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O que Ø o Espiritismo DE ALLAN KARDEC ˝ndice Geral Prembulo Captulo I - Pequena ConferŒncia Esprita o Primeiro DiÆlogo - O Crtico o Segundo DiÆlogo - O CØptico o Espiritismo e Espiritualismo o DissidŒncias o Fenmenos espritas simulados o ImpotŒncia dos detratores o O maravilhoso e o sobrenatural o Oposiªo da CiŒncia o Falsas explicaıes dos fenmenos o Os incrØdulos nªo podem ver para se convencerem o Boa ou mÆ vontade dos Espritos para convencerem o Origem das idØias Espritas modernas o Meios de comunicaªo o Os mØdiuns interesseiros o Os mØdiuns e os feiticeiros o Diversidade nos Espritos o Utilidade prÆtica das manifestaıes o Loucura - Suicdio - Obsessªo o Esquecimento do passado o Elementos de convicªo o Sociedade Esprita de Paris o Interdiªo ao Espiritismo o Terceiro DiÆlogo - O Padre Captulo II - Noıes Elementares de Espiritismo o Observaıes preliminares o Dos Espritos o Comunicaıes com o mundo invisvel o Fim providencial das manifestaıes espritas
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Nov 22, 2018

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  • O que o Espiritismo DE

    ALLAN KARDEC

    ndice Geral Prembulo Captulo I - Pequena Conferncia Esprita

    o Primeiro Dilogo - O Crtico o Segundo Dilogo - O Cptico o Espiritismo e Espiritualismo o Dissidncias o Fenmenos espritas simulados o Impotncia dos detratores o O maravilhoso e o sobrenatural o Oposio da Cincia o Falsas explicaes dos fenmenos o Os incrdulos no podem ver para se convencerem o Boa ou m vontade dos Espritos para convencerem o Origem das idias Espritas modernas o Meios de comunicao o Os mdiuns interesseiros o Os mdiuns e os feiticeiros o Diversidade nos Espritos o Utilidade prtica das manifestaes o Loucura - Suicdio - Obsesso o Esquecimento do passado o Elementos de convico o Sociedade Esprita de Paris o Interdio ao Espiritismo o Terceiro Dilogo - O Padre

    Captulo II - Noes Elementares de Espiritismo o Observaes preliminares o Dos Espritos o Comunicaes com o mundo invisvel o Fim providencial das manifestaes espritas

  • o Dos Mdiuns o Escolhos dos mdiuns o Qualidade dos mdiuns o Charlatanismo o Identidade dos Espritos o Contradies o Conseqncias do Espiritismo

    Captulo III - Soluo de alguns problemas pela Doutrina Esprita o Pluralidade dos mundos o Da alma o O Homem durante a vida terrestre o O Homem depois da morte

    Prembulo

    As pessoas que no tm do Espiritismo seno um conhecimento superficial, so naturalmente levadas a fazer certas indagaes, s quais um estudo completo lhes daria, sem dvida, a soluo. Mas o tempo e, freqentemente, a vontade, lhes faltam para se consagrarem s observaes continuadas. Quereriam, antes de empreender essa tarefa, saber ao menos do que se trata e se vale a pena dela se ocuparem. Pareceu-nos til, pois, apresentar, em um quadro restrito, a resposta a algumas das questes fundamentais que nos so diariamente dirigidas. Isso ser, para o leitor, uma primeira iniciao e, para ns, tempo ganho pela dispensa de repetir constantemente a mesma coisa.

    O primeiro captulo contm, sob a forma de dilogos, respostas s objees mais comuns da parte daqueles que ignoram os primeiros fundamentos da Doutrina, assim como a refutao dos principais argumentos dos seus opositores. Essa forma nos pareceu mais conveniente, porque no tem a aridez da forma dogmtica.

    O segundo captulo consagrado exposio sumria das partes da cincia prtica e experimental, sobre as quais, na falta de uma instruo completa, o observador novato deve dirigir sua ateno para julgar com conhecimento de causa. de alguma forma o resumo de O Livro dos Mdiuns. As objees nascem, o mais freqentemente, de idias falsas que so feitas, a priori, sobre o que no se conhece. Corrigir essas idias antecipar-se s objees: tal o objeto deste pequeno escrito.

  • O terceiro captulo pode ser considerado como o resumo de O Livro dos Espritos. a soluo, pela Doutrina Esprita, de um certo nmero de problemas do mais alto interesse de ordem psicolgica, moral e filosfica, que so colocados diariamente, e aos quais nenhuma filosofia deu, ainda, solues satisfatrias. Que se procure resolv-los por outra teoria, e sem a chave que nos oferece o Espiritismo, e ver-se- que elas so as respostas mais lgicas e que melhor satisfazem razo.

    Este resumo no somente til para os iniciantes que podero nele, em pouco tempo e sem muito esforo, haurir as noes mais essenciais, mas tambm o para os adeptos aos quais ele fornece os meios para responder s primeiras objees que no deixam de lhe fazer, e, de outra parte, porque aqui encontraro reunidos, em um quadro restrito, e sob um mesmo exame, os princpios que eles no devem jamais perder de vista.

    Para responder, desde agora e sumariamente, questo formulada no ttulo deste opsculo, ns diremos que:

    O Espiritismo ao mesmo tempo uma cincia de observao e uma doutrina filosfica. Como cincia prtica, ele consiste nas relaes que se podem estabelecer com os Espritos; como filosofia, ele compreende todas as conseqncias morais que decorrem dessas relaes.

    Pode-se defini-lo assim:

    O Espiritismo uma cincia que trata da natureza, da origem e da destinao dos Espritos, e das suas relaes com o mundo corporal.

    Captulo I Pequena Conferncia

    Esprita

    Primeiro Dilogo - O Crtico

  • Visitante Eu vos direi, senhor, que minha razo se recusa a admitir a realidade dos fenmenos estranhos atribudos aos Espritos e que, disso estou persuadido, no existem seno na imaginao. Todavia, diante da evidncia, seria preciso se inclinar, e o que farei se eu puder ter provas incontestveis. Venho, pois, solicitar de vossa bondade a permisso para assistir somente a uma ou duas experincias, para no ser indiscreto, a fim de me convencer, se for possvel.

    Allan Kardec Desde o instante, senhor, que vossa razo se recusa a admitir o que ns consideramos fatos comprovados, que vs a credes superior de todas as pessoas que no compartilham de vossa opinio. Eu no duvido do vosso mrito e no teria a pretenso de colocar a minha inteligncia acima da vossa. Admiti, pois, que eu me engano, uma vez que a razo que vos fala, e que esteja dito tudo.

    Visitante Todavia, se vs chegsseis a me convencer, eu que sou conhecido como um antagonista das vossas idias, isso seria um milagre eminentemente favorvel vossa causa.

    A.K. Eu o lamento, senhor, mas no tenho o dom dos milagres. Pensais que uma ou duas sesses bastaro para vos convencer? Isso seria, com efeito, um verdadeiro prodgio. Foi-me necessrio mais de um ano de trabalho para eu mesmo estar convencido, o que vos prova que, se o sou, no o foi por leviandade. Alis, senhor, eu no dou sesses e parece que vos enganastes sobre o objetivo de nossas reunies, j que ns no fazemos experincias para satisfazer curiosidade de quem quer que seja.

    Visitante No desejais, pois, fazer proslitos?

    A.K. Por que eu desejaria fazer de vs um proslito se vs mesmo isso no o desejais? Eu no foro nenhuma convico. Quando encontro pessoas sinceramente desejosas de se instrurem e que me do a honra de solicitar-me esclarecimentos, para mim um prazer, e um dever, responder-lhes no limite dos meus conhecimentos. Quanto aos antagonistas que, como vs, tm convices firmadas, eu no fao uma tentativa para os desviar, j que encontro bastante pessoas bem dispostas, sem perder meu tempo com as que no o so. A convico vir, cedo ou tarde, pela fora das coisas, e os mais incrdulos sero arrastados pela torrente. Alguns partidrios a mais, ou a menos, no momento, no pesam na balana. Por isso, no vereis jamais zangar-me para conduzir s nossas idias aqueles que tm to boas razes como vs para delas se distanciarem.

  • Visitante Haveria, entretanto, no meu convencimento mais interesse do que vs o credes. Quereis me permitir explicar-me com franqueza e me prometer no vos ofender com minhas palavras? So minhas idias sobre o assunto e no sobre a pessoa qual me dirijo; posso respeitar a pessoa sem partilhar sua opinio.

    A.K. O Espiritismo me ensinou a dar pouco valor s mesquinhas suscetibilidades do amor prprio, e a no me ofender com palavras. Se vossas palavras sarem dos limites da urbanidade e das convenincias, concluirei, com isso, que sois um homem mal educado, eis tudo. Quanto a mim, prefiro deixar aos outros os erros, ao invs de os partilhar. Vedes, s por isso, que o Espiritismo serve para alguma coisa.

    Eu vos disse, senhor, no me empenho de nenhum modo em vos fazer partilhar minha opinio; respeito a vossa, se ela sincera, como desejo que se respeite a minha. Uma vez que tratais o Espiritismo como um sonho quimrico, vindo para mim, dizeis a vs mesmo: eu vou ver um louco. Confessai-o, francamente, isso no me melindrar. Todos os espritas so loucos, coisa convencionada. Pois bem, senhor, uma vez que olhais isso como uma doena mental, sentiria escrpulo em v-la comunicar, e eu me espanto que com um tal pensamento vs procureis adquirir uma convico que vos colocar entre os loucos. Se estais antecipadamente persuadido de no poder ser convencido, vossa tentativa intil, porque no tem por objetivo seno a curiosidade. Abreviemos, pois, eu vos rogo, porque eu no teria tempo a perder em conversas sem objetivo.

    Visitante Podemos nos enganar, iludir-nos, sem por isso ser louco.

    A.K. Falai claramente: dizeis, como tantos outros, que um capricho que tem seu tempo; mas convireis que um capricho que em alguns anos ganhou milhes de partidrios em todos os pases, que conta com sbios de todas as ordens, que se propaga de preferncia nas classes esclarecidas, uma singular mania que merece algum exame.

    Visitante Eu tenho minhas idias sobre esse assunto, verdade. Elas, porm, no so to absolutas que eu no consinta sacrific-las evidncia. Eu vos disse, pois, senhor, que tendes um certo interesse em me convencer. Eu vos confessarei que devo publicar um livro onde me proponho demonstrar ex-professo (sic) o que eu vejo como um erro, e como esse livro deve ter um grande alcance e atacar vivamente os Espritos, se eu chegar a ser convencido, no o publicarei.

  • A.K. Eu ficaria desolado, senhor, por vos privar do benefcio de um livro que deve ter um grande alcance. Eu no tenho, de resto, nenhum interesse em vos impedir de faz-lo, mas lhe desejo, ao contrrio, uma grande popularidade, j que isso nos servir de prospectos e de anncios. Quando uma coisa atacada, isso desperta a ateno; h muitas pessoas que querem ver os prs e os contras, e a crtica a faz conhecida daqueles mesmos que dela no sonhavam. assim que a publicidade, freqentemente, sem o querer, aproveita queles aos quais se quer prejudicar. A questo dos Espritos, alis, to palpitante de interesse e ela espicaa a curiosidade a um tal ponto, que basta mencion-la ateno para dar o desejo de aprofund-la. (1)

    (1) Depois deste dilogo, escrito em 1859, a experincia veio demonstrar largamente a justeza desta proposio.

    Visitante Ento, segundo vs, a crtica no serve para nada, a opinio pblica no conta para nada?

