à presença humana, tem o estatuto de espécie ameaçada. Parente afastado dos burros domésticos, encontra-se em bolsas fragmentadas no Irão, Índia, Turquemenistão, Mongólia e Norte de Xinjiang, a região mais a ocidente da China.

E depois de Beja Pereira, Chen Shanyuan e Nuno Monteiro, também Ablimit Abdukadir se baixa para os contemplar pelo pequeno monóculo no tripé.

Continuam todos virados para cá, mas os quatro cientistas que os espiam conseguem manter-se incógnitos, a um quilómetro de distância, quais David Attenborough em plena expedição atrás dos burros selvagens da Ásia.

“Temos o vento contra nós, estamos na melhor situação possível”, diz Beja Pereira, 37 anos, zootécnico do Centro de Investigação em Biodiversidade

e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto, enquanto deixa para trás, junto aos dois jipes por que se reparte a expedição, os outros cientistas e toma a dianteira para se ir aproximando dos burros.

Vai a pé, meio agachado, com a mochila às costas. Avança pelas franjas do deserto de Gurbantünggüt, no Norte de Xinjiang.

É uma planura arenosa, mil metros acima do nível do mar, coberta aqui e ali por uma crosta de sal que estala mal se pisa. Nem um arbusto alto que faça de esconderijo e dê alguma sombra. Nem uma pinga de água, que fi cou esquecida no jipe, para acalmar os efeitos dos 35 graus pelas três da tarde.

Nem a sensação de isolamento associada ao deserto. Avista-se uma estrada alcatroada, a mesma utilizada minutos antes pelos jipes da equipa, que continua a ser cruzada por um constante ir e vir de camiões (tem restaurantes na berma, num deles haveria mais tarde de se pedir uma sopa de cogumelos e tofu, mais a mosca que vinha a boiar). E há um cercado, com um portão fechado a cadeado, que um guia local abre para a equipa.

Os burros não correm em total liberdade pela planície do Gurbantünggüt, o segundo maior deserto da China, a seguir ao Taklamakan, no Sul de Xinjiang. O cercado, na Reserva Natural de Ungulados Selvagens de Karamaile, com 158 mil hectares, impede-os de ir para a estrada.

No seu encalço, logo depois de Beja Pereira, segue Nuno Monteiro, 36 anos, biólogo do Cibio e docente de Parasitologia na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. E o O investigador Beja Pereira recolhe excrementos para análise do ADN

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selvagens da Chinachinês Chen Shanyuan (ou Jay, a alcunha inglesa que adoptou para os ocidentais), de 30 anos, a viver em Portugal há algum tempo como estudante de pós-graduação de Beja Pereira. Ainda na dianteira, olhos postos no chão, o zootécnico cedo se depara com um objecto, o primeiro de todos, muito desejado pela expedição.

“Tens aí luvas?”, pergunta-lhe, cá de trás, Nuno Monteiro.

“Tenho”, diz Beja Pereira.O que eles viajaram até este

momento chegar.

Para sul, 1500 quilómetros Chegaram dez dias antes, a Ürümqi (lê-se algo como “Urumquexi”), a capital de Xinjiang, região onde a etnia uigur (muçulmana, de origem turca e minoritária na China) vive há mais de quatro mil anos e ainda é dominante entre os 20 milhões de habitantes. Esperava-os Ablimit Abdukadir, investigador do Instituto de Ecologia e Geografi a de Xinjiang, membro do grupo de especialistas em felinos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). É este uigur, 56 anos, que é o anfi trião de Beja Pereira, Nuno Monteiro e Chen Shanyuan – este da etnia han, que forma 91 por cento da população da China. Rota da Seda 2010 é o nome da expedição.

A capital fi ca apenas 400 quilómetros a sul da reserva natural de Karamaile. Mas, agora, os seus três milhões de pessoas, estradas largas, fi las e mais fi las de carros, arranha-céus no centro, triciclos, bicicletas, motorizadas eléctricas, bancas de fruta, de vegetais ou de comida na rua, lojas com cartazes gigantes em mandarim e uigur, um bazar internacional, mulheres com lenços na cabeça, enfi m, a azáfama

de uma qualquer grande cidade, a que não falta um restaurante da Kentucky Fried Chicken, parecem um mundo distante.

