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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 185-227,
2009-2.
Tito Lvio Barichello 229
AS REGRAS POR TRS DAEXCEO REFLEXES SOBRE A
TORTURA NOS CHAMADOS CASOSDE BOMBA-RELGIO
THE RULES BEHIND THEEXCEPTION: REFLECTIONS ON THETORTURE
PRACTICES IN THE SO-
CALLED TIME BOMB CASESLUS GRECO
___________________________________________________________
Assistente cientfico do Prof. Dr. Dr. h. c. mult. Bernd
Schnemann naLudwig Maximilians Universitt, Munique, Alemanha.
Mestre e Doutor
em Direito pela mesma instituio
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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As regras por trs da exceo...230
SUMRIO1. Introduo; 2. Excees proibio de torturar nos casos de
bombas relgio?; 3.Excees e regras, excees como regras; 4. Crtica
regra da decadncia; 5. Crtica regra dos custos; 6. Concluso
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2009-2.
Lus Greco 231
RESUMO
O inimaginvel j h muito se tornou realidade: est tendo lugar
naAlemanha uma discusso doutrinria a respeito da legitimidade da
tortura.1As reflexes que seguem querem explicitar algumas
premissas, poucasvezes formuladas de modo claro, de que parte o
ponto de vista segundoo qual a tortura seria legtima em casos
excepcionais a saber, aspremissas de que a dignidade humana pode
caducar e de que ela seencontra sujeita a uma reserva de custos e,
com isso, submeter esseponto de vista a uma crtica fundamental.
Palavras-chave: tortura; dignidade humana; terrorismo; direito
penal deemergncia; proporcionalidade.
1 Agora j tarde demais para que o opositor da tortura possa
manter-se calado nointeresse da manuteno do tabu (propondo uma tal
postura, por exemplo, KRAMER,Wunsch nach Folter, KritJ (33), 2000,
pp. 624 e ss., p. 625; ZIZEK, Welcome to thedesert of the real,
London/New York 2002, p. 103; HAMM, Schluss der Debatte
berAusnahmen vom Folterverbot!, NJW, 2003, p. 946).
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...232
RESUMEN
Aquello que era inimaginable es desde hace mucho tiempo
realidad: enAlemania tiene lugar una discusin sobre de la
legitimidad de la tortura.Las siguientes reflexiones tienen por
objeto desarrollar algunas de laspremisas, que pocas veces se
formulan con claridad, con respecto alpunto de vista segn el cual
la tortura sera legtima en casos excepcionaleses decir, que la
dignidad humana podra perderse y encontrarse sujeta areserva de
costes y someter a crtica esta perspectiva.
Palavras-clave: tortura; dignidad humana; terrorismo; derecho
penal deemergencia; proporcionalidad
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2009-2.
Lus Greco 233
ABSTRACT
The unthinkable is once again real: There is an ongoing
discussion inGermany about the legitimacy of torture. The following
article tries to clarifyand criticize some of the premises implicit
to the point of view according towhich torture might be lawful in
exceptional cases, namely that humandignity may be forfeited and
that it is subjected to a cost threshold.
Key words: torture; human dignity; terrorism; balancing of
rights
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2009-2.
As regras por trs da exceo...234
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Lus Greco 235
1 INTRODUOTorturar proibido. O fundamento desta proibio est em
que a
tortura viola a dignidade humana. Quanto a estas duas
afirmativas, em sicarecedoras tanto de preciso quanto de
justificao1, h amplo consenso,de maneira que, na presente sede, se
cuidar de otra questo, a saberse a proibio da tortura, fundada na
dignidade humana, deve ou no serrelativizada em certos grupos de
casos. este o objeto da intensadiscusso atual, que, na Alemanha,
foi acendida aps o caso v. Metzler-
2 A primeira questo que deveria ser esclarecida o que se deve,
exatamente, entenderpor tortura (no mesmo sentido HILGENDORF,
Folter im Rechtsstaat?, JZ, 2004, pp. 331 ess., p. 331). Apesar de
amplamente aceita, a definio constante na Conveno Anti-Tortura da
ONU um tanto problemtica. Segundo esta definio, a tortura
,fundamentalmente, a causao intencional pelo Estado de considerveis
dores ousofrimentos, fsicos ou psquicos (art. 1 I 1). O primeiro
defeito a apontar-se que umadefinio calcada na dor ou sofrimento
fica presa numa perspectiva psicolgico-naturalista (similar STOBBE,
Die Unmenschlichkeit der Folter, em BEESTERMLLER/BRUNKHORST (Eds.),
Rckkehr der Folter, 2006, pp. 36 e ss., p. 40; nisso andou melhor
adefinio constante no art. 2 da Conveno Interamericana para a
preveno e castigoda tortura, de 1985, sobre ela BOSSUYT, Two New
Regional Conventions with Respect tothe Prohibition of Torture, em
MATSCHER [Ed.], Folterverbot sowie Religionsfreiheit
imRechtsvergleich, 1990, pp. 81 e ss., pp. 86-87). Se formos
conseqentes, teremos deafirmar a tortura no caso de algum que raspa
a cabea de uma modelo que faz fotospara shampoo, causando
sofrimentos psquicos enormes, ao mesmo tempo em queteremos de negar
a tortura no caso em que algum chicoteie o crente disposto ao
martrioou o masoquista. A insuficincia do modelo psicologista
percebida pela prpriaConveno, que por isso complementou a definio
mencionada com o disposto noobjetvel pargrafo 2, o qual dispe que
dores e sofrimentos resultantes de saneslegais no so compreendidos
pelo conceito de tortura. Essa limitao cria outrosproblemas, pois
torna possvel negar a existncia de tortura por meio da cmoda
alegaode que s se est impondo a sano prevista em lei (cf. as
fundadas crticas de TOMUSCHAT,Rechtlicher Schutz gegen Folter, em
SCHULZ-HAGELEIT [Ed.], Alltag-Macht-Folter, 1989,pp. 95 e ss., p.
102; e de HILGENDORF, JZ, 2004, p. 334 os quais, ainda assim,
nochegam a perceber que o psicologismo a raiz do problema). Ao que
parece, o aspectodecisivo da tortura no a imposio de dor ou
sofrimento, e sim o exerccio da dominaomais completa que se pode
imaginar sobre uma pessoa, tendo relevncia aqui o fato deque o
torturado se encontra merc do Estado, isto , em sua guarda ou
posse(sublinhando o aspecto central da guarda JOERDEN, ber ein
vermeintliches Recht (desStaates), aus Menschenliebe zu foltern,
Jahrbuch fr Recht und Ethik [13], 2005, pp.495 e ss., p. 517;
relevando sobretudo o exerccio de poder REEMTSMA, Wir sind alles
frDich, em REEMTSMA [Ed.], Folter, 1991, pp. 7 e ss., p. 13; vide
tambm PARRY, Escalationand Necessity, em LEVINSON [Ed.], Torture A
collection, Oxford/New York 2004, pp. 145e ss., p. 153, falando no
que ele chama de perversidade da tortura, isto , na inversodas
concepes tradicionais de ao, consentimento e responsabilidade que a
torturaprovoca, uma vez que a tortura teria o significado de que o
torturado, ao no cooperar,seria o prprio autor das aes de
tortura).
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As regras por trs da exceo...236
Gfgen-Daschner*** e, nos Estados Unidos, depois do atentado
contra astorres gmeas em Nova Iorque. 3 Em Israel, pelo contrrio, j
se discute
Em segundo lugar, dever-se-ia explicitar de modo mais preciso em
que consisteexatamente a alegada violao da dignidade pela tortura.
S ento ser possvel resolvera controvrsia a respeito de se a mera
ameaa de imposio de dor fsica como se deuno caso Daschner (vide a
prxima nota) representa j tortura (em sentido afirmativo,em geral
subsumindo a ameaa sob o conceito de dor psquica JESSBERGER, Wenn
dunicht redest, fge ich Dir groe Schmerzen zu, Jura, 2003, pp. 711
e ss., p. 714; GAEDE,Die Fragilitt des Folterverbots, em CAMPRUBI
[Ed.], Angst und Streben nach Sicherheitin Gesetzgebung und Praxis,
2004, pp. 155 e ss., p. 165; ELLBOGEN, Zur Unzulssigkeitder Folter
(auch) im prventiven Bereich, Jura, 2005, pp. 339 e ss., p. 340;
JOERDEN,Jahrbuch fr Recht und Ethik [13], 2005, p. 521; R. MARX,
Folter: eine zulssige PolizeilichePrventionsmassnahme?, em GEHL
[Ed.], Folter Zulssiges Instrument im Rechtsstaat?,2005, pp. 95 e
ss., p. 102 [= KritJ (37), 2004, pp. 278 e ss.]; SCHILD, Folter
(androhung)als Straftat, em GEHL [n. 2], pp. 59 e ss., p. 61; a
respeito vide, ademais, KINZIG, Notkennt kein Gebot?, em GEHL [n.
2], pp. 11 e ss., p. 19 e s. e ROXIN, Kann staatlicheFolter in
Ausnahmefllen zulssig oder wenigstens straflos sein?, em
Festschrift frESER, 2005, pp. 461 e ss., p. 464; IDEM,
Rettungsfolter?, em Festschrift fr NEHM, 2006,pp. 161 e ss., p.
169, os quais, ao superarem o psicologismo, abrem novas
perspectivas,afirmando que a ameaa de dor e a efetiva imposio desta
se igualariam em seu efeitode quebrar a vontade; em sentido
negativo HILGENDORF, JZ, 2004, p. 338 e s., e sobretudoHERZBERG,
Folter und Menschenwrde, JZ, 2005, pp. 321 ss., y p. 325 e s.;
KRETSCHMER,Folter in Deutschland, RuP, 2003, pp. 102 e ss., p. 107:
no h tortura, mas simtratamento degradante; SCHULZ, Das
Folterverbot der EMRK und seine Auswirkungenauf das Strafrecht, em
LENZEN [Ed.], Ist Folter erlaubt?, 2006, pp. 77 e ss., p. 87.
Osimportantes argumentos de HERZBERG demonstram, a meu ver, menos a
inexistncia detortura nos casos de mera ameaa do que a necessidade
de se superar a perspectivapsicologista acima criticada).***
(Nota do Tradutor Eduardo Riggi): Neste mencionado caso, o
diretor adjunto dapolcia de Frankfurt am Main, Wolfgang Daschner,
ordenou a um subordinado que,durante o interrogatrio (levado a cabo
no dia 1 de outubro de 2002) ameaasse odetido, Magnus Gfgen que
havia sequestrado, no dia 27 de setembro de 2002, ummenino de 11
anos, Jakob von Metzler para que Gfgen revelasse onde ocultara
osequestrado. Se Gfgen no cooperasse, lhe foi dito que sofreria
dores inimaginveis.O detido, impressionado com a ameaa, acabou por
revelar o paradeiro da criana,que j havia morrido antes do
interrogatrio, asfixiada pela fita isolante com a qualhavia sido
amordaada. Em 20 de dezembro de 2004, Wolfgang Daschner e o
agentede polica que obrou sob seu comando foram condenados pelo
delito do 343 StGB,coao para obter uma declarao Aussageerpressung).
(cfr. LG Frankfurt, NJW(10), 2005, pp. 692-696; GNGORA MERA, Ein
bisschen Folter: Alemania debate sobrela tortura, disponible em
http://www.menschenrechte.org/beitraege/menschenrechte/debate_tortura.htm).
3 Maiores detalhes a respeito da discusso americana no curso do
texto. Veja-se R.MARX, Globaler Krieg gegen den Terrorismus und
territorial gebrocheneMenschenrechte, KritJ (39), 2006, pp. 151 e
ss., p. 153 e s. para a viso do governodos EUA sobre a tortura.
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Lus Greco 237
h pelo menos duas dcadas a respeito da licitude da utilizao da
torturana luta contra o terrorismo.4
Ainda que prima facie humanitria, a verdade que a
proibioabsoluta pode resultar um tanto dolorosa em situaes de
necessidade.Pensemos no pior: uma cidade inteira como Munique, Nova
Iorque,Barcelona ou Rio de Janeiro, desaparecer do mapa se no se
conseguefazer falar o terrorista responsvel pela bomba e que acaba
de sercapturado.
Apesar de um tanto raras, tais hipteses chamadas casos debomba
relgio (ticking-time-bomb-cases) so de enorme relevnciaterica,
porque s elas oferecem ao defensor da proibio absoluta
aoportunidade de testar a firmeza de sua convico. Por isso, no
seoptar no presente trabalho por estratgias um tanto difundidas
entre osque defendem a proibio no sentido de se esquivar do caso da
bombarelgio, aludindo diminuta probabilidade de sua ocorrncia.5 O
casoser levado a srio, para perguntar se de fato no se deve
defender umaexceo proibio de torturar. E tampouco sero discutidos
os detalhesdo caso concreto ocorrido em Frankfurt.6 O que nos
interessa a questoabstrata do carter absoluto ou no da proibio de
tortura. Este carterabsoluto s ser submetido prova de fogo se
estivermos dispostos adefend-lo mesmo diante do pior.