    A. K. Eu no considero a crtica como a expresso da opinio pblica, mas como uma opinio individual que pode se enganar. Lede a Histria e vereis quantas obras-primas foram criticadas quando apareceram, o que no as impediu de permanecerem obras-primas. Quando uma coisa m, todos os elogios possveis no a tornaro boa. Se o Espiritismo um erro, ele cair por si mesmo; se uma verdade, todas as diatribes no faro dele uma mentira. Vosso livro ser uma apreciao pessoal sob o vosso ponto de vista; a verdadeira opinio pblica julgar se correta. Por isso, querero ver e se, mais tarde, for reconhecido que vos enganastes, vosso livro ser ridculo como aquele que se publicou recentemente contra a teoria da circulao do sangue, da vacina, etc.

    Mas esqueci que vs deveis tratar a questo ex-professo, o que quer dizer que a haveis estudado sob todas as faces, que haveis visto tudo o que se poder ver, tudo o que se escreveu sobre a matria, analisado e comparado as diversas opinies; que vos encontrastes nas melhores condies para observar por vs mesmo; que vs lhe consagrastes vossas viglias, durante anos; em uma palavra, que no negligenciastes em nada para atingir a constatao da verdade. Eu devo crer que assim o , se sois um homem srio, porque s aquele que fez tudo isso, tem o direito de dizer que fala com conhecimento de causa.

    Que pensareis de um homem que se erigisse em censor de uma obra literria sem conhecer literatura? De um quadro sem ter estudado pintura? de uma lgica elementar que o crtico deva conhecer, no superficialmente, mas a fundo, aquilo de que fala, sem o que sua

  • opinio no tem valor. Para combater um clculo, preciso opor-lhe outro clculo mas, para isso, preciso saber calcular. O crtico no deve se limitar a dizer que tal coisa boa ou m; preciso que ele justifique sua opinio por uma demonstrao clara e categrica, baseada sobre os prprios princpios da arte ou da cincia. Como poder faz-lo se ignora esses princpios? Podereis apreciar as qualidades ou os defeitos de uma mquina se vs no conheceis a mecnica? No, pois bem! vosso julgamento sobre o Espiritismo, que no conheceis, no teria mais valor do que o que fareis sobre essa mquina. Sereis a cada instante preso em flagrante delito de ignorncia, porque aqueles que o estudaram, vero, conseqentemente, que estais fora da questo; de onde se concluir ou que no sois um homem srio ou que no sois de boa f; em um e outro caso vos exporeis a receber desmentidos pouco lisonjeiros para vosso amor-prprio.

    Visitante precisamente para evitar esse escolho que vim vos pedir permisso para assistir a algumas experincias.

    A.K. E pensais que isso vos bastaria para falar do Espiritismo ex-professo? Mas como podereis compreender essas experincias, e com mais forte razo julg-las, se no haveis estudado os princpios que lhes servem de base? Como podereis apreciar o resultado, satisfatrio ou no, de experincias metalrgicas, por exemplo, se no conheceis a fundo a metalurgia? Permiti-me dizer-vos, senhor, que vosso projeto absolutamente como se, no sabendo nem matemtica, nem astronomia, fosseis dizer a um desses senhores do Observatrio: Senhor, eu quero escrever um livro sobre astronomia, e alm disso provar que vosso sistema falso; mas como disso eu no sei nem a primeira palavra, deixai-me olhar uma ou duas vezes atravs de vossas lunetas. Isso me bastar para conhec-la tanto quanto vs.

    No seno por extenso que a palavra criticar sinnimo de censurar. Em seu significado prprio, e segundo sua etmologia, ela significa julgar, apreciar. A crtica pode, pois, ser aproveitada ou desaproveitada. Fazer crtica de um livro no necessariamente conden-lo. Aquele que empreende essa tarefa deve faz-la sem idias preconcebidas. Mas, se antes de abrir o livro j o condenou em seu pensamento, seu exame no pode ser imparcial.

    Tal o caso da maioria daqueles que tm falado do Espiritismo. Apenas sobre o nome formaram uma opinio e fizeram como um juiz que pronunciou uma sentena sem se dar ao trabalho de examinar o processo. Disso resultou que seu julgamento ficou sem razo e, ao invs de persuadir, provocou riso. Quanto queles que estudaram seriamente

  • a questo, a maioria mudou de opinio e mais de um adversrio dela tornou-se partidrio, quando viu que se tratava de coisa diversa daquela em que ele acreditava.

    Visitante Falais do exame dos livros em geral. Credes que seja materialmente possvel a um jornalista, ler e estudar todos os que lhe passam pelas mos, sobretudo quando se trata de teorias novas que lhe seria preciso aprofundar e verificar? Igualmente exigirias de um impressor que lesse todas as obras que saem das suas impressoras.

    A.K. A um raciocnio to judicioso eu no tenho nada a responder, seno que, quando no se tem tempo de fazer conscientemente uma coisa, no se deve envolver-se com ela, e que melhor no fazer seno uma coisa bem, do que fazer dez mal.

    Visitante No creais, senhor, que minha opinio esteja formada levianamente. Eu vi mesas girarem e baterem; pessoas que estavam supostamente escrevendo sob a influncia de Espritos; mas eu estou convencido de que havia charlatanismo.

    A.K. Quanto pagastes para ver isso?

    Visitante Nada, seguramente.

    A.K. Ento eis charlates de uma espcie singular, e que vo reabilitar a palavra. At o presente no se viu ainda charlates desinteressados. Se algum brincalho maldoso quis se divertir uma vez por acaso, segue-se que as outras pessoas sejam cmplices da fraude? Alis, com que objetivo se tornariam cmplices de uma mistificao? Para divertir a sociedade, direis. Eu aceito que uma vez algum se preste a um gracejo; mas quando um gracejo dura meses e anos, , eu creio, o mistificador que est mistificado. provvel que, pelo nico prazer de fazer crer em uma coisa que se sabe ser falsa, espera-se aborrecidamente horas inteiras sobre uma mesa? O prazer no valeria o trabalho.

    Antes de concluir pela fraude preciso primeiro se perguntar qual interesse se pode ter em enganar; ora, concordareis que h posies que excluem toda suspeita de fraude; pessoas das quais s o carter uma garantia de probidade.

    Outra coisa seria se se tratasse de uma especulao, porque a atrao do lucro uma pssima conselheira. Mas, admitindo-se mesmo que, neste ltimo caso, um fato de manobra fraudulenta seja positivamente constatado, isso no provaria nada contra a realidade do princpio, j

  • que se pode abusar de tudo. Do fato de que h pessoas que vendem vinhos adulterados, no se segue da que no haveria vinho puro. O Espiritismo no mais responsvel pelos que abusam desse nome e o exploram, do que a cincia mdica no o pelos charlates que vendem suas drogas, nem a religio pelos sacerdotes que abusam do seu ministrio.

    O Espiritismo, pela sua novidade e pela sua prpria natureza, devia prestar-se a abuso; mas ele d os meios de os reconhecer, definindo claramente seu verdadeiro carter e recusando qualquer solidariedade com aqueles que o exploram ou o desviam de seu objetivo exclusivamente moral para fazer dele um ofcio, um instrumento de adivinhao ou de procuras fteis.

    Desde que o prprio Espiritismo traa os limites nos quais ele se contm, precisa o que ele diz e o que no diz, o que ele pode e o que no pode, o que est ou no est em suas atribuies, o que ele aceita e o que repudia, o erro est naqueles que, no se dando ao trabalho de o estudar, julgam-no sobre as aparncias; que, porque encontram saltimbancos usando o nome de Espritas, para atrair os que passam, diro gravemente: Eis o que o Espiritismo. Sobre o que, em definitivo, recai o ridculo? No sobre o saltimbanco que faz o seu trabalho, nem sobre o Espiritismo cuja doutrina escrita desmente semelhantes assertivas, mas sobre os crticos convictos de falarem daquilo que no sabem, ou de alterarem conscientemente a verdade. Aqueles que atribuem ao Espiritismo o que est contra sua prpria essncia, o fazem, ou por ignorncia ou deliberadamente. No primeiro caso por leviandade, no segundo por m f. Neste ltimo caso, eles se assemelham a certos historiadores que alteram os fatos histricos no interesse de um partido ou de uma opinio. Um partido se desacredita sempre pelo emprego de semelhantes meios, e falta ao seu objetivo.

    Notai bem, senhor, que eu no pretendo que a crtica deva necessariamente aprovar nossas idias, mesmo depois de as ter estudado; no censuramos de modo algum aqueles que no pensam como ns. O que evidente para ns, pode no o ser para todo o mundo. Cada um julga as coisas pelo seu ponto de vista, e do fato mais positivo todo o mundo no tira as mesmas conseqncias. Se um pintor, por exemplo, coloca em seu quadro um cavalo branco, qualquer um poder dizer que esse cavalo faz um mau efeito e que um preto conviria melhor: mas seu erro ser dizer que o cavalo branco se ele preto. o que faz a maioria dos nossos adversrios.

  • Em resumo, senhor, cada um perfeitamente livre para aprovar ou criticar os princpios do Espiritismo, para deduzir deles tais conseqncias boas ou ms, como lhe agrade, mas a conscincia impe um dever a todo crtico srio de no dizer ao contrrio do que ; ora, por isso, a primeira condio de no falar daquilo que no se sabe.

    Visitante Retornemos, eu vos peo, s mesas moventes e falantes. No poderia ocorrer que elas estivessem preparadas?

    A.K. sempre a questo da boa f qual j respondi. Quando a fraude estiver provada eu v-la entrego; se vs assinalardes fatos confirmados de fraude, de charlatanismo, de explorao, ou de abuso de confiana, eu os entrego vossa fustigao, vos declarando de antemo que no lhes tomarei a defesa, porque, o Espiritismo srio o primeiro a repudi-los, e mencionar os abusos ajudar a preveni-los e prestar-lhe servio. Mas generalizar essas acusaes, derramar sobre uma massa de pessoas honradas a reprovao que merecem alguns indivduos isolados, um abuso de um outro gnero: o da calnia.

    Admitindo, como vs o dizeis, que as mesas estivessem preparadas, seria preciso um mecanismo bem engenhoso para fazer executar movimentos e rudos to variados. Como no se conhece, ainda, o nome do hbil fabricante que as confecciona? No entanto, ele deveria ter uma enorme celebridade, uma vez que seus aparelhos esto espalhados nas cinco partes do mundo. preciso convir, tambm, que seu procedimento bem sutil, uma vez que se pode adaptar primeira mesa encontrada, sem nenhum sinal exterior. Por que desde Tertuliano que, ele tambm, falou das mesas girantes e falantes, at o presente ningum pde ver o mecanismo, nem descrev-lo?

    Visitante Eis o que vos engana. Um clebre cirurgio reconheceu que certas pessoas podem, pela contrao de um msculo da perna, produzir um rudo parecido com o que vs atribus mesa, de onde ele concluiu que vossos mdiuns se divertem s custas da credulidade.

    A.K. Ento, se um estalido do msculo, no a mesa que est preparada. Uma vez que cada um explica essa pretendida fraude sua maneira, isso prova, a mais evidente, de que nem uns nem outros conhecem a verdadeira causa.