É que, até ao encontro com os burros selvagens da Mongólia, muitos foram os quilómetros de estrada, muitas as montanhas atravessadas, as horas no deserto, as sestas a que foi impossível resistir em longas rectas, as paragens em casas de banho improvisadas, muitos os solavancos.

Mais distantes ainda parecem os acontecimentos violentos que rebentaram a 5 de Julho do ano passado: durante alguns dias, as ruas de Ürümqi foram palco de confrontos entre uigures e chineses han, que resultaram ofi cialmente em 197 mortos e mais de mil feridos, no envio de milhares de soldados para manter a ordem e no corte dos telefones, Internet e e-mail, só há pouco tempo restabelecidos (em 1949, Xinjiang passou a ser controlada pela recém-proclamada República Popular da China, mas mantiveram-se os movimentos independentistas e de resistência uigur).

Logo à chegada, a expedição começou por arrancar em sentido oposto, para o Sul, portanto, rumo à Reserva Natural das Montanhas Arjin, a 1500 quilómetros de Ürümqi. Objectivo: ver outro burro selvagem da Ásia, o do Tibete, ou Equus kiang.

Se o virmos nas fotografi as, o burro selvagem do Tibete tem a cabeça e o dorso mais castanhos e peludos do que o burro da Mongólia. É o maior dos burros selvagens da Ásia, e há um mistério em relação a ele. Existem três subespécies, uma delas nas Montanhas Arjin? Ou há apenas

uma espécie, com variações ecológicas? “Ninguém sabe, é um quebra-cabeças”, diz Beja Pereira.

O facto de a Reserva Natural das Montanhas Arjin ser bastante fechada, em particular à entrada de estrangeiros, tem perpetuado este mistério. É para lá que a equipa se dirige primeiro.

Ürümqi-Korla, primeiro dia de viagem, com a passagem por um parque de geradores eólicos, quase sem fi m, ainda às portas da capital e pela imensa cordilheira Tianshan, despida de árvores, em tons de castanho, creme e amarelo. Parece talhada à faca. Eis que, no meio de nada, ao fi m de 550 quilómetros, surgem os arranha-céus de Korla, uma das cidades da célebre Rota da Seda, que durante séculos ligou a Ásia ao Mediterrâneo.

Korla-Qarqan, segundo dia, mais de 700 quilómetros, com travessia pela orla leste do deserto do Taklamakan em plena tempestade de areia. A realidade pelo vidro do jipe apresenta-se esbranquiçada e limitada a poucos metros, como se um nevoeiro se tivesse abatido na auto-estrada, e os grãos fi níssimos entranham-se pelo nariz. Durante séculos, a Rota da Seda contornava o Taklamakan, a norte e a sul, convergindo na cidade-oásis de Kashgar. Então o deserto engolia quem se atrevesse a desafi á-lo, agora as suas reservas importantes de petróleo originaram a construção de auto-estradas que o cruzam sem temor.

Nem um vislumbre dos camelos selvagens de duas bossas, cada vez mais raros, criticamente ameaçados, que ainda vivem no Taklamakan, antepassados dos camelos domésticos com o mesmo número de bossas, e que a c

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Sociedade Zoológica de Londres inclui entre os dez mamíferos mais raros do planeta (existirão menos de mil na China e na Mongólia).

E o terceiro dia, passado em Qarqan, cidade plana, 800 metros acima do nível do mar, outra importante passagem ao longo da Rota da Seda, foi para tratar da logística para a subida a quase quatro mil metros de altitude. Compraram-se agasalhos numa loja de material militar: casacos compridos verdes, gorros, luvas. Entre brincadeiras, Beja Pereira e Nuno Monteiro improvisaram poses militares, esticando os ombros e pescoços com ar imponente, que um capacete na loja atulhada ajudou a compor. Arranjam-se sacos de oxigénio, caso alguém se sinta mal nas alturas das Montanhas Arjin.

