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O ESTADO DE EXCEÇÃO HERMENÊUTICO 1 E A AMEAÇA DE UM SOPOR DEMOCRÁTICO: UMA ANÁLISE SOB OS PRISMAS DE GIORGIO AGAMBEN E JACQUES RANCIÈRE Igor de Kássius Toledo Almeida Braga 2 Professor Dr. Leandro Corrêa de Oliveira 3 COMO QUANDO O SOL TEME NÃO SE ABRIR: UMA INTRODUÇÃO Um juiz do Acre, ao contrariar o resultado do Habeas Corpus (HC) 82959, que viabilizara a progressão de regime em crimes hediondos, tem sua decisão questionada acerca da necessária atuação do Senado em leis e dispositivos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujas decisões, segundo o voto do ministro Teori Zavascki, adquiriram “eficácia expansiva” 4 . Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650-DF, o ministro Luiz Fux “aconselhara” o Congresso Nacional, mediante uma série de parâmetros por ele estipulados, a editar um novo marco normativo de financiamento de campanhas, sob pena de tal competência migrar para as mãos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 5 . Em voto-vista a respeito do recurso extraordinário 580.252 MS, o ministro Luís Roberto Barroso propusera a reparação dos danos morais causados ao preso em virtude da superlotação e das condições degradantes de encarceramento através da remição de parte do tempo de execução da pena. 6 1 1 O presente artigo usufrui do termo “Estado de exceção hermenêutico” segundo a esteira proposta pelo jurista e professor Lenio Luiz Streck em sua coluna semanal Senso Incomum, no site Consultor Jurídico (Conjur). 2 Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas FDSM. Integrante do Grupo de Pesquisa Jurisdição e política, coordenado pelo Professor Dr. Leandro Corrêa de Oliveira. 3 Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor dos cursos de graduação e mestrado da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM) e coordenador do Grupo de Pesquisa Jurisdição e Política. 4 Ver Voto-vista do Min. Teori Zavascki RCL 4335/AC. 5 Ver Voto do Min. Luiz Fux ADI 4650/DF. 6 Ver Voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso RE 580252/MS.
19

O ESTADO DE EXCEÇÃO HERMENÊUTICO1 E A AMEAÇA DE … · O ESTADO DE EXCEÇÃO HERMENÊUTICO1 E A AMEAÇA DE UM SOPOR DEMOCRÁTICO: UMA ANÁLISE SOB OS PRISMAS DE GIORGIO AGAMBEN

Feb 13, 2019

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O ESTADO DE EXCEÇÃO HERMENÊUTICO1 E A AMEAÇA DE UM SOPOR

DEMOCRÁTICO: UMA ANÁLISE SOB OS PRISMAS DE GIORGIO AGAMBEN E

JACQUES RANCIÈRE

Igor de Kássius Toledo Almeida Braga2

Professor Dr. Leandro Corrêa de Oliveira3

COMO QUANDO O SOL TEME NÃO SE ABRIR: UMA INTRODUÇÃO

Um juiz do Acre, ao contrariar o resultado do Habeas Corpus (HC) 82959, que

viabilizara a progressão de regime em crimes hediondos, tem sua decisão questionada

acerca da necessária atuação do Senado em leis e dispositivos declarados

inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujas decisões, segundo o voto

do ministro Teori Zavascki, adquiriram “eficácia expansiva”4. Relator da Ação Direta

de Inconstitucionalidade (ADI) 4650-DF, o ministro Luiz Fux “aconselhara” o

Congresso Nacional, mediante uma série de parâmetros por ele estipulados, a editar um

novo marco normativo de financiamento de campanhas, sob pena de tal competência

migrar para as mãos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)5. Em voto-vista a respeito do

recurso extraordinário 580.252 – MS, o ministro Luís Roberto Barroso propusera a

reparação dos danos morais causados ao preso em virtude da superlotação e das

condições degradantes de encarceramento através da remição de parte do tempo de

execução da pena.6

1 1

O presente artigo usufrui do termo “Estado de exceção hermenêutico” segundo a esteira proposta pelo

jurista e professor Lenio Luiz Streck em sua coluna semanal Senso Incomum, no site Consultor Jurídico

(Conjur). 2 Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM. Integrante do Grupo

de Pesquisa Jurisdição e política, coordenado pelo Professor Dr. Leandro Corrêa de Oliveira. 3 Doutor em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Mestre em Direito pela Universidade

Federal do Paraná (UFPR), professor dos cursos de graduação e mestrado da Faculdade de Direito do Sul

de Minas (FDSM) e coordenador do Grupo de Pesquisa Jurisdição e Política. 4 Ver Voto-vista do Min. Teori Zavascki – RCL 4335/AC.

5 Ver Voto do Min. Luiz Fux – ADI 4650/DF.

6 Ver Voto-vista do Min. Luís Roberto Barroso – RE 580252/MS.

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Estes são apenas uma ínfima parcela dos inúmeros casos que cristalizam a

complexa teia em que o Estado Democrático de Direito brasileiro se enredara. O

desempenho de cada função do Poder – bem como, senão o episódio de maior

relevância, a (re)definição dos limites de seus desempenhos – assumiram contornos tão

controversos que, consoante a concepção do filósofo argelino Jacques Rancière:

