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LAMPEDUSA E O PARADOXO DA DIGNIDADE HUMANA
OBSERVACcedilOtildeES SOBRE O ACOacuteRDAtildeO ldquoKHLAIFIA E OUTROS CONTRA ITAacuteLIArdquo
DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM1
ALEXANDRE GUERREIRO2
ARTUR FLAMIacuteNIO DA SILVA3
RESUMO
Numa decisatildeo recente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pronunciou-se sobre a detenccedilatildeo de
trecircs cidadatildeos tunisinos num centro de recepccedilatildeo situado em Lampedusa apoacutes terem sido interceptados
pelas autoridades italianas quando atravessavam o Mar Mediterracircneo Este acoacuterdatildeo coloca em relevo a
questatildeo da discussatildeo em torno de uma eventual violaccedilatildeo do direito agrave liberdade consagrado no artigo 5ordm
da CEDH e a violaccedilatildeo do princiacutepio da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos previsto no artigo 3ordm do
mesmo instrumento Com efeito assinala-se a importacircncia do acoacuterdatildeo em apreccedilo dado que se assiste agrave
manifestaccedilatildeo do direito cosmopolita desde que os beneficiaacuterios se encontrem em territoacuterio onde vigoram
instrumentos e princiacutepios de Direitos Internacional Humanitaacuterio enquanto factores que concorrem para
uma maximizaccedilatildeo da protecccedilatildeo dos direitos humanos Todavia assiste-se a um paradoxo que coloca
problemas de difiacutecil resoluccedilatildeo por um lado a responsabilizaccedilatildeo por falta de meios humanos sanitaacuterios e
de acolhimento digno de pessoas por parte de Estados que se tornam alvos de danos colaterais
provocados por situaccedilotildees de crises humanitaacuterias por outro o desafio com que se deparam de garantir que
um cenaacuterio de crise humanitaacuteria natildeo atenta contra a dignidade da pessoa humana de pessoas que se
encontram em situaccedilatildeo natural de fragilidade
Palavras-chave crise humanitaacuteria responsabilidade do Estado direito internacional humanitaacuterio direito
cosmopolita
Histoacuterico do artigo recebido em 15-02-2016 aprovado em 27-04-2016 publicado em 03-05-2016 1 Os autores reservam-se o direito de aplicar a grafia anterior ao Acordo Ortograacutefico e respectivos
protocolos adicionais 2 Assessor Parlamentar da Assembleia da Repuacuteblica e doutorando da Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa Lisboa Portugal E-mail alexandretguerreirogmailcom 3 Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Lisboa Portugal
E-mail arturmicaelsilvagmailcom
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ABSTRACT
Lampedusa and the paradox of human dignity commentary to the judgment delivered by the European Court
of Human Rights in the case of Khlaifa and Others v Italy In a recent judgment the European Court of
Human Rights has decided on the detention of three Tunisian citizens in a reception centre on Lampedusa
after being intercepted by the Italian authorities after they left Tunisia by sea in September 2011Among
other aspects this decision highlights the debate around the alleged violation of both the right to liberty
enshrined in article 5 of the ECHR and the violation of the prohibition of inhuman or degrading treatment
set in article 3 of the same Convention The importance of the present decision should be emphasized as it
stands for the expression of cosmopolitan law whenever those who should take advantage of it are in a
territory where instruments and principles of International Humanitarian Law are in force maximizing the
protection of human rights Nevertheless a paradox emerges on the one hand liability for lack of human
resources sanitary facilities and decent detention conditions by countries that become targets of collateral
damages caused by humanitarian crisis on the other hand the challenge faced by the same countries in
order to guarantee that a humanitarian crisis would not have an adverse effect to the human dignity of
those who are in dire situations
Keywords humanitarian crisis State liability International Humanitarian Law cosmopolitan law
_________________________________________________________________________________________________________________
1 INTRODUCcedilAtildeO
O presente trabalho tem por objecto um comentaacuterio a uma decisatildeo que versa
sobre um tema actual e interessante Com efeito com o crescente aumento de
migraccedilatildeo oriunda de territoacuterios em cenaacuterio de Guerra comeccedilam a revelar-se problemas
juriacutedicos que colocam em evidecircncia o contexto poacutes-nacional 4 decorrente da
globalizaccedilatildeo 5 A macro-problemaacutetica que aqui analisaremos e criticamos pode ser
sintetizada da seguinte forma (i) por um lado os Estados encontram-se obrigados agrave
protecccedilatildeo dos Direitos Humanos e ao cumprimento das suas obrigaccedilotildees internacionais
nomeadamente corporizadas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)
(ii) por outro lado ciosos da sua soberania pretendem manter autonomia na
4 Cfr por todos HABERMAS (1998 pp 65 e ss)
5 Cfr sobre a abrangente bibliografia o elucidativo texto de HELD (1995 pp 267 e ss)
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concretizaccedilatildeo destas disposiccedilotildees aplicando com flexibilidade as regras previstas na
CEDH6
Neste contexto encontra-se precisamente em discussatildeo ndash num sentido mais
especulativo ndash como deve ser encarado este pluralismo entre as ordens nacionais e a
ordem normativa cosmopolita que deriva da CEDH 7 Com efeito com a presente
decisatildeo o TEDH coloca em evidecircncia a necessidade de discutir se num contexto de um
mundo cada vez mais globalizado eacute possiacutevel a ldquoconstruccedilatildeo de um constitucionalismo
estadual para o Seacuteculo XXI com base na excessiva valorizaccedilatildeo do Estado de direito - e
em particular dos direitos fundamentais e da jurisdiccedilatildeo constitucional - em detrimento
do princiacutepio democraacuteticordquo (Medeiros 2015 p 97)
Eacute este portanto o pressuposto que estaraacute subjacente agrave nossa anaacutelise tendo
somente como objectivo estudar de forma criacutetica como encarou o TEDH a
possibilidade de flexibilizaccedilatildeo da dignidade humana num cenaacuterio de evidente Estado
excepccedilatildeo 8
2 ENQUADRAMENTO FAacuteCTICO
Em Janeiro de 2011 a intensificaccedilatildeo da revolta popular na Tuniacutesia levou agrave queda
do regime ditatorial do paiacutes liderado por Zine El Abidine Ben Ali provocando um efeito
mimeacutetico que inspiraria a realizaccedilatildeo de acccedilotildees de insurreiccedilatildeo em diversos paiacuteses
magrebino-aacuterabes num momento da Histoacuteria que ficou baptizado de ldquoPrimavera
Aacuteraberdquo910e que ainda hoje produz efeitos em paiacuteses como a Siacuteria11
6 Natildeo trataremos contudo neste texto da interessante questatildeo que envolve a margem livre de apreciaccedilatildeo
dos Estados na interpretaccedilatildeo as normas da CEDH Sobre este problema com indicaccedilotildees cfr MEDEIROS
(2015 pp 347 e ss) cfr igualmente KRISCH (2010 pp 109 e ss) LEGG (2012 pp 32 e ss) TOMUSCHAT
(2014 pp 107 e ss) LORENZ Nina-Louisa Arold et al (2013 pp 69 e ss) 7 Cfr por todos BESSON (2014 pp 170 e ss) Em geral sobre o pluralismo juriacutedico num quadro poacutes-
nacional entre outros cfr BERMAN (2012 pp 141 e ss) 8 Sobre este cfr por exemplo o incontornaacutevel texto de AGAMBEN (2005 pp 1 e ss)
9 Relativamente aos antecedentes da Primavera Aacuterabe e ao impacto que teve na democratizaccedilatildeo das
sociedades muccedilulmanas cfr ESPOSITO John L et al (2016 pp 1-25) Sobre a utilizaccedilatildeo das redes sociais
na Primavera Aacuterabe cfr JAMALI (2014) 10
Para uma anaacutelise aos efeitos da Primavera Aacuterabe na Liacutebia e a forma como a revolta conduziu agrave abertura
de investigaccedilotildees no Tribunal Penal Internacional contra figuras do aparelho de Estado liacutebio cfr
GUERREIRO (2012) KERSTEN (2014 pp 188-207) 11
Para uma comparaccedilatildeo dos resultados da Primavera Aacuterabe no Egipto na Tuniacutesia e na Siacuteria cfr SIKA
(2014 pp 73-97)
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No caso especiacutefico da Tuniacutesia o regime autoritaacuterio que vigorou no paiacutes durante
cinco deacutecadas agravado pela perpetuaccedilatildeo de Ben Ali no poder desde 1987 com
dividendos econoacutemicos para si e para o seu ciacuterculo ao mesmo tempo que muitos
tunisinos reclamavam melhores condiccedilotildees de vida e de participaccedilatildeo na poliacutetica deu
iniacutecio a um movimento de revolta popular rebentou quando a populaccedilatildeo se revoltou
contra a morte de Mohamed Bouazizi um comerciante de 26 anos que se auto-imolou
como protesto pela perseguiccedilatildeo encetada pelo Governo O ecircxito alcanccedilado motivou o
baptismo da revolta com a expressatildeo ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo em homenagem agrave flor
vendida nas lojas de rua12
Neste quadro desde 2011 que se veio a assistir a um fluxo migratoacuterio sem
precedentes para o continente europeu com forte incidecircncia de actividade no Mar
Mediterracircneo uma vez que se tratava do meio aparentemente menos oneroso e mais
eficaz de garantir o acesso de cidadatildeos egiacutepcios liacutebios e tunisinos a paiacuteses ou
localidades onde pudessem sentir-se protegidos face agrave queda das instituiccedilotildees nos
respectivos paiacuteses e a crescente anarquia que se veio a consolidar nos seus Estados de
origem13
No passado dia 1 de Setembro de 2015 o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem14 pronunciou-se sobre o pedido formalizado por trecircs cidadatildeos tunisinos contra
o Estado italiano a 9 de Marccedilo de 2012 junto do Tribunal localizado em Estrasburgo
12
Sobre os antecedentes da ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo e o poacutes-Primavera Aacuterabe na Tuniacutesia cfr MARCOVITZ
(2014 pp 26-38) ESPOSITO John L et al (2016 pp 174-201) 13
A este respeito e agraves ameaccedilas de seguranccedila sobre os paiacuteses do Mediterracircneo decorrentes da Primavera
Aacuterabe cfr BOENING (2014 em especial pp 11-25) 14
Podemos questionar a terminologia adoptada em liacutengua portuguesa tanto para o Tribunal como para a
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mais concretamente sobre a referecircncia a ldquoDireitos do
Homemrdquo ou ldquoDireitos Humanosrdquo Em francecircs a designaccedilatildeo oficial eacute ldquoDroits de lrsquoHommerdquo mas em inglecircs e
em castelhano o conceito eacute mais moderno e mais amplo ldquoHuman Rightsrdquo e ldquoDerechos Humanosrdquo
respectivamente A tendecircncia portuguesa para seguir a adaptaccedilatildeo do francecircs natildeo eacute recente tendo as suas
origens no facto de ateacute ao terceiro quartel do seacuteculo XX Portugal manifestar uma aproximaccedilatildeo e uma
afinidade maior com a cultura e poliacutetica francesas A tiacutetulo de exemplo relativamente agrave ldquoDeclaraccedilatildeo
Universal dos Direitos do Homemrdquo o crescente reconhecimento de direitos agraves mulheres e a consequente
intenccedilatildeo de eliminar factores passiacuteveis de prolongarem a discriminaccedilatildeo com base no geacutenero precipitaram
a revisatildeo da terminologia em castelhano mais concretamente de ldquoDerechos del Hombrerdquo para ldquoDerechos
Humanosrdquo em 1952 por via da Resoluccedilatildeo 548 (VI) da Assembleia-Geral das Naccedilotildees Unidas Portugal
nunca procedeu oficialmente agrave mesma alteraccedilatildeo assistindo-se poreacutem a uma referecircncia oficial ora a
ldquoDireitos do Homemrdquo ora a ldquoDireitos Humanosrdquo Com efeito a Declaraccedilatildeo tem a terminologia moderna
reconhecida por oacutergatildeos de soberania como a Assembleia da Repuacuteblica o que natildeo se estende
obrigatoriamente aos restantes
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por factos ocorridos em 201115 numa decisatildeo com impacto consideraacutevel na protecccedilatildeo
dos Direitos Humanos que importa conhecer A decisatildeo que comentamos permite por
um lado discutir os problemas que envolvem a migraccedilatildeo de cidadatildeos de paiacuteses em
cenaacuterio de guerra e por outro permite discutir elementos que se relacionam com a
aplicaccedilatildeo do Direito que deriva da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos no
espaccedilo cosmopolita dos Estados Contratantes
Segundo a mateacuteria sujeita a apreciaccedilatildeo os trecircs requerentes com idades
compreendidas entre os 23 e os 28 anos agrave data da ocorrecircncia dos factos foram
interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterracircneo
numa embarcaccedilatildeo juntamente com outras pessoas a 16 e 17 de Setembro de 2011
sendo acompanhados ateacute um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa
Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola foram-lhes prestados os
primeiros socorros e as autoridades procederam agrave recolha da sua identificaccedilatildeo sendo
finalmente encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadatildeos tunisinos
adultos
Todavia os requerentes alegam terem sido instalados num espaccedilo sobrelotado