Por esta razo nos absteremos, ademais, de discutir aregulamentao
jurdico-positiva da tortura. Ainda que o direito positivo,alemo ou
brasileiro, parea rechaar de modo suficientemente claro edecidido
qualquer exceo proibio de torturar7, no parece despiciendofletir
num nvel mais jusfilsofico sobre os fundamentos dessa postura.
4 Centrais para a discusso cientfica foram sobretudo o parecer
da chamada ComissoLandau (resumo publicado em Israel Law Review
[IsLR] [23], 1989, pp. 146 e ss., noqual, entre outras coisas, se
opina pela juridicidade dos mtodos de interrogatriodo chamado
Servio Geral de Segurana [General Security Service, ou GSS], e
adeciso do Tribunal Superior [resumo publicado em LEVINSON [n. 2],
pp. 165 e ss.).Sobre todo esse debate, resumidamente,
EHRLICH/JOHANNSEN, Folter im Dienste derSicherheit?, em HASSE e
outros (Eds.), Menschenrechte, 2002, pp. 332 e ss.
5 Assim, porm, RAESS, Der Schutz vor Folter im Vlkerrecht, 1989,
pp. 112 e s.; KRAMER,KritJ (33), 2000, p. 624; SCHLINK, em
BRUGGER/SCHLINK, Darf der Staat foltern? EinePodiumsdiskussion HFR
2002, Beitrag 4, p. 6; SHUE, Torture, em LEVINSON (n. 2),pp. 47
ss.. p. 57 e s.; ao que parece tambm ZIZEK (n. 1), p. 104.
6 A respeito, vide a deciso do LG Frankfurt, NJW, 2005, p. 692 e
as referncias naprxima nota.
7 Para o direito brasileiro, cf. o art. 5 III CF e o art. 1 da
Lei 9455/1997. Relevando ocarter unvoco do direito positivo alemo,
por exemplo, DX, ZRP, 2002, p. 180;
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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As regras por trs da exceo...238
2 EXCEES PROIBIO DE TORTURAR NOS CASOS DEBOMBAS RELGIO?
O grupo de casos das bombas relgio tem o mrito de
deixartransluzir todas as dificuldades do problema. No so muitos os
queconseguem resistir tentao que o grupo de casos representa,
qualseja, a de tolerar ou permitir a tortura, pelo menos nessas
situaesexcepcionais. A atitude de REEMTSMA, que responde
afirmativamente pergunta luhmanniana voc faria isso? ao mesmo tempo
em quepropugna uma firme defesa da proibio absoluta, representativa
dapostura de muitos doutrinadores8. ROXIN, que tampouco tem
qualquerdvida a respeito da antijuridicidade de qualquer ao de
tortura, considerapensvel uma exculpao supralegal em tais situaes
catastrficas.9No faltaram aqueles que, mesmo autodefinindo-se como
opositores da
KRETSCHMER, RuP, 2003, p. 108; JAHN, Gute Folter Schlechte
Folter?, KritV, 2004,pp. 24 e ss., p. 35; ROXIN, Rettungsfolter?
(n. 2), p. 163; SCHILD, Folter einst undjetzt, em NITSCHKE (Ed.),
Rettungsfolter im modernen Rechtstaat?, 2005, pp. 69 ess., p. 80.
Sobre a regulamentao jurdico-positiva alem em detalhe (e, em
parte,discutindo o caso de Frankfurt) HECKER, Relativierung des
Folterverbots in der BRD?,KritJ (36), 2003, pp. 210 e ss., pp. 212
e ss.; JESSBERGER, Jura, 2003, pp. 712 e ss.;KRETSCHMER, RuP, 2003,
pp. 102 e ss.; MERTEN, Folterverbot und Grundrechtsdogmatik,JR,
2003, pp. 404 e ss., p. 405 e s.; WELSCH, Die Wiederkehr der Folter
als das letzteVerteidigungsmittel des Rechtsstaates?, BayVBl, 2003,
pp. 481 e ss., p. 483 e s.;GAEDE (n. 2), pp. 161 e ss.;
GUCKELBERGER, Zulssigkeit von Polizeifolter?, VBlBW,2004, pp. 121 e
ss.; JAHN, KritV, 2004, pp. 32 e ss.; NEUHAUS, Die
Aussageerpressungzur Rettung des Entfhrten: strafbar!, GA, 2004,
pp. 521 e ss.; ZIEGLER, DasFolterverbot in der polizeilichen
Praxis, KritV, 2004, pp. 50 e ss., p. 51 e ss.; ELLBOGEN,Jura,
2005, pp. 339 e ss.; ESSER, Die menschenrechtliche Konzeption
desFolterverbotes im deutschen Strafverfahren, em GEHL (n. 2), pp.
143 e ss.; KINZIG (n.2), pp. 12 e ss.; NOROUZI, Folter in Nothilfe
geboten?, JA, 2005, pp. 306 e ss.;HONG, Das grundgesetzliche
Folterverbot und der Menschenwrdegehalt derGrundrechte, em
BEESTERMLLER/BRUNKHORST (n. 2), pp. 24 e ss.; IPSEN,
Folterverbotund Notwehrrecht, em LENZEN (n. 2), pp. 38 e ss.
8 REEMTSMA, Folter im Rechtsstaat, 2005, p. 122; de modo similar
ZIZEK (n. 1), p. 103.LUHMANN, Gibt es in unserer Gesellschaft noch
unverzichtbare Normen?, 1993, p. 1formulou a famosa pergunta se,
diante do caso da bomba relgio torturar fosse anica sada, voc faria
isso?
9 ROXIN, Staatliche Folter (n. 2), p. 469; tambm IDEM,
Rettungsfolter? (n. 2), p. 172;IDEM, Strafrecht, Allgemeiner Teil,
t. I, 4 ed, 2006, 22/169; de modo similar ROBINSON,Letter to the
Editor, IsLR (23), 1989, pp. 189 e ss., p. 191; GROSS, The
Prohibitionson Torture and the Limits of the Law, em LEVINSON (n.
2), pp. 229 e ss., p. 231, 240 es., que descreve sua estratgia como
a de um absolutismo pragmtico e umadesobedincia oficial; SCARRY,
Five Errors in the Reasoning of Alan Dershowitz, emLEVINSON (n. 2),
pp. 281 e ss., p. 282; BIELEFELDT, Die Absolutheit des
Folterverbots,
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 239
tortura, defendem uma justificao nos casos de bombas relgio.10
Entreos poucos que no duvidam acertadamente, como veremos
daexistncia, no caso extremo, de um dever fundado em convices
moraisde tolerar a prpria morte se encontra o professor espanhol
MOLINAFERNNDEZ.11 No sem alguma razo, portanto, que os adversrios
daproibio absoluta se orgulham da honestidade de seu ponto de
vista, oqual declara de modo aberto a licitude jurdica e moral da
opo que,provvel e compreensivelmente, se acabaria por tomar.12
Esses autoresacentuam, sobretudo, que a exceo proibio de torturar
que se est
em BEESTERMLLER/BRUNKHORST (n. 2), pp. 109 e ss., p. 114. O
defensor da torturaDERSHOWITZ, Is it Necessary to Apply Physical
Pressure to Terrorists and to LieAbout It?, IsLR (23), 1989, pp.
192 e ss., p. 200, queria inicialmente conceder, nomximo, uma
exculpao. Partindo da teoria de sistemas tenta POSCHER,Menschenwrde
als Tabu, em BEESTERMLLER/BRUNKHORST (n. 2), pp. 75 e ss., p. 83e
s., elaborar a racionalidad de uma proibio sem exceo que no ser
respeitadaem casos de catstrofes (com modificaes parciais, em IDEM,
Menschenwrde imStaatsnotstand, em LENZEN (n. 2), pp. 47 e ss., p.
61 s.); LENCKNER, EM SCHNKE/SCHRDER StGB, 27 ed., 2006, 34/41e,
opina que a pergunta nem sequer deveriaser formulada, porque aqui o
Estado de direito chega a seus limites.
10 SHUE (n. 5), pp. 57 e s.; NEUHAUS, GA, 2004, p. 525, n. 23 y
p. 529 e s., queenfaticamente defende a punio de Daschner; JOERDEN,
Jahrbuch fr Recht undEthik (13), 2005, p. 519 e pp. 522 e s., que
por um lado se ope admisso geral datortura, em razo de efeitos de
ruptura de dique, por outro defende uma causa dejustificao
supralegal para o caso da bomba relgio. Cfr. ademais KADISH,
Torture,the State and the Individual, IsLR (23), 1989, pp. 345 e
ss., p. 354, defendendo quea proibio de tortura seria absoluta para
o Estado, mas s relativa para o indivduo.Um cavalo de Tria entre o
campo dos que defendem a proibio absoluta POSNER,Torture,
Terrorism, and Interrogation, em LEVINSON (n. 2), pp. 291 e ss., p.
296: apostura mais vantajosa seria a de conservar a proibio
tradicional sem implement-la na situao extrema (que compreenderia
seguramente o caso da bomba e, talvez,tambm o caso do
sequestro).
11 Cfr. MOLINA FERNNDEZ, La ponderacin de intereses em
situaciones de necesidadextrema: es justificable la tortura?, em
CUERDA RIEZU (Ed.), La respuesta del Derechoante los nuevos retos,
2006, pp. 265 e ss., pp. 283 e s..
12 Assim, em particular, o parecer da Comisso Landau, IsLR (23),
1989, p. 183 (opiniocontrria como o caminho dos hipcritas);
DERSHOWITZ, Why Terrorism Works, NewHaven/London, 2002, pp. 150 e
s.; IDEM, Tortured reasoning, em LEVINSON (n. 2), pp.257 e ss., p.
266, declara: A questo substancial no tanto a tortura como
aresponsabilidade, a visibilidade e a honestidade em uma democracia
que enfrentauma opo entre dois males; em particular, tambm, pp. 274
e s. DERSHOWITZ famoso por sua proposta de uma ordem judicial de
tortura (torture warrant) (cfr., porexemplo, Why Terrorism Works,
p. 158; Tortured reasoning, p. 263). Veja-se,ademais,
(substancialmente de acordo com DERSHOWITZ) LEVINSON,
Precommitmentand Postcommitment: The Ban on Torture in the Wake of
September 11", TexasLaw Review (81), 2003, pp. 2013 e ss., p.
2042.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...240
introduzindo depende da ocorrncia de situaes
verdadeiramenteextraordinrias, de modo que, na prtica, se teria uma
proibio quase-absoluta de torturar.13
Quais as razes mencionadas em favor desta soluo? No
presentetrabalho, no ser possvel examinar com igual profundidade os
vriosargumentos que se vm oferecendo. Centraremos nossas
atenes,assim, naqueles que tm obtido mais peso e reconhecimento na
doutrina.14
13 BRUGGER, Darf der Staat ausnahmsweise foltern?, Der Staat
(35), 1996, pp. 66 e ss.,p. 95: s proibies at ento absolutas se
acrescenta uma disposio excepcionalpara o grupo de casos aqui
mencionado mas apenas para estes casos!. Veja-se,ademais,
HILGENDORF, JZ, 2004, p. 331: trata-se unicamente da questo de se
sepode ou no torturar em determinados casos excepcionais
estreitamente delimitados;LEVINSON, Texas Law Review (81), 2003, p.
2031: A questo se a tortura estjustificada em um nico caso, e no se
a tortura sempre ou com frequncia legtima;PARRY (n. 2), p. 159:
Para ser justificvel, a tortura deve ser a exceo, e no aregra;
JEROUSCHEK, Gefahrenabwendungsfolter Rechtsstaatliches Tabu
oderpolizeirechtlich legitimierter Zwangseinsatz?, JuS, 2005, pp.
296 e ss., p. 300.Criticamente, com razo, BIELEFELDT, Das
Folterverbot im Rechtsstaat, em NITSCHKE(n. 7), pp. 95 e ss., p.
101; mais detidamente abaixo item 3.