Nenhum se queixa das instituições que dizem encarnar o poder do

povo nem propõe medidas para restringir esse poder. A mecânica das

instituições que encantou os contemporâneos de Montesquieu,

Madison ou Tocqueville não lhes interessa. É do povo e de seus

costumes que eles se queixam, não das instituições de seu poder.7

Adotando, pois, tal perspectiva, tem-se que o arranjo dos liames institucionais

que consolidam a configuração estatal assumira uma feição muito peculiar, cuja

dimensão de efeitos ganhara traços discutíveis: o poder político uno e indivisível se

encontra eivado num visível desequilíbrio quanto à atuação de suas esferas,

sobressaindo-se, na contemporaneidade, uma personagem que tende a reduzir per si o

mérito interpretativo do texto constitucional e, por conseguinte, acachapar as

deliberações promovidas pelos demais. Nos defrontamos com o gradual arraigamento

de um fenômeno que vulnerabiliza as pilastras do complexo democrático. Suas raízes,

em razão de tamanho vigor e espessura, ameaçam demoli-lo. Estamos diante das

erupções de uma juristocracia. Os limites entre a contínua condição de se colocar frente

a problemas constitucionais inéditos e a necessária concessão de respostas plausíveis do

ponto de vista jurídico encontram-se tênues, em virtude do mérito interpretativo do

magistrado tender a substituir os seus naturais eixos ou pontos de partida. Torna-se

controverso, e não menos intrigante, tentar compreender a quem estes, mediante seus

atos decisórios, dão significado. Se a hermenêutica ainda mensura o que seria

expectativa ou se os périplos judiciais içaram âncoras do solo constitucional.

Enquanto integrante da tão consagrada teoria da tripartição dos poderes, o

Judiciário se caracteriza não somente como detentor da denominada função

jurisdicional, cuja aplicação, por parte do Estado, do direito objetivo ao caso concreto,

visa solucionar um conflito de interesses com definitividade, recompondo a necessária

pax social. Mais do que isso, sua principal incumbência condiz com a salvaguarda da

7 RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 10.

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Constituição; primar, portanto, pela sua vitaliciedade e observância, com o intuito de

garantir a favorável efetivação do extenso rol de princípios que a representam.8

Todavia, o estro da magistratura vem se apresentando conforme uma rede de

deslocamentos no âmbito jurídico-constitucional tendente a aglutinar consigo feições

plenamente distintas de sua verdadeira ou real atribuição. As relações mantidas com os

âmbitos executivo e legislativo – bem como as fronteiras existentes entre eles – estão

sendo ruídas ante um horizonte em que a massificação do discurso de uma suposta crise

representativa (até agora pouco fundamentada em sua natureza ontológica) e a virulenta

depreciação do vocábulo “política” enquanto um antro de pessoas despreparadas e

corruptas fomenta o transcendentalismo dos juízes e de suas decisões, que se revestem

por sua vez, com uma aura de absoluta idoneidade. Consoante o teórico norte-americano

Mark Tushnet9 (1945- ), o monopólio da Suprema Corte quanto ao que seja a

Constituição consubstancia uma realidade em que quaisquer opiniões oriundas fora dela

são destituídas de validade, a menos que a própria Corte se adira a estas.

Tamanha assunção de parametricidade e confiança em seus papéis exige um maior

zelo no que diz respeito à necessidade de avaliarmos os aspectos desse cenário que se

descortina diante de nossos olhos. Amamentar a descrença nas instituições que

diretamente representam os anseios do seio comunitário e promover como esteio da

indignação generalizada um órgão constituído por membros que se distam da eleição

popular exibe ameaças. Ainda que ajam com o intuito de assegurar, através da

argumentação jurídica, a ordem na máquina governamental, esta jamais se inferioriza a

decisões de um único setor. Por óbvio, um Estado sadio deve comportar um profícuo

canal entre os órgãos que lhe compõem, como síntese de um ideal cooperativo

imprescindível à maturação de uma consciência sociopolítica. Contudo, ao calcarmos

toda a carga principiológica de nossa Lei Maior na exclusiva mentalidade do Judiciário,

8 Em consonância com os termos propostos pela CRFB/88, vê-se no art.102, caput: “Compete ao

Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição (...)” (grifo nosso). 9 Em sua obra Taking the Constitution away from the courts (1999), Tushnet fomenta a discussão de tal

temática a partir de contra-argumentos consideráveis, pois, segundo o autor, o que a Constituição

significa não é necessariamente o que a Suprema Corte diz que significa. Sob esse prisma, não há

quaisquer garantias de que a solução dos juízes seja a mais correta. Ao propor um intricado dilema ao

legislador, que se depara com a possibilidade de implementar uma lei cujo conteúdo fora julgado

improcedente pelo tribunal, Tushnet afirma que o primeiro, se porventura acreditar que este último

interpretou de maneira errônea o texto constitucional, detém a possibilidade de desconsiderar o

precedente, enquanto conduta condizente com o juramento que os legisladores fizeram de apoiar a Lei

Maior. Esta proposição tende a se desvencilhar da tradicional ideia norte-americana do judicial review,

isto é, o poder qualificado do qual a Excelsa Corte vê-se investida para declarar nulas quaisquer normas

interpretadas como inconstitucionais.

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nos direcionamos na contramão dessa hipótese comparticipativa de interpretá-la. Um

estado de exceção hermenêutico exsurge robusto diante de nossos olhos, renuncia à

genuína construção da democracia e credita para si o “dever” de pôr em prática a

descalibrada dosimetria do justo, daquilo que lhes aparenta legitimidade.

JÁ NASCIDO, O QUE SE VÊ É TÍMIDA LUZ

A discricionariedade que (des)qualifica a hodierna delimitação dos poderes

constata uma intensa obscuridade imanente aos próprios elementos que lhe conformam,

de forma que quaisquer tentativas de fixação de critérios ou parâmetros para uma

melhor compreensão deste movimento se imiscuem com outros aquém ou além das

nossas expectativas. Logo, acepções várias se amalgamam, delineando uma complexa

lógica a ser decodificada. Colimando o alcance de resultados mais contundentes,

lançaremos mão dos proficientes estudos do filósofo italiano Giorgio Agamben.