e obrigados a dormir no chatildeo dada a insuficiecircncia de camas para dormir e da maacute
qualidade dos colchotildees As refeiccedilotildees eram tomadas no espaccedilo exterior tendo de se
sentar no chatildeo Todo e qualquer contacto com o exterior era impossiacutevel e o centro
mantinha um sistema de vigilacircncia permanente garantido pelas forccedilas de seguranccedila
A 20 de Setembro de 2011 os migrantes ali detidos organizaram um motim que
degenerou num incecircndio no interior do centro que forccedilou as autoridades transalpinas
a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali
passarem a noite No dia seguinte os requerentes juntamente com outros migrantes
lograram romper a barreira de vigilacircncia montada pelas forccedilas de seguranccedila e
chegaram agrave vila de Lampedusa
Uma vez aqui os requerentes juntamente com cerca de 1800 migrantes
organizaram manifestaccedilotildees nas ruas da ilha tendo sido interpelados pelas autoridades
15
O processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 1648312) estaacute disponiacutevel para consulta na paacutegina do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015)
Khlaifia et autres c Italie [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
httphudocechrcoeint
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policiais detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de
Lampedusa A 22 de Setembro de 2011 os requerentes embarcaram com destino a
Palermo tendo sido transferidos para navios ali atracados reagrupados nos espaccedilos de
restauraccedilatildeo sem poderem aceder agraves cabines e segundo os mesmos natildeo tiveram outra
alternativa a natildeo ser dormir no chatildeo e esperarem vaacuterias horas para terem acesso agraves
instalaccedilotildees sanitaacuterias dispondo de dois periacuteodos diaacuterios em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos poliacutecias que
os vigiavam e natildeo terem recebido qualquer tipo de informaccedilatildeo por parte das
autoridades
Permaneceram nesta situaccedilatildeo ateacute aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011 datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tuniacutesia Durante a permanecircncia nestes
navios os migrantes recebidos pelo cocircnsul da Tuniacutesia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriaccedilatildeo consagrado nos
acordos italo-tunisinos concluiacutedos a 5 de Abril de 2011
Antes da propositura da acccedilatildeo junto do TEDH associaccedilotildees de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funccedilotildees
e detenccedilatildeo ilegal O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012 e o Juiz de Instruccedilatildeo
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisatildeo a 1 de Junho de 2012 A
fundamentaccedilatildeo do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher de auxiliar e fazer face agraves necessidades higieacutenicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessaacuterio antes de encaminhaacute-los para um centro de
identificaccedilatildeo e expulsatildeo ou de tomar decisotildees em seu favor podendo ainda beneficiar
de assistecircncia juriacutedica e obter informaccedilotildees quanto aos procedimentos a tomarem para
darem iniacutecio a um pedido de asilo
Apesar de reconhecer uma certa ldquotendecircncia forccedilada dos requisitos da
intermediaccedilatildeo e da restriccedilatildeo temporaacuteria causada por uma multiplicidade de factores
reconheceu o JIC que estaacute excluiacuteda a ilicitude de tal actuaccedilatildeordquo O JIC realccedilou o facto de
o incecircndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigecircncias de acolhimento e resgate dos migrantes situaccedilatildeo que se
agravou e atentou contra a seguranccedila da populaccedilatildeo local quando os cidadatildeos
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
country operations profile ndash Turkey [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
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ABSTRACT
Lampedusa and the paradox of human dignity commentary to the judgment delivered by the European Court
of Human Rights in the case of Khlaifa and Others v Italy In a recent judgment the European Court of
Human Rights has decided on the detention of three Tunisian citizens in a reception centre on Lampedusa
after being intercepted by the Italian authorities after they left Tunisia by sea in September 2011Among
other aspects this decision highlights the debate around the alleged violation of both the right to liberty
enshrined in article 5 of the ECHR and the violation of the prohibition of inhuman or degrading treatment
set in article 3 of the same Convention The importance of the present decision should be emphasized as it
stands for the expression of cosmopolitan law whenever those who should take advantage of it are in a
territory where instruments and principles of International Humanitarian Law are in force maximizing the
protection of human rights Nevertheless a paradox emerges on the one hand liability for lack of human
resources sanitary facilities and decent detention conditions by countries that become targets of collateral
damages caused by humanitarian crisis on the other hand the challenge faced by the same countries in
order to guarantee that a humanitarian crisis would not have an adverse effect to the human dignity of
those who are in dire situations
Keywords humanitarian crisis State liability International Humanitarian Law cosmopolitan law
_________________________________________________________________________________________________________________
1 INTRODUCcedilAtildeO
O presente trabalho tem por objecto um comentaacuterio a uma decisatildeo que versa
sobre um tema actual e interessante Com efeito com o crescente aumento de
migraccedilatildeo oriunda de territoacuterios em cenaacuterio de Guerra comeccedilam a revelar-se problemas
juriacutedicos que colocam em evidecircncia o contexto poacutes-nacional 4 decorrente da
globalizaccedilatildeo 5 A macro-problemaacutetica que aqui analisaremos e criticamos pode ser
sintetizada da seguinte forma (i) por um lado os Estados encontram-se obrigados agrave
protecccedilatildeo dos Direitos Humanos e ao cumprimento das suas obrigaccedilotildees internacionais
nomeadamente corporizadas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)
(ii) por outro lado ciosos da sua soberania pretendem manter autonomia na
4 Cfr por todos HABERMAS (1998 pp 65 e ss)
5 Cfr sobre a abrangente bibliografia o elucidativo texto de HELD (1995 pp 267 e ss)
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concretizaccedilatildeo destas disposiccedilotildees aplicando com flexibilidade as regras previstas na
CEDH6
Neste contexto encontra-se precisamente em discussatildeo ndash num sentido mais
especulativo ndash como deve ser encarado este pluralismo entre as ordens nacionais e a
ordem normativa cosmopolita que deriva da CEDH 7 Com efeito com a presente
decisatildeo o TEDH coloca em evidecircncia a necessidade de discutir se num contexto de um
mundo cada vez mais globalizado eacute possiacutevel a ldquoconstruccedilatildeo de um constitucionalismo
estadual para o Seacuteculo XXI com base na excessiva valorizaccedilatildeo do Estado de direito - e
em particular dos direitos fundamentais e da jurisdiccedilatildeo constitucional - em detrimento
do princiacutepio democraacuteticordquo (Medeiros 2015 p 97)
Eacute este portanto o pressuposto que estaraacute subjacente agrave nossa anaacutelise tendo
somente como objectivo estudar de forma criacutetica como encarou o TEDH a
possibilidade de flexibilizaccedilatildeo da dignidade humana num cenaacuterio de evidente Estado
excepccedilatildeo 8
2 ENQUADRAMENTO FAacuteCTICO
Em Janeiro de 2011 a intensificaccedilatildeo da revolta popular na Tuniacutesia levou agrave queda
do regime ditatorial do paiacutes liderado por Zine El Abidine Ben Ali provocando um efeito
mimeacutetico que inspiraria a realizaccedilatildeo de acccedilotildees de insurreiccedilatildeo em diversos paiacuteses
magrebino-aacuterabes num momento da Histoacuteria que ficou baptizado de ldquoPrimavera
Aacuteraberdquo910e que ainda hoje produz efeitos em paiacuteses como a Siacuteria11
6 Natildeo trataremos contudo neste texto da interessante questatildeo que envolve a margem livre de apreciaccedilatildeo
dos Estados na interpretaccedilatildeo as normas da CEDH Sobre este problema com indicaccedilotildees cfr MEDEIROS
(2015 pp 347 e ss) cfr igualmente KRISCH (2010 pp 109 e ss) LEGG (2012 pp 32 e ss) TOMUSCHAT
(2014 pp 107 e ss) LORENZ Nina-Louisa Arold et al (2013 pp 69 e ss) 7 Cfr por todos BESSON (2014 pp 170 e ss) Em geral sobre o pluralismo juriacutedico num quadro poacutes-
nacional entre outros cfr BERMAN (2012 pp 141 e ss) 8 Sobre este cfr por exemplo o incontornaacutevel texto de AGAMBEN (2005 pp 1 e ss)
9 Relativamente aos antecedentes da Primavera Aacuterabe e ao impacto que teve na democratizaccedilatildeo das
sociedades muccedilulmanas cfr ESPOSITO John L et al (2016 pp 1-25) Sobre a utilizaccedilatildeo das redes sociais
na Primavera Aacuterabe cfr JAMALI (2014) 10
Para uma anaacutelise aos efeitos da Primavera Aacuterabe na Liacutebia e a forma como a revolta conduziu agrave abertura
de investigaccedilotildees no Tribunal Penal Internacional contra figuras do aparelho de Estado liacutebio cfr
GUERREIRO (2012) KERSTEN (2014 pp 188-207) 11
Para uma comparaccedilatildeo dos resultados da Primavera Aacuterabe no Egipto na Tuniacutesia e na Siacuteria cfr SIKA
(2014 pp 73-97)
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No caso especiacutefico da Tuniacutesia o regime autoritaacuterio que vigorou no paiacutes durante
cinco deacutecadas agravado pela perpetuaccedilatildeo de Ben Ali no poder desde 1987 com
dividendos econoacutemicos para si e para o seu ciacuterculo ao mesmo tempo que muitos
tunisinos reclamavam melhores condiccedilotildees de vida e de participaccedilatildeo na poliacutetica deu
iniacutecio a um movimento de revolta popular rebentou quando a populaccedilatildeo se revoltou
contra a morte de Mohamed Bouazizi um comerciante de 26 anos que se auto-imolou
como protesto pela perseguiccedilatildeo encetada pelo Governo O ecircxito alcanccedilado motivou o
baptismo da revolta com a expressatildeo ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo em homenagem agrave flor
vendida nas lojas de rua12
Neste quadro desde 2011 que se veio a assistir a um fluxo migratoacuterio sem
precedentes para o continente europeu com forte incidecircncia de actividade no Mar
Mediterracircneo uma vez que se tratava do meio aparentemente menos oneroso e mais
eficaz de garantir o acesso de cidadatildeos egiacutepcios liacutebios e tunisinos a paiacuteses ou
localidades onde pudessem sentir-se protegidos face agrave queda das instituiccedilotildees nos
respectivos paiacuteses e a crescente anarquia que se veio a consolidar nos seus Estados de
origem13
No passado dia 1 de Setembro de 2015 o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem14 pronunciou-se sobre o pedido formalizado por trecircs cidadatildeos tunisinos contra
o Estado italiano a 9 de Marccedilo de 2012 junto do Tribunal localizado em Estrasburgo
12
Sobre os antecedentes da ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo e o poacutes-Primavera Aacuterabe na Tuniacutesia cfr MARCOVITZ
(2014 pp 26-38) ESPOSITO John L et al (2016 pp 174-201) 13
A este respeito e agraves ameaccedilas de seguranccedila sobre os paiacuteses do Mediterracircneo decorrentes da Primavera
Aacuterabe cfr BOENING (2014 em especial pp 11-25) 14
Podemos questionar a terminologia adoptada em liacutengua portuguesa tanto para o Tribunal como para a
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mais concretamente sobre a referecircncia a ldquoDireitos do
Homemrdquo ou ldquoDireitos Humanosrdquo Em francecircs a designaccedilatildeo oficial eacute ldquoDroits de lrsquoHommerdquo mas em inglecircs e
em castelhano o conceito eacute mais moderno e mais amplo ldquoHuman Rightsrdquo e ldquoDerechos Humanosrdquo
respectivamente A tendecircncia portuguesa para seguir a adaptaccedilatildeo do francecircs natildeo eacute recente tendo as suas
origens no facto de ateacute ao terceiro quartel do seacuteculo XX Portugal manifestar uma aproximaccedilatildeo e uma
afinidade maior com a cultura e poliacutetica francesas A tiacutetulo de exemplo relativamente agrave ldquoDeclaraccedilatildeo
Universal dos Direitos do Homemrdquo o crescente reconhecimento de direitos agraves mulheres e a consequente
intenccedilatildeo de eliminar factores passiacuteveis de prolongarem a discriminaccedilatildeo com base no geacutenero precipitaram
a revisatildeo da terminologia em castelhano mais concretamente de ldquoDerechos del Hombrerdquo para ldquoDerechos
Humanosrdquo em 1952 por via da Resoluccedilatildeo 548 (VI) da Assembleia-Geral das Naccedilotildees Unidas Portugal
nunca procedeu oficialmente agrave mesma alteraccedilatildeo assistindo-se poreacutem a uma referecircncia oficial ora a
ldquoDireitos do Homemrdquo ora a ldquoDireitos Humanosrdquo Com efeito a Declaraccedilatildeo tem a terminologia moderna
reconhecida por oacutergatildeos de soberania como a Assembleia da Repuacuteblica o que natildeo se estende