14 Por outro lado, a comparao com o denominado disparo mortal
final ([Nota deEduardo Riggi]: entende-se por finaler Todesschuss
ou por finaler Rettungsschuss -disparo final de salvamento - o uso
mortal de arma de fogo pela polcia para salvarterceiros de perigos,
por ex. nos casos em que se trata de liberar refns, sendo
quenegociaes e uso de armas no letais no oferecem qualquer
perspectiva realistade sucesso) e o argumento a maiore ad minus que
em seguida se prope, de teorse lcito matar, tem de ser lcito
torturar (principalmente BRUGGER, Der Staat [35],1996, p. 75 e s.;
IDEM, Vom unbedingten Verbot der Folter zum bedingten Recht
aufFolter?, JZ, 2000, pp. 165 e ss., p. 168; IDEM, em
BRUGGER/SCHLINK [n. 5], p. 4;IDEM,Freiheit und Sicherheit, 2004,
pp. 59 e s.; IDEM, Das andere Auge. Folter alszweitschlechteste
Lsung, em NITSCHKE [n. 7], pp. 107 e ss., p. 111 e s.; de
acordoISENSEE, Tabu im freiheitlichen Staat, 2003, p. 60; OTTO,
Diskurs ber Gerechtigkeit,Menschenwrde und Menschenrechte, JZ,
2005, pp. 473 e ss., p. 480) de fcilrefutao, bastando negar que o
disparo mortal seja mais grave que a tortura (porexemplo, porque o
disparo mortal exigiria uma omisso, e a tortura uma ao
positiva:WELSCH, BayVBl, 2003, p. 485; NEUHAUS, GA, 2004, p. 534;
HECKER, KritJ [36], 2003,p. 215 n. 25 [cauteloso]; JAHN, KritV,
2004, p. 43; ENDERS, Die Wrde des Staatesliegt in de Wrde des
Menschen Das absolute Verbot staatlicher Folter, em NITSCHKE[n. 7],
pp. 133 e ss., p. 139; ou porque a tortura feriria justamente o que
o ser humanotem de mais ntimo, GAEDE [n. 2], p. 184; SALIGER,
Absolutes im Strafproze?, ZStW[116], 2004, pp. 35 e ss., p. 47;
ROXIN, Staatliche Folter [n. 2], p. 464; IDEM, AT, t. I, 4ed.,
2006, 16/98; veja-se tambm CHRISTENSEN, Wahrheit, Recht und Folter
Einemethodische Betrachtung, em BLASCHKE y otros [Ed.], Sicherheit
oder Freiheit?, 2005,pp. 133 e ss., pp. 149 e s.; ou tambm o que
seria o ideal resolvendo primeiro oproblema apontado na nota 2, de
explicitar a maneira exata como a tortura viola adignidade humana,
para depois demonstrar que o caso do disparo mortal diverso
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 241
Em primeiro lugar, argumenta-se que aquele que deve ser
torturadono estranho situao, e sim precisamente o responsvel por
ela.Tanto a valorao jurdica do comportamento do terrorista
(antijurdica),como a da situao da vtima (conforme ao direito), esto
bem claras.15Uma proibio absoluta de torturar significaria que se
premia o sanguefrio e a astcia do terrorista.16 Entre o jurdico e o
antijurdico, no podeo Estado de Direito portar-se de modo neutro,
tendo ele o dever de intervirem favor da vtima.17 Em uma situao em
que, faa-se o que se faa, oresultado ser sempre a barbrie, deve o
direito colocar-se ao lado davtima e no do autor.18 A tortura afeta
um culpado, sua finalidade consisteem salvar um inocente.19 Se o
suspeito de fato o terrorista que estpondo em perigo a vida de
pessoas inocentes, imperativo de justia queseja ele quem arque com
os custos da eliminao desse perigo.20 Por
[interessante aqui JOERDEN, Jahrbuch fr Recht und Ethik (13),
2005, p. 517 n.90:nos casos de disparo de salvamento final, o
sequestrador no se encontraria sob aguarda do Estado; similar
KREUZER, Zur Not ein bisschen Folter?, em NITSCHKE (n. 7),p. 44;
diversamente GEBAUER Zur Grundlage des absoluten Folterverbots,
NVwZ,2004, pp. 1405 e ss., pp. 1408 e s.: nos casos de tortura, o
perigo de abuso maior]).O argumento adicional de BRUGGER, segundo o
qual o Estado no poderia reduzir asegurana de seus cidados a um
nvel mais baixo do que o do estado de natureza,no qual os cidados
seguramente torturariam e se salvariam (BRUGGER em BRUGGER /SCHLINK
[n. 5], p. 8; IDEM, Freiheit [n. 14], p. 66 e s.; IDEM, em NITSCHKE
[n. 7], p. 114;de acordo FAHL, Angewandte Rechtsphilosophie Darf
der Staat foltern?, JR, 2004,pp. 182 e ss., p. 189; em sentido
similar ERB, Nothilfe durch Folter, Jura, 2005, pp.24 e ss., p. 27;
IDEM, Notwehr als Menschenrecht, NStZ 2005, pp. 593 e ss., p.595),
esbarra no s na questo preliminar quanto a se o particular tem
mesmo umdireito de torturar (contra, por ex. KRETSCHMER, RuP, 2003,
p. 113; PERRON, Folternin Notwehr?, Festschrift U. WEBER, 2004, pp.
143 e ss., p. 152 e s.; SCHILD [n. 2], p.71), como e decisivamente
pressupe de modo inaceitvel que a garantia dasegurana o ltimo
fundamento de legitimidade do Estado. Tal hobbesianismo,que, em
razo de sua estrutura conseqencialista, no tem qualquer lugar para
limitesinsuperveis, deve ser recusado pelas razes que abaixo sero
explicitadas(principalmente nos itens 4 e 5).
15 BRUGGER, Der Staat (35), 1996, p. 81.16 BRUGGER, Der Staat
(35), 1996, p. 88.17 ISENSEE (n. 14), pp. 59 e s.18 BRUGGER, JZ,
2000, p. 173.19 HILGENDORF, JZ, 2004, p. 335. A rigor, no est claro
se estas afirmaes no so
mera aluso a argumentos alheios. Ainda assim, se se levam em
conta os resultadosa que chega o autor (p. 338 s.: imposibilidade
da tortura, mas apenas de lega lata),parece que, pelo menos ao
final, ele acaba por acolh-las.
20 GUR-ARYE, Can the War against Terror justify the Use of Force
in Interrogations?,em LEVINSON (n. 2), pp. 183 e ss., p. 193.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...242
fim, esta idia tambm expressada por aqueles que admitem
naspresentes hipteses uma legtima defesa em favor de
terceiro.21
A segunda considerao relevante no se refere a uma ao
prviadaquele que deve ser torturado, mas sim quilo que dessa ao
pode vira resultar: um dano de dimenses desastrosas. A mais grave
das torturasno nada em comparao com a ameaa que o terrorista faz
aoscidados, de sofrer uma morte atroz por meio da exploso de
umabomba.22 A proibio absoluta de torturar significa nada menos que
aimposio ao agredido de um dever de aceitar, sem resistncia,
adestruio antijurdica de sua existncia fsica23. Conseqncia disso
serianada menos que uma barbrie contra os interesses superiores
ejustificados de milhes de afetados e, portanto, um escndalo
tico24. difcil imaginar um menosprezo mais patente personalidade de
um serhumano do que faz-lo saltar pelos ares, contamin-lo com
radiotividade,envenen-lo com germes mortais, tudo com o mero fim de
semear oterror.25 Em relao vtima, h uma forma qualificada de leso
dignidade26, noutras palavras, uma perda de uma posio jurdica
emprincpio impondervel.27 Os princpios do Estado de Direito no
deveriam
21 ERB, em Mnchener Kommentar zum Strafgesetzbuch, 2003, 32/173
e s.; IDEM,Jura, 2005, pp. 24 e ss.; IDEM, NStZ, 2005, pp. 593 e
ss.; IDEM, em NITSCHKE (n. 7), pp.149 e ss., pp. 154 e s.; IDEM,
Folterverbot und Notwehrrecht, em LENZEN (n. 2), pp. 19e ss., pp.
23 e ss.; FAHL, JR, 2004, pp. 186 e s.; JEROUSCHEK/KLBEL, Folter
von Staatswegen?, JZ, 2003, pp. 619 e s.; MIEHE, Nochmals: Die
Debatte ber Ausnahmenvom Folterverbot, NJW, 2003, pp. 1219 e s., p.
1220; SCHAEFER, Freibrief, NJW,2003, p. 947; GUR-ARYE (n. 20), pp.
191 e s.; LACKNER/KHL, StGB 25 ed., 2004, 32/17a; KHL, AT, 5 ed.,
2005, 7/156a; JAEGER, Folterdebatte es gibt kein schwarzoder wei,
em GEHL (n. 2), pp. 29 e ss., p. 34; JEROUSCHEK, JuS, 2005, p. 300;
OTTO,Grundkurs Strafrecht, 7 ed., 2004, 8/59; IDEM, JZ, 2005, p.
481; BREUER, DasFoltern von Menschen, em BEESTERMLLER/BRUNKHORST,
(n. 2), pp. 11 e ss., p. 21; J.SCHULZ (n. 2), p. 87; WAGENLNDER,
Zur strafrechtlichen Beurteilung der Rettungsfolter,2006, p. 170.
Tambm BRUGGER, Der Staat (35), 1996, p. 83; IDEM, em
BRUGGER/SCHLINK (n. 5), p. 8; MOORE, Torture and the Balance of
Evils, em PLACING BLAME,Oxford, 1997, pp. 670 e ss., p. 715 e
ISENSEE (n. 14), p. 59, tocam neste aspecto.
22 BRUGGER, Der Staat (35), 1996, p. 79.23 ERB, Jura, 2005, p.
27.24 TRAPP, Individualrechte ernst aber nicht unangemessen ernst
genommen, em NIDA-
RMELIN/VOSSENKUHL (Ed.), Ethische und politische Freiheit, 1997,
pp. 448 e ss., p.463.
25 ERB, Jura, 2005, p. 27.26 GTZ, Das Urteil gegen Daschner im
Lichte der Werteordnung des Grundgesetzes,
NJW, 2005, pp. 953 e ss., p. 956.27 ERB, Notwehr als
Menschenrecht, NStZ, 2005, p. 597; IDEM, em NITSCHKE (n. 7), p.
154; IDEM, em LENZEN (n. 21), p. 29.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 243
converter-se em um pacto suicida.28 Nmeros importam, mesmo
emdecises de princpios.29 A justificao da tortura por meio das
figurasdogmticas do estado de necessidade30 ou da coliso de
deveres31 maisuma manifestao desta idia.
No se pode negar aos dois grupos de idias que acabamos deexpor
alguma fora intuitiva. Ser correto dar-se por convencido e, combase
nessas duas consideraes, admitir a legitimidade da
torturaunicamente para os casos de bomba relgio?
3 EXCEES E REGRAS, EXCEES COMO REGRASA resposta negativa. E a
razo disso algo simples, mas pouco
visto: em uma argumentao moral ou jurdica, inexistem aspectos
ques valem excepcionalmente. Todo aspecto relevante, isto , todo
aspectoao qual se atribui relevncia moral diante de algum problema
conservaessa relevncia frente a qualquer outro problema
equivalente. Dito comoutras palavras: no mundo da argumentao moral
e jurdica, no existemexcees, entendidas estas como aspectos que
somente tm relevnciasetorial ou ad hoc. Toda exceo expressa uma
regra que lhe serve debase, uma regra que regula, justamente, o que
se deve fazer no caso daexceo. Infelizmente, esta regra nem sempre
formulada de maneiraexplcita, mas ela sempre poder ser extrada dos
argumentos com que
28 Essa expresso, que tem a sua origem no voto do juiz JACKSON
em 337 U. S. 1, 37(1949) retomada por DERSHOWITZ, Terrorism (n.
12), p. 191 e tambm, recentemente,por BRUGGER em NITSCHKE (n. 7),
p. 117. De maneira similar FAHL, JR, 2004, p. 190 n.105.
29 DERSHOWITZ, Terrorism (n. 12), p. 189.30 Neste sentido
principalmente o parecer da Comisso Landau, IsLR (23), 1989,
pp.
167 ss., pp. 184 e s., 186; e tambm ZAMIR, Human Rights and
National Security,IsLR (23), 1989, pp. 375 e ss., p. 395 n. 43;
MOORE (n. 21), pp. 724 e s.; MIEHE, NJW,2003, p. 1220; SCHAEFER,
NJW, 2003, p. 947; PARRY (n. 2), pp. 158 e s.; JAEGER (n.21), pp.
34 e s.; ao que parece tambm ZELLER, Not actual necessity but
possiblejustification; not moderate pressure, but either unlimited
or none at all, IsLR(23), 1989, pp. 201 e ss., p. 207, apesar de
certas contradies (p. 211 e s.). J oTribunal Supremo de Israel, se
bem que falou em estado de necesidade -necessitydefense-, o fez
mais no sentido de uma exculpao que de justificao (neste
sentidotambm a leitura de GUR-ARYE [n. 20], pp. 188 e s.; j MOLINA
FERNNDEZ, [n. 11], pp.273 e s. fala, a meu ver erroneamente, em
justificao).
31 WITTRECK, Menschenwrde und Folterverbot, DV, 2003, pp. .873 e
ss., p. 877;IDEM, Menschenwrde als Foltererlaubnis?, em GEHL (n.