Há passeios pelo bazar, com as suas bancas de vegetais, sacos de arroz, carne pendurada ao ar livre, restos de uma vaca no chão, pães nan tendidos com a forma de pizzas e colados nas paredes do forno que os coze ali mesmo, ou roupas, tudo a três passos de uma das poucas mesquitas que se encontraram pelo caminho. Sorriem-nos, querem saber de onde vêm os estranhos. As mulheres, pintadas, de saltos altos, exibem os seus lenços garridos, a maior parte mantendo a cara destapada. Os homens optam quase sempre por cobrir a cabeça, ou com bonés ou chapéus de feltro ou os tradicionais chapéus muçulmanos bordados.

Há tempo para provar kebabs (espetadas de borrego) e o pollo (prato de arroz com pedaços de cenoura e um naco de borrego em cima), acompanhados pelo chá omnipresente a cada refeição.

O guardião da reservaQarqan-Montanhas Arjin, quarto dia de viagem, com um novo guia nesta etapa da expedição, o uigur Tursunjan Yakub, guarda-fl orestal do Departamento de Florestas de Qarqan. Sem se dar por isso, a altitude vai aumentando – até que a planície de areia e pedras, cortada por uma estrada em tal estado que tudo tremelica, começa a ceder lugar à montanha.

Um rio teima em ser presença constante, atravessado vezes sem conta nas curvas e contracurvas montanha acima; a três mil metros é altura de uma paragem.

De um lado, tem-se a visão panorâmica das encostas Arjin acabadas de subir, rocha e terra apenas, feridas pela erosão, e do pastor com quem nos cruzámos e que aí vem, montado no seu burro doméstico, um ponto minúsculo visto daqui. Olhando para o caminho a seguir, erguem-se ao fundo os picos com neve da Montanha de Kunlun, parte do sistema montanhoso dos Himalaias, na fronteira entre Xinjiang e o Tibete.

Segue-se um planalto. Casas de pastores, rebanhos de ovelhas, cavalos e camelos domésticos dispersam-se aqui e ali. Por fi m, a chegada a uma estação de gestão da vida selvagem. Passaram seis horas desde a partida de Qarqan, viajaram-se apenas uns 200 quilómetros.

A estação fi ca num terreiro ventoso e frio, a cerca de 3600 metros de altitude. Há casas de tijolo, há um entreposto comercial, há gente ora sentada à porta, ora de um lado para o outro, ora a carregar

mercadorias. “Nesta montanha, e à volta, vivem 500 pastores. São nómadas”, explica Ablimit Abdukadir. “Se precisam de sal, cigarros, combustíveis, fazem as compras aqui.”

No entreposto, há uma sala com dois telefones fi xos muito requisitados, sofás velhos, caixas de soro injectável, que dá para uma sala de estar, cheia de gente a entrar e sair, com tapetes nas paredes, um televisor e um reconfortante fogão a carvão. O casal uigur que gere o entreposto recebe os visitantes com pães nan e chá, e logo a expedição volta à estrada, com a intenção de acampar mais acima.

É apenas preciso transpor uma cancela, uns metros à frente, que aguarda quem quer entrar na reserva natural. Numa tenda ao lado, um jovem chinês han, o guardião da reserva, quer ver, na autorização escrita dos trabalhos científi cos da equipa para a região de Xinjiang, a referência específi ca às Montanhas Arjin. Como se as Arjin não fossem em Xinjiang. Ou, então, os estrangeiros teriam de pagar quatro mil euros.

Não consta tal referência na autorização, e nem Ablimit Abdukadir nem Chen Shanyuan conseguem demover o guardião da reserva. Numa última tentativa, de volta ao entreposto, um telefonema para um dos responsáveis da área protegida também não surte efeito.

O mistério dos burros selvagens nas Arjin, onde os cientistas estrangeiros não entram desde os anos 80, até porque a espécie está associada ao vizinho Tibete, uma zona politicamente conturbada, vai portanto manter-se para já.

Foram 1500 quilómetros desde Ürümqi, iria iniciar-se o caminho de volta, ao cair da tarde. O saco-cama, que preenche um quarto da mala de viagem, afi nal não serviu para nada.