obrigatoriamente aos restantes
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por factos ocorridos em 201115 numa decisatildeo com impacto consideraacutevel na protecccedilatildeo
dos Direitos Humanos que importa conhecer A decisatildeo que comentamos permite por
um lado discutir os problemas que envolvem a migraccedilatildeo de cidadatildeos de paiacuteses em
cenaacuterio de guerra e por outro permite discutir elementos que se relacionam com a
aplicaccedilatildeo do Direito que deriva da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos no
espaccedilo cosmopolita dos Estados Contratantes
Segundo a mateacuteria sujeita a apreciaccedilatildeo os trecircs requerentes com idades
compreendidas entre os 23 e os 28 anos agrave data da ocorrecircncia dos factos foram
interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterracircneo
numa embarcaccedilatildeo juntamente com outras pessoas a 16 e 17 de Setembro de 2011
sendo acompanhados ateacute um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa
Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola foram-lhes prestados os
primeiros socorros e as autoridades procederam agrave recolha da sua identificaccedilatildeo sendo
finalmente encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadatildeos tunisinos
adultos
Todavia os requerentes alegam terem sido instalados num espaccedilo sobrelotado
e obrigados a dormir no chatildeo dada a insuficiecircncia de camas para dormir e da maacute
qualidade dos colchotildees As refeiccedilotildees eram tomadas no espaccedilo exterior tendo de se
sentar no chatildeo Todo e qualquer contacto com o exterior era impossiacutevel e o centro
mantinha um sistema de vigilacircncia permanente garantido pelas forccedilas de seguranccedila
A 20 de Setembro de 2011 os migrantes ali detidos organizaram um motim que
degenerou num incecircndio no interior do centro que forccedilou as autoridades transalpinas
a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali
passarem a noite No dia seguinte os requerentes juntamente com outros migrantes
lograram romper a barreira de vigilacircncia montada pelas forccedilas de seguranccedila e
chegaram agrave vila de Lampedusa
Uma vez aqui os requerentes juntamente com cerca de 1800 migrantes
organizaram manifestaccedilotildees nas ruas da ilha tendo sido interpelados pelas autoridades
15
O processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 1648312) estaacute disponiacutevel para consulta na paacutegina do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015)
Khlaifia et autres c Italie [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
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policiais detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de
Lampedusa A 22 de Setembro de 2011 os requerentes embarcaram com destino a
Palermo tendo sido transferidos para navios ali atracados reagrupados nos espaccedilos de
restauraccedilatildeo sem poderem aceder agraves cabines e segundo os mesmos natildeo tiveram outra
alternativa a natildeo ser dormir no chatildeo e esperarem vaacuterias horas para terem acesso agraves
instalaccedilotildees sanitaacuterias dispondo de dois periacuteodos diaacuterios em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos poliacutecias que
os vigiavam e natildeo terem recebido qualquer tipo de informaccedilatildeo por parte das
autoridades
Permaneceram nesta situaccedilatildeo ateacute aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011 datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tuniacutesia Durante a permanecircncia nestes
navios os migrantes recebidos pelo cocircnsul da Tuniacutesia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriaccedilatildeo consagrado nos
acordos italo-tunisinos concluiacutedos a 5 de Abril de 2011
Antes da propositura da acccedilatildeo junto do TEDH associaccedilotildees de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funccedilotildees
e detenccedilatildeo ilegal O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012 e o Juiz de Instruccedilatildeo
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisatildeo a 1 de Junho de 2012 A
fundamentaccedilatildeo do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher de auxiliar e fazer face agraves necessidades higieacutenicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessaacuterio antes de encaminhaacute-los para um centro de
identificaccedilatildeo e expulsatildeo ou de tomar decisotildees em seu favor podendo ainda beneficiar
de assistecircncia juriacutedica e obter informaccedilotildees quanto aos procedimentos a tomarem para
darem iniacutecio a um pedido de asilo
Apesar de reconhecer uma certa ldquotendecircncia forccedilada dos requisitos da
intermediaccedilatildeo e da restriccedilatildeo temporaacuteria causada por uma multiplicidade de factores
reconheceu o JIC que estaacute excluiacuteda a ilicitude de tal actuaccedilatildeordquo O JIC realccedilou o facto de
o incecircndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigecircncias de acolhimento e resgate dos migrantes situaccedilatildeo que se
agravou e atentou contra a seguranccedila da populaccedilatildeo local quando os cidadatildeos
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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concretizaccedilatildeo destas disposiccedilotildees aplicando com flexibilidade as regras previstas na
CEDH6
Neste contexto encontra-se precisamente em discussatildeo ndash num sentido mais
especulativo ndash como deve ser encarado este pluralismo entre as ordens nacionais e a
ordem normativa cosmopolita que deriva da CEDH 7 Com efeito com a presente
decisatildeo o TEDH coloca em evidecircncia a necessidade de discutir se num contexto de um
mundo cada vez mais globalizado eacute possiacutevel a ldquoconstruccedilatildeo de um constitucionalismo
estadual para o Seacuteculo XXI com base na excessiva valorizaccedilatildeo do Estado de direito - e
em particular dos direitos fundamentais e da jurisdiccedilatildeo constitucional - em detrimento
do princiacutepio democraacuteticordquo (Medeiros 2015 p 97)
Eacute este portanto o pressuposto que estaraacute subjacente agrave nossa anaacutelise tendo
somente como objectivo estudar de forma criacutetica como encarou o TEDH a
possibilidade de flexibilizaccedilatildeo da dignidade humana num cenaacuterio de evidente Estado
excepccedilatildeo 8
2 ENQUADRAMENTO FAacuteCTICO
Em Janeiro de 2011 a intensificaccedilatildeo da revolta popular na Tuniacutesia levou agrave queda
do regime ditatorial do paiacutes liderado por Zine El Abidine Ben Ali provocando um efeito
mimeacutetico que inspiraria a realizaccedilatildeo de acccedilotildees de insurreiccedilatildeo em diversos paiacuteses
magrebino-aacuterabes num momento da Histoacuteria que ficou baptizado de ldquoPrimavera
Aacuteraberdquo910e que ainda hoje produz efeitos em paiacuteses como a Siacuteria11
6 Natildeo trataremos contudo neste texto da interessante questatildeo que envolve a margem livre de apreciaccedilatildeo
dos Estados na interpretaccedilatildeo as normas da CEDH Sobre este problema com indicaccedilotildees cfr MEDEIROS
(2015 pp 347 e ss) cfr igualmente KRISCH (2010 pp 109 e ss) LEGG (2012 pp 32 e ss) TOMUSCHAT
(2014 pp 107 e ss) LORENZ Nina-Louisa Arold et al (2013 pp 69 e ss) 7 Cfr por todos BESSON (2014 pp 170 e ss) Em geral sobre o pluralismo juriacutedico num quadro poacutes-
nacional entre outros cfr BERMAN (2012 pp 141 e ss) 8 Sobre este cfr por exemplo o incontornaacutevel texto de AGAMBEN (2005 pp 1 e ss)
9 Relativamente aos antecedentes da Primavera Aacuterabe e ao impacto que teve na democratizaccedilatildeo das
sociedades muccedilulmanas cfr ESPOSITO John L et al (2016 pp 1-25) Sobre a utilizaccedilatildeo das redes sociais
na Primavera Aacuterabe cfr JAMALI (2014) 10
Para uma anaacutelise aos efeitos da Primavera Aacuterabe na Liacutebia e a forma como a revolta conduziu agrave abertura
de investigaccedilotildees no Tribunal Penal Internacional contra figuras do aparelho de Estado liacutebio cfr
GUERREIRO (2012) KERSTEN (2014 pp 188-207) 11
Para uma comparaccedilatildeo dos resultados da Primavera Aacuterabe no Egipto na Tuniacutesia e na Siacuteria cfr SIKA
(2014 pp 73-97)
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No caso especiacutefico da Tuniacutesia o regime autoritaacuterio que vigorou no paiacutes durante
cinco deacutecadas agravado pela perpetuaccedilatildeo de Ben Ali no poder desde 1987 com
dividendos econoacutemicos para si e para o seu ciacuterculo ao mesmo tempo que muitos
tunisinos reclamavam melhores condiccedilotildees de vida e de participaccedilatildeo na poliacutetica deu
iniacutecio a um movimento de revolta popular rebentou quando a populaccedilatildeo se revoltou
contra a morte de Mohamed Bouazizi um comerciante de 26 anos que se auto-imolou
como protesto pela perseguiccedilatildeo encetada pelo Governo O ecircxito alcanccedilado motivou o
baptismo da revolta com a expressatildeo ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo em homenagem agrave flor
vendida nas lojas de rua12
Neste quadro desde 2011 que se veio a assistir a um fluxo migratoacuterio sem
precedentes para o continente europeu com forte incidecircncia de actividade no Mar
Mediterracircneo uma vez que se tratava do meio aparentemente menos oneroso e mais
eficaz de garantir o acesso de cidadatildeos egiacutepcios liacutebios e tunisinos a paiacuteses ou
localidades onde pudessem sentir-se protegidos face agrave queda das instituiccedilotildees nos
respectivos paiacuteses e a crescente anarquia que se veio a consolidar nos seus Estados de
origem13
No passado dia 1 de Setembro de 2015 o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem14 pronunciou-se sobre o pedido formalizado por trecircs cidadatildeos tunisinos contra
o Estado italiano a 9 de Marccedilo de 2012 junto do Tribunal localizado em Estrasburgo
12
Sobre os antecedentes da ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo e o poacutes-Primavera Aacuterabe na Tuniacutesia cfr MARCOVITZ
(2014 pp 26-38) ESPOSITO John L et al (2016 pp 174-201) 13
A este respeito e agraves ameaccedilas de seguranccedila sobre os paiacuteses do Mediterracircneo decorrentes da Primavera
Aacuterabe cfr BOENING (2014 em especial pp 11-25) 14
Podemos questionar a terminologia adoptada em liacutengua portuguesa tanto para o Tribunal como para a
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mais concretamente sobre a referecircncia a ldquoDireitos do
Homemrdquo ou ldquoDireitos Humanosrdquo Em francecircs a designaccedilatildeo oficial eacute ldquoDroits de lrsquoHommerdquo mas em inglecircs e
em castelhano o conceito eacute mais moderno e mais amplo ldquoHuman Rightsrdquo e ldquoDerechos Humanosrdquo
respectivamente A tendecircncia portuguesa para seguir a adaptaccedilatildeo do francecircs natildeo eacute recente tendo as suas
origens no facto de ateacute ao terceiro quartel do seacuteculo XX Portugal manifestar uma aproximaccedilatildeo e uma
afinidade maior com a cultura e poliacutetica francesas A tiacutetulo de exemplo relativamente agrave ldquoDeclaraccedilatildeo
Universal dos Direitos do Homemrdquo o crescente reconhecimento de direitos agraves mulheres e a consequente
intenccedilatildeo de eliminar factores passiacuteveis de prolongarem a discriminaccedilatildeo com base no geacutenero precipitaram
a revisatildeo da terminologia em castelhano mais concretamente de ldquoDerechos del Hombrerdquo para ldquoDerechos
Humanosrdquo em 1952 por via da Resoluccedilatildeo 548 (VI) da Assembleia-Geral das Naccedilotildees Unidas Portugal
nunca procedeu oficialmente agrave mesma alteraccedilatildeo assistindo-se poreacutem a uma referecircncia oficial ora a
ldquoDireitos do Homemrdquo ora a ldquoDireitos Humanosrdquo Com efeito a Declaraccedilatildeo tem a terminologia moderna
reconhecida por oacutergatildeos de soberania como a Assembleia da Repuacuteblica o que natildeo se estende
obrigatoriamente aos restantes
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por factos ocorridos em 201115 numa decisatildeo com impacto consideraacutevel na protecccedilatildeo
dos Direitos Humanos que importa conhecer A decisatildeo que comentamos permite por
um lado discutir os problemas que envolvem a migraccedilatildeo de cidadatildeos de paiacuteses em
cenaacuterio de guerra e por outro permite discutir elementos que se relacionam com a
aplicaccedilatildeo do Direito que deriva da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos no
espaccedilo cosmopolita dos Estados Contratantes
Segundo a mateacuteria sujeita a apreciaccedilatildeo os trecircs requerentes com idades
compreendidas entre os 23 e os 28 anos agrave data da ocorrecircncia dos factos foram
interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterracircneo
numa embarcaccedilatildeo juntamente com outras pessoas a 16 e 17 de Setembro de 2011
sendo acompanhados ateacute um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa
Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola foram-lhes prestados os
primeiros socorros e as autoridades procederam agrave recolha da sua identificaccedilatildeo sendo
finalmente encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadatildeos tunisinos