    Eu respeito a cincia desse sbio cirurgio, somente que surgem algumas dificuldades na aplicao dos fatos que ele assinala s mesas falantes. A primeira, que singular que essa faculdade, at o presente excepcional, e olhada como um caso patolgico, tenha de repente se

  • tornado to comum. A segunda, que preciso ter uma bem robusta vontade de mistificar para fazer estalar seu msculo durante duas ou trs horas seguidas, quando isso no produz nada alm da fadiga e da dor. A terceira que no entendo como esse msculo se corresponde com as portas e paredes nas quais as pancadas se fazem ouvir. A quarta, enfim, que preciso a esse msculo estalante uma propriedade bem maravilhosa, para fazer mover uma pesada mesa, levant-la, abri-la, fech-la, mant-la suspensa sem ponto de apoio e, finalmente, quebr-la na queda. No se desconfiava que esse msculo tivesse tanta virtude. (Revista Esprita, junho de 1859, pgina 141: O msculo estalador).

    O clebre cirurgio do qual falastes, estudou o fenmeno da tiptologia naqueles que o produzem? No; ele constatou um efeito fisiolgico anormal entre alguns indivduos que jamais se ocuparam com as mesas batedoras, tendo uma certa analogia com aquele que se produz nas mesas, e, sem um exame mais amplo, concluiu, com toda a autoridade da sua cincia, que todos aqueles que fazem as mesas falarem devem ter a propriedade de fazer estalar seu msculo curto peroneiro, e que no so seno enganadores, sejam eles prncipes ou operrios, faam-se pagar ou no. Ao menos estudou o fenmeno da tiptologia em todas as suas fases?

    Verificou se, com a ajuda desse estalido muscular, poder-se-ia produzir todos os efeitos tiptolgicos? Nada mais, sem isso estaria convencido da insuficincia do seu processo; o que no impediu de proclamar sua descoberta em pleno Instituto. No h aqui, para um sbio, um julgamento bem srio? O que restou dele hoje? Eu vos confesso que, se tivesse que sofrer uma interveno cirrgica, hesitaria muito em me confiar a esse profissional, porque temeria que ele no julgasse meu mal com mais perspiccia.

    Uma vez que esse julgamento de umas das autoridades sobre as quais pareceis dever vos apoiar para abrir uma brecha no Espiritismo, isso me tranqiliza completamente sobre a fora dos outros argumentos que apresentareis, se vs no os tomardes de fontes mais autnticas.

    Visitante Todavia, vedes que a moda das mesas girantes j passou; durante um tempo foi um furor, hoje, dela no se ocupam mais. Por que isso, se uma coisa sria?

    A.K. Porque das mesas girantes saiu uma coisa mais sria ainda; delas saiu toda uma cincia, toda uma doutrina filosfica, muito mais interessante para os homens que refletem. Quando estes no tinham mais nada para aprender vendo rodar uma mesa, dela no se ocuparam

  • mais. Para as pessoas fteis que no se aprofundam em nada, era um passatempo, um brinquedo e o tiveram bastante; essas pessoas no so consideradas em cincia. O perodo de curiosidade teve seu tempo: o da observao lhe sucedeu. O Espiritismo, ento, entrou para o domnio das pessoas srias, que no se divertem com ele, mas que se instruem. Tambm as pessoas que fazem dele uma coisa sria no se prestam para nenhuma experincia de curiosidade, e menos ainda para aqueles que nela viriam com pensamentos hostis. Como elas prprias no se divertem, no procuram divertir os outros; e eu sou desse nmero.

    Visitante No h, todavia, seno a experincia para convencer, mesmo no tendo, no incio, seno um objetivo de curiosidade. Se vs no operais seno em presena de pessoas convencidas, permiti-me dizer-vos que pregais aos convertidos.

    A.K. Uma coisa estar convencido, outra estar disposto a se convencer. a estes ltimos que eu me dirijo, e no queles que crem humilhar sua razo vindo escutar aquilo que chamam de fantasia. Com estes eu me preocupo o menos possvel. Quanto queles que dizem ter o desejo sincero de se esclarecer, a melhor maneira de o provar mostrando perseverana. Se os conhece por outros sinais alm do desejo de ver uma ou duas experincias: estes querem trabalhar seriamente.

    A convico no se forma seno com o tempo, por uma contnua observao feita com um cuidado particular. Os fenmenos espritas diferem essencialmente daqueles que se apresentam nas cincias exatas: eles no se produzem vontade. preciso compreend-los quando ocorrem. vendo-os muito e por longo tempo, que se descobre uma multido de provas que escapam ao primeiro olhar, sobretudo, quando no se est familiarizado com as condies nas quais eles podem se produzir, e ainda mais quando se leva um esprito de preveno. Para o observador assduo e refletido, as provas so bastante: para ele uma palavra, um fato aparentemente insignificante, pode ser um sinal de luz, uma confirmao. Para o observador superficial e de passagem, para o simples curioso, elas nada so. Eis porque eu no me presto para experincias sem resultado provvel.

    Visitante Mas, enfim, preciso um comeo para tudo. O iniciante, que uma tbula rasa, que no viu nada, mas que quer se esclarecer, como pode faz-lo se vs, para isso, no lhe dais os meios?

    A.K. Eu fao uma grande diferena entre o incrdulo por ignorncia e o incrdulo sistemtico. Quando vejo em algum disposies favorveis,

  • nada me custa esclarec-lo. Mas h pessoas em que o desejo de se instruir no seno uma aparncia: com estes perde-se tempo, porque se eles no encontram imediatamente o que tm o ar de procurar, e que talvez os descontentariam encontrar, o pouco que vem insuficiente para destruir suas prevenes. intil lhes fornecer oportunidade porque elas a julgam mal e a fazem objeto de zombaria.

    quele que deseja se instruir, direi: "No se pode fazer um curso de Espiritismo experimental como se faz um curso de fsica ou de qumica, j que no se jamais senhor para produzir os fenmenos vontade, e que as inteligncias que lhes so agentes, frustram freqentemente todas as nossas previses. O que vs podereis ver acidentalmente, no apresentando nenhuma continuidade, nenhuma ligao necessria, seria pouco inteligvel para vs. Instru-vos, primeiro, pela teoria; lede e meditai os livros que tratam dessa cincia; ali aprendereis seus princpios, encontrareis a descrio de todos os fenmenos, compreendereis sua possibilidade pela explicao que dada, e pela narrao de uma multido de fatos espontneos, dos quais podeis ter sido testemunhas sem o saber e que vos tornaro memria. Vs vos edificareis sobre todas as dificuldades que podem se apresentar e formareis, assim, uma primeira convico moral. Ento, quando se apresentarem as circunstncias de ver e de operar por vs mesmos, compreendereis, qualquer que seja a ordem pela qual os fatos se apresentem, porque nada vos ser estranho."

    Eis, senhor, o que aconselho a quem diz querer se instruir, e, pela sua resposta, fcil de se ver se tem outra coisa alm da curiosidade.

    Segundo Dilogo - O Cptico

    Visitante - Eu compreendo, senhor, a utilidade do estudo prvio do qual acabais de falar. Como predisposio pessoal, no sou nem pr nem contra o Espiritismo, mas o assunto, por si mesmo, excita ao mais alto grau meu interesse. No crculo dos meus conhecimentos se encontram partidrios, mas, tambm, adversrios; ouvi a esse respeito argumentos muito contraditrios. Eu me proporia submeter-vos algumas das objees que foram feitas em minha presena, e que me parecem ter um certo valor, pelo menos para mim, que confesso minha ignorncia.

    Allan Kardec Ser-me- um prazer, senhor, responder s questes que se queira me enderear, quando elas so feitas com sinceridade e sem preveno, sem me iludir, entretanto, de poder resolv-las todas. O

  • Espiritismo uma cincia que acaba de nascer e na qual h, ainda, muito a aprender. Seria, pois, muito presunoso pretendendo tirar todas as dificuldades: eu no posso dizer seno daquilo que sei.

    O Espiritismo toca em todos os ramos da filosofia, da metafsica, da psicologia e da moral. um campo imenso que no se pode percorrer em algumas horas. Ora, compreendeis, senhor, que me seria materialmente impossvel repetir de viva voz, e a cada um em particular, tudo o que escrevi sobre esse assunto para uso geral. Em uma sria leitura prvia, encontrar-se-, alis, a resposta maioria das perguntas que vm, naturalmente, ao pensamento. Ela tem a dupla vantagem de evitar as repeties inteis, e de provar um desejo srio de se instruir. Se depois disso, ainda restarem dvida ou pontos obscuros, a sua explicao torna-se mais fcil, porque se apia sobre alguma coisa e no se perde tempo em retornar sobre os princpios mais elementares. Se o permitirdes, ns nos limitaremos, pois, at nova ordem, a algumas questes gerais.

    Visitante Seja. Eu vos peo me chamar ordem se delas me afastar.

    Espiritismo e Espiritualismo

    Eu vos perguntaria, primeiro, que necessidade haveria de criar as palavras novas de esprita, Espiritismo para substituir as de Espiritualismo, espiritualista, que esto na linguagem popular e compreendidas por todo o mundo? J ouvi algum tratar essas palavras de barbarismos.

    A.K. A palavra espiritualista, desde muito tempo, tem uma significao bem definida; a Academia que no-la d: ESPIRITUALISTA aquele ou aquela cuja doutrina oposta ao materialismo. Todas as religies, necessariamente, esto baseadas no Espiritualismo. Quem cr haver em ns outra coisa alm da matria, espiritualista, o que no implica na crena nos Espritos e nas suas manifestaes. Como vs o distinguireis daquele que o cr? Precisar-se-ia, pois, empregar uma perfrase e dizer: um espiritualista que cr, ou no cr, nos Espritos. Para as coisas novas, preciso palavras novas, se se quer evitar equvocos. Se eu tivesse dado minha REVISTA a qualificao de Espiritualista, no lhe teria de, modo algum, especificado o objeto, porque, sem faltar ao meu ttulo, poderia no dizer uma palavra sobre os Espritos e mesmo combat-los. Eu li, h algum tempo em um jornal, a propsito de uma obra filosfica, um artigo onde se dizia que o autor o havia escrito sob o

  • ponto de vista espiritualista. Ora, os partidrios dos Espritos ficariam singularmente desapontados se, na confiana dessa indicao, tivessem acreditado nela encontrar a menor concordncia com suas idias. Portanto, se adotei as palavras Esprita e Espiritualismo, porque elas exprimem, sem equvoco, as idias relativas aos Espritos. Todo esprita , necessariamente, espiritualista, sem que todos os espiritualistas sejam espritas. Fossem os Espritos uma quimera e seria ainda til existirem termos especiais para aquilo que lhes concerne, porque so necessrias palavras para as idias falsas como para as idias verdadeiras.

    Essas palavras no so, alis, mais brbaras que todas aquelas que as cincias, as artes e a indstria criam cada dia. Elas no o so, seguramente, mais que as que Gall imaginou para sua nomenclatura das faculdades, tais como: secrtivit, amativit, combativit, alimentivit, affectionivit, etc. H pessoas que, por esprito de contradio, criticam tudo que no provm delas e desejam aparentar oposio; aqueles que levantam to miserveis contestaes capciosas, no provam seno uma coisa: a pequenez de suas idias. Prender-se a semelhantes bagatelas provar que se tem pouco de boas razes.

    Espiritualismo, espiritualista, so as palavras inglesas empregadas nos Estados Unidos desde o incio das manifestaes: delas se serviu, primeiro, por algum tempo, na Frana. Mas, desde que apareceram as palavras esprita e Espiritismo, compreendeu-se to bem sua utilidade, que foram imediatamente aceitas pelo pblico. Hoje o uso delas de tal modo consagrado, que os prprios adversrios, os que primeiro as apregoaram de barbarismo, no empregam outras. Os sermes e as pastorais que fulminam contra o Espiritismo e os espritas, no poderiam, sem confundir as idias, lanar antema sobre o Espiritualismo e os espiritualistas.