Agamben (1942 - ), em uma de suas mais aclamadas obras, Estado de exceção

(2003), estabelece como meta a hipótese de configurar uma possível “teoria geral” do

fenômeno que dá nome ao livro, cuja natureza transcende a órbita de uma simples

quaestio facti e se apresenta como um autêntico problema de âmbito jurídico. O autor,

usufruindo de uma rica bagagem bibliográfica – que percorre uma linhagem de grandes

intelectuais, como Walter Benjamin (1892 – 1940), a teóricos revestidos de maior

polêmica, a exemplo de Carl Schmitt (1888 – 1985) –, promove um acurado (senão

pleno) exame do Ausnahmezustand (“Estado de Exceção”), suas possíveis origens,

significados e ressignificações, jamais dissociadas de sua contextualização sob os

pontos de vista histórico, político e jurídico.

Para Giorgio Agamben, o estado de exceção, enquanto instituto que transita pela

paradoxal área entre a vida e a ordem jurídica, ou, aliás, entre o direito e o vivente,

perdera seu peculiar aspecto temporário e excepcional, para se solidificar como statu

quo da política atual, isto é, o paradigma de governo vigente nos Estados da

contemporaneidade10

. Ele se desvencilhara do aspecto de guerra que imbuía sua

10

Agamben delineia a natureza dúbia e, indubitavelmente, paradoxal da manifestação do estado de

exceção, que assumira uma condição de periculosidade nos atuais regimes políticos, cujos efeitos se

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essência característica e se perfizera sobre um novo plano, tal qual uma espécie de

justificativa utilizada pelo Poder Executivo para instaurar a suspensão do texto

constitucional, num caos anômico a si favorável. Pode-se constituir, portanto, conforme

o respectivo filósofo, de uma medida extraordinária capaz de retirar os recônditos frutos

da escuridão: a ruptura com o ordenamento jurídico, que conferia à autoridade

governamental uma série de atribuições, ainda que não empunhadas em absoluto, acaba

por lhe auferir uma extensão de poderes ínsitos em um hiato de direito; consolidação,

aliás, do que o autor denomina de estado “kenomático”.11

No entanto, ainda que Agamben exponha a construção de um vínculo existente

entre as ações geradas pelos chefes do Executivo e a ebulição do fenômeno ora em

comento, buscamos revelar aqui o novo detentor de suas vestes. Mediante a disposição

de conceitos análogos à situação exposta pela obra – os quais teceremos comentários

logo adiante –, é no terrível sopor democrático que o malhete dúbio do Judiciário

anuncia o seu “estado de exceção hermenêutico”. Ao mesmo tempo em que este visa

assegurar a lei e seu cumprimento, possui consigo a ameaça de destruição do edifício

legítimo, numa atividade jurisdicional muitas vezes abusiva. Se a Constituição Federal

de 1988 agrega em seu bojo uma gama normativa propícia à tomada de decisões sob o

prisma consensual, vê-se que seu artigo 52, X fora, de certa maneira, afastado da

realidade jurídica brasileira12

, e as competências das três searas do poder se agasalham

com os mantos de uma. Não há que se falar em teoria dos freios e contrapesos; a

interpenetração dos “poderes” se enrijecera numa unidimensionalidade nítida,

alicerçada em práticas incertas, opacificadas. O controle judicial vem ganhando força

paulatina, e a deturpação de suas funções típicas deve ser posta em xeque. Diz

Agamben:

O estado de excecão em que a Alemanha se encontrou sob a

presidência de Hindenburg foi justificado por Schmitt no plano

somam de modo inesperado. Vê-se, pois, que, “diante do incessante avanço do que foi definido como

uma "guerra civil mundial", o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como o

paradigma de governo dominante na politica contemporânea. Esse deslocamento de uma medida

provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente - e, de fato, já

transformou de modo muito perceptível- a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos

tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de

indeterminação entre democracia e absolutismo.”(grifo nosso). AGAMBEN, Giorgio. Estado de

exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 12-13. 11

Ibidem, p. 17. 12

O Senado Federal tem salvaguardada pela Lei Maior, a competência privativa de suspender a

execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo

Tribunal Federal.

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constitucional a partir da ideia de que o presidente agia como

"guardião da constituição”(Schmitt, 1931): mas o fim da Republica de

Weimar mostra, ao contrário e de modo claro, que uma "democracia

protegida" não é uma democracia e que o paradigma da ditadura

constitucional funciona sobretudo como uma fase de transição que

leva fatalmente à instauração de urn regime totalitário.13

O trecho acima alude a um referencial espaço-temporal onde se destacara as bases

de uma ditadura presidencial, que viabilizou a ascensão de Hitler ao poder alemão. O

incessante recurso aos ideais de segurança e ordem públicas como subterfúgios à

implementação de um Ausnahmezustand engendrou a contínua vivência em tempos de

excepcionalidade e, consequentemente, mitigara a comum aplicabilidade do direito. O

artigo 48 da Constituição de Weimar era preciso ao conferir ao presidente do Reich a

hipótese de declaração desse viés anômalo, sempre que fundamentado em ameaças ao

regular funcionamento das engrenagens estatais e desde que tal atuação presidencial

durante este período estivesse em consonância com uma lei específica – porém jamais

criada – para o problema. Um mecanismo destinado à defesa democrática, portanto, se

tornou sinônimo de um fortalecimento do Executivo, definido como o “guardião da

Constituição”. Em termos idênticos, temos a função do Supremo Tribunal Federal, no

caput do artigo 102: a guarda da Lei Maior. A tensão germina quando se crê que

tamanha responsabilidade caiba restritivamente a um órgão que, diante do descomunal

descontentamento das massas quanto ao ocaso da justiça e as máculas inerentes a uma

suposta representação vazia, se desprende das amarras jurídicas do poder tripartite e

assume os princípios constitucionais – que “fecham” a atividade interpretativa – tal qual

princípios gerais de direito – que, por sua vez, abrem-na –, extrapolando os limites

constitucionalmente previstos para, estranhamente, protegê-los (estado de exceção). Em

voto-vista à reclamação 4335-AC, o ministro Teori Zavascki assevera:

É inegável, por conseguinte, que, atualmente, a força expansiva das

decisões do Supremo Tribunal Federal, mesmo quando tomadas em

casos concretos, não decorre apenas e tão somente de resolução do

Senado, nas hipóteses de que trata o art. 52, X da Constituição. É

fenômeno que está se universalizando, por força de todo um conjunto

normativo constitucional e infraconstitucional, direcionado a

conferir racionalidade e efetividade às decisões dos tribunais

13

AGAMBEN, 2004. p. 29.