adultos
Todavia os requerentes alegam terem sido instalados num espaccedilo sobrelotado
e obrigados a dormir no chatildeo dada a insuficiecircncia de camas para dormir e da maacute
qualidade dos colchotildees As refeiccedilotildees eram tomadas no espaccedilo exterior tendo de se
sentar no chatildeo Todo e qualquer contacto com o exterior era impossiacutevel e o centro
mantinha um sistema de vigilacircncia permanente garantido pelas forccedilas de seguranccedila
A 20 de Setembro de 2011 os migrantes ali detidos organizaram um motim que
degenerou num incecircndio no interior do centro que forccedilou as autoridades transalpinas
a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali
passarem a noite No dia seguinte os requerentes juntamente com outros migrantes
lograram romper a barreira de vigilacircncia montada pelas forccedilas de seguranccedila e
chegaram agrave vila de Lampedusa
Uma vez aqui os requerentes juntamente com cerca de 1800 migrantes
organizaram manifestaccedilotildees nas ruas da ilha tendo sido interpelados pelas autoridades
15
O processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 1648312) estaacute disponiacutevel para consulta na paacutegina do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015)
Khlaifia et autres c Italie [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
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policiais detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de
Lampedusa A 22 de Setembro de 2011 os requerentes embarcaram com destino a
Palermo tendo sido transferidos para navios ali atracados reagrupados nos espaccedilos de
restauraccedilatildeo sem poderem aceder agraves cabines e segundo os mesmos natildeo tiveram outra
alternativa a natildeo ser dormir no chatildeo e esperarem vaacuterias horas para terem acesso agraves
instalaccedilotildees sanitaacuterias dispondo de dois periacuteodos diaacuterios em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos poliacutecias que
os vigiavam e natildeo terem recebido qualquer tipo de informaccedilatildeo por parte das
autoridades
Permaneceram nesta situaccedilatildeo ateacute aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011 datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tuniacutesia Durante a permanecircncia nestes
navios os migrantes recebidos pelo cocircnsul da Tuniacutesia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriaccedilatildeo consagrado nos
acordos italo-tunisinos concluiacutedos a 5 de Abril de 2011
Antes da propositura da acccedilatildeo junto do TEDH associaccedilotildees de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funccedilotildees
e detenccedilatildeo ilegal O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012 e o Juiz de Instruccedilatildeo
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisatildeo a 1 de Junho de 2012 A
fundamentaccedilatildeo do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher de auxiliar e fazer face agraves necessidades higieacutenicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessaacuterio antes de encaminhaacute-los para um centro de
identificaccedilatildeo e expulsatildeo ou de tomar decisotildees em seu favor podendo ainda beneficiar
de assistecircncia juriacutedica e obter informaccedilotildees quanto aos procedimentos a tomarem para
darem iniacutecio a um pedido de asilo
Apesar de reconhecer uma certa ldquotendecircncia forccedilada dos requisitos da
intermediaccedilatildeo e da restriccedilatildeo temporaacuteria causada por uma multiplicidade de factores
reconheceu o JIC que estaacute excluiacuteda a ilicitude de tal actuaccedilatildeordquo O JIC realccedilou o facto de
o incecircndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigecircncias de acolhimento e resgate dos migrantes situaccedilatildeo que se
agravou e atentou contra a seguranccedila da populaccedilatildeo local quando os cidadatildeos
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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No caso especiacutefico da Tuniacutesia o regime autoritaacuterio que vigorou no paiacutes durante
cinco deacutecadas agravado pela perpetuaccedilatildeo de Ben Ali no poder desde 1987 com
dividendos econoacutemicos para si e para o seu ciacuterculo ao mesmo tempo que muitos
tunisinos reclamavam melhores condiccedilotildees de vida e de participaccedilatildeo na poliacutetica deu
iniacutecio a um movimento de revolta popular rebentou quando a populaccedilatildeo se revoltou
contra a morte de Mohamed Bouazizi um comerciante de 26 anos que se auto-imolou
como protesto pela perseguiccedilatildeo encetada pelo Governo O ecircxito alcanccedilado motivou o
baptismo da revolta com a expressatildeo ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo em homenagem agrave flor
vendida nas lojas de rua12
Neste quadro desde 2011 que se veio a assistir a um fluxo migratoacuterio sem
precedentes para o continente europeu com forte incidecircncia de actividade no Mar
Mediterracircneo uma vez que se tratava do meio aparentemente menos oneroso e mais
eficaz de garantir o acesso de cidadatildeos egiacutepcios liacutebios e tunisinos a paiacuteses ou
localidades onde pudessem sentir-se protegidos face agrave queda das instituiccedilotildees nos
respectivos paiacuteses e a crescente anarquia que se veio a consolidar nos seus Estados de
origem13
No passado dia 1 de Setembro de 2015 o Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem14 pronunciou-se sobre o pedido formalizado por trecircs cidadatildeos tunisinos contra
o Estado italiano a 9 de Marccedilo de 2012 junto do Tribunal localizado em Estrasburgo
12
Sobre os antecedentes da ldquoRevoluccedilatildeo de Jasmimrdquo e o poacutes-Primavera Aacuterabe na Tuniacutesia cfr MARCOVITZ
(2014 pp 26-38) ESPOSITO John L et al (2016 pp 174-201) 13
A este respeito e agraves ameaccedilas de seguranccedila sobre os paiacuteses do Mediterracircneo decorrentes da Primavera
Aacuterabe cfr BOENING (2014 em especial pp 11-25) 14
Podemos questionar a terminologia adoptada em liacutengua portuguesa tanto para o Tribunal como para a
Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem mais concretamente sobre a referecircncia a ldquoDireitos do
Homemrdquo ou ldquoDireitos Humanosrdquo Em francecircs a designaccedilatildeo oficial eacute ldquoDroits de lrsquoHommerdquo mas em inglecircs e
em castelhano o conceito eacute mais moderno e mais amplo ldquoHuman Rightsrdquo e ldquoDerechos Humanosrdquo
respectivamente A tendecircncia portuguesa para seguir a adaptaccedilatildeo do francecircs natildeo eacute recente tendo as suas
origens no facto de ateacute ao terceiro quartel do seacuteculo XX Portugal manifestar uma aproximaccedilatildeo e uma
afinidade maior com a cultura e poliacutetica francesas A tiacutetulo de exemplo relativamente agrave ldquoDeclaraccedilatildeo
Universal dos Direitos do Homemrdquo o crescente reconhecimento de direitos agraves mulheres e a consequente
intenccedilatildeo de eliminar factores passiacuteveis de prolongarem a discriminaccedilatildeo com base no geacutenero precipitaram
a revisatildeo da terminologia em castelhano mais concretamente de ldquoDerechos del Hombrerdquo para ldquoDerechos
Humanosrdquo em 1952 por via da Resoluccedilatildeo 548 (VI) da Assembleia-Geral das Naccedilotildees Unidas Portugal
nunca procedeu oficialmente agrave mesma alteraccedilatildeo assistindo-se poreacutem a uma referecircncia oficial ora a
ldquoDireitos do Homemrdquo ora a ldquoDireitos Humanosrdquo Com efeito a Declaraccedilatildeo tem a terminologia moderna
reconhecida por oacutergatildeos de soberania como a Assembleia da Repuacuteblica o que natildeo se estende
obrigatoriamente aos restantes
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por factos ocorridos em 201115 numa decisatildeo com impacto consideraacutevel na protecccedilatildeo
dos Direitos Humanos que importa conhecer A decisatildeo que comentamos permite por
um lado discutir os problemas que envolvem a migraccedilatildeo de cidadatildeos de paiacuteses em
cenaacuterio de guerra e por outro permite discutir elementos que se relacionam com a
aplicaccedilatildeo do Direito que deriva da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos no
espaccedilo cosmopolita dos Estados Contratantes
Segundo a mateacuteria sujeita a apreciaccedilatildeo os trecircs requerentes com idades
compreendidas entre os 23 e os 28 anos agrave data da ocorrecircncia dos factos foram
interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterracircneo
numa embarcaccedilatildeo juntamente com outras pessoas a 16 e 17 de Setembro de 2011
sendo acompanhados ateacute um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa
Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola foram-lhes prestados os
primeiros socorros e as autoridades procederam agrave recolha da sua identificaccedilatildeo sendo
finalmente encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadatildeos tunisinos
adultos
Todavia os requerentes alegam terem sido instalados num espaccedilo sobrelotado
e obrigados a dormir no chatildeo dada a insuficiecircncia de camas para dormir e da maacute
qualidade dos colchotildees As refeiccedilotildees eram tomadas no espaccedilo exterior tendo de se
sentar no chatildeo Todo e qualquer contacto com o exterior era impossiacutevel e o centro
mantinha um sistema de vigilacircncia permanente garantido pelas forccedilas de seguranccedila
A 20 de Setembro de 2011 os migrantes ali detidos organizaram um motim que
degenerou num incecircndio no interior do centro que forccedilou as autoridades transalpinas
a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali
passarem a noite No dia seguinte os requerentes juntamente com outros migrantes
lograram romper a barreira de vigilacircncia montada pelas forccedilas de seguranccedila e
chegaram agrave vila de Lampedusa
Uma vez aqui os requerentes juntamente com cerca de 1800 migrantes
organizaram manifestaccedilotildees nas ruas da ilha tendo sido interpelados pelas autoridades
15
O processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 1648312) estaacute disponiacutevel para consulta na paacutegina do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015)
Khlaifia et autres c Italie [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
httphudocechrcoeint
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policiais detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de
Lampedusa A 22 de Setembro de 2011 os requerentes embarcaram com destino a
Palermo tendo sido transferidos para navios ali atracados reagrupados nos espaccedilos de
restauraccedilatildeo sem poderem aceder agraves cabines e segundo os mesmos natildeo tiveram outra
alternativa a natildeo ser dormir no chatildeo e esperarem vaacuterias horas para terem acesso agraves
instalaccedilotildees sanitaacuterias dispondo de dois periacuteodos diaacuterios em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos poliacutecias que
os vigiavam e natildeo terem recebido qualquer tipo de informaccedilatildeo por parte das
autoridades
Permaneceram nesta situaccedilatildeo ateacute aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011 datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tuniacutesia Durante a permanecircncia nestes
navios os migrantes recebidos pelo cocircnsul da Tuniacutesia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriaccedilatildeo consagrado nos
acordos italo-tunisinos concluiacutedos a 5 de Abril de 2011
Antes da propositura da acccedilatildeo junto do TEDH associaccedilotildees de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funccedilotildees
e detenccedilatildeo ilegal O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012 e o Juiz de Instruccedilatildeo
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisatildeo a 1 de Junho de 2012 A
fundamentaccedilatildeo do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher de auxiliar e fazer face agraves necessidades higieacutenicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessaacuterio antes de encaminhaacute-los para um centro de
identificaccedilatildeo e expulsatildeo ou de tomar decisotildees em seu favor podendo ainda beneficiar
de assistecircncia juriacutedica e obter informaccedilotildees quanto aos procedimentos a tomarem para
darem iniacutecio a um pedido de asilo
Apesar de reconhecer uma certa ldquotendecircncia forccedilada dos requisitos da
intermediaccedilatildeo e da restriccedilatildeo temporaacuteria causada por uma multiplicidade de factores
reconheceu o JIC que estaacute excluiacuteda a ilicitude de tal actuaccedilatildeordquo O JIC realccedilou o facto de
o incecircndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigecircncias de acolhimento e resgate dos migrantes situaccedilatildeo que se
agravou e atentou contra a seguranccedila da populaccedilatildeo local quando os cidadatildeos
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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por factos ocorridos em 201115 numa decisatildeo com impacto consideraacutevel na protecccedilatildeo
dos Direitos Humanos que importa conhecer A decisatildeo que comentamos permite por
um lado discutir os problemas que envolvem a migraccedilatildeo de cidadatildeos de paiacuteses em