2), pp. 37 e ss., p. 45; IDEM,Achtungs- gegen Schutzpflicht? Zur
Diskussion und Menschenwrde undFolterverbot, em BLASCHKE entre
outros (n. 14), pp. 161 e ss., p. 171.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...244
se sustenta a exceo, e isso por consideraes que aqui no
precisamser discutidas em profundidade.32
Quais as regras que se encontram implcitas nas justificaes
daexceo proibio da tortura acima mencionadas? Se, apesar de a
torturaviolar a dignidade humana, permitido torturar porque, nos
casos debomba relgio, o candidato tortura provocou de maneira
responsvel asituao, acabou-se por propor implicitamente uma regra
de seguinte teor:a dignidade algo que se pode perder em razo de um
comportamentoprvio (regra da decadncia). Quem se comporta mal
perde, por causade seu mau comportamento, a pretenso de no ser
torturado e de que asua dignidade seja respeitada. Segundo esse
entendimento, a dignidadehumana seria algo disponvel, que se pode
perder dependendo dasdecises que anteriormente se tomem. O ser
humano no seria portadorde dignidade per se, pelo mero fato de ser
um ser humano. A dignidadeseria uma qualidade externa, que se
agrega aos seres humanos que amerecem, e que, por isso, tambm pode
ser deles retirada ou sujeita auma condio resolutiva cuja verificao
transformaria o afetado numindivduo de segunda categoria.33 Uma vez
aceita a regra da decadncia,abre-se um flanco que permite legitimar
a pena de morte,34 a castrao
32 Para tentativas de fundamentar essa pretenso de
universalidade dos argumentosmorais cf. por exemplo HARE, The
Language of Morals, Oxford, 1952, pp. 137 e ss.,pp. 158 e s.; IDEM,
Ethical Theory and Utilitarianism, em SEN/WILLIAMS
(Eds.),Utilitarianism and Beyond, Cambridge, 1982, pp. 23 e ss., p.
25, que a reconduz aoprprio significado de expresses morais como
bem e dever; HABERMAS,Diskursethik Notizen zu einem
Begrndungsprogramm, em Moralbewutsein undkommunikatives Handeln, 7
ed., 1997, pp. 53 e ss., p. 97, para o qual esta pretenso um
pressuposto pragmtico trascendental da argumentao moral; e ALEXY,
Theorieder juristischen Argumentation, 1983, pp. 234 e s., p. 237,
para quem ela se trata deuma regra fundamental do discurso prtico
geral. Veja-se extensamente a respeitoWIMMER, Universalisierung em
der Ethik, 1980. Na metatica mais recente, o chamadoparticularismo,
que nega a pretenso de universalidade de razes morais, vemganhando
cada vez mais seguidores, por exemplo, NORRIS LANCE/LITTLE,
DefendingMoral Particularism, em J. DREIER (Ed.), Contemporary
Debates in Moral Theory,Malden, 2006, pp. 305 e ss., p. 307, com
mais referncias. Uma discusso dessapostura superaria, contudo, o
marco aqui traado.
33 Bastante claro MOORE (n. 21), p. 719: se o bote salva-vidas
est afundando e algumtem de deix-lo para que os outros se salvem,
os assassinos conhecidos entre ospassageiros seriam bons candidatos
a serem os primeiros que deveriam ser lanadosao mar.
34 Corretamente observado por HECKER, KritJ (36), 2003, p. 217.
Na verdade, a morteper se no ainda um atentado dignidade. O que faz
da pena de morte algoabsolutamente inaceitvel no , a rigor, a
morte, mas sim as circunstncias em queessa morte ocorre, a saber,
uma situao em que algum se encontra sob a guardado Estado, entregue
merc deste sem possibilidade de defender-se.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 245
obrigatria de delinquentes sexuais35 ou, inclusive, os
assassinatos seletivosde terroristas conhecidos.36 Da mesma
maneira, o reconhecimento da regrada decadncia torna mais fcil que
se justifique o desrespeito aos direitosfundamentais no trato com a
criminalidade organizada.37
Se essa primeira regra tem carter deontolgico, vez que
determinao correto com independentemente de qualquer clculo de
conseqncias,por meio de aplicao de consideraes gerais (quais sejam,
ocomportamento prvio do beneficirio da proibio), a segunda
regra,que subjaz ao segundo grupo de argumentos acima mencionados,
conseqencialista, isto , referida a conseqncias.38 O segundo
aspectofavorvel tortura nos casos de bombas relgio o que se reporta
dimenso do dano esperado. Pois bem, se isso relevante para
permitirque se viole a dignidade humana, ento se est aceitando
implicitamentea seguinte regra: a dignidade algo que apenas se tem
de respeitar namedida em que os custos desse respeito no
ultrapassem um determinadolimite (regra dos custos). Se os demais
tiverem um interessesuficientemente intenso em que se viole a
dignidade de um sujeito, essaviolao estaria permitida. Nao se
reconheceria, assim, qualquer ncleoda personalidade absolutamente
protegido contra intervenes deterceiros. O ser humano poderia, em
sua totalidade, ser instrumentalizadopara fins alheios, se os
demais considerarem estes fins suficientementevaliosos. Uma vez
admitida a regra dos custos, no h mais razes paraque somente se
torture o terrorista e no tambm, por exemplo, seusfilhos, 39 se
esta for a nica maneira de faz-lo falar.
Observe-se que, at agora, no demonstramos que as duas regrasque
acabamos de tornar explcitas sejam incorretas. O que fizemos
foi
35 Realado por LDERSSEN, Die Folter bleibt Tabu, em Festschrift
fr RUDOLPHI, 2004,pp. 691 e ss., p. 702; de modo similar MOLINA
FERNNDEZ (n. 11), p. 281.
36 Extremo que justificado de modo coerente por DERSHOWITZ,
Terrorism (n. 12), p. 183.37 Veja-se por exemplo TRAPP (n. 24), pp.
470 e s., que, partindo de uma variante do
utilitarismo por ele formulada, qualifica estes direitos de
liberal-fundamentalistas.38 Sobre a distino entre conseqencialismo
e deontologicismo cfr. BIRNBACHER,
Analytische Einfhrung in die Ethik, 2003, p. 113 e ss.; NEUMANN,
Moralphilosophieund Strafrechtsdogmatik, ARSP (44), 1991, pp. 248 e
ss., pp. 250 e s.); IDEM, DieMoral des Rechts, Jahrbuch fr Recht
und Ethik (2), 1994, pp. 81 e ss., pp. 82 e s.Segundo LBBE,
Konsequenzialismus und Folter, em LENZEN (n. 2), pp. 67 e ss.,
p.70, o argumento central dos defensores da tortura teria carter
deontolgico. Isto s parcialmente correto, como adiante se ver.
39 Assim tambm KREMNITZER, The Landau Commission Report, IsLR
(23), 1989, pp.216 e ss., p. 234; MARX (n. 2), pp. 119 e s.; MOLINA
FERNNDEZ (n. 11), p. 280; veja-seo caso do terrorista, Mohammed, de
alto escalo dentro da Al-Qaeda, que foi presopelos EUA (para ms
detalles, DERSHOWITZ, Terrorism [n. 12], p. 270).
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...246
apenas desenvolver um modesto argumento de coerncia: no
possvelcompatibilizar o reconhecimento dessas regras com outras
regrasconstitutivas e fundamentais para a nossa compreenso
tradicional doDireito. A nossa tradio se baseia contrariamente
regra da decadncia na idia de que existe algo como uma dignidade
inalienvel e direitoshumanos inalienveis, dignidade e direitos que
no podem ser negadosnem ao pior dos criminosos, 40 e que o indivduo
contrariamente regrados custos no est nem disposio da utilidade do
Estado, nem dados demais cidados. 41 Enquanto sustentarmos estes
princpios, teremosde manter firme o repdio tortura, tambm e
precisamente em situaesexcepcionais.42
Poucos dentre os defensores da soluo flexibilizadora tero
acoragem de romper de modo expresso com os princpios que se acabade
mencionar. No por acaso que as duas regras que
explicitamospraticamente nunca tenham sido defendidas de maneira
aberta e que otopos do direito penal do inimigo em sua verso
legitimadora-afirmativa,que pode ser entendido como uma tentativa
de articular ambas as regras,tenha provocado fundada indignao.43
Como j foi acima dito, em geral
40 Veja-se, por exemplo, DRIG, Der Grundrechtssatz von der
Menschenwrde, AR(81), 1956, pp. 117 e ss., p. 126; BADURA,
Generalprvention und Wrde desMenschen, JZ, 1964, pp. 337 e ss., p.
341; HBERLE, Die Menschenwrde alsGrundlage der staatlichen
Gemeinschaft, em ISENSEE/KIRCHHOF (Ed.), Handbuch desStaatsrechts,
t. I, 1987, 20/44; BVerfGE 87, 228.
41 Por todos DRIG, AR (81), 1956, pp. 127 e ss. (chamada
Objektformel); BVerfGE 87,228.
42 Muito similar R. MARX (n. 2), p. 121.43 A respeito do direito
penal do inimigo veja-se JAKOBS, Brgerstrafrecht und
Feindstrafrecht,
HRRS, 2004, pp. 88 e ss.; IDEM, Terroristen als Personen im
Recht?, ZStW (117), 2005,pp. 839 e ss.; criticamente GRECO, ber das
sogenannte Feindstrafrecht, GA, 2006, pp.96 e ss., pp. 104 e s. (=
Sobre o chamado direito penal do inimigo, RBCC 56 [2005], p.80 e
ss.); ROXIN, AT, t. I, 2/127 e s.; SALIGER, Feindstrafrecht:
Kritisches oder totalitresStrafrechtskonzept?, JZ, 2006, pp. 756 e
ss.; SCHNEMANN, Feindstrafrecht ist keinStrafrecht, Festschrift fr
NEHM, 2006, pp. 219 e ss. Traando, com razo, conexesentre o topos
do direito penal do inimigo e a tentativa de legitimar a tortura
GAEDE (n. 2),pp. 175 e s.; JAHN, Das Strafrecht des
Staatsnotstandes, 2004, p. 234; FRANKENBERG,Kritik des
Bekmpfungsrechts, KritJ (38), 2005, pp. 370 e ss., pp. 383 e s.;
BIELEFELDT (n.13), pp. 103 e s.; BEESTERMLLER, Folter
Daumenschrauben an der Wrde desMenschen, em BEESTERMLLER/BRUNKHORST
(n. 2), pp. 115 e ss., p. 115; BRUNKHORST,Folter, Wrde und
repressiver Liberalismus, em BEESTERMLLER/BRUNKHORST (n. 2) pp.88 e
ss., pp. 92 e s. O prprio JAKOBS, ZStW (117), 2005, p. 849 numa
recente declarao,que no mnimo ambgua e seguramente acrtica, diz que
o Estado ao interrogar terroristastem de ultrapassar os limites do
136a da Strafprozessordnung (que probe, entre outrascoisas, o uso
de coao no interrogatrio).
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 247
se prefere tentar vender a iluso de que se est apenas prevendo
umaexceo para um caso excepcional.44
Ainda assim, seria possvel que o defensor da opinio
criticadadefendesse as duas regras de modo aberto. Neste caso, no
seria maissuficiente o argumento da coerncia at agora desenvolvido,
tornando-se necessrio estabelecer que as duas regras so tambm em si
errneas.
4 CRTICA REGRA DA DECADNCIA
A dignidade algo que se pode perder por comportamentoinadequado:
assim reza a primeira regra. J dissemos que isso no secompatibiliza
com a nossa concepo de dignidade. A tarefa a que agoranos voltamos
a de demonstrar que a nossa concepo de dignidadetem de ser mantida,
que no defensvel modificar nosso conceito. Arigor, teramos de
descer aos fundamentos da filosofia poltica paraesclarecer as razes
ltimas que aliceram a proibio de violar a dignidademediante a
tortura. No presente marco, ser possvel apenas um esboo.
O Estado detm o monoplio do exerccio da violncia emdeterminado
territrio. Em outras palavras, ele a instncia superior depoder em
determinado territrio. Nisso ele no se diferencia, porm, dobando de
ladres agostiniano, pois este tambm a instncia maispoderosa em
determinado espao. Ainda assim, o Estado declara-sediferente do
bando de ladres, porque afirma exercer no apenas poder,e sim poder
legtimo. O Estado se v, assim, diante da necessidade defundamentar
juridica e moralmente essa pretenso. Dito de outro modo:o Estado
tem de apresentar um ttulo que explique por que o poder estatalpode
pretender ser jurdica e moralmente legtimo.