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superiores e, como não poderia deixar de ser, especialmente os da

Corte Suprema.14

Por que, necessariamente, o modo interpretativo do Judiciário deve se sobrepor às

interpretações das demais funções do poder? Cerzir uma Constituição com poucas mãos

fadá-la-á à extinção, conduzirá ao óbito o real significado que lhe infunde. Um olhar

acautelatório se inclina, dessa maneira, sobre a delimitação dos apanágios dos

magistrados, uma regionalização das decisões que conformam os rumos do país. A nova

configuração da célula judiciária esmaece os desenhos das instituições estatais

componentes e ameaça os limites estabelecidos como necessários à higidez da atividade

política brasileira. Se, num primeiro momento, esta afirmação soar de forma exagerada,

ou ainda um tanto pungente, veremos que suas reverberações obterão esboços mais

complexos e, por sua vez, efeitos de maior periculosidade à consolidação de uma

democracia. Ainda que tomemos como exemplo a postura positiva adotada pelo

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao permitir, através da Resolução n.175, de 14 de

maio de 2013, a celebração de casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo, não se

pode ignorar a conveniência de um debate acerca do tema e seu desenlace no próprio

Legislativo, já que este, consubstanciado na elegibilidade que parte do povo, condiz

com o seu representante direto, o setor em que se convergem as vozes múltiplas e

plurissignificativas da comunidade. O Judiciário já não é munido de similar condição e,

dessa forma, uma concentração exacerbada do poderio em sua figura acarreta riscos. A

Suprema Corte norte-americana, por exemplo, desencadeou um dos períodos mais

retrógrados à promoção da democracia através da denominada Era Lochner15

, em que

uma rede de direitos sociais dos trabalhadores foram simplesmente invalidados, como

meio de enfraquecer a envergadura de um estado tentacular, intervencionista.

Retomando os estudos desenvolvidos por Giorgio Agamben, perceberemos que os

argumentos que compuseram o voto do ministro Teori Zavascki em muito se

assemelham à chamada teoria da necessidade, em que o filósofo italiano afirma se

14

Voto-vista do Min. Teori Zavascki – RCL 4335/AC. p. 14-15. 15

Nas três primeiras décadas do século XX, mais especificamente entre os anos de 1905 e 1937, a

Suprema Corte dos Estados Unidos consolidara uma série de decisões que enrijeceram a atuação de uma

gama de direitos trabalhistas, de salários a limitações atinentes à jornadas de trabalho. As drásticas

modificações na regulação econômica perfizeram um viés jurisprudencial retrógrado, mitigando o vigor

de tais direitos sociais.

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originar de uma expressão latina que costumeiramente é utilizada como fundamento

para o Ausnahmezustand:

Uma opinião recorrente coloca como fundamento do estado de

exceção o conceito de necessidade. Segundo o adágio latino muito

repetido (uma história da função estratégica dos adágios na literatura

jurídica ainda está por ser escrita), necessitas legem non habet, ou

seja, a necessidade não tem lei, o que deve ser entendido em dois

sentidos opostos: "a necessidade não reconhece nenhuma lei" e "a

necessidade cria sua pr6pria lei" (nécessité fait loi). Em ambos os

casos, a teoria do estado de exceção se resolve integralmente na do

status necessitatis, de modo que o juízo sobre a subsistência deste

esgota o problema da legitimidade daquele.16

A analogia tende a se cristalizar. Ao considerar as decisões como imbuídas de

uma “força expansiva e universalizante”, Zavascki exibe a) que o Supremo Tribunal

Federal, embora ciente da possibilidade de suspensão de suas decisões pelo Senado

Federal, tende a inferiorizá-lo – ou até mesmo deixa de lado as suas atribuições –; e b)

diante desta postura de rejeição, os próprios magistrados delimitam os contornos do

texto constitucional e assumem o posto de “legisladores ativos”, sob o título de

“guardiões da constituição”. Mesmo que não haja na Lei Maior dispositivos acerca de

quaisquer assuntos em pauta, a necessidade do Judiciário suprirá a demanda. Todavia,

tal necessidade não se caracteriza como fonte de lei (embora Agamben exponha

intelectuais que assumem a posição contrária, como o jurista Santi Romano) ou, num

sentido técnico, sequer a suspende; ela produz “exceções” à aplicação literal da norma.

A lei, dessa maneira, perde sua vis obligandi, o seu poder vinculante, mas não em

virtude de uma salus hominum (a salvação comum dos seres humanos, como o filósofo

definira na hipótese do Executivo), mas, quanto ao protagonismo judicial, em

consequência de uma imprecisão semântica, compactuada com a atual descrença nas

instituições que regem o Estado.

Assim sendo, Giorgio Agamben constata que a teoria da necessidade se encontra

imersa em duras aporias, onde procedimentos de fato, em si extra ou antijurídicos,

16

AGAMBEN, 2004. p.40.

