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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA Não Escuto, Não Falo, Não Quero: A sociabilidade na Associação de Surdos de João Pessoa-PB ELIZÂNGELA FERREIRA DA SILVA João Pessoa-PB 2013
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Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

Feb 07, 2023

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Page 1: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Não Escuto, Não Falo, Não Quero:

A sociabilidade na Associação de Surdos de João Pessoa-PB

ELIZÂNGELA FERREIRA DA SILVA

João Pessoa-PB

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS APLICADAS E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Não Escuto, Não Falo, Não Quero:

A sociabilidade na Associação de Surdos de João Pessoa-PB

ELIZÂNGELA FERREIRA DA SILVA

Dissertação de Mestrado apresentada ao

programa de Pós-Graduação em Antropologia,

do Centro de Ciências Aplicadas e Educação,

da Universidade Federal da Paraíba, em

cumprimento das exigências para obtenção do

título de Mestra em Antropologia, sob a

orientação do Prof. Dr. Marco Aurélio Paz

Tella.

João Pessoa-PB

2013

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3

S581n

Silva, Elizângela Ferreira da.

Não Escuto, Não Falo, Não Quero: a sociabilidade na

associação de surdos de João Pessoa-PB. / Elizângela Ferreira

da Silva. – João Pessoa, 2013.

97f.: il.

Orientador: Marco Aurélio Paz Tella.

Dissertação (Mestrado) – UFPB/PPGA/CCAE-CCHLA

1. Pessoa Surda. 2. Sociabilidade. 3. Associação. 4. LIBRAS e

Corpo. 5. Lazer e Entretenimento. 6. Cidade de João Pessoa. I.

Título.

UFPB/BC CDU 39(043)

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ELIZÂNGELA FERREIRA DA SILVA

Não Escuto, Não Falo, Não Quero:

A sociabilidade na Associação de Surdos de João Pessoa-PB

Dissertação defendida em:

____________de ____________de ___________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Prof. Dr. Marco Aurélio Paz Tella

(Orientador/PPGA/UFPB)

___________________________________________________

Prof. Dra. Lara Santos de Amorim

(Membro/PPGA/UFPB)

___________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Giovanni Boaes Gonçalves

(Membro/PPGS/UFPB)

___________________________________________________

Prof. Dra. Luciana Maria Ribeiro de Oliveira

(Membro Suplente/PPGA/UFPB)

João Pessoa-PB

2013

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Para Minhas Filhas Larissa e Laura,

Que me fizeram ser mãe

Que me fizeram acreditar nas forças de um amor

incondicional.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por sua presença em todos os momentos da minha vida e por renovar,

dia a dia, a misericórdia da salvação e a esperança de um reencontro com Cristo Jesus.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

pela bolsa de pesquisa me concedida.

Ao meu Orientador, Professor Marco Aurélio Paz Tella, por me acompanhar

durante esse trabalho.

As Professoras Mónica Franch e Lara Amorim por todas as sugestões no

exame de qualificação.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em

Antropologia da Universidade Federal da Paraíba.

Aos meus colegas de turma de Mestrado em Antropologia da Universidade

Federal da Paraíba.

A todos os meus interlocutores de pesquisa que, através de sua comunicação

gestual, me fez compreender que existem formas de linguagem transcendentes a oratória

e o discurso que, por várias vezes, peca por não saber o momento de se calar. No

universo dos surdos um gesto vale mais que mil palavras e é isto o que realmente tornou

este trabalho possível. É por isso que a todos estes que convencionalmente chamamos

de “surdos”, sou grata.

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Não é somente o olho que segue os traços da imagem, pois à

imagem visual é associada uma imagem manual e é essa

imagem manual que verdadeiramente desperta em nós o

ser ativo. Toda mão é consciência da ação.

Assim, com a mais extrema delicadeza, a mão desperta as

forças prodigiosas da matéria. Todos os sonhos dinâmicos,

dos mais violentos aos mais insidiosos, do sulco metálico

aos traços mais finos, vivem na mão humana, síntese da

força e da destreza.

“Matéria e Mão”

Gaston Bachelard.

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RESUMO

Este trabalho discute formas de sociabilidade de um grupo de surdos na cidade de João

Pessoa-PB, por meio de atividades interativas proporcionadas pela Associação de

Surdos de João Pessoa-PB (ASJP-PB). Desse modo, buscamos compreender a

importância de festas realizadas por esse grupo neste local, a forma como se apropria

dos espaços urbanos da cidade para práticas de lazer, entretenimento, intercâmbio de

ideias, entre outras formas de convivência social. Neste contexto, também procuramos

discutir a importância da língua de sinais enquanto expressão corpórea que possibilita o

reconhecimento da pessoa surda na sua sociabilidade elaborada cotidianamente.

Palavras-chave: Pessoa Surda, Sociabilidade, Associação, LIBRAS e Corpo, Lazer e

Entretenimento, Cidade de João Pessoa.

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ABSTRACT

This paper discusses forms of sociability of a group of deaf people in the city of João

Pessoa, through the activities of the interactions the Deaf Association João Pessoa

(ASJP-PB). In this sense, we seek to understand the importance of parties held by this

group in this place and how they appropriate the urban spaces of the city to practice

leisure, entertainment and exchange of ideas, among other forms of social interaction. In

this context, we discuss the importance of sign language as a bodily expression that

enables the recognition of the deaf person in their everyday sociability.

Keywords: Deaf Person, Sociability, Association, LIBRAS and Body, Leisure and

Entertainment, City of Joao Pessoa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

CAPÍTULO I

Tão Perto e Tão Estranho: Observação, Surdez, Percepção e Sociabilidade..........21

1.1 Notas Sobre Corpo, Percepção, Sensação e Sociabilidade........................................21

1.2 Contextualizando nossa observação e descrevendo o método..................................27

CAPÍTULO II

Contexto Histórico da Língua de Sinais – Concepção da Comunicação Com as

Mãos e o Lugar Onde Isso é Possível...........................................................................34

2.1 A língua de Sinais no contexto das Associações.......................................................34

2.2 Funad-PB...................................................................................................................41

2.3 Associação de surdos de João Pessoa-Paraíba........................................................45

CAPÍTULO III

Festa de Surdo Dá o que Falar.....................................................................................56

3.1 Primeiro Contato com a Língua de Sinais.................................................................56

3.2 A Língua dos Sinais e o Signo de Batismo...............................................................60

3.3 Prenúncio da Festa de Surdo.....................................................................................63

3.4 Festas de Surdo - A Primeira Impressão Não é a que Fica........................................65

CAPÍTULO IV

Contrastes da Sociabilidade do Grupo de Surdos na Cidade de João Pessoa.........75

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................90

REFERÊNCIAS.............................................................................................................93

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INTRODUÇÃO

A maioria dos trabalhos acadêmicos que discutem questões relativas à surdez,

como outras necessidades especiais, é direcionada, sobretudo, para compreensão dos

aspectos de inclusão e direitos das pessoas portadoras de algum tipo de necessidade

especial. Trabalhos que, em sua maioria, enfatizam a importância do reconhecimento da

pessoa com necessidades especiais sobre um contexto educacional emancipatório, isto é,

não seria incluir o deficiente, mas sim o diferente, que possui uma identidade e uma

cultura a ser compreendida e desenvolvida, como é o caso da pessoa surda (KLEIN e

LUNARDI 2006; FALCÃO 2011).

Neste sentido, como mostra Magnani (2007), em ciências humanas e sociais

como: a antropologia, pedagogia, história, linguística, entre outras, a pessoa surda é

vista a partir da construção cultural e social que envolve o discurso de práticas, valores,

linguagem, comunicação, reconhecimento e identidade específica, ou seja, o surdo deixa

de ser deficiente auditivo, para se tornar um sujeito reconhecido por sua diferença, ainda

que alicerçada em jargões ou categorias de distinção como: comunidade surda, cultura

surda, minoria linguística, minoria social, etc. (MAGNANI 2007).

Se for certo afirmar que a pessoa surda possui uma identidade ou uma cultura a

ser analisada, a partir de suas especificidades de distinção, podemos compreender que a

surdez, como percebeu Sacks (2010), ainda é um campo complexo e intrigante, pois sai

de uma condição patológica e anormalidade médica – graças aos avanços da linguística

e do aprendizado da língua de sinais dos últimos séculos1 – e passa a ser visto como um

fenômeno único e riquíssimo nas suas mais variadas formas de conhecimento

linguístico, cultural e social.

Ser surdo, nascer surdo, coloca a pessoa numa situação extraordinária,

expõe o indivíduo a uma série de possibilidades linguísticas e,

portanto, a uma série de possibilidades intelectuais e culturais que nós,

outros, como falantes nativos num mundo de falantes, não podemos

sequer começar a imaginar (SACKS 2010, p. 101).

É certo afirmar que o universo da pessoa surda é realmente riquíssimo, pois,

como mostra Magnani (2007) e Falcão (2011), a pessoa surda não se acha deficiente e,

1Como observou Sacks (2010), até meados do século XVIII, indivíduos que nascem totalmente surdos eram

considerados pessoas que possuíam algum tipo de retardo mental. Foi somente com o desenvolvimento da língua de

sinais que essa situação foi revertida, dando a possibilidade da pessoa surda se desenvolver como qualquer outro

indivíduo oralizado.

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como qualquer outra pessoa, é capaz de fazer todo tipo de atividade, participar de

qualquer ambiente social e levar uma vida como a de qualquer outra pessoa não surda.

Entretanto, como mostra Falcão (2011), para que as potencialidades cognitivas

de uma pessoa surda sejam desenvolvidas é necessário que ela seja inserida, desde a

infância, em um ambiente que propicie, além do conhecimento da língua de sinais,

inserção social, estimulo e capacitação adequada às necessidades das crianças surdas, ou

seja, é preciso construir um ambiente, sobretudo escolar, capaz de atender os requisitos

básicos para uma inclusão social independente de a pessoa ser portadora de

necessidades especiais ou não.

Foi no ambiente escolar que, à princípio, nos despertou o interesse e os

motivos para realização desta pesquisa com o grupo de surdos na cidade de João

Pessoa-PB. Motivações essas que acreditamos ser relevante expor, uma vez que também

reflete a condição da maioria das escolas que, infelizmente, ainda não condiz com uma

política social de inclusão de portadores de necessidades especiais.

Há alguns anos, para sermos mais específicas, há 17 anos – atuando na área de

educação como professora de nível básico e fundamental na cidade de João Pessoa – já

pudemos nos deparar com várias situações admiráveis capazes de estimular o prazer de

exercer esta profissão, como também, e infelizmente devemos ressaltar, com situações

precárias e desestimulantes de quem deseja seguir na carreira docente de ensino básico.

E uma dessas situações constrangedoras, sobre a qual iremos nos debruçar, refere-se à

forma como vem sendo tratado o sistema de educação inclusiva2, tanto em escolas

públicas como em escolas particulares.

A situação em questão refere-se aos alunos surdos ou com algum grau de

deficiência auditiva, como também outras especificidades situacionais de aprendizagem.

A diversidade dos alunos que compõem as salas de aula geralmente é para compor uma

estatística percentual dos planos de inclusão governamental, que reza que toda criança

em idade letiva deve estar na escola e que, pelo menos, do ponto de vista quantitativo,

se justifica a liberação das verbas e dos gastos com os programas educacionais, como

o é caso do IDEB, FUNDEB e PDE3.

2 Trata-se dos planos políticos e pedagógicos que, nas últimas décadas, tentam superar as formas tradicionais de

ensino e aprendizado na sociedade brasileira, no intuito de criar um ambiente escolar mais democrático e viabilizar o

acesso escolar aos portadores de algum tipo de deficiência, como podemos perceber na Política Nacional de

Educação Especial. Entretanto os processos de inclusão escolar ainda não estão perto de atingir índices desejáveis de

qualidade. Sobre esse assunto ver Michels (2006). 3 (IDEB) Índice de Desenvolvimento de Educação Básica; (FUNDEB) Fundo Nacional de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação; (PDE) Plano de

Desenvolvimento da Escola. Como nos mostra Saviane (2007), os planos nacionais que visão melhorar o

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Essa realidade também pode ser corroborada quando nos deparamos com salas

sem estrutura mínima de higiene, mobília e material didático para acomodar com

dignidade os alunos, que hipoteticamente não possuem nenhum tipo de deficiência, bem

como com a situação do professor ou da escola que possui a incumbência de acolher e

desenvolver a aprendizagem e a interação social de alunos surdos ou com outras

necessidades especiais.

Não obstante, percebemos que nem mesmo a escola ou o professor possuem

capacitação técnico-pedagógica para lidar com alunos portadores de necessidades

especiais, faltando o mínimo de conhecimento, sensibilidade e preparo para desenvolver

uma comunicação de qualidade com este aluno, que vai fazer parte do seu cotidiano e

necessita de uma prática pedagógica diferenciada e adequada as suas necessidades.

Devemos acrescentar que nem toda escola particular está preparada para esta

nova perspectiva de atuação inclusiva. Ao trabalharmos em uma instituição de ensino

particular, pudemos perceber que desde o momento de pré-matrícula, a orientação

recebida por parte da direção da escola era de barrar o acesso de alunos portadores de

quaisquer deficiências físicas ao colégio. Dessa forma, os funcionários da secretaria da

escola eram orientados a informar aos pais ou responsáveis de alunos portadores de

deficiência que o número regular de alunos, permitido por sala, já estaria completo.

No caso específico desta escola particular acima referida, na qual

trabalhávamos, o discurso contradiz a própria perspectiva de inclusão divulgada pela

instituição à comunidade. A escola possuía infraestrutura adequada, com rampas de

acesso, estacionamento prioritário, salas amplas e equipadas com instrumentos

audiovisuais para facilitar a aprendizagem dos alunos, sendo ou não portadores de

deficiências físicas, além de contar com a presença de um professor intérprete de

LIBRAS. Contudo, estes materiais e o aproveitamento do profissional com qualificação

adequada eram desnecessários, pois seria negada, antecipadamente, as matriculas de

alunos portadores de necessidades especiais. Assim, os materiais didáticos destinados

ao aprendizado eram esquecidos na sala de Recursos Áudio Visuais (RAV) e o

professor com especialidade em educação especial era remanejado para ministrar aulas

de reforço a alunos que apresentavam dificuldades de aprendizado.

desenvolvimento da educação básica, na sociedade brasileira, ainda não alcançaram um índice satisfatório: “isso

porque não estão claros os mecanismos de controle, permanecendo a possibilidade de que as administrações

municipais manipulem os dados de modo a garantir o recebimento dos recursos, apresentando estatísticas que

mascarem o desempenho efetivo, em detrimento, portanto, da melhoria de qualidade” (SAVIANE 2007, p.1232).

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Os alunos surdos ou portadores de quaisquer tipos de deficiências precisam

realizar atividades que estimulem o desenvolvimento do seu potencial cognitivo e

desafiem a superação de possíveis dificuldades de aprendizagem. Permanecer nas salas

de aula realizando tarefas sem orientação pedagógica e sem definição clara dos

objetivos na execução de pinturas, recortes ou outras atividades do cotidiano escolar não

parece consoante com as reais habilidades cognitivas destes alunos.

É certo que atividades de pintura, recorte e colagem de papel são importantes

em qualquer idade letiva, desde que sejam direcionadas e possuam um objetivo

pedagógico para o desenvolvimento das habilidades cognitivas dos alunos. Entretanto,

estas atividades parecem não possuir fundamentos pedagógicos ao serem delegadas em

sala de aula pelo professor de modo aleatório ou como divisor de águas, separando os

que têm ou não capacidade de aprender utilizando outras estratégias de ensino e

aprendizagem.

Parece que, neste sentido, a educação no Brasil e na cidade de João Pessoa

percorre um caminho muito distante e dissonante das propostas de educação inclusiva e

as melhorias possíveis para a vida em sociedade. Sociedade esta que precisa,

urgentemente, de normas que regulamente e que incentivem o respeito e a convivência

com o diferente (FALCÃO 2011; MAZZOTA 1999; MICHELS 2006).

Outro fator bastante relevante nesta convivência de sala de aula era a reação

dos pais que formavam esta comunidade escolar, especificamente frente ao tratamento

dispensado aos alunos com necessidades especiais. Os pais dos alunos não surdos

conviviam confortavelmente com estas práticas “ditas pedagógicas”, parecendo não se

incomodar com a presença daquele aluno surdo na sala, desde que sua postura fosse de

ficar em seu lugar, sem atrapalhar o aprendizado dos seus filhos não deficientes.

Por outro lado, os pais dos alunos surdos, aparentemente, se preocupavam mais

com a frequência de seus filhos na escola do que com a forma de como eram tratados

em sala de aula, mesmo tendo conhecimento das práticas (ditas pedagógicas) para

incluir os alunos com necessidades especiais4.

4Como exemplo do que expomos parágrafo acima, podemos descrever uma situação de uma escola pública de

Bayeux, quando lecionávamos em uma turma de Ensino Fundamental – Alfabetização - em que a faixa etária dos

alunos era de 5 a 6 anos. Em pleno mês de setembro, final do 3º Bimestre letivo, chegou à turma uma aluna surda,

numa turma já aglomerada de alunos, sem nenhum histórico escolar. Uma matrícula em tais condições não seria

possível, mas por uma determinação do conselho tutelar e do juizado de menores, a mesma, já com quatorze anos de

idade, deveria ser matriculada em uma série de alfabetização. Percebemos que a situação era bastante delicada, uma

vez que toda estrutura de sala de aula era adaptada aos moldes da educação infantil, tendo que, neste caso,

obrigatoriamente atender as necessidades especiais de uma pré-adolescente sem saber se comunicar com os demais

colegas de classe e a professora que não sabia (LIBRAS). Esta situação de falta de comunicação se estendia à escola

inteira. Como professora nos caberia à incumbência de alfabetizá-la e promover um ambiente saudável em sala de

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Observamos que, por várias vezes, pais de alunos surdos deixavam seus filhos

na escola e pouco tempo depois retornavam para buscá-los. Sempre indagando se a

chamada escolar já havia sido realizada pela professora.

Possivelmente, essa preocupação com a frequência dos alunos, por parte de

seus responsáveis, teria relação direta com o recebimento de benefícios financeiros de

alguma esfera pública, pois um dos principais requisitos para garantir auxílio dos

programas sociais destinados a famílias de baixa renda (sobretudo o bolsa escola) é

exigir a frequência e a permanência na escola de crianças e jovens menores de idade.

Esse tipo de realidade se afasta muito da ideia de educação inclusiva e dos

parâmetros traçados pela Política Nacional de Educação Especial, mostrando o

despreparo tanto pedagógico e estrutural das escolas de nível fundamental e médio,

assim como não condiz com a aplicabilidade de algumas teorias pedagógicas clássicas,

desenvolvidas, sobretudo por Vygotsky (1997), quando compreendeu que o

desenvolvimento de crianças que possuem algum tipo de deficiência mental ou física

acontece da mesma maneira que as das crianças que não possuem nenhum tipo de

necessidades especiais. Ainda segundo Vygotsky (1997) crianças com necessidades

especiais não são diferentes ou inferiores aos demais, apenas apresentam um

desenvolvimento intelectual único e diferenciado, sendo capaz de, como qualquer outro

infante, aprender, compreender e reproduzir tudo que lhe é ensinado.

Neste sentido, diante dessas e outras situações que procuramos expor, o que

passou a nos interessar nesta temática de pesquisa seria compreender o que estes alunos

surdos, ou pessoas surdas, faziam fora dos muros escolares que lhes servisse de

diferente daquelas situações vivenciadas em sala de aula. O que lhes parecia atrativo,

satisfatório, alegre, produtivo, educativo, sadio, relacional, social etc. Existiria, desse

modo, um ambiente onde estas pessoas pudessem vivenciar os momentos de

sociabilidade que, corriqueiramente, transpassasse aquele local escolar que segundo a

opinião dos alunos era sem muitos estímulos de convivência e socialização?

Como deduzíamos que para trabalhar com este tema junto às crianças talvez

enfrentássemos a barreira dos seus tutores e um possível medo dos pais de perder os

aula que estimulasse a interação e a aprendizagem entre os alunos não surdos. Entretanto, o nosso despreparo

pedagógico para esse tipo de situação, bem como o da escola, apenas remediou o que deveria ser tratado com mais

profissionalismo. Assim, a própria coordenadora pedagógica orientou para proceder como o de costume nas demais

escolas e naquela em particular, ou seja, agir como se a aluna não existisse na sala, dar atenção apenas aos alunos não

surdos e para a aluna surda distribuir tarefas mais simples da educação infantil, atividades de pintura, recorte e

colagem sem nenhum direcionamento pedagógico.

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benefícios sociais adquiridos5, devido ao contato mais próximo com as famílias,

poderiam aparecer inseguranças sobre a divulgação das informações obtidas durante a

pesquisa. Provavelmente a constatação de que a família possuísse outras fontes de renda

ou que a “deficiência” dos filhos não fosse tão incapacitante como eventualmente se

propunha. A presença de um pesquisador em suas casas talvez não fosse tão bem vinda

como o esperado. Desta forma, procuramos órgãos públicos direcionados a pessoas

portadores de necessidades especiais e que abrangessem outra faixa etária. Assim, esta

nova delimitação de grupo nos levou a procurar os serviços da FUNAD – Centro

Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência e ASJP - PB – Associação de Surdos de

João Pessoa - Paraíba.

Assim, a idealização desta pesquisa está intrinsecamente ligada as diferentes

formas e ao tempo do lazer e entretenimento praticados por este grupo de surdos na

cidade. Pretende-se analisar e compreender como ocorrem seus códigos de convívio

social, como as pessoas surdas estabelecem suas relações de sociabilidade. Procuramos

percorrer com eles os itinerários e os espaços da cidade onde realizam festividades e

comemorações ou até mesmo apenas lugares de descontração e uma simples conversa.

Por meio da delimitação de um grupo de surdos que frequentassem concomitantemente

estes dois locais, FUNAD e ASJP-PB, acompanhamos este grupo de surdos pela cidade

de João Pessoa, tentando construir uma narrativa dos pontos urbanos mais visitados por

eles.

Neste trabalho, buscamos compreender a sociabilidade deste grupo de surdos,

onde a cidade de João Pessoa se torna cenário fundamental para a elaboração de uma

narrativa tanto sobre a cidade vista e vivida sobre a percepção deste grupo, bem como

suas experiências compartilhadas cotidianamente. Nesta descrição procuramos entender

como a pessoa surda estabelece um dialogo por meio de sua língua de sinais que –

diferentemente da língua auditiva e oral que usualmente estamos acostumados – são

expressas através dos gestos das mãos, do balanço de cabeças, dos olhares e das feições

frenéticas que mudam a cada conversa. Neste sentido, não é apenas as mãos que falam,

5 Referimo-nos, neste caso à: Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei nº 8742 de 07 de Dezembro de 1993

que estabelece auxílio financeiro de um salário mínimo para pessoa surda que demonstre incapacidade para o

trabalho. Benefício de Prestação Continuada (BCP) – Lei nº 8742/93, art. 20 e 21 - Lei n.º 10.836/04 - Decreto n.º

5.209/04 - Decreto 6.214, de 26/12/2007 determina que pessoas com deficiência com até 16 anos de idade passam a

ser beneficiárias de programa sociais. Programa Bolsa Família. Apesar do Bolsa Família não poder ser acumulado ao

(BPC), muitas famílias que participantes do programa acumulam as duas rendas, pois a suspensão do benefício

acumulado depende da informação do beneficiado ao CadÚnico (Cadastro Único). Para ter acesso a esse benefício a

família deve ter uma renda inferior a ¼ do salário mínimo por pessoa. (http://jus.com.br/forum/7697/portadores-de-

deficiencia-auditiva-tem-direito-a-algum-beneficio-do-governo)

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mas todo um movimento corpóreo que permite o diálogo e a comunicação da pessoa

surda.

A língua de sinas é uma língua do corpo e isto a torna rica e complexa, como

observou Sacks (2011). Daí que procuramos descrever, também, o nosso processo de

aprendizado com a língua de sinais que permitiu não só adentrarmos um pouco no

universo deste grupo de pessoas surdas, mas também aprender outra forma de

comunicação e expressão linguística.

