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Monografia - Karine

Jul 12, 2015

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Karine Macedo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

Karine do Nascimento Macedo

A Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA na Nova Poltica de Atendimento aos Adolescentes

1. 2.

Guarulhos 2011

Karine do Nascimento Macedo

A Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA na Nova Poltica de Atendimento aos Adolescentes

Trabalho de Concluso de Curso apresentado Universidade Federal de So Paulo como requisito parcial para obteno do grau em Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Prof. Dra. Marieta Gouva de Oliveira Penna.

Guarulhos 2011

Ficha Catalogrfica Universidade Federal de So Paulo Escola de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

Macedo, Karine do Nascimento A Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA na Nova Poltica de Atendimento aos Adolescentes / Karine do Nascimento Macedo, 2011. 66f Trabalho de Concluso de Curso (graduao em pedagogia) Universidade Federal de So Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, 2011. Orientadora: Prof. Dra. Marieta Gouva de Oliveira Penna. Ttulo em ingls: The Training College Professional of CASA Foundation in the new policy of adolescents attendance. 1. Fundao CASA. 2. Poltica de Atendimento. 3. Escola para Formao e Capacitao Profissional. I. Ttulo

Karine do Nascimento Macedo

A Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA na Nova Poltica de Atendimento aos Adolescentes

Guarulhos, 12 de dezembro de 2011

Prof. Dra. Marieta Gouva de Oliveira Penna Instituio: UNIFESP

Prof. Dra. Clia Maria Benedicto Giglio Instituio UNIFESP

Prof. Dr. Luis Carlos Novaes Instituio UNIFESP

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Dedico esta monografia a todos aqueles que lidam com a difcil tarefa de trabalhar pelo resgate de meninos que se perderam por nunca terem sido vistos pelos olhares de uma sociedade perversa, em que as janelas de suas cmodas moradias, no permitem enxergar alm do centro para saber o que ocorre na periferia.

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AgradecimentosAgradeo minha orientadora, Prof Dr Marieta Gouva de Oliveira Penna, quem se volta ao estudo da educao em um ambiente em que os alunos no so livres, no andam na rua e no voltam para casa e que com o seu trabalho, despertou meu interesse para essa rea, Prof Dr Clia Maria Benedicto Giglio e ao Prof Dr Luiz Carlos Novaes por aceitarem compor a minha banca, minha famlia pela pacincia e apoio durante esses quatro anos de Graduao, ao meu namorado Edson, pelo amor e companheirismo e aos meus amigos de Cincias Sociais, Letras, Histria e Pedagogia, alunos da Universidade Federal de So Paulo, porque nem tudo foi texto e sala de aula, as utopias e o desejo de transformar eu encontrei nos bancos da Unifesp, nas conversas depois do almoo e nos intervalos de cada aula.

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Trabalhar na Fundao no algo qualquer, No pra qualquer um, seja homem ou mulher! O salrio no atrai e o ambiente muito pior, Tem que ter fora de vontade e acreditar no MENOR. (funcionrios da Fundao CASA)

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ResumoO tema desta monografia a educao de adolescentes em conflito com a lei. A existncia de uma Escola para Formao e Capacitao de Profissionais (EFCP) da Fundao Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundao CASA) demonstra preocupao dessa instituio em oferecer subsdios para uma atuao profissional qualificada. Este estudo busca investigar e compreender as aes de formao desenvolvidas na referida Escola, tendo como norte que ela foi criada visando o preparo dos funcionrios da Fundao CASA para atuarem na aplicao de medidas socioeducativas direcionadas a menores em situao de conflito com a lei. Pretende-se discutir os princpios que regem as aes formativas da Escola, tendo como referncia terica o conceito de formao expresso por Theodor Adorno no texto Educao, para qu?. Tambm, parte-se de estudos que evidenciam que no Brasil o atendimento a adolescentes em conflito com a lei possui um histrico que revela formas assistencialistas e autoritrias de se lidar com essa questo. A anlise dos dados coletados permitiu evidenciar que os objetivos da EFCP vo ao encontro da nova poltica de atendimento, na medida em que concebe a formao como um meio de cumprir com as finalidades da Fundao CASA, em acordo com o estabelecido no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), mas que, por fazer parte de um processo de transio e superao de concepes socialmente estabelecidas, a EFCP ainda encontra limites a serem superados. Palavras-chave: Fundao CASA. Poltica de Atendimento. Escola para Formao e Capacitao Profissional.

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AbstractThe theme of this monograph is the education of adolescents in conflict with the law. The existence of a Professional Training College of the Foundation Center for SocioEducational Services for Adolescents (CASA Foundation) demonstrates a concern of this institution in offering subsidies for a qualified professional performance. This study intends to investigate and understand the training actions developed in the Professional Training School, considering that is was created in order to prepare the professionals of CASA Foundation to act on the application of educational measures aimed at adolescents in conflict with the law. Is is intended to discuss the principles governing the training actions of the Training Professional College, having as theorical reference the training concept expressed for Theodor Adorno in the text Education, for what?. Also, this monograph is based from studies that show that in Brazil the care of the adolescents in conflict with the law has a history that reveals assistencialist and authoritarian ways to deal with this issue. The analysis of data collected conduces to evidences that the goals of the Training Professional College goes to the meeting of the new attendance policy, in that it conceives the formation as a means to fulfill the purposes of the CASA Foundation, in accordance with the Child and Adolescent Statute, but however, to be part of a transition process and overcoming socially established concepts, the Training Professional College encounters obstacles to be overcome. Keywords: CASA Foundation. Attendance Policy. Professional Training College.

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LISTA DE SIGLAS CASA - Centro de Apoio Socioeducativo ao Adolescente CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente CPDOC Centro de Pesquisa e Documentao ECA Estatuto da Criana e do Adolescente EFCP Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA FEBEM Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor FUNABEM Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor ONU Organizao das Naes Unidas SAM Servio de Assistncia ao Menor SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SITRAEMFA - Sindicato dos Trabalhadores em Entidades de Assistncia e Educao Criana, ao Adolescente e a Famlia do Estado de So Paulo ONU Organizao das Naes Unidas

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SumrioIntroduo ............................................................................................................... 11 Captulo 1: Aspectos do tratamento dado aos menores infratores em perspectiva histrica .............................................................................................. 16 1.1 A juventude infratora na atualidade .................................................................... 22

Captulo 2: Contornos terico-metodolgicos da pesquisa .............................. 29

2.1 A educao/formao em Adorno ...................................................................... 29 2.2 Relaes existentes entre a concepo de educao defendida por Adorno e os pressupostos da EFCP ............................................................................................. 31 2.3 A coleta de dados ............................................................................................... 33

Captulo 3: A nova poltica de atendimento aos adolescentes da Fundao CASA e a Escola para Formao e Capacitao Profissional.............................................................................................................. 36

3.1 A nova poltica da Fundao CASA .................................................................. 36 3.2 Como a Escola para Formao e Capacitao Profissional se insere na nova poltica de atendimento aos adolescentes ............................................................... 38 3.3 Objetivos da Escola para Formao e Capacitao Profissional ....................... 40 3.4 Estrutura e organizao operacional da EFCP .................................................. 41 3.5 Prticas de formao, temas e contedos abordados ....................................... 44

Consideraes finais ............................................................................................. 49

Referncias ............................................................................................................. 55

Apndice ................................................................................................................. 57 Roteiro da entrevista realizada com a diretora da EFCP, Mnica Braga .......... 57

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Anexo I ..................................................................................................................... 59 Transcrio da Carta dos Adolescentes da FEBEM/Fundao CASA Unidade de Internao Jatob UI28, denunciando as torturas que sofrem na Unidade ................................................................................................................................... 59 Anexo II .................................................................................................................... 62 Transcrio da SEGUNDA carta dos adolescentes da FEBEM/FUNDAO CASA UI28, denunciando a Unidade .................................................................... 62

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Introduo

A existncia de uma escola para formao e capacitao de profissionais da Fundao Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) demonstra uma preocupao dessa instituio em oferecer subsdios para uma atuao qualificada dos funcionrios que nela atuam. De acordo com informaes obtidas no stio da Internet1, a Fundao CASA, vinculada Secretaria de Estado da Justia e da Defesa da Cidadania, tem a misso primordial de aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)2. A Escola para Formao e Capacitao Profissional, rgo vinculado Fundao CASA, localizada na cidade de So Paulo, ser o objeto de pesquisa desta monografia. A Fundao CASA tem como objetivo garantir a reinsero social do adolescente em conflito com a lei por meio de medidas socioeducativas, de modo a dar oportunidades de estudo e de atividades que visem formao do adolescente. Com a mudana ocorrida no sistema de atendimento ao menor em conflito com a lei em 2006, os grandes complexos de internao pertencentes extinta Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM) foram gradativamente desativados. Faz parte da poltica da Fundao CASA a descentralizao e municipalizao do atendimento, facilitando a aproximao e participao da famlia no processo de reinsero social dos jovens (SO PAULO, 2011).

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< http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/>. Acesso em 10 de julho de 2011

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O SINASE, criado em 2006, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente (CONANDA) estabelece normas com vistas padronizao dos processos jurdicos relacionados aos menores de idade, desde ao julgamento da infrao at a aplicao das medidas socioeducativas. Alm disso, estabelece normas referentes arquitetura das instituies que tratam de menores infratores e responsabilizao das esferas estaduais, federais e municipais com relao aplicao das medidas socioeducativas e reinsero social.