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transformam-se em direito e onde as normas jurídicas se indeterminam em mero fato.17

Logo, a necessitas legem non habet não condiz com uma justificativa para o estado de

exceção, uma vez que os autores que se aderem a este movimento se desvencilham da

constatação de que o vocábulo “necessidade” e, principalmente, o significado que lhe é

atribuído, se origina de uma obscura subjetividade – no nosso caso, da subjetividade dos

juízes – que estabelecem, de maneira solipsista, conforme cada intérprete, o que se

caracteriza como excepcional ou não. Aqui, o conceito de “necessário” tem como fonte

preponderante as decisões. Seu hábitat, pois, é a mentalidade da magistratura, o

contexto psicológico em que tal questão se matura, e que, como exaustivamente

salientado, não se caracteriza como a melhor via para uma idônea governabilidade, visto

os riscos de que sejam adotados referenciais arbitrários durante o itinerário judicial.

Giorgio Agamben, com o intuito de perscrutar incisivamente as distintas

perspectivas sobre o Ausnahmezustand, apresenta as pesquisas promovidas por Carl

Schmitt, cuja meta era trazer o fenômeno em questão para dentro do campo do Direito.

Em sua obra Politische Theologie (1933), Schmitt indica a diferenciação entre a norma

(Norm) e a decisão (Entscheidung) como o dispositivo capaz de introjetar o estado de

exceção no ordenamento jurídico, criar no interior do nomos uma tensão: a segunda

[decisão] inaugura a anomalia mediante a interrupção da primeira [norma]18

. Entretanto,

Agamben expõe que a doutrina schmittiana incide em um grave erro, visto que um

estado de exceção não equivale a um “estado do direito”, mas condiz com uma anomia

que resulta de sua “suspensão”19

. Isso não quer dizer que haja uma barreira

intransponível entre eles, pelo contrário, esse estágio anômico tende a ser atrativo ao

Direito, adquire uma secreta relevância, justamente como um meio de se solidificar

interesses. Numa melhor visualização da ideia, trata-se, a partir dos ensaios

benjaminianos, de uma zona de indeterminação entre a anomia e o direito. Tal

concepção revela sua plausibilidade na sociedade hodierna, tendo em vista que os

magistrados, ao inaugurarem um “estado de exceção hermenêutico” através de suas

decisões, geram um “vazio jurídico” de extrema valia, em que quaisquer atos por eles

17

Ibidem, p. 45. 18

Ibidem, p. 56. 19

É de suma importância ressaltar que, para Agamben, o estado de exceção não se configura enquanto

aquele em que fora “suspensa” uma lei, visto que se esta recebera uma espécie de ocultação, haverá

consigo a hipótese de restabelecer-se. O caráter suspensivo de uma norma não é “temporária” no contexto

fático, pois tende a engendrar efeitos que jamais poderão ser desfeitos com o retorno da respectiva lei.

Destarte, Agamben sugere a existência dessa “oquidão legal”, em que será tecida a suscetibilidade do

soberano figurar-se como autoridade definitiva na célula cidadã.

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promovidos não extrapolariam ou executariam leis, tampouco criariam-nas, pois diante

da suspensão do ordenamento, perde-se um parâmetro para defini-los como lícitos ou

ilícitos, justos ou injustos. Através do decisionismo, alcança-se um patamar no direito

que, conforme Agamben, se resume em um “não-lugar absoluto”20

. Os magistrados,

portanto, não se norteariam mais pela materialização do conteúdo constitucional, mas

pela aplicabilidade de uma norma por eles apenas elaborada.

Aqui, a ameaça enfim se concretiza: diante de uma realidade estatal em que sua

Constituição fora suspensa – isto é, vigora, mas não opera – pela discricionariedade dos

juízes (a decisão), entram em cena aquilo que estes definem como atos oriundos da

interpretação constitucional (mas que, na verdade, constituem as suas próprias

motivações, já que foi instaurada uma anomia “abraçada” pela magistratura) e que,

consoante Agamben, possuem força-de-lei, ou melhor, “força-de-lei”, visto que tais

disposições não são leis formalmente, mas detêm sua vis obligandi. Destarte, um

abismo dista a norma de sua efetiva atuação, criando-se um interstício em que as

sentenças, conquanto não disponham de uma essência legal, compartilham, porém, de

sua idêntica robustez. Está configurado, dessa maneira, o lema: as ponderações do

Judiciário têm “força-de-lei”.

Se deveríamos encarar politicamente (e quando digo politicamente estou me

referindo ao tão necessário resgate da essência que encerra o termo – politikos traz

consigo a ideia de indivíduos em associação – mas que, por um infeliz devaneio,

ganhara rumos tão depreciativos a ponto de seu significado abarcar um âmbito repleto

de máculas) a vitaliciedade dos dispositivos constitucionais enquanto temas ínsitos na

esfera pública e conjunta, arraigado no inter-relacionamento das funções do poder,

pode-se afirmar que a missão não está sendo cumprida. A concentração de

competências em apenas um dos setores impede a consolidação de uma efetiva máquina

estatal e comprova o quão incipiente estamos para atingir um verdadeiro equilíbrio entre

os representantes rumo à intensificação do ideal democrático.

Jacques Rancière (1940 - ), em sua mordaz obra O ódio à democracia (2005),

alinhava atritos que apontam para a perpetuação de um movimento, exercido pelas

20

AGAMBEN, 2004. p. 79-80.