A maior parte do desenvolvimento da pesquisa ocorreu na ASJP-PB devido ao

fato de que as reuniões deste grupo de surdos são mais frequentes neste ambiente e a

realização de festas e comemorações são mais intensas neste espaço, que não exigia

tanta formalidade e, além disso, as pessoas surdas podiam estar mais à vontade sem os

olhares curiosos ou censuradores sobre a sua forma de falar com o corpo e da sua

sociabilidade.

Procuramos, também nesta pesquisa, observar o processo mútuo de

estranhamento entre pessoas surdas e não surdas, ora declarados, ora não declarados, no

momento em que estes grupos circulam concomitantemente nos espaços comuns da

cidade (igrejas, shoppings, praias, terminal rodoviário, escolas, associações). Além de

abordar as tensões cotidianas vivenciadas entre esses grupos no que diz respeito ao uso

social do espaço urbano. Segundo Barth (2000), indivíduos ou os grupos sociais

estabelecem diversas fronteiras; propondo entre si, mesmo que inconscientemente,

jogos de interesses multilaterais entre os personagens e a sociedade. Assim, a sociedade

pode ser vista como um campo de tensões políticas e culturais sobre o domínio destes

espaços que são utilizados em horários e dias distintos por este grupo de surdos na

cidade.

Vale ressaltar também a experiência dicotômica vivenciada no espaço urbano

por pessoas surdas e não surdas. Afinal, a cidade possui um ritmo acelerado de

transeuntes aparentemente desgovernados, sem tempo para parar ou observar o que se

passa ao lado. São ruídos, barulhos ensurdecedores que geram sensações pessoais, quer

sejam em pessoas surdas ou não.

É importante avaliar como pessoas surdas reagem a essa vitalidade e agilidade

da cidade, que aparenta ter vida própria mesmo quando parece calma em dias de

grandes feriados ou domingos monótonos. Às vezes, pessoas não surdas desejam ouvir

um pouco do silêncio para praticar a concentração, desenvolver a aprendizagem,

explorar as habilidades de análise e percepção dos fatos que as rodeiam, são

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competências da cognição que muitos tentam cultivar. Como avaliar este tipo de atitude

com uma pessoa surda? Como estes reagem ao movimento frenético da cidade e como

percebe a cidade? São questões que pretendemos discutir neste trabalho a partir da

vivência com o grupo de pessoas surdas que frequenta a ASJP-PB, como também a

FUNAD.

É interessante ter a oportunidade de avaliar, neste trabalho, a relação de

estranhamento entre a sociabilidade de pessoas surdas e não surdas e como, neste

aspecto, o silêncio da comunicação desenvolvida por meio das mãos pelos surdos

incomoda tanto as pessoas não surdas, inclusive, alguns ruídos ou resíduos vocais

produzidos pelos surdos em sua comunicação. Bem, o fato é que, entre os surdos

voluntários a participarem desta pesquisa, podemos constatar tal situação quando os

mesmos se referem aos não surdos como arrogantes ou preconceituosos a respeito do

seu modo de linguagem e comunicação.

Desse modo, “o não escuto, não falo e não quero”, propositalmente título dessa

dissertação, foi definida devido a este estranhamento, pois muitos surdos, mesmo sem

nunca terem escutado uma palavra, são oralizados, falam fluente o português e lêem

lábios com tanta destreza que uma palavra não passa despercebida, entretanto, não

querem e nem precisam falar o português e, em algumas situações, desprezam

totalmente essa língua oral, se expressando apenas pelos sinais da sua língua oficial que

é o idioma LIBRAS.

Assim, acreditamos que é relevante buscar compreender o entrelaçamento das

relações sociais que envolvem o “diferente”, ao passo que na paisagem urbana, estas

relações parecem ser tão semelhantes e imbricadas; pois, dessemelhantes se estranham,

se ignoram, se hostilizam (AUGÉ, 1999; LE BRETON, 1997; LEFEBVRE, 2004;

MAGNANI, 2007; OLIVEN, 1996; PARK, 1973; PAIS, 1992; QUEIROZ, 2007;

SIMMEL, 1973; VELHO 1997) quer seja de modo declarado com risinhos, piadas,

menear de cabeça ou senso de superioridade, igualmente recíproco pelos distintos

grupos de pessoas surdas e não surdas.

Ao participar de eventos e do cotidiano deste grupo de pessoas surdas pudemos

perceber e observar a repulsa que muitos sentem por pessoas não surdas, reproduzindo

os padrões de comportamento da sociedade e os processos discriminatórios. A proposta

deste trabalho não conjectura explicar a totalidade e a profundidade de tais questões,

pois foge à nossa capacidade uma discussão tão analítica das relações humanas neste

sentido.

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Porém, nos coube, nesta pesquisa, a tentativa de buscar compreender pelo

menos a tensão que envolve estes relacionamentos de pessoas surdas entre si e com

aquilo que Marc Augé (AUGÉ 1999) discute, à princípio, sobre a perspectiva e o

entendimento que estabelece a noção do outro.

Assim, Augé (1999) nos mostra, que o sentido do outro assume, na perspectiva

antropológica, a possibilidade de compreensão de planos simultâneos que permite o

conhecimento dos conflitos entre semelhança e alteridade das identidades e símbolos

construídos por indivíduos imersos em um espaço e tempo social qualquer. Nas palavras

desse autor: “A primeira tarefa do antropólogo é a de estabelecer essa carta de

identidade e alteridade relativas” (AUGÉ, 1999, p. 10). Procuraremos assim, no esforço

deste trabalho, compreender um pouco sobre essas alteridades relativas a este grupo de

pessoas surdas, na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba.

Esta dissertação é composta, além desta introdução, por quatro capítulos. No

primeiro capítulo, procuramos elaborar um referencial teórico-metodológico sobre

nossa pesquisa, tendo como foco de discussão à surdez, sociabilidade, percepção e

sensação. Neste, além de tentarmos problematizar nossa temática com alguns autores,

também descrevemos o método que utilizamos no decorrer do trabalho de campo.

No segundo capítulo, delimitamos o contexto histórico do surgimento da

FUNAD e da ASJP-PB, bem como do idioma de LIBRAS no Brasil, com o objetivo de

esclarecer o universo no qual está inserido o sujeito surdo, os avanços e conquistas

sociais deste grupo no decorrer de alguns aspectos históricos e a importância do

reconhecimento da Língua de Sinais como fator de reconhecimento social e da

associação de surdos como espaço de sociabilidade da pessoa surda.

No terceiro capítulo, serão abordados os desafios de inserção e de aceitação da

pesquisadora pelos sujeitos interlocutores desta pesquisa, uma vez que, conforme Beaud

e Weber (2007, p.171), três elementos devem prender a atenção do pesquisador, antes

de colocar em ação comparações sistemáticas: “relacionar, em cada caso, posições

objetivas, práticas e pontos de vista subjetivos; as palavras nativas e os silêncios; os

mal-entendidos”. Buscamos, ainda neste capítulo, descrever a importância das festas de

surdo na ASJP-PB, como elemento fundamental de uma sociabilidade que expõe

determinadas ambiguidades de aceitação e não aceitação de alguns atores sociais no

interior do grupo.

Por fim, no último capítulo, procuramos discutir a sociabilidade deste grupo de

surdos tendo como pano de funda a cidade de João Pessoa. Desse modo, tentamos

Page 20: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

20

compreender os processos de interação do grupo a partir dos circuitos de lazer e os

trajetos realizados por esse grupo na cidade, buscando olhar, sobretudo, os contrates

estabelecidos entre os integrantes do grupo, que buscam se diferenciar através da

construção simbólica de circuitos e pedaços (MAGNANI, 2007) mediados por uma

assídua frequência a determinados locais da cidade. Assim, a sociabilidade e as relações

sociais não passam, necessariamente, pela constituição de vínculos mais próximos ou

íntimos entre todos os integrantes da ASJP-PB.

Page 21: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

21

CAPÍTULO I

TÃO PERTO E TÃO ESTRANHO: OBSERVAÇÃO, SURDEZ, PERCEPÇÃO

E SOCIABILIDADE

Neste capítulo apresentaremos reflexões que definiram nosso fenômeno

estudado, bem como os princípios metodológicos que estruturaram a pesquisa em

questão. Buscaremos, desse modo, refletir alguns autores que tratam direta e

indiretamente sobre a nossa pesquisa, não só no que diz respeito ao universo da

sociabilidade, mas também elementos que fundamentam um olhar as noções de corpo,

sensação e percepção etc.

1.1 Notas Sobre Corpo, Percepção, Sensação e Sociabilidade

O universo humano é multissensorial, dinâmico e perspicaz no que tange aos

sentidos cognitivos do aprendizado, das formas de sensibilidade e apreensão da

realidade funcional dos sujeitos. Jogo sensorial que envolve manifestações de

interlocuções dos indivíduos redefinidos pela existência de símbolos, comunicação,

linguagem corpórea, oral, visual e tudo aquilo que Merleau-Ponty (1999) define

enquanto sensação.

Assim, a sensação, para Merleau-Ponty (1999), permite a construção dos

elementos fundamentais que vão reordenar a vida do sujeito nos atos cognoscíveis da

consciência, ou seja, nesta perspectiva fenomenológica, é a intersubjetividade e

reciprocidade entre o sujeito, o outro e o mundo exterior que permite a definição e

aprendizado da consciência por analogias, reestruturando as ações e reflexões por

intermédio de modelos e conceitos mentais6.

Ao reportamos para o universo dos indivíduos surdos, compreendemos que a

surdez, segundo Falcão (2011, p. 7) “é uma diferenciador sensorial que apresenta um

risco de déficit cognitivo, intelectual e social”. Dessa forma, para que tal situação seja

revertida, se faz necessário à inclusão social e educacional especializada do deficiente

6 Como enfatizado, sobretudo por Levi-Strauss (1976), o método estruturalista, em etnologia, busca a pertinência dos

modelos que se reelaboram sobre determinada realidade interdepende de vários fenômenos em conjuntos.

Page 22: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

22

auditivo desde sua infância, levando em consideração os graus e tipos de surdez que,

variavelmente, são medidos de acordo com o déficit de audição.

O desenvolvimento das potencialidades da pessoa surda se faz, sobretudo, por

intermédio de outros sentidos, no qual a visão se torna preponderante na reestruturação

da percepção e sensação, bem como do aprendizado que, interativamente, vai elaborar a

cognição da pessoa surda em torno do mundo que o rodeia. Assim, é na reelaboração de

um novo aprendizado sensorial que a pessoa surda é capaz de sentir e refletir sobre o

seu entorno. Como observou Sacks (2010), além da visão, à linguagem de sinais é

composta por vários outros sentidos que são potencialmente desenvolvidos pela pessoa

surda.

O rosto também pode ter funções linguísticas especiais na língua de

sinais. Expressões, ou melhor, “comportamentos” faciais específicos

às vezes servem para indicar construções sintáticas como tópicos,

orações relativas e perguntas, funcionar como advérbios ou ainda

quantificar. É possível usar também outras partes do corpo. Qualquer

um desses recursos ou todos eles – essa vasta série de inflexões reais

ou potenciais, espaciais e cinéticas – pode convergir sobre os sinais

radicais, fundir-se com eles e modifica-los, compactando uma

quantidade enorme de informações nos sinais resultante (Sacks, 2010,

pp.75-77).

Neste sentido, o corpo se reeducado por intermédio de expressões faciais,

movimentos gestuais das mãos, meneados de cabeça e braços, entre outras formas de

comportamento que ajuda a compor a comunicação “gesto-corpórea” da pessoa surda.

Assim, lábios, olhos, mãos, braços e cabeça parecem ser reeducados em uma leitura

corpórea carregada de emoções e sentimentos despertados por atos incondicionais do

corpo e seus gestos. Como exemplificado por Mauss (2003), o corpo se torna um dos

principais elementos de destreza, imitação e aprendizado que permite a adaptação

normativa do indivíduo de acordo com as mudanças estruturais da cultura e suas

normas.

Nessas condições, cabe dizer simplesmente: estamos lidando com

técnicas do corpo. O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento

do homem. Ou, mais exatamente, sem falar de instrumento: o primeiro

e mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do

homem, é seu corpo. (Mauss, 2003, p. 407 – grifos do autor).

As técnicas do corpo, como mostra Mauss (2003), resulta em um forte

disciplinar corpóreo que tanto implica na elaboração dos gêneros e do sexo, como de

transição adaptativa as condutas comportamentais que se adquire ao longo da vida. O

Page 23: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

23

corpo, neste sentido, parece ser um dos principais objetos de aprendizado que se adapta

“naturalmente” ou espontaneamente aos meios sociais do qual o indivíduo faz parte.

Como enfatiza Gonçalves (2004, p. 107):

Mais do que nunca podemos afirmar que o corpo é uma construção,

não apenas simbólica, mas técnica, levando em consideração todos os

efeitos desta palavra.

Em autores como Le Breton (1995), Marzano-Parisoli (2004), Gonçalves

(2004) e Sennett (2008), a noção de corpo se reconfigura nas representações sociais e

históricas determinadas pela sua conceituação e adequação a padrões comportamentais

de condutas individuais e socialmente moralizadas. Princípios éticos e estéticos que

mantém e impõem limites, coerções e até mesmo repressão sobre o corpo humano, sua

individualidade e particularidade. Neste sentido, a pessoa surda parece inserido em uma

malha de retalhos que tanto disciplina seu corpo para formas usuais de expressão e

comunicação, bem como estabelece a identificação necessária em um universo de

aceitação, reconhecimento e individualidade. Não obstante, se por um lado o corpo da

pessoa surda parece falar, por outro ele cria uma marca única de identidade e

reconhecimento tanto por pessoas surdas ou não.

Na própria tentativa de traduzir a língua portuguesa para a dos sinais,

compreendemos como as mãos são fundamentais nesta reorganização de uma

comunicação que, a primeira vista, se faz apenas no silêncio gesticular. Todavia,

também percebemos como os olhos, a cabeça, os braços e até mesmo as pernas denotam

particularidades do indivíduo surdo através da sintonia entre corpo, visão e sensação, o

que torna a língua de sinais uma verdadeira comunicação gesto-visual bastante diferente

da língua de modalidade oral-auditiva.

Compreender como se estrutura a dinâmica das sociabilidades, de um grupo de

surdos na cidade de João Pessoa, foi fundamental atentarmos para os gestos, as ações

comunicacionais e sua linguagem que parece se reconfigurar diante das noções de

percepção e sensação experimentadas e vividas no ambiente da cidade. O olhar do corpo

da pessoa surda, com seus gestos e expressões, nesse caso, foram importantes na

mediada que conseguimos diferenciar suas atitudes e seus comportamentos no interior

das redes de associações, socialização e interação mais amplas, assim como seus trajetos

percorridos na cidade e suas vivências no espaço urbano que nos ajuda a compor os

significados das sociabilidades do grupo de surdos na cidade.

Page 24: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

24

Ao definirmos o conceito de sociabilidade, compreendemos de acordo com a

noção empregada por Simmel (2006), que esta demonstra os aspectos interacionais de

grupos e indivíduos que mantêm laços e vínculos sociais mais estreitos e duradouros,

entretanto, dialeticamente atravessadas por conflitos, redes de interesses, formas de

convívio que requer em um grau elevado de impulsos, ações, reações ou finalidades.

Esta noção de sociabilidade empregada por Simmel (2006) revela, dessa

maneira, aspectos multifacetados das redes de associações dos sujeitos relacionais,

obstinados a um convívio que, necessariamente, não se estabelece pela harmonização

das partes envolvidas, pois, por mais “pura” que a sociabilidade se mostre, parece existir

conflitos entre a personalidade individual e as formas de interação e sociação.

Para muitos homens que sentem a cada momento a profundidade e a

pressão da vida, a sociabilidade não poderia ter essa alegria

libertadora e redentora se ela fosse somente a fuga desta vida, ou uma

suspensão meramente momentânea de sua seriedade. De várias

maneiras, a sociabilidade pode ser esse elemento negativo, um

convencionalismo e uma troca internamente estéril de formas

(SIMMEL, 2006, p. 82).

Assim, a noção de sociabilidade, que na perspectiva simmelina é definida

através da forte afetividade, dos interesses comuns, do entrosamento, da descontração e

da fantasia, pode também ser atravessada pelos conflitos inerentes as interações sociais

e a personalidade dos indivíduos imersos na sociedade mais ampla.

Trata-se, pois, de entender as tramas de socialização dos sujeitos que mantém

seus vínculos sociais e seus interesses comunais. Como observou Velho (1997), isso

inventa as redes de significados que - semelhante às formas de sociação empregada por

Simmel (2006) - são intrínsecas a dinâmica dos próprios grupos sociais:

Podemos, portanto, admitir que em uma sociedade, especialmente nas

mais heterogêneas e diversificadas, pode haver n sistemas de

relevância e tipificações. De certa forma a cultura é o sistema mais

abrangente em que, pelo menos hipoteticamente, todos os outros

cabem através de um campo de comunicação comum apoiado na rede

de significados base de todas as possíveis variações. (VELHO, 1997,

p. 86 – grifos do autor).

É dessa maneira que tentamos compreender as práticas de sociabilidade sobre

um campo comunicacional do corpo que, aparentemente, constrói redes ou formas de

significados intrínsecos a estrutura sociocultural dos grupos de surdos na cidade de João

Pessoa. É relevante, desse modo, entendermos que esses processos, como nos mostra

Velho (1997), se encontra em constante mudança e redefine-se em níveis distintos de

realidades e planos multifacetados, o que segundo este autor, marca uma das principais

Page 25: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

25

formas de compreensão da cultura e dos diversos sistemas simbólicos, seja do outro ou

de nós mesmos.

No que diz respeito ao grupo de surdos que aqui propusemos estudar,

buscamos compreender as redes de significados múltiplos de interações e práticas de

sociabilidades estabelecidas entre si e com os demais e sua manutenção dos vínculos

necessários que redefinem a reciprocidade relacional da pessoa surda e sua identidade7

que, como comentamos parágrafos antes, parece ser permeadas por um jogo corpóreo de

gestos, sensações, percepções e emoções.

Para Stuart Hall (HALL 2000), a concepção de identidade deve ser

compreendida a partir dos diversos planos culturais e nos processos ininterruptos da

história, pois, segundo este autor haveria uma descentralização sobre a ideia do sujeito

da modernidade, o que permitiu a negociação e o surgimento de identidades

consideradas contraditórias, fragmentadas, inacabadas e dispersas na

contemporaneidade pós-moderna.

Desse modo, a descentralização do sujeito moderno e a sua dispersão diante de

uma cultura espacialmente heterogênea possibilitaram não definirmos, especificamente,

o que é uma identidade, mas o que faz e o que permite a construção de identidades

múltiplas, onde a relação é vista nos seus diferentes contrastes com o outro ou com

aquele que lhe falta.

Semelhante a Hall (2000), Maffesoli (2006), nos fala de uma saturação do

sujeito, da sua individualidade e de sua subjetividade, neste caso, a identidade também

se redefiniria sobre contextos que implicariam a noção de alteridade e da abertura para o

reconhecimento da diversidade de identidades que se abastecem de relações mais

emotivas e próximas, porém constantemente contraditórias, ambíguas, híbridas e

fluidas.

Neste sentido, a cidade com toda sua complexidade social e suas formas

geográficas definidas como espaço territorial, com conflitos e problemas de ordem

estrutural, propicia a diversidade e diferença cultural, econômica e social, firmados

7 Para o conceito de identidade podemos enxergar a perspectiva de autores que tratam o termo sob um olhar cultural

ou segundo uma construção cultural, suscetível a mudanças, processos ininterruptos definidos na história e

redefinidos na cultura. É o que pode ser visto em Semprini (1999) na perspectiva do multiculturalismo e em Hall

(2000) quando compreende que o surgimento de novas identidades, na cultura pós-moderna, reelabora uma

significação conceitual que abrange um campo histórico e cultural que forja o caráter especifico do outro, que se

reconhece e é reconhecido na diferença, na heterogeneidade, ou seja, no entendimento do incomum e do que lhe é

estranho.

Page 26: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

26

sobre conceitos que delimitam e distinguem categorias que podem ser analisadas sob

um universo empírico e suscetível de análise teórica (SIMMEL 1973, PARK, 1973,

MAGNANI 1984). Desse modo, podemos compreender, através dos sentidos e trajetos

percorridos pelos Surdos na cidade de João Pessoa, sua vivência na cidade, suas redes

de sociabilidades relevantes enquanto apreciação antropológica deste vasto campo de

conhecimento dos processos vivenciados no cotidiano e nas formas de interação e

sociabilidade destes grupos urbanos que dão significados ao meio urbano sobre um

campo de relação e vivência recíproca (LEFEBVRE 1998; 2004).

É desse modo que procuramos analisar e formular uma imbricação entre

vivência grupal, aqui entendido como reciprocidade de indivíduos imersos em um local

específico, (cidade de João Pessoa e o grupo de surdos) seus significados e

sociabilidades enquanto categoria antropológica fundamental para compreensão destas

formas de interação entre o sujeito e o espaço da cidade, que como bem expôs Eckert e

Rocha (S/D) torna possível à reconstrução temporal e social dos grupos que vivem e

compartilham experiências em um contexto urbano específico.

Pelas configurações dos relatos de seus habitantes e dos processos

interativos, pelas imagens e práticas dos indivíduos, pode-se

redimensionar a cidade como objeto que realiza uma obra temporal na

medida em que seus territórios e lugares se prestam ao enraizamento

de uma experiência comunitária de constante reordenação de um viver

coletivo. (ECKERT e ROCHA S/D p. 10).

É sobre esse viver coletivo que procuramos debruçar nossa pesquisa, onde os

locais e espaços da cidade se tornam fundamentais na manutenção dos vínculos de

reconhecimento dos grupos, ajudando a reordenar essa imbricação entre os atores

sociais e o lugar. Não se trata, pois, de um grupo de indivíduos dispersos na cidade, mas

atores que possuem experiências em comum nos espaços urbanos e, sobretudo, no

espaço da Associação de Surdos de João Pessoa (ASJP-PB). Assim, o grupo de surdos

aqui estudados se torna singular na medida em que reordenam os espaços de acordo

com suas experiências compartilhadas e de reconhecimento mútuo, tanto na associação,

como nos demais locais da cidade. São essas interações que procuramos objetivar no

decorrer desta dissertação.

Compreendermos que, se a inclusão social, como definida por Sassaki (2006) é

um mecanismo de adaptação normativa da sociedade, que busca reintegrar as pessoas

com necessidades especiais ao contexto de oportunidade e acessibilidades para todos, no

caso do grupo de surdos que estudamos, parece existir um diferencial nesta concepção

Page 27: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

27

devido ao fato do próprio grupo não achar que possui algum tipo de deficiência ou

necessitar de tratamento diferencial dos demais. Dessa forma, entendemos que teríamos

de adentrar e compreender um universo diferente do nosso, a começar pelo idioma. Mas

não era somente falar em libras que permitiria a inserção de um “estranho” em um

grupo, mas sim o compartilhar e vivenciar algumas formas de sociabilidade que poderia

permitir o mínimo de confiança recíproca.

Neste sentido, entendemos que a ideia de grupo gera um sentimento de

pertencimento fundamental para a manutenção destes vínculos, ajudando, também, a

quebrar alguns preconceitos, sejam decorrentes de condições sociais ou de estigmas

provenientes de aparência, deficiência ou etnia. Como percebeu Elias (2000) um grupo,

sobre vários aspectos, se torna autossuficiente, estabelece fronteiras visíveis ou não,

molda o caráter relacional do indivíduo e do conjunto sobre uma imagem

interdependente do eu-nós.

Compreendemos que esse grupo de surdos possui forte sentimento comunal

que define suas redes de sociabilidade, seus itinerários e trajetos percorridos na cidade

de João Pessoa. Parece se tornar reflexo da imagem eu-nós, como define Elias (2000),

na medida em que se percebem como grupo e se identificam como tais. Neste sentido,

são os gestos, os movimentos do corpo, sua linguagem gesto-corpórea, entre outras

características, tão bem demarcadas pela sensação, percepção e vivencia que definem

este grupo de pessoas surdas na cidade de João Pessoa. Procuraremos, ao longo dessas

paginas, demostrar essas características e também nossa experiência durante o processo

de elaboração do trabalho de pesquisa.