cenaacuterio de guerra e por outro permite discutir elementos que se relacionam com a
aplicaccedilatildeo do Direito que deriva da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos no
espaccedilo cosmopolita dos Estados Contratantes
Segundo a mateacuteria sujeita a apreciaccedilatildeo os trecircs requerentes com idades
compreendidas entre os 23 e os 28 anos agrave data da ocorrecircncia dos factos foram
interceptados pela guarda-costeira italiana quando atravessavam o Mar Mediterracircneo
numa embarcaccedilatildeo juntamente com outras pessoas a 16 e 17 de Setembro de 2011
sendo acompanhados ateacute um centro de acolhimento sito na ilha de Lampedusa
Uma vez chegados ao Centro de Contrada Imbriacola foram-lhes prestados os
primeiros socorros e as autoridades procederam agrave recolha da sua identificaccedilatildeo sendo
finalmente encaminhados para um sector do Centro reservado a cidadatildeos tunisinos
adultos
Todavia os requerentes alegam terem sido instalados num espaccedilo sobrelotado
e obrigados a dormir no chatildeo dada a insuficiecircncia de camas para dormir e da maacute
qualidade dos colchotildees As refeiccedilotildees eram tomadas no espaccedilo exterior tendo de se
sentar no chatildeo Todo e qualquer contacto com o exterior era impossiacutevel e o centro
mantinha um sistema de vigilacircncia permanente garantido pelas forccedilas de seguranccedila
A 20 de Setembro de 2011 os migrantes ali detidos organizaram um motim que
degenerou num incecircndio no interior do centro que forccedilou as autoridades transalpinas
a transferirem os requerentes para o parque desportivo de Lampedusa com o fim de ali
passarem a noite No dia seguinte os requerentes juntamente com outros migrantes
lograram romper a barreira de vigilacircncia montada pelas forccedilas de seguranccedila e
chegaram agrave vila de Lampedusa
Uma vez aqui os requerentes juntamente com cerca de 1800 migrantes
organizaram manifestaccedilotildees nas ruas da ilha tendo sido interpelados pelas autoridades
15
O processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 1648312) estaacute disponiacutevel para consulta na paacutegina do
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2015)
Khlaifia et autres c Italie [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
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policiais detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de
Lampedusa A 22 de Setembro de 2011 os requerentes embarcaram com destino a
Palermo tendo sido transferidos para navios ali atracados reagrupados nos espaccedilos de
restauraccedilatildeo sem poderem aceder agraves cabines e segundo os mesmos natildeo tiveram outra
alternativa a natildeo ser dormir no chatildeo e esperarem vaacuterias horas para terem acesso agraves
instalaccedilotildees sanitaacuterias dispondo de dois periacuteodos diaacuterios em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos poliacutecias que
os vigiavam e natildeo terem recebido qualquer tipo de informaccedilatildeo por parte das
autoridades
Permaneceram nesta situaccedilatildeo ateacute aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011 datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tuniacutesia Durante a permanecircncia nestes
navios os migrantes recebidos pelo cocircnsul da Tuniacutesia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriaccedilatildeo consagrado nos
acordos italo-tunisinos concluiacutedos a 5 de Abril de 2011
Antes da propositura da acccedilatildeo junto do TEDH associaccedilotildees de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funccedilotildees
e detenccedilatildeo ilegal O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012 e o Juiz de Instruccedilatildeo
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisatildeo a 1 de Junho de 2012 A
fundamentaccedilatildeo do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher de auxiliar e fazer face agraves necessidades higieacutenicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessaacuterio antes de encaminhaacute-los para um centro de
identificaccedilatildeo e expulsatildeo ou de tomar decisotildees em seu favor podendo ainda beneficiar
de assistecircncia juriacutedica e obter informaccedilotildees quanto aos procedimentos a tomarem para
darem iniacutecio a um pedido de asilo
Apesar de reconhecer uma certa ldquotendecircncia forccedilada dos requisitos da
intermediaccedilatildeo e da restriccedilatildeo temporaacuteria causada por uma multiplicidade de factores
reconheceu o JIC que estaacute excluiacuteda a ilicitude de tal actuaccedilatildeordquo O JIC realccedilou o facto de
o incecircndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigecircncias de acolhimento e resgate dos migrantes situaccedilatildeo que se
agravou e atentou contra a seguranccedila da populaccedilatildeo local quando os cidadatildeos
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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policiais detidos e reconduzidos ao centro de acolhimento junto ao aeroporto de
Lampedusa A 22 de Setembro de 2011 os requerentes embarcaram com destino a
Palermo tendo sido transferidos para navios ali atracados reagrupados nos espaccedilos de
restauraccedilatildeo sem poderem aceder agraves cabines e segundo os mesmos natildeo tiveram outra
alternativa a natildeo ser dormir no chatildeo e esperarem vaacuterias horas para terem acesso agraves
instalaccedilotildees sanitaacuterias dispondo de dois periacuteodos diaacuterios em que podiam deslocar-se
aos varandins do navio Alegaram ter sido insultados e maltratados pelos poliacutecias que
os vigiavam e natildeo terem recebido qualquer tipo de informaccedilatildeo por parte das
autoridades
Permaneceram nesta situaccedilatildeo ateacute aos dias 27 e 29 de Setembro de 2011 datas
em que foram transferidos de Palermo para a Tuniacutesia Durante a permanecircncia nestes
navios os migrantes recebidos pelo cocircnsul da Tuniacutesia e indicaram os seus dados
pessoais por forma a poder formalizar o processo de expatriaccedilatildeo consagrado nos
acordos italo-tunisinos concluiacutedos a 5 de Abril de 2011
Antes da propositura da acccedilatildeo junto do TEDH associaccedilotildees de combate ao
racismo formalizaram uma queixa-crime no Tribunal de Palermo por abuso de funccedilotildees
e detenccedilatildeo ilegal O processo foi arquivado a 3 de Abril de 2012 e o Juiz de Instruccedilatildeo
Criminal do Tribunal de Palermo confirmou esta decisatildeo a 1 de Junho de 2012 A
fundamentaccedilatildeo do JIC incidiu no facto de o Centro de Contrada Imbriacola ter o
objectivo de acolher de auxiliar e fazer face agraves necessidades higieacutenicas dos migrantes
pelo tempo estritamente necessaacuterio antes de encaminhaacute-los para um centro de
identificaccedilatildeo e expulsatildeo ou de tomar decisotildees em seu favor podendo ainda beneficiar
de assistecircncia juriacutedica e obter informaccedilotildees quanto aos procedimentos a tomarem para
darem iniacutecio a um pedido de asilo
Apesar de reconhecer uma certa ldquotendecircncia forccedilada dos requisitos da
intermediaccedilatildeo e da restriccedilatildeo temporaacuteria causada por uma multiplicidade de factores
reconheceu o JIC que estaacute excluiacuteda a ilicitude de tal actuaccedilatildeordquo O JIC realccedilou o facto de
o incecircndio causado pelos tunisinos no Centro ter impossibilitado o Estado italiano de
satisfazer as exigecircncias de acolhimento e resgate dos migrantes situaccedilatildeo que se
agravou e atentou contra a seguranccedila da populaccedilatildeo local quando os cidadatildeos
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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tunisinos ameaccedilaram explodir cilindros de gaacutes durante a manifestaccedilatildeo que
organizaram no centro da Vila de Lampedusa o que precipitou a tomada de uma
decisatildeo urgente sustentada no interesse puacuteblico a qual poreacutem natildeo provocou nenhum
ldquodano injustordquo
Relativamente agrave alegada afectaccedilatildeo das condiccedilotildees de sauacutede o JIC salientou que
nenhuma das pessoas a bordo dos navios havia formulado um pedido de asilo e que
quem se encontrava no Centro de Acolhimento antes do incecircndio e formalizou o
pedido fora acompanhado para os centros de Trapani Caltanissetta e Foggia
acrescentando ainda que os menores que se encontravam sozinhos e as graacutevidas
encontravam-se em locais proacuteprios e que todos receberam atendimento meacutedico aacutegua
quente electricidade alimentos e bebidas quentes
Atestou-se ainda que um Deputado do Parlamento italiano visitou os navios
aportados e constatou que se encontravam em boas condiccedilotildees de sauacutede dispondo de
acesso agraves cabines e ainda de locais de culto proacuteprios Foi ainda apurado que o juiz de
paz de Agrigente anulou dois decretos de expatriaccedilatildeo pelo facto de as autoridades
italianas terem tomado 10 e 6 dias respectivamente a decidir numa questatildeo que
afectou a liberdade do destinataacuterio o que por se traduzir numa detenccedilatildeo de facto do
migrante constitui uma violaccedilatildeo agrave Constituiccedilatildeo
Natildeo obstante a decisatildeo e a fundamentaccedilatildeo do poder judicial transalpino o
TEDH condenou o Estado italiano ao pagamento de uma indemnizaccedilatildeo por danos natildeo
patrimoniais no valor de euro10000 a cada um dos requerentes e ao pagamento de
euro934451 pelos trecircs a tiacutetulo de custas e despesas processuais
3 FUNDAMENTACcedilAtildeO DA DECISAtildeO
O colectivo de juiacutezes do TEDH condenou a Itaacutelia por violaccedilatildeo de seis disposiccedilotildees
consagradas na Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos Humanos em trecircs verificou-se
unanimidade entre os magistrados nas outras trecircs maioria
Em primeiro lugar o Tribunal apurou que os requerentes natildeo eram livres de
abandonar quer o Centro de Acolhimento quer posteriormente os navios para onde
foram transferidos e que foram designados como uma ldquoextensatildeo do Centro de
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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Acolhimentordquo Foram sujeitos a vigilacircncia constante pela poliacutecia e proibidos de
comunicarem com o exterior Face ao exposto entendeu-se ter sido violado o nordm 1 do
artigo 5ordm da CEDH (direito agrave liberdade e agrave seguranccedila) 16
Ainda que este preceito permita que os Estados restrinjam a liberdade de
estrangeiros para fins de controlos migratoacuterios qualquer privaccedilatildeo de liberdade deve
decorrer da aplicaccedilatildeo de uma base legal interna por questotildees de seguranccedila juriacutedica o
que natildeo se verificava no ordenamento juriacutedico italiano onde inexistia qualquer preceito
que expressamente reconhecesse a detenccedilatildeo de migrantes num Centro de
Acolhimento Deste modo ainda que vigorasse um acordo bilateral entre a Itaacutelia e a
Tuniacutesia os migrantes natildeo poderiam prever as consequecircncias de um acordo que natildeo foi
tornado puacuteblico e natildeo puderam beneficiar de protecccedilatildeo contra o tratamento arbitraacuterio
Paralelamente ainda que o Governo italiano tenha emitido decisotildees de
extradiccedilatildeo contra os requerentes os fundamentos que justificaram a sua detenccedilatildeo natildeo
soacute natildeo constaram de qualquer documento como natildeo foram os mesmos notificados ateacute
ao repatriamento para a Tuniacutesia Assim entendeu o Tribunal que se verificou uma
violaccedilatildeo do nordm 2 do artigo 5ordm da CEDH (direito a ser-se informado das razotildees da prisatildeo
no mais breve prazo)
Como consequecircncia do facto de natildeo terem sido informados no mais breve
prazo das razotildees da sua detenccedilatildeo natildeo puderam os requerentes em momento algum
questionar a legalidade da sua privaccedilatildeo de liberdade Por este motivo o Tribunal
concluiu pela verificaccedilatildeo da violaccedilatildeo do nordm 4 do artigo 5ordm da CEDH (direito a avaliaccedilatildeo
da legalidade da detenccedilatildeo)
Assistiu-se ainda a uma violaccedilatildeo ao artigo 4ordm do Protocolo nordm 4 da CEDH
(proibiccedilatildeo de expulsatildeo colectiva de estrangeiros) Com efeito o TEDH enfatizou que
ainda que os requerentes tenham sido notificados individualmente da pena de
repulsatildeo natildeo foram inquiridos individualmente e as decisotildees que os abrangeram
continham a mesma redacccedilatildeo sem referecircncia agrave situaccedilatildeo pessoal de cada um A
natureza da expulsatildeo colectiva dos requerentes foi confirmada pelo facto de os
acordos bilaterais com a Tuniacutesia preverem a repatriaccedilatildeo de migrantes tunisinos ilegais
16
Sobre este artigo da CEDH desenvolvidamente e por exemplo HARRIS David et al (2014 pp 287 e ss)
e MOWBRAY (2012 pp 245 e ss)
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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ao abrigo de procedimentos simplificados com base na simples identificaccedilatildeo das
pessoas visadas pelas autoridades consulares tunisinas
Acresce que os requerentes natildeo beneficiaram de qualquer meio para reclamar
das condiccedilotildees de detenccedilatildeo no Centro de Acolhimento uma vez que um recurso para