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Analisando os objetivos da Fundao, nota-se que os princpios que fundamentam a sua poltica vo ao encontro do que preconiza o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), criado pela LEI N 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Este estatuto surge num momento em que a sociedade buscava uma integrao com o Estado no tratamento de questes sociais, e entre estas, o atendimento ao menor, visando por um lado uma descentralizao do poder, e por outro a responsabilizao do Estado pela garantia de direitos sociais (ESCANUELA, 2009). Nesse sentido, O ECA estabelece deveres do Estado, da famlia e da sociedade em relao proteo e dignidade das crianas e adolescentes. nesse contexto que as medidas socioeducativas entram nos programas da Fundao CASA, tendo em vista que o ECA se contrape a qualquer medida punitiva e opressora que possa vir ferir a integridade do adolescente. Baseando-se no que estabelece o ECA, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo, a Fundao CASA teve a iniciativa de oferecer e organizar um programa de capacitao ao seu corpo de funcionrios. Criada em 2006, a Escola para Formao e Capacitao Profissional (EFCP)3 tem como objetivo preparar os funcionrios a fim de torn-los aptos a atuar de modo favorvel ao atendimento socioeducativo, valorizando a integrao entre funcionrios de diferentes reas para a construo do trabalho em conjunto. Esta monografia busca investigar e compreender as aes de formao desenvolvidas na referida Escola, visando o preparo dos funcionrios da Fundao CASA para atuarem no cumprimento de medidas socioeducativas direcionadas a menores em situao de conflito com a lei. Nesta investigao, pretende-se conhecer os princpios que regem essa formao, levando em conta que a Fundao CASA recentemente passou por reformulaes no seu sistema. As mudanas ocorridas no tratamento dado ao menor em conflito com a lei em So Paulo, dentre as quais a criao da EFCP, relaciona-se ascenso de novos discursos, concepes e princpios para o tratamento dado a esses adolescentes e sua reinsero social, que se quer compreender. Trata-se de discutir as possibilidades formativas da EFCP oferecidas aos funcionrios que encontram-se3

Informaes obtidas na Internet: < http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/>. Acesso em 10 de julho de 2010

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implicados nos processos de reinsero social aos quais esses adolescentes esto submetidos. Cabe destacar que meu interesse pelo tema se deu a partir do estudo realizado na Unidade Curricular Histria Social da Infncia, do curso de Pedagogia, que possibilitou que eu entrasse em contato com leituras que tratam de temas relacionados questo da pobreza, do abandono e da criminalidade da infncia no Brasil e da criao de instituies destinadas ao acolhimento dessas crianas. Alm disso, a Unidade Curricular Metodologia de Pesquisa foi outro fator que impulsionou este estudo, tendo em vista que esta foi ministrada pela minha orientadora, sendo assim, pude ter conhecimento a respeito de uma de suas linhas de pesquisa, a qual se refere educao em presdios e ao trabalho realizado por monitoreseducadores nas penitencirias do estado de So Paulo. A temtica que trata da formao dos adolescentes por meio do trabalho educativo desenvolvido na Fundao CASA, no que diz respeito formao profissional dos adolescentes, foi pesquisada por Massaro (2010), ao discutir a utilizao de oficinas profissionalizantes na Fundao CASA de Araraquara (considerada unidade modelo) na tarefa de reinsero social do jovem em conflito com a lei. Massaro (2010) constatou em sua pesquisa que alm da oferta da escolarizao formal, os adolescentes participam de oficinas que buscam preparlos para o mercado de trabalho. No entanto, a autora conclui que essas oficinas acabam se resumindo ao preenchimento de tarefas dirias, que tm como objetivo a manuteno da ordem. Os prprios funcionrios reconhecem a ineficcia das oficinas enquanto possibilidade de ingresso dos adolescentes no mercado de trabalho, j que as mesmas no atendem s expectativas dos adolescentes que so obrigados a frequent-las. Outro estudo relevante a respeito dos processos da educao destinados a menores infratores foi realizado por Escanuela (2009), que, na sua dissertao de mestrado fez uma pesquisa em duas escolas que recebem alunos/adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa denominada liberdade assistida, uma das possibilidades previstas no ECA no que diz respeito ao trato de menores em conflito com a lei. Escanuela (2009), em seu trabalho, discute as medidas socioeducativas

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baseando-se em leis que prevem o direito de crianas e adolescentes, como a Constituio Federal de 1988, que garante o direito educao, e o Estatuto da Criana e do Adolescente que, no caso de menores infratores, institui a obrigatoriedade da aplicao de medidas socioeducativas e a variao das mesmas de acordo com a infrao cometida. Esses estudos ampliaram minha compreenso sobre a temtica em questo, e apontam a relevncia de novas pesquisas que tenham por objetivo compreender os processos educacionais desencadeados na Fundao CASA, indicando para a importncia de se investigar quais so os princpios norteadores que esto presentes no processo formativo de funcionrios que nela atuam, o que se pretende nesta Monografia de Concluso de Curso de Pedagogia. Tendo em vista esses fatores, o objetivo neste trabalho compreender o lugar e o papel que a Escola de Formao e Capacitao Profissional ocupa na dinmica do funcionamento da Fundao CASA, em sua tarefa de cumprir com a aplicao das medidas socioeducativas s quais esto submetidos os adolescentes que a ela so encaminhados e que, por suposto, visam sua formao e reinsero social. A questo da formao dos funcionrios se destaca, tendo em vista sua relevncia na tarefa de pr em prtica as aes educativas que incidem sobre os adolescentes. Para o desenvolvimento do trabalho, parto da seguinte questo de pesquisa: Quais so os objetivos e os princpios que regem a Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA? A fim de se obter dados sobre a Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA, realizei entrevista semiestruturada com a diretora da escola. No desenvolvimento da pesquisa, foram realizadas leituras sobre o tratamento dado aos adolescentes em conflito com a lei no Brasil. Para a compreenso do processo formativo desencadeado na Escola de Formao junto aos funcionrios, parte-se de formulaes estabelecidas por Theodor Adorno sobre as possibilidades formativas na sociedade atual. O trabalho est organizado em trs captulos. No captulo 1, apresento uma perspectiva histrica acerca do tratamento e das polticas voltadas aos menores carentes e infratores no Brasil, fazendo meno Roda dos Expostos no sculo XVI,

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ao Cdigo de Menores na dcada de 1920, criao da FEBEM nos anos de 1970 e ao surgimento do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) nos anos de 1990. O captulo 2 refere-se aos contornos terico-metodolgicos que utilizei para a realizao da pesquisa. Trato, portanto, da definio de educao e formao defendida pelo filsofo frankfurtiano Theodor W. Adorno em seu texto Educao, para qu?, que me forneceu subsdios para analisar o sentido da educao/formao no contexto da Escola para Capacitao e Formao Profissional (EFCP) da Fundao CASA, partindo dos pressupostos da escola. Alm disso, apresento o processo percorrido para a coleta de dados e os mtodos utilizados. No captulo 3 procuro descrever como a EFCP se insere na nova poltica da Fundao CASA partindo dos dados coletados, com destque para aspectos como objetivos, estrutura operacional e prticas de formao. Analiso essas informaes tendo o pensamento de Adorno como referncia para tratar das questes relacionadas formao dos profissionais da Fundao CASA.

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Captulo 1: Aspectos do tratamento dado aos menores infratores no Brasil em perspectiva histricaNo Brasil, existe um histrico relacionado ao pensamento social que circunda o campo dos menores infratores. Trata-se de assunto no qual a compreenso de aspectos de sua histria contribui para o entendimento do que hoje motivo de polmica na sociedade. Historicamente, o menor em situao de vulnerabilidade sempre ficou margem da sociedade, o que se percebe ao se considerar o tratamento que tem sido dado ele, que inicia-se l no sculo XVI de modo filantrpico com a Roda dos Expostos. Depois, essa forma de tratamento se modifica, e na primeira metade do sculo XX, passa a ter um carter assistencialista, pautado sob discursos higienistas (SILVA, 1997). Um fator a ser considerado no que diz respeito aos modos de se lidar com menor que, aps a 1 Guerra Mundial, surgiram alguns tratados de regras de convivncia, sendo a Declarao dos Direitos da Criana publicada em 1921 um desses tratados. Foi quando no Brasil, em 1927, foi decretado o Cdigo dos Menores (BRASIL, 1927). Este Cdigo proibia o trabalho infantil de crianas de at 12 anos e estabelecia que apenas as crianas maiores de 18 anos poderiam ser punidas do mesmo modo que os adultos, isto , responderiam pelos seus atos infracionais e seriam internadas em penitencirias. Deste modo, dos 14 aos 18 anos a criana era considerada como menor, havendo estabelecimentos especiais para as mesmas. Segundo Silva (1997, p. 51), o cdigo em seu artigo 26 definia o que era considerado como menores abandonados:

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[...] consideram-se abandonados os menores de 18 anos: I que no tenham habitao certa nem meios de subsistncia, por serem seus pais falecidos, desaparecidos ou desconhecidos ou por no terem tutor ou pessoa sob cuja guarda vivam; IV que vivem em companhia de pai, me, tutor ou pessoas que se entreguem habitualmente prtica de atos contrrios moral e aos bons costumes; V que se encontrem em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou libertinagem; VI que freqentem lugares de jogo ou de moralidade duvidosa ou andem na companhia de gente viciosa ou de m vida; VII que, devido crueldade, abvuso de autoridade, negligncia ou explorao dos pais, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam: a) vtimas de maus tratos fsicos habituais ou castigos imoderados; b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensveis sade; c) excitados libertinagem. habitualmente para a gatunice, mendicidade ou

O menor que se encontrasse nessas condies, portanto, era considerado como um menor abandonado. Refletindo sobre as condies descritas acima, possvel afirmar que quem a elas estivesse exposto tendencialmente se tornaria um menor infrator, mostrando assim fragmentos de concepes da criminologia que era dominante na poca. Percebe-se a atribuio que o Cdigo de Menores dava ao meio social como algo determinante para a criminalidade. Alm disso, acreditava-se que algumas pessoas possuam uma disposio natural para o crime. Desse modo, a criana que vivia sob certas condies estava fadada a se tornar uma delinquente, pois era estabelecida uma relao direta entra a infncia abandonada e a delinquncia, como se uma condio determinasse outra. Essa viso torna-se ainda mais evidente pelo fato dos menores abandonados receberem o mesmo tratamento que os menores infratores. Havia um pensamento de que a colaborao entre mdicos e pedagogos seria a nica soluo para tratar do problema do menor abandonado, pois juntos, esses profissionais pensariam em formas de reabilitao para esses sujeitos, como a criao de abrigos e reformatrios. O Cdigo de Menores institudo em 1927 contribuiu para o incio da tutela do Estado sobre essas crianas e adolescentes, do que decorreu a formalizao dos procedimentos de internao. Tais procedimentos eram pensados de forma