1.2 Contextualizando nossa observação e descrevendo o método

Segundo Malinowiski (1976), o método etnográfico se define enquanto uma

complexidade de técnicas de observação que implica um grau sistêmico de impressões

por parte de quem estar disposto a pesquisar, cientificamente, a vivência dos seres

humanos em suas peculiaridades.

A meu ver, um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável

se nos permitir distinguir claramente, de um lado, os resultados da

observação direta e das declarações e interpretações nativas e, de

outro, as interferências do autor, baseada em seu próprio bom-senso e

intuição psicológica.

Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e

historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante

acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas; não

estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao

Page 28: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

28

comportamento e memoria de seres humanos (MALINOWISKI, 1976,

p. 22-23).

Assim, o convívio e a participação cotidiana da vida dos “nativos” são,

segundo Malinowiski (1976), essenciais na formulação de um estudo etnográfico, bem

como a descrição dos procedimentos técnicos, da experiência do pesquisador em campo

e suas preferências teóricas na elaboração do trabalho científico.

Para Durham (1986), foi Malinowiski que lançou um novo olhar para

antropologia ao sistematizar a etnografia por meio de observações participantes, no qual

detalhes minuciosos devem ser descritos como reflexo da realidade que se procura

compreender.

Magnani (1984), também reconhece o pioneirismo de Malinowiski ao enfatizar

que o mesmo consegue definir uma nova antropologia através da observação e dos

relatos etnográficos que surge, inicialmente, como recurso metodológico para a

compreensão de comunidades ditas exóticas ou “selvagens”. Neste sentido, Magnani

(1984, 2002) faz uma análise “de perto e de dentro” que, diferentemente “do longe e do

fora”, busca refletir, identificar e compreender algo mais próximo ao pesquisador, ou

seja, o seu meio urbano. A etnografia, desse modo, também pode e deve ser feita nos

meios urbanos dando substância a antropologia dos grupos urbanos (OLIVEN 1996).

Ao utilizar as categorias de “pedaço, mancha, trajeto, circuito e pórticos”

Magnani (2002), consegue identificar e compreender a dinâmica, o estilo de vida, as

redes de sociabilidade, as formas de lazer, etc. dos grupos urbanos. Destarte, os pedaços

são lugares no qual os atores sociais se identificam, buscam e criam vínculos afetivos,

firmando laços de amizade e solidariedade mútua. As manchas são espaços sociais que

abrangem um número de pessoas desconhecidas, entretanto, enquanto prática simbólica

torna-se um local de reconhecimento por vários indivíduos. Os trajetos colocam os

espaços urbanos além de pontos particulares, são lugares que necessariamente as

pessoas transitam para chegar aos lugares desejados. O circuito trata-se de espaços onde

pessoas se reconhecem não pela proximidade espacial ou identificação com o lugar, mas

por frequências habituais, porém esporádicas, a um determinado lugar. Por fim, os

pórticos são espaços em que as pessoas evitam ou trafegam com insegurança por

acharem perigosos.

Neste sentido, a tônica desta pesquisa passou a ser a compreensão das redes de

sociabilidade do grupo de surdos na cidade de João Pessoa-PB a partir de três categorias

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29

propostas por Magnani (1984, 2002) de pedaço, trajeto e circuito, enquanto recurso

metodológico de observação dos espaços de sociabilidades no meio urbano

contemporâneo. As três categorias foram fundamentais nesta observação, pois

possibilitaram a visualização e o detalhe descritivos dos espaços e das formas de

entretenimento, lazer e sociabilidade do grupo de surdos, bem como os seus itinerários

percorridos na cidade de João Pessoa. Não trabalhamos as categorias de mancha e

pórticos em virtude de melhor aproveitar e aprofundar apenas três categorias na

realização do trabalho de campo.

Cabe ressaltar que além das categorias usados por Magnani (2002, 1984),

também utilizamos diário de campo, no intuito de relatar as práticas habituais do grupo

estudado, o que nos deu um suporte fundamental nas observações participantes,

sobretudo no espaço da ASJP-PB.

Por observação ou pesquisa participante compreendemos o que autores como

Velho (1997), Borda (1981), Rudio (1985) descrevem como sendo um tipo de ação no

qual o pesquisador deve desenvolver um senso crítico em relação a sua pesquisa, bem

como seu olhar e sua vivência pessoal como agente social, buscando uma aproximação

e compreensão das particularidades dos grupos que, inseridos em uma determinada

realidade social, compõem a referência fundamental do trabalho em desenvolvimento.

A pesquisa participante, dessa forma, segundo esses autores, pode ser

compreendida como uma ação voltada para o entendimento dos aspectos e fenômenos

individuais e sociais de uma coletividade, seus questionamentos, suas histórias, anseios

e projetos, articulados sob a vivência cotidiana e histórica do pesquisador e dos vários

atores sociais.

As ferramentas metodológicas utilizadas para realizar esta pesquisa tiveram

início com a aprendizagem do segundo idioma brasileiro – LIBRAS – no Centro de

Aprendizagem de LIBRAS – CALIBRAS. Ainda foram utilizados, como técnica de

pesquisa, entrevista por intermédio da aplicação de um roteiro com perguntas

estruturadas, como também a inserção no campo de pesquisa a partir da participação nas

festas realizadas na ASJP-PB e comemorações produzidas por este grupo. Além dos

passeios e momentos de entretenimento nos pontos de lazer existentes na cidade (praias,

parques, shoppings, etc.), como também no local de trabalho de alguns integrantes deste

grupo de pessoas, especificamente na FUNAD e em hipermercados da cidade8.

8Foi necessário visitar o local de trabalho de alguns surdos da associação para realizarmos as entrevistas sobre os

momentos de lazer que mais apreciavam na cidade. Não foi possível realizar as entrevistas em outro ambiente porque

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30

A pesquisa de campo foi realizada por um período de nove meses, entre abril

de 2012 a janeiro de 2013, no qual foram feitas visitas periódicas às festas (realizadas

duas vezes a cada mês) e ao local de trabalho (uma vez a cada mês) de alguns do grupo

de colaboradores surdos. A pesquisa pôde contar com a convivência mais próxima de

dez pessoas surdas de modo mais efetivo. Com estes colaboradores foi possível

acompanhá-los em seus passeios, participar de suas conversas, frequentar eventos

sociais como shows e saber de seus projetos de vida a curto e longo prazo.

Além desse período de nove meses de pesquisa de campo, também

participamos, como comentamos anteriormente, de um curso de Língua Brasileira de

Sinais, entre março de 2011 a dezembro de 2011. Tivemos aulas de LIBRAS no Centro

de Aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (CALIBRAS). As aulas eram

periodicamente assistidas aos sábados, das nove horas da manhã ao meio dia. A carga

horária do curso compreendia um período de 120 horas de estudo presenciais,

contemplando ainda avaliações escritas e gestuo e emissão de certificado devidamente

reconhecido pelo MEC aos alunos.

Estudar LIBRAS foi fundamental para adentrar um pouco no universo

relacional do grupo de surdos, bem como permitiu a comunicação necessária entre nós e

os atores pesquisados. Recordamos bem que no inicio das incursões em campo, quando

ainda não possuíamos um vocabulário muito vasto de LIBRAS, as conversas com as

pessoas surdas sempre eram interrompidas por eles frequentemente, ao declararem

categoricamente que enquanto eu não soubesse falar em LIBRAS corretamente, sem

demoras ou não saber empregar os sinais, não aparecesse lá para conversar. E ainda

me aconselhavam a ir procurar os serviços da FUNAD para aprender LIBRAS melhor.

Ao longo das participações nas festas organizadas pela ASJP-PB também foi

possível conhecer mais pessoas surdas e buscar informações sobre seu universo. Estes

períodos também foram de extrema importância para praticar o idioma e aprender novos

sinais, aprimorando minhas habilidades comunicativas com os surdos da associação.

Principalmente com os que se dispuseram a ter mais paciência e me ensinar a sua

língua.

Entretanto, apesar de visitarmos assiduamente a ASJP-PB, não foi possível

desenvolver uma rede maior de colaboradores que permitissem a convivência como

os surdos declararam não dispor de tempo extra para dialogar sobre o tema da pesquisa, uma vez que trabalhavam

muito e estavam ocupados com outras atividades, e quando convidados a participar das entrevistas de modo informal

na associação, também recusaram, alegando ser um momento de diversão.

Page 31: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

31

grupo em seus momentos e itinerários de lazer e sociabilização. Deste modo, a troca de

informações restringiu-se apenas ao ambiente da associação.

As entrevistas com o grupo de surdos da associação ocorria de modo informal,

por meio de conversas em LIBRAS. Geralmente, seguíamos um roteiro mental com

questionamentos referentes aos locais de lazer mais apreciados em João Pessoa e se a

cidade dispunha de equipamentos de entretenimento capazes de atrair e acomodar bem a

sua permanência e a sua circulação por ela.

Não foi possível utilizar a técnica de gravação com os surdos da associação,

mesmo com os que eram oralizados, haja vista, que no espaço da ASJP-PB todos só se

comunicam por meio da linguagem dos sinais. Só era possível anotar as informações do

campo quando chegávamos em casa. Dependíamos completamente dos recursos da

nossa própria memória visual e corporal, proporcionada pela linguagem de sinais.

Esta forma de registro do diário de campo tornou a execução do trabalho de

anotação dos dados um pouco mais complexa, pois exigia o domínio do idioma de

LIBRAS e um grande esforço cognitivo de memorizar os fatos ocorridos em cada

contato com o grupo de surdos da associação. Para facilitar a execução destes registros

procuramos fotografar os momentos de festa e de lazer com os surdos que se

dispuseram a participar e a colaborar com a pesquisa.

O grupo de surdos no qual se refere este trabalho é composto por 10 pessoas.

Para desenvolver uma identificação mais consistente deste grupo, segue abaixo uma

tabela contendo informações pertinentes ao perfil sócio-cultural de cada entrevistado

que interessam a esta pesquisa e à abordagem no campo realizado por nós.

Nomes

Idade

Sexo

Estado

civil

Formação

escolar

Local de

Trabalho

Percentual

de

remuneração

Local de

residência

Local de

lazer

Cor

S. 34 anos

Fem. Casada Sem

filhos.

Ensino superior

completo

FUNAD 5 a 6 salários mínimos

Jaguaribe Praias, barzinhos,

shoppings,

associação.

Branca.

J. 36

anos

Fem. Casada

com dois

filhos

Ensino

Médio

completo

Hiper

Bompreço

1 a 3 salários

mínimos

Jaguaribe Praias,

shoppings.

Branca.

R. 24 anos

Fem. Solteira Ensino Superior

incompleto

FUNAD 5 a 6 salários mínimos

Bancários Praias, barzinhos,

shows e shoppings.

Branca.

M. 27

anos

Fem. Solteira Pós –

graduação

FUNAD 7 a 8 salários

mínimos

Bancários Praias,

barzinhos,

shoppings, associação.

Branca.

R. Jr. 35

anos

Masc. Divorciado Pós –

graduação

FUNAD 6 a 10

salários mínimos

Expedicionários Praias,

barzinhos, shoppings,

associação.

Branca.

Page 32: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

32

J. 23 anos

Masc. Casado sem filhos.

Ensino superior

completo

FUNAD 5 a 6 salários mínimos

Castelo Branco Praias, passeios

no campo,

shoppings, associação.

Negra.

L. 29

anos

Masc. Solteiro Ensino

superior completo

IFPB 4 a 6 salários

mínimos

Manaíra Praias,

barzinhos, shoppings,

associação.

Branca.

A. 30

anos

Masc. Solteiro Pós –

graduação

ANVISA 5 a 8 salários

mínimos

Tambaú Praias,

barzinhos, shoppings,

associação.

Branca.

T. 36 anos

Masc. Solteiro Ensino superior

completo

FUNAD 3 a 5 salários mínimos

Torre Praias, barzinhos,

shoppings,

associação.

Branca.

G. 27

anos

Masc. Solteiro Ensino

superior

incompleto

Autônomo

professor

de LIBRAS e

Intérprete

5 a 6 salários

mínimos

Jardim Luna Praias,

barzinhos,

shoppings, associação.

Branca.

Fonte de pesquisa, dezembro de 2011.

Como podemos perceber no quadro acima, o grupo de surdos é composto de

uma faixa etária entre os 23 aos 36 anos de idade; sendo 4 mulheres e 6 homens; todos

possuem emprego e uma renda que varia entre 2 a 10 salários mínimos; 6 deles são

solteiros, 1 é divorciado e 3 são casados; residem em bairros de classe média e média

alta da cidade. Deste universo também cabe ressaltar que todos, com exceção de uma,

participa da associação como espaço de sociabilidade. As praias, bares e shoppings

compõem também espaços de lazer frequentados, assiduamente, por essas pessoas,

entretanto, vale destacar que a associação ASJP-PB é o local que possibilita um

reconhecimento entre este grupo, no qual os mesmos podem se identificar de acordo

com uma lógica de atividades e interações reciprocas.

Procuramos, neste capítulo, descrever alguns recursos teórico-metodológicos

que orientou nosso trabalho de campo. Compreendemos de acordo com Velho (1997)

que a observação do familiar pode ser feita, a princípio, também sobre o que nos parece

diferente, estranho ou exótico, pois a tarefa de estranhar esse familiar ou o que nos

parece familiar, realmente só é possível quando, como afirma Velho (1997, p.131):

“somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo emocionalmente, diferentes

versões e interpretações existentes a respeito de fatos e situações”.

A tarefa de trabalhar com um grupo de surdos nesta pesquisa nos possibilitou

estranhar um familiar tão longínquo da nossa realidade, pois, sendo ouvinte e falante, as

percepções e sensações, bem como a comunicação, se distancia do universo sensorial e

comunicacional da pessoa surda, todavia, a pessoa surda está perto, convive e

compartilha de ambientes públicos da cidade de João Pessoa, ou seja, como nós

Page 33: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

33

ouvintes, eles se fazem presentes nos ambientes urbanos através de suas relações e redes

de sociabilidade, o que o torna familiar e próximo a nós, mesmo que as barreias

impostas pela linguagem ou pela indiferença persista no cotidiano, seja dos ouvintes ou

da pessoa surda. Assim, procuramos relativizar esse familiar no intuito de quebrar, ao

menos em parte, preconceitos e indiferenças.

Page 34: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

34

CAPÍTULO II

CONTEXTO HISTÓRICO DA LÍNGUA DE SINAIS – CONCEPÇÃO DA

COMUNICAÇÃO COM AS MÃOS E O LUGAR ONDE ISSO É POSSÍVEL

2.1 A língua de Sinais no Contexto das Associações

Como observou Sacks (2010) o termo surdo é bastante vago, pois não descreve

os graus de surdez e suas diferenças sensoriais que podem ser trabalhadas,

especificamente, no trato do desenvolvimento cognitivo, intelectual, cultural e social da

pessoa surda, ou seja, existem vários tipos de surdez, desde os que nascem totalmente

surdos, até os que perderam a audição já em idade infantil ou adulta9. Ainda segundo

Sacks (2010), quanto mais cedo uma pessoa adquire uma língua, mais rápido será seu

desenvolvimento e sua inserção social e cultural. No caso das pessoas surdas, essa

língua é a de sinais, pois sendo uma língua criada pelos próprios surdos permitiu, ao

longo dos séculos, moldar a comunicação, o desenvolvimento cognitivo e a autonomia

da pessoa surda no mundo que o rodeia.

Neste contexto, a vivência escolar é uma das primeiras oportunidades de que os

indivíduos surdos e não surdos dispõem para desenvolver, de forma multidimensional,

desde os valores objetivos à sua própria subjetividade, passando pela perspectiva da

autonomia, da liberdade, da responsabilidade social, pessoal e coletiva, além de situá-

los sobre qual o lugar que ocupam em seu próprio mundo (FALCÃO 2011, 2007).

Diante do exposto, este capítulo não pretende apenas retratar como a educação

pode ser possível para pessoas surdas e não surdas em um mesmo espaço físico e

interacional, mas compreender que para se tentar qualquer processo de aproximação ou

interação com uma pessoa surda, é necessário, a princípio, a compreensão por parte das

pessoas envolvidas dos mecanismos de cognição e percepção deste indivíduo surdo que

são diferentes daqueles indivíduos não surdos; pois percorre um caminho visuo-gestual

9 Há diferenças de uma pessoa que nasce surda e de uma que, por alguma consequência, ficou surda, bem como

existem diferenças de pessoas com lares de pais que escutam, mas que nasceram surdas, ou de pessoas surdas que

possuem pais surdos. O que está em jogo são as formas de adquirir a língua, uma vez que uma pessoa que nasce

totalmente surda, em um lar de surdos, possui mais facilidade para desenvolver a linguagem de sinais do que uma que

já possuía uma língua oral, porém ficou surda. Outra questão é que se uma língua de sinais não for devidamente

ensinada a uma pessoa totalmente surda, dificilmente ela irá se desenvolver, como se espera, intelectualmente e

socialmente. No caso de pessoas que eram oralizadas e ficaram surdas, mesmo ao possuir uma língua que permite seu

pensamento em formas de palavras, este terá que aprender uma nova comunicação e outro olhar perceptível e

sensorial da língua, do pensamento e do mundo social e cultural que o mesmo já conhecia. Sobre esse assunto ver

Sacks (2010).

Page 35: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

35

e, portanto, passa por uma reestruturação da sintaxe pertinente ao diálogo verbal para o

diálogo sinalizado a respeito do mesmo mundo ao qual pertencem indivíduos surdos e

não surdos.

Sendo a linguagem assumida como função reguladora da

comunicação, da aprendizagem, do pensamento analítico e reflexivo,

consciente e intervencionista, a leitura de mundo e o modelo de

educação doméstica e social ultrapassam do individual para o

relacional dialógico. O sentimento de coletividade deixa de existir

num ambiente onde a comunicação não é um elemento de ligação e

compreensão interpessoal. Além dos valores sociais, afetivos e

educacionais, a linguagem amplia a função comunicativa organizando

e estimulando o pensamento, favorecendo o cognitivo num

mecanismo de feedback contínuo. O isolamento social atrofia o ser

que é constituído a partir da relação com o outro (FALCÃO, 2007,

p.16).

Isto implica dizer que o reconhecimento e a popularização da Língua de Sinais

universalizam o acesso e o diálogo entre as pessoas surdas e não surdas à comunicação

e aos processos de sociabilidade, proporcionando o encontro de vozes que eram

aparentemente discordantes e silenciosas, mas que são vivas e comunicativas. Este tipo

de relação propicia o encadeamento de elementos que formam o processo de

entendimento das formas comunicativas entre os sujeitos que se utilizam dos

mecanismos visuo-gestuais (sujeito surdo) e dos mecanismos oroauditivos (sujeito não

surdo). O que nos permite compreender que os sujeitos, apesar de serem diferenciados,

não estão impedidos de serem partícipes do mundo, quer seja pela língua sinalizada ou

pela língua oralizada.

Uma das principais reivindicações das pessoas surdas é sobre este olhar, muitas

vezes limitante, que lançado sobre elas, vindos de pessoas não surdas, remete a

expressão de “coitadinho”, de “incapacitado” ou de “castigado” por forças divinas.

Aliás, este tipo de senso comum, advém de uma forte influência religiosa de que

pessoas portadoras de quaisquer deficiências físicas traziam em seu corpo a marca da

justiça de Deus por algum pecado próprio ou de algum de seus antepassados (FALCÃO

2011).

Deste modo, geralmente eram afastadas do convívio social e familiar. Assim,

estes sujeitos surdos eram entregues a instituições de caridade, conventos ou mosteiros

para que nestes locais, seus respectivos tutores, se tornassem os principais responsáveis

por conceder-lhes educação e a adequação social de que precisavam através do

Page 36: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

36

desenvolvimento da fala; para só então poderem ser apresentados à sociedade e

voltarem ao convívio familiar (SKLIAR 1999).

O surdo é considerado uma pessoa que não ouve e, portanto, não fala.

É definido por suas características negativas; a educação se converte

em terapêutica, o objetivo do currículo escolar é dar ao sujeito o que

lhe falta: a audição, o seu derivado: a fala. Os surdos são considerados

doentes reabilitáveis e as tentativas pedagógicas são unicamente

práticas reabilitatórias derivadas do diagnóstico médico cujo fim é

unicamente a ortopedia da fala. (SKLIAR, 1999, p.27)

A surdez, independentemente da sua origem, sendo resultado de uma sequela

ou consequência de algum processo patológico ou biológico, assume um caráter

pejorativo e discriminador por parte de sujeitos não surdos, que formam a maior parcela

da sociedade. Isto é, quando esta parcela majoritária da sociedade não reconhece a

validade da sua forma de comunicação, como também, obriga por intermédio de seus

mecanismos sociais, o indivíduo surdo a se comunicar com o mundo apenas da forma

oralizada, que corresponde ao modelo adotado pela maioria ouvinte.

É importante ressaltar que para o indivíduo surdo a vocalização passa a ser um

instrumento fundamental de participação e interação social com pessoas não surdas,

principalmente com aquelas mais próximas ou conhecidas. Entretanto, nem todo

indivíduo surdo consegue desenvolver a fala, porque se trata de um processo de

descoberta da voz que deve ser iniciado desde os primeiros meses de vida e, para ser

concretizado, percorre um caminho de mais de uma década de aprendizado oral.

Não obstante, alguns indivíduos surdos não conseguem desenvolver a fala

porque não possuem algum resquício auditivo, o qual possa ser ampliado e trabalhado o

sentido de vocalização (FALCÃO 2011). Ainda também precisa contar com o apoio de

uma equipe multiprofissional e qualificada à sua disposição e em períodos regulares,

além disso, deve haver um esforço e persistência do indivíduo surdo, bem como de sua

família – que em vários casos não possui condições financeiras para financiar os

serviços de profissionais qualificados – para que a prática cognitiva da fala seja

possível.

Cada indivíduo surdo que apresentar residual auditivo deve ter um

ensino diferenciado porque vai apresentar uma funcionalidade

cognitiva também diferenciada, a depender do residual auditivo e da

qualidade das experiências sonoras e fonoarticulatórias que lhes foram

propiciadas porque a percepção, a linguagem, o pensamento, a

interpretação e a representação se estruturam de forma responsiva,

consequente e propositiva como potencialidade linguística e cognitiva

a depender da qualidade, da intensidade, da frequência dos estímulos e

experiências vivenciadas (FALCÃO, 2011, p. 233).

Page 37: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

37

Concomitantemente a estas discussões, surgem tensões que permeiam a

validação do mundo dialógico entre o próprio grupo de pessoas surdas e o seu eixo

familiar, bem como a própria sociabilidade e interação com as pessoas não surdas que,

como já havíamos comentado antes, formam a maior parte da sociedade. Diante destes

relatos é necessário enveredar, mesmo que seja suscintamente, pela trajetória histórica

da Língua Brasileira de Sinais.

A LIBRAS é uma língua de modalidade gestual visual, que não teve sua

origem na Língua Portuguesa – que é constituída por mecanismos orais e, portanto,

considerada oral-auditiva – mas em outra língua de modalidade gestual visual: a Língua

de Sinais Francesa. O que não quer dizer que sofreu, em alguns aspectos, a influência da

Língua Portuguesa diretamente sobre a construção lexical da Língua Brasileira de

Sinais, porém apenas por questões de adaptações por serem línguas em contato direto.

Todavia, foi do encontro da língua francesa de sinais com a língua oral portuguesa que

surge a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) que, semelhante a outros países, sofreu

restrições severas para sua institucionalização como língua oficial.

De acordo com Soares (1999) e Moura (2000) a educação de surdos

oficialmente surgiu com a iniciativa de Pedro Ponce De Leon (1520-1584), na Europa.

Contudo, era uma iniciativa direcionada exclusivamente à educação de filhos da

nobreza, o que descartava completamente o acesso de camadas mais pobres da

sociedade. Ponce De Leon, segundo Moura (2000), era da ordem Beneditina e, em um

mosteiro, contava com a presença de muitos alunos surdos, onde se dedicava

exaustivamente ao ensino da fala, leitura e escrita.