um magistrado apenas poderia dizer respeito agrave legalidade do seu repatriamento para a
Tuniacutesia o que viola o disposto no artigo 13ordm da CEDH (direito a um recurso efectivo) e
conjuntamente no artigo 3ordm do Protocolo nordm 4 (proibiccedilatildeo de expulsatildeo de nacionais) O
facto de o recurso natildeo produzir efeitos suspensivos constitui uma violaccedilatildeo ao artigo
13ordm em conjunto com o artigo 4ordm do Protocolo nordm 4
Finalmente o Tribunal apreciou ainda uma eventual violaccedilatildeo ao artigo 3ordm da
CEDH (proibiccedilatildeo de tortura e tratamentos desumanos) Os magistrados tiveram em
consideraccedilatildeo o facto de a Primavera Aacuterabe em particular os acontecimentos na Tuniacutesia
e na Liacutebia ter produzido um impacto negativo sobre a ilha de Lampedusa que se
deparou com um fluxo migratoacuterio por via mariacutetima extraordinaacuterio o que levou o
Estado italiano a decretar o estado de emergecircncia humanitaacuteria e teve ainda em
atenccedilatildeo o esforccedilo das autoridades em acomodarem os migrantes apoacutes o motim de 20
de Setembro de 2011
Todavia o TEDH sublinhou que alguns relatoacuterios publicados entre os quais os
da Comissatildeo Extraordinaacuteria do Senado italiano e da Amnistia Internacional atestam
que o Centro de Acolhimento de Contrada Imbriacola deparava-se com seacuterios
problemas de sobrelotaccedilatildeo (migrantes que dormiam nos corredores) higiene (cheiros
e serviccedilos sanitaacuterios inutilizaacuteveis) e ausecircncia de contacto com o exterior O Tribunal
relevou o facto de os requerentes se encontrarem vulneraacuteveis apoacutes a realizaccedilatildeo da
travessia mariacutetima Por este motivo o Tribunal concluiu que mesmo apesar de terem
permanecido detidos por quatro dias a sua detenccedilatildeo nas condiccedilotildees referidas diminuiu
a sua dignidade humana ultrapassando a situaccedilatildeo decorrente do sofrimento resultante
da detenccedilatildeo constituindo antes tratamento desumano que viola o artigo 3ordm da CEDH
Este uacuteltimo ponto natildeo obteve unanimidade Destaque-se por exemplo a
opiniatildeo dos juiacutezes Andraacutes Sajoacute e Nebojša Vučinić que aleacutem de considerarem que os
mecanismos de recurso encontravam-se facilmente disponiacuteveis sublinharam que a
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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duraccedilatildeo dos tratamentos desumanos eacute um factor determinante para a verificaccedilatildeo da
violaccedilatildeo do artigo 3ordm do CEDH recordando acoacuterdatildeos do TEDH nesse sentido 17
Aleacutem de questionarem que as condiccedilotildees descritas atentaram contra a sauacutede dos
requerentes reforccedilam que embora se possa concluir pela verificaccedilatildeo de tratamento
desumano num curto espaccedilo de tempo o TEDH concluiu por diversas vezes que tal
ocorre quando se verificam outros elementos especialmente graves que satildeo decisivos
para a determinaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo pelo que agora o reconhecimento do Tribunal
segundo o qual a sujeiccedilatildeo agraves condiccedilotildees de detenccedilatildeo ocorreu num curto espaccedilo de
tempo deveria ser decisivo para rejeitar a verificaccedilatildeo de tratamentos desumanos pelo
Estado italiano18
Os dois magistrados questionam ainda a verificaccedilatildeo de ldquoexpulsatildeo colectivardquo
uma vez que este conceito embora privilegie o princiacutepio fundamental do tratamento
individual tem sido aplicado pelo TEDH em situaccedilotildees raras19 e tende a ser aplicaacutevel a
casos de expulsatildeo em massa de um grupo pelas caracteriacutesticas em comum que tecircm
entre si20 distinguindo-se do conceito de ldquoexpulsatildeo simultacircneardquo de um certo nuacutemero
de pessoas que se encontram em situaccedilatildeo semelhante
Assim o facto de os requerentes natildeo terem sido expulsos por pertencerem a
um grupo eacutetnico religioso ou nacional e natildeo terem formalizado pedido de asilo
permite concluir que o presente caso eacute semelhante ao processo ldquoMA contra Chiprerdquo
(nordm 4187210) onde o TEDH considerou que ldquoo facto de os decretos de expulsatildeo e os
documentos correspondentes terem sido concebidos em formato padratildeo sendo como
17
Mais concretamente os processos ldquoGorea contra Moldaacuteviardquo (nordm 2198405) ldquoTerziev contra Bulgaacuteriardquo (nordm
6259400) ldquoKaralevicius contra Lituacircniardquo (nordm 5325499) e mais recentemente ldquoTarakhel contra Suiacuteccedilardquo (nordm
2921712) 18
Por exemplo em situaccedilotildees de detenccedilatildeo de deficientes mentais de obrigaccedilatildeo de o detido passar a noite
num espaccedilo reduzido onde natildeo se possa instalar convenientemente ou aceder aos sanitaacuterios ou o
confinamento a um local natildeo adaptado ao acolhimento de pessoas ou que se revele perigoso 19
O TEDH considerou que ocorreu ldquoexpulsatildeo colectivardquo em quatro processos e de duas formas distintas
atraveacutes da identificaccedilatildeo de indiviacuteduos em vias de expulsatildeo com base na sua pertenccedila a um grupo com
caracteriacutesticas comuns como sucedeu nos processos ldquoConka contra Beacutelgicardquo (nordm 5156499) ldquoGeoacutergia
contra Ruacutessiardquo (nordm 1325507) e atraveacutes da identificaccedilatildeo de um grupo de indiviacuteduos que se encontram
fisicamente juntos sem considerar a identidade dos mesmos conforme se verificou nos processos ldquoHirsi
Jamma e outros contra Itaacuteliardquo (nordm 2776509) e ldquoSharifi e outros contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm 1664309) 20
Por exemplo criteacuterios eacutetnicos
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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tal idecircnticos e o facto de natildeo mencionarem expressamente as decisotildees precedentes
relativamente ao processo de asilordquo natildeo eacute ldquorevelador de uma expulsatildeo colectivardquo21
4 O CONTEXTO COSMOPOLITA E A CEDH
A decisatildeo que se analisa eacute uma demonstraccedilatildeo inegaacutevel da emergecircncia de um
direito cosmopolita (ou se preferirmos um direito global)22 Na verdade a possibilidade
de os particulares (inclusivamente organizaccedilotildees natildeo governamentais) poderem
demandar um Estado pela violaccedilatildeo da CEDH23 ndash ultrapassando assim a concepccedilatildeo de
que o Direito Internacional Puacuteblico eacute um mero Direito entre Estados ndash permite desde
logo demonstrar que as regras previstas na CEDH protegem os particulares de
violaccedilotildees aos direitos humanos que ocorram no espaccedilo das fronteiras do Estado e da
comunidade poliacutetica em que se inserem24 Com efeito este direito cosmopolita implica
primacialmente a emergecircncia de ldquoum sistema juriacutedico em que o poder puacuteblico tem
como obrigaccedilatildeo de no seio da sua jurisdiccedilatildeo assegurar o respeito pelos direitos
fundamentais de qualquer pessoa independente da nacionalidade ou cidadania da
mesmardquo25
Esta constataccedilatildeo eacute passiacutevel de contextualizaccedilatildeo agrave luz das vaacuterias concepccedilotildees do
direito cosmopolita sem prejuiacutezo de uma anaacutelise exaustiva que natildeo cabe no presente
trabalho26 Na sua origem eacute consensual que a conceptualizaccedilatildeo do direito cosmopolita
eacute profundamente tributaacuteria do trabalho de IMMANUEL KANT Este autor entendia que a
existecircncia de um direito mundial (Weltrecht) estabelece uma garantia global de o
cidadatildeo do mundo ser tratado em todos os locais do mundo como tal sendo
21
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2013) Case of MA v Cyprus [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em httphudocechrcoeint sect246 22
Considerando precisamente ndash ao analisar o direito cosmopolita de Ulrich Beck ndash que ldquoIt is the reality of
our timesrdquo Cfr BLANK (2014 pp 65 e ss) 23
Com efeito nos termos do artigo 34ordm da CEDH ldquoO Tribunal pode receber peticcedilotildees de qualquer pessoa
singular organizaccedilatildeo natildeo governamental ou grupo de particulares que se considere viacutetima de violaccedilatildeo por
qualquer Alta Parte Contratante dos direitos reconhecidos na Convenccedilatildeo ou nos seus protocolos As Altas
Partes Contratantes comprometem-se a natildeo criar qualquer entrave ao exerciacutecio efectivo desse direitordquo
Sobre o indiviacuteduo como sujeito de direito internacional cfr entre outros ESTEVES (1986 pp 185 e ss) e
VILELA (2014 pp 779 e ss) 24
Cfr DOMINGO (2010 p 36) 25
SWEET (2012 p 60) 26
Cfr por todos KOumlHLER (2006 pp 32 e ss)
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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portanto exigiacutevel que obtenha um tratamento paciacutefico 27 e de acordo com a sua
condiccedilatildeo 28
O direito cosmopolita eacute no entanto ainda uma arena propiacutecia a debates e a
divergecircncias que tornam a construccedilatildeo cosmopolita permeaacutevel a um desafio que
envolve tambeacutem o ordenamento juriacutedico nacional Eacute que natildeo se encontra ainda
resolvida a interacccedilatildeo entre este direito cosmopolita e o Estado nacional soberano que
impotildee limites e regras que ainda natildeo tutelam adequadamente os direitos e as posiccedilotildees
juriacutedicas dos refugiados29
Na verdade a crescente vaga de refugiados que ndash numa dimensatildeo sem
precedentes no seacutec XXI ndash colocou em particular os Estados mais procurados por estes
num cenaacuterio de insuficiecircncia30 ndash que natildeo eacute todavia autoprovocado ndash de meios
humanos e fiacutesicos para acolher aqueles que mais precisam de auxiacutelio para fugir de um
panorama aterrador no seu paiacutes de origem
Esta circunstacircncia coloca em crise um dos supostos pressupostos do direito
cosmopolita kantiano o tratamento dos migrantes como cidadatildeos cosmopolitas 31
Sem condiccedilotildees para receber condignamente os cidadatildeos mundiais (migrantes) torna-
se imperativo perceber qual a soluccedilatildeo para um dilema acentuado que se manifesta da
seguinte forma (i) ou os migrantes satildeo simplesmente repatriados (ii) ou poderatildeo ser
recebidos no Estado de acolhimento sem condiccedilotildees suficientes dignas para a sua
condiccedilatildeo humana e de cidadatildeos mundiais (iii) ou por uacuteltimo o Estado de acolhimento
tem a responsabilidade de garantir aos migrantes todas as condiccedilotildees econoacutemicas e de
27
Sobre este contexto no projecto de paz de Kant cfr WOOD (1998 pp 59 e ss) 28
Sobre a questatildeo com indicaccedilotildees cfr SCHMALZ (2016 pp 226 e ss) A Convenccedilatildeo de Genebra relativa
ao Estatuto dos Refugiados adopta precisamente esta concepccedilatildeo ao estabelecer no artigo 32ordm nordm 1 que
ldquoNenhum dos Estados Contratantes expulsaraacute ou repeliraacute um refugiado seja de que maneira for para as
fronteiras dos territoacuterios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaccedilados em virtude da sua raccedila
religiatildeo nacionalidade filiaccedilatildeo em certo grupo social ou opiniotildees poliacuteticasrdquo 29
Neste sentido cfr SCHMALZ (2016 p 237) Sobre as interacccedilotildees entre o direito nacional e o direito
cosmopolita em mateacuteria de refugiados cfr BUCKEL (2013 pp 49 e ss) e BABAN (2013 pp 217 e ss) 30
Satildeo conhecidas as condiccedilotildees em que os refugiados satildeo acolhidos sujeitando-se a viver em habitaccedilotildees
precaacuterias durante vaacuterios anos com as limitaccedilotildees evidentes que envolvem a vida num campo de refugiado
Sobre esta questatildeo cfr por todos AGUIER (2011 pp 36 e ss) 31
Sem prejuiacutezo de se discutir inclusivamente se existe um direito humano agrave migraccedilatildeo cfr VALADEZ (2010
pp 221 e ss)
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 53
Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 55
situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 56
devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
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sobrevivecircncia que merecem todos os seres humanos mas natildeo o podendo fazer tecircm
que responsabilizar-se pela inexistecircncia daquelas condiccedilotildees32
A soluccedilatildeo pode variar consoante a compreensatildeo teoacuterica que se adopte em
torno do direito cosmopolita (Held 2010 pp 14 e ss) Com efeito na decisatildeo
analisada parece-nos que o TEDH parte de uma concepccedilatildeo adequada do conteuacutedo do
direito cosmopolita na medida em que compreende que este deve consubstanciar um
compromisso de protecccedilatildeo dos direitos humanos de qualquer cidadatildeo que se encontre
no territoacuterio de uma das partes contratantes
O direito cosmopolita deixa assim de ser entendido como uma forma de
unitarizaccedilatildeo (e de imposiccedilatildeo da maioria agrave minoria) dos valores de uma determinada
comunidade33 sendo que os respectivos mecanismos de protecccedilatildeo natildeo se dirigem
somente aos cidadatildeos de uma determinada comunidade mas tambeacutem aos cidadatildeos