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autoridades de diversos países, inclusive daqueles que se denominam Estados

Democráticos de Direito, em que o tão aclamado regime de governo que extasia a todos

os seres humanos se encontra em crise justamente em razão da exacerbação da vida

democrática, equiparando-a às tendências anárquicas, à reivindicação de excessivas

demandas que perpassam a hipertrofia das ações afirmativas, a luta das minorias e a

coexistência harmônica das diferenças. Segundo os defensores dessa concepção, uma

dilatação das artérias democráticas ocasionará à sua própria destruição, pois pressiona

os governos, acarreta o declínio da autoridade e torna os indivíduos e os grupos

rebeldes à disciplina e aos sacrifícios exigidos pelo interesse comum.21

Essa perspectiva tão assombrosa não se mostra recente; pelo contrário, acompanha

o vocábulo “democracia” desde suas origens-em-nada-democráticas-gregas. Rancière,

mediante uma brilhante análise que abarca desde filósofos tradicionais a autores pouco

explorados ou desconhecidos pela maior parte do público, dispõe em seu texto o próprio

desgosto platoniano pelo “fenômeno encantatório”:

Esse é o ponto essencial. Platão foi o primeiro a inventar esse modo de

leitura sociológica que proclamamos próprio da era moderna, a

interpretação que persegue por baixo das aparências da democracia

política uma realidade inversa: a realidade de um estado de sociedade

em que é o homem privado, egoísta que governa. Para ele, a lei

democrática é apenas o bel-prazer do povo, a expressão da liberdade

dos indivíduos que têm como única lei as variações de seu humor e de

seu prazer, indiferentes a qualquer ordem coletiva. Sendo assim, a

palavra democracia não significa simplesmente uma forma ruim de

governo e da vida política, mas, propriamente, um estilo de vida que

se opõe a qualquer governo ordenado da comunidade. A democracia,

diz Platão no livro VIII da República, é um regime político que não é

regime político. Não possui uma constituição, porque tem todas. É

uma feira de constituições, uma fantasia de arlequim tal qual apreciam

os homens cujo grande negócio é o consumo dos prazeres e dos

direitos.22

Vê-se aqui o arcaico desdém que persegue a caminhada histórica do instituto da

democracia e, principalmente, a total dessacralização de seu propósito. Mas o que

21

RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014. p. 15. 22

Ibidem, p.50.

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buscamos haurir das palavras de Rancière nos conduz a proposições mais candentes,

visto que as razões que emolduram a aversão das autoridades ao desenvolvimento de

um demos são aquelas simultaneamente adotadas pelo próprio Judiciário. O que alegam

como um uso desmedido do aparato democrático propício a destruí-lo é similar, senão

idêntico, ao assumido por grande parte da magistratura. A figura dos juízes, como que

irmanada à aura do real e exclusivo saber, retira o direito constitucional do ambiente

interativo que o torna profícuo e o descaracteriza em sua totalidade. Seu lúmen é

sotoposto em posicionamentos questionáveis, afrontas inúmeras que exilam o

resplendor democrático e confirmam o contínuo domínio de um grupo sobre as leis

desde a Grécia Antiga. Não é à toa que Tucídedes, o qual, sem circunlóquios melífluos

ou edulcorantes, define o longo governo de Péricles como ‘democracia’ apenas nas

palavras, mas, de fato, uma forma de principado23

. A juristocracia proporciona entraves

para o estabelecimento de uma sociedade ideal, em que prevalecem decisões

legitimadas na dúbia zona de seus atos volitivos. A feira das constituições não são

abastecidas pela população, ou sequer por estes em conjunto com um Estado de

atribuições harmonicamente distribuídas. A feira das constituições, ou ainda, o atual

mercado das interpretações da Lei Maior, se solidifica, com mínimas ressalvas, no

recinto dos magistrados.

É de suma importância frisar que não se busca aqui estabelecer o Judiciário como

um óbice à democracia, até porque tal organismo, enquanto integrante da esfera do

Poder, carrega consigo a sua necessária atuação dentro do aparato jurídico, assim como

o Legislativo e o Executivo mantêm atribuições próprias e indispensáveis a um governo

salutar. O verdadeiro óbice reside na mera postura de exceder as circunscrições que lhes

são incumbidas, e, consequentemente, adquirir competências concernentes às demais

funções. A transposição de uma muralha requer um estudo dos riscos. Agamben se

aderiu a tal escopo: investigar um fenômeno cuja essência acabou, nos últimos tempos,

por se irmanar a um inchaço das atribuições do Executivo. Aqui, constrói-se uma

tentativa de se observar a entrada em cena de uma nova personagem, que transpassa os

papéis de todos os integrantes da peça democrática e se esquece de que o verdadeiro

teatro exige uma recíproca colaboração entre os atores sociais. Se alguém acumula mais

controle que ou sobre outrem, indubitavelmente ocasionará prejuízos à (co)existência

23

CANFORA, Luciano. O mundo de Atenas. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras,

2015. p.14-15.

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política conjunta. E da mesma maneira, a identificação de uma sobreposição advinda

seja da função legislativa, seja da função executiva pressupõe a necessidade de balizar

os posicionamentos mais audaciosos que porventura forem assumidos, ou que destoem

do texto constitucional. Colima-se, por assim dizer, averiguar os impasses presentes na

conformação dos institutos, com o “utópico intuito” de engendrarmos uma sociedade

em que o âmago político assuma o fulgor que se afirma inerente a cada um de nós, e, do

mesmo modo, encontre simetricamente a mesma condição em nosso Estado

Democrático de Direito.

NÃO AO SOPOR; SIM À AURORA

O protagonismo do Poder Judiciário na contemporaneidade – como ressaltado em

todo o desenvolvimento do texto e abordado sob prismas diversos e multifacetados, com

o intuito de se exaurir o questionamento proposto – instabiliza a oportunidade de se

efetuar uma interpretação constitucional construtiva e colaborativa, conquanto se prime

pelo fomento de uma democracia até então comprimida. Aliás, o que se delineia não

apenas por detrás das vestes talares, mas à margem de toda a estrutura político-

governamental, consiste em um lúgubre processo de rarefação do espírito democrático.