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conjunta entre mdicos, psiclogos e pedagogos, pois acreditava-se que a colaborao entre esses profissionais seria a nica soluo para tratar do problema do menor abandonado e da delinquncia juvenil. Desse modo, por meio de observaes diagnsticas seriam pensadas formas de reabilitao para esses sujeitos, como o planejamento da rotina dos abrigos e reformatrios, baseadas na Medicina e na Pedagogia, reas do conhecimento que destinavam estudos s crianas difceis e anormais. Segundo Leondio Ribeiro fundador do Laboratrio de Biologia Infantil , tais estudos auxiliariam na realizao da obra benemrita de profilaxia, no s das doenas mentais, como tambm do prprio crime [...] (CORRA, 2006, p. 82) Foi s na dcada de 1960 que comeou a se pensar a respeito de um tratamento diferenciado direcionado aos menores abandonados e aos menores infratores. nesse contexto que surgem instituies como a Funabem e a FEBEM que, sob influencia do regime militar, visavam a preparao dos menores para o regime militar e para o mercado de trabalho. A Lei Federal 4.513 de 01/12/1964 (BRASIL, 1964) criou a Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM em substituio ao Servio de Assistncia ao Menor - SAM. FUNABEM competia formular e implantar a Poltica Nacional do Bem-Estar do Menor em todo o territrio nacional. A partir da, criaram-se as Fundaes Estaduais do Bem-Estar do Menor, com a responsabilidade de observar a poltica estabelecida e de executar, nos Estados, as aes pertinentes a essa poltica. A Fundao Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM/SP) foi criada em 1976, pela Lei estadual n 985, de 26 de abril de 1976. (SILVA, 1997) A partir deste breve histrico do tratamento dado infncia abandonada, pode-se observar que a atuao da sociedade com a criana/jovem em situao de risco passava, em primeiro lugar, pela boa vontade de sujeitos religiosos. Depois, pela criao de leis e Cdigos pautados em estudos medicinais e em um assistencialismo que visava proteger os menores abandonados dos males sociais. Aps esea fase, sob influencia da ditadura militar, a ateno aos menores institucionalizada e relegada ao Estado, que busca disciplinar esses sujeitos. Sendo assim, possvel afirmar que a princpio o Estado se ausentou do cuidado com o menor em situao de vulnerabilidade social e, quando se responsabilizou, o fez de modo totalmente arbitrrio. Nesse contexto, a sociedade, at ento, estava alheia a essas questes referentes aos direitos dessas crianas.

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s no incio da dcada de 1990 que se inicia uma participao mais efetiva no trato dessas questes, momento em que ocorre um processo de desinstitucionalizao do tratamento dado ao menor, no esprito do desmonte autoritrio herdado da Ditadura (SILVA, 1997, p. 37). De certo, essa participao tardia da sociedade nas discusses e debates sobre a questo do menor no Brasil se deve ao fato de se tratar de menores carentes, sendo a origem social desses jovens motivo de descasos e preconceitos que at hoje perduram, visto que se construiu sobre esses indivduos uma viso de que a sua origem e seu meio social so fatores determinantes para a delinquncia. Desse modo, a crena na existncia de um delinquente em potencial na criana/jovem pobre herana desse discurso historicamente construdo. De qualquer modo, destaca-se que recente a descentralizao do poder que o Estado exerce sobre o menor, com uma ampliao da participao da sociedade nas discusses e enfrentamento da questo da menoridade. Silva considera que a questo da assistncia infncia, ao ser delegada sociedade:Significou tambm a desideologizacao da questo da menoridade, no sentido de que ela deixaria de ser vista como uma questo de filantropia benemrita, de higienizao mdica, de assistencialismo ou segurana nacional, para passar a ser vista e enfocada como uma questo social. (1997, p. 47)

Para o autor, nesse momento, a sociedade, passou a buscar uma integrao com o Estado, visando a descentralizao do poder e a responsabilizao do Estado pela garantia de direitos sociais. O Estatuto da Criana e do Adolescente - ECA surge, portanto, como um produto desse contexto. em torno dessas discusses que dada abertura para a ascenso de novas concepes acerca da proteo criana, que passou a ser considerada como um sujeito de direitos, cabendo ao Estado a garantia desses direitos e sociedade a sua tutela. No que se refere ao ECA, esse estatuto possui importante papel na emergncia dessas idias, pois:

O ECA representa um avano quando prope total proteo a criana e ao adolescente, suplantando a viso policialesca do Cdigo de Menores pela viso educativa, que prev o direito ao desenvolvimento integral e integrado. O desafio esto hoje, na materializao desses direitos. (BRASIL, 1990, p. 3)

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Com relao s responsabilidades e direitos reservados s crianas e adolescentes, determina o Artigo 227 da Constituio Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988) que

Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

O ECA, portanto, sustentado sob este artigo da Constituio, idealizado na dcada de 1980, perodo de intensa movimentao social pela redemocratizao do pas. notria em seu conjunto de normas, a existncia de um projeto de construo de uma sociedade pautada em uma democracia que valorize a participao e incluso social em todos os aspectos, a fim de garantir cidadania plena e justa a todos os indivduos brasileiros. O pensamento social no qual nasceu o ECA reconhece que a cidadania s pode ser alcanada se forem dados os meios e as condies para tal. Ou seja, fazse necessria a elaborao e implementao de polticas pblicas que assegurem condies para a oferta desses meios. No entanto, importante ressaltar que houve uma parcela da populao que se posicionou contra o ECA, por acreditar que o estatuto foi criado para proteger bandidos, o que poderia causar um aumento da criminalidade entre os jovens. O Artigo 75 do Cdigo Civil determina que a todo direito determina uma ao que o assegura (SOARES, 2000, p. 27). Portanto, se a implementao das aes forem dificultadas por questes burocrticas, administrativas, oramentrias, e forem submetidas a interesses de setores minoritrios da sociedade, detentores de poder e organismos internacionais, esses direitos obviamente no sero garantidos. No entanto, ainda sob todas essas presses e entraves, o ECA resistiu e foi implantado, sustentando a doutrina da proteo integral, dando infncia um lugar de reconhecimento, na medida em que defende os direitos das crianas e adolescentes, contribuindo para que vivam o tempo da infncia de modo justo e

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igualitrio. Com sua criao, a criana e o adolescente deixam de ser sujeitos invisveis e passam a ser sujeitos de direitos. Frente ao que foi apresentado at agora, no que diz respeito ao tratamento dado s crianas e adolescentes em situao de risco no Brasil, e refletindo acerca desses fatores, nota-se que inicialmente o foco para a resoluo desses problemas dizia respeito criao de instituies que retiravam os sujeitos do convvio social, tendo em vista que esses eram considerados como uma ameaa sociedade e s por meio da privao da sua liberdade que poderiam ser tratados de uma suposta doena que a disposio natural, o meio social e seu estado de abandono lhes havia imputado. Torna-se evidente que questes relacionadas aos menores e, sobretudo, os menores em situao de conflito com a lei no eram tratadas como questes sociais que demandavam polticas pblicas. Nesse sentido, no se pensava na criao de escolas e nem mesmo na necessidade de se estabelecer uma maior igualdade de oportunidades para o enfrentamento desses problemas, tidos como inerentes s crianas e adolescentes que apresentavam problemas em suas condutas. Pode-se pensar que a criao do ECA vem dar um novo rumo ao enfrentamento dessas questes, ao apostar na adoo de medidas socioeducativas para lidar com esses menores. No entanto, assim como hoje, quando o Estado investe mais em penitencirias do que na construo de escolas, evidenciando que muitas vezes ataca-se a ponta do problema, lidando com questes sociais com mais represso, observa-se a existncia de setores da sociedade que concebem como soluo diminuio da criminalidade a reduo da maioridade penal, como se a maior permanncia do adolescente fora do convvio social fosse resolver essas questes. Talvez a sociedade se aproprie dessa idia porque acredite na reinsero social pela punio e no pela educao. Obviamente, esse pensamento resqucio do histrico da infncia abandonada no Brasil e parte dos que pensam dessa maneira, enxergam o ECA como um causador de violncia e se posicionam de modo contrrio s medidas scio educativas. nesse caminho que segue essa pesquisa, ou seja, discutindo as formas como se tem enfrentado no Brasil a questo dos menores em situao de conflito com a lei. O objetivo compreender como e em que medida as novas polticas relacionadas ao menor infrator tm contribudo para a desconstruo dessas vises

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em que o castigo prevalece, principalmente no que diz respeito queles que servem instituio: os funcionrios. O foco da pesquisa diz respeito ao contexto de mudanas sobre a concepo e forma de tratamento relacionados ao menor em conflito com a lei, a partir do ECA, com a criao da Fundao CASA, em substituio antiga Fundao Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM).Como j foi dito, a mudana de nomenclatura, que se deu por meio da Lei Estadual 12.649/06, teve por objetivo adequar a instituio ao que prev o ECA. Assim, tambm objetivo deste trabalho, por meio da investigao das aes de formao dos funcionrios da Fundao Casa, efetivadas pela Escola de Formao, compreender aspectos desse processo de mudanas, ocorrido, no tratamento do menor em conflito com a lei no Estado de So Paulo.

1.1 A juventude infratora na atualidadeNesta pesquisa, quando falamos em menores em conflito com a lei, estamos nos referindo a indivduos que, alm de terem transgredido regras sociais, esto passando por um perodo de transio entre a infncia e o mundo adulto. o que os psiclogos denominam de adolescncia. Assim, um primeiro fator a se considerar, ao se discutir a questo dos jovens em conflito com a lei, a especificidade psquica dessa etapa da vida dos homens em sociedade. Sobre essa questo, Freire (2007) pondera que, ao longo da infncia, a criana vive o presente imediato e o futuro algo que est muito distante, sendo assim, por meio da imaginao e da atividade ldica que a criana resolve seus conflitos do presente em que vive. No entanto, na adolescncia o jovem descobre que h um futuro a sua espera, futuro esse que acaba com a morte. Por essas razes, passa por perodos de tenses por ter de enfrentar os desafios da vida humana que antes eram enfrentados por meio da fantasia, como afirma o autor (FREIRE, 2007, p. 25):O jovem, portanto, descobre-se mortal e esta descoberta exercer grande impacto sobre ele, determinando suas crises e suas atitudes, em especial, aquelas que aparentemente negam a finitude humana como, por exemplo, a exposio excessiva a riscos.