mundiais34 O conteuacutedo do direito cosmopolita do TEDH permite portanto assumir
uma inclusatildeo dos cidadatildeos do mundo num direito de aplicaccedilatildeo universal mas que
protege direitos humanos seguindo uma loacutegica de que os cidadatildeos
(independentemente da sua comunidade de origem) tecircm uma igualdade axioloacutegica
(Ingram 2013 pp 226 e ss) Eacute assim portanto que o sistema de protecccedilatildeo da CEDH
evita ldquopassa[r] a oferecer cauccedilatildeo a todo e qualquer sistema desde que funcionalrdquo
(Coutinho 2009 p 537)
32
Importa proceder agrave distinccedilatildeo entre os conceitos de refugiado e migrante O primeiro tem como base
desde logo a Convenccedilatildeo de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e serve para qualificar
uma pessoa humana que se encontra fora do paiacutes da sua nacionalidade por ser ou temer ser perseguida
por motivos de raccedila religiatildeo nacionalidade grupo social ou opiniotildees poliacuteticas e agrave qual eacute garantido asilo
No plano europeu o conceito de perseguiccedilatildeo refere aparentemente situaccedilotildees mais concretas de
perseguiccedilatildeo conforme resulta das Directivas nordms 200483CE do Conselho de 29 de Abril 200585CE do
Conselho de 1 de Dezembro 201195UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro
201332UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho e 201333UE do Parlamento
Europeu e do Conselho de 26 de Junho Por outro lado o conceito de migrante eacute aplicaacutevel agraves pessoas
humanas que abandonam o paiacutes da sua nacionalidade rumo a um terceiro Estado tendo motivaccedilotildees
puramente econoacutemicas Embora um migrante possa ambicionar a concessatildeo de asilo enquanto a
protecccedilatildeo natildeo lhe eacute concedida manter-se-aacute como migrante ou mero requerente de asilo natildeo sendo
portanto um refugiado Neste sentido cfr Guerreiro (2016 pp 165-170) 33
Conforme reconhece Schmalz (2016 p 237) a questatildeo natildeo estaacute tanto em saber se o direito cosmopolita
eacute uma soluccedilatildeo mas qual o direito cosmopolita e na necessidade de incorporar elementos criacuteticos na
construccedilatildeo teoacuterica que envolve soluccedilotildees globais 34
Afastamo-nos portanto das consequecircncias que se retiram da concepccedilatildeo de Walzer (2002 pp 125 e ss)
que nega a existecircncia de cidadatildeos mundiais
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 53
Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
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copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 54
O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
country operations profile ndash Turkey [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
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Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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Com efeito eacute perfeitamente plausiacutevel afirmar que ldquoo reforccedilo do regime
internacional de prote[c]ccedilatildeo de direitos humanos ndash com a progressiva afirmaccedilatildeo de um
princiacutepio de equiparaccedilatildeo entre cidadatildeos e natildeo cidadatildeos em nome o princiacutepio da
dignidade humanardquo se assume determinante para a ldquodesvalorizaccedilatildeo da nacionalidaderdquo
(Medeiros 2014 pp 303 e 304) e implica ldquouma esperanccedila de aproximaccedilatildeo dos
indiviacuteduos libertando-os do fardo de terem nascido num local inoacutespito e esquecido do
planetardquo (Roque 2014 p 875)
Neste sentido podemos desde logo concluir que a primeira opccedilatildeo das
soluccedilotildees que apontaacutemos para resolver o dilema do acolhimento de migrantes eacute sem
margem para duacutevidas a que menos seguranccedila na sustentaccedilatildeo de um dever de
hospitalidade para com os cidadatildeos cosmopolitas (no sentido kantiano) oferece As
restantes duas satildeo as mais adequadas a cumprir mas natildeo deixam ser controversas
(como se veraacute seguidamente)
5 APRECIACcedilAtildeO CRIacuteTICA DA DECISAtildeO
A potencialidade maior e com mais relevacircncia relativamente a uma anaacutelise desta
decisatildeo reside desde logo na importacircncia atribuiacuteda agrave indisponibilidade da dignidade
da pessoa humana (Rothhaar 2015 pp 4 e ss) sendo portanto um limite
intransponiacutevel para o legislador nacional no tocante aos direitos humanos consagrados
na CEDH Esta soluccedilatildeo comporta no entanto um paradoxo jaacute anteriormente ensaiado
a hipoacutetese de conciliaccedilatildeo da indisponibilidade da dignidade humana dos migrantes
com a falta de meios e condiccedilotildees dos Estados para os receber
Eacute certo que existe segundo a argumentaccedilatildeo do TEDH um dever juriacutedico de
proteger (com total dignidade) os estrangeiros que entram num territoacuterio contra as
regras de entrada e permanecircncia de pessoas em vigor nesse Estado o que eacute justificado
pela situaccedilatildeo de especial fragilidade que apresentam Em todo o caso deve ser
ponderada a hipoacutetese de ser compaginaacutevel a concomitante violaccedilatildeo da CEDH quando
os Estados simplesmente natildeo tecircm capacidade para o fazer quando se deparam com
uma situaccedilatildeo de emergecircncia natildeo se encontrando preparados para lidar com a crise
humanitaacuteria instalada
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Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 54
O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 55
situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
country operations profile ndash Turkey [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
httpwwwunhcrorg
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 57
BIBLIOGRAFIA
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Internacional Puacuteblico Revista da AAFDL nordm 6 Lisboa AAFDL pp 185 e ss
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Tribunal Penal Internacional Coimbra Almedina
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 58
______ (2016) O Islatildeo o Estado Islacircmico e os Refugiados Quebrar Mitos e Desvendar
Misteacuterios Lisboa Quimera
HABERMANS Juumlrgen (1998) Die Postnationale Konstellation Essays Frankfurt am Main
Suhrkamp
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Siebeck
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 59
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ss
Page 15
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 52
Com efeito faz sentido que se pondere no longo prazo se o Estado de
acolhimento natildeo tem uma posiccedilatildeo activa na melhoria das condiccedilotildees de vida dos
migrantes ou na sua integraccedilatildeo Um desses exemplos seria uma eternizaccedilatildeo da
condiccedilatildeo de migrante (e eventualmente de refugiado) em campos adaptados para o
efeito mas que com o decurso de alguns anos mais natildeo servem do que para
marginalizar estes seres humanos numa loacutegica de que satildeo simplesmente natildeo-cidadatildeos
Mas cumpre na verdade questionar como pode o Estado de acolhimento ser
relativamente responsabilizado por um estado de emergecircncia que ele proacuteprio natildeo
provocou Eacute esta a questatildeo em aberto que merece ser discutida Com efeito enfatize-se
que a exemplo do que sucedeu nos acoacuterdatildeos ldquoSharifi contra Itaacutelia e Greacuteciardquo (nordm
1664309) e ldquoHirsi Jamaa e outros contra Itaacuteliardquo(nordm 2776509) ainda que os Estados
costeiros adoptem medidas preventivas mesmo em alto mar que visem reduzir uma
maior exposiccedilatildeo a fluxos migratoacuterios passiacuteveis de afectar a situaccedilatildeo social do paiacutes que
decorre das suas caracteriacutesticas geograacuteficas satildeo confrontados com a aplicaccedilatildeo
extraterritorial da CEDH (Barreto 2015 p 491)
Ora tais constataccedilotildees merecem uma reflexatildeo mais profunda no acircmbito de uma
confrontaccedilatildeo com outras decisotildees do TEDH e com a doutrina no sentido de reconhecer
que a ldquonatureza aparentemente absoluta do direito de deixar um paiacutes incluindo o seu
pode vir a ser atenuadardquo condicionando-se o direito de algueacutem poder ir para um paiacutes
da sua escolha desde que este lhe admita a entrada35 Satildeo aliaacutes vaacuterias as decisotildees que
concluem que ldquoa Convenccedilatildeo natildeo garante o direito a um estrangeiro de entrar residir
ou estabelecer-se num determinado paiacutesrdquo (Barreto 2015 p 490)
Na praacutetica natildeo apenas respondem por actos que impeccedilam migrantes ilegais de
entrarem no seu territoacuterio como respondem pela obrigaccedilatildeo de os acolherem (ainda
que temporariamente) e de lhes fornecerem cuidados de primeira necessidade
Todavia em todas as decisotildees o Tribunal parece menosprezar as condicionantes que
motivam alguns Estados mais vulneraacuteveis a assumirem medidas preventivas que
permitam dar a resposta assumida como possiacutevel face agrave sua capacidade
35
Cfr BARRETO Ireneu Cabral A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed revista e actualizada
Coimbra Almedina 2015 p 491
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
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Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 55
situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 56
devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
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Outro problema importante eacute neste contexto uma situaccedilatildeo conexa mas
delicada Resta-nos com efeito perceber qual a bitola pela qual deve ser guiada a
anaacutelise em torno da dignidade da pessoa humana Ora eacute possiacutevel que um acolhimento
temporaacuterio e num cenaacuterio de crise com condiccedilotildees de higiene e de espaccedilo limitadas
possa configurar uma violaccedilatildeo das obrigaccedilotildees dos Estados contratantes da CEDH
Eacute certo que os migrantes se encontram numa situaccedilatildeo de especial fragilidade
necessitando como eacute evidente de condiccedilotildees de acolhimento que permitam atenuar o
grande sofrimento de que padecem mas teratildeo os Estados de ser responsaacuteveis por
violaccedilatildeo da CEDH quando num periacuteodo transitoacuterio natildeo podem apresentar as
condiccedilotildees de higiene e de dignidade que seria em regra de esperar num cenaacuterio em
que natildeo existisse uma crise humanitaacuteria Qual seria a alternativa
Com efeito importa recordar o entendimento de que ldquoo mau tratamento teraacute
de atingir um miacutenimo de gravidade a definir de acordo com apelo a elementos
diversos como por exemplo a sua duraccedilatildeo os efeitos fiacutesicos ou psicoloacutegicos a idade
o sexo ou o estado de sauacutede da viacutetima natildeo sendo suficiente que o tratamento seja
ilegal desonroso repreensiacutevel ou desagradaacutevelrdquo (Barreto 2015 p 93)
Eacute certo que a interpretaccedilatildeo da CEDH deve favorecer a protecccedilatildeo da dignidade
da pessoa humana Poreacutem no caso em apreccedilo essa protecccedilatildeo parece assumir uma
dimensatildeo incondicional ao ponto de ignorar factores cujo controlo natildeo estaacute ao alcance
dos Estados questionando-se se a ponderaccedilatildeo natildeo deveraacute ser mais equilibrada de
modo a impedir uma aplicaccedilatildeo fundamentalista e desajustada de uma realidade que
cada vez mais parece seguir no sentido de exigir um niacutevel de sacrifiacutecio financeiro e um
destacamento ceacutelere de meios a que os Estados poderatildeo natildeo conseguir corresponder
Ainda neste sentido atente-se por exemplo ao importante acoacuterdatildeo ldquoTarakhel
contra Suiacuteccedilardquo (nordm 2921712) no qual o Tribunal determina que os Estados devem
disponibilizar condiccedilotildees ajustadas a acolher crianccedilas de modo a assegurar que as
condiccedilotildees natildeo degeneram em situaccedilotildees de stress e ansiedade passiacuteveis de deixar
sequelas traumaacuteticas36
36
Cfr TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (2014) Case of Tarakhel v Switzerland [Em linha]
[Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em lthttphudocechrcoeintgt sect119-122
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 55
situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 56
devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
country operations profile ndash Turkey [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
httpwwwunhcrorg
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 57
BIBLIOGRAFIA
AGAMBEN Giorgio (2005) State of Exception Chicago Chicago University Press
AGUIER Michel (2011) Managing the Undesirables Cambridge Polity Press
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Europe Global Society Vol 27 nordm 3 pp 217 e ss
BARRETO Ireneu Cabral (2015) A Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem 5ordf ed
revista e actualizada Coimbra Almedina
BERMAN Paul Schiff (2012) Global Legal Pluralism Cambridge Cambridge University
Press
BESSON Samantha (2014) European human rights pluralism Notion and justification
Transnational Law Rethinking European Law and Legal Thinking MIGUEL
MADURO KAARLOTUORI e SUVISANKARI (Ed) Cambridge Cambridge University