A Constituição, mais do que um documento que condensa um extenso rol de premissas

propícias ao contexto de uma experiência jurídica compartilhada – e que, por si só, já se

caracteriza como uma performance imprescindível dentro do seio comunitário –

constitui-se por e para todos, que a somos ao constituí-la. Logo, adere-se a um cerne

identitário plúrimo, a elevação de uma consciência coletiva que lhe dá o fôlego político

do qual um Estado jamais terá de se dissociar. A natureza do demos prosseguiu e ainda

prossegue com as côdeas avessas à sua real essência, encapsulando justamente o seu

contrário, diluindo-se numa desafortunada depreciação do todo constitucional que nos

irmana e nos robustece.

Entretanto, novas sendas requerem cruzamentos e eventuais abalroações. Jacques

Rancière comprova que uma esfera democrática nunca se adere a perspectivas

consensuais ou completamente harmônicas, mas nasce a partir do estágio de conflito em

que ela se matura, mediante o desentendimento, propício a uma consciência

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sociopolítica profícua. Jamais deve se manter um único ideal de direcionamento no qual

todas as forças foram mobilizadas. Trata-se de dissenso, não de um ideário comum.

Transpondo tal perspectiva para a temática ora abordada, buscamos evidenciar que uma

lei em que todos nela figuram e são seus construtores detêm consigo sua participação e

se, de uma certa forma, o poder triplamente dividido perde seu caráter funcional numa

espécie de englobamento dos atributos dos demais entes, torna-se nítido o afastamento

do confronto político intenso e, concomitantemente, a manifestação da hipertrofia de

um consenso que esvaece as chances de se constituir um jogo democrático. Consenso

este, reitero, juristocrático. Não à toa, Rancière atesta:

Desse ponto de vista, podemos enumerar as regras que definem o

mínimo necessário para um sistema representativo se declarar

democrático: mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não

renováveis; monopólio dos representantes do povo sobre a elaboração

das leis; proibição de que funcionários do Estado representem o povo;

(...) Essas regras não tem nada de extravagante e, no passado, muitos

pensadores ou legisladores, pouco inclinados ao amor irrefletido pelo

povo, examinaram-nas atentamente como meios para garantir o

equilíbrio dos poderes, dissociar a representação da vontade geral da

representação dos interesses particulares e evitar o que consideram o

pior dos governos: o governo dos que amam o poder e são hábeis em

se assenhorar dele. Contudo, basta enumerá-los hoje para provocar

riso.24

Se o poder jurisdicional fora conferido aos juízes pela própria Lei Maior, poder

este nitidamente pautado por limites em seu devido exercício, não se cogita a hipótese

de desprestígio do arsenal principiológico indispensável à configuração ideal do Estado

Democrático de Direito brasileiro. Há uma historicidade intrínseca em um devido

processo legal, ínsita em uma liberdade de expressão, imantada à dignidade da pessoa

humana. Mas todas elas sofrem uma soturna contenção embasada em

(pseudo)postulados que jamais condizem com o animus do texto magno, nítida

assimetria entre aquilo que está disposto e o que realmente fora atribuído no ato

decisório. Há uma desconfiança acerca do poder constituinte originário ter realmente

findado seus serviços ou se ele apenas prosseguira conosco, agora em novas instalações.

24

RANCIÈRE, 2014. p. 92-93.

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O problema recebe nuances cada vez mais incisivas, e o debate não reacende

mais os olhares; pelo contrário, mantém-nos fixos, sobressaltados. Como exemplo

atualíssimo, vê os desdobramentos provocados pelo HC 126.292/SP, no qual a Suprema

Corte debruçara suas lentes e, num vórtice ideológico que levou consigo a linha

jurisprudencial estabelecida pelo respectivo órgão desde 200925

, asseverou-se que a

decisão confirmatória por órgão de segunda instância acerca de sentença penal

condenatória de instância inferior levará o réu à prisão, ainda que inesgotadas as vias

recursais a este ofertadas pela lei.26

Um sacrifício de mecanismos assecuratórios de

direitos do cidadão em prol de um suposto reforço do jus puniendi estatal, que tende a

assumir contornos cada vez mais duvidosos.

As demarcações entre o legal e o autoritário vêm desaparecendo ante ao avanço

tentáculos irrestritos. Em voto vencido, o Ministro Celso de Mello frisa a

inadmissibilidade deste posicionamento transgressor:

Mostra-se evidente, Senhor Presidente, que a Constituição

brasileira promulgada em 1988 e destinada a reger uma sociedade

fundada em bases genuinamente democráticas é bem o símbolo

representativo da antítese ao absolutismo do Estado e à força

opressiva do poder, considerado o contexto histórico que justificou,

em nosso processo político, a ruptura com paradigmas autocráticos do

passado e o banimento, por isso mesmo, no plano das liberdades

públicas, de qualquer ensaio autoritário de uma inaceitável

hermenêutica de submissão, somente justificável numa perspectiva

“ex parte principis”, cujo efeito mais conspícuo, em face daqueles

25

O Supremo Tribunal Federal havia pacificado o entendimento, a partir do HC 84.078/MG, de que a

execução de pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória se diverge

do disposto no art.5º, inciso LVII da CF/88. 26

Tal conclusão dos magistrados engendrou uma série de máculas inimagináveis no âmbito jurídico. Um

extenso rol de violações se formou, inviabilizando a oportunidade de se enxergar um rumo positivo à

questão. Basta tomarmos como ponto inicial o dispositivo que recebera completa desfiguração e perda de

seu significado, o art. 5º, inciso LVII da CF/88, em que ninguém será considerado culpado até o trânsito

em julgado de sentença penal condenatória. Trata-se de conteúdo expresso, irrefutável, e a posição

tomada pelo Supremo Tribunal Federal destoa veementemente dos parâmetros constitucionais existentes.