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Pode-se afirmar que a citao acima explica parte da idia que o senso comum possui sobre a adolescncia, que interpreta os atos que colocam a vida em risco e os questionamentos feitos pelos adolescentes como frutos de uma rebeldia sem causa, quando na verdade, algo que faz parte do processo de amadurecimento. Nessa fase da vida, o adolescente bombardeado por descobertas, e por se tratar de um perodo de desenvolvimento, isso deve ser considerado quando o adolescente for julgado pela sua infrao, tendo em vista que no adequado que jovens infratores recebam o mesmo tratamento que adultos, pois o adolescente, por estar em um perodo de desenvolvimento, no possui condies psquicas de ser inteiramente responsabilizado por seus atos. Partindo dessas consideraes, possvel se compreender a distino que existe entre o jovem e o adulto, no que diz respeito s questes legais relacionadas ao cometimento de delitos. Assim, o delito cometido pelo adolescente no denominado como crime para o qual se prev o cumprimento de uma pena, mas sim como ato infracional, pois ele no ser punido sob os critrios do Cdigo Penal, desta forma, o poder judicirio ao julgar o menor infrator, dever obedecer ao que estabelece o Estatuto da Criana e do Adolescente. Como se viu, o sistema de proteo dos direitos da criana e do adolescente passou por uma evoluo histrica no Brasil at chegar aos moldes em que hoje se encontra. Essa evoluo ocorre de formas diversas, a depender do pas ao qual se refere. No que diz respeito experincia dos Estados Unidos, que de certa forma muitas vezes considerado um modelo a ser seguido no que diz respeito ao tratamento do menor infrator, tem-se que anteriormente ao sculo XIX, os adolescentes cometedores de atos infracionais no eram separados dos adultos, sendo submetidos aos mesmos tratamentos punitivos. Por conta dos problemas que essas questes ocasionavam, surgiu e se desenvolveu nos Estados Unidos, no sculo XIX, o que denominado por Justia Juvenil. Esse sistema buscava fazer com que a justia tratasse de modo diferente as pessoas maiores ou menores de idade, mesmo que elas fossem submetidas a tratamentos semelhantes, a fim de garantir os direitos de crianas e adolescentes como um todo. Em 1899, portanto, foi criada nos Estados Unidos a corte juvenil, o primeiro rgo do poder judicirio incumbido de tratar de leis referentes a crianas e adolescentes. O intuito da corte juvenil era se responsabilizar legalmente por

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garantir os direitos de jovens em conflito com a lei e de jovens em condio de pobreza, maus tratos e abandono. A assistncia era dada pelo poder do Estado. De acordo com Spagnol (2009) a criao da Justia Juvenil influenciou e influencia o mundo inteiro, mas a diferenciao do tratamento passou a ganhar destaque no mundo ao longo do sculo XX, perodo em que a maioridade penal foi se ampliando at chegar aos 18 anos. Esse sistema legal era composto basicamente por dois objetivos: o de reabilitao e reinsero social e familiar do jovem abandonado ou considerado fadado ao crime, e o reconhecimento da necessidade de tratamento diferenciado entre adolescentes e adultos, na medida em que o mesmo tratamento destinado a sujeitos vivendo diferentes fases de vida causavam problemas. Em se tratando do Brasil, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) criado em 2006, assim como a Justia Juvenil, estabelecem parmetros objetivos para a regulamentao do Estatuto da Criana e do Adolescente. Esses dois sistemas vieram para substituir um modelo repressor e assistencialista do tratamento que era dado aos jovens. Desse modo, por conta dessas legislaes, certo afirmar que o tratamento dado a esses jovens sofreu um grande impacto na dcada de 90, possibilitando uma mudana de viso no que diz respeito condio desses jovens. Completados 20 anos da promulgao do Estatuto da Criana e do Adolescente, pertinente dizer que as mudanas ocorridas a respeito da garantia dos direitos de menores infratores, como a implementao de novas polticas e mudanas nos sistemas que tratam da reinsero social, so resultados do prprio Estatuto, o qual, por meio de suas leis, procura mostrar sociedade que absolutamente todas as crianas e jovens, independente da condio econmica ou de sua relao com a justia, so sujeitos de direitos. No entanto, o Estado ainda imprudente quanto garantia desses direitos, de modo que faltam polticas pblicas que contemplem a necessidade desses jovens de ter sua dignidade resgatada por meio de medidas que de fato sejam socioeducativas e tenham como objetivo livr-los da reincidncia. certo que para que o sucesso seja obtido, faz-se necessria a consolidao dos direitos. No h como negar que o surgimento de uma legislao que prev a proteo integral de crianas e adolescentes foi um grande avano que possibilitou novas

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concepes acerca do tratamento dado aos adolescentes, porm, ainda h muito que transformar. Os jovens da classe mdia e os jovens da periferia possuem as mesmas inquietaes e os mesmo anseios, a diferena que o jovem da classe mdia possui muito mais chances de ter seus anseios atendidos do que o jovem da periferia. A sociedade espera muito do jovem carente e lhe oferece pouco ao desconsiderar o quo pode ser muito mais frustrante para um sujeito que est em processo de desenvolvimento, coberto de dvidas e questionamentos, pensar que ele nunca poder ter o tnis de marca que sonha, que a sua escola no lhe oferecer uma educao de qualidade e o seu salrio no ser suficiente para suas dvidas e muitos menos para o seu lazer. A histria desses jovens carentes composta pela negao de direitos, tais como escola, lazer e famlia. Com toda a ateno que a legislao deu criana e ao adolescente, o tratamento destinado aos mesmos sofreu mudanas, e com isso, surgiram novas alternativas que buscam solues para a diminuio da criminalidade entre menores e que na atualidade so alvos de debate. Duas delas que sero tratadas aqui, e se referem reinsero social atravs do trabalho e a reduo da maioridade penal. No que se refere reinsero social pelo trabalho, essa possibilidade defendida dentro das prprias instituies que se responsabilizam pelos menores em conflito com a lei. A temtica da formao dos adolescentes por meio do trabalho educativo desenvolvido na Fundao CASA, no que diz respeito formao profissional dos adolescentes, foi pesquisada por Massaro (2010), ao discutir a utilizao de oficinas profissionalizantes na Fundao CASA de Araraquara (considerada unidade modelo) na tarefa de reinsero social do jovem em conflito com a lei. Segundo a autora, a Fundao CASA de Araraquara oferece oficinas de profissionalizao. Porm, Massaro argumenta que essas oficinas so mais uma estratgia para manter os adolescentes ocupados e disciplinados, o objetivo de inseri-los no mercado de trabalho fica em segundo plano. Os funcionrios da instituio possuem essa viso a respeito das oficinas, pelo fato das mesmas serem desinteressantes por no atenderem s expectativas dos adolescentes e por terem a obrigao de freqent-las.

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Alm disso, destaca-se que ao longo dos ltimos anos diversas organizaes no-governamentais adotaram a causa de resgatar a cidadania do jovem atravs do trabalho. Nesse sentido, Spagnol (2009, p. 42) argumenta que o trabalho visto como forma regular de insero social, reconhecido socialmente. Contudo, os jovens infratores no vem no trabalho uma forma de transformao de suas vidas. Como constata Spagnol (2009), o jovem se sente desiludido com relao ao mercado de trabalho porque este no lhe d condies de adquirir o que todos de sua idade buscam. Ento, um dos caminhos mais rpido, o da criminalidade. prprio do jovem querer ser reconhecido dentro do seu prprio grupo e para isso, a construo de sua identidade fundamental. E tentando dar sentido sua existncia que muitos jovens buscam a criminalidade como forma de integrarem-se socialmente. No entanto, mais do que um trabalho formal, o jovem necessita de opes de lazer e fazer parte de situaes que permitam a gerao de novas relaes e vivncias, pois o jovem precisa se sentir um cidado com responsabilidades, pertencente ao seu meio para que se transforme. Citando Spagnol:O que se quer aqui e agora. Resgatar a cidadania no se traduz somente em emprego ou mesmo socorro econmico como bolsas famlia e ou trabalho, mas sim no restabelecimento de relaes sociais que se evaporaram com o tempo (2009, p. 44)

A soluo para a transformao no se esgota com a oferta de oficinas de padeiro, marceneiro, etc. porque este tipo de trabalho no garante uma nova posio social nem no que se refere condio financeira, nem no que se refere s relaes sociais. Sendo assim, esses programas acabam se tornando programas de pobres para pobres, no tocando na origem do problema. O trabalho, portanto, deve vir composto de elementos que coloquem os jovens em posio de assumirem atividades significativas em seu meio. Alm da reinsero social do adolescente pelo trabalho, outro aspecto relevante relacionado ao tema do menor em conflito com a lei diz respeito questo da reduo da maioridade penal, tema que ganhou maior destaque aps a promulgao do ECA. Uma parcela da sociedade defende que a reduo da maioridade penal possa ser uma soluo para a reduo da criminalidade entre menores. Na maior parte das vezes, quem defende a reduo so aqueles que fazem crticas ao ECA, pois acreditam que os adolescentes aproveitam-se de sua

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inimputabilidade penal para cometerem delitos. Nessa concepo, toda a responsabilidade pelo ato recai sobre o adolescente criando os mitos da irresponsabilidade e da m ndole, e o menor passa a ser visto como um sujeito extremamente perigoso. As agncias de informao contriburam para isso ao inculcarem na sociedade essas idias a respeito da periculosidade dos adolescentes, e assim, perde-se de vista que por trs da violncia h educao escolar de m qualidade, desemprego, questes polticas e culturais que esto envolvidas na origem do problema. Essa concepo sobre a adolescncia e criminalidade herana da antiga mentalidade em que o castigo prevalece, colidindo com os que acreditam que a responsabilidade pelos atos deve ser compartilhada com a famlia, comunidade, escola, organizaes da sociedade civil e Estado, a fim de que o adolescente responda de forma adequada a uma aplicao de medida socioeducativa. Apesar de todo o avano da legislao em procurar combater essas antigas formas de tratamento dado aos adolescentes, nem todos acreditam que uma poltica de punio voltada para o social seja capaz de devolver a cidadania plena do sujeito, pois acreditam que a soluo a aplicao de penas mais pesadas, que privem o indivduo de liberdade por mais tempo. Atualmente, a respeito das medidas socioeducativas aplicadas no Brasil ao menor que est em conflito com a lei, o ECA (BRASIL, 1990) dispe em seu Artigo 112 que:Verificada a prtica de ato infracional, a autoridade competente poder aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I advertncia; II obrigao de reparar o dano; III prestao de servios comunidade; IV liberdade assistida; V insero em regime de semiliberdade; VI internao em estabelecimeno educacional; VII qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI.