Estes alunos, porém, não eram excluídos diretamente do convívio com a

família, como era de costume com os demais surdos deixados nas casas de caridade ou

nas igrejas. Os pais destes nobres surdos custeavam os seus estudos, a sua hospedagem

e quaisquer despesas advindas da estadia de seus filhos no mosteiro. Mas só

procuravam apresenta-los à sociedade após a obtenção da cura (fala). Faz-se necessário

acrescentar a informação de que as famílias, mesmo sendo nobres, também passavam

por constrangimentos por ter em sua linhagem um descendente surdo. Não obstante

dessa ideia, a busca de cura do problema, as técnicas de Pedro Ponce De Leon foram

rapidamente disseminadas na sociedade europeia e, por conseguinte, no mundo10

.

10 Sobre a história da educação de pessoas surdos no Brasil e em outros países ver também o trabalho de Maria

Cecília de Moura (MOURA 2000).

Page 38: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

38

Outros movimentos foram surgindo como o de Denis Diderot, na França, que

produziu também a Carta sobre os surdos-mudos para uso dos que ouvem e falam em

1751. Este texto foi destinado a um professor de retórica e filosofia antiga, tendo por

objetivo questionar os métodos até então utilizados com pessoas surdas, desde choques

elétricos, a busca da alma, penitências religiosas ou a busca da cura para surdez a todo

custo (MOURA 2000).

A oficialização da Língua com Sinais para pessoas surdas deu-se em 1755,

com Abbé De L’Epée11

, que criou em Paris a primeira escola para surdos: o Instituto

Nacional de Jovens Surdos de Paris, tendo como missão a valorização do ensino

“manualista” em oposição ao “oralista”. Este método, desenvolvido por De L’Epée,

conseguiu fazer com que o uso das mãos reproduzissem sinais linguísticos que

permitisse a comunicação sem que houvesse a fala, contrapondo, dessa maneira, outros

métodos de ensino que tentava introduzir a língua oral na pessoa surda12

(SACKS

2010).

O reconhecimento social da língua de sinais, sobretudo no ambiente escolar,

foi considerado uma das maiores conquistas da pessoa surda ao longo dos séculos.

Concomitantemente com a escola, a fábrica, por volta da segundo metade do século

XIX, começava a contratar pessoas surdas, uma vez que se tratava de uma mão de obra

discriminada pela sociedade, que não requereria um ônus muito alto para sua

manutenção e se sujeitava a qualquer condição laboral. Diante deste quadro de

transformações sociais e econômicas se vislumbra o panorama do sujeito surdo também

lutando por seu lugar na sociedade através da inserção no mercado de trabalho

(ALBRES 2005).

Neste ambiente do setor terciário da economia, os surdos começaram a

frequentar um local em comum de trabalho e entre as atividades laborativas e as

máquinas, começaram a se reconhecer enquanto grupo organizado. Albres (s/d, p.2)

apud Widell (1992) mostra a importância da:

11 “A escola de De l’Epée, fundada em 1755, foi a primeira a obter auxílio público. Ele treinou numerosos

professores para os surdos, e este, na época da morte do abade, em 1789, já haviam criado 21 escolas para surdos na

França e na Europa” (SACKS, 2010. p.27). 12 A língua de sinais, mesmo com sua institucionalização no século XVIII, no século XIX, durante décadas,

encontrou fortes barreiras, sendo proibida em várias escolas de surdos na França, na Inglaterra e Estados Unidos, pois

se acreditava que a melhor maneira de educar uma pessoa surda seria ensinar-lhe a falar. Nos Estados Unidos, por

volta de 1850 a 1880, várias escolas de surdos não ensinava mais a língua de sinais. Tendo como uma dos principais

defensores do oralismo para surdos, Alexander Graham Bell, por volta de 1880, se destacava como um ferrenho

colaborador para extinção da língua de sinais nos Estados Unidos. Como observa Sacks, 2010, p.189: Graham Bell

“costumava encarar a surdez como um embuste, uma privação e uma tragédia, preocupando-se sempre em

“normalizar” os surdos, “corrigir” as asneiras de Deus e, de um modo geral, melhorar a natureza” – grifos do autor.

Page 39: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

39

Associação dos surdos-mudos de 1866, na cidade de Berlim, mantida

exclusivamente por operários, com objetivos de natureza social, pois

devido ao baixo padrão de vida, a maioria da comunidade surda

consistia de trabalhadores especializados.

Podemos considerar que a inserção da pessoa surda nas fábricas, sobretudo no

final do século XIX e início do XX, proporcionou um espaço histórico muito importante

no que diz respeito à criação associativa de grupos de surdos politicamente organizados.

Afinal, este espaço associativo e posteriormente de sociabilização, permitiu ao sujeito

surdo a possibilidade de se reunir frequentemente e poder participar mutuamente das

aspirações e reivindicações do grupo.

Tais fatos influenciaram outros países, a despeito do Brasil, a assimilarem

pessoas surdas no mercado de trabalho e de certo modo articulou-se a formalização da

Língua de Sinais, cujos elementos se desenvolveram inicialmente no âmbito do trabalho

e, por conseguinte, chegaram ao âmbito social. Seguindo este ritmo, o atendimento

escolar especial às pessoas surdas teve seu início em nosso país a partir da década de

cinquenta do século XIX com a intensificação das atividades terciárias (ALBRES

2005).

A primeira escola de surdos no Brasil foi criada em 26 de setembro de 1855,

através da Lei nº 839, assinada e promulgada por Dom Pedro II, no Rio de Janeiro. Era

o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (IISM), que tinha por filosofia interna a

exclusividade à educação literária e ao ensino profissionalizante de meninos com idade

entre sete e quatorze anos, descartando, inicialmente, o ingresso de meninas à educação

especial13

.

O primeiro professor do Instituto foi Ernesto Huet – cidadão surdo francês –

que trouxe consigo elementos da formação da Língua de Sinais Francesa. Conforme

Goldfeld (1997), em 1911 o (IISM) seguiu a tendência mundial de ensino para pessoas

surdas, ou seja, estabelecer o “oralismo” como único recurso de educar os surdos no

Brasil. Em 1957 a língua de sinais foi proibida de ser ensinada no Brasil, ficando restrita

apenas a um uso indevido, por algumas pessoas, em corredores e pátios escolares.

13 Como observou Albres (2005), o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (IISM) possuía uma educação bastante

direcionada e especializada, sobretudo, para o aprendizado técnico e profissionalizante. “Havia, ainda, uma série de

atividades extracurriculares, como as oficinas preparatórias para o mercado de trabalho, nas áreas de mecânica,

alfaiataria, tornearia, carpintaria, artes gráficas. Algumas décadas após a fundação do IISM, quando as meninas já

podiam fazer parte do alunado, havia as opções de costura, bordado, tapeçaria e trabalhos de arte” (ALBRES 2005,

p.22).

Page 40: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

40

Mazzota (1999) nos remete a uma informação importante sobre a fundação, em

1929, do Instituto Santa Teresinha na cidade de Campinas-SP, idealizado por duas

freiras que passaram quatro anos no Instituto de Bourg-la-Reine em Paris. Elas também

trouxeram consigo elementos da educação de língua de sinais francesa para o Brasil, a

fim de contemplar uma formação especializada no ensino de crianças surdas, desta vez,

funcionando em regime de internato e atendendo apenas a meninas surdas.

A partir de 1957, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (IISM) recebe outra

denominação a de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), através da Lei nº

3.198 de 06 de julho de 1957. O INES reconhecia, mesmo com as restrições impostas

ao uso de Línguas de Sinais em quase todo o mundo, a importância dessa língua na

elaboração de um ensino especialmente direcionado a pessoa surda (ALBRES 2005).

Foi então solicitado pelos surdos que compunham o Instituto Nacional de

Educação de Surdos (INES) que se desenvolvessem ações de integração da Língua

Brasileira de Sinais, a fim de homogeneizar o padrão linguístico entre os surdos de todo

o país.

Entretanto, somente em 1998 a Federação Nacional de Educação e Integração

de Surdos (FENEIS), preocupada com a grande diferença de sinais que compunham a

comunicação familiar, os regionalismos e a língua padrão, procurou desenvolver um

projeto que visasse padronizar os sinais e facilitar a comunicação, principalmente entre

os instrutores surdos. É nesse momento de reflexão e organização da Língua de Sinais

que as pessoas surdas tomaram consciência da sua condição bilíngue e da relação de

contato direto entre LIBRAS e Língua Portuguesa permanentemente.

Vale ressaltar que o surgimento de várias associações14

de surdos no Brasil,

criadas na década de cinquenta do século passado, permitiu a construção de um espaço

no qual a língua de sinais não teria restrição, bem como fortalecia redes de

sociabilidades que ajudava a criação de laços mais próximos e o reconhecimento de

uma possível identidade surda no país.

Podemos compreender que, mesmo com o surgimento de escolas direcionadas

especificamente ao ensino da pessoa surda, as associações desempenharam um papel

importante na construção de um espaço social no qual se buscou a valorização do surdo

e das suas formas de expressão linguística. Talvez por terem sido criadas,

14 Com a criação da Federação Mundial de Surdos, em 1951, na cidade de Roma, no Brasil, neste mesmo período, foi

criada a Fundação da Associação de Surdos do Brasil e a Associação Alvorada no Rio de Janeiro; posteriormente, em

1954, surge a Associação de Surdos de São Paulo e, em 1956, a Associação de Surdos de Minas Gerais (ALBRES

2005).

Page 41: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

41

exclusivamente, por pessoas surdas, as associações não possuíam uma filosofia

educacional que acreditava que a única maneira de ensinar-lhes seria através de uma

língua oral, imposição esta que, infelizmente, retardou o ensino da língua de sinais em

vários locais do mundo.

A língua de sinais brasileira atualmente é considerada, como mostra Falcão

(2011), um patrimônio cultural do Brasil, uma língua oficial, entretanto, sua aceitação

ainda encontra barreiras em escolas, instituições públicas e privadas. Cabe ressaltar que

o bilinguismo é muito utilizado por pessoas surdas em vários países, inclusive no Brasil.

A língua portuguesa é utilizada por várias pessoas surdas, contudo, como segundo

língua, permanecendo a LIBRAS como língua materna e identitária da pessoa surda.

2.2 FUNAD – PB

A Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência da Paraíba

(FUNAD) foi instituída oficialmente e amparada pela lei Estadual de nº. 5.208, de 18 de

dezembro de 1989, porém sua fundação só foi concluída em março de 1991 e a

realização do primeiro atendimento só foi possível em 24 de abril de 1991, sendo este

atendimento o marco inicial da história de assistências aos deficientes e serviços

prestados aos portadores de quaisquer necessidades especiais no estado da Paraíba.

De acordo com os registros da Instituição já foram atendidas 24 mil pessoas

desde o início de seus trabalhos em 1991. São pessoas vindas de todas as partes do

Estado e inclusive de Estados vizinhos, lembrando que o traslado de ida e volta dos

usuários paraibanos até a FUNAD é gratuito e gerenciado pelas respectivas prefeituras

de suas cidades e o custo do transporte são repassados dos cofres do Estado. Segundo o

último levantamento feito pela Diretoria Técnica da Fundação, existem atualmente

3.480 usuários sendo atendidos e uma média mensal de mais de 150 novos usuários

sendo encaminhados para as coordenadorias, assessorias e núcleos de atendimento.

A FUNAD dispõe de um corpo técnico interdisciplinar composto por 420

funcionários que atuam como fisioterapeutas, médicos, psicólogos, assistentes sociais,

dentistas, advogados, educadores culturais, nutricionistas, terapeutas educacionais,

fonoaudiólogos, psicopedagogos, entre outros profissionais.

Conforme dados da FUNAD, todos os estados do Nordeste apresentam

percentuais elevados de pessoas deficientes ou portadoras de algum tipo de

necessidades especiais e que geralmente está acima da média brasileira que é de 14,5%

da população. A Paraíba é o estado que registra o maior número de casos de portadores

Page 42: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

42

de necessidades especiais ou com algum tipo de deficiência, perfazendo cerca de 19%

da população declarando ter alguma incapacidade permanente.

Como foi exposto, a FUNAD atende a pessoas portadoras de quaisquer

deficiências, desde os primeiros meses de vida. Trata-se de um órgão público e tem por

objetivo atender com qualidade a população que precisar de seus serviços. Contudo, ao

realizarmos o levantamento de atendimento junto à diretoria da instituição, foi

verificado que a maior parte dos serviços, senão quase a sua totalidade, é destinado às

comunidades carentes do Estado, principalmente as cidades do interior.

A justificativa dada por parte da diretoria da FUNAD, em relação a este

percentual de atendimento, referiu-se ao dado como sendo reflexo do comportamento e

da condição socioeconômica mais elevada do pessoense, que procura os serviços de

profissionais particulares e escolas privadas que forneçam atendimento adequado, além

de possuírem planos de saúde que facilitam o acesso a profissionais qualificados que

tratam de portadores com necessidades especiais.

A Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência da Paraíba (FUNAD). Fonte:

Arquivo de Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

O setor da FUNAD escolhido para realização desta pesquisa foi o de

reabilitação de pessoas surdas através da atuação da Coordenação de Deficientes

Auditivos e Patologias Auditivas (CODAPA). O setor tem como missão:

Page 43: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

43

Promover a integração, participação, normalização e interiorização,

que tem como objetivo, estruturar e desenvolver programas e serviços

de habilitação e reabilitação, destinados à pessoa surda e portadores de

patologia da comunicação humana, utilizando métodos e técnicas

diversificados, minimizando suas dificuldades e respeitando suas

limitações. (texto referenciado na entrada da CODAPA)

Como podemos, perceber os conceitos apresentados de forma emblemática

através de cartaz fixado na entrada do setor, contem afirmações que nos remetem aos

primórdios da educação para pessoas surdas a nível terapêutico e de modo a reabilitá-los

à convivência humana. O significado de “deficiência” ainda prevalece como conceito

entrelaçado à incapacidade ou limitações provenientes de patologias ou condição

biológica da pessoa15

.

A CODAPA dispõe de vários serviços de orientação e encaminhamento dos

familiares de pessoas surdas, bem como os próprios portadores de “deficiência auditiva”

(DA) usufrui destes serviços. Os usuários e as famílias podem contar com a assistência

do Serviço Social que busca conciliar os eventuais problemas sociais e a integração da

família. Já o serviço de Psicologia é o responsável pela anamnese dos usuários e das

famílias, buscando orientá-los a respeito de possíveis desvios ou problemas psicológicos

que podem acompanhar a DA.

O Serviço de Orientação Familiar busca desenvolver parceria com os pais

durante o processo de aprendizado de seus filhos e familiares para que não haja

sobrecarga das mães. O Serviço de Estimulação Precoce disponibiliza atividades de

reabilitação enfatizando as áreas cognitivas, sensório-motora, afetiva e da comunicação.

O Serviço de Habilidades Básicas I e II propicia atividades didáticas pedagógicas que

possibilitam ao usuário sua integração educacional e social, baseado numa proposta

Bilíngue de ensino de LIBRAS e do Português. Estes setores são subdivididos em salas

de aulas com horários distintos de funcionamento durante a semana e a maioria dos

funcionários é composta por ex-alunos surdos da própria instituição, que se

especializaram e graduaram-se retornando a FUNAD como profissionais.

Estas informações foram concedidas pela coordenadora do setor da CODAPA,

uma vez que, infelizmente, a FUNAD, na maior parte dos setores especializados, não

organiza documentos ou fontes de pesquisa sobre a história da Instituição, todavia,

15 Como enfatiza Albres (2005), este modelo de educação, baseado ainda sobre os resquícios do antigo Instituto

Nacional de Educação de Surdos (INES), constrói uma prática pedagógica que procura reabilitar e corrigir o

deficiente, portanto, se afastando de uma educação que tem como princípio a valorização da pessoa diferente e o seu

desenvolvimento intelectual, social e cultural.

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44

existe uma biblioteca disponível aos pais e usuários que procuram mais conhecimento

sobre deficiência e como lidar com as diferentes situações.

Geralmente a CODAPA atende a usuários surdos em diversos níveis, desde o

leve, moderado e severo. Por consequência, são portadores de patologias da fala e da

linguagem, todos sendo encaminhados, em sua maioria, por Instituições de Saúde para

avaliação audiológica. Mais uma vez se repete a percentagem de atendimento a usuários

de cidades vizinhas, exceto João Pessoa-PB.

A mesma justificativa foi referenciada pela coordenadora da CODAPA, de que

pessoas da capital possuem mais recursos financeiros do que as cidades circunvizinhas e

cuidam de seus filhos e familiares com especialistas particulares. Contudo,

representantes do setor também acreditam que muitos pessoenses sentem-se

constrangidos em utilizar os serviços da FUNAD, uma vez que a maior parte dos

usuários e familiares são pessoas de procedência carente.

De acordo com a CODAPA, em 2010, no Estado da Paraíba registrou-se um

total de 230.140 habitantes com problemas de audição. Um percentual que aumentou

mais de 50% comparado a ano de 2000, que era de 152.977. Dos 230.140 habitantes,

181.762 apresenta perda auditiva leve; 41.908, moderada e 6.470 são completamente

surdos. Ainda destes 230.140 habitantes com problemas de audição, 115.961 são do

sexo feminino e 114.179 são masculinos. Neste universo, dos 6.470 que são totalmente

surdos, 1.044 são menores de 14 anos; ainda neste faixa de idade, 1.954 possui uma

surdez moderada e 11.952 apresenta uma perda auditiva leve16

.

Segundo a fonoaudióloga da CODAPA, esse aumento de pessoas com

problemas auditivos decorre de exposições excessivas a ruídos, principalmente

provenientes de aparelhos de reprodução sonoras no qual as pessoas utilizam fones de

ouvido. A exposição excessiva a sons ou barulhos elevados também pode prejudicar a

audição. Segundo ela, a perda de audição é irreversível e se manifestar em qualquer

pessoa exposta a sons danosos a saúde auditiva.

Durante o período de pesquisa na FUNAD17

e a partir da convivência com

alguns funcionários e usuários da instituição, tomamos conhecimento da existência da

16 De acordo com a Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS) em 2010, no Brasil, a

população de pessoas com problemas de audição também aumentou quase 50% comparado a 2000, que registrava um

total de 5.750.809, passando a 9,7 milhões em 2010. Destes 9,7 milhões, 2 milhões apresenta surdez severa; 1,7

milhões possuem um grau moderado de surdez e 7,5 milhões apresenta alguma dificuldade de audição. Fonte:

http://www.feneis.com.br/page/quantitativo.asp 17 Durante três meses, de fevereiro de 2011 a maio de 2011, de duas a três vezes por semana, acompanhamos

atividades bastante importantes na FUNAD, bem como colhemos informações para realização dos dados aqui

expostos.

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45

associação de surdos em João Pessoa, que funciona há 24 anos e tem por objetivo a

socialização da Língua de Sinais e a abertura de um espaço de convivência e de

entretenimento entre seus pares. Deste modo, direcionamos aprofundar a pesquisa a

Associação de Surdos de João Pessoa-PB (ASJP-PB) que, diferentemente da FUNAD,

não possui um caráter institucional de assistência à pessoa surda.

2.3 A Associação de Surdos de João Pessoa-PB (ASJP-PB)

A Associação de Surdos de João Pessoa-PB (ASJP-PB) possui atualmente dois

endereços de funcionamento para utilização de seus associados. O primeiro endereço

está situado na Rua Aragão e Melo, Nº 253, no Bairro da Torre, por trás do Hospital da

Unimed. Este espaço físico é utilizado para aulas de LIBRAS e reuniões para

participação em eventos que interessem à comunidade surda e o envolvimento com

outras entidades governamentais e não governamentais de cunho regional e nacional,

todas ligadas à luta por reconhecimento da Língua de Sinais no país e pelo

reconhecimento dos direitos das pessoas surdas como cidadãs na sociedade. Este tipo de

iniciativa é bastante atual e conta com a participação efetiva da nova gestão, que

procura desenvolver ações para organizar e melhorar as instalações das sedes.

Essa sede da ASJP-PB funciona em uma casa bastante antiga do bairro da

Torre, possui algumas reformas e, à primeira vista, não dá para perceber que se trata de

uma associação pela própria estrutura física do prédio. Possui três quartos que são

utilizados como salas de aulas. Tem dois banheiros, sendo um para o público masculino

e outro para o público feminino; uma sala de estar que também é utilizada como sala de

aula e uma cozinha mobiliada com geladeira, fogão e botijão de gás. Os cômodos da

casa que são utilizados como salas de aulas são equipadas com algumas cadeiras, fruto

de doações de escolas. Parte do piso é constituído de cimento grosso e com pouco

acabamento em cerâmica. A frente da casa possui um terraço relativamente grande para

a realização das festas.

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46

Frente do primeiro endereço da ASJP-PB. Nesta sede acontece a maioria dos eventos festivos promovidos

pelos membros da ASJP-PB. Fonte: Arquivo de Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

O segundo endereço da ASJP-PB está situado na Rua Professor Elizeu Maul,

Nº 96, também no Bairro da Torre e próximo das imediações do Hospital Unimed. Este

novo espaço foi uma aquisição da associação bem recente, referente ao segundo

semestre de 2012. O local também é uma casa do bairro que, igualmente a primeira

sede, foi alugada pelos membros associados devido ao número de participantes nas

festas ter aumentado consideravelmente. Parte destes novos integrantes são pessoas não

surdas que frequentam as aulas de LIBRAS da FUNAD que, ao manter contato com

alunos surdos, ficaram sabendo da existência da associação.

Neste segundo endereço da sede funciona a parte recreativa e desportiva da

comunidade de pessoas surdas na cidade de João Pessoa. Neste espaço são realizadas

festas com intervalos quinzenais e mensais, que geralmente seguem o calendário

nacional de datas comemorativas, mas que também podem variar de acordo com as

necessidades dos associados para realização de aniversários, festividades familiares,

reuniões de amigos, ensaios teatrais, ensaios de apresentações de danças ou até mesmo

para reunirem-se entre amigos para conversas e lazer.

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47

Frente da segundo sede da ASJP-PB. Fonte: Arquivo de Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

A residência onde funciona o segundo endereço da ASJP-PB segue os moldes

do primeiro endereço. Possui cinco cômodos, sendo divididos em três quartos, uma sala

e uma cozinha. Os únicos cômodos mobiliados da sede são a cozinha que conta com

uma geladeira, um fogão e um botijão de gás, além de algumas panelas e a sala de estar

com duas poltronas e troféus. O terraço da casa é pequeno. Porém, como o quintal e a

área da frente e de trás da casa são calçados, as festas ocorrem nestes espaços e as

reuniões também, porém nestas ocasiões são distribuídas cadeiras (plásticas) para

acomodação do público presente.

A sala da Associação é ocupada com dois sofás de três lugares, quadros com

todos os presidentes da ASJP-PB, exposição de troféus conquistados por seus

integrantes em paraolimpíadas de vôlei, corridas e futebol de salão, como também um

mural ilustrado com a bandeira da Paraíba contendo fotos 3x4 de cada associado, que

serve de registro dos membros mais frequentes da ASJP-PB. É importante ressaltar que

o registro dos membros que deixaram de frequentar a Associação se dá retirando sua

foto do painel e marcando com um (X) a sua ausência no grupo.

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Sala da ASJP-PB e quadros contendo as fotos dos seus respectivos presidentes. Fonte: Arquivo de Pesquisa de

Elizângela Ferreira da Silva (2012).

Troféus e mural com fotos dos membros da ASJP-PB. Fonte: Arquivo de Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva

(2012).

Ao levantarmos dados relativos a história da Associação de Surdos de João

Pessoa-PB, verificamos que não foram feitos registros documentais sobre a associação e

para compor estas informações foi necessário realizarmos contato com alguns

associados mais antigos da instituição. A partir dos relatos destes associados, pudemos

construir algum conhecimento a respeito da origem da ASJP-PB. Este caminho não foi

muito acessível, uma vez que os associados estavam envolvidos em outras atividades

que preenchiam seu tempo completamente (trabalho, estudos, cursos, família) e,

Page 49: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

49

portanto, não permitiam entrevistas ou conversas informais em suas residências ou na

ASJP-PB através de agendamentos.