Tempos atrs, os Estados faziam valer como ttulo, por exemplo,uma
ordem divina ou uma tradio familiar. Em certos casos, quefelizmente
permaneceram excepcionais, este ttulo foi mesmo a chamada
44 Vejam-se referncias supra nota de rodap 13. Alm da estratgia
de manter silnciosobre as duas regras, muito comum a estratgia de
neg-las sem qualquerjustificao, como, por exemplo, OTTO, JZ, 2005,
p. 481: mas ele (o torturado)tampouco fica privado de seus direitos
em razo de seu comportamento. Vide tambmo parecer da Comisso
Landau, IsLR (23), 1989, p. 184, que se por um lado diz
queorganizaes que tm como seu objetivo o terrorismo no tem o
direito moral deexigir do Estado que mantenha diante delas o
respeito s tradicionais liberdadescivis, reitera, contudo, na
prxima frase o compromisso de respeito aos direitoshumanos. Entre
os poucos que mencionam claramente a regra da decadncia estoBREUER
(n. 21), p. 22, e JAKOBS, ZStW (117), 2005, p. 843 n. 8.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...248
a que se fundasse uma sociedade racialmente homognea ou
sempropriedade privada. O estado atual, sob cujo poder ns vivemos,
exibeum outro ttulo: ele diz exercer seu poder em nosso nome. Por
conseguinte,ele fundamenta seus direitos e tenta obrigar juridica e
moralmente osdestinatrios do exerccio de seu poder no mais apelando
a Deus ou tradio, mas sim a estes prprios destinatrios.
Para que a legitimidade do Estado se converta em algo mais do
queuma simples afirmao, ele deve levar realmente a srio aqueles em
cujonome pretende falar. Isto no significa apenas que o Estado deve
ter certaconsiderao por aquilo que os cidados querem, mas, ainda
maisfundamentalmente, que o Estado tem de levar a srio o fato de
que oscidados so capazes de querer, de que so seres capazes de
vontade. Ottulo de legitimidade estatal pressupe que existam seres
humanos quetenham uma vontade, de modo que o Estado que se valha
deste ttulo sev vinculado a respeitar esse primeiro dado bsico. Uma
representaoque desconhece por completo o representado, porque este
sequer tidocomo portador de uma vontade, no uma verdadeira
representao. Emtal caso, no se cria qualquer dever moral ou jurdico
de respeitar as medidasprovenientes dessa instncia de poder,
porque, da perspectiva dos afetados,no h nada que as diferencie das
aes do bando de ladres.
Esclarecendo: o Estado no promete atuar segundo todo e
qualquercontedo da vontade de seus cidados. Isto seria mais prprio
de uma relaoentre a av e seu neto mimado que da relacao entre o
Estado e o cidado.O Estado promete, portanto, respeitar no o
contedo da vontade, mas oprprio fato de que os cidados tm uma
vontade. Isso mais fundamentale constitui a chave tanto para
explicar por que a tortura est proibida, comopor que nenhum
comportamento incorreto pode derrogar essa proibio.
Dessas modestas reflexes se pode deduzir, primeiramente,
ainadmissibilidade da tortura: a tortura nega o fato de que o ser
humanotenha uma vontade, o que pressuposto de qualquer exerccio de
poderlegtimo.45 No se trata, portanto, de que algum sofra algo que
no quer,
45 De modo similar ENDERS (n. 14), p. 142; MARX (n. 2), pp. 118
e s.; mais aprofundadamenteBRUNKHORST (n. 43), pp. 92, 99 e
REEMTSMA (n. 8), p. 125, que vem na destruio davontade do cidado um
cancelamento das condies do exerccio legtimo de poder.Isso no
enxergado por ERB, em NITSCHKE (n. 7), p. 162; IDEM, em LENZEN (n.
21), p.32, que v na tortura nada mais do que um delito de
constrangimento ilegal executadomediante vis compulsiva. Prximo
posio aqui desenvolvida, mas ainda insuficienteSPIRAKOS, Folter als
Problem des Strafrechts, 1990, p. 196 que considera a participaono
Estado o bem lesionado pela tortura, o que deveria faz-lo chegar
concluso (porele negada, p. 229 e ss.) de que se poderia torturar
se houvesse perigo de que oEstado deixasse de existir, no mais se
podendo participar nele.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 249
mas sim de que algum seja submetido a um tratamento que se
mostracompletamente indiferente em relao ao fato de que o afetado
tenhauma vontade. A tortura elimina a vontade, e o faz de maneira
to completaque o torturado no mais pode constar entre aqueles em
cujo nome oEstado pretende atuar. A tortura est proibida porque um
ato de excluso,porque ela exclui o indivduo do crculo de cidados em
cujo nome o Estadopode pretender atuar.
Ainda assim, seria cabvel a pergunta quanto a se o cidado nopode
auto-excluir-se,46 se no possvel levar em conta a sua vontade dej
no ser representado pelo Estado, vendo no comportamento
antijurdicoprvio uma razo para torturar. A resposta negativa. Como
se afirmou,o mal da tortura no que ela seja incompatvel com o
contedo do quese quer, mas sim que ela declara irrelevante o prprio
fato de que sepossa em absoluto querer. Por meio da tortura, o
Estado declara a vontadede um cidado algo inexistente. Portanto,
parece contraditrio recorrerao contedo da vontade da mesma vontade
que, independentementede seu contedo, declarada, j como tal,
irrelevante pelo ato de torturar e extrair dele a decadncia da
pretenso de no ser torturado.
Alm disso, como objeo adicional regra da decadncia,
poderiaacrescentar-se (que uma das circunstncias que tornam ainda
menosprovvel a ocorrncia do caso da bomba relgio que se tenha
descobertoo terrorista que instalou a bomba. A regra da decadncia
imprecisa noque se refere determinao de quem deve ser considerado
responsvele, portanto, perder a pretenso de respeito dignidade. Se
partirmos dasregras jurdico-penais de imputao de responsabilidade,
no apenasquem colocou a bomba poder ver decair sua pretenso de no
sertorturado. O mesmo talvez se passe com todo partcipe a ttulo
deinstigao ou cumplicidade e mesmo com qualquer pessoa que
tenhaconhecimento de onde se encontra a bomba. Pois o no-garante
portadorde tal conhecimento por ex., o aliado que no participa, o
advogado, ouinclusive a namorada ou a me do terrorista ainda que no
intervenhana exploso nem como autor, nem como partcipe, em certo
sentido umresponsvel, a saber, a ttulo de omisso de socorro. Por
isso, defensores
46 JAKOBS, ZStW (117), 2005, p. 849, em suas ltimas declaraes
sobre o direito penaldo inimigo enfoca este aspecto: a excluso do
terrorista seria uma autoexcluso. Deacordo POLAINO-ORTS, Derecho
Penal del Enemigo, Lima, 2006, pp. 97, 99 e s., 102,106: O inimigo
o porque quer s-lo.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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As regras por trs da exceo...250
conseqentes da regra da decadncia defendem a admissibilidade
datortura de tais terceiros no-garantes que tenham apenas
conhecimentoda situao.47 Isso acaba por tornar questionvel se a
admissibilidade datortura de fato dependeria de um comportamento
prvio. Afinal, estariapermitido torturar praticamente todo sujeito
que, sem ter intervindo nacolocao da bomba, obtenha qualquer
conhecimento que possa ser deutilidade para evitar as ms
conseqncias que se temem.48 J quequalquer um, e no apenas quem
colocou a bomba, pode serresponsvel, ento qualquer um, e no apenas
quem colocou a bomba,pode ver decair a sua dignidade. Com isso, o
argumento da perda dadignidade quase reduzido ad absurdum, vez que
ele comeadeontologicamente, calcando-se na idia de
responsabilidade, para aofinal no se diferenciar-se em praticamente
nada de uma posturaconseqencialista, que se apia exclusivamente em
custos. De umaperspectiva conseqencialista, tampouco se torturaria
uma pessoa queno soubesse como evitar o dano, pois uma medida como
esta de nadaserviria para evitar a catstrofe.
O argumento decisivo contra a regra da decadncia , portanto,
oseguinte: a negao fundamental da vontade no pode ser justificada
pormeio de qualquer recurso vontade. A regra da decadncia acaba nos
sendo falsa, como tambm quase hipcrita, porque ela finge observara
vontade do torturado para submeter esta mesma vontade mais
profundanegao. Como argumento adicional no deve passar inadvertido
que aregra da decadncia quase impassvel de limitaes, vez que
oresponsvel pela bomba no somente o terrorista que a coloca, masem
ltima anlise qualquer um que tenha dela conhecimento (por causada
omisso de socorro).
47 Assim, principalmente MOORE (n. 21), p. 717; em sentido
contrrio GUR-AYRE (n. 20),p. 193. DERSHOWITZ, Terrorism (n. 12),
pp. 174 e s. tambm prope que se abandonea distino que faz o direito
internacional entre combatentes e no-combatentes, demodo que
qualquer um que se beneficie do terrorismo tenha de suportar os
custosda luta contra ele (contrariamente, com razo, o j bastante
concessivo IGNATIEFF ,The Lesser Evil. Political Ethics in an Age
of Terror, Edinburgh, 2005, p. 94).
48 O nico grupo de casos em que surge uma diferena aquele em que
as pessoasque tm o conhecimento so irresponsveis por ex., a filha
de 12 anos do terroristasabe de tudo. Se levarmos em conta que a
irresponsabilidade destas pessoas derivacomumente de insuficincias
intelectuais, a importncia prtica dessa diferena acabasendo
insignificante.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 251
5 CRTICA REGRA DOS CUSTOS
Uma crtica mais profunda regra dos custos j foi fornecida
noponto 4. Esta regra submete o respeito da dignidade humana a
umareserva de custos, o que incompatvel com a idia de que o
Estadopretenda exercer seu poder em nome de todos os destinatrios.
Submetera dignidade humana a uma reserva de custos , na verdade,
renunciar dignidade, vez que dignidade significa, primariamente, um
valor intrnsecocompletamente independente dos interesses dos
demais. Em outraspalavras, o respeito dignidade humana uma
considerao deontolgica(em sentido kantiano), cuja obrigatoriedade
de todo independente dasboas e ms conseqncias que o atendimento
desta exigncia pode ter.49O prprio estabelecimento da segunda regra
j contradiz estas
49 Explicado claramente por NEUMANN, Die Tyrannei der Wrde, ARSP
(84), 1998, pp.153 e ss., p. 154, e HRUSCHKA, Die Wrde des Menschen
bei Kant, ARSP (88), 2002,pp. 463 e ss., (pp. 478 e s.: a
incompatibilidade entre dignidade e conseqencialismo),e com relao
direta ao problema da tortura GAEDE (n. 2), pp. 173 e s.: Para
outilitarismo no possvel pensar em algo absoluto no sentido de um
direito absolutoe JAHN, KritV, 2004, p. 47. Nesta linha tambm
HASSEMER, Unverfgbares imStrafproze, em Festschrift fr MAIHOFER,
1988, pp. 183 e ss., pp. 200 e s. Por isso,so coerentes TRAPP (n.
24), p. 459; IDEM, Wirklich Folter oder nicht
vielmehrselbstverschuldete Rettungsbefragung?, em LENZEN (n. 2),
pp. 95 e ss., pp. 97, 113e ss. e JOERDEN, Jahrbuch fr Recht und
Ethik (13), 2005, p. 515, que, partindo deperspectivas
utilitaristas, no admitem regras ou direitos sem exceo, e
BRUGGER,JZ, 2000, p. 172; IDEM, Das anthropologische Kreuz der
Entscheidung in Politik undRecht, 2005, pp. 166 e s., que em suas
publicaes mais tardias professaexpressamente o conseqencialismo.
Veja-se j a defesa da tortura realizada porBENTHAM, Of Torture; Of
Compulsion and herein of Torture, em TWINING/TWINING,Northern
Ireland Legal Quarterly 24 (1973), p. 305 ss., pp. 312 e s., 330 e
s.Os autores que falam de um conflito dignidade contra dignidade
(as BRUGGER, DerStaat [35], 1996, pp. 79 e s.; IDEM, Menschenwrde,
Menschenrechte, Grundrechte,1997, pp. 23 e s.; IDEM, JZ, 2000, p.
169; IDEM, em BRUGGER /SCHLINK [n. 5], p. 4; IDEM,Freiheit [n. 14],
pp. 61, 63 e s.; IDEM, em NITSCHKE [n. 7], p. 112; ISENSEE [n. 14],
p. 59;WITTRECK, DV 2003, pp. 878 e s.; IDEM, em GEHL [n. 2], pp. 50
y ss; IDEM, em BLASCHKE[n. 14], pp. 177 e s. [com uma rplica pouco
convincente pp. 179 e s.], que fala emleso dignidade s em casos
especficos, e no j quando houver perigo de vida;GTZ, NJW, 2005, p.
955; WAGENLNDER [n. 21], p. 167; ao que parece tambmBIRNBACHER,
Ethisch ja, rechtlich nein ein fauler Kompromiss?, em LENZEN [n.