    Brbaras ou no, essas palavras doravante passaram para a linguagem popular e em todas as lnguas da Europa. S elas so empregadas em todas as publicaes, pr ou contra, feitas em todos os pases. Elas formaram o sustentculo da nomenclatura da nova cincia; para exprimir os fenmenos especiais dessa cincia, foram precisos termos especiais. O Espiritismo tem, de hoje em diante, sua nomenclatura, como a qumica tem a sua (1)

    (1) Essas palavras, alis, hoje tm direito de burguesia, pois esto no suplemento do Petit Dictionnaire des Dictionnaires Franais, extrado de Napolen Landais, obra que se tira em vinte mil exemplares. Nela se encontra a definio e a etimologia das palavras: erraticidade,

  • medianmico, mdium, mediunidade, perisprito, pneumatografia, pneumatofonia, psicogrfico, psicografia, psicofonia, reencarnao, sematologia, esprita, Espiritismo, estereorito, tiptologia. Elas se encontram igualmente, com todo o desenvolvimento que comportam, na nova edio do Dictionnaire Universel de Maurice Lachtre.

    As palavras Espiritualismo e espiritualista, aplicadas s manifestaes dos Espritos, no so mais empregadas hoje, seno pelos adeptos da escola dita americana.

    Dissidncias

    Visitante Essa diversidade na crena do que chamais uma cincia, me parece ser a sua condenao. Se essa cincia repousasse sobre fatos positivos, no deveria ser a mesma na Amrica como na Europa?

    A.K. A isso eu responderei primeiro que essa diferena est mais na forma que no fundo. Ela no consiste, na realidade, seno na maneira de encarar alguns pontos da doutrina, mas no constitui um antagonismo radical nos princpios, como afetam em dizer nossos adversrios, sem haverem estudado a questo.

    Mas, dizei-me qual a cincia que, em seu incio, no suscitou dissidncias at que seus princpios estivessem claramente estabelecidos? No existem dissidncias, ainda hoje, nas cincias melhor constitudas? Todos os sbios esto de acordo sobre o mesmo princpio? No tm eles seus sistemas particulares? As sesses do Instituto apresentam sempre o quadro de um entendimento perfeito e cordial? Em medicina no h a Escola de Paris e a de Montpellier? Cada descoberta, em uma cincia, no ocasio de um cisma entre os que querem avanar e os que querem manter-se atrs?

    No que concerne ao Espiritismo, no natural que, na apario dos primeiros fenmenos, quando se ignoravam as leis que os regiam, cada um tenha dado seu sistema particular e os examinado sua maneira? Em que se tornaram todos esses sistemas primitivos isolados? Eles ruram diante de uma observao mais completa dos fatos. Alguns anos bastaram para estabelecer a unidade grandiosa que prevalece hoje na doutrina e que rene a imensa maioria dos adeptos, salvo algumas individualidades que, aqui como em todas as coisas, se agarram s idias primitivas e morrem com elas. Qual a cincia, qual a doutrina filosfica ou religiosa que oferece um semelhante exemplo? O

  • Espiritismo jamais apresentou a centsima parte das divises que afligiram a Igreja durante vrios sculos, e que a dividem ainda hoje.

    verdadeiramente curioso ver as puerilidades s quais se fixam os adversrios do Espiritismo; isso no indica a falta de razes srias? Se as tivessem, eles no deixariam de as apresentar. Que lhe opem? Zombarias, negaes, calnias, mas, argumentos peremptrios, nenhum. A prova de que no encontraram um lado vulnervel que nada detm sua marcha ascendente, e que depois de dez anos ele conta mais adeptos do que jamais o contou nenhuma seita depois de um sculo. Esse um fato tirado da experincia e reconhecido pelos prprios adversrios. Para o arruinar, no basta dizer: isto no existe, isso um absurdo. Precisar-se-ia provar categoricamente que os fenmenos no existem e no podem existir. E isso o que ningum fez.

    Fenmenos espritas simulados

    Visitante No se provou que fora do Espiritismo poder-se-ia produzir esses mesmos fenmenos? Pode-se concluir, da, que eles no tm a origem que lhe atribuem os espritas.

    A.K. Do fato de se poder imitar uma coisa, no se segue que ela no existe. Que direis da lgica daquele que pretendesse que, porque se faz vinho da Champagne com gua de Seltz, todo o vinho de Champagne no seno de gua de Seltz? privilgio de todas as coisas que tm ressonncias, produzir falsificaes. Os prestidigitadores pensaram que o nome do Espiritismo, devido sua popularidade e as controvrsias das quais era objeto, poderia ser bom para explorar, e, para atrair a multido, simularam mais ou menos grosseiramente, alguns fenmenos medinicos, como recentemente simularam a clarividncia sonamblica, e todos os escarnecedores, aplaudindo, exclamaram: eis o que o Espiritismo! Quando a engenhosa produo dos espectros apareceu em cena, no proclamaram por toda parte que era seu golpe de misericrdia? Antes de pronunciarem uma sentena to positiva, deveriam refletir que as assertivas de um escamoteador no so palavras do Evangelho, e se assegurarem de que haveria identidade real entre a imitao e a coisa imitada. Ningum compra um brilhante sem antes se assegurar de que no uma imitao. Um estudo no muito srio os teria convencido de que os fenmenos espritas se apresentam em outras condies e teriam sabido, alm disso, que os espritas no se ocupam nem em fazer aparecer espectros, nem em adivinhaes.

  • S a malevolncia e uma notvel m f puderam assemelhar o Espiritismo magia e feitiaria, uma vez que ele repudia o objetivo, as prticas, frmulas e as palavras msticas. H mesmo os que no temem comparar as reunies espritas s assemblias do sabbat, onde se espera a hora fatal de meia-noite para fazer aparecerem os fantasmas.

    Um esprita, meu amigo, encontrava-se um dia em uma representao de Macbeth, ao lado de um jornalista que no conhecia. Quando chegou a cena das feiticeiras, ele ouviu este ltimo dizer ao seu vizinho: "Olha! vamos assistir a uma sesso de Espiritismo. justamente isso o que preciso para meu prximo artigo. Eu vou saber como as coisas se passam. Se houvesse aqui um desses loucos eu lhe perguntaria se ele se reconhece nesse quadro." - "Eu sou um desses loucos, disse-lhe o esprita, e posso vos certificar que no me reconheo inteiramente, porque embora j tenha assistido a centenas de reunies espritas, jamais vi nelas nada semelhante. Se aqui onde vindes haurir informaes para vosso artigo, ele no se distinguir pela verdade."

    Muitos crticos no tm base mais sria. Sobre quem cai o ridculo seno sobre aqueles que se adiantam estouvadamente? Quanto ao Espiritismo, seu crdito, longe de sofrer com isso, tem aumentado pela ressonncia que todas essas manobras lhe deram, chamando a ateno de uma multido de pessoas que dele no haviam ouvido falar, provocando seu exame e aumentando o nmero de adeptos, porque se reconheceu que ao invs de uma brincadeira, ele era uma coisa sria.

    Pequena Conferncia Esprita

    Impotncia dos detratores

    Visitante Eu concordo que entre os detratores do Espiritismo h pessoas inconseqentes, como esta de que acabais de falar; mas, ao lado destas, no h homens de um valor real e cuja opinio de um certo peso?

    A.K. Eu no o contesto de modo algum. A isso respondo que o Espiritismo conta tambm em suas fileiras com um bom nmero de

  • homens de um valor no menos real. Eu digo mais: que a imensa maioria dos espritas se compem de homens inteligentes e estudiosos. S a m f poder dizer que eles so recrutados entre os incautos e os ignorantes.

    Um fato peremptrio responde, alis, a esta objeo: que malgrado seu saber ou sua posio oficial, ningum conseguiu deter a marcha do Espiritismo. Todavia, no h entre eles um s, desde o mais medocre folhetinista, que no esteja se vangloriando de lhe vibrar o golpe mortal. Todos, sem exceo, ajudaram, sem o querer, a vulgariz-lo. Uma idia que resiste a tantos esforos, que avana sem tropeo atravs da fria dos golpes que lhe do, no prova sua fora e a profundidade de suas razes? Esse fenmeno no merece ateno dos pensadores srios? Outros tambm se dizem hoje que ele deve ter alguma coisa, que pode ser um desses grandes e irresistveis movimentos, que, de tempos em tempos, comovem as sociedades para transform-las.

    Assim o foi sempre com todas as idias novas chamadas a revolucionarem o mundo. Elas encontram obstculos, porque tm que lutar contra os interesses, os preconceitos, os abusos que elas vm derrubar. Mas como esto nos desgnios de Deus, para cumprir a lei do progresso da Humanidade, quando a hora chegada, nada saberia det-las. a prova de que elas so a expresso da verdade.

    Essa impotncia dos adversrios do Espiritismo prova, primeiro, como eu o disse, a ausncia de boas razes, uma vez que aqueles que se lhe opem no convencem; ela, porm, se prende a uma outra causa que frustra todas as suas combinaes. Espantam-se com o seu progresso, malgrado tudo o que fazem para det-lo; ningum lhe encontra a causa, porque a procuram onde ela no est. Uns a vem na fora do diabo, que se mostraria assim mais forte que eles, e mesmo que Deus, outros, no desenvolvimento da loucura humana. O erro de todos crer que a fonte do Espiritismo nica, e que repousa sobre a opinio de um homem; da a idia de que arruinando a opinio desse homem, arruinaro o Espiritismo. Eles procuram essa fonte sobre a Terra, enquanto ela est no espao; ela no est num lugar determinado, est por toda parte, porque os Espritos se manifestam por toda parte, em todos os pases, no palcio como na choupana. A verdadeira causa est, pois, na prpria natureza do Espiritismo que no recebe seu impulso de uma pessoa s, mas que permite a cada um receber diretamente comunicaes dos Espritos e se assegurar assim da realidade dos fatos. Como persuadir a milhes de indivduos que tudo isso no seno malabarismo, charlatanismo, destreza, quando so eles mesmos que obtm esses resultados sem o concurso de ningum? Se lhes far crer

  • que so seus prprios companheiros que fazem charlatanismo e escamoteao s para eles?

    Essa universalidade das manifestaes dos Espritos que vm a todos os pontos do globo, vem dar um desmentido aos detratores e confirmar os princpios da doutrina; uma fora que no pode ser compreendida por aqueles que no conhecem o mundo invisvel, da mesma forma que aqueles que no conhecem a lei da eletricidade no podem compreender a rapidez da transmisso de um telegrama. contra essa fora que vm se quebrar todas as negaes, porque como se se dissesse s pessoas que recebem os raios do sol, que o sol no existe.

    Abstrao feita das qualidades da doutrina, que satisfaz mais do que aquelas que se lhe opem, a est a causa dos fracassos daqueles que tentam deter-lhe a marcha. Para terem sucesso seria preciso que encontrassem um meio de impedir os Espritos de se manifestarem. Eis porque os espritas tomam to pouco cuidado com as suas manobras; eles tm a experincia e a autoridade dos fatos.

    O maravilhoso e o sobrenatural

    Visitante O Espiritismo, evidentemente, tende a reviver as crenas fundadas sobre o maravilhoso e o sobrenatural. Ora, no nosso sculo de positivismo, isso me parece difcil, porque recomendar supersties e erros populares j julgados pela razo.