Desse modo, as informações dispostas no corpo deste trabalho a respeito da

ASJP-PB são decorrentes de conversas e memórias de associados mais antigos,

relatadas por ocasião das festas da associação e também a partir de informações

concedidas pelo atual diretor da associação.

A Associação de Surdos de João Pessoa-PB existe desde 17 de julho de 1988.

Sua fundação partiu da iniciativa de quatro amigos surdos que se reuniram e passaram a

divulgar o espaço aos demais surdos do bairro da Torre e posteriormente da cidade.

Como não havia muitos recursos, a associação começou a existir sem sede própria,

funcionando como ponto de encontro entre amigos, na casa dos primeiros associados. A

associação só passou a ocupar um endereço fixo quando um número maior de

associados pôde arcar com as despesas de manutenção da sede, inclusive de aluguel.

Desde a sua fundação, a ASJP-PB sempre foi mantida financeiramente pelos

associados e, de acordo com a elevação e ou oscilação dos preços dos imóveis em João

Pessoa-PB, a sede da ASJP-PB enfrentava a necessidade de mudar de endereço, para

conciliar o preço do imóvel à realidade das contribuições de seus associados.

Outro fator relevante relatado por alguns associados se refere ao número

oscilante de associados a cada mês. Às vezes ocorriam muitas adesões e outras vezes

muitas desistências. Ao questionarmos o motivo dessa oscilação do número de

associados na ASJP-PB, a resposta obtida estava relacionada à falta de organização das

atividades desenvolvidas na sede.

Geralmente, a sede permanece com suas portas fechadas, principalmente

durante a semana. E se algum associado quiser utilizar o seu espaço, o mesmo deve

pegar a chave na residência da pessoa responsável por guardá-la. Aos finais de semana,

costumeiramente aos sábados, as portas da sede ficam abertas aos associados que

desejarem frequentar o ambiente para conversar, jogar bola no quintal, jogar dominó,

entre outras atividades de entretenimento.

Talvez por esses motivos, a sede da ASJP-PB seja mais frequentada por surdos

do sexo masculino. A presença mais acentuada de pessoas surdas do sexo feminino

ocorre geralmente nos eventos mais elaborados, como as festas temáticas que são

organizadas pelos líderes da ASJP-PB, mensalmente, e que seguem o calendário de

festividades anual da cidade.

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50

Deste modo, as festas que fazem mais sucesso de público na ASJP-PB são

aquelas que comemoram o carnaval, o final das férias, a páscoa, o mês das mães, o São

João, as estações do ano, o mês dos pais, o dia das crianças para associados que desejam

trazer seus filhos para momentos de lazer, o natal e o ano novo.

A organização da festa passa por situações de amadorismo, nem sempre o som

funciona, é necessário que algum membro da ASJP-PB traga um aparelho particular

para que a festa tenha música, não há uma preocupação com objetos ou adereços de

decoração que remetam aos temas das reuniões.

Todos os itens de consumo da festa como água mineral, refrigerantes, bebidas

alcoólicas, comidas, petiscos, etc. são vendidos aos que estão na festa. As pessoas que

fornecem estes itens de consumo nas festas contribuem com uma porcentagem de seus

lucros para as despesas mensais da ASJP-PB. Assim, em cada reunião mais formal

como esta, a ASJP-PB consegue arrecadar a bilheteria de entrada e os itens de consumo.

Todavia, a arrecadação de fundos para manutenção da ASJP-PB não é

suficiente. Então alguns associados que trabalham na FUNAD e frequentam as

atividades desenvolvidas na associação tiveram a ideia de convidar o público não surdo

para participar das festas. Não poderia ser qualquer público, deveria ser um público de

pessoas não surdas que tivesse algo em comum com o grupo da ASJP-PB.

Deste modo, a hipótese mais consensual tomada pelos membros da associação

foi a de convidar os alunos não surdos de LIBRAS da FUNAD que, além de possuírem

afinidades linguísticas, aumentaria a arrecadação nas festas e propiciaria uma

oportunidade de interação entre esses dois grupos na sede. Vale relatar que,

inicialmente, a introdução do público não surdo à ASJP-PB foi um tanto condicionada

aos olhares atentos e vigilantes dos professores de LIBRAS da FUNAD, uma vez que

estes se sentiam responsáveis pelos seus alunos.

Como ASJP-PB sempre encontrou dificuldades financeiras para manter suas

atividades, principalmente devido a mudanças de endereços ou fidelização dos próprios

frequentadores, os registros escritos ou fotográficos da associação foram se perdendo

com o tempo. Assim, para obtermos alguma informação sobre a ASJP-PB foi necessário

recorrer aos registros fotográficos pessoais e a memória dos próprios associados.

Todavia, poucos se propuserem a colaborar com a pesquisa.

Atualmente a ASJP-PB possui um registro mínimo de seus associados,

contudo, a catalogação desses registros ainda é muito precária. Conta apenas com uma

ficha de inscrição com o registro de poucos dados pessoais e na qual não é realizada

Page 51: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

51

nenhuma atualização cadastral de modo periódico. Estes dados geralmente ficam

guardados na casa do Presidente da associação, pois não há mobiliário adequado para o

armazenamento destes documentos nas sedes. Segundo o Presidente da ASJP-PB,

atualmente a associação consta com cerca de 241 membros, entretanto, com exceção de

dias de festas, parte destes frequentam as sedes esporadicamente.

Para o pagamento do aluguel e de outras despesas das sedes da ASJP-PB era

cobrado uma taxa de manutenção dos associados no valor de R$ 10,00 mensalmente,

atualmente esta taxa aumentou para R$ 30,00. Porém, não existe um controle rigoroso

desta cobrança e os associados a efetuam de acordo com sua vontade. Conforme o

Presidente da associação, o número de inadimplência é grande, mas os associados

sempre aparecem e geralmente pagam a taxa de forma esporádica, sem uma data

estabelecida.

Não existe uma data certa para o pagamento da taxa de manutenção e

das despesas do prédio da associação. Uma vez por outra um membro

aparece e contribui. Ai a gente tem que juntar esse dinheiro e

organizar bem para pode pagar as contas, principalmente energia,

aluguel e água. (Presidente da Associação).

Segundo o Presidente da ASJP-PB, os bons lucros para manutenção da

associação são arrecadados com as festividades, uma vez que boa parte dos membros

sempre comparece. Os associados ainda contribuem com um valor de R$ 6,00 para

poder ter acesso às festas e as pessoas não associadas ou convidadas pagam uma taxa de

R$ 10,00 para participar. Toda renda de consumação no ambiente também é convertida

para despesas da ASJP-PB. Deste modo, a partir da aquisição definitiva da segunda sede

as taxas passaram respectivamente para R$ 15,00 (associados) e R$ 30,00 (não

associados).

Ao conversamos com duas mulheres que residem próximas da ASJP-PB,

percebemos certa insatisfação por parte das mesmas em relação à associação. Segundo

elas, vários moradores vizinhos sentem-se incomodados com a permanência da sede dos

surdos na mesma rua em que moram, pois os surdos possuem comportamentos

inadequados, com alguns se beijando na rua, som de carro alto, muita bebida alcoólica,

barulho e uma grande movimentação na sede.

Disseram também que esse tipo de comportamento acontecia durante a semana

com os pequenos grupos que se reuniam na sede, geralmente à tarde, mas o excesso de

barulho era o mesmo que faziam durante suas festividades de final de semana. Ficou

bem claro, pelos depoimentos das moradoras, que aquele ambiente era desprovido de

Page 52: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

52

qualquer organização e que os surdos que frequentavam o local eram considerados por

elas: “verdadeiros vândalos”.

O volume do som, mesmo em dias de semana, era alto da mesma forma que

nos finais de semana, completamente ensurdecedor. Os associados da ASJP-PB

necessitavam deixar o volume das músicas num tom bem mais elevado, porque somente

através da vibração do som, poderiam sentir a música em seu corpo e dançar. Porém,

conforme o relato das moradoras, os demais moradores da rua não conseguiam

compreender como pessoas surdas faziam tanto barulho.

As maiores queixas vinham dos vizinhos que ladeavam a sede, estes se sentiam

os mais prejudicados. Inclusive, segundo o depoimento das moradoras, alguns vizinhos

já haviam denunciado à SUDEMA aquela “baderna” e que a ASJP-PB desvalorizava os

imóveis da rua. Por várias vezes já haviam chamado a polícia para tentar resolver o

problema. Mas esta ação efetivada pelos moradores da rua nunca dava em nada, porque

ninguém saía preso pelo fato de serem deficientes e existirem leis que protegem este

“tipo de gente”.

Alegavam também que suas casas estavam depreciadas por serem vizinhas à

associação. Nenhuma pessoa com bom senso compraria um imóvel ao lado da casa dos

surdos por causa do barulho e confusão que promoviam. Inclusive alguns moradores

estavam se organizando com a realização de um abaixo assinado para retirada da sede

da associação daquela rua.

Outros moradores da rua, declarando-se exaustos com a convivência com os

surdos da associação, colocaram suas casas à venda, pois acreditavam que essa situação

não se resolveria em curto prazo. E ainda alegaram em seus comentários que se

incomodavam com o barulho dos surdos e preferiam procurar outro lugar para morarem.

A presença de uma igreja evangélica, ao lado da sede, também foi relatada

pelas moradoras com bastante insatisfação. Segundo elas, a igreja fazia muito barulho,

porém era mais organizada. Os cultos possuíam hora para começar e para terminar. E o

pastor e os fiéis da igreja já haviam sido alertados de que a vizinhança não gosta de

barulho. Neste caso específico, de acordo com as moradoras, as leis ainda possuíam

alguma força, pois poderia multar ou autuar aquele ambiente, mesmo que se tratasse de

uma igreja.

Procuramos conversar com o pastor da igreja evangélica sobre o assunto,

entretanto, o mesmo não se pronunciou a respeito da vizinhança, mas afirmou que a

associação atrapalhava um pouco as reuniões desenvolvidas na igreja, sobretudo nos

Page 53: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

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finais de semana e à noite, que é o principal horário de cultos da congregação. Afirmou

também que ASJP-PB trouxe alguns desconfortos aos fieis, porque o comportamento

praticado pelos surdos na sede é contrário à doutrina pregada na igreja, de abstenção de

bebidas alcoólicas e festas mundanas. Segundo o pastor, os membros da ASJP-PB

poderiam influenciar de modo negativo aos novos convertidos, além de incomodar os

momentos de reflexão bíblica realizados no local dos cultos.

Igreja e casas que fazem adjacências com a associação. Segundo relato das moradoras, a casa

acima fotografada foi posta a venda porque seus proprietários não suportaram mais o barulho

proveniente da ASJP-PB. Fonte: Arquivo de Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

A insatisfação dos moradores com a presença da igreja e da associação era bem

visível nos depoimentos. E a principal queixa dos mesmos passava pela questão da

perturbação e da falta de silêncio. Em relação à igreja evangélica eles já se

consideravam mais conformados por conta da consequência legal das medidas adotadas

na justiça. Entretanto, em relação aos surdos a insatisfação era bem maior, porque ainda

não haviam conseguido realizar ações eficazes que garantissem o respeito à lei do

silêncio e a tranquilidade dos moradores.

Alguns vizinhos estranharam nossa presença nas festas e o interesse pela

associação, pois consideravam um ambiente desprovido de qualquer tipo de ordem e

que seus usuários mal pareciam “deficientes” por demonstrarem comportamento tão

Page 54: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

54

inoportuno. Procuramos explicar que a nossa presença estava condicionada à pesquisa

que estava sendo realizada. E alguns moradores chegaram a comentar que para

completar a “bagunça” só faltava isto: “uma pesquisa da Universidade sobre o barulho

dos surdos”. Questionaram-nos sobre: “a importância desta pesquisa para Universidade

e se não havia algo mais interessante para estudar?”.

A tentativa de explicação sobre os rumos da pesquisa foram em vão, uma vez

que os moradores que questionaram nossa presença ali estavam irritados e muito tensos,

supondo que nossa pesquisa iria trazer mais legitimidade à associação dos surdos.

Aconselharam-nos a pesquisar temas mais relevantes para a sociedade, como a

erradicação da fome, do desemprego ou da violência. Deste modo, a convivência com

os moradores da rua onde se encontrava a sede não foi muito fácil. Ao transitarmos pela

rua e cumprimentar os que estavam nas calçadas, era possível perceber os meneios de

cabeça como sinal de desaprovação da nossa presença na sede.

Participando das festividades realizadas na ASJP-PB, pudemos constatar que a

reclamação dos moradores tinha algum fundamento, pois o som das festas sempre foi

muito alto. Era quase impossível conversar no local, a não ser fora da festa.

Ao questionarmos o motivo do volume ser tão alto, algumas pessoas surdas

disseram que o som, para eles, só é perceptível através da vibração da música. Isso

justificava o volume tão alto do som na festa. Acreditamos que os vizinhos não

possuíam esta informação. É evidente que o incômodo do som alto não passaria, mas

seria mais fácil compreender tais motivos. Talvez facilitasse também uma possível

negociação entre os moradores e os surdos da associação sobre o respeito à lei do

silêncio e a convivência menos tensa entre estes grupos na mesma rua.

Como expomos parágrafos antes, a Associação de Surdos de João Pessoa-PB,

conta atualmente com o registro de 241 associados que participam esporadicamente das

atividades desenvolvidas na sede. Com variações de renda, idade e sexo, a associação

agrega um grupo heterogêneo composto desde crianças, a adultos e idosos. Não havia

registro sobre as profissões dos associados, mas ao se levar em consideração os locais

que geralmente frequentavam para a prática de lazer e entretenimento; os eventos em

casa de shows do qual participam; o estilo musical que compartilham; o meio de

transporte que utilizam, sempre, em sua maioria, veículos próprios; e a formação escolar

que possuem (graduação e pós-graduação), nota-se que fazem parte da classe média ou

média alta de João Pessoa.

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55

Não obstante, as instalações das sedes da ASJP-PB ainda são precárias e sua

manutenção provém dos mínimos recursos adquiridos através de pequenas doações dos

seus membros. Assim, manter o funcionamento da associação, mesmo da maneira em

que se encontra, parte de um esforço coletivo para preservar um local onde possam se

identificar enquanto grupo e estabelecer os vínculos duradouros que permita a

construção de uma sociabilidade.

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56

CAPÍTULO III

FESTA DE SURDO DÁ O QUE FALAR

Uma das questões propostas neste trabalho seria a reflexão de alguns aspectos

importantes da sociabilidade de pessoas surdas no meio urbano, a mudança de

comportamento que este grupo vem apresentando desde a última década do século XX,

como também a percepção que a sociedade vem construindo sobre estas mudanças

comportamentais deste grupo, ora de legitimação através do estímulo de práticas

inclusivas, ora de discriminação enquanto mantêm fechadas as portas da acessibilidade

cultural aos integrantes deste grupo que faz parte das minorias sociais.

Assim, o objetivo principal deste capítulo é descrever algumas características

da sociabilidade do grupo de surdos, cujo elemento estruturador é a própria identidade

de deficiente auditivo e sua opção de lazer através da realização de festas na ASJP-PB.

Trata-se de um capítulo etnográfico, uma vez que busca descrever e analisar a dinâmica

dessas festas e sua importância na convivência deste grupo de surdos. Procuramos

também descrever nossa experiência em campo, sobretudo enfatizando o nosso

aprendizado com a Língua Brasileira de Sinais, que nos possibilitou conhecer mais

afundo os códigos de interação e comunicação da pessoa surda.

Por sociabilidade, enquanto conceito sócio-antropológico, vale mais uma vez

reforçar a partir da definição empregada por Simmel (2006), como sendo um impulso

afetivo das vontades individuais em estabelecer vínculos duradouros que mantém as

formas de reciprocidade e convívio inter-relacional entre o indivíduo e o grupo.

3.1 Primeiro Contato com a Língua de Sinais

É importante destacar que toda inserção de campo é extremamente delicada,

pois passa pelas interfaces de aceitação e de adequação do pesquisador em relação ao

grupo em que se pretende realizar a pesquisa. Neste tipo de grupo, em particular, por se

tratar de pessoas surdas, além dos desafios geracionais, dos fatores de identificação -

pessoa surda e não surda, reportamos também a especificidade do idioma (LIBRAS),

que não é muito divulgado no país, concomitantemente associado à escassez de bons

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57

profissionais, principalmente aqueles credenciados e habilitados pelo MEC para ensinar

a Língua dos Sinais.

Deste modo, não foi tarefa muito fácil encontrar uma professora que atendesse

aos requisitos exigidos para construção de um conhecimento adequado da Língua dos

Sinais, ou seja, com formação superior Letras/Libras, habilitada pelo MEC para o

ensino de Libras e prioritariamente surda.

Na cidade de João Pessoa-PB existem oficialmente dois lugares para se

aprender LIBRAS: a primeira opção é a Fundação Centro Integrado de Apoio ao

Portador de Deficiência (FUNAD). No entanto, possui uma grande demanda de pessoas

à procura das aulas de LIBRAS e um número restrito de vagas, pois, como havíamos

comentado no capítulo anterior, se trata de uma instituição governamental que presta

auxílio gratuito, exclusivamente, à comunidade portadora de deficiências da cidade.

Possuindo apenas um setor de atendimento a deficientes auditivos, a FUNAD prioriza o

ensino de LIBRAS as pessoas surdas. No caso de não serem preenchidas todas as vagas,

pessoas não surdas podem tentar se matricular no curso de LIBRAS.

Assim, pessoas não surdas que desejam aprender LIBRAS na FUNAD são

submetidas a uma seleção para formação de uma turma extra, na qual são beneficiados

primeiramente os parentes dos surdos que já recebem atendimento na Instituição, no

intuito de promover e facilitar a convivência familiar destes usuários e, por fim, se

sobrar vagas, abre-se vagas aos interessados que não possuem vínculo familiar com

pessoas surdas.

O segundo lugar para aprendizagem da Língua de Sinais é o Centro de

Aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (CALIBRAS). Trata-se de uma pequena

escola particular, aberta por uma funcionária da FUNAD, destinada ao ensino de

LIBRAS a pessoas que não conseguiram inserção no curso oferecido pela FUNAD e

demais interessados em aprender LIBRAS.

A taxa de inscrição para ingressar no curso do CALIBRAS custa R$ 35,00 e a

mensalidade custa o valor de R$ 30,00. O curso para iniciantes na Língua de Sinais tem

duração de 120 horas e ocorre no período de um ano, sendo realizados com aulas

presenciais todos os sábados com duração de 3 horas sob a condução de uma professora

surda e oralizada.

A frequência, a participação ativa nas aulas e o desempenho na execução das

atividades propostas na dinâmica da sala são pré-requisitos fundamentais para

permanência e aprovação do aluno no curso, o desenvolvimento de cada aluno é

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58

acompanhado de forma minuciosa pela professora que intervém constantemente sobre o

desempenho da turma, a certificação do aluno só é concretizada após a análise destes

fatores, outro fator importante a acrescentar sobre o curso é que seu currículo atende às

exigências do MEC.

Conforme pesquisa realizada entre os intérpretes disponíveis na cidade, o custo

financeiro para se utilizar dos serviços deste profissional varia de R$ 50,00 a R$ 200,00

por hora. Assim, a contratação deste profissional por pessoas surdas só ocorre em

momentos de extrema importância como uma consulta médica, por exemplo.

Desta maneira, pode-se analisar que aprender LIBRAS não é uma tarefa muito

acessível por vários fatores, desde a demanda de profissionais qualificados ao custo

financeiro elevado do investimento. Sem falar do próprio ato de aprendizagem que

entrelaça um processo de mente e corpo tão coeso que desfaz a proposta desta dicotomia

e transforma-a num processo completamente integrado.

Ao passo que a Língua de Sinais diverge totalmente dos processos

morfossintáticos da Língua Portuguesa, ainda que a mensagem que se queira transmitir

possa ser a mesma, a transmissão dos códigos se dá por uma lógica totalmente diferente.

A princípio, é uma língua que se caracteriza, para nós ouvintes, aparentemente dentro de

outra língua, pois seus códigos de transmissão comunicacional exigem uma forte

expressão simbólica de gestos miméticos extremamente delicados, no qual toda ação

corpórea se torna fundamental no ato de comunicação.

Assim, na perspectiva de aprender e dominar os códigos da Língua de Sinais

percebemos um caminho muito diferente do qual estamos acostumados enquanto

ouvintes. E parafraseando o título do livro de Ruth Cardoso (CARDOSO 1986), nos

sentimos vivenciando uma verdadeira “Aventura Antropológica”, pois a todos os

momentos estávamos refletindo sobre nossa pesquisa e as dificuldades encontradas

neste percurso.

Desse modo, como não “encaixávamos” nas exigências do processo seletivo da

FUNAD, para o ingresso no curso de LIBRAS, procuramos as aulas particulares no

Centro de Aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais (CALIBRAS), oferecido pela

professora SPI.

Demorou pouco para percebermos algumas de nossas limitações para o

aprendizado deste novo idioma, chegamos a questionar nossas habilidades em longo

prazo de comunicabilidade e interação com o grupo de surdos da Associação de Surdos

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59

de João Pessoa-PB (ASJP-PB), haja vista que a linguagem é um fator de identificação

que permite uma interação e práticas de sociabilidade para os surdos.

As aulas ocorriam uma vez por semana, aos sábados, com duração de duas

horas com um grupo de onze alunos, com recortes etários diferentes e motivados a

estudar LIBRAS por motivos mais variados ainda, como ascensão profissional, simpatia

pelo idioma, comunicação com colegas de trabalho, pesquisa, entre outros.

A professora SPI, mesmo sendo surda, é oralizada e fala perfeitamente o

português. Isto se deve pela mínima existência de resíduo auditivo que pode ser

ampliado pelo uso do aparelho auditivo, permitindo a pessoa surda aprender a falar com

mais exatidão. Outras duas alunas da sala também eram surdas e falavam o português

fluentemente.

Através da convivência com a professora e os demais alunos da turma é que as

dificuldades de assimilação do idioma, por nós apresentadas, foram sendo superadas de

modo gradativo. Devemos acrescentar que a comunicação entre a professora e os alunos

iniciantes em LIBRAS se dava por meio da leitura labial que ela fazia dos alunos não

surdos.

À medida que perguntávamos oralmente, ainda sem o domínio de LIBRAS, a

professora realizava intercorrências e nos ensinava como fazer aqueles questionamentos

através dos sinais. O fato da professora ser oralizada também ajudava muito,

principalmente para nós ouvintes, pois promovia um diálogo entre ambas às partes.

Aula de LIBRAS no CALIBRAS. Fonte: Arquivo de Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

No decorrer das aulas pudemos perceber que a professora acionava o sentido

da audição (através do uso de aparelho auditivo) à medida que achava interessante. Em

outros momentos de atividades ou intervalos, quando a turma estava dispersa e tentando

se comunicar entre si, a professora simplesmente desligava o aparelho para,

propositalmente, não escutar, pois na medida em que íamos aprofundando na língua de

Page 60: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

60

sinais as interferências da fala deveriam ser mínimas. Nos momentos que não estávamos

estudando ou praticando a língua de sinais a professora se comunicava em português.

Outra situação interessante é que as duas alunas surdas oralizados se negavam

a falar, utilizando apenas a língua de sinais. Ao indagar sobre esta atitude, a resposta era

sempre a mesma: que não eram obrigadas a utilizar os mecanismos de comunicação dos

não surdos, uma vez que já possuíam sua forma de comunicação. Então que as demais

(pessoas não surdas) “que se adequassem a sua realidade”, ou seja, se “comuniquem

apenas com as mãos”.

3.2 A Língua dos Sinais e o Signo de Batismo

Antes de aprofundarmos nossa observação sobre a festa de surdo, necessitamos

de um breve comentário para expressar o primeiro contato com a Língua dos Sinais e a

interação com pessoas surdas.

Chegamos à primeira aula de LIBRAS às 10h00 da manhã de sábado do dia 30

de Abril de 2011. Esperamos a professora até as 10h10, que chegou atrasada alegando

excesso de atividades domésticas. Neste momento postulávamos com certa

desconfiança: “esta aula deve ser chata... A professora ainda chegou atrasada e toda

atrapalhada”...

Mas aos poucos o ritmo dos "conteúdos" foi avançando e a Língua de Sinais

foi sendo apresentada e simultaneamente com ela as dúvidas e as indagações que se

passavam na nossa cabeça sobre a real capacidade de dominar aquela Língua.