Era melhor nem pensar nos abanões no jipe até Qarqan, onde se chegaria à uma da manhã. Nem nos quilómetros até à capital (com um desvio de uns dias para procurar uma certa marmota e a ave que com ela partilha a toca, no planalto de pradarias de Bayanbulak, que fi cam para a segunda parte do relato desta expedição). Atravessa-se de novo o Taklamakan, mas pelo centro, e a cordilheira Tianshan. De Ürümqi, a viagem continua para o Norte – em busca dos burros da Mongólia, e a visão, à segunda saída da capital, é a de uma sucessão de centrais térmicas e de refi narias de petróleo e gás natural, recursos em que Xinjiang é rica.

“Estou desiludido”, deixa escapar Ablimit Abdukadir. “Em ciência há sempre um risco”, responde-lhe Beja Pereira.

ADN a quanto obrigasVoltemos então ao momento em que Beja Pereira e os companheiros andam atrás dos burros da Mongólia – os primeiros que fi nalmente vêem – e estão prestes a obter o que tanto ambicionam. Excrementos.

Caminhando pelo deserto, os animais juntam-se, começam a afastar-se e desaparecem. “Não dá para nos aproximarmos com tanta gente.”

Pelo terreno, Beja Pereira

esborracha este e aquele dejecto com o pé, avaliando a sua frescura: “O que é que mais estraga o ADN? Os ultravioletas”, explica.

“Nuno, aqui está fresco”, avisa.Através do ADN nos excrementos,

Beja Pereira quer inferir o tamanho efectivo das populações de burros selvagens asiáticos – ou seja, o número de genomas únicos que se transmitem à descendência. Dois burros gémeos, por exemplo, contam como um só. Sem ter de os contar, e por meio de um método não invasivo, quer avaliar a consanguinidade dos animais e ver se todos têm igual oportunidade de se reproduzir. Quanto mais elevada for a consanguinidade, menor é a taxa de fertilidade e a viabilidade de uma população e, no fi nal, da própria espécie. Uma auto-estrada que fragmente uma manada, deixando poucos machos de um dos lados, por exemplo, aumenta a endogamia: “Do ponto de vista do ADN, conseguimos ver se há um grupo à parte.”

Beja Pereira, que é membro do grupo de especialistas em equídeos da IUCN, tem estado a fazer este tipo de estudos para os burros selvagens africanos, criticamente ameaçados, mas faltava-lhe um termo de comparação com espécies próximas. Aliás, os burros selvagens de África (Equus africanus) valeram-lhe uma descoberta, com direito a um artigo na revista Science em 2004: anunciou que foram estes burros, e não as espécies asiáticas, a ser domesticados, há cinco ou seis mil anos. Foi

o que revelaram

as análises de ADN de burros selvagens africanos e de burros domésticos de 52 países, da Europa, África e Ásia.

Os antepassados de todos os burros domésticos são assim os burros selvagens de África, mais concretamente duas subespécies (o burro da Núbia, região no vale do Nilo, partilhada entre o Egipto e o Sudão, e o burro da Somália). De fora da domesticação fi caram os burros selvagens da Ásia, de que a espécie da Mongólia e a do Tibete são exemplos.

Nuno Monteiro quer saber quais são os parasitas e as bactérias presentes em espécies de zonas remotas como Xinjiang. “Apesar de ter havido uma ‘febre’ de explorar nichos novos, à procura de resistências a antibióticos e a antiparasitários em zonas mais remotas, ainda não se sabe muito sobre espécies emblemáticas como os burros e camelos”, explica Nuno Monteiro.

“Era aqui que eles estavam”, aponta Beja Pereira para o terreno espezinhado. “Este é mesmo, mesmo fresco.”

Como bolinhos, os cientistas embrulham as amostras em papel de alumínio ou guardam-nas em tubinhos, que transportam nos bolsos e mãos enquanto cirandam por ali. Mas eles querem mais excrementos e no dia seguinte, o 11.º da expedição, vão procurar outros burros, mais a norte na

reserva de Karamaile.Seguindo as indicações de

outro responsável da reserva, deixam a concorrida estrada de alcatrão e metem-se por

caminhos de terra. Com tantos furos de petróleo pela planície e minas de carvão mineral a céu aberto, andarão os burros

por aqui?Perde-se a vista neste mar de

verde rasteiro e castanho, aos tombos nos jipes. Olha-se, pára-se, Beja Pereira esquadrinha a paisagem com os binóculos. Nada, apenas os vestígios que deixaram, pegadas e cocós, em redor de um charco.