2],pp. 135 e ss., pp. 142, 145 e 147; soluo diferenciadora em
STEINHOFF, WarumFolter manchmal moralisch erlaubt, ihre
Institutionalisierung durch Folterbefehle abermoralisch unzulssig
ist, em LENZEN [n. 2], pp. 173 e ss., p. 185, que se vale
doargumento apenas para fundamentar a moralidade, e no a
juridicidade da tortura;indo alm LENZEN, Folter, Menschenwrde und
das Recht auf Leben, em LENZEN[n. 2], pp. 200 e ss., pp. 210 e ss.,
para o qual a vida da vtima j vale mais do que adignidade do
autor]) desconhecem que a dignidade no um bem que se deve demodo
conseqencialista maximizar, e sim uma limitao deontolgica
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
As regras por trs da exceo...252
consideraes, pois a segunda regra reinterpreta a dignidade de
modoconseqencialista, ou seja, tornando-se dependente das
conseqncias.
Ainda que possamos, teoricamente, darmo-nos por satisfeitos
comesse esclarecimento, suponhamos, ad argumentandum, que as
coisassejam como afirmam os partidrios da exceo proibio de
torturar, demaneira que se possa deixar de respeitar a dignidade
humana para evitardanos de dimenses catastrficas. Decorreria da a
admissibilidade datortura em casos como o que aqui se discute?
Contrariamente ao que supem os defensores da exceo proibio de
torturar, uma resposta afirmativa parece no mnimo duvidosa. verdade
que estas dvidas no se referem quilo que ocorreria se nose evitasse
a exploso da bomba. No se pretende negar que esse danoteria, de
fato, dimenses catastrficas. O que parece questionvel aavaliao dos
defensores da tortura, segundo a qual esse dano seriamaior do que o
que se produziria se a tortura fosse permitida. Estaafirmativa, que
se vende como emprica, a rigor amplamente ideolgica.A repetida
advertncia de que permitir a tortura gera perigos de rupturado
dique ou um declive escorregadio (slippery slope) , no mnimo,
maximizao de qualquer bem. Se o deontologicismo for capaz de
fundamentardeveres de ao, e no apenas de omisso (neste sentido por
ex. HFFE, KategorischeRechtsprinzipien, 1990, p. 189), fica claro
que os ltimos permanecem prioritriosem caso de conflito (no mesmo
sentido, referindo-se ao caso da tortura MERTEN, JR,2003, p. 407;
WELSCH, BayVBl, 2003, p. 484; NEUHAUS, GA, 2004, p. 533;
SALIGER,ZStW [116], 2004, p. 47; SCHILD [n. 2], p. 72; WOLBERT,
Ausnahmsloses Verbot derFolter?, em GEHL [n. 2], pp. 93 e s.;
ademais MARX [n. 2], pp. 120 e s., e ROXIN,Staatliche Folter [n.
2], p. 466; IDEM, Rettungsfolter [n. 2], p. 164; IDEM, AT, t. I, 4
ed., 16/99: os deveres de proteo persistem unicamente dentro dos
limites do possvelem um Estado de Direito). Recorde-se, ademais, a
importante advertncia jurdico-positiva de HONG (n. 7), p. 26, y
CHRISTENSEN (n. 14), p. 138, segundo a qual deveresde proteo por si
ss tampouco bastam para legitimar uma interveno na liberdadedos
cidados, sendo necessrio, muito mais, lei que o faa expressamente.
Cfr. nomesmo sentido, mas sem relao com o debate sobre a tortura,
WAHL/MASING, Schutzdurch Eingriff, JZ, 1990, pp. 553 e ss., pp. 557
e s.A estrutura deontolgica do topos da dignidade humana
desconhecida tambmpor aqueles que querem determinar o contedo da
dignidade do ser humano medianteuma ponderao (por exemplo
SCHLEHOFER, Die Menschenwrdegarantie desGrundgesetzes absolute oder
relative Begrenzung staatlicher Strafgewalt?, GA,1999, pp. 357 e
ss., pp. 362 e s.; NEUHAUS, GA, 2004, pp. 529 e s.;
JEROUSCHEK/KLBEL,JZ, 2003, p. 618; HERZBERG, JZ, 2005, pp. 323 e
s., especialmente p. 324), ou queconcebem a proibio deontolgica
referida dignidade como resultado de umaponderao de segunda ordem
(assim SALIGER, ZStW [116], 2004, p. 65), ou queentendem a
dignidade como um ideal que deve ser alcanado (WETZ, Die Wrdedes
Menschen Ein Phantom?, ARSP [87], 2001, pp. 311 e ss., p. 323).
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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Lus Greco 253
plausvel.50 A admisso da tortura, ainda que para uma
situaoexcepcional, significa que se reabilita uma estratgia de
soluo deproblemas que deveria permanecer exilada do mbito daquilo
que sequerse pode levar em considerao.
E , primeira vista, surpreendente que esses perigos
passemdesapercebidos por quase51 todos os defensores da
flexibilizao daproibio absoluta de torturar,52 ou que estes autores
no mximo sepreocupem em constest-los com argumentos no mnimo
ingnuos.53 Essa
50 KREMNITZER, IsLR (23), 1989, pp. 260 e s.; RAESS (n. 5), pp.
112 e s.; MORGAN, TheUtilitarian Justification of Torture,
Punishment and Society (2), 2000, pp. 181 e ss.,pp. 191 e ss.;
EHRLICH/JOHANNSEN (n. 4), pp. 358 e s.; ZIZEK (n. 1), p. 104;
HAURAND/VAHLE, Rechtliche Aspekte der Gefahrenabwehr in
Entfhrungsfllen, NVwZ, 2003,pp. 514 e s., p. 521; KRETSCHMER, RuP,
2003, p. 114; WELSCH, BayVBl, 2003, p. 485;GEBAUER, NVwZ, 2004, pp.
1408 e s.; ZIEGLER, KritV, 2004, p. 62; GROSS (n. 9), pp. 234e s.;
ELLBOGEN, Jura, 2005, p. 342; GUSY, Christian Thomasius: ber die
Folter, 1705,NJW, 2005, pp. 239 e ss., p. 240; KREUZER (n. 14), p.
44; MARX (n. 2), pp. 113 e s.;ROXIN, Staatliche Folter (n. 2), pp.
467 e s.; IDEM, Rettungsfolter? (n. 2), pp. 171 e s.;K. GNTHER,
Darf der Staat foltern, um Menschenleben zu retten?, em
BEESTERMLLER/BRUNKHORST (n. 2), pp. 101 e ss., pp. 106 e s.;
HASSEMER, Sicherheit durch Strafrecht,StV, 2006, pp. 321 e ss., p.
330; MOLINA FERNNDEZ (n. 11), pp. 280 e s.; VON DERPFORDTEN, Ist
staatliche Folter als fernwirkende Nothilfe ethisch erlaubt?, em
LENZEN(n. 2), pp. 149 ss., p. 168; POSCHER, Menschenwrde (n. 9),
pp. 50 e ss., p. 53; STEINHOFF(n. 49), pp. 194 e ss.; tambm JAHN
(n. 43), p. 255 e WOLBERT (n. 49), pp. 90 e s.; queestes perigos
fornecem, no mximo, um argumento adicional, relevado
corretamentepor GAEDE (n. 2), 190 e BIELEFELDT (n. 9), pp. 112 e
s.
51 As raras excees so JEROUSCHEK/KLBEL, JZ, 2003, pp. 618 e s.
(diferente, contudo,JEROUSCHEK, JuS, 2005, pp. 301-302), e JOERDEN,
Jahrbuch fr Recht und Ethik (13),2005, p. 519, que por isso
fundamentam a flexibilizao da proibio absoluta demodo mais
cauteloso.
52 Parecer da Comisso Landau, IsLR (23), 1989, pp. 173 e s.;
BRUGGER, Der Staat (35),1996, p. 97, chega a discutir as
conseqncias mais distantes da relativizao daproibio de torturar,
sem dar resposta ao problema; e especialmente IDEM, emNITSCHKE (n.
7), pp. 114 e s. (apesar do ttulo do apartado se chamar ruptura do
diquepara dentro e para fora?); IDEM, Kreuz (n. 49), 167;
DERSHOWITZ, Terrorism (n. 12), pp.144 e s.; BREUER (n. 21), p.
91.
53 Cfr. principalmente ERB, NStZ, 2005, p. 601; IDEM, em
NITSCHKE (n. 7), pp. 166 e s.;IDEM em LENZEN (n. 21), pp. 35 e s.,
tambin POSNER (n. 10), pp. 294 e s.; FAHL, JR,2004, 189; WAGENLNDER
(n. 21), pp. 167 e s. Chega a ser escandaloso o comentriode POSNER
cit., para quem os efeitos corruptores da tortura no se produziriam
se elas for praticada no estrangeiro. Deve entender-se como
provocao jocosa a inversodo argumento da ruptura do dique proposta
por BRUGGER, segundo a qual a proibioabsoluta de torturar teria
efeitos negativos incontrolveis (BRUGGER, Freiheit [n. 14],p. 70;
IDEM em NITSCHKE [n. 7], p. 116), enquanto a afirmao de WITTRECK de
que porrazes de princpio no interesam as conseqncias quando se
trata de salvar adignidade da vtima (em BLASCHKE e outros [n. 14],
p. 186), representa uma contradiocom as prprias - e talvez
inconscientes premissas conseqencialistas.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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As regras por trs da exceo...254
surpresa desaparece, entretanto, se refletirmos a respeito da
cargaemocional ou, mais precisamente, ideolgica do exemplo da
bombarelgio. O exemplo no problemtico nem por se tratar de uma
situaoextraordinria, tampouco por nos induzir, com sua retrica, a
que tomemosuma deciso apressada e irrefletida, como se estivssemos
a escutar otique-taque da bomba.54 Na verdade, o problemtico que,
apesar debandeira conseqencialista que o exemplo ostenta, ele induz
a umainfrao de um princpio fundamental da mais importante espcie
deconseqencialismo, qual seja, o utilitarismo: o princpio da
imparcialidade.55Somos ns que sofremos o dano decorrente da bomba
relgio; 56 j osdanos decorrentes da tortura so sofridos por outras
pessoas. O caso dabomba nos leva a pensar apenas nos danos
diretamente decorrentes daexploso e que deixemos em segundo plano
todos os outros danos quepodem indiretamente derivar da autorizao
da tortura. No surpresaque quem defenda uma tal anlise
custo-benefcio pela metade acabepor considerar desumana 57 a
proibio absoluta da tortura. Porque casoa tortura venha a ser
permitida, ainda que em situaes excepcionais,no seremos ns quem ter
de viver com medo de ser torturado, e sim osmembros de grupos
tnicos minoritrios,58 cujos interesses, ao que parece,no so
computados no clculo de custo-benefcio. Belo balano custo-benefcio,
em que ns desfrutamos dos benefcios e os outros arcamcom os
custos.
54 E, por isso, tampouco que o exemplo se centre numa comunicao
grfica, o que apontado por ULBRICH, Die normative Kraft der Bilder:
Zur Funktion des Bildhaften inder Diskussion ber die Zulssigkeit
staatlicher Folter, em NITSCHKE (n. 7), pp. 119 ess., pp. 122 y
130-131.
55 Cfr., por exemplo, os conseqencialistas HARE em SEN/WILLIAMS
(n. 32), p. 25; TRAPP(n. 24), p. 456; PETTIT, The Conseqentialist
Perspectiva, em BARON/PETTIT/SLOTE,Three Methods of Ethics, Malden
entre otros, 1997, pp. 92 e ss., pp. 141 e s., 148;GESANG, Eine
Verteidigung des Utilitarismus, 2003, pp. 98 y 123. Referindo-se
aoproblema da tortura e do parecer Landau KREMNITZER, IsLR (23),
1989, p. 277: Squem for capaz de enxergar-se em ambos os pares de
sapatos no do torturador eno do torturado e continuar aceitando a
concluso da comisso (no sentido dapermisso da tortura em situaes de
necessidade Lus GRECO) um verdadeirodefensor do parecer.
56 Por isso no surpreende que BRUGGER inicie suas novas verses
do caso da bombarelgio da seguinte maneira: O caso se passa na
cidade natal do leitor (JZ, 2000, p.165).