A alternativa que sugere um tratamento mais rigoroso em relao a esse jovem representa vises que parte da sociedade atual possui para o problema do jovem e da criminalidade. No entanto, no traz profundas transformaes, porque so alternativas que apresentam solues superficiais. No caso da reinsero pelo trabalho, o foco se direciona apenas para o menor infrator, como se tudo que ele

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precisasse nesse momento fosse a garantia de um trabalho formal, mas sabe-se que no isso, pois com um trabalho de padeiro o maior beneficiado no ser o jovem, e sim, seu patro. O jovem continuar na mesma posio em que ele se encontrava antes de cometer o ato. Outras instituies devem ser tocadas, como a escola, a polcia e o Estado a fim de construir parcerias em prol da cidadania perdida desses sujeitos. A respeito da reduo da maioridade penal, essa alternativa representa uma regresso para a histria dos Direitos da Criana e do Adolescente, pois como afirma NetoAo contrrio do que muita gente tem impresso aqui no Brasil, de que se precisa reduzir a idade de responsabilidade penal, toda a histria do sculo XX, na verdade, uma histria de ampliao da idade a partir da qual os adolescentes so tratados como adultos, chegando a dezoito anos (e, no nosso caso no s nosso, mas de diversos outros pases dezoito anos [a idade limite], no caso da justia especial, quando se pratica determinada infrao, mas, na verdade, se pode ficar sob os cuidados dessa justia at vinte e um anos) (NETO, 2009, p. 18).

Ou seja, a adolescncia uma idade de convvio, estudo e profissionalizao e qualquer medida precoce de privao de liberdade vai na em relao ao direito fundamental de convivncia, sendo assim, no est sendo desconsiderado aqui a responsabilidade individual do adolescente, no entanto, ao receber essas punies, o sistema acaba por responsabiliz-lo inteiramente pelos seus atos, quando ele no pode ser culpabilizado porque um ser que ainda no alcanou a maturidade da vida adulta, e se encontra em processo de desenvolvimento. As polticas de reinsero devem vir no sentido da socializao para a vida comum e no no sentido da continuidade dos delitos. De fato, h uma ausncia de polticas para o adolescente, mas tambm papel da sociedade agir frente a essas questes cobrando do Estado. Sendo assim, no momento o que se precisa no de mudana no Estatuto, mas de consolidao do mesmo. Portanto, quando se defende a privao de liberdade e a construo de presdios, o que se v a reao punitiva da sociedade, e o que o adolescente precisa no desse tipo de reao sua ao transgressora, e sim, de compreenso e proteo para alm da superficialidade.

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Captulo 2 Contornos terico-metodolgicos da pesquisaNeste captulo, so apresentadas algumas formulaes de Theodor Adorno sobre a possibilidade da formao na sociedade contempornea, com o objetivo de utilizar o pensamento do autor para refletir sobre as possibilidades e impossibilidades relacionadas ao projeto formativo dos funcionrios que atuam na Fundao CASA, levando-se em considerao que essa formao dever ter consequncias no tratamento dado ao menor que a ela direcionado para o cumprimento de medidas socioeducativas. Apresento tambm os procedimentos de coleta dos dados necessrios para a realizao da pesquisa.

2.1 - A educao/formao em Adorno.Em seu texto Educao, para qu? Adorno (1995) no procura discutir a utilidade da educao/formao, e sim, para que caminhos a educao deve levar. No entanto, destaca para o problema de que na sociedade atual, os fins da educao esto perdidos, o que torna problemtico o seu avano. Exigindo, portanto, um trabalho de reflexo a respeito do tema. Adorno critica uma educao voltada a modelos ideais, e mais especificamente, trata do conceito da heteronomia (1995, p. 141), que se liga a uma educao imposta, de carter autoritrio, que vai na contramo da autonomia e da emancipao dos sujeitos. Sendo assim, Adorno define a educao como a produo de uma conscincia verdadeira (1995, p.141), fazendo crticas educao tratada como a mera transmisso de conhecimentos ou modelagem de pessoas. Portanto, por se tratar de produzir uma conscincia verdadeira, sua funo possui importncia poltica, j que deve contribuir para o efetivo exerccio da democracia e no apenas para o seu

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funcionamento, e isto s possvel por meio da formao de pessoas emancipadas, pois por meio de uma educao que visa emancipao que os sujeitos tero elementos para resistir e contestar a imposio de modelos exteriores por uma ideologia dominante. Com relao ao conceito de emancipao, Adorno aponta para o seu carter ainda abstrato e a sua relao com uma dialtica. Levanta, portanto, dois problemas relacionados emancipao. O primeiro refere-se presso exercida pela ideologia dominante a respeito da viso de mundo que imposta e que tem o poder de superar toda a educao. Desse modo, a tarefa de educar a partir do ideal de emancipao deve considerar a influncia que a ideologia dominante exerce sob a conscincia dos indivduos, e que cria um obstculo ao exerccio de uma conscincia autnoma. O segundo problema refere-se questo da adaptao. Adorno afirma que emancipao possui o mesmo significado que conscientizao, sendo assim, partindo deste pressuposto, para que a conscientizao acontea, existe a necessidade de uma aproximao com a realidade, e essa aproximao requer um movimento de adaptao. Portanto, a educao deve sim preparar os indivduos para a sua adaptao no mundo, no entanto, Adorno adverte que deve conduzir para alm dessa preparao para a adaptao, de modo que se estiver limitada a este ideal, acabar produzindo nada alm de well adjusted people (1995, p. 143), isto , pessoas aptas a agirem de acordo com os modelos ideais, que Adorno julga ser o que a situao existente na sociedade tem de pior. Sendo assim, intrnseco ao processo educacional e que Adorno trata nesse trabalho, a relao dialtica entre emancipao e adaptao. No que se refere influncia da realidade sobre a vida dos homens, Adorno (1995) afirma que a realidade to importante que a sua imposio na vida dos homens algo inevitvel. Tendo em vista esse fator, destaca que dado um novo sentido importncia da educao, de acordo com o contexto histrico, isto , de acordo com a realidade. Sendo assim, define a situao vivida na atualidade como um momento de conformismo onipresente no qual a educao teria muito mais a tarefa de fortalecer a resistncia do que de fortalecer a adaptao (1995, p. 144). Adorno afirma, portanto, que h uma certa rejeio educao, pois, sobretudo na adolescncia, h uma busca por modelos ideais, ao mesmo tempo em que h uma busca por esclarecimento. No entanto, esses sujeitos em processo de formao

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encontram-se excludos do que diferenciado, tornando-os inaptos experincia, pois:A constituio da aptido experincia consistiria essencialmente na conscientizao e, desta forma, na dissoluo desses mecanismos de represso e dessas formaes reativas que deformam nas prprias pessoas sua aptido experincia. No se trata, portanto, apenas da ausncia de formao, mas da hostilidade frente mesma, do rancor frente quilo de que so privadas. Este teria de ser dissolvido, conduzindo-se as pessoas quilo que no ntimo todas desejam (ADORNO, 1971, p. 150).

Nesses termos, a educao para a experincia idntica educao para a emancipao (1995, p. 151) porque, de acordo com Adorno, uma educao para a experincia conduz capacidade de viver a realidade por meio do exerccio da racionalidade e da conscincia, o que permite o pensar e o agir sobre essa realidade, tendo como produto final dessa participao ativa a produo de novas experincias.

2.2 Relaes existentes entre a concepo de educao/formao defendida por Adorno e os objetivos da Escola para Formao e Capacitao Profissional.Partindo desses pressupostos, possvel tratarmos a respeito do eixo referente educao e formao profissional no qual a Escola para Formao e Capacitao Profissional est enquadrada partindo dos objetivos da escola, que pressupe:A multidimensionalidade do processo de formao, ou seja, considera que esse processo vai alm da ampliao de competncias tcnicas, devendo promover espaos de reflexo sobre as prticas socioeducativas e, portanto, possibilitar a transformao dessas prticas (SO PAULO/FUNDAO CASA, 2011).

Uma educao profissional de qualidade deve favorecer a troca e vivncia de experincias, para que seja possvel estabelecer sentidos no que diz respeito relao entre a teoria e a prtica. Por se tratar da formao de profissionais, cujo campo de atuao trata- de uma instituio que abriga sujeitos que esto margem da sociedade pela sua condio de autor de infraes que os tirou de sua liberdade,

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essa formao profissional torna-se ainda mais delicada, na medida em que deve caminhar no sentido da educao para a experincia e emancipao que Adorno (1995) defende. Pois, os profissionais que estamos tratando fazem parte de um conjunto de sujeitos que possuem como obrigao contribuir para a reinsero social de adolescentes por meio das medidas socioeducativas. Sendo assim, espera-se que esses profissionais atuem de modo a estarem conscientes a respeito dos direitos humanos, abolindo qualquer prtica que possa vir ferir a integridade moral e fsica desses jovens, fazendo da instituio um local para a reinsero social e no para a reincidncia criminal, porque o que se espera que as prticas abusivas, o abuso da autoridade e a violncia sejam abolidas, at mesmo para que esse no se torne um local propcio a se tornar uma escola para o crime. Assim, refletir sobre as prticas, tal qual anunciado pelos objetivos da Fundao, no pode ser uma fora de expresso, mas necessita de fato ocorrer, dado o tratamento historicamente conferido aos jovens nessa situao no Brasil, descritos no captulo anterior. E justamente por estarmos tratando de uma instituio que carrega estigmas, que deve ser dada profunda ateno formao dos sujeitos que atuam ou iro atuar neste local, na medida em que a educao que recebemos refere-se educao que Adorno (1995) critica, isto , a educao que apenas nos transmite conhecimentos e nos modela de modo autoritrio para reproduzirmos o que a ideologia dominante nos impe. Sendo assim, a formao que nos dada no nos torna sujeitos pensantes capazes de contestar as desigualdades sociais, os preconceitos e as discriminaes existentes, mas nos torna coniventes com isto a ponto de defendermos a punio e o aumento da privao de liberdade, como se a reduo da maioridade penal fosse soluo para a questo da criminalidade. Essas idias pairam entre ns porque no fomos preparados para pensar sobre a realidade em que vivemos como Adorno (1995) defende, nossa educao nos formou apenas para nos tornar pessoas bem adaptadas. Partindo da idia de que somos sujeitos que carregam estigmas e preconceitos por falta de esclarecimentos, faz-se necessria a existncia da EFCP para o cumprimento da funo social da Fundao CASA. No entanto para cumprir com o seu papel, a formao oferecida aos funcionrios teria que ir na contramo do estabelecido, e traar esforos no sentido de conscientizar e esclarecer, procurando

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desmistificar toda a forma de preconceito e discriminao que se carrega sobre essa instituio e sobre os adolescentes que dela fazem parte. Ao se considerar o significado e as responsabilidades relacionadas aos cargos que esses profissionais ocupam, essa formao necessita ser pensada para alm de sua funo tcnica, tendo em vista que esses funcionrios possuem uma tarefa educativa para cumprir. Uma vez que a poltica da Fundao CASA visa transformao dos sujeitos, necessariamente faz parte desse processo a oferta de uma formao profissional que procure desconstruir as idias que se tm sobre este tema, na medida em que a vida desses adolescentes est exposta, de certa forma, na mo desses profissionais. Ou seja, profissionais qualificados, e direito desses jovens a oferta de qualificados significa profissionais profissionais

conscientizados a respeito de sua funo social enquanto servidores de uma instituio que visa a reinsero social de jovens em conflito com a lei.