O silêncio é absoluto,

entrecortado por uma ave distante e um telemóvel que toca. “Oláaa. Ah pois éee, hoje é o Dia da Criança”, ouve-se Beja Pereira.

Quatro horas atrás dos burros, a tarde toda, mas nem vê-los. Para a manhã seguinte fi ca a derradeira tentativa, mais perto do local onde se viram os primeiros burros. Os contactos locais de Ablimit Abdukadir dizem que andava por ali uma manada. Será que é desta?

Pelo fresco da manhã, ainda da estrada de alcatrão, vislumbra-se um burro solitário, um macho, ao fi m de mais de 4500 quilómetros por Xinjiang (região que representa um sexto do território da China) e de tantas massas chinesas picantes às refeições, pequeno-almoço incluído. Um prenúncio de sucesso? “Pode estar doente, ser velho ou recém-chegado à manada”, explica Beja Pereira.

Menos de meia hora de balanços pelo terreno irregular e os jipes param perto de um montículo de terra, de onde a paisagem repetitiva é perscrutada. Beja Pereira monta o tripé com a mira telescópica, Nuno Monteiro saca dos binóculos.

“Estou vendo!”, diz Beja Pereira. “Um, dois, três, quatro... vejo cinco.”

Põe-se a caminho, em passo apressado. Os pés enfi am-se na terra. Os outros fi cam no monte para lhe irem apontando a direcção dos burros, a dois quilómetros de distância, que se confundem com o terreno.

“É realmente fresco”, diz dos excrementos que encontra, enquanto calça as luvas.

Os burros, e afi nal são muitos mais, entram por fi m no campo de visão. “Estão a comer.”

Curvado, vai até outro montículo com arbustos, uns metros à frente, de onde observa e fi lma. “São 37.”

O resto da equipa aproxima-se a pé. “Shhhh.”

Agachados à vez, vão atrás de Beja Pereira, de monte em monte de terra. “Não nos podemos mexer agora, estão todos a olhar para cá.”

É realmente um bom dia, resume Chen Shanyuan.

“Quantos machos adultos há?”, sussurra Beja Pereira para Ablimit Abdukadir. “Talvez oito.”

Quando os burros se apercebem, a cerca de 200 metros, afastam-se e mantêm sempre uma distância de segurança. Agora que foram vistos, os cientistas saem de trás dos montes de terra. Já podem vasculhar o chão à vontade. “Onde virem moscas...”

Segunda parte da expedição: uma história de amizade entre uma marmota e a ave que partilha com ela a toca, a 8 de Julho

O P2 viajou a convite do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto

No Ano Internacional da Biodiversidade, vamos publicar quinzenalmente, e até Novembro, reportagens sobre os trabalhos que investigadores portugueses desenvolvem em Portugal e no estrangeiro na conservação da Natureza. Os conteúdos são da inteira responsabilidade do P2.

A série Biodiversidade é patrocinada pelo

Caxemira

TIBET

QUIRGUISTÃO

TAJIQUISTÃO

CAZAQUISTÃO

CHINA

Tibete

Expedição Rota da Seda 2010 por Xinjiang

Koktokai

Bayanbulak

ÜrümqiInício e fim

Sequência da viagem

Korla

D e s e r t o d oT a k l a m a k a n

Deserto deGurbantünggüt

Reserva Naturalde Karamaile

Montanhas Arjin

KashgarQuarkilik

Qarqan

C o r d i l h e i r a T i a n s h a n

M o n t a n h a d e K u n l u n

Xinjiang

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o obrigaso momento em

os companheirosburros dameiros

quem.

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burros, e não as espéciesasiáticas, a ser domesticados, há cinco ou seis mil anos. Foi

o que revelaram

reserva de KSeguindo

outro respodeixam a de alcatr

caminhtantospela pcarvãaberto

por aquPerde-se a vi

verde rasteiro etombos nos jipse, Beja Pereirapaisagem com apenas os vestípegadas e cocócharco.

O silêncio é a