57 Neste sentido ERB, Jura, 2005, p. 30.58 KAISER, Folter,
Misshandlung und krimineller Machtmissbrauch heute, KrimJ (35),
2003, pp. 243 e ss., p. 254.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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Lus Greco 255
Mas h uma segunda razo para a facilidade com que, numa
situaocomo a que discutimos, se considera a tortura a alternativa
mais benfica.Esta razo a mudana de atitude face ao Estado, mudana
que tambm refletida nas pesquisas de opinio pblica sobre a
tortura.59 Uma sadiadesconfiana face ao Estado parece ser quase
constitutiva do pensamentoliberal.60 O Estado no visto nem como o
mbito em que o ser humanorealiza e aperfeioa sua natureza,61 nem
como a realizao da idia tico-moral objetivamente racional,62 e sim,
em primeira linha, como o Leviat,63ou seja, como uma ameaa
constante para os direitos de seus subordinados.Ainda assim,
especialmente nos pases que gozam de amplo bem-estar,essa atitude
distanciada em relao ao Estado parece estar sendosubstituda por uma
considervel confiana, de modo que o objeto primrioda sensao de medo
no mais o Estado, e sim grupos criminosos outerroristas dele
desvinculados.64 Tambm por isso, a anlise custo-benefcioproposta
pelos partidrios da exceo proibio de torturar se revela
saparentemente emprica, e predominantemente ideolgica, vez que
elapressupe a premissa, repetidamente refutada pela histria,
segundo aqual se deve temer mais aos particulares do que ao Estado.
Assim, de fato,se manifesta DERSHOWITZ nas primeiras pginas de seu
livro: Um princpioimportante das liberdades civis era que os mais
intensos perigos para aliberdade vinham do estado poderoso. (...) O
fenmeno relativamente novo
59 Veja-se a respeito SCHNORR/WISSING, ZRP, 2003, p. 142, que
tomam estes resultadoscorretamente como expresso de uma decadncia
de valores.
60 Corretamente FERRAJOLI, Diritto e ragione, 5 ed., Roma/Bari,
1998, p. 927.61 Neste sentido a interpretao tradicional de
ARISTOTELES, Politik (trad. por Rolfes),
1995, 1 Libro Cap. II, e de Christian WOLFF, Vernnftige Gedanken
von demgesellschaftlichen Leben der Menschen und insonderheit dem
Gemeinen Wesen,Ed. Arndt, Hildesheim/New York, 1975, 215 e ss.,
218, 224; IDEM, Grundstze desNatur und Vlkerrechts, ed. Thomann,
Hildesheim/New York, 1980, especialmente o 9.
62 HEGEL, Grundlinien der Philosophie des Rechts, 1986, 259.
Contra essa interpretaotradicional de HEGEL como filsofo do Estado
antiliberal (por todos, POPPER, The OpenSociety and its Enemies, t.
2, 5 ed., New Jersey, 1966, pp. 27 e ss. e HAYEK,
TheCounter-Revolution of Science, Indianapolis, 1952, pp. 367 e
ss., especialmente p.399), h quem defenda uma releitura de HEGEL
como liberal (por exemplo RAWLS,Lectures on the History of Moral
Philosophy, Cambridge entre otros, 2000, pp. 352 ess.) ou como
politicamente neutro (PAWLIK, Hegel und die Vernnftigkeit
desWirklichen, Der Staat [41], 2002, pp. 183 e ss., pp. 193 e
s.).
63 HOBBES, Leviathan, ed. Tuck, Cambridge, 1996, passim.64
Relevado com acerto por LDERSSEN (n. 35), p. 696: as pessoas... se
desacostumaram
a sentir medo do Estado; K. GNTHER (n. 50), p. 105; REEMTSMA (n.
8), p. 100.
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As regras por trs da exceo...256
dos grupos terroristas organizaes que, em si mesmas, no so
Estados,mas que, ainda assim, fazem guerra e procuram acesso a
armas dedestruio desafia pela primeira vez esse paradigma. O novo
paradigma grupos terroristas capazes de causar um estrago de
dimenso que,anteriormente, s os Estados conseguiam provocar, mas
que no soresponsveis como os Estados exige dos defensores dos
direitos civisque repensemos o nosso foco na ao do Estado.65
BRUGGER comea umde seus primeiros artigos com a pergunta quanto a
se a proibio absolutade torturar seria tambm vlida, quando o Estado
no autoritrio nemtotalitrio, mas se encontra organizado segundo o
princpio democrtico edo estado de direito e, no caso concreto,
persegue propsitos que, em si,parecem legtimos.66 possvel mencionar
inmeras manifestaes nessesentido.67 Tais opinies parecem
simplesmente incompreensveis se se
65 DERSHOWITZ, Terrorism (n. 12), pp. 10 e s.66 BRUGGER, Der
Staat (35), 1996, p. 68 (cita), p. 82.67 Por exemplo, HILGENDORF,
JZ, 2004, p. 331: De qualquer forma, no se deveria olvidar
que hoje no se discute o regresso a um Estado torturador
totalitrio, ou WAGENLNDER(n. 21), pp. 167 e s., segundo o qual a
permisso excepcional da tortura no seriaperigosa em um Estado de
Direito.Tambm a frequente afirmao segundo a qual hoje no se estaria
debatendo a torturatradicional, mas to somente a tortura salvadora
para a qual se cunhou o termoalemo Rettungsfolter (por ejemplo,
JEROUSCHEK/KLBEL, JZ, 2003, pp. 614 e s.;HILGENDORF, JZ, 2004, p.
331; BREUER [n. 21], pp. 16 e s.; JEROUSCHEK, JuS, 2005, pp. 297y
300; neste sentido ademais SCHROEDER, ZRP, 2003, p. 180; WOLBERT
[n. 49], p. 85;IPSEN [n. 7], p. 39; indo alm ISENSEE [n. 14], p.
60; LENZEN [n. 49], pp. 200 e s. [torturaentre aspas]; TRAPP [n.
49], pp. 99 e ss., pp. 103 e ss., para quem nos casos desalvamento
sequer haveria tortura, mas apenas um interrogatrio de salvamento
porculpa do interrogado [selbstsverschuldete Rettungsbefragung].
Mas o ovo de Colombofoi encontrado por ERB em NITSCHKE [n. 7], pp.
163 e s.; IDEM, em LENZEN [n. 21], p. 33,para o qual as convenes de
direito internacional no haviam pensado nos novosgrupos de casos),
tem carter ideolgico, pois sugere que se teria uma nova espciede
tortura desconhecida de nossos antepassados, qual no se aplicaria o
juzotradicional de condenao (crtico tambm SCHILD [n. 7], p. 78). At
mesmo a tortura debruxas foi, ao final, uma instncia de tortura
salvadora, pois o que se almejava eracombater os perigos para a
alma de cada indivduo que provinham daqueles que, porterem feito um
pacto com o demnio, integravam o exrcito dos inimigos de Deus
(videSCHILD [n. 7], p. 75 e s., 78 e s.). As proibies
jurdico-positivas impassveis de exceoso, isso sim, uma resposta a
estratgias argumentativas desde h tempos conhecidas,que queriam
justificar a tortura alegando a imprescindibilidade desta para o
salvamentode bens importantes (assim tambm KREMNITZER, IsLR [23],
1989, p. 242; HECKER, KritJ[36], 2003, p. 213; JAHN, KritV, 2004,
pp. 37 e s.; DORFMAN, The tyranny of terror, emLEVINSON [n. 2], pp.
3 e ss., p. 16; ENDERS [n. 14], p. 145; KINZIG, [n. 2], p. 19; HONG
[n. 7],p. 25; MOLINA FERNNDEZ [n. 11], p. 280).
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Lus Greco 257
levam em conta as atrocidades cometidas pelos Estados no curso
de suahistria e, principalmente, na primeira metade do sc. XX.
Comparadoscom elas, no s o 11 de setembro cuja importncia no se
quer aquiminimizar como mesmo a nossa bomba relgio parecem algo um
tantopequeno. As ameaas terroristas at agora
histrico-empiricamenteverificadas no oferecem fundamento para crer
na anlise custo-benefciodefendida pela opinio que ora
recusamos.
Note-se, por fim, que as consideraes que acabamos de
formularcontra a anlise custo-benefcio sustentada pela opinio
contrria soespeculaes empricas, que se encontram, assim, sujeitas a
uma espciede clusula rebus sic stantibus. Uma proibio de tortura
inviolvelquaisquer que sejam as circunstncias e, assim, absoluta,
somente podeser fundamentada por quem argumente de uma perspectiva
deontolgicae, por isso, independente de qualquer empirismo. De
qualquer maneira,podemos concluir que nem mesmo os anteriores
argumentosconseqencialistas autorizam os defensores da tortura a
suas concluses.
6 CONCLUSO
insustentvel distinguir entre situao normal e situao deemergncia
e postular regras distintas para a situao normal e para asituao de
emergncia, porque toda regra transcende situao. Maisdo que isso: s
a exceo demonstra o verdadeiro sentido que damos regra. Ningum
percebeu esse fato mais claramente do que o filsofo daexceo, Carl
SCHMITT, apesar de sua afirmao de que todo direito direito da
situao, cuja vigncia dependeria de determinada situao
denormalidade68: O normal no significa nada, a exceo prova tudo.
Elano apenas confirma a regra, a regra vive unicamente da exceo.69
Nose pode escapar disso propondo uma tica do excepcional70, um
dever doestadista de abrir-se dimenso trgica de sua misso e de
sujar as
68 SCHMITT, Politische Theologie, 8 ed., 2004, p. 19.69 SCHMITT
(n. 68), p. 21.70 Veja-se especialmente M. WALZER, Emergency
Ethics, em Arguing about War, New
Haven/London, 2004, pp. 33 e ss., p. 40; de acordo LEVINSON,
Texas Law Review(81), 2003, p. 2032; similar GROSS (n. 9), p. 239,
que diferencia entre uma perspectivade poltica geral e uma
perspectiva do caso catastrfico, e ZUCKERMANN, Coercionand the
Judicial Ascertainment of Truth, IsLR (23), 1989, pp. 357 e ss.,
pp. 372 e s.;ademais TRAPP (n. 24), p. 459.
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As regras por trs da exceo...258
mos71, ou uma diferenciao entre o trato com cidados e o
combateaos inimigos72.
A exceo prova tudo. Por isso, inadequado criticar a opinioaqui
defendida, chamando sua disposio de deixar morrer seres humanospor
amor de certos princpios abstratos um fetichismo de regras.73
Todaposio que se defenda ser composta de certas regras ou
princpiosabstratos. Tambm os defensores da exceo defendem regras,
apenasoutras, a saber: de que a dignidade do ser humano pode decair
ou de queela est sujeita a uma reserva de custos; regras que, em
geral, nem mesmoso defendidas abertamente, porque elas tampouco se
mostramdefensveis. A questo no se obedecemos a regras, e sim a que
regrasobedecemos: s regras do Estado de direito, que conhece
limites absolutosno trato com seres humanos, ou s regras do bando
de ladres, que podeesquivar-se sem maiores preocupaes com tais
obstculos. O Estado dedireito tem de resistir, inclusive e
principalmente face ao pior. Como afirmaROXIN: a sua superioridade
moral em relao ao delinqente consiste nofato de que o Estado no se
vale dos mesmos mtodos que ele.74
A regra vive unicamente da exceo: na discusso sobre os casosda
bomba relgio, no se trata do nosso comportamento hipottico
numasituao imaginria, que oxal nunca venha a ocorrer, mas sim de
nossocomportamento presente isto , de nossa renncia tortura e de
nossa
71 Veja-se aqui outra vez M. WALZER, Political Action: The
Problem of Dirty Hands,Philosophy & Public Affairs (2), 1972,
pp. 160 e ss., pp. 166 e s.; tambm MOORE (n.21), p. 720; ISENSEE,
(n. 14), p. 61; e, adicionalmente, ELSHTAIN, Reflection on
theProblem of Dirty Hands, em LEVINSON (n. 2), pp. 77 y ss., p.
83.
72 Veja-se acima n. 43.73 Neste sentido, porm, FRANKE, Wie
verbindlich ist das Folterverbot fr den Rechtstaat,
em NITSCHKE (n. 7), pp. 51 e ss., p. 61; veja-se, ademais, ERB,
Jura, 2005, p. 30; IDEM,NStZ, 2005, pp. 600 e s.; IDEM, em NITSCHKE
(n. 7), p. 165; IDEM, em LENZ; BRUNKHORST(n. 21), p. 34 s., que
fala aqui levianamente de totalitarismo; mais refinado, masmesmo
assim inaceitvel ELSHTAIN (n. 71), pp. 83, 86 e s., que reconduz a
opinioaqui sustentada tradio teolgica do pietismo rgido, e defende
a tradio catlicade uma casustica da responsabilidade concreta.
74 ROXIN (n. 2), p. 466; tambm IDEM, AT, t. I 16/99. Vejam-se
ademais HASSEMER (n.49), p. 200; RAESS (n. 5), p. 112; CHRISTENSEN
(n. 14), p. 159; BIELEFELDT (n. 13), p. 102:Um Estado de Direito no
pode entrar numa corrida de barbrie; ENDERS (n. 14), pp.147 e s.;
BRIESKORN, Folter, em BEESTERMLLER/BRUNKHORST (n. 2), p. 52;
HETZER, IstFreiheit durch Sicherheit korrumpierbar?, em StraFo,
2006, pp. 140 e ss., p. 144.Similar tambm a argumentao fundada em
nossa identidade como Estado de Direitoem REEMTSMA, Zur Diskussion
ber die Re-Legitimierung der Folter, emBEESTERMLLER/BRUNKHORST (n.