2.3 A Coleta de DadosPara a realizao da pesquisa, optou-se como procedimento de coleta de dados a utilizao da entrevista semiestruturada, segundo Zago (2001, p. 297) uma das caractersticas da entrevista assegurar informaes em maior profundidade do que poderia garantir um instrumento com questes fechadas. A opo por esse tipo de instrumento se deu porque a entrevista semiestruturada permite uma maior aproximao com o sujeito a ser entrevistado, levando em conta que no caso desta pesquisa, o objetivo seria entrevistar algum que tivesse aproximao e informaes suficientes a respeito do foco da pesquisa, que se trata da Escola Para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA. Sendo assim, o intuito seria ter contato com o maior nmero de sujeitos possveis relacionados EFCP, como os professores e mesmo os adolescentes, no entanto, s foi possvel estabelecer contato com a diretora da EFCP, Mnica Braga e com a coordenadora do Centro de Pesquisa e Documentao, Ana Cristina Bastos.4 No caberia, portanto, nesta pesquisa, aplicar questionrios, visto o pequeno nmero de pessoas aptas a concederam a entrevista e tambm pelo prprio carter4

O acesso aos adolescentes implicaria na obteno de autorizao da Fundao CASA e no haveria tempo para tal.

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da pesquisa, que tem como objetivo compreender o papel da formao e qualificao oferecida aos profissionais pela EFCP no processo de consolidao da nova poltica da Fundao CASA. Deste modo, para se chegar uma resposta como essa, as informaes a serem colhidas so muito peculiares ao funcionamento, concepo, objetivos e princpios que esto por trs da criao dessa escola, por esse motivo, seria necessrio uma entrevista que pudesse dar conta de alguns detalhes, o que um questionrio seria insuficiente pelo seu carter limitado de questes. Pode-se considerar como fonte de informaes para a pesquisa, a profissional que atua na Fundao CASA e diretamente responsvel pela direo da Escola para Formao e Capacitao Profissional da Fundao CASA, qual seja, a diretora da EFCP, Mnica Braga, contando com o apoio da coordenadora do Centro de Pesquisa e Documentao5 rgo atrelado EFCP Ana Cristina Bastos. Para a execuo da entrevista, foi elaborado um roteiro (Apndice I), e travado contato com a diretora da EFCP. No roteiro, as perguntas procuravam extrair informaes sobre os objetivos, currculo, organizao operacional da EFCP e a participao dos funcionrios e adolescentes nas aes de formao e no prprio processo de elaborao das prticas formativas. Como uma alternativa para se fazer um melhor proveito das informaes extradas das falas da diretora, optei por gravar a entrevista, pois segundo Zago (2001, p. 299)A gravao do material de fundamental importncia pois, com base nela, o pesquisador est mais livre para conduzir as questes, favorecer a relao de interlocuo e avanar na problematizao. Esse registro tem uma funo tambm importante na organizao e anlise dos resultados pelo acesso a um material mais completo do que as anotaes podem oferecer e ainda permitir novamente escutar as entrevistas, reexaminando seu contedo.

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Centro de Pesquisa e Documentao CPDoc: amplia as atribuies do antigo Centro de Documentao (CEDOC), passando a englobar a dimenso da produo e divulgao de conhecimento tcnico-cientfico sobre temas de interesse da Fundao CASA-SP. Suas aes esto sendo organizadas em torno do Programa de Desenvolvimento Tcnico Cientfico e da rea de Documentao e Arquivo, composta pelo acervo institucional da Fundao, pelo Ncleo de Documentao do Adolescente NDA e pela Biblioteca da Escola para Formao e Capacitao Profissional. Informaes retiradas de . Acesso em 10 de julho de 2011.

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Com relao como estabeleci contato com a direo da EFCP, em um primeiro momento no foi possvel estabelecer contato direto com a diretora da EFCP, sendo assim, a coordenadora do Centro de Pesquisa e Documentao, Ana Cristina Bastos, foi a primeira pessoa contatada por meio de email fornecido por minha orientadora, no qual pude marcar a entrevista que a princpio seria feita s com a Ana Cristina. Sendo assim, quando cheguei Fundao, expliquei Ana Cristina que no consegui entrar em contato com a Mnica via email, e que se ela estivesse disponvel, seria importante para a pesquisa que ela tambm me concedesse entrevista. A Ana Cristina, por sua vez, disse que a Mnica naquele momento se encontrava na Fundao, e telefonou para ela avisando sobre a entrevista, e a Mnica, portanto, aceitou participar. A entrevista foi realizada na sala do Centro de Pesquisa e Documentao, e a diretora Mnica Braga foi extremamente solcita por disponibilizar seu tempo e contribuiu satisfatoriamente com a pesquisa, na medida em que me concedeu informaes detalhadas acerca da EFCP. Alm disso, forneceu-me materiais que foram extremamente importantes para o andamento da pesquisa, como quatro revistas que circulam dentro da Fundao CASA, de iniciativa da EFCP, que contm artigos e reportagens sobre a Fundao CASA e sobre temas relacionados adolescncia e menores infratores, intitulada por CASA em Revista, alm de documentos da EFCP que contm informaes acerca da organizao operacional, estrutura e objetivos, bem como uma cpia da Portaria Administrativa FEBEM 873 de 04/09/2006 que reorganiza a FEBEM e por conseguinte, a Escola para Formao e Capacitao Profissional.

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Captulo 3 -

A nova poltica da Fundao CASA e a Escola de

Formao e Capacitao ProfissionalNesse captulo, sero apresentados os dados coletados por meio da entrevistas, bem como obtidos junto aos materiais de divulgao fornecidos pela diretora durante a entrevista. Os dados sero descritos e analisados, agrupados nos seguintes eixos de anlise: 1. A nova poltica da Fundao CASA 2. Como a Escola para Formao e Capacitao Profissional se insere nessa nova poltica. 3. Objetivos da Escola de Formao e Capacitao Profissional 4. Estrutura e organizao operacional da Escola de Formao e Capacitao Profissional 5. Prticas de formao, temas e contedos abordados

3.1 A nova poltica da Fundao CASANum primeiro momento, cabe destacar que a atual poltica da Fundao CASA teve incio em 2005, na gesto do governador Geraldo Alckmin, integrante do Partido Social Democrtico Brasileiro (PSDB), e foi marcada com a ida para a presidncia da Fundao da doutora Berenice Gianella, em junho de 2005, que passou a organizar a instituio em consonncia com a poltica do Governo do Estado, para dar conta das diretrizes presentes no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), ou seja, implantando uma gesto eficiente e descentralizada do atendimento ao adolescente autor do ato infracional (SO PAULO/FEBEM, 2006). Segundo a diretora da EFCP, nessa reorganizao, a idia central foi de fato concretizar a regionalizao administrativa do atendimento que era centralizado na

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sede da Fundao, criando as divises regionais, de modo que os adolescentes pudessem cumprir as medidas socioeducativas em meio aberto, trabalho que antes era Estadual e hoje foi municipalizado, e alm disso, aproximar o adolescente da sua famlia e da sua comunidade, acabando com os grandes complexos, o que foi feito em 2007 no complexo do Tatuap. A partir dessa nova poltica institucional, que assume uma nova forma de tratar o adolescente em conflito com a lei, segundo dados oficiais, a Fundao passa a ter como objetivo:Tornar-se referncia no atendimento ao adolescente autor de ato infracional, pautando-se na na humanizao, das medidas personalizao socioeducativas, e na descentralizao execuo

uniformidade, controle e avaliao das aes e na valorizao do servidor (SO PAULO/FUNDAO CASA, 2011).

Essa nova viso explicitada no stio da Internet a partir do seguinte mapa estratgico:

Mapa

Estratgico

da

Fundao

CASA.

Fonte:

http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/index.php/a-fundacao/visao-missao-e-valores. Acesso em 10 de julho de 2011.

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Pelo que se v, so pontos fundamentais da nova poltica o fortalecimento das relaes externas e parcerias, a descentralizao e a municipalizao e o atendimento individualizado ao adolescente, a fim de contribuir para a sua reinsero social e ao mesmo tempo garantir seus direitos. Isso se dar pela educao e tambm pelo apoio da sociedade.

3.2 - Como a Escola para Formao e Capacitao Profissional se insere nessa nova polticaCom toda a regionalizao do atendimento e a mudana do plano poltico pedaggico, foi criada a Escola para Formao e Capacitao Profissional (EFCP). Anteriormente a essa poltica, existia um Centro de Estudos para formao profissional na antiga FEBEM. Este centro era responsvel pela formao dos profissionais, trabalhava com a formao inicial, principalmente dos profissionais ingressantes, e com a formao continuada, que era uma formao realizada pontualmente, ou seja, a formao era realizada de acordo com as demandas surgidas, por meio de temticas que a unidade entendia que se abordadas, de certa forma poderiam atender aos anseios dos profissionais e o trabalho junto aos adolescentes. De acordo com a diretora, se surgia uma demanda para discutir as situaes internas no mbito das unidades de atendimento ou para discutir a questo da sexualidade, era oferecida uma formao. Portanto, a formao era feita pontualmente e no atravs de um programa de formao continuada, no era algo sistemtico. Alm disso, atrelado a esse Centro de Estudos, existia um Centro de Documentao CDOC que hoje foi substitudo pelo Centro de Pesquisa e Documentao, o qual responsvel pela manuteno do acervo institucional, pela realizao de pesquisas para dar subsdios s polticas de formao e pelo apoio s pesquisas acadmicas. Embora formaes continuadas para o aprimoramento dos funcionrios j ocorressem, de acordo com a Mnica, tais formaes no estavam organizadas sob um programa. Desse modo, como forma de ampliar o processo de formao continuada dos funcionrios, como um dos pilares que pudesse garantir que a nova poltica da Fundao, que tem por cerne os processos educativos e a ressocializao dos adolescentes, pudesse se efetivar, em 2006 o Centro de