Demo-nos conta de que o registro escrito da aula era impossível. Os sinais se

aprendem e se memorizam na ação de praticá-los. Cremos que cabe aqui a explicação

trazida por Merleau-Ponty (1999, p.244) a respeito dos percalços da aprendizagem de

uma língua, quando este afirma que toda linguagem se ensina por si mesma e introduz

seu sentido no espírito do ouvinte por secretar ela mesma sua significação.

A Língua de Sinais é uma composição harmônica e engendrada de muita

memória, uso do corpo, conotação enorme de movimentos, expressão facial, pois

completam a ação e dinamismo miméticos – aspectos menos intensos ao nosso jeito

habitual de comunicação – a ação verbal.

Por diversas vezes sentimos nosso corpo travado, as articulações estavam

engessadas e a nossa completa inexpressão facial compunha o conjunto do desempenho

desastroso naquela primeira aula. Naquele momento faltava em nós o que disse Merleau

- Ponty (1999, p. 253):

Page 61: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

61

É por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu

corpo que percebo "coisas". Assim "compreendido", o sentido do

gesto não está atrás dele, ele se confunde com a estrutura do mundo

que o gesto desenha e que por minha conta eu retomo, ele se expõe no

próprio gesto - [...] tal como meus olhares e meus movimentos a

encontram no mundo.

Após a primeira aula, todos os alunos teriam que se apresentar aos demais da

turma utilizando a Linguagem de Sinais e passar pelo olhar avaliativo da professora

sobre a égide do que se aprendeu até aquele momento, porque conforme palavras da

professora: “a Língua de Sinais só se aprende praticando”, assim cada aluno diria seu

nome, seu signo e seu interesse em aprender LIBRAS.

Ao proceder nossa apresentação, relatamos que não tínhamos um signo. O

restante da turma já possuía signo por ter algum contato com pessoas surdas fora do

ambiente do CALIBRAS. Neste momento obtivemos a explicação de que o signo é uma

espécie de batismo, que só pode ser denominado pelos surdos para designar o outro -

este outro não surdo.

É atribuído após uma espécie de análise das características físicas e

psicológicas da pessoa, algo marcante da personalidade ou do corpo, este signo pode ser

um símbolo caricaturado da pessoa, um elemento de admiração ou até mesmo a

reafirmação de um estigma.

Não ficamos muito à vontade com essa explicação. Somos ótimas para essas

designações [pensamos] um baú de estereótipos... Perguntamos se poderia trocar o

signo caso não agradasse, disseram-nos que não. O signo é igual ao nome de batismo,

nascença, que os pais dão e, gostando ou não, vai ter que viver com ele!

Enfrentando o desafio, nos apresentamos utilizando o Código dos Sinais e na

hora do signo o consenso dos surdos da aula e da professora: a configuração de mãos

das letras E # L no desenho do nosso sorriso de uma covinha a outra do rosto.

Respiramos aliviada... “gostamos do nosso sorriso, gostamos do sinal,

gostamos do signo”, pensamos. Fomos aceitas naquele grupo, fomos percebidas entre

eles, acolhidas pelo grupo. Não somos apenas Elizângela, somos E # L do sorriso das

covinhas marcadas na bochecha. Fomos batizadas!

No decorrer da aula a professora sinalizou que a dificuldade em aprender os

sinais e formular as frases estava no fato de pensar de acordo com a Gramática da

Língua Portuguesa e para aprender LIBRAS é preciso esquecer a lógica da Gramática,

pois o Código dos Sinais é outro idioma. Indicou ainda que começasse a raciocinar

Page 62: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

62

como uma pessoa Surda. Desse modo iria ficar muito melhor e a aprendizagem seria

mais fluida. Conforme discorre o pensamento de Merleau-Ponty (1999, p.253):

O gesto linguístico, como todos os outros, desenha ele mesmo o seu

sentido. Primeiramente essa ideia surpreende, mas somos obrigados a

chegar a ela se queremos compreender a origem da linguagem,

problema sempre urgente [...].

Realmente, aprender LIBRAS é entrar em outro universo - o da pessoa surda. É

começar a ver e a se expressar de modo particular, não convencional ao nosso modo

(verbal) de expressar e ver o mundo. Neste momento sentimos com os pés em dois

mundos, no limiar de duas realidades: ouvinte e não-ouvinte.

Decidimos continuar este percurso e se deixar levar neste novo modo de ver,

perceber e entender o mundo. Desejamos continuar, desejamos formar uma espécie de

pseudo-identidade de pessoa surda dentro de nós. Este sentimento poético que nos

envolveu foi uma tentativa de exprimir a intenção de entrega do pesquisador em

situação de campo. Mas compreendemos que esta pseudo-identidade aqui citada em

nada tem relação com o fato de querer ser uma nativa no sentido literal da palavra.

Afinal, não nos tornamos surdos por estudar um grupo de surdos. Mas nos

referenciamos a possibilidade de tentar pensar ou se colocar no lugar do outro.

Não que seja uma falsa identidade por assim não pertencer a este grupo, mas

conceder a oportunidade de, naquele momento, não privar nossos sentidos desta nova

vivência. Mesmo com todas as implicações que isto acarreta, inclusive a dificuldade de

guardar na memória todas as palavras, as configurações gestuais do corpo nesta nova

forma de linguagem. Compreendemos que nosso corpo também é responsável por

nossas memórias. Afinal o corpo fala e como fala! Assim como reitera Merleau-Ponty

(1999, p. 252):

Engajo-me com meu corpo entre as coisas, elas coexistem comigo

enquanto sujeito encarnado, e essa vida nas coisas não tem nada de

comum com a construção dos objetos científicos. Da mesma maneira,

não compreendo os gestos do outro por um ato de interpretação

intelectual, a comunicação entre as consciências não está fundada no

sentido comum de suas experiências, mesmo porque ela o funda: é

preciso reconhecer como irredutível o movimento pelo qual me

empresto ao espetáculo, me junto a ele em um tipo de reconhecimento

cego que precede a definição e a elaboração intelectual do sentido.

Partindo desta primeira experiência, que descrevemos com a Linguagem dos

Sinais e com a pessoa Surda, percebemos como a Língua de Sinais está imbricada com

a identidade da pessoa surda. Uma linguagem aparentemente silenciosa, mas cheia de

Page 63: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

63

ruídos e em consonância com seu corpo, marca indelével de identificação e identidade

que permite o reconhecimento e define a pessoa Surda a partir dos seus códigos

simbólicos de interações grupais. Disso também resulta um olhar sobre aquilo que

Turner (1974) define a partir da concepção de communítas, uma vez que permite a

observação dialética sobre as estruturas simbólicas que definem graus de identificação

seletiva dos sujeitos envolvidos sobre laços, afinidades e correlações mútuas.

3.3 Prenúncio da Festa de Surdo

Durante as aulas de LIBRAS surgiu o convite por parte da professora para

participar das festas da Associação de Surdos de João Pessoa. Ficamos inseguras, pois

só havia dois meses que estudávamos o idioma.

Mesmo assim fomos até a ASJP-PB para ver como nos sairia nas habilidades

de comunicação em LIBRAS com pessoas surdas. Ao passo que efetuaria nossa

primeira incursão no campo de pesquisa sentindo o ambiente e procurando nos entrosar

com os integrantes da Associação.

Antes de nos apresentar como pesquisadoras, contudo, foi necessária uma aula

intensiva de orientações de comportamentos adequados e falas permitidas num primeiro

contato com os surdos da ASJP-PB. Além das recomendações, a turma era assistida pela

professora como um tipo de tutora neste primeiro encontro que tivemos com os Surdos.

Achamos muito estranha a preocupação da professora em manter a distância

segura entre os alunos do CALIBRAS e os surdos da Associação. Afinal, este deveria

ser um momento de aprendizagem, entrosamento entre os grupos e descontração,

principalmente por se tratar de uma festa.

Estranhamento maior nos causou quando as falas e intervenções da professora

se referiam aos sinais corretos e as roupas mais adequadas para usar durante a festa,

nada de decotes ou transparências, além da observação de ficar por perto dela para

evitar situações desagradáveis como paqueras mais capciosas ou tentativas furtivas de

beijos e abraços por parte dos surdos da associação, principalmente às alunas da sala

que eram casadas, noivas ou possuíam namorado.

Essas informações estimularam nos alunos a curiosidade sobre tantas regras e a

iniciativa de postularem diversas hipóteses que levaram ao conhecimento da professora.

Sobre esta vigilância é coerente afirmar segundo Simmel (1973), que o controle

corporativo e formal só é possível de ser efetivado ao passo que ocorre de modo

instintivo e espontâneo, como nesta situação.

Page 64: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

64

A ASJP-PB é ponto de encontro e de convivência entre os surdos interessados

em diversão. Diversão de todo tipo que se possa imaginar numa festa. Ingestão de

bebidas alcoólicas, prática de tabagismo, danças, paqueras e se der sorte sair

acompanhado para uma relação mais íntima, que não passava necessariamente por um

“namoro”, mas por um “ficar 18

”, por exemplo.

E quem não estivesse interessado nestas possíveis propostas tinha que aprender

a deixar bem claro a opinião de não estar disponível. Porque surdo, conforme a

professora SPI dizia:

É uma pessoa insistente demais! Você tem que deixar bem claro para

eles que não quer algo mais sério, principalmente se você for

comprometida com alguém, pois eles não medem barreiras para se

aproximar e querer algo a mais do que uma amizade. Você sabe... O

que eles querem mesmo é sexo. Principalmente os homens, estes é que

dão em cima mesmo. Aconselho a vocês que quando forem pra festa

usem roupas mais comportadas, sem muito decote, porque se não os

surdos vão passar a mão mesmo e levem seus companheiros. Até

mesmo os meninos que tem namorada, pois os gays dão muito em

cima dos homens. Isso é uma coisa séria (risos).

A preocupação da professora passava também pela diversidade de faixa etária

da turma, pois a maior parte era composta de solteiras e segundo ela: bonitas. Isso ia

causar muita paquera e assédio por parte dos surdos na ASJP-PB. Sem falar na outra

parte da turma, composta por senhoras casadas que poderiam desaprovar o ambiente.

Em relação aos homens da turma, a preocupação era bem menor, apenas com o

horário. Entretanto, havia um receio por parte da professora a respeito dos surdos

gays19

, uma vez que estes assediavam intensamente o público masculino, sem se

preocupar se fossem comprometidos ou heterossexuais. O mais importante era que

todos soubessem das possíveis situações inconvenientes que vivenciariam na festa

devido à diversidade do público. E que estes inoportunos não gerassem agressões físicas

ou verbais, como já havia ocorrido anteriormente por falta destas instruções.

Geralmente, os surdos da associação possuíam conhecimento de que os alunos

da professora de libras frequentavam a associação com o objetivo de aprimorar os seus

conhecimentos sobre a língua de sinais, portanto, é um público mais sério e com

objetivos acadêmicos.

18“Ficar” neste contexto bastante utilizado pelos surdos da Associação, refere-se apenas a um “namoro” sem passar

necessariamente pelo compromisso afetivo de fidelidade ou convivência cotidiana com o outro. Restringe-se apenas a

uma noite de “intimidades” com a pessoa que pode ou não envolver contato sexual por ocasião daquela festa. 19 Vale ressaltar que existem dois gestos linguísticos, na língua de sinais, para diferenciar homoafetivos masculinos e

femininos e que, segundo os surdos, representa a expressão gay (homem) e lésbica (mulher).

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65

Desta forma, essas situações demonstra como o comportamento dos surdos

vem mudando consideravelmente. Eles estão abandonando uma postura resignada da

deficiência e estão lutando por conquistar novos espaços sociais, inclusive o de serem

“vistos” pela cidade e na cidade, como atores sociais que também compõem e

interferem na paisagem social e local, como procuraremos descrever no próximo

capítulo deste trabalho.

Estes surdos, assim como os demais não surdos, são considerados agentes

culturais ativos diretamente envolvidos neste processo de mudança, assim como lembra

Almeida e Tracy (2003), que propõe reflexões sobre a abordagem da subjetividade

contemporânea em um contexto de alterações em seus regimes de significado e

funcionamento.

Enfim, seguimos as normas elencadas pela professora e tentamos ser o mais

discreta possível, bem porque nosso objetivo além de aprimorar o domínio do idioma,

era observar o campo de pesquisa e as mudanças de comportamento dos surdos nos

momentos de lazer e sociabilidade pela cidade de João Pessoa- PB, a partir dos contatos

formados por eles na ASJP-PB.

Sobre este processo de pesquisa desejamos acrescentar que esse deslocamento

leva o pesquisador a repensar o modo como às identidades coletivas e individuais são

negociadas, tanto no que diz respeito ao observador, quanto ao observado (ALMEIDA;

TRACY, 2003).

Cabe comentar que o elemento gênero também parece engendrar formas de

comportamento um tanto que conflituosas entre os associados, pois aparentemente

existem preconceitos quanto a opção ou orientação sexual de alguns frequentadores

mais assíduos da ASJP-PB, principalmente nas festividades. Desse modo, pequenos

grupos se formam no ambiente da ASJP-PB subdivididos por orientação sexual, ou seja,

mesmo que aparentemente exista uma interação harmônica entre seus frequentadores, os

surdos gays e os heterossexuais buscam delimitar seus espaços de interação através de

uma disputa de autoafirmação de suas orientações sexuais.

3.4 Festas de surdo - A Primeira Impressão Não é a que Fica

Ao chegarmos à ASJP-PB a primeira coisa que nos chamou a atenção foi o

volume alto da música que o DJ tocava na festa. Como também a organização do

ambiente que remetia a temática de festa havaiana, assim os membros da associação

estavam trajando roupas a caráter da temática. As mulheres com colares florais e

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66

arranjos de flores nos cabelos, biquínis e saias de palha ou de tecido estampados com

temas da natureza. Os homens seguiam a mesma proposta com roupas coloridas e que

remetessem ao tema. Em seguida, outro fator que nos chamou a atenção foi a

aglomeração de pessoas que chegava a ocupar a rua, devido o grande número de

pessoas reunidas.

Tentamos nos aproximar de algumas pessoas surdas e desenvolver uma

conversa, porém como a nossa fluência no idioma ainda não estava profunda, fazíamos

os movimentos gestuais de modo mais lento e numa dessas tentativas de diálogo

recebemos uma contra resposta de uma pessoa surda na ASJP-PB.

Que enquanto não dominássemos totalmente o idioma de LIBRAS

não tentasse conversar com ele, porque era muito tedioso ter que

esperar nossa gesticulação lenta, o melhor era que fosse à FUNAD

aprender LIBRAS e só então voltasse lá. (T. 25 anos. Membro da

ASJP-PB).

Eram pessoas de diferentes idades, desde adolescentes a idosos que,

aparentemente, se reuniam sem apresentar nenhum problema de convivência, à primeira

vista. Mas ao decorrer das próximas incursões em campo, pudemos observar

nitidamente a separação em grupos de cada corte geracional e a discriminação

promovida entre seus membros por questões de gênero ou “excessos de

comportamento”. Criando-se visivelmente a condição de os de dentro e os de fora da

festa. Como limiar entre o permitido e o não permitido em cada ocasião. Essa situação,

como nos informa Victor Turner (TURNER 1974), pode ser vista a partir dos

fenômenos liminares que torna o universo da relação grupal entre posições e oposições

de sentidos múltiplos, assim como também estabelecem fronteiras que visivelmente

demarcam a situação do sujeito sobre uma ordem hierárquica e ambígua no grupo.

Como já havíamos descrito antes, ASJP-PB conta com aproximadamente 241

pessoas associadas, que periodicamente se reúnem para realização das festas temáticas

que ocorrem mensalmente e são idealizadas e organizadas por seus diretores. Porém o

espaço da ASJP-PB é utilizado por seus membros de modo particular em outros eventos

organizados pelos próprios associados para comemorar: aniversários, confraternizações,

competições esportivas, reuniões, ensaios de coreografias de grupos de teatro e de hip

hop da ASJP-PB, que geralmente se apresentam nas igrejas evangélicas das quais

alguns fazem parte, entre outros eventos de maior ou menor alcance dos membros

associados que não pagam nada a mais por fazer uso dessa maneira da associação.

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67

A alegria e a dança sempre estão presentes na maioria das festas,

principalmente quando existe um número maior de jovens. Geralmente os adultos

permanecem sentados em grupos dialogando em LIBRAS uns com os outros, só abrem

algumas exceções para falar oralmente quando alunos do CALIBRAS estão nas festas

querendo se enturmar e aprender mais LIBRAS. Porém, de modo geral, são bastante

receptivos. Ensinam sinais novos e tem bastante paciência com os não-surdos

identificados como alunos do CALIBRAS e assessorados pela presença da professora.

Como em toda festa há convites para dançar ou beber alguma coisa e papear

muito. Sempre treinando a Língua de Sinais, de preferência sem falar oralmente e

simultaneamente aos gestos, para que realmente possa comungar da identidade de

pessoa surda e compartilhar do mesmo código de comunicação, ou seja, os gestos

corpóreos.

É importante respeitar o espaço dos surdos naquele local, porque é na

Associação que não precisam se preocupar com aceitação de não-surdos através da

comunicação oralizada. Neste espaço os surdos podem se comunicar livremente,

distante dos olhares vigilantes e contenciosos de outras pessoas não surdas. Como é

enfatizado por L, de 29 anos, solteira:

Aqui na Associação eu me sinto mais a vontade pra poder falar. A

gente não tem vergonha não. Porque todos aqui falam LIBRAS. Eu sei

que muita gente tem preconceito com nós, mas aqui todo mundo se

entende. A gente fica mais tranquilo e pode se comunicar livremente.

Aqui todo mundo é igual, mesmo o que não são surdos...

Através da fala da entrevistada podemos perceber a importância da associação

como espaço de convivência e reconhecimento. É a lógica do pedaço, do espaço

comum. O pedaço dos surdos. Neste local específico de lazer e entretenimento era

possível também observar a distinção entre os que faziam parte ou não, de modo mais

assíduo, deste pedaço. A divisão das pessoas não passava exclusivamente pelo domínio

de LIBRAS, ser surdo ou não surdo, mas pela perspectiva de convivência e pertença

aquele local e as suas atividades.

Havia pessoas não surdas e surdas, mais próximas e chegadas. Geralmente os

que sempre apareciam para se divertir nas festas, já haviam construído redes de

amizades e interesses em comum. E até conseguir tornar-se mais “chegado” e comungar

de outro tipo de sociabilidade como nos menciona Magnani (em entrevista concedida à

revista eletrônica Divulgación y Cultura Científica Iberoamericana20

) seria necessário

20 http://www.oei.es/divulgacioncientifica/entrevistas_096.html. Acesso em 10/10/2012.

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68

mais entrosamento, domínio do idioma de LIBRAS e participação dos mesmos

interesses de lazer e diversão do grupo de surdos pela cidade.

As visitas é que precisavam se adequar ao ambiente e os códigos para serem

aceitas. Esta inversão de posição social e de domínio de territorialidade é muito

interessante, pois nos estimula a observar melhor e procurar as combinações e

estratégias utilizadas pelo grupo para se relacionar entre si e com as visitas de pessoas

não-surdas. Às vezes o estranhamento e a tensão no ambiente eram mais nítidos,

associados a alguns olhares de soslaio. Mas com o tempo a incorporação de códigos e

padrões de comportamento comuns ao grupo faria essa indiferença ser amenizada ou

superada.

Nas primeiras visitas a ASJP-PB ficou bastante visível que os surdos mais

jovens geralmente são os que movimentam as festas e articulam os encontros na

Associação. Mobilizam outros surdos de cidades circunvizinhas a João Pessoa-PB,

como Sapé, Santa Rita, Bayeux, Cabedelo, etc. que vêm em ônibus fretados ou lotações

de micro ônibus para passar a noite nas festas e romper o dia até o almoço, feijoadas e

muito pagode como diversão, sempre com som muito alto.

Todas as festas seguem uma rotina semelhante, pois a maior parte dos surdos

da ASJP-PB trabalham durante a semana e só se encontram nos finais de semana para se

sociabilizar de acordo com os equipamentos de lazer que a cidade dispõe.

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Momentos de interação e festividade na ASJP-PB e na casa de um associado. Fonte: arquivo de

pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

Existem outros pontos de lazer e de convivência na cidade que os surdos

frequentam além da ASJP-PB. Entre estes, o terminal rodoviário é um local

frequentado, rotineiramente, por adolescentes surdos que vem dos colégios próximos ao

centro da cidade. Alguns deles já conheciam e ou já frequentaram a ASJP-PB. Muitos

não eram tão assíduos devido às taxas cobradas para participação nas festas e, como

eram adolescentes, em sua maioria, dependiam da mesada dos pais e não podiam arcar

com as despesas periodicamente.

Este grupo de jovens surdos também se reunia nos shoppings da cidade,

principalmente nos dias de promoção do cinema onde é cobrada a meia-entrada. Deste

modo, se alternavam, conforme o valor da mesada e o interesse pelos filmes nos três

principais shoppings da cidade de segunda a quarta-feira, nos itinerários do shopping

Tambiá, shopping Manaíra e Mag shopping.

Destes, o preferido era o shopping Tambiá, pois era próximo de suas

residências e também porque alguns não precisavam pagar condução para chegar até o

local e se divertir com seus pares. Nos momentos em que todos do grupo tinham um

dinheiro extra, provenientes de mesadas oferecidas por seus pais, outros shoppings eram

frequentados, contudo também seguiam os dias da semana reservados a promoção de

meia-entrada nos cinemas.

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70

Algumas vezes este grupo também se reunia na calçada da orla marítima de

Tambaú e Manaíra, trazendo consigo pipoca, refrigerantes ou bebidas alcoólicas para

compartilharem na praia, sendo que nem todos possuíam maior idade para ingestão

legal de álcool. Era o que eles denominavam de: “farofada no calçadão”. Era o tipo de

passeio que consideravam “legal”, pois não precisavam gastar muito para se divertir.

A postura destes jovens surdos, nestes locais, geralmente era percebida por

outros frequentadores, uma vez que os mesmos faziam questão de serem notados

através do barulho, do jeito ousado, das roupas chamativas e também pela utilização

frequente da Língua de Sinais. Era uma atitude que acreditavam poder intimidar os não-

surdos, pois riam, caçoavam dos demais transeuntes, faziam mímicas das pessoas em

público. Vale ressaltar que a Língua de Sinais, nesta ocasião, parece corroborar uma

forte expressão de diferenciação, distinção e afirmação destes surdos.

Já em algumas festividades da ASJP-PB, dois destes jovens que observamos

apareceram na associação e logo procuraram entrosar-se com os demais. Entretanto,

estes frequentavam mais as imediações do terminal rodoviário da cidade, logo após as

atividades do colégio e depois da saída do cinema.

Percebemos que a maior parte dos associados são homens, mas também há um

número significativo de mulheres. As mulheres da ASJP-PB geralmente demonstram

participação ativa na comunidade, organizando e participando de concursos de dança e

coreografia nas festas.

Realizam desfiles e concursos de beleza, sempre caracterizadas para a ocasião.

As que mais participam destas atividades são as solteiras e mais jovens. As que já

possuem algum compromisso afetivo (casamento/ namoro/ noivado) se abstêm destas

atividades, mas frequentam as festas acompanhadas de seus respectivos companheiros.

Era interessante observar o comportamento dos homens não surdos presentes

nas festas da ASJP-PB, pois estes pareciam observar as mulheres surdas procurando

encontrar nelas valores estéticos e de adequação as normas sociais de beleza dos não

surdos. Deste modo, as consideravam “bonitas, desinibidas e bem arrumadas”,

entretanto, quando procuravam dançar com elas percebiam que as mesmas perdiam o

ritmo da dança e da coreografia em relação à música. Ou estavam adiantadas ou

atrasadas em relação ao contexto musical ou a letra da canção. Às vezes faziam gestos

rápidos enquanto que a música era lenta e vice-versa; tentavam acompanhar a vibração

da música. Como não havia um intervalo entre uma música e outra, as mulheres surdas

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71

dançavam initerruptamente o mesmo ritmo, só mudando de ritmo e de coreografia

quando eram avisadas por outros colegas.