2), pp. 71 e s.; IDEM, (n. 8), pp. 81, 87 e s., pp. 91 e s.,pp. 99,
117, 122 e s. e p. 129.
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Lus Greco 259
condenao a esta prtica e das razes que realmente o
sustentam.Propor uma exceo regra da proibio de torturar significa
querecusamos esta prtica no porque ela lesiona a dignidade de um
serhumano, e sim porque ele ainda no se comportou mal, ou porque
notemos ainda nenhum interesse suficientemente forte em torturar
essapessoa. Para o Estado de Direito, o que deve importar a
dignidade.
*Artigo publicado conforme enviado pelo autor.
Comentrio ao estudo de Lus Greco*
Bernd Schnemann**
Resumo: O autor dirige algumas consideraes cticas argumentao de
Greco e doutrina dominante.
Palavras-chave: tortura; dignidade humana; terrorismo;
direitopenal de emergncia; proporcionalidade.
Resumen: El autor formula consideraciones escpticas a
losargumentos de Greco y de la doctrina dominante.
Palavras-clave: tortura; dignidad humana; terrorismo;
derechopenal de emergencia; proporcionalidad
Abstract: The author makes sceptical remarks on the
argumentsproposed by Greco and by the majority opinion.
Key words: torture; human dignity; terrorism; balancing of
rights
1. O artigo de GRECO no apenas documenta e sintetiza de
modocompleto o debate, que vem sendo travado com uma intensidade
atento desconhecida, sobre a valorao jurdica da tortura salvadora
emsituaes extremas, como tambm contribui para a maior clareza
dadiscusso, e isso de trs maneiras: primeiramente, no que atine ao
conceitode tortura (com a aluso, feita infelizmente apenas de
passagem, ao critriodo exerccio da dominao mais completa que se
pode imaginar sobreuma pessoa, nas notas 2 e 15); em segundo lugar,
esclarecendo que oconceito de exceo, freqentemente usado no
presente debate como
* Traduo, por LUS GRECO, do original Kommentar zur Abhandlung
von Lus Greco,publicado em GA 2007, p. 644 e ss.
** Prof. Dr. Dres. h. c. Universidade Ludwig Maximilian,
Munique.
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As regras por trs da exceo...260
difuso subterfgio, no se refere apenas a casos individuais, e
sim a umanorma de exceo que impe uma restrio proibio geral de
torturar;e, em terceiro lugar, reconduzindo as possveis razes para
uma tal normade exceo a dois princpios, que GRECO chama de regra da
decadnciae regra dos custos (com o sentido de uma ponderao de bens
e deinteresses). De certa maneira, as duas regras representam
umatransferrencia do tradicional debate sobre as teorias da pena
questoda tortura, uma vez que a regra da decadncia, como a chamada
teoriaabsoluta, trata de uma legitimao valorativo-racional em face
afetado,enquanto a regra dos custos trata da necessidade
teleolgico-racionalsegundo o modelo das teorias relativas. Se
tentarmos levar esse modelode legitimao binrio, que a teoria
correta para a justificao do direitopenal,1 deste setor para a
tortura salvadora e procedermos a uma exameda tortura salvadora com
base neste modelo, sem nos deixarmosdesorientar pela montanha de
idias produzida pela dogmtica tradicional,parece que chegaremos a
uma concluso surpreendente, uma vez que alegitimao
valorativo-racional e a necessidade teleolgico-racional dapena, se
comparadas ao caso da bomba relgio a respeito do qual refleteGRECO,
se mostram altamente duvidosas: a admisso do
poder-agir-diversamente, pressuposto do juzo de reprovao da
culpabilidade,2pressupe num nvel geral uma tomada de posio um tanto
problemticaem favor do indeterminismo e num nvel especial uma
ousada capacidadepsiquitrica, e tendo em vista o depressivo balano
de custos e benefciosda execuo da pena privativa de liberdade, a
necessidade teleolgico-racional se fundamenta no altamente
controvertido clculo da prevenogeral pela cominao da pena, que se
mostra implausvel justamente noscasos mais graves (como o homicdio
praticado num estado de emooou paixo contra o parceiro amoroso).3
Se pensarmos na priso preventiva,
1 A respeito SCHNEMANN, Zum Stellenwert der positiven
Generalprvention in einerdualistischen Straftheorie, em
SCHNEMANN/V. HIRSCH/JAREBORG (eds.), PositiveGeneralprvention,
1998, p. 109 e ss. (114 e ss.). (N. T.: H verso espanhola Sobrela
Crtica a la Teora de la Prevencin General Positiva, em SILVA SNCHEZ
[ed.], PolticaCriminal y Nuevo Derecho Penal, Libro Homenaje a
Claus Roxin, Barcelona, 1997,p. 89 e ss.)
2 Mais detalhes em SCHNEMANN, Zum gegenwrtigen Stand der Lehre
von derStrafrechtsschuld, in: Festschrift fr Lampe, 2003, p. 537 e
ss. (547 e ss.). (N. T.: Hverso espanhola La Culpabilidad: Estado
de la Custion, em: SILVA SNCHEZ [ed.],Sobre el Estado de la Teora
del Delito, Madrid, 2000, p. 91 e ss.).
3 Para o estado atual da investigao emprica sobre a preveno
especial e geral cf.KAISER, Kriminologie, 3 ed. 1996, p. 258 e ss.,
265 e ss.; P.-A. ALBRECHT, Kriminologie,3 ed. 2005, p. 48 e ss., 58
e ss.; STRENG, Strafrechtliche Sanktionen, 2 ed. 2002, p.30 e ss.,
34 e ss.
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Lus Greco 261
que se encontra entre os clssicos instrumentos da justia penal e
que,apesar da existncia de modernas alternativas como o
monitoramentoeletrnico, at hoje preservada pelos juzes com bastante
astcia porcausa da comprovada eficcia em obter coativamente
confisses epossibilitar uma transao penal, veremos que j no
dia-a-dia de nossajustia penal h algo que pode ser subsumido sob o
conceito de torturade GRECO, e esse instrumento usado apenas para a
garantir a execuoda pena, algo cuja utilidade social tamanhamente
questionvel.
Em comparao, parece at trivial justificar a tortura para
salvarvidas em face do terorrista responsvel. Em primeiro lugar,
inexisteprospectivamente qualquer dvida quanto possibilidade de
evitao (comoparalelo ao poder-agir-diversamente, necessrio para a
pena). Em segundolugar, a contraposio entre o salvamento de um
sem-nmero de pessoasinocentes, cujo assassinato planejado pelo
clculo misantrpico doterrorista, e a passageira interveno na
integridade fsica deste faz comque a anlise custo-benefcio tenha
resultado positivo, o que fica aindamais evidente em comparao com
os questionveis argumentos que seaceitam tanto para a pena, quanto
para a priso preventiva. Se tomarmoscomo ulterior base de comparao
o direito de matar em legtima defesaquem est cometendo um roubo,
direito esse indiscutidamente reconhecidoem nosso ordenamento
jurdico, ou a meno que se faz de passagem nadogmtica do risco
permitido, no sentido de que se aceita a morte de milharesde vtimas
em razo do interesse no funcionamento do trfego rodado,surge a
grave suspeita de que a tese claramente dominante em favor dotabu
da tortura para salvar vidas (vide as completas referncias no
textode GRECO) no passe de ideologia ou, no caso dos autores que
esperamque a proibio abstratamente defendida seja violada em casos
deemergncias, com o que acabam em segredo considerando a tortura
algocorreto, mesmo de hipocrisia.
2. Ser essa comparao prima-facie uma reao a uma aporiaocultada
pela doutrina dominante com admirvel esforo retrico, ou serela
mesma uma falsa intuio capital? compreensvel que, na discussosobre
a tortura salvadora, haja uma enorme dificuldade de superar
asassociaes com os bestiais pores de tortura dos regimes
totalitrios(em que a rigor se perseguiam finalidades diametralmente
diversas),razo pela qual a sbria anlise de GRECO se mostra
extraordinariamentevaliosa, valor esse que no diminudo pelo fato de
que ela acabe, a meujuzo provavelmente sem querer, desconstruindo
de modo inevitvel adoutrina dominante at a exposio de seu
fundamento ltimo, que decarter religioso.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
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As regras por trs da exceo...262
a) GRECO quer refutar a regra da decadncia atribuindo-lhe
umacontradio interna, uma vez que a tortura desconsidera de
modoabsoluto a vontade do cidado (destruindo, assim, a indispensvel
basede legitimidade do estado), de modo que ela no poderia ser
justificadafazendo referncia vontade m do autor. Esta objeo faz
recordar apesar de que sua finalidade seja exatamente inversa de
modosurpreendente as teorias absolutas da pena, que supem deduzir
aconseqncia jurdica pena de uma contradio com o ordenamentojurdico
implicitamente declarada pelo comportamento do autor ou mesmode uma
contradio lgica que se manifesta no prprio comportamento.4Mas supor
que exista uma tal contradio , na verdade, um feitio denosso
entendimento por meio da linguagem,* produzida por um processode
abstrao questionvel e at deformador do fenmeno real: recusar
orespeito, por ex., vontade de um terrorista que quer por um motivo
ftilassassinar milhes de pessoas, deixando tambm de considerar
acorrelata vontade de omitir a ao salvadora juridicamente
obrigatria,tem (dito abstratamente) como conseqncia prtica a execuo
dessaobrigao jurdica. S se teria uma contradio, se se estivesse
violandouma vontade juridicamente merecedora de respeito.5
b) Com muito menos razo posso reconhecer na recusa regrados
custos algo logicamente necessrio. Esta recusa me parece muitomais
uma concluso circular. Se per definitionem se fixa um conceito
dedignidade humana, segundo o qual no seu bojo no possvel
qualquerponderao, est claro que no ocorrer mais ponderao alguma
masaqui se v com clareza que um tal conceito s pode ser
proposto
4 Em Aporien der Straftheorie in Philosophie und Literatur,
Festschrift fr Lderssen,2002, p. 327 e ss. (329) falei com intenes
levemente polmicas na tentativa de sevaler da pena com o mero
objetivo de possibilitar uma homoestase hermenutica(N.T.: h traduo
para o espanhol em InDret 2/2008 Nr. 531); para uma tentativa
derefutar o delito partindo-se dele mesmo, com base no exemplo do
furto, cf. KANT, DieMetaphysik der Sitten, 2 ed. 1798, p. 229 e s.;
HEGEL, Grundlinien der Philosophie desRechts, 1821, 100; SCHMITZ,
Zur Legitimitt der Kriminalstrafe, 2001, p. 116 e ss.* (N. T.):
Trata-se de uma aluso a uma famosa passagem do 109 das
InvestigaesFilosficas de WITTGENSTEIN.
5 Ainda que a tortura continua com a peculiariedade de
desumanizar de um modoespecfico, a saber dobrando o entendimento e
a vontade por meio de uma exploraode um aspecto mais primitivo de
nossa condio, qual seja a sensibilidade do corpo dor. Mas como
tambm a existncia do prisioneiro reduzida de uma criaturamantida
numa jaula, temos na tortura (apenas) um incremento quantitativo, o
queno pode legitimar o salto qualitativo para o mundo do absoluto
(em forma de umaimponderabilidade), do qual no fazem parte
quaisquer coisas terrenas.
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R. Jurdica, Curitiba, n. 23, Temtica n. 7, p. 229-264,
2009-2.
Lus Greco 263
pressupondo-se uma concepo do absoluto religiosamente fundada,
que mesmo absurda face a uma sociedade voltada para as questes
finitasdeste mundo e ao direito que a ela se restringe: basta que
se extenda ocaso hipottico da bomba relgio, imaginando a situao j
no de todofantasiosa em que exista o perigo de uma guerra nuclear
que levaria ofim de toda a humanidade,6 e com isso se ver o
impressionante paraleloque existe entre a opinio dominante e a
teoria absoluta da pena, emespecial reconhecvel na afirmao de
IMMANUEL KANT, de que sedesaparecer a justia, no h mais valor algum
na existncia de sereshumanos sobre a terra.7
3. Observe-se que a presente crtica metodolgica opiniodominante
no implica uma tomada de posio no que se refere questoem si, o que
seria ademais inadequado num breve comentrio. O que meinteressa
advertir contra o empobrecimento da anlise jurdica, que, aonegar a
existncia do caso extremo, acaba deixando a pessoa que se vdeparada
com um tal caso sem qualque