    A.K. Uma idia no supersticiosa seno porque ela falsa; ela cessa de s-lo desde o momento em que reconhecida verdadeira. A questo, pois, saber se h, ou no, manifestaes de Espritos. Ora, vs no podeis taxar a coisa de supersticiosa visto que no haveis provado que ela no existe. Direis: minha razo as recusa; mas todos aqueles que nelas crem, e que no so tolos, invocam tambm sua razo, e mais, invocam os fatos. Qual das duas razes deve prevalecer? O grande juiz, aqui, o futuro, como o foi em todas as questes cientficas e industriais taxadas de absurdas e impossveis em sua origem. Vs julgais a priori segundo vossa opinio. Ns no julgamos seno depois de ter visto e observado durante muito tempo. Acrescentamos que o Espiritismo esclarecido, como o hoje, tende, ao contrrio, a destruir as idias supersticiosas porque ele mostra aquilo que h de verdadeiro e de falso nas crenas populares, e tudo aquilo que a ignorncia e os preconceitos nela introduziram de absurdo.

  • Eu vou mais longe e digo que precisamente o positivismo do sculo que faz aceitar o Espiritismo e a ele que deve sua rpida propagao, e no, como alguns o pretendem, a uma recrudescncia do amor ao maravilhoso e ao sobrenatural. O sobrenatural desaparece diante da luz da cincia, da filosofia e da razo, como os deuses do paganismo desapareceram diante da luz do Cristianismo.

    O sobrenatural o que est fora das leis da Natureza. O positivismo no admite nada fora dessas leis; mas as conhece todas? Em todos os tempos, os fenmenos cuja causa era desconhecida foram reputados sobrenaturais; cada nova lei descoberta pela Cincia recuou os limites do sobrenatural. Pois bem! o Espiritismo vem revelar uma lei segundo a qual a conversao com o Esprito de um morto repousa sobre uma lei to natural como aquela que permite eletricidade estabelecer contacto entre dois indivduos a quinhentas lguas de distncia; e assim todos os outros fenmenos espritas. O Espiritismo repudia, no que lhe concerne, todo efeito maravilhoso, quer dizer, fora das leis da Natureza. Ele no faz nem milagres, nem prodgios, mas explica, em virtude de uma lei, certos efeitos reputados at hoje como milagres e prodgios, e por isso mesmo demonstra sua possibilidade. Amplia assim o domnio da Cincia, e nisso que ele prprio uma cincia. Mas a descoberta dessa nova lei, ocasionando conseqncias morais, a codificao dessas conseqncias fez dele uma doutrina filosfica.

    Neste ltimo ponto de vista ele responde s aspiraes do homem, no que diz respeito ao futuro, sobre bases positivas e racionais e por isso que ele convm ao Esprito positivista do sculo. o que vs compreendereis quando vos derdes ao trabalho de estud-lo. (O Livro dos Mdiuns, cap. II - Revista Esprita, dezembro de 1861, pgina 393, e janeiro de 1862, pgina 21 Veja-se tambm, adiante, o cap. II).

    Oposio da Cincia

    Visitante Vs dizeis que vos apoiais sobre fatos; mas se vos ope a opinio dos sbios que os contestam ou que os explicam de maneira diversa da vossa. Por que eles no encamparam o fenmeno das mesas girantes? Se eles tivessem visto nelas alguma coisa de srio, no teriam, me parece, negligenciado de fatos to extraordinrios, e ainda menos de os repelir com desdm, ao passo que eles esto todos contra vs. Os sbios no so o farol das naes e seu dever no de espalhar a luz? Por que querereis que eles a tivessem abafado, quando se lhes apresentava uma to bela ocasio de revelar ao mundo uma fora nova?

  • A.K. Acabais de traar o dever dos sbios de um modo admirvel; pena que o tenham olvidado em mais de uma circunstncia. Mas antes de responder a esta judiciosa observao, eu devo revelar um erro grave que vs haveis cometido, dizendo que todos os sbios esto contra ns. Como j disse, precisamente na classe esclarecida que o Espiritismo faz mais proslitos, e isso em todos os pases do mundo. Eles se contam, em grande nmero, entre os mdicos de todas as naes, e so homens de Cincia. Os magistrados, os professores, os artistas, os homens de letras, os oficiais, os altos funcionrios, os grandes dignitrios, os eclesisticos, etc., que se alinham sob sua bandeira, todos so pessoas s quais no se pode recusar uma certa dose de luz. No h sbios seno na cincia oficial e nos corpos constitudos?

    Do fato de o Espiritismo no ter ainda direito de cidadania na cincia oficial motivo para conden-lo? Se a Cincia no tivesse jamais se enganado, aqui sua opinio poderia pesar na balana; infelizmente, a experincia prova o contrrio. No foram rejeitadas como quimeras uma multido de descobertas que, mais tarde, ilustraram a memria de seus autores? No foi a um relatrio de nosso primeiro corpo de sbios que deve a Frana ter sido privada da iniciativa do vapor? Quando Fulton veio ao campo de Bolonha apresentar seu sistema a Napoleo I, que o recomendou ao exame imediato do Instituto, este no concluiu que esse sistema era um sonho impraticvel e no tinham tempo para com ele se ocupar? preciso concluir que os membros do Instituto so ignorantes? Isso justifica os eptetos triviais, e de mau gosto, que certas pessoas se comprazem em lhes prodigalizar? Seguramente que no; no h pessoa sensata que no renda justia ao seu eminente saber, embora reconhecendo que eles no so infalveis e que, assim, seu julgamento no o de ltima instncia, sobretudo em fatos de idias novas.

    Visitante Eu admito perfeitamente que eles no so infalveis; mas no menos verdadeiro que, em razo do seu saber, sua opinio tem algum valor, e se os tivsseis convosco isso daria um grande peso ao vosso sistema.

    A.K. Vs admitis tambm que cada um no bom juiz seno naquilo que da sua competncia. Se quereis construir uma casa, procurais um msico? Se estivsseis doente, vos fareis cuidar por um arquiteto? Se tivsseis um processo, procurareis a opinio de um danarino? Enfim, se se trata de uma questo de teologia, a fareis resolver por um qumico ou um astrnomo? No; cada um em seu trabalho. As cincias vulgares repousam sobre as propriedades da matria que se pode manipular vontade, e os fenmenos que ela produz tm por agentes as foras

  • materiais. Os do Espiritismo tm por agentes inteligncias independentes, que tm seu livre arbtrio e no esto submetidas aos nossos caprichos. Eles escapam, assim, aos nossos procedimentos de laboratrio e aos nossos clculos e, desde ento, no so mais da alada da Cincia propriamente dita.

    A cincia, pois, enganou-se quando quis experimentar os Espritos como uma pilha voltaica; ela fracassou, e assim deveria s-lo porque usou uma analogia que no existe. Depois, sem ir mais longe, ela concluiu pela negativa. Julgamento temerrio que o tempo se encarrega, todos os dias, de reformar, como reformou muitos outros, e aqueles que o tiverem pronunciado, passaro pela vergonha de se inscreverem, muito levianamente, por falsearem contra o poder infinito do Criador.

    As corporaes cientficas no tm, e no tero jamais, que se pronunciar sobre a questo; ela no mais da sua alada que a de decretar se Deus existe, ou no. Portanto, um erro fazer delas juzes. O Espiritismo uma questo de crena pessoal que no pode depender do voto de uma assemblia, porque esse voto, mesmo favorvel, no pode forar as convices. Quando a opinio pblica estiver formada a esse respeito, os sbios, como indivduos, a aceitaro, e suportaro a fora das coisas. Deixai passar uma gerao e, com ela, os preconceitos do amor-prprio em que se obstina, e vereis que ocorrer com o Espiritismo como ocorreu com tantas outras verdades antes combatidas, e que agora seria ridculo p-las em dvidas. Hoje so aos crentes que se chama de loucos; amanh sero todos os que no creiam; da mesma forma como se chamou de loucos outrora, aqueles que criam que a Terra girava.

    Mas todos os sbios no julgaram da mesma forma, e por sbios eu entendo os homens de estudo e de cincia, com ou sem ttulo oficial. Muitos fizeram o seguinte raciocnio:

    "No h efeito sem causa, e os mais vulgares efeitos podem conduzir ao caminho dos maiores problemas. Se Newton tivesse desprezado a queda de uma ma; se Galvani tivesse menosprezado sua criada, tratando-a de louca e visionria quando ela lhe falou das rs que danavam no prato, talvez estivessem ainda por serem descobertas a admirvel lei da gravitao universal e as fecundas propriedades da pilha. O fenmeno que se designa sob o nome burlesco de dana das mesas, no mais ridculo que o da dana das rs, e talvez encerre, tambm, um desses segredos que revolucionam a Humanidade quando se tem sua chave".

  • Disseram ainda, por outro lado: "Uma vez que tantas pessoas deles se ocupam, uma vez que homens srios deles fizeram um estudo, preciso que haja a alguma coisa. Uma iluso, se se quer, no pode ter carter de generalidade. Ela pode seduzir um crculo, uma comunidade, mas no o mundo todo. Guardemo-nos, pois, de negar a possibilidade do que no compreendemos sob pena de receber, cedo ou tarde, um desmentido que no far o elogio da nossa perspiccia."

    Visitante Muito bem, eis um sbio que raciocina com sabedoria e prudncia e, sem ser sbio, penso como ele. Mas anotai que no afirma nada: ele duvida. Ora, sobre o que basear a crena na existncia dos Espritos e, sobretudo, na possibilidade de comunicao com eles?

    A.K. Essa crena se apia sobre o raciocnio e sobre os fatos. Eu mesmo no a adotei seno depois de um maduro exame. Tendo adquirido, nos estudos das cincias exatas, o hbito das coisas positivas, eu sondei, perscrutei essa nova cincia em seus detalhes mais ocultos. Eu quis conhecer tudo, porque no aceito uma idia seno quando lhe conheo o porqu e o como. Eis o raciocnio que me fez um sbio mdico, outrora incrdulo, e hoje adepto fervoroso:

    "Diz-se que os seres invisveis se comunicam; e por que no? Antes da inveno do microscpio, supunha-se a existncia desses bilhes de animlculos que causam tantos prejuzos na economia? Onde est a impossibilidade material de que haja no espao seres que escapam aos nossos sentidos? Teramos por acaso a ridcula pretenso de tudo saber e de dizer a Deus que ele nada mais nos pode ensinar? Se esses seres invisveis que nos cercam so inteligentes, por que no se comunicariam conosco? Se eles esto em relao com os homens, devem desempenhar um papel na vida, nos acontecimentos. Quem sabe? pode ser uma das foras da Natureza, uma dessas foras ocultas que no supnhamos existir. Que novo horizonte isso abriria ao pensamento! Que vasto campo de observao! A descoberta do mundo dos seres invisveis seria diversa da dos infinitamente pequenos; isso seria mais que uma descoberta, seria uma revoluo nas idias. Que luz pode dela jorrar! quantas coisas misteriosas seriam explicadas! Aqueles que crem nisso, so ridicularizados; mas o que isso prova? No ocorreu o mesmo com todas as grandes descobertas? Cristvo Colombo no foi repelido, coberto de desgostos e tratado como insensato? Essas idias, diz-se, so to estranhas que nelas no se pode crer. Mas, quele que tivesse dito, h somente meio sculo, que em alguns minutos poder-se-ia corresponder de uma parte outra do mundo; que em algumas horas, atravessar-se-ia a Frana; que com o vapor de um pouco de gua fervente um navio avanaria contra o vento; que se tiraria da gua os

  • meios de se iluminar e aquecer; que tivesse proposto iluminar toda Paris em um instante com um s reservatrio de uma substncia invisvel, teria sido caoado. , pois, uma coisa mais prodigiosa que o espao seja povoado por seres pensantes que, depois de terem vivido sobre a Terra, deixaram seus envoltrios materiais? No se encontra nesse fato a explicao de uma multido de crenas que remontam mais alta antigidade? Semelhantes coisas bem que valem a pena serem aprofundadas."