Esta falta de harmonia entre a dança e a música parecia não causar nenhum tipo

de constrangimento ou desequilíbrio emocional nos membros surdos durante os eventos.

E as mulheres se divertiam do mesmo jeito e com a mesma descontração, sem se

importarem com que estivessem achando delas.

Todavia, para os não surdos presentes na festa, certo sentimento de decepção e

de frustração, aparentemente, se estampava nos seus rostos ao ver os surdos fora do

ritmo ou tendo que ser avisados quando a dança mudava a cada intervalo. Era uma

situação, para nós ouvintes, um pouco angustiante. Afinal, era surpreendente, em meio

aquele barulho, saber que o silêncio proveniente da falta de audição estava presente para

outras pessoas naquele momento, principalmente nas ocasiões das danças e das

coreografias.

O comportamento despojado dos surdos jovens e sua entusiasta alegria parecia

não incomodar os mais velhos da ASJP-PB. Contudo, nas demais incursões realizadas

com a turma do CALIBRAS na associação, percebemos que existia uma separação,

como comentamos no início deste tópico, entre grupo de surdos mais jovens, gays e os

mais velhos. O que levou, em alguns momentos, a diminuição considerável de

frequentadores a cada festa.

Havia ali uma separação muito clara de idade, gênero e orientação sexual. Pois

os surdos que pretendiam se relacionar com pessoas do mesmo sexo eram indiretamente

convidados a ficar do lado de fora da festa. Uma vez que os olhares de soslaios e a

reprovação expressa nos semblantes dos demais associados eram bastante visíveis.

Desta forma, os surdos que queriam se divertir na festa de outra maneira

acabavam saindo, pouco a pouco, para o lado de fora da associação. E mesmo sem

pronunciar “juízos de valor” entre si – os integrantes surdos da ASJP-PB, formavam-se

grupos distintos nas festas entre os de dentro e os de fora.

Quanto aos mais jovens, mesmo sendo heterossexuais, eram considerados

pelos demais surdos da ASJP-PB, em alguns momentos, baderneiros e desrespeitosos

com os mais velhos e com os gays. Haja vista que circulavam entre os ambientes de

dentro e de fora da festa, brincando e chamando a atenção de todos para si, com piadas e

comportamento ousado, sempre carregando consigo bebidas alcoólicas e praticando

gestualidades atrevidas.

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72

Já os surdos gays não foram expulsos do pavilhão interno da associação, mas

se sentiam melhor longe dos olhares punitivos ou vigilantes dos demais membros da

festa. Assim, podiam paquerar e conhecer novas pessoas longe das vistas dos outros

associados que estavam na festa.

Em relação aos associados que estavam dentro do salão da ASJP-PB, estes

pareciam assumir uma postura bem confortável diante desta separação. Ao questionar as

pessoas sobre aquela situação, sempre apareciam respostas evasivas. E não atribuíam

qualquer importância ao fato, declarando que era coisa de jovem.

Esses comentários e essa postura mantinha uma zona de conforto para ambas

as partes. Apesar da associação aparentemente ser um lugar de acolhimento e de lazer

entre as pessoas surdas, o modelo ideal se afastava um pouco do modelo real de

sociabilidade entre os pares do grupo.

As festas também ocorrem fora da associação, sobretudo nas calçadas, o que incomoda muito os

moradores locais. As fotos abaixo registra a folia do carnaval de 2013. Fonte: Arquivo de

Pesquisa de Elizângela Ferreira da Silva (2012).

Saindo um pouco desta sociabilidade da ASJP-PB, desejamos relatar um fato

que nos ajudou a repensar melhor sobre esta separação consensual dos surdos neste

espaço de lazer. Estávamos em um supermercado da cidade e ouvimos alguns ranços de

voz e logo percebemos a presença de uma surda no lugar.

Page 73: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

73

Esta surda era funcionária do estabelecimento comercial (Hipermercado).

Apresentamo-nos em LIBRAS e puxamos conversa com ela. Neste primeiro contato,

perguntamos coisas relacionadas a estudo, trabalho, bairros que morava etc. A

reciprocidade foi a mesma e logo estávamos conversando fluentemente.

Ela aproveitou para nos ensinar sinais novos e corrigir alguns gestos

linguísticos. Quando perguntamos se ela conhecia ou já tinha ido a ASJP-PB, em algum

momento para se divertir, percebemos que sua fisionomia logo mudou. Ela estranhou

que fossemos nas festas da ASJP-PB e perguntamos o motivo de tal estranhamento.

A mesma nos disse que lá (na associação) havia todo tipo de gente e muita

mistura. “Bagunça”. Não era ambiente para família e logo estranhou que fossemos

naquele local. Principalmente, nosso caso, sendo casada e com filha pequena. Achamos

estranha tanta aversão por parte dela. Logo os ânimos da conversa acabaram.

Despedimo-nos e as outras vezes que a avistamos no supermercado notamos que ela

nem queria mais nos cumprimentar direito, e sempre alegando que estava ocupada no

serviço.

Não tentamos mais aproximação com esta mulher, pois de alguma forma

poderia atrapalhar seu trabalho e a realização de suas tarefas. Ao encontrar casualmente

outras funcionárias também surdas da FUNAD, as convidamos para irem conosco nas

festas da ASJP-PB e a recusa foi imediata. Como num coro ensaiado responderam: “ali

não é lugar de gente direita”. Comentaram que até: “já foram lá, mas que atualmente

sendo casadas e noivas... Não se sentiam bem naquele ambiente”.

A imagem da associação era relacionada a um lugar de “muita mistura”, de

“gente de todo tipo”. E quando perguntávamos de que tipo de gente vocês estão

falando? Elas repetiam impacientes por nossa insistência: “de todo tipo! É claro que

você entende”. Ou simplesmente davam respostas sem consistência.

O fato é que para certas respostas não há necessidades de muitos comentários.

E ficou evidente que ASJP-PB estava associada à imagem de permissividade e de

encontros furtivos praticados por algumas pessoas surdas. Então muitos surdos

deixavam de frequentar a ASJP-PB e não davam explicações da desistência ou do

afastamento aos demais surdos. Isto justifica a rotatividade dos associados e uma

oscilação no número de pessoas que participavam das festas, fossem elas surdas ou não.

Diante dessas circunstâncias, podemos compreender como se configura

códigos de diferenciação e estranhamento entre os grupos observados, mesmo que nos

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74

apresente, sobre um primeiro olhar, harmoniosamente em suas práticas de sociabilidade

cotidiana.

A discriminação pejorativa por parte de alguns surdos em relação à opção ou

comportamento sexual de outros surdos, bem como os assédios sexuais indesejáveis que

algumas mulheres relatavam no interior da festa ou até mesmo comportamentos ditos

promíscuos entre pessoas heterossexuais, coloca em evidência os conflitos inerentes à

reprodução social de uma sociedade mais ampla, seus preconceitos e valores.

Trata-se, neste sentido, de compreender os diferentes papeis sociais assumidos

pelos atores imersos em um grupo ou um espaço social específico, que leva a

relativização de valores implícitos ou explícitos conforme a posição que o outro ocupa

ou desempenha dentro de uma ordem social legitima e estabelecida consensualmente.

Isto também reflete a importância do espaço, neste caso da ASJP-B, que permite a

construção de redes afetivas, no qual a sociabilidade se torna possível, conformando um

ambiente de pertencimento e reconhecimento simultâneo da pessoa surda na cidade de

João Pessoa-PB.

Page 75: Nao Escuto, nao Falo, nao quero, de Elizangela Ferreira sobre surdez

75

CAPÍTULO IV

CONTRASTES DA SOCIABILIDADE DO GRUPO DE SURDOS NA CIDADE DE

JOÃO PESSOA

As diversas formas de sociabilidade que agregam as pessoas assumem maior

visibilidade nas práticas de lazer. Supondo como Magnani (1984), que entende por lazer

o conjunto de ocupações que preenchem o tempo livre do cidadão, em oposição ao seu

universo de trabalho, o lazer, desse modo, assume um papel fundamental no que diz

respeito às práticas de entretenimento, descontração, interação ou até mesmo do

descanso de indivíduos que usufrui determinado tempo que, necessariamente, não está

relacionado com as horas de trabalho. Neste sentido, buscamos acompanhar a

convivência de um grupo de surdos da ASJP-PB em seus períodos de lazer na cidade e,

nesta perspectiva, a atuação destes atores sociais em espaços urbano e o exercício de

suas regras de reconhecimento e identificação como pessoa surda nos ambientes de suas

redes de sociabilidade.

O objetivo principal deste capítulo é apresentar a formação e a disposição de

um circuito de sociabilidade e de lazer do grupo de surdos na cidade de João Pessoa-

PB, cujo elemento estruturador é a própria identidade de pessoa surda e sua opção de

lazer e entretenimento através da organização e realização de festas na ASJP-PB, bem

como a articulação dos lugares e os trajetos que este grupo perfaz pela cidade,

destacando como esse grupo se apropria dos espaços do qual a cidade dispõe para

práticas de sociabilidade. Procuramos também utilizar as categorias de apropriação do

espaço urbano propostas por Magnani (2007, 2002) de: pedaço, trajeto e circuito.

Compreendemos que a cidade abarca diferentes grupos e estilos de vida e

possui, segundo Santos, (2008, p. 120): “um papel fundamental na organização do

espaço, pois assegura a integração entre fixos e fluxos, isto é, entre a configuração

territorial e as relações sociais”. Desse modo, o espaço público é caracterizado por ser

palco de inúmeras apropriações dos indivíduos que fazem usufruto de seus

equipamentos. Ao mesmo tempo em que é o lugar de encontro com o diferente,

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76

possibilita o reconhecimento das pessoas e de suas particularidades, bem como das

negociações sobre os espaços e a identidade de cada grupo.

Magnani (1992, p.60), define a sociedade urbana contemporânea como uma:

(...) sociedade dividida em classes e grupos sociais com interesses

muitas vezes antagônicos, com diferenças étnicas e regionais,

pluralidade de crenças, complexa divisão técnica e social do trabalho.

Numa palavra: os padrões culturais, longe de apresentarem

homogeneidade são múltiplos, diferenciados e, não raro, conflitantes

entre si.

A heterogeneidade dos grupos sociais que fazem uso dos mesmos

equipamentos urbanos de lazer podem criar tensões sócio-espaciais no dinamismo das

redes de interação. O espaço, neste sentido, se torna uma extensão da personalidade dos

grupos que utilizam aqueles lugares em suas trocas interacionais. Isto é bastante visível

no depoimento de um integrante do grupo de surdos da associação:

Eu gosto muito de passear no shopping, dar uma volta no calçadão de

Manaíra, tomar um sorvete... Mas prefiro os horários de menos fluxo

de gente, sabe?! Geralmente antes do finzinho da tarde, nos dias que

antecedem o final de semana. Porque é muito chato estar nestes

ambientes e perceber que as outras pessoas estão te olhando diferente

porque estou falando com as mãos. Sempre há certo espanto por parte

das pessoas... uma admiração... Não vejo por que, afinal nós não nos

espantamos com eles (pessoas não surdas) quando estão no mesmo

ambiente que a gente, só porque estão conversando. Esse tipo de

atitude me faz sair logo do lugar, porque não quero ser atração pra

ninguém. Sou normal e quero me divertir como qualquer pessoa (G.

27, anos).

O comentário deste surdo revela que os mesmos lugares de lazer na cidade são

frequentados por diversos grupos e que cada um deles procura adequar o seu momento

de descontração de modo a evitar tensões de convivência com os demais frequentadores

deste local. Assim, o território e o fluxo de pessoas que frequentam um lugar serão

delimitados por fronteiras sociais criadas pelos próprios atores urbanos na sua teia de

relações.

Ao observar estes fatores existentes nos processos de sociabilidade entre as

pessoas que formam este grupo de surdos, resolvemos acompanhá-los em seus dias de

lazer e participar dos momentos de diversão que desfrutavam na cidade. É importante

ressaltar que o perfil sócio econômico do grupo, descrito anteriormente no corpo deste

trabalho, nos remete a análise de que os locais visitados e frequentados pelo grupo

correspondem aos de classe média e classe média alta. Ao conversar com um dos

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77

integrantes deste grupo de surdos, sobre suas preferências de lazer na cidade, o mesmo

relatou que:

A cidade de João Pessoa é muito bonita e calma, geralmente gostamos

de passear a tardezinha e aos finais de semana, porque o fluxo de

gente é menor em alguns pontos turísticos. É muito bom visitar o

Centro Histórico da cidade, dar um passeio de barco para a praia de

Areia Vermelha, fazer uma caminhada numa rota campestre, curtir o

lado bom da vida. A cidade nos dá estas oportunidades de lazer e

segurança, bem porque os locais que frequentamos têm um público

selecionado e que não gosta de bagunça (R.Jr. 35 anos).

Geralmente, este grupo de surdos parece ser bastante seletivo em relação aos

lugares que frequentam e as pessoas com quem interagem. O ciclo de amizades que

constroem compreende, em sua maioria, por pessoas do convívio profissional,

acadêmico ou de outros surdos que frequentam os mesmos ambientes que eles.

Pudemos observar que o desenvolvimento de amizades com pessoas não surdas não era

muito comum, pois além dos fatores socioeconômicos, o conhecimento e o domínio do

idioma de LIBRAS são fundamentais no estabelecimento de vínculos sociais de

amizade e interação que, Segundo Scocuglia (1993, p. 04):

Devem ser levadas em consideração as diferenças existentes no plano

das relações simbólicas, da situação de mercado, e até mesmo de suas

formas de consumo e de reprodução (não apenas as de bens materiais,

mas também de informações, etc). Estas diferenças estão, por sua vez,

diretamente vinculadas às trajetórias individuais ou a de grupos, e às

leituras específicas do sistema simbólico, ou seja, da cultura da qual

fazem parte.

Assim, mesmo sendo uma associação formada por um grupo de pessoas surdas,

existem elementos distintivos entre seus integrantes, desde a escolha dos locais de lazer

e dos indivíduos que compõem os subgrupos a partir de critérios de condição

socioeconômica a de formação escolar. Podemos compreender que as escolhas dos

locais e dos itinerários de lazer realizados pelos mesmos indivíduos surdos funcionam

como fator de agrupamento e de construção de fronteiras. Nesse sentido, os estilos de

vida dos pequenos grupos que se formaram dentro desse grupo maior de pessoas surdas

da associação, também geram afastamentos e dessemelhança que, segundo Bourdieu

(1983, p.82) emana de:

(...) diferentes posições que os grupos ocupam no espaço social

correspondem estilos de vida, sistemas de diferenciação que são a

retradução simbólica de diferenças objetivamente inscritas nas

condições de existência.

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78

Neste sentido, as práticas de lazer realizadas por pessoas surdas desta mesma

associação evidenciam suas trajetórias sociais e, concomitantemente, configuram as

distinções entre os integrantes dos grupos. O que segundo Santos (1998, p. 83), funda:

“o espaço urbano diferentemente ocupado em função das classes e dos grupos em que se

divide a sociedade”.

Desse modo, os lugares de lazer mais visitados pelo grupo de condição

socioeconômica mais elevada compreendiam roteiros gastronômicos por restaurantes e

quiosques a beira mar, passeios turísticos oferecidos na cidade para praias ou execução

de atividades de ecoturismo, visitas a casas de shows, sessões de cinema, passeios em

shoppings, entrada em museus, teatros, exposições e galerias de arte.

Grupo de surdos confraternizando em restaurantes badalados de João Pessoa. Fonte: Arquivo de

Pesquisa de Elizangela Ferreira da Silva (2012).

É importante acrescentar que, diferentemente de outro grupo de surdos citados

neste trabalho, que compreendiam uma menor faixa etária e poder econômico mais

reduzido, as atividades de lazer eram orientadas por questões financeiras, sendo

valorizados lugares de entretenimento com baixo custo e a proximidade de suas

residências. Destarte, no caso deste grupo de surdos, especificamente que compõe um

nível de classe média e média alta, em sua maioria com empregos públicos e situação

financeira estável, os motivos dos passeios são direcionados pelo prazer e satisfação que

poderiam proporcionar, e o valor em dinheiro das saídas, geralmente, não era o primeiro

critério a ser levado em consideração. Assim, como nos mostra Velho (1997),

seguimentos sociais, nas sociedades modernas, que possuem certo prestigio e ascensão

social dado as suas condições econômicas mais estáveis, estabelece uma diferenciação

de papeis caracterizados tanto pela noção de individualidade como de identidade.

As noções de prestígio e ascensão social parece-me vinculadas,

exatamente, a diferentes formas de viver e lidar com a questão da

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79

individualidade na sociedade contemporânea. Fazem parte, por sua

vez, de um processo mais amplo de construção social da identidade

(VELHO, 1997, p. 44 – grifos do autor).

Uma identidade que parece também ser permeada por tensões e fronteiras

construídas entre membros do próprio grupo e serve para a consolidação de um espaço

social onde se possa, visivelmente, demarcar seus limites de organização. Foi o que

constatamos ao perceber que a aquisição de uma segunda sede para a Associação

pareceu atenuar questões bem pontuais entre os associados surdos de diferentes cortes

geracionais e econômicos.

A primeira e mais antiga sede foi destinada às praticas esportivas, de

entretenimento aleatório e as festas pessoais de associados que, por conseguinte,

representam a faixa etária mais jovem e economicamente mais baixa. Já a segunda sede

da ASJP-PB é usada para realização de momentos mais reflexivos, compreendendo a

apresentação de palestras dos próprios membros surdos ou convidados sobre temas

relevantes para o grupo, como educação bilíngue nas escolas e o incentivo a formação

acadêmica de seus membros.

As reuniões mais “relevantes”, conforme as palavras do atual diretor da Associação são

realizadas na segunda sede da ASJP-PB. Debate sobre a importância e obrigatoriedade da

inserção do bilinguismo em escolas da cidade. Fonte: Arquivo de Pesquisa de Elizângela

Ferreira da Silva (2012).

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80

Foi possível perceber que esta reorganização do grupo não ocorreu de forma

imposta por determinada parcela dos surdos ASJP-PB, mas que a própria estrutura das

sedes proporcionou distintas utilizações dos espaços, como relata um dos diretores da

ASJP-PB:

Quando for dia de festa para todo mundo junto (de todas as idades) é

na outra sede que é maior e vai muita gente, inclusive quem quer

conhecer a Associação e também não é surdo. Mas quando for ter uma

reunião mais séria ou uma feijoada sem muito som, então é aqui. Pra

quem quiser ficar num ambiente mais calmo, para conversar e relaxar

mais.

A reorganização das sedes da ASJP-PB parece conformar um ambiente onde se

reutiliza o espaço de acordo com suas fronteiras simbólicas, ajudando a manter certo

grau de coesão entre o grupo, mesmo que sejam visíveis as diferenciações entre seus

pares, seja por condição economia, geracional ou orientação sexual. Segundo Koury

(2004, p. 44) este tipo de reorganização espacial ou simbólica, quando utilizada por um

grupo social específico serve:

De linha demarcatória que permite dizer que se é membro ou que se

está em seu interior, espacial ou simbólico, a fronteira estabelece

parâmetros para se pensar ou vivenciar o dentro e o fora. Cria e

delimita os contornos sociais e culturais do grupo, ou seja, a

possibilidade do grupo se diferenciar, enquanto traços socioculturais,

de memória e de sociabilidade. O que confere ao grupo, por um lado,

uma identidade singular.

Deste modo, percebemos também que a organização das festas no interior da

ASJP-PB acontecia nas duas sedes, principalmente com a aquisição recente do segundo

prédio residencial para a associação, entretanto cada espaço teria regras usuais bastante

diferenciadas de acordo com os horários, dias da semana e momentos minuciosamente

planejados pelo grupo, ou seja, cada festa ou interação teria o seu momento e,

sobretudo, seu espaço específico para acontecer. Isso parece talvez corroborar esta

sociabilidade, anteriormente descrita por Koury (2004), enquanto aspecto fronteiriço de

diferenciação necessária para afirmação da identidade e organização social do grupo.

No intuito de apresentarmos um pouco sobre os demais trajetos dos surdos na

cidade de João Pessoa, cabe aqui uma descrição de nossa experiência em campo,

quando participamos de longas festas elaboradas por esse grupo. O que também nos

ajuda a perceber como a utilização desses espaços das sedes da ASJP-PB está imbricada

com a cidade de João Pessoa.

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As festas possuem dois momentos rotineiramente elaborados. O primeiro

momento começava na primeira sede da ASJP-PB, aos sábado, geralmente às 17h00.

Inicialmente havia conversas informais entre os presentes, grupos jogando futebol,

baralho e dominó. À medida que o tempo passava e anoitecia, chegavam mais

associados, dando-se início à festa com danças, músicas, apresentações e muitas

conversas entre as pessoas surdas e não surdas que dominassem, pelo menos

minimamente, o idioma de LIBRAS. Esta festa sempre rompia a madrugada e só

acabava no período da manhã do outro dia (domingo).

No segundo momento, todos eram convidados para irem a segunda sede da

ASJP-PB, onde seria realizada uma feijoada que, diferentemente do primeiro momento,

proporcionava um ambiente mais calmo, de relaxamento, de conversas com outros

membros da associação que não quiseram participar do período anterior da festa. Mas

que estão ali para interagir também. Grande parte dos que participaram da festa noturna

permanecem na associação para este segundo momento.

Ao participarmos dessas festas foi possível conviver e circular com diversos

grupos de pessoas surdas neste ambiente da associação e ver que a proximidade espacial

que a sociabilidade urbana possibilita colocam em evidência as diferenças sociais e

culturais dos membros deste grupo. Assim, é o local que propicia simultaneamente a

identificação com seus semelhantes e a diferenciação social no contato entre modos de

vida distintos, como observou Magnani (1984).

Após participarmos de uma festa a noite inteira na ASJP-PB, rompemos a

madrugada e ficamos para a feijoada. Como de costume, as festas ocorriam do sábado

para o domingo. O fluxo de pessoas que estavam na festa foi renovando. Alguns surdos

foram para casa e outros permaneceram para o segundo momento da festividade. No

decorrer da feijoada um surdo nos convidou para integrar um grupo que queria dar um

volta pela cidade e sair um pouco do ambiente da associação. Daí é que começamos

acompanhar o trajeto deste grupo de surdos pela cidade e que, segundo eles,

rotineiramente percorriam.

Vamos dar uma volta por aí?! Passear. Aqui tá chato. Só vai ter a

feijoada. O pessoal tá a fim de espairecer. Variar pela cidade. Da umas

volta ai pelos shoppings. E aí, vamos?! (R. 24 anos, estudante)

Novas pessoas chegaram em um grupo de oito jovens surdos, com cinco

homens e três mulheres. Em seguida nos direcionamos ao shopping Tambiá, que fica no

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centro da cidade. No intuito de irmos ao cinema, chegamos antecipado à sessão e

ficamos na praça da alimentação conversando.

Enquanto estávamos na praça da alimentação se aproximaram mais jovens

surdos. Então percebemos que a mesa estava repleta de surdos conversando coisas do

cotidiano, numa velocidade que muitas vezes não conseguíamos acompanhar. Eram

surdos vindos de vários bairros da cidade, dos mais distantes, como o Valentina de

Figueiredo e o José Américo, aos mais próximos, como a Torre e Jaguaribe.

Apesar de nem todos frequentarem a associação o entrosamento foi muito

rápido. Já era costume de alguns frequentarem o shopping naquele dia e aguardar quem

não tivesse ficado para segunda etapa da festa na ASJP-PB. O shopping Tambiá era um

lugar certo para o encontro destes surdos em particular, se tornado um pedaço, um

ambiente que permite o reconhecimento e a identificação de um grupo específico de

surdos.

Geralmente, o centro de João Pessoa, aos domingos, é praticamente esquecido

pelos moradores da cidade. O fluxo de carros e pedestres diminui consideravelmente,

onde é possível caminhar pelo meio das ruas da cidade por horas e não ser surpreendido

por nenhum veículo ou outra pessoa. Paralelamente ao crescimento comercial da cidade,

moradores que antes residiam no centro de João Pessoa, deslocaram-se para morar em

outros bairros, sobretudo litorâneos21

. Desse modo, o centro que era considerado área

nobre, hoje é menos visitado nos finais de semana, ficando suas ruas principais quase

desertas.