Press pp 170 e ss
BLANK Yishai (2014) The Reality of Cosmopolitanism Ulrich Beck Pioneer in
Cosmopolitan Sociology and Risk Society Heidelberga Springer pp 65 e ss
BOENING Astrid B (2014) The Arab Spring Re-Balancing the Greater Euro-
Mediterranean Heidelberg Springer
BUCKEL Sonja (2013) Welcome to Europe - Die Grenzen des europaumlischen
Migrationsrechts Bielefeld Transcript
COUTINHO Luiacutes Pereira (2009) A Autoridade Moral da Constituiccedilatildeo ndash da
Fundamentaccedilatildeo da Validade do Direito Constitucional Coimbra Coimbra
Editora
DOMINGO Rafael (2010) The New Global LawCambridge Cambridge University Press
ESPOSITO John L et al(nd) Islam and Democracy after the Arab Spring Nova Iorque
Oxford University Press 2016
ESTEVES Maria Assunccedilatildeo Andrade (1986) O Indiviacuteduo como Sujeito de Direito
Internacional Puacuteblico Revista da AAFDL nordm 6 Lisboa AAFDL pp 185 e ss
GUERREIRO Alexandre (2012) A Resistecircncia dos Estados Africanos agrave Jurisdiccedilatildeo do
Tribunal Penal Internacional Coimbra Almedina
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 58
______ (2016) O Islatildeo o Estado Islacircmico e os Refugiados Quebrar Mitos e Desvendar
Misteacuterios Lisboa Quimera
HABERMANS Juumlrgen (1998) Die Postnationale Konstellation Essays Frankfurt am Main
Suhrkamp
HARRIS Davidet al (2014) Law of the European Convention on Human Rights 3ordf
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Elsevier
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Gaddafi Libya Transitional Justice and the Arab Spring KIRSTEN J FISHERROBERT
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LORENZ Nina-Louisa Aroldet al (2013) The European Human Rights Culture A Paradox
of Human Rights Protection in Europe Leiden Martinus Nijhoff
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MEDEIROS Rui (2015) A Constituiccedilatildeo num contexto Global Lisboa Catoacutelica Editora
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ROQUE Miguel Prata (2014) O Direito Administrativo Transnacional Lisboa AAFDL
ROTHHAAR Markus (2015) Die Menschenwuumlrdeals Prinzip des Rechts Tubinga Mohr
Siebeck
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 59
SCHMALZ Dana (2016) Kosmopolitismuszwischen Vereinigung und Differenz
Transkulturelle Politische Theorie Eine Einfuumlhrung Wiesbaden Springer pp 221
e ss
SIKA Nadine (2014) The Arab State and Social Contestation Beyond the Arab Spring
The Evolving Ruling Bargain in the Middle East MEHRAN KAMRAVA (ed) Oxford
Oxford University Press pp 73-97
SWEET Alec Stone (2012) A cosmopolitan legal order Constitutional pluralism and
rights adjudication in Europe Global Constitutionalism nordm 11 pp 53 e ss
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VALADEZ Jorge M (2010) Is immigration an human right Cosmopolitanism in
Context ROLAND PIERIK e WOUTER WERNER Cambridge Cambridge University
Press pp 221 e ss
VILELA Alexandra (2014) O Cidadatildeo enquanto Sujeito no Direito Internacional o caso
particular da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para Jorge Leite
Estudos Juriacutedicos Vol III Coimbra Coimbra Editora pp 779 e ss
WALZER Michael (2002) Spheres of Afection For The Love of The Country Boston
Beacon Press pp 125 e ss
WOOD Allen W (1998) Kantrsquos Project for Perpetual Peace Cosmopolitics Thinking and
Feeling Beyond the Nation Minneapolis University of Minnesota Press pp 59 e
ss
Page 17
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 54
O acoacuterdatildeo eacute mais abrangente sendo que tambeacutem aqui se repudia a ausecircncia
de condiccedilotildees de acolhimento para todos os requerentes de asilo algo que merece
reflexatildeo igualmente em sede de Uniatildeo Europeia como um todo jaacute que conforme
sublinhado anteriormente alguns Estados estatildeo mais expostos a fluxos migratoacuterios do
que outros sem que se assista a um espiacuterito de solidariedade de facto por parte dos
que geograficamente se encontram mais protegidos e menos susceptiacuteveis a este
fenoacutemeno e como tal acabam por ser excluiacutedos da responsabilizaccedilatildeo a que estatildeo
sujeitos os Estados que marcam a fronteira entre o espaccedilo Schengen e terceiros
Estados
Em suma aleacutem da CEDH poderaacute tambeacutem estar em causa o cumprimento da
Directiva nordm 200309CE do Conselho de 27 de Janeiro de 2003 que estabelece
normas miacutenimas em mateacuteria de acolhimento dos requerentes de asilo nos Estados-
Membros Eacute assim importante que as instacircncias comunitaacuterias e em particular o TEDH
demonstrem alguma toleracircncia e flexibilidade para com eventuais situaccedilotildees de violaccedilatildeo
excepcional e justificada das normas em apreccedilo em mateacuteria de direitos liberdades e
garantias deixando de olhar para tais violaccedilotildees como transtornos ou censurando tais
condutas como se o incumprimento de tais princiacutepios e valores reflectissem situaccedilotildees
de pura responsabilidade objectiva estatal
6 CONCLUSOtildeES
A circulaccedilatildeo de pessoas entre Estados tenham a qualidade de migrantes ou de
refugiados emerge como tema dominante num contexto de globalizaccedilatildeo no qual a
soberania dos Estados eacute desafiada relativamente agrave tomada de decisatildeo sobre a quem
entre os estrangeiros deve ser concedida ou recusada entrada e permanecircncia no seu
territoacuterio bem como agraves condiccedilotildees que um Estado deve e poderaacute proporcionar ao
estrangeiro durante o espaccedilo de tempo em que toma esta decisatildeo
Independentemente da qualidade que o estrangeiro venha a assumir no futuro
eacute expectaacutevel e exigiacutevel que essa condiccedilatildeo seja temporaacuteria seja porque na situaccedilatildeo
migratoacuteria ainda natildeo atingiu o seu destino final ndash devendo caso pretenda estabelecer-
se no paiacutes de entrada proceder agrave regularizaccedilatildeo da sua permanecircncia ndash seja porque em
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
country operations profile ndash Turkey [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
httpwwwunhcrorg
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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Internacional Puacuteblico Revista da AAFDL nordm 6 Lisboa AAFDL pp 185 e ss
GUERREIRO Alexandre (2012) A Resistecircncia dos Estados Africanos agrave Jurisdiccedilatildeo do
Tribunal Penal Internacional Coimbra Almedina
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 58
______ (2016) O Islatildeo o Estado Islacircmico e os Refugiados Quebrar Mitos e Desvendar
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particular da Convenccedilatildeo Europeia dos Direitos do Homem Para Jorge Leite
Estudos Juriacutedicos Vol III Coimbra Coimbra Editora pp 779 e ss
WALZER Michael (2002) Spheres of Afection For The Love of The Country Boston
Beacon Press pp 125 e ss
WOOD Allen W (1998) Kantrsquos Project for Perpetual Peace Cosmopolitics Thinking and
Feeling Beyond the Nation Minneapolis University of Minnesota Press pp 59 e
ss
Page 18
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 55
situaccedilotildees de asilo a causa que justifica o seu estatuto de refugiado deva cessar por
estar comprometida a protecccedilatildeo do indiviacuteduo enquanto Ser Humano
No processo ldquoKhlaifia e outros contra Itaacuteliardquo o colectivo de juiacutezes decide num
sentido que deixa mais duacutevidas do que respostas relativamente aos deveres dos
Estados-Partes para com os migrantes Desde logo eacute possiacutevel aferir das conclusotildees do
TEDH que o direito agrave liberdade e agrave seguranccedila poderaacute natildeo estar comprometido se os
Estados positivarem uma norma que legitime o confinamento de migrantes que entram
ilegalmente no territoacuterio de um Estado Parte a um espaccedilo que os prive de contactos
com o exterior e os sujeite a vigilacircncia das autoridades
Com efeito eacute neste sentido que o Tribunal parece apontar ao afastar o regime
aplicaacutevel aos beneficiaacuterios de asilo que reconhece a liberdade de circulaccedilatildeo dos
refugiados no territoacuterio onde se encontram do previsto para os migrantes ilegais ao
direccionar as criacuteticas para a lotaccedilatildeo do centro de Lampedusa na altura dos
acontecimentos e para o facto de estas instalaccedilotildees natildeo terem correspondecircncia legal
que as qualifique como centro de acolhimento de migrantes ilegais motivo pelo qual
se recomenda que as autoridades italianas procedam agrave clarificaccedilatildeo do estatuto da
infra-estrutura utilizada como centro de detenccedilatildeo
Simultaneamente o simples facto de migrantes terem em comum a
nacionalidade constituiraacute fundamento suficiente para se presumir a verificaccedilatildeo de
expulsatildeo colectiva motivada neste elemento se forem emitidos documentos tipo de
expulsatildeo mas dirigidos aos destinataacuterios correctos e os documentos natildeo padecerem de
viacutecios materiais A ser assim como podem os Estados em tempos de crise garantir o
cumprimento da prestaccedilatildeo de informaccedilatildeo das razotildees da prisatildeo no mais breve prazo e
individualizar a redacccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria sem evitar a violaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo por manter os migrantes detidos durante um periacuteodo prolongado
Por outro lado conforme referido anteriormente parece que o TEDH
considerou uma aplicaccedilatildeo ampla e abstracta da proibiccedilatildeo de tratamentos desumanos
ignorando o surto inesperado de uma crise humanitaacuteria deixando a ideia de que ainda
que os Estados Partes natildeo tenham intenccedilatildeo de proporcionar um tratamento desumano
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
ldquoGavrilovici contra Moldaacuteviardquo (nordm 2546405) ldquoAliev contra Turquiardquo (nordm 3051811) e ldquoT e A contra Turquiardquo
(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
Refugiados Cfr ALTO COMISSARIADO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS (2016) 2015 UNHCR
country operations profile ndash Turkey [Em linha] [Consultado a 15 de Fevereiro de 2016] Disponiacutevel em
httpwwwunhcrorg
Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
Anaacutelise Europeia - Revista da Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 1 (1) 57
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copy Associaccedilatildeo Portuguesa de Estudos Europeus 2016 58
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Alexandre Guerreiro e Artur Flamiacutenio da Silva Anaacutelise Europeia 1 (2016) 38-59
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e ss
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Feeling Beyond the Nation Minneapolis University of Minnesota Press pp 59 e
ss
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devem estar preparados para responder a situaccedilotildees de crise extraordinaacuterias sob pena
de responderem por violaccedilatildeo da CEDH
Assim seraacute que a prioridade deixa de ser a garantia de protecccedilatildeo a migrantes
cujas caracteriacutesticas lhes poderaacute permitir beneficiar de asilo garantia esta que passaria
a tomar-se por adquirida ainda que os Estados natildeo a pudessem prever nem fossem
por elas responsaacuteveis para passar a ser a disponibilizaccedilatildeo de instalaccedilotildees em condiccedilotildees
que privilegiem o acolhimento individual
No mesmo sentido coloca-se a questatildeo de saber se se tornaraacute irrelevante o
periacuteodo de tempo e a razatildeo que sustenta a verificaccedilatildeo da diminuiccedilatildeo da dignidade
humana ocorrendo violaccedilatildeo do artigo 3ordm da CEDH a colocaccedilatildeo de migrantes num
contexto de sobrelotaccedilatildeo e condiccedilotildees de higiene deficientes o que parece opor-se ao
entendimento geral do Tribunal ateacute ao momento37
Em suma a decisatildeo do TEDH no acircmbito do processo ldquoKhlaifia e outros contra
Itaacuteliardquo assume um grau de importacircncia fulcral para reflectir se se tratou esta de uma
decisatildeo excepcional ou se o processo em apreccedilo marca a inversatildeo da tendecircncia e o
reconhecimento de uma responsabilidade acrescida para os Estados Estaratildeo
verificadas as condiccedilotildees para que migrantes e refugiados colocados em campos de
acolhimento na Turquia Estado Parte da CEDH possam propor acccedilotildees de condenaccedilatildeo
de Ancara com base nos mesmos princiacutepios ignorando-se o facto de o territoacuterio turco
acolher cerca de 183 milhotildees de refugiados em condiccedilotildees inferiores agraves que a Itaacutelia
garante38
Estas e muitas outras questotildees permanecem de momento sem resposta mas
mantecircm aberto o debate e devem promover a participaccedilatildeo e a tomada de decisatildeo por
parte dos diversos Estados Partes na CEDH
37
Relativamente a situaccedilotildees similares com o caso em apreccedilo vejam-se as decisotildees dos processos
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(nordm 4714611) 38
Segundo dados oficiais em actualizaccedilatildeo permanente do Alto Comissariado das Naccedilotildees Unidas para os
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