    Eis as reflexes de um sbio, mas de um sbio sem pretenso, e que tambm o so de uma multido de homens esclarecidos que viram, no superficialmente e com preveno, e estudaram seriamente sem tomarem partido, mas que tiveram a modstia de no dizer: eu no compreendo, portanto, isso no verdade. Sua convico formou-se pela observao e pelo raciocnio. Se essas idias fossem quimricas, pensais que todos esses homens de elite as teriam adotado? que tivessem estado muito tempo vtima de uma iluso?

    No h, pois, impossibilidade material existncia de seres invisveis para ns e povoando o espao, e s essa considerao deveria levar a uma maior circunspeco. H pouco tempo, quem poderia pensar que uma gota de gua lmpida poderia encerrar milhares de seres de uma pequenez que confunde nossa imaginao? Ora, eu digo que era mais difcil razo conceber seres de uma tal pequenez, providos de todos os nossos rgos e funcionando como ns, que admitir aqueles que ns nomeamos Espritos.

    Visitante Sem dvida; mas do fato de uma coisa ser possvel, no se segue que ela exista.

    A.K. De acordo; mas convireis que j uma grande coisa desde que ela no impossvel, porque no tem nada que repugne razo. Resta, pois, constat-la pela observao dos fatos. Essa observao no nova: a Histria, tanto sacra como profana, prova a antigidade e a universalidade dessa crena, que se perpetuou atravs de todas as vicissitudes do mundo, e se encontra entre os povos mais selvagens, no estado de idias inatas e intuitivas, gravadas no pensamento, como a do Ser Supremo e da existncia futura. O Espiritismo, portanto, no criao moderna, muito longe disso; tudo prova que os antigos o conheciam to bem e talvez melhor que ns. Somente ele no foi ensinado seno com precaues misteriosas que o tornaram inacessvel ao vulgo, deixado propositadamente na difcil situao supersticiosa.

  • Quanto aos fatos, eles so de duas naturezas: espontneos e provocados. Entre os primeiros, preciso situar as vises e aparies, que so muito freqentes; os rudos, barulhos e movimentao de objetos sem causa material, e uma multido de efeitos inslitos que se considerava como sobrenaturais, e que, hoje, nos parecem muito simples, porque, para ns, no h nada de sobrenatural uma vez que tudo se esconde nas leis imutveis da Natureza. Os fatos provocados so aqueles que se obtm por intermdio dos mdiuns.

    Falsas explicaes dos fenmenos

    Alucinao Fluido magntico Reflexo do pensamento Superexcitao cerebral Estado sonamblico dos mdiuns.

    Visitante contra os fenmenos provocados que se exerce, sobretudo, a crtica. Coloquemos de lado toda suposio de charlatanismo, e admitamos uma inteira boa-f; no se poderia pensar que eles prprios so joguetes de uma alucinao?

    A.K. No do meu conhecimento que se tenha, ainda, explicado claramente o mecanismo da alucinao. Tal como entendida, , todavia, um efeito muito singular e digno de estudo. Como, pois, aqueles que, atravs dela, pretendem explicar os fenmenos espritas no podem explicitar sua explicao? Alis, h fatos que escapam a essa hiptese: quando uma mesa, ou um outro objeto, se move, se eleva ou bate; quando ela passeia vontade num quarto sem o contacto de algum; quando ela se desprende do solo e se sustm no espao, sem ponto de apoio; enfim, quando ela se quebra caindo, certamente isso no uma alucinao. Supondo-se que o mdium, por um efeito de sua imaginao, creia ver o que no existe, provvel que todo um grupo esteja tomado da mesma vertigem? que se repita por todos os lados, em todos os pases? A alucinao, nesse caso, seria mais prodigiosa que o fato.

    Visitante Admitindo-se a realidade do fenmeno das mesas girantes e batedoras, no mais racional atribu-lo ao de um fluido qualquer, o fluido magntico por exemplo?

    A.K. Tal foi o primeiro pensamento e eu o tive como tantos outros. Se os efeitos tivessem se limitado aos efeitos materiais, ningum duvida que poder-se-ia explicar assim. Mas quando esses movimentos e golpes deram provas de inteligncia, quando se reconheceu que respondiam ao

  • pensamento com inteira liberdade, tirou-se esta conseqncia: se todo efeito tem causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. isso o efeito de um fluido, a menos que se diga que esse fluido inteligente? Quando vedes o manipulador do telgrafo fazer os sinais que transmitem o pensamento, sabeis bem que no so esses braos de madeira ou de ferro que so inteligentes, mas dizeis que uma inteligncia os faz mover. Ocorre o mesmo com a mesa. H, sim ou no, efeitos inteligentes? Esta a questo. Aqueles que a contestam, so pessoas que no puderam ver tudo e se apressam em concluir segundo suas prprias idias e sobre uma observao superficial.

    Visitante A isso responde-se que se h um efeito inteligente ele no outra coisa seno a prpria inteligncia, seja do mdium, seja do interrogante, seja dos assistentes; porque, diz-se, a resposta est sempre no pensamento de algum.

    A.K. Isso ainda um erro, conseqente de uma falsa observao. Se aqueles que assim pensam tivessem se dado ao trabalho de estudar o fenmeno em todas as suas fases, teriam, a cada passo, reconhecido a independncia absoluta da inteligncia que se manifesta. Como essa tese poderia se conciliar com respostas que esto fora da capacidade intelectual e de instruo do mdium? que contradizem suas idias, seus desejos, suas opinies, ou que confundem completamente as previses dos assistentes? de mdiuns que escrevem em um idioma que no conhecem, ou em seu prprio idioma, quando eles no sabem nem ler nem escrever? Essa opinio, primeira vista, no tem nada de irracional, eu convenho, porm, ela desmentida pelos fatos de tal modo numerosos e concludentes, dos quais no mais possvel duvidar.

    De resto, admitindo-se mesmo essa teoria, o fenmeno, longe de ser simplificado, seria bem mais prodigioso. Ora, o pensamento se refletiria sobre uma superfcie como a luz, o som e o calor? Na verdade, haveria nisso motivo para exercer a sagacidade da cincia. Alis, o que se adicionaria ainda ao maravilhoso, que, sobre vinte pessoas reunidas, seria precisamente o pensamento de tal ou tal que seria refletido, e no o pensamento de tal outra. Um semelhante sistema insustentvel. verdadeiramente curioso ver os contraditores se esforarem em procurar causas cem vezes mais extraordinrias e difceis de compreender do que as que se lhes fornece.

    Visitante No se poderia admitir, segundo a opinio de alguns, que o mdium est em um estado de crise e goze de uma lucidez que lhe d uma percepo sonamblica, uma espcie de dupla vista, o que explicaria a extenso momentnea das faculdades intelectuais? Por que,

  • diz-se, as comunicaes obtidas pelo mdium no ultrapassam a importncia daqueles que se obtm pelos sonmbulos?

    A.K. isso, ainda, um desses sistemas que no suporta um exame aprofundado. O mdium no est em crise, nem em sono, mas perfeitamente desperto, agindo e pensando como todo o mundo, sem nada ter de extraordinrio. Certos efeitos particulares puderam dar lugar a esse equvoco. Mas, qualquer um que no se limite a julgar as coisas por um nico aspecto, reconhecer, sem esforo, que o mdium dotado de uma faculdade particular que no permite confundi-lo com o sonmbulo, e a completa independncia do seu pensamento provada por fatos da mxima evidncia. Abstrao feita das comunicaes escritas, qual o sonmbulo que fez brotar um pensamento de um corpo inerte? que produziu aparies visveis e mesmo tangveis? que pode manter um corpo pesado no espao sem ponto de apoio? Foi por um efeito sonamblico que um mdium desenhou, um dia, para mim, em presena de vinte testemunhas, o retrato de uma jovem que morreu dezoito meses antes e que jamais havia conhecido, retrato reconhecido pelo pai presente sesso? por um efeito sonamblico que uma mesa responde com preciso s questes propostas, mesmo mentalmente? Seguramente, se se admite que o mdium esteja em um estado magntico, me parece difcil crer-se que a mesa seja sonmbula.

    Diz-se, ainda, que os mdiuns no falam claramente seno de coisas conhecidas. Como explicar o fato seguinte e cem outros do mesmo gnero? Um de meus amigos, muito bom mdium escrevente, perguntou a um Esprito se uma pessoa, que ele havia perdido de vista h quinze anos, estava ainda neste mundo. "Sim, ela vive ainda, respondeu-lhe; ela mora em Paris, rua tal, nmero tal." Ele vai e encontra a pessoa no endereo indicado. isso iluso? Seu pensamento poderia tanto menos sugerir-lhe essa resposta pois, em razo da idade da pessoa, havia toda possibilidade de que ela no existisse mais. Se, em certos casos, viram-se respostas concordarem com o pensamento, racional concluir da que isso seja uma lei geral? Nisso, como em todas as coisas, os julgamentos precipitados so sempre perigosos, porque podem estar enfraquecidos pela no observao dos fatos.

    Os incrdulos no podem ver para se convencerem

    Visitante So os fatos positivos que os incrdulos querem ver, que eles pedem e, na maioria das vezes, no se pode lhes fornecer. Se todo

  • mundo pudesse testemunhar esses fatos, a dvida no seria mais permitida. Como ocorre, pois, que tanta gente nada tenha podido ver, malgrado sua boa vontade? Se os contesta dizendo faltar-lhes f, a isso respondem, com razo, que no podem ter uma f antecipada, e que se quer que eles creiam preciso dar-lhes os meios de crerem.

    A.K. A razo bem simples. Eles querem os fatos sob seu comando e os Espritos no obedecem a ele; preciso esperar sua boa vontade. No basta, pois, dizer: mostre-me tal fato e eu crerei; preciso ter vontade e perseverana, deixar os fatos se produzirem espontaneamente, sem pretender for-los ou dirigi-los. Aquele que desejais, talvez seja precisamente o que no obtereis; mas se apresentaro outros, e aquele que quereis vir no momento em que menos esperais. Aos olhos do observador atento e assduo, os fatos se somam e se corroboram uns aos outros, mas aquele que cr bastar virar uma manivela para mover a mquina, se engana extraordinariamente. Que faz o naturalista que quer estudar os costumes de um animal? Leva-o a fazer tal ou tal coisa para ter todo o tempo de observao sua vontade? No, porque sabe bem que no ser obedecido; ele espreita as manifestaes espontneas do seu instinto; espera-as e as apreende quando ocorrem. O simples bom-senso mostra que, por mais forte razo, deve ocorrer o mesmo com os Espritos, que so inteligncias com independncia bem diversa da dos animais.

    um erro crer que a f seja necessria; mas a boa f outra coisa. Ora, h cpticos que negam at a evidncia, e que os prodgios no poderiam convencer. Quantos h que, depois de terem visto, no persistem menos em explicar os fatos sua maneira, dizendo que isso no prova nada! Essas pessoas no servem seno para levar a perturbao s reunies, sem proveito para elas mesmas; por isso que as repelimos e no queremos perder tempo com elas. Ocorre mesmo que ficariam bem irritadas de serem foradas a crer, porque seu amor prprio sofreria em concordar que estavam enganadas. Que responder a essas pessoas que no vem por toda parte seno a iluso e o charlatanismo? Nada; preciso deix-las tranqilas e dizer, tanto como querem, que elas nada viram, e mesmo que no se pde ou no se quis faz-las ver.