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Estudos passou a se constituir numa Escola para Formao e Capacitao Profissional, a qual organizou as aes formativas, garantindo o alinhamento conceitual, estratgico e operacional. A escola , portanto, um eixo da poltica de atendimento e entende que o investimento na formao de profissionais necessrio para poder intervir numa realidade to complexa. E no caso especfico da gesto, a diretora relata que foi diagnosticada a necessidade de um investimento de grande porte para que a poltica se efetive, pois quem ta l na ponta so os gerentes das unidades e estes possuem um papel fundamental (Diretora). No que se refere s polticas de atendimento, a EFCP no as define, de modo que estas so definidas pela presidncia da Fundao CASA e so elaboradas pela diretoria tcnica. A funo da escola, portanto, contribuir para que essas diretrizes sejam cumpridas e desenvolvidas seguindo os princpios da poltica. As propostas de formao da EFCP so elaboradas a partir das demandas definidas pela presidncia. Sendo assim, ao incio de cada ano feito um planejamento, no entanto, h algumas aes dos programas que j esto organizadas porque se referem a demandas recorrentes, e no caso de surgirem novas demandas, outras aes para os programas so elaboradas. A partir dessas informaes, possvel afirmar que a presidncia possui um papel fundamental no que diz respeito s polticas de atendimento, propostas de formao da EFCP e definio de demandas, considerando que so decises importantes que devem ter a participao da presidncia. No entanto, se uma das propostas da nova poltica da Fundao valorizar o aprendizado e o conhecimento, renovando a motivao e o aprendizado profissional, conforme consta no mapa estratgico, porque as polticas de atendimento e as propostas de formao da EFCP so elaboradas a partir das demandas definidas pela presidncia? Essas questes levam reflexo de que pode haver uma hierarquizao das aes, o que pode influenciar na no participao das outras categorias de funcionrios e at mesmo dos prprios adolescentes na reelaborao desse modelo de atendimento. Sendo assim, se o poder de deciso encontra-se centralizado no mbito da gesto e da presidncia, vale pensar at que ponto oferecida, aos moldes de Adorno, uma formao para a autonomia se os que decidem, apesar de estarem inseridos em um mesmo contexto que os demais funcionrios, vivem experincias diferentes daqueles que iro se servir da formao. Talvez a maneira como ocorria

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anteriormente essa formao, a partir de demandas pontuais, fosse mais democrtico pois, apesar de no estar inserida em um programa articulado, possua relao mais direta com a realidade concreta dos funcionrios, favorecendo uma formao para a experincia.

3.3

Objetivos

da

Escola

para

Formao

e

Capacitao

ProfissionalA Portaria Administrativa FEBEM 873, de 04/09/2006 reorganizou a Escola para Formao e Capacitao Profissional, dispondo em seu Artigo 1:A Escola para Formao e Capacitao Profissional da FEBEM-SP, denominada pela Portaria Normativa n 453/2006, artigo 5, inciso V, tem por objetivo a coordenao de aes voltadas capacitao, ao desenvolvimento, extenso e ao aperfeioamento dos profissionais da Fundao e dos parceiros envolvidos na consecuo dos fins previstos no Estatuto da Criana e do Adolescente

Com isso, o objetivo principal a qualificao do atendimento. A diretora da escola a caracteriza como uma atividade-meio e no uma atividade-fim:Ns trabalhamos junto aos profissionais e no junto aos adolescentes, mas como atividade meio um meio para poder contribuir com os objetivos da atividade fim da poltica para os adolescentes, de modo que durante esse perodo em que ele est cumprindo a medida socioeducativa, ele possa elaborar um projeto de vida (diretora).

A perspectiva da nova poltica, portanto, que se realize um diagnstico da realidade de vida desse adolescente, das necessidades, dos interesses e tambm do plano individual de atendimento, tendo em vista que uma das diretrizes o atendimento individualizado em relao socializao e os prprios interesses e necessidades desse adolescente, para que as suas particularidades durante esse perodo sejam contempladas e de fato possa ser realizado um trabalho que crie possibilidades para o acesso a determinados bens e lugares que o mesmo no teve at ento, para que assim, tenha a oportunidade de fazer uma reviso sobre a sua prpria realidade. A escola surge com vistas a orientar e contribuir para que os profissionais possam incorporar e estejam conscientizados sobre essa nova poltica, pois seu grande foco a mudana do paradigma em que a cultura institucional, marcada pela

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punio, est muito arraigada na sociedade. Ento a escola procura preparar os profissionais para pensarem e agirem sob uma perspectiva de uma interveno que no seja meramente sancionatria, trabalho que a diretora da EFCP julga ser fundamental. claro que um processo, mas ns procuramos criar um espao que permita a reflexo entre a teoria e prtica, que possa propiciar a construo coletiva, sistematizao e registro dos trabalhos que so realizados, de modo que eles (profissionais) possam avaliar o prprio trabalho (diretora).

Aps a instituio da nova poltica de atendimento, a mudana estrutural e organizacional da escola a partir da sistematizao das atividades de formao funcionou, portanto, como uma estratgia da poltica educacional, pois na viso da diretora, isto permitiu que um maior espao fosse dado reflexo e construo coletiva. No entanto, como se viu, tais objetivos so estabelecidos de cima para baixo, sem contar com a participao de funcionrios e adolescentes.

3.4 - Estrutura e organizao operacional da Escola de Formao e Capacitao Profissional

A fim de se entender o funcionamento da EFCP, julgamos importante apresentar a forma como ela est estruturada. A Escola para Formao e Capacitao Profissional apresenta o seguinte organograma estabelecido pela Portaria Administrativa FEBEM 873, de 04/09/2006 (Captulo III), que designa os cargos vinculados ECFP e suas respectivas atribuies:

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Organograma julho de 2011

da

EFCP.

Fonte:

http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/index.php/escola-de-formacao. Acesso em 10 de

Direo:

possui

como

atribuio

a

elaborao,

orientao

e

acompanhamento dos elementos que constituem o programa de formao realizado pela Escola, como a integrao entre as atividades e os projetos e programa pedaggico da EFCP. Encarregatura Administrativa: tem como funo garantir o funcionamento da escola no que se refere s questes financeiras e burocrticas, bem como elaborao de documentos para prestao de contas e compra de materiais. Centro de Capacitao e Desenvolvimento Profissional: engloba a Formao Inicial e a Formao Continuada, deve implementar a poltica de formao instituda pela EFCP, fazer levantamentos a respeito das demandas para a formao, adequar os contedos e materiais de cada programa de acordo com as necessidades da Fundao e de cada rea de atuao, manter intercmbio com instituies de ensino, realizar eventos formativos, elaborar materiais didticos e fazer avaliaes acerca dos resultados obtidos pelos programas de formao inicial e continuada

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Centro de Extenso e Aperfeioamento: planejar, orientar, coordenar, acompanhar, divulgar e realizar atividades de extenso e dos programas de aperfeioamento da Administrao Superior da Fundao, fazer levantamento das demandas de extenso e aperfeioamento, adequar os contedos das atividades de exteno e do programa de aperfeioamento de acordo com as necessidades da Fundao

Centro de Pesquisa e Documentao: garantir subsdios para a poltica de formao dos profissionais, por meio de estudos e projetos de pesquisas, estimulando a produo acadmica e mantendo o acervo institucional

Corpo Docente: os Docentes sero selecionados por meio de credenciamento para os programas de formao inicial, continuada e aperfeioamento, sendo os critrios para credenciamento, atribuies e responsabilidades expedidos pelo Diretor da Escola.

Com relao ao corpo docente da EFCP, este integrado por funcionrios que realizam uma seleo interna. Portanto, segunda a diretora, trata-se de funcionrios que j trabalham na Fundao CASA e possuem interesse em fazer parte da docncia da EFCP. Seguem as disposies do Captulo V referente ao Corpo Docente contido na Portaria Administrativa FEBEM 873, de 04/09/02006Artigo 15 A Escola para Formao e Capacitao Profissional da FEBEM-SP ter um Copo Docente, selecionado por meio de credencimaneto, para os programas de capacitao inicial, continuada e de aperfeioamento. Pargrafo nico Os critrios e requisitos para o credencimento de docentes ser especificado em regulamento expedido pelo Diretor da Escola Artigo 16 As atribuies e responsabilidades do Corpo Docente, sero especificadas em regulamento a ser editado pelo Diretor da Escola.

No que se refere aos pr-requisitos exigidos, necessrio ter Ensino Superior e dois anos de efetivo exerccio no cargo. No que se refere ao processo de seleo, a diretora relata queO processo de seleo consiste em elaborar uma aula ou um texto se o interesse for atuar no corpo tcnico do CPDOC. Ento a seleo composta por trs etapas: anlise de currculo, entrevista e elaborao da aula/texto (diretora).

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Analisando essas questes referentes ao Corpo Docente, possvel afirmar que o fato dos sujeitos que integram a docncia se tratar de funcionrios que j atuam na Fundao CASA pode ser um ponto positivo, j que estes esto atuando h pelo menos dois anos em seus respectivos cargos, - sendo este um dos prrequisitos Sendo assim, j possuem experincia na Fundao CASA, o que leva a concluir que j conheam a realidade da instituio na qual aspiram a ser docentes para cumprirem com a tarefa de formar o corpo de funcionrios em favor da melhoria do atendimento socioeducativo. No entanto, h que se atentar ao fato de que se os requisitos para o credencimento, atribuies e os critrios para o processo de seleo do Corpo Docente ficarem a cargo apenas do Diretor da Escola, as idias estaro centralizadas e um s sujeito, no havendo espao para decises coletivas. Sendo feito dessa forma, a centralidade de idias fecha caminhos para a democracia e abre espao para a imposio, indo na contramo do que Adorno defende como forma de superar os impasses para o exerccio efetivo de uma educao emancipadora. Vale ressaltar que o diretor da EFCP tambm assume o papel de educador, na medida em que ir regulamentar critrios, requisitos e atribuies do Corpo Docente. Sendo assim, cabe ao diretor visar uma educao emancipadora se almeja que a Escola para Formao e Capacitao Profissional eduque/forme/qualifique seus funcionrios para a emancipao, o que implica libert-los dos estigmas, preconceitos e vises historicamente produzidas por uma ideologia pertencente a alguns segmentos de nossa sociedade que tornam invisveis menores carentes de direitos e atribuem s instituies que - teoricamente - devem cuidar da reinsero social, a tarefa de punir com violncia. Os funcionrios, portanto, nada mais so que vtimas dessas vises arraigadas na nossa sociedade, e necessitam, portanto, da produo de uma conscincia verdadeira (ADORNO, 1995). O Programa da EFCP, em termos operacionais, no est organizado em unidades de atendimento, e sim, em reas de atuao que so compostas pela rea administrativa, pedaggica de sade e de segurana, atendendo a Capital, a Grande So Paulo, litoral e interior. Os funcionrios vem at a EFCP e lhes oferecido hospedagem e alimentao. No entanto, no caso de outras regies e a depender da durao da formao, quando esta envolve mais de uma semana, os formadores vo at a unidade de atendimento.