O centro tornou-se um espaço esquecido da população para moradia e lazer,

mesmo sendo relativamente organizado. Transformou-se, a cada final de semana, em

um refúgio para menores de rua, homens perambulando embriagados e pontos discretos

de prostituição e bocas de fumo. Talvez seja um novo uso do espaço urbano, porém,

realizado sempre às escondidas, no qual apenas um olhar atento pode perceber tal

situação.

Olhares estranhos ou de turistas, hipoteticamente, a primeira vista, talvez não

enxerguem essas pessoas que não se deixam notar facilmente, pois estarão mais

encantados com os casarões tombados pelo patrimônio histórico e com o aspecto

“bonitinho” da paisagem local, com poucas casinhas coloridas, alguns edifícios antigos

21 Sobre o processo de mudança habitacional e comercial, ocorrido no centro de João Pessoa, ver também o trabalho

de Scocuglia (1993).

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residenciais que ainda resistem na cidade, misturadas a construções atuais dos prédios e

galpões das lojas comerciais.

A Rua Duque de Caxias, a Visconde Pelotas, o Parque Solon de Lucena, todos

estes locais ficam desertos. Somente o shopping Tambiá funciona aos domingos. Numa

tentativa de atrair clientes, até o estacionamento é gratuito. Mesmo assim o movimento

do próprio shopping é de apenas 30% do fluxo que possui durante a semana.

Este grupo de surdos, neste momento, faz um caminho inverso de

aproveitamento dos espaços da cidade, pois, se aos finais de semana a maior parte da

população se desloca para a faixa litorânea, onde atualmente é o ponto principal de lazer

dos pessoenses à beira mar, os surdos caminham frequentemente pelo centro, por suas

avenidas principais, fazendo de ruas desertas como a Visconde de Pelotas, a Duque de

Caxias, a General Osório, o Ponto de Cem Réis, ou até mesmo o Parque Solon de

Lucena, popularmente mais conhecido como Lagoa, trajetos usualmente convenientes

aos seus passeios rotineiros pela cidade nos finais de semana.

Diferentemente do centro da cidade, a valorização da faixa litorânea e dos

bairros ali localizados como área nobre é intensa. Todos os dias, inclusive aos sábados e

domingos, a avenida à beira mar é fechada para o trânsito de automóveis, demonstrando

o estímulo proveniente do governo municipal à prática de lazer e de exercícios físicos

com equipamentos gratuitos e permanentes no local.

A exemplo disto podemos mencionar o bairro de Tambaú, que atualmente

disponibiliza de praça de alimentação, praça de artesanato, locais de visitação pública

como galerias e exposições, sem falar de apresentações de artistas locais em palcos

itinerantes e em shows no Busto de Tamandaré. Por estes motivos e por outros, como a

segurança e equipe de saúde próxima, as pessoas da cidade e os turistas preferem a brisa

marinha e o burburinho dos eventos desta outra parte da cidade ao invés do Centro que,

por certos momentos, parece ser esquecido por seus moradores e pelo poder público

municipal.

Lembremos, porém, que nos últimos dois anos a prefeitura de João Pessoa tem

empreendido esforços para movimentar e revitalizar o centro da cidade, organizando

eventos artísticos com a presença de cantores e artistas conterrâneos, comemoração de

festas juninas, shows de verão e de inverno no Ponto de Cem Réis. Empreendeu

também o projeto do “Sabadinho Bom”, que compreende a apresentação de bandas de

chorinho, samba, pagode e rock, com fidelidade ao público local e de forma gratuita.

Contudo, ações empreendidas pela Prefeitura ainda não surtiram muito efeito no local

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em relação ao público alcançado, pois o número de pessoas que frequenta o centro da

cidade ainda é reduzido, restringindo-se apenas aos grupos que gostam realmente dos

estilos musicais contemplados nas programações.

Mesmo com a tentativa de revitalizar e estimular a ocupação do centro da

cidade, as atenções da Prefeitura se concentram mais na faixa litorânea da capital,

contemplando, sobretudo, bairros como Manaíra, Tambaú, Bessa, Cabo Branco. Assim,

vários moradores dos bairros periféricos ou mais centrais, como o Roger, Tambiá,

Jardim 13 de Maio, Varadouro, entre outros, se deslocam para as imediações dos bairros

litorâneos.

É bem verdade que existem algumas iniciativas de revitalizar o espaço público

no ponto de Cem Réis, como já foi citado anteriormente. No que se refere à realização

de alguns shows, que ocorrem geralmente no mês de janeiro e de junho, o período em

que a maior parte dos pessoenses está de férias e a cidade também acolhe muitos

turistas. Mas ainda é um atrativo de lazer que não agrega a maior parte da população,

geralmente o público que frequenta os shows reside em bairros próximos do centro.

Nestas ocasiões o Centro da cidade conta com policiamento mais efetivo e uma

maior probabilidade de segurança para seus frequentadores. Mas ao final destes rápidos

momentos tudo volta a ser como era antes, com ruas desertas e silenciosas. É neste

caminho inverso de lazer que alguns surdos escolhem para se divertir. Talvez por tentar

se afastar dos olhares dos não surdos e da vigilância que podem exercer sobre eles. Ou

até mesmo para evitar as risadinhas e a admiração por parte dos não surdos em relação a

sua maneira de se comunicar gestualmente. Ou ainda pelos ruídos que são produzidos

através de seus resíduos vocais.

Os surdos aparentemente se divertem muito caçoando das pessoas que passam

no shopping, principalmente porque elas não sabem que estão sendo alvo de

comentários capciosos, não dominam o idioma dos surdos, não tem o poder de decidir

nada naquele momento, muito menos de revidar, e também são minorias naquele

espaço. Já que, supostamente, a maior parte dos moradores se deslocou para a orla

marítima da capital.

O grupo de surdos fazem comentários sobre as roupas das pessoas, sua

aparência física, sobre casais que acham estranhos, homens ou mulheres bonitas que

admiram. Vale ressaltar que tais comentários são sempre acompanhados de uma

infinidade de flertes e risadas misturadas. Neste momento, os surdos fazem muita zoada,

muito barulho e muitas gesticulações, é uma euforia que geralmente perturba os não-

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surdos, que logo se afastam das mesas próximas a deles. Esta atitude dos não surdos não

os incomoda, pelo contrário, mostra que naquele dia eles mandam no pedaço.

As festas de surdo realmente dão o que falar, sempre sobra novidade para a

próxima reunião: quem ficou embriagado, quem ficou com quem, quem se deu bem

com a gata da festa ou o gato da festa, quem se separou e quem voltou. Estes e outros

assuntos também fazem parte das conversas no shopping.

E numa lógica inversa de separação, este grupo de surdos se apropriam dos

espaços da cidade, geralmente nos dias menos visitados pelos não-surdos, como o

Terminal Rodoviário, que como já havíamos descrito no capítulo anterior, se torna um

ponto de encontro esporádico ou, para tentarmos ser mais fieis as categorias propostas

por Magnani (2007, 2002), se transforma numa parte do circuito de lazer e

descontração. É também às tardes, nos três shoppings mais importantes da cidade, em

dias alternados e nas festas da ASJP-PB, que eles se reúnem para conversar, zoar,

namorar, ficar, discutir assuntos cotidianos. Assuntos mais sérios ou tensos ficam para

as reuniões na ASJP-PB, como a reivindicação de direitos e implementação de políticas

públicas, etc.

Estas reuniões dos surdos, neste uso invertido dos dias mais movimentados,

podem passar pela lógica do não querer ser visto, mas também pela questão econômica,

uma vez que nestes dias os produtos e serviços são mais baratos nestes locais da cidade.

Contudo, não percebemos atitudes de timidez entre as pessoas deste grupo de surdos,

eles não possuem uma postura recalcada por serem surdos.

As meninas são muito bem vestidas, exigentes com as grifes das roupas, o

estilo das bolsas e sapatos, sempre maquiadas e com cabelo na moda. Os homens

também não deixam por menos, procuram estar com o físico bem preparado,

frequentam academias, cuidam do visual, usam roupas aparentemente caras e perfumes

agradáveis. E como já relatamos, o comportamento é bastante diferente do que muitos

portadores de deficiência física possuíam a décadas atrás, quando agiam como pessoas

desprotegidas, acompanhadas de seus parentes próximos, com visual desleixado e

debilitados, sem perspectiva ou ambições de vida comuns a quaisquer pessoas (namoro,

casamento, vida acadêmica, profissional22

).

Esta percepção sobre os portadores de deficiência mudou bastante. Este grupo

de surdos da ASJP-PB não sai e nem quer ser visto com seus pais, procuram cada vez

22Referenciamo-nos a imagem que observou Sacks (2010), que surdos eram consideradas pessoas que possuíam

algum tipo de retardo mental e, portanto, desprovidas de qualquer capacidade ou ambições cognitivas.

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mais a independência financeira e querem ascender socialmente. Muitos deles já

ingressaram em universidades, já concluíram o nível superior, já dispõem de trabalho ou

empregos públicos.

Isto indica que não querem ser vistos com muletas emocionais ou como seres

incapazes. Muitas vezes se comportam de forma arrogante e não dão muita atenção a

não surdos ou a surdos que, a seu ver, não tenham o mesmo status social que o seu. Sem

falar que muitos não têm paciência de dialogar, mesmo que seja em LIBRAS, com não-

surdos em outros ambientes, por considerá-los lentos, lerdos, néscios mesmo.

Desde que aproximamos deste grupo de surdos, sempre deparamos com este

comportamento que procura afirmar uma superioridade da inteligência surda em relação

às pessoas não surdas. Como comentamos antes, esta atitude também pode ser vista na

recusa em falar a língua portuguesa que, segundo relatos de alguns, “pouco importa esta

forma de comunicação oral”.

Analisando, em conjunto, essa diversidade de encontros nos pontos de lazer de

que a cidade dispõe e inclusive a ressignificação que os surdos dão a eles,

transformando um ponto de passagem de pessoas, como a Rodoviária e o Terminal

Rodoviário, em circuitos que assumem características de lazer ao invés do sentido

habitual de viagens e de trânsito de pedestres, perceber-se como os grupos fazem uso

dos espaços urbanos de acordo com os mais variados objetivos e aspirações.

A partir da utilização desses espaços ou reutilização dos espaços da cidade,

principalmente no centro da cidade, que aos poucos foi sendo pouco utilizado pela

maior parte da população devido o surgimento de outros espaços de lazer, percebemos

como a sociabilidade de pessoas surdas, na cidade de João Pessoa, construiu uma nova

forma de vínculo social que, como defende Michel Maffesoli (MAFFESOLI 2006),

aponta para um declínio da lógica individualista e o aceno para a formação de uma

sociedade mais afetiva e emotiva, marcada por uma lógica grupal e uma sensibilidade

coletiva.

É importante voltarmos nosso olhar, mais uma vez, para as distintas formas de

apropriação dos espaços de lazer na cidade, realizadas por este grupo de pessoas surdas.

Conforme a renda financeira de alguns integrantes surdos, são realizados as escolhas de

lugares para um lazer diferenciado. Assim, ao acompanhar outro grupo de surdos em

seu dia de lazer em João Pessoa, são evidentes que os locais e os ambientes visitados

por surdos de classe média são mais caros.

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87

A partir das considerações feitas pelos interlocutores surdos desta pesquisa,

podemos situar os bairros nobres da cidade no cotidiano de lazer deste grupo de surdos,

com formação escolar mais elevada e renda financeira superior.

A orla marítima que compreende os bairros de Cabo Branco, Tambaú e

Manaíra fazem parte do destino de passeios deste grupo de surdos da associação, seja

para o descanso, relaxamento, ou para a diversão ou descontração em algum quiosque a

beira mar. Contudo, sempre existe a ressalva de estar nestes pontos em horários e dias

que não houvesse um fluxo muito grande de pessoas. Como podemos entender melhor

nesse depoimento:

Gosto do calçadão e dos quiosques a beira mar para relaxar e curtir

com os amigos, mas prefiro os horários e os dias em que não há muita

gente, muita mistura. Prefiro um ambiente mais selecionado. Porque

pessoas de formação (educação) mais elevada é mais educada e

respeita mais o espaço dos outros. Não fica tão admirado ao conviver

conosco no mesmo lugar, nem fica com gracinhas sem sentido. Gosto

de ir a sorveteria Freeberg, porque lá os atendentes já sabem do que eu

gosto e quando tenho que falar (surdos oralizados) é só o mínimo.

Posso ser eu mesma, porque o nível de pessoas que frequenta o lugar é

diferenciado (R. Jr. 35 anos, funcionário da FUNAD)

A fala desta pessoa nos leva a refletir sobre a importância do local na definição

dos circuitos e trajetos de lazer em seu cotidiano. É como se já possuísse um circuito

mental, construído a partir de suas vivências no local, sobre as características dos

lugares com os quais se identifica ou não, seja em relação aos frequentadores ou as suas

práticas corriqueiras.

Os integrantes deste grupo de surdos gostam de frequentar os mesmos locais

nestes pontos da cidade, é a mesma sorveteria, o quiosque de sempre, os mesmos

lugares e com os mesmos amigos. O que confere confiança e segurança para o grupo de

surdos nestes lugares é já saber o que esperar destes ambientes e quais pessoas

geralmente irão estar lá. Aparentemente se espera o previsível, que parece se tornar

habitual ou rotineiro.

Como observou Gilberto Velho (VELHO 1982), os locais de moradia implicam

na condição diferenciada de estilos de vida nas cidades. O que também propicia a

geração de conflitos e hierarquias sociais. Entre o grupo de pessoas surdas da

associação, apesar de terem um fator de identificação em comum, que é à língua de

sinais, características que os aproxima também os distanciam. Nos relatos a seguir

podemos analisar esta distinção:

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Eu moro no Jardim Luna, então, pra mim é mais prático sair pra me

divertir pro lado das praias ou nos shoppings Manaíra e Mag. Minha

turma já é daqui mesmo. A gente já tem os points de lazer nessa área.

E quando tá cheio de gente misturada, nós procuramos um lugar mais

sossegado como um restaurante japonês (A. 35 anos, funcionário da

Anvisa).

Gosto da associação, é um lugar bem legal para conhecer pessoas

novas e rever os amigos. Mas mesmo aqui dentro tem muita mistura.

Eu moro em Jaguaribe, mas são alguns surdos que vem de outras

cidades como Bayeux e Santa Rita, sem muito estilo, classe. E querem

fazer a maior baderna na nossa associação. Ainda bem que temos duas

sedes. Aí da para separar o joio do trigo. Quem é mais educado e não

gosta de bagunça fica por aqui mesmo que as pessoas são mais

instruídas e esclarecidas. Lá deixa pros mais jovens ou para aqueles

que ainda estão na fase de pegação (G. 27 anos, professor de

LIBRAS).

Eu moro muito distante da associação, no Valentina, mas tenho carro.

Percebo que alguns colegas da associação estranham eu morar tão

distante e frequentar a associação. Só não ignoram tanto pelo fato de

eu possuir um carro e isto é muito importante, porque a maioria tem

carro na associação e apesar de morar longe eu também tenho o

mesmo nível (financeiro) dos demais. Às vezes, percebo que as

amizades sempre se fixam mais entre os que moram em bairros mais

próximos e para me aceitarem nos grupos vejo que tem alguma

resistência. Pensam que porque moro no Valentina sou menos

importante que eles na associação. Mas nem todo mundo é assim.

Ainda bem, porque de outra forma a associação não teria sentido (M.

38 anos, Comerciário).

É visível, nestes comentários, que entre os próprios membros da ASJP-PB há

uma distinção de status ou posição econômica e social. Existem os que se destacam por

sua formação acadêmica, profissional ou até mesmo traços de comportamento dos mais

recatados aos mais extravagantes. Um grupo coeso pela condição de surdez e de idioma

de LIBRAS, mas que também possui particularidades entre si que delimita círculos de

amizade e relações diferenciadas de poder.

Não obstante das relações interacionais e de lazer, percebemos que a ASJP-PB

é um lugar de encontro com o familiar e com o estranho. É neste espaço que o surdo

assume sua identidade de pessoa surda, se identifica com o outro que é seu par, mas

também estranha o familiar. Criando novas possibilidades de sociabilidade conforme as

particularidades e afinidades dos indivíduos deste grande grupo. Como nos mostra

Magnani (2002), quando a sociabilidade é convertida em lazer, sobretudo nos centros

urbanos, possibilita a troca entre semelhantes e leva à reafirmação de identidades

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sociais. Assim, a interação das pessoas surdas na ASJP-PB parece ser atravessada por

esse fluxo constante de reconhecimento mútuo.

As combinações dos novos elos de amizade e circuitos de lazer vão permear os

fatores de cortes geracionais, interesses sociais e equilíbrio econômico entre estes

membros com estilos de vida variados. Esse dinamismo de relações interpessoais no

grupo de surdos movimenta e vitaliza a ASJP-PB.

Desse modo, o constante fluxo de pessoas que se associam e desassociam da

ASJP-PB, por diversos fatores já mencionados neste trabalho, permite a ASJP-PB

diversidade na formação de seus membros e a circulação de vários estilos de vida. Os

laços e as condições de interacionismo é que parece determinar a permanência destes

grupos na ASJP-PB.

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90

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O foco principal desta pesquisa refere-se ao comportamento social de um

grupo de surdos que frequentam a Associação de Surdos de João Pessoa, capital da

Paraíba. O estudo foi desenvolvido com um grupo de pessoas com características muito

distintas: a surdez, o idioma de LIBRAS, o código de sinais, a linguagem corporal e

uma forma de sociabilidade engendrada, profundamente, nos relacionamentos

construídos na associação. Contudo, trabalhar com questões tão múltiplas, que

permeiam o universo do comportamento social de um indivíduo ou de um grupo, que

possui traços de sociabilidade imbricados a um caráter identitário, apresentam

configurações que vão além da nossa capacidade de observação científica.

Elaborar uma reflexão crítica sobre este grupo de surdos, com suas afinidades e

particularidades, em momentos de convivência e de trocas relacionais, quer seja no

espaço da associação ou da cidade, fazendo uso de seus equipamentos de lazer, é uma

tarefa de risco. Porque pensar a associação e seus membros, envolvem questões

dinâmicas e exigem reformulações constantes das respostas. Nesse aspecto, o estudo

não pretendeu chegar a resultados conclusivos sobre o objeto, pois afirmar a

compreensão totalizadora, das características de um determinado grupo, seria reduzi-lo

às questões teórico-metodológicas de um recorte particular.

A abordagem desenvolvida, neste trabalho, centrou-se na percepção dos

elementos constitutivos da identidade surda, através da linguagem corporal e da própria

condição de ser surdo numa sociedade onde a maioria são ouvintes. Implicou também

buscar compreender como a pessoa surda se relaciona e interage nos espaços públicos

com os outros atores sociais. É importante reforçar que este estudo foi realizado a partir

de um recorte do público alvo da pesquisa, ou seja, os surdos da associação. E através

destes dados, a tentativa de compreender as impressões descritas sob a ótica da pessoa

surda. O que ofereceu diversas percepções sobre a dinâmica social deste grupo e, em

particular, da cidade e na cidade de João Pessoa.

Este trabalho também apontou para a perspectiva da construção de fronteiras

simbólicas entre os integrantes de dentro e de fora do grupo de surdos da associação,

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91

decorrentes das tensões criadas pela diversidade de interação, das posições

socioeconômicas e dos estilos de vida que exercem sobre o seu lazer na cidade.

A cidade também acolhe os mais diversos atores sociais, sendo a própria

estrutura da rede favorável a condições que possibilita a proximidade espacial, ao passo

que também serve de palco para as distâncias sociais, classificações e hierarquizações

das redes de sociabilidade imbricadas neste contexto.

A convivência social e o lazer promovido na ASJP-PB permite o intercâmbio

sociocultural entre seus membros, ao mesmo tempo em que também serve de vetor de

forças para diferenciar os subgrupos que se formam a partir de características distintas,

seja por semelhança ou dessemelhança social, cultural, econômica, de gênero ou de

geração.

Através do exercício de observação da dinâmica do comportamento das

pessoas surdas nas reuniões e festas promovidas na associação, é importante ressaltar

que as influências de legitimação simbólica do poder de inclusão e de exclusão

coexistiam por meio de sistemas de valores explícitos e implícitos pelo grupo.

Fatores como a situação socioeconômica, o potencial cultural, o estilo de vida e

a opção sexual (implica em afirmar ser surdo gay) de cada membro, atrairiam ou

afastariam indivíduos para lados distintos e opostos. Esta situação foi constatada através

da distinção entre os membros da associação nas festividades, onde havia os de dentro e

os de fora dos muros da ASJP-PB, os surdos gay (de fora) e os surdos heterossexuais

(de dentro). Isto não implicava dizer que os membros não pudessem circular e conversar

em ambos os espaços, porém estava claro que afirmar ser surdo gay atrairia olhares

controladores dos demais, naquele ambiente.

O fluxo e a rotatividade constante dos associados refletem as relações de

semelhanças e dessemelhanças configuradas no cotidiano do grupo, em suas múltiplas

esferas. O espaço do lazer na associação é primordial para desenvolver qualquer diálogo

ou minimizar tensões no grupo. O espaço da associação, constantemente, é utilizado

para comemorações particulares e comunitárias dos seus membros.

A promoção das festas, geralmente temáticas, a exemplo do carnaval, com a

organização de gincanas e agremiações, sugere aos convidados e participantes do evento

se caracterizar com vestimentas opostas, no qual os homens se fantasiam de mulher e as

mulheres de homens. A proposta deste momento, neste espaço, é promover um

relacionamento entre opções sexuais diversificadas, pois, segundo os próprios surdos:

“é na folia do carnaval que todos podem fazer e ser o que quiser”. Neste momento, os

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surdos gays que participam destes festivais se reconhecem na comunidade a que

pertencem e percebem uma aceitação mais salutar a respeito de sua identidade e

orientação sexual. Nesse sentido, é perceptivo que os atores sociais da associação

organizam e reorganizam o espaço conforme as fronteiras simbólicas que constituem

seu imaginário.

Buscamos, ainda neste trabalho, compreender que num determinado espaço

urbano, no qual o indivíduo seja surdo ou ouvinte, e procura prezar por certa

privacidade pessoal, busca, de alguma forma, reelaborar suas predileções sócio-afetivas.

Destarte, os mesmos mecanismos que servem para demarcar simbolicamente as

diferenças: formas de comer, de falar, vestir, andar, entre outros fatores, são os mesmos

critérios utilizados para agregar pares e são responsáveis por valores comuns e

partilhados entre grupos de sociabilidade e espaços de pertencimento, seja em

associações ou em outros locais da cidade.

A associação é um espaço legítimo de identidade da pessoa surda. A condição

de pessoa surda e idioma de LIBRAS permitem essa sociabilidade e a configuração

coesa deste grupo social. Assim, a associação é o ambiente em que o individuo surdo se

sente autêntico. E é também o lugar de tensões sociais realçadas ou disfarçadas de

acordo com a situação vivenciada por seus membros.

Já a cidade de João Pessoa-PB, sob a perspectiva do grupo de surdos, é um

lugar que dispõe de muitos itens de lazer. Entretanto, a utilização destes espaços pelos

surdos ocorre num sistema de concorrência ou ameaça simbólica que configura

determinadas fronteiras. Assim, um passeio para uma pessoa surda, na cidade de João

Pessoa, reflete emoções e razões peculiares aquele lugar, entretanto, os trajetos,

circuitos e pedaços utilizados e percorridos por alguns surdos parecem sempre estar em

contra ponto à pessoa não-surda, seja ocasionados por um estranhamento mútuo ou

engendrados, aparentemente, pelos usos e formas de expressões linguísticas opostas.

Por fim, compreendemos que a ASJP-PB, na cidade de João Pessoa, é um dos

espaços de sociabilidade mais importantes para a pessoa surda. A partir da sociabilidade

praticada nesta associação são definidas as práticas de lazer e circuitos de

entretenimento na cidade, onde os vínculos de amizade são construídos, reforçados e

ressignificados através das nuances e emoções do grupo e dos usos sociais que fazem da

linguagem de sinais do corpo e sobre o corpo.

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