    Ao lado desses cpticos endurecidos, h aqueles que querem ver sua maneira; que tendo formado uma opinio, querem com ela tudo relacionar: eles no compreendem que os fenmenos no possam obedecer sua vontade; eles no sabem, ou no querem, se colocar nas condies necessrias. Aquele que quer observar de boa-f deve no digo crer sob palavra, mas se despojar de toda idia preconcebida no querer comparar coisas incompatveis. Deve esperar, continuar,

  • observar com uma pacincia infatigvel; esta condio mesma est a favor dos adeptos, uma vez que ela prova que sua convico no se formou levianamente. Tendes essa pacincia? No, dizeis, eu no tenho tempo. Ento no vos ocupeis com os fenmenos, nem deles faleis; ningum a isso vos obriga.

    Boa ou m vontade dos Espritos para convencerem

    Visitante Os Espritos devem ter interesse em fazer proslitos. Por que no consentem, mais do que o fazem, nos meios para convencer certas pessoas, cuja opinio seria de uma grande influncia?

    A.K. que, aparentemente, no momento, eles no tm interesse em convencer certas pessoas, cuja importncia no medem como elas mesmas o fazem. pouco lisonjeiro, eu convenho, mas ns no comandamos suas opinies, pois os Espritos tm um modo de julgar as coisas que no sempre o nosso. Eles vem, pensam e agem segundo outros elementos; enquanto nossa viso est circunscrita pela matria, limitada pelo crculo estreito no meio do qual nos encontramos, eles abarcam o conjunto. O tempo, que nos parece to longo, para eles um instante, assim como a distncia, que no seno um passo; certos detalhes, que nos parecem de uma importncia extrema, para eles so pueris; em compensao, acham importantes, coisas das quais no compreendemos a importncia. Para compreend-los, preciso se elevar pelo pensamento acima do nosso horizonte material e moral, e nos colocar em sua posio; no cabe a eles descerem at ns, mas cabe a ns nos elevarmos at eles, e a isso que nos conduz o estudo e a observao.

    Os Espritos apreciam os observadores assduos e conscienciosos, para os quais multiplicam as fontes de luz; o que os afasta no a dvida que nasce da ignorncia, mas a fatuidade desses pretensos observadores que, nada tendo observado, pretendem coloc-los na berlinda e manobr-los como a marionetes; sobretudo o sentimento de hostilidade e de difamao que carregam consigo e que est em seu pensamento, se no est em suas palavras. Para estes, os Espritos nada fazem e se inquietam muito pouco com aquilo que eles possam falar ou pensar, porque sua vez chegar. Por isso eu disse que o necessrio no a f, mas a boa-f.

  • Origem das idias Espritas modernas

    Visitante Uma coisa que eu desejaria saber, senhor, o ponto de partida das idias espritas modernas; elas so o resultado de uma revelao espontnea dos Espritos ou o resultado de uma crena anterior sua existncia? Compreendeis a importncia da minha pergunta, porque, neste ltimo caso, poder-se-ia crer que a imaginao no pode ser posta de lado.

    A.K. Esta questo, senhor, como o dissestes, importante nesse ponto de vista, embora seja difcil admitir-se, supondo-se que essas idias tenham nascido de uma crena antecipada, que a imaginao tenha podido produzir todos os resultados materiais observados. Com efeito, se o Espiritismo estivesse baseado sobre o pensamento preconcebido da existncia dos Espritos, poder-se-ia, com alguma aparncia de razo, duvidar da sua realidade, porque se a causa uma quimera, as prprias conseqncias devem ser quimricas. Mas as coisas no se passam assim.

    Anotai primeiro que essa seqncia seria completamente ilgica. Os Espritos so causa e no efeito; quando se v um efeito, pode-se procurar a sua causa, mas no natural imaginar uma causa antes de ter visto os efeitos. No se poderia, pois, conceber o pensamento dos Espritos se no estivessem presentes os efeitos que encontrassem sua explicao provvel na existncia de seres invisveis. Pois bem, no foi assim que esse pensamento surgiu, quer dizer, no foi uma hiptese imaginada para explicar certos fenmenos; a primeira suposio que se fez deles foi de uma causa inteiramente material. Assim, longe de os Espritos terem sido uma idia preconcebida, partiu-se do ponto de vista materialista, o qual sendo incapaz de tudo explicar, a prpria observao conduziu causa espiritual. Eu falo das idias espritas modernas, uma vez que ns sabemos ser essa crena to velha quanto o mundo. Eis aqui a seqncia das coisas.

    Fenmenos espontneos se produziram, tais os rudos estranhos, pancadas, movimento de objetos, etc., sem causa ostensiva conhecida, e esses fenmenos puderam ser reproduzidos sob a influncia de certas pessoas. At a nada autorizava a procurar a causa alm da ao de um fluido magntico ou outro cujas propriedades eram ainda desconhecidas. Mas no se tardou em reconhecer, nesses rudos e nesses movimentos, um carter intencional e inteligente, do que se concluiu, como j disse, que: se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. Essa inteligncia no poderia estar no prprio objeto, porque a matria no inteligente. Era o reflexo da inteligncia da

  • pessoa ou das pessoas presentes? Assim se pensou primeiro, como eu disse igualmente. S a experincia poderia se pronunciar, e a experincia demonstrou, por provas irrecusveis, em muitas circunstncias, a completa independncia dessa inteligncia. Ela estava, pois, fora do objeto e fora da pessoa. Quem era ela? Foi ela mesma quem respondeu, declarando pertencer ordem de seres incorpreos, designados sob o nome de Espritos. A idia dos Espritos, pois, no preexistiu nem foi mesmo consecutiva; em uma palavra, ela no saiu do crebro, mas foi dada pelos prprios Espritos, e tudo o que soubemos depois a seu respeito, foram eles que nos ensinaram.

    Uma vez revelada a existncia dos Espritos e estabelecidos os meios de comunicao, pde-se ter conversaes seguidas e obter esclarecimentos sobre a natureza desses seres, as condies da sua existncia, seu papel no mundo visvel. Se se pudesse interrogar assim os seres do mundo dos infinitamente pequenos, que coisas curiosas no se aprenderia sobre eles!

    Supondo-se que, antes do descobrimento da Amrica, existisse um fio eltrico atravs do Atlntico, e que na sua extremidade europia fossem notados sinais inteligentes, se poderia concluir que, na outra extremidade, havia seres inteligentes procurando se comunicar; ter-se-ia podido question-los, e eles teriam respondido. Adquirir-se-ia assim, a certeza da sua existncia, o conhecimento dos seus costumes, dos seus hbitos, da sua maneira de ser, sem jamais t-los visto. Ocorre o mesmo nas relaes com o mundo invisvel; as manifestaes materiais foram como sinais, meios de advertncias, que nos colocaram na trilha de comunicaes mais regulares e mais continuadas. E, coisa notvel, medida que os meios mais fceis de comunicao esto nossa disposio, os Espritos abandonam os meios primitivos, insuficientes e incmodos, como o mudo que recupera a palavra renuncia linguagem dos sinais.

    Que eram os habitantes desse mundo? Eram seres parte, fora da Humanidade? Eram bons ou maus? Foi ainda a experincia que se encarregou de resolver essas questes. Mas, at que numerosas observaes deitaram luz sobre esse assunto, o campo das conjecturas e dos sistemas estava aberto, e Deus sabe quantas surgiram! Alguns acreditaram serem os Espritos superiores a tudo, outros no viam neles seno demnios. Foi por suas palavras e seus atos que se pde julg-los. Suponhamos que entre os habitantes transatlnticos desconhecidos, dos quais falamos, uns tivessem dito coisas boas, enquanto outros fossem notados pelo cinismo de sua linguagem, ter-se-ia concludo que haveria bons e maus. Foi a isso que se chegou com os Espritos, reconhecendo-

  • se entre eles todos os graus de bondade e de maldade, de ignorncia e de saber. Uma vez sabedores dos seus defeitos e qualidades, cabe nossa prudncia distinguir o bom do mau, o verdadeiro do falso em suas relaes conosco, absolutamente como ns fazemos com respeito aos homens.

    A observao no s nos esclareceu sobre as qualidades morais dos Espritos, mas tambm sobre sua natureza e sobre o que poderamos chamar seu estado fisiolgico. Soube-se, pelos prprios Espritos, que uns so muito felizes e outros muito infelizes; que eles no so seres parte, de uma natureza excepcional, mas que so as almas daqueles que viveram sobre a Terra, onde deixaram seu envoltrio corporal, que povoam os espaos, nos cercam e nos acotovelam sem cessar, e, entre eles, cada um pde reconhecer, por sinais incontestveis, seus parentes, seus amigos e aqueles que conheceu neste mundo. Pde-se segui-los em todas as fases de sua existncia de alm-tmulo, desde o instante em que deixaram seus corpos, e observar sua situao segundo o gnero de morte e a maneira pela qual viveram sobre a Terra. Soube-se, enfim, que no so seres abstratos, imateriais, no sentido absoluto da palavra, eles tm um envoltrio, ao qual demos o nome de perisprito, espcie de corpo fludico, vaporoso, difano, invisvel em seu estado normal, mas que, em certos casos, e por uma espcie de condensao ou de disposio molecular pode tornar-se momentaneamente visvel e mesmo tangvel e, desde ento, foi explicado o fenmeno das aparies e dos toques sobre elas. Esse envoltrio existe durante a vida do corpo e o lao entre o Esprito e a matria; na morte do corpo, a alma ou o Esprito, o que so a mesma coisa, no se despoja seno do envoltrio grosseiro, conservando o segundo, como quando ns tiramos uma roupa de cima para conservar apenas a de baixo, como o germe de um fruto se despoja do envoltrio cortical e no conserva seno o perisperma. esse envoltrio semi-material do Esprito o agente dos diferentes fenmenos por meio do qual ele manifesta sua presena.

    Tal , em poucas palavras, senhor, a histria do Espiritismo; vedes e o reconhecereis ainda melhor, quando o tiverdes estudado a fundo, que tudo nele o resultado da observao e no de um sistema preconcebido.

    Meios de comunicao

    Visitante Falastes de meios de comunicao; podereis dar-me uma idia deles, porque difcil compreender como esses seres invisveis podem conversar conosco?

  • A.K. De bom grado; todavia, o farei ligeiramente porque isso exigiria um desenvolvimento muito grande, que encontrareis notadamente em O Livro dos Mdiuns. Mas o pouco que vos direi bastar para vos colocar a par do mecanismo e servir, sobretudo, para compreenderdes melhor algumas experincias s quais podereis assistir at vossa iniciao completa.

    A existncia desse envoltrio semi-material, ou perisprito, j uma chave que explica muitas coisas e mostra a possibilidade de certos fenmenos. Quanto aos meios, eles so muito variados e dependem, seja da natureza mais ou menos depurada dos Espritos, seja das disposies particulares s pessoas que lhes ser vem de intermedirias. O mais vulgar, aquele que se pode dizer universal, consiste na intuio, quer dizer, nas idias e pensamentos que eles nos sugerem; mas esse meio muito pouco aprecivel na generalidade dos casos. H outros mais materiais.