Um princípio de suma importância em nosso ordenamento como a presunção de inocência sofrera

extraordinária relativização de seus efeitos em prol de uma equivalência decisória entre as análises do

primeiro e segundo juízes frente ao caso sub judice. Tamanho desvio, aliás, mostra-se incompatível com a

primordial noção-guia de vedação ao retrocesso, que, nos dizeres de Valério de Oliveira Mazzuoli, em

seu Curso de Direitos Humanos, condiz com promover sempre (e cada vez mais) algo de novo e melhor

ao ser humano, não podendo o Estado proteger menos do que já protegia anteriormente. (grifo nosso.

MAZZUOLI, 2014. p. 28.).

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que presumem a culpabilidade do réu, será a virtual (e gravíssima)

esterilização de uma das mais expressivas conquistas históricas da

cidadania: o direito do indivíduo de jamais ser tratado, pelo Poder

Público, como se culpado fosse. (grifo nosso)27

Dir-se-ia acerca de um retorno das chagas do passado. Deve-se discordar. O

estado de exceção se emancipara de seu berço de guerras e ganhara feições distintas,

peculiares. Condiz com uma criação moderna cujos períodos de “normalidade” ou

“estabilidade normativa” são colocados em parênteses, e inclusive numa concepção de

excepcionalidade que se esvaíra há muito de seu significado para se converter em

natureza paradigmática da ordem jurídica. Agamben, novamente, emite reflexos no

panorama vigente. Soberano, não mais o texto constitucional, mas aquele que decide no

estado de exceção hermenêutico. A força vinculante de nossa Lei Maior torna-se

instável diante de inúmeros julgamentos que tendem a operar acima desta, renegando

proposições nela insculpidas enquanto adequadas e suficientes para a atual demanda de

decisões por parte do Judiciário. Vislumbramos, portanto, nesta gradual judicialização

da política, o distanciamento dos preceitos fundamentais em razão do crescente ativismo

judicial que rege o nosso país.

Temos uma coexistência institucional a ser respeitada, uma convivência

regulada por dispositivos legais e constitucionais que, se seguidos adequadamente,

contribuirão com mais um passo rumo ao recrudescimento do espírito democrático.

Aliás, o HC 84.078/MG – cuja linha de pensamento vigorava anteriormente ao HC

126.292/SP – apresentava como escopo a robustez normativa da Constituição perante

situações em que a ameaça de desvios ou disparidades tendiam a romper com ideais

básicos, irrenunciáveis. Como dissera o Min. Eros Grau:

A produção legislativa penal e processual penal dos anos 90 é

francamente reacionária, na medida em que cede aos anseios

populares, buscando punições severas e imediatas --- a malta

relegando a plano secundário a garantia constitucional da ampla

defesa e seus consectários. Em certos momentos a violência integra-se

ao cotidiano da nossa sociedade. E isso de modo a negar a tese do

homem cordial que habitaria a individualidade dos brasileiros. Nesses

momentos a imprensa lincha, em tribunal de exceção erigido

27

Ver voto do Min. Celso de Mello – HC 126.292/SP.

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sobre a premissa de que todos são culpados até prova em

contrário, exatamente o inverso do que a Constituição assevera. É

bom que estejamos bem atentos, nesta Corte, em especial nos

momentos de desvario, nos quais as massas despontam na busca,

atônita, de uma ética - -- qualquer ética --- o que irremediavelmente

nos conduz ao “olho por olho, dente por dente”. Isso nos incumbe

impedir, no exercício da prudência do direito, para que prevaleça

contra qualquer outra, momentânea, incendiária, ocasional, a

força normativa da Constituição. Sobretudo nos momentos de

exaltação. Para isso fomos feitos, para tanto aqui estamos. (grifo

nosso).28

A aversão ao sopor democrático é urgente. Vivencia-se uma caducidade da

tríplice função do poder, com a consequente fusão ou tomada de tais competências,

concentradas nas mãos de um só órgão, que, como fora extensamente discorrido aqui,

precipita-se mediante decisões que ultrapassam a própria efetividade das garantias

fundamentais concedidas a cada um de nós, cidadãos. E a razão de ser da nossa ordem

política, primordialmente, deve se centrar sob o anseio de se compor uma realidade na

qual a tarefa de promover opiniões constitucionais seja difundida de uma maneira mais

ampla do que hoje, em consonância com o exercício de um constitucionalismo populista

apto a indagar acerca dos erros de se estabelecer uma supremacia judicial. Por que,

necessariamente, o viés interpretativo do Judiciário deve se sobrepor às interpretações

das demais funções de poder? Qual a justificativa de tal prerrogativa? O que Rancière e

Agamben alertam reside justamente em reavivarmos o ser político que nos configura,

isto é, fazer com que nos envolvamos em canais propícios ao debate dos aspectos

organizacionais e da governança da coletividade que integramos, ainda que as

instituições digladiem umas com as outras quanto à pronúncia da real norma vinculante;

ou quando os discursos oficiais insistam em reiterar “medidas profiláticas” ante uma

suposta “democracia” incapaz de condensar em seu núcleo uma nobre delimitação dos

objetivos da comunidade; ou sob a eventual verificação de um soberano cuja autoridade

impeça ou contradiga a reprodução de um poder legítimo. Assim nascerá a aurora: sobre

a exigência de uma experiência interacional pluralista, eivada na defesa de interesses

desdenhados, no combate das alegações adversas, no furor das pretensões virtuosas e,

28

Ver voto do Min. Eros Grau – HC 84.078/MG.

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principalmente, no árduo desafio de materializarmos a partilha de uma realidade melhor

a todos que nela se inserem.

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