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3.5 - Prticas de formao, temas e contedos abordadosAo se investigar a formao oferecida aos funcionrios, no que diz respeito questo dos direitos humanos, normativas nacionais e internacionais so abordadas como, Constituio Federal, ECA, SINASE, Regras de Beijing e documentos organizados pela ONU. Tambm so trabalhados os parmetros do atendimento socioeducativo e a questo da adolescncia no contexto atual, com o objetivo de ampliar a viso dos profissionais sobre essa fase da vida, desmistificando a viso que se tem sobre o adolescente. De modo geral, para alm dos contedos especficos referentes a cada rea de atuao dos profissionais, contedos oriundos de outras reas de conhecimento como Sociologia, Economia, Filosofia e Direito somam-se ao trabalho de formao, tendo em vista a Resoluo n 112 do Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente que estabelece os Parmetros para a Formao Continuada de Atores do Sistema de Garantias dos Direitos da Criana e do Adolescente No programa de formao inicial, esses temas so trazidos de forma mais introdutria, no programa de formao continuada, feito um aprofundamento dos aspectos que dizem respeito aos direitos sade, educao, direitos civis, etc. J no programa de aperfeioamento de gestores, feito um aprofundamento das diretrizes, focando na realidade desses profissionais enquanto gestores, os quais possuem um papel de gerir o funcionamento das unidades de atendimento de acordo com o que estabelecem essas diretrizes. Os materiais didticos contm normativas, regimento interno e documentos sobre a nova poltica da Fundao CASA. Esses materiais so entregues aos funcionrios e servem como referncia, tornando-se subsdios para a compreenso do significado do atendimento socioeducativo a ser oferecido aos adolescentes. Deste modo, so constitudos os diferentes espaos de formao, levando em conta as necessidades dos profissionais e a realidade vivida em cada rea de atuao. Como forma de propiciar a reflexo, o trabalho coletivo e a troca de experincias princpios que fundamentam o trabalho de formao realizado pela escola alm de palestras e aulas expositivas, fazem parte da dinmica das aulas trabalhos em grupo e dramatizaes que so realizadas a partir de situaes retiradas do dia a dia dos profissionais, atividades que esto dentro de um trabalho

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denominado de reflexes do cotidiano, no qual os profissionais trazem alguma situao ocorrida durante seu expediente e que segundo a diretora:A gente colhe situaes que so narradas quando h ocorrncias de tumultos e so relatadas. De posse desse material e preservando a identidade, criamos as situaes-problemas e trabalhos em grupo so feitos, nos quais os funcionrios podem refletir sobre o ocorrido e sobre a ao que foi feita (diretora).

Sendo assim, essas so estratgias utilizadas pela EFCP para cumprir com o que a sua poltica de formao determina, isto , a construo coletiva, a reflexo entre a teoria e a prtica, feitas por meio de um processo de ao-reflexo-ao (BRAGA; PAULA, 2009). Essa dinmica utilizada nos processos de formao, ao lidar com situaes do cotidiano e a troca de experincias, pode favorecer a reflexo. Com relao participao dos prprios adolescentes nas prticas de formao, de acordo com a diretora, houve momentos na formao inicial em que os adolescentes participaram:Na verdade eles vinham e faziam uma dramatizao que acontecia em alguma unidade. Dependendo de onde a gente fosse, vinha um grupo e fazia uma dramatizao. (...) mas acho que foi tudo crescendo muito, n... mas tem espaos em que eles participam, no so muitos momentos, mas existem espaos onde eles vo e participam (diretora).

Como exemplo, cita a implementao do regimento interno, ocorrida em 01 de dezembro de 2008. Nessa ocasio, para a apresentao do novo regimento a todos, a escola ofereceu uma formao inicial aos gestores, que deveriam fazer a formao em relao ao regimento para os funcionrios, e aps esse processo, os funcionrios fariam uma formao junto aos adolescentes. Para a diretora foi uma formao que comeou com os gestores e terminou com os adolescentes, apresentando o regimento interno pra eles e fazendo a discusso, envolvendo a todos num mesmo processo Ainda com relao participao dos adolescentes, a diretora ressalta que:Tem momentos em que eles participam, quando h apresentao de uma diviso administrativa regional, encontros estaduais da fundao que geralmente ocorre uma vez por ano eles vo... Ento tem espao, claro que falta ainda serem criados outros... a gente tem uma viso tambm que embora exista a escola hoje, necessrio criar espaos formativos no mbito interno da prpria unidade e das divises regionais, no porque tem a escola que eles (gestores e servidores em geral) no vo tentar

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espaos formativos l nos seus locais de trabalho. Existe uma experincia que foi feita em Aruj pela comunidade da rea teraputica que tem a participao efetiva dos adolescentes na organizao da unidade. Acho que ainda tem resistncias, no so todas as unidades, mas tem unidades que realizam trabalhos primorosos e voc v que h uma participao dos adolescentes no cumprimento da medida, e em uma das diretrizes a medida corresponde a isso, que ele participe e seja protagonista da sua prpria vivncia (diretora).

A diretora destaca que so dados incentivos criao de espaos formativos nas unidades de atendimentos regionais, para alm das aes praticadas pela EFCP. Contudo, argumenta a respeito da importncia da poltica de formao, que definida em parceria com a presidncia da Fundao CASA, tendo como fundamento a poltica de atendimento para a abordagem das prticas e dos contedos, pois:No adianta existir uma escola e uma poltica se cada um fizer do seu jeito, determinados critrios devem ser seguidos, deve-se firmar pela construo coletiva, relao entre teoria e prtica, reflexo crtica. Ento, enfim... Tem o modo como a gente aborda os contedos na formao (diretora).

A partir dos dados colhidos por meio da entrevista com a diretora da EFCP, Mnica, nota-se que a Escola busca preparar os funcionrios para atuarem de forma qualificada junto aos adolescentes e para isso, fundamenta-se em prticas que favoream a articulao dos sujeitos que esto sendo preparados por meio de aes que visem a reflexo entre teoria e prtica. O trabalho denominado de reflexes do cotidiano um bom exemplo disso, j que consiste em uma dinmica em que abre espao para que questes do cotidiano sejam trazidas e debatidas, e assim, sejam criadas situaes-problemas em cima das vivncias dos prprios funcionrios. Sendo assim, o funcionrio torna-se protagonista de sua prpria formao tendo como subsdio a sua prpria experincia. Alm disso, constante na fala da diretora a importncia que a EFCP concerne construo de uma criticidade a respeito da relao entre teoria e prtica, deste modo, inegvel o valor que dado experincia dos funcionrios na sua cotidianeidade e a ao dos mesmos nas prticas de formao por meio de um trabalho coletivo. Pode-se dizer que este um exemplo de educao para a experincia que Adorno (1995) defende, visto que utiliza-se da prpria experincia vivida pelo funcionrio no seu dia a dia dentro da instituio para a reflexo-ao e

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reealaborao de novas experincias que possam garantir um cumprimento satisfatrio de suas atribuies. Nas aes de formao, como metodologia utilizase exemplos da experincia. No entanto, na definio das demandas e contedos, parte-se de orientaes da presidncia da Fundao, o que contraditrio. No entanto, importante destacar que, apesar do programa de formao da EFCP defender essas questes relacionadas s necessidades dos funcionrios e a troca de vivncias pautadas no cotidiano de suas funes para uma boa reflexo entre teoria e prtica, pode haver fragilidades a serem vencidas, pois quando perguntado diretora a respeito da participao dos adolescentes nos programas de formao, nota-se que j houve iniciativas, mas a interveno dos mesmos pouca nesse processo de formao, desde o momento em que so levantadas as demandas para a elaborao do programa de formao at a participao dos adolescentes nas prticas de formao. Sendo assim, se as medidas socioeducativas correspondem que o adolescente participe e seja protagonista de sua prpria vivncia, cabe afirmar a relevncia de sua participao nos processos que constituem a formao dos funcionrios que estaro servio de sua reinsero na sociedade. Pois, apesar da diretora da EFCP caracterizar o trabalho da escola como uma atividade-meio que no trabalha junto aos adolescentes, e sim, junto aos profissionais, vale ressaltar a importncia de que se abra espao para a voz dos adolescentes, que so os sujeitos que sofrem as consequncias dos temas que a EFCP aborda no seu programa de formao, como a carncia de direitos, para que assim, mais do que adaptar (ADORNO, 1971) os funcionrios para o trabalho que dela fazem parte. a EFCP possa formar profissionais conscientizados a respeito da realidade de sua prtica e dos jovens

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Consideraes FinaisCom a busca pela mudana do paradigma a respeito do tratamento dado ao menor infrator e dos princpios que regiam a antiga FEBEM, veio a necessidade de fortalecer as polticas pblicas para essa rea. Por essas razes, leis foram reelaboradas e novos dispositivos foram criados, conforme se destacou neste trabalho. A reorganizao da FEBEM, que resultou na criao da Fundao CASA, e nesta, a oferta de um programa sistematizado para a formao dos funcionrios, foram resultados dessa nova poltica. Desse modo, a formao tomou um lugar importante nos processos de reeducao dos adolescentes, na medida em que passou a ser vista como estratgia para a mudana de concepes acerca da infncia e adolescncia infratoras, expressas na compreenso do novo significado que a internao de menores infratores assumiu com a substituio da FEBEM pela Fundao CASA. A anlise da entrevista realizada com a direo da Escola de Formao e capacitao profissional da Fundao Casa permitiu evidenciar que o surgimento dessa instituio formativa, dentro de uma instituio que prev a reinsero social de adolescentes em conflito com a lei por meio de medidas socioeducativas, um derivado da nova poltica de atendimento que se apia no ECA, lei que estabelece os direitos de crianas e adolescentes e chama a ateno p