    Certos Espritos se comunicam por pancadas, respondendo por sim ou por no, ou designando as letras que devem formar as palavras. As pancadas podem ser obtidas pelo movimento basculante de um objeto, uma mesa, por exemplo, que bate o p. Freqentemente, eles se fazem ouvir na prpria substncia dos corpos, sem movimento destes. Esse modo primitivo demorado e dificilmente se presta ao desenvolvimento de idias de uma certa extenso. A escrita a substituiu, obtendo-se esta de diferentes maneiras. Primeiro serviu-se, e algumas vezes se usa ainda, de um objeto mvel, como uma pequena prancheta, uma cesta, uma caixa, qual se adapta um lpis cuja ponta repousa sobre o papel. A natureza e a substncia do objeto so indiferentes. O mdium coloca as mos sobre esse objeto, transmitindo-lhe a influncia que recebe do Esprito, e o lpis traa os caracteres. Mas esse objeto no , propriamente falando, seno um apndice da mo, uma espcie de porta-lpis. Reconheceu-se depois a inutilidade desse intermedirio, que apenas uma complicao do processo, cujo nico mrito de constatar, de uma maneira material, a independncia do mdium, que pode escrever tomando ele prprio o lpis.

    Os Espritos se manifestam ainda, e podem transmitir seus pensamentos, por sons articulados que repercutem, seja no vago do ar, seja no ouvido, pela voz do mdium, pela vista, por desenhos, pela msica e por outros meios que um estudo completo faz conhecer. Os mdiuns tm, para esses diferentes meios, aptides especiais que se prendem ao seu organismo. Temos, assim, os mdiuns de efeitos fsicos, quer dizer, os que esto aptos a produzir fenmenos materiais como as pancadas, o movimento dos corpos, etc; os mdiuns audientes, falantes, videntes,

  • desenhistas, musicistas, escreventes. Esta ltima faculdade a mais comum e se desenvolve pelo exerccio; tambm a mais preciosa, pois a que permite comunicaes mais freqentes e mais rpidas.

    O mdium escrevente apresenta numerosas variedades, das quais duas muito distintas. Para entend-las preciso inteirar-se da maneira pela qual se opera o fenmeno. O Esprito, algumas vezes, age diretamente sobre a mo do mdium qual imprime um impulso, independentemente da sua vontade, e sem que este tenha conscincia do que escreve: o mdium escrevente mecnico. Outras vezes o Esprito age sobre o crebro; seu pensamento atravessa o do mdium que, ento, embora escrevendo de uma maneira involuntria, tem uma conscincia mais ou menos ntida do que obtm; o mdium intuitivo. Seu papel exatamente o de um intrprete que transmite um pensamento que no o seu e que, todavia, deve compreender. Ainda que, neste caso, o pensamento do Esprito e o do mdium se confundam algumas vezes, a experincia ensina a distingui-los facilmente. Obtm-se, igualmente, boas comunicaes por esses dois gneros de mdiuns; a vantagem dos que so mecnicos , sobretudo, para as pessoas que ainda no esto convencidas. De resto, a qualidade essencial de um mdium est na natureza dos Espritos que o assistem e nas comunicaes que ele recebe, bem mais que nos meios de execuo.

    Visitante O procedimento me parece dos mais simples. Ser-me-ia possvel experiment-lo eu mesmo?

    A.K. Perfeitamente; eu digo mesmo que se estiverdes dotado da faculdade medianmica, esse seria o melhor meio de vos convencer, porque no podereis duvidar de vossa boa-f. S que vos exorto vivamente a no tentar nenhum ensaio antes de ter estudado com ateno. As comunicaes de alm-tmulo esto cercadas de mais dificuldades do que se pensa; elas no esto isentas de inconvenientes, e mesmo de perigo, para aqueles a quem falta a experincia necessria. Ocorre aqui como ao que quisesse fazer manipulaes qumicas sem saber qumica: correria o risco de queimar os dedos.

    Visitante H algum indcio pelo qual se possa reconhecer essa aptido?

    A.K. At o presente no se conhece nenhum diagnstico para a mediunidade; todos os que se acreditou reconhecer, no tm nenhum valor. Ensaiar o nico meio de saber se se dotado. De resto, os mdiuns so muito numerosos e muito raro que, quando no o sejamos, que no encontremos entre os membros da famlia e das pessoas que nos cercam. O sexo, a idade e o temperamento so

  • indiferentes; so encontrados entre os homens e entre as mulheres, as crianas e os velhos, as pessoas que se portam bem e as que esto doentes.

    Se a mediunidade se traduzisse por um sinal exterior qualquer, isso implicaria na permanncia da faculdade, ao passo que ela essencialmente mvel e fugidia. Sua causa fsica est na assimilao, mais ou menos fcil, dos fluidos perispirituais do encarnado e do Esprito desencarnado. Sua causa moral est na vontade do Esprito que se comunica quando isso lhe apraz, e no na nossa vontade, do que resulta, em primeiro lugar, que todos os Espritos no podem se comunicar indiferentemente por todos os mdiuns e, em segundo lugar, que todo mdium pode perder ou ter suspensa sua faculdade no momento em que menos o espera. Essas poucas palavras bastam para vos mostrar que h todo um estudo a fazer para poder se inteirar das variaes que esse fenmeno apresenta.

    Seria, pois, um erro crer-se que todo Esprito pode atender ao apelo que lhe feito e se comunicar pelo primeiro mdium que encontra. Para que um Esprito se comunique, preciso primeiro que lhe convenha faz-lo; em segundo lugar, que sua posio ou suas ocupaes lhe permitam; em terceiro lugar, que ele encontre no mdium um instrumento propcio, apropriado sua natureza.

    Em princpio, pode-se comunicar com os Espritos de todas as ordens, com seus parentes e seus amigos, com os Espritos mais elevados, como com os mais vulgares. Mas, independentemente das condies individuais de possibilidade, eles vm mais ou menos voluntariamente segundo as circunstncias e, sobretudo, em razo de sua simpatia pelas pessoas que os chamam, e no pela requisio da primeira pessoa que tenha a fantasia de os evocar por um sentimento de curiosidade; em caso semelhante eles no se importariam quando vivos e no o fazem mais depois da sua morte.

    Os Espritos srios no vm seno nas reunies srias, onde so chamados com recolhimento e por motivos srios. Eles no se prestam a nenhuma questo de curiosidade, de prova, ou tendo um objetivo ftil, nem a nenhuma experincia.

    Os Espritos levianos vo por toda parte; mas nas reunies srias se calam e se afastam para escutar, como o faria um escolar em uma douta assemblia. Nas reunies frvolas eles se divertem, distraem-se com tudo e, freqentemente, zombam dos assistentes, e respondem a todos sem se inquietarem com a verdade.

  • Os Espritos ditos batedores, e geralmente todos aqueles que produzem manifestaes fsicas, so de uma ordem inferior, sem, por isso, serem essencialmente maus; eles tm uma aptido de alguma sorte especial para os efeitos materiais. Os Espritos superiores no se ocupam mais dessas coisas que nossos sbios de fazerem exibio de fora; se disso tm necessidade, servem-se desses Espritos de ordem inferior, como ns nos servimos de serviais para o trabalho pesado.

    Os mdiuns interesseiros

    Visitante Antes de se entregarem a um estudo de flego, certas pessoas gostariam de ter a certeza de no perderem seu tempo, certeza que lhes daria um fato concludente, mesmo obtido ao preo do dinheiro.

    A.K. Naquele que no quer se dar ao trabalho de estudar, h mais de curiosidade que desejo real de se instruir. Ora, os Espritos no gostam mais de curiosos que eu prprio. Alis, a cupidez lhes , sobretudo, antiptica, e eles no se prestam a nada que possa satisfaz-la. Seria preciso ter deles uma idia bem errada para crer que os Espritos superiores, como Fnelon, Bossuet, Pascal, Santo Agostinho, por exemplo, se colocassem s ordens do primeiro que os solicitasse, a tanto por hora. No, senhor, as comunicaes de alm-tmulo so uma coisa muito grave, e exigem muito respeito, para servirem de exibio.

    Alis, sabemos que os fenmenos espritas no se desenrolam como as engrenagens de um mecanismo, uma vez que dependem da vontade dos Espritos. Mesmo admitindo-se a aptido medianmica, ningum pode responsabilizar-se de os obter em tal momento dado.

    Se os incrdulos so levados a suspeitarem da boa-f dos mdiuns em geral, seria bem pior se estes tivessem um estimulante interesse; poder-se-ia suspeitar, com todo direito, que o mdium retribuiria com simulao, porque ele precisaria, antes de tudo, ganhar seu dinheiro.

    No somente o desinteresse absoluto a melhor garantia de sinceridade, como repugnaria razo evocar a peso de ouro os Espritos de pessoas que nos so caras, supondo que eles a isso consentissem, o que mais que duvidoso. No haveria, em todos os casos, seno Espritos inferiores, pouco escrupulosos quanto aos meios, e que no mereceriam nenhuma confiana. Estes mesmos, ainda, freqentemente, agem com um prazer maldoso, frustrando as combinaes e os clculos dos seus evocadores.

  • A natureza da faculdade medinica se ope, pois, a que ela se torne uma profisso, uma vez que depende de uma vontade estranha ao mdium, e ela poderia faltar-lhe no momento que dela tivesse necessidade, a menos que ele a supra pela agilidade. Mas, em se admitindo mesmo uma inteira boa-f, desde que os fenmenos no se obtm vontade, seria um efeito do acaso se, na sesso que se tivesse pago, se produzisse precisamente aquilo que se desejaria para se convencer. Dareis cem mil francos a um mdium e no o fareis obter dos Espritos o que estes no quisessem fazer. Essa paga, que desnaturaria a inteno e a transformaria em um violento desejo de lucro, seria mesmo, ao contrrio, um motivo para que ele no tivesse sucesso. Se se est bem compenetrado dessa verdade, que a afeio e a simpatia so as mais poderosas motivaes de atrao dos Espritos, compreender-se-ia que eles no podem ser solicitados com o pensamento de os usarem para ganhar dinheiro.

    Aquele, pois, que tem necessidade de fatos para se convencer, deve provar aos Espritos sua boa vontade por uma observao sria e paciente, se quer por eles ser secundado. Mas, se verdadeiro que a f no se impe, no o menos dizer-se que ela no se compra.

    Visitante Eu compreendo esse raciocnio sob o ponto de vista moral; entretanto, no justo que aquele que d seu tempo no interesse de seu ideal, dele seja indenizado, se isso o impede de trabalhar para viver?

    A.K. Em primeiro lugar, no interesse da causa que ele o faz ou no seu prprio interesse? Se mudou sua posio, que no estava satisfeito e que esperava ganhar mais ou ter menos trabalho nesse novo ofcio. No h nenhum devotamento em dar seu tempo quando para dele tirar proveito. como se se dissesse que o padeiro fabrica o po no interesse da Humanidade. A mediunidade no o nico recurso; sem ela eles seriam obrigados a ganharem a vida de outra maneira. Os mdiuns verdadeiramente srios e devotados, quando no tm uma existncia independente, procuram os meios de vida em seu trabalho normal, e no mudam sua posio. Eles no consagram mediunidade seno o tempo que podem dar-lhe sem prejuzo e se o tomam do seu lazer ou do seu repouso, espontaneamente, ento so devotados e se os estima e respeita mais por isso.

    A multiplicidade de mdiuns nas famlias, alis, torna os mdiuns profissionais inteis, mesmo supondo-se que eles oferecem todas as garantias desejveis, o que muito raro. Sem o descrdito que se atribui a esse gnero de explorao, do qual me felicito de ter contribudo grandemente, ver-se-ia pulularem os mdiuns mercenrios

  • e os jornais se cobrirem dos seus anncios. Ora, para um que tivesse podido ser leal, haveria cem charlates que, abusando de uma faculdade real ou simulada, teriam feito o maior mal ao Espiritismo. , pois, como princpio que todos aqueles que vem no Espiritismo alguma coisa alm de exibio de fenmenos curiosos, que compreendem e estimam a dignidade, a considerao e os verdadeiros interesses d