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Historias de-sabedoria-e-encantamento

Dec 18, 2014

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literatura infanto juvenil
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Page 1: Historias de-sabedoria-e-encantamento
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Page 3: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Para Rowan, Alice e Liz, meu público mais leal - e crítico - H.L.

Para Dermot - N.S.

Esta abra foi publicada originalmente em inglês com o título

TALES OF WISDOM AND WONDER

por Barefoot Books. Bath, Inglaterra, em 1998.

Copyright © 1998 by Hugh Lupton para o texto.

Copyright © 1998 by Niamh Sharkey para as ilustrações-

Copyright © 2003. Livraria Martins Fontes Editora Lula.,

São Paulo, para a presente edição.

1ª edição

abril de 2003

Tradução

MONICA STAHEL

Revisão gráfica Helena Guimarães Bittencourt

Ivete Batista dos Santos

Produção gráfica Geraldo Alves

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lupton, Hugh

Histórias de sabedoria & encantamento / recontadas por Hugh

Lupton : ilustradas por Niamh Sharkey : tradução Monica Stahel. –

São Paulo : Martins Fontes, 2003.

Título original: Tales of wisdom and wonder.

ISBN 85-336-1741-0

1. Folclore - Literatura infanto-juvenil 2. Histórias para crianças 3.

Multiculturalismo na literatura I, Sharkey. Niamh. II. Título.

03-0893 CDD-028.5

índices para catálogo sistemático:

1. Folclore : Literatura infanto-juvenil 028.5

Todos os direitos desta edição para o Brasil reservados à

Livraria Martins Fontes Editora Ltda.

Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil

Tel. (11) 3241.3677 Fax (11)3105.6867

e-mail: [email protected] http://www.martinsfontes.com.br

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Page 5: Historias de-sabedoria-e-encantamento
Page 6: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Sumário

Macaco e Papai Deus 6

Haiti

A raposa curandeira 12

Cri

O mascate de Swaffham 22

Inglaterra

A ratinha branca 30

França

O cego e o caçador 38

África Ocidental

Peixes na floresta 46

Rússia

O sonho do pastor 56

Irlanda

Fontes 62

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Macaco e Papai Deus

Haiti

Há muito tempo, no meio de uma floresta, morava uma velha que criava

abelhas. Criava colméias e colméias, e no fim do verão coletava mel: eram

conchas, jarras, tigelas e barris transbordando de mel doce e dourado.

O que a velha fazia com tudo aquilo?

Bem, ela ficava com a maior parte, dava um pouco para os outros e o resto

ela despejava num pote imenso. Erguia aquele pote imenso, ajeitava-o na

cabeça e atravessava a floresta, rumo à feira, para vender seu mel.

Um dia, ela ia caminhando, caminhando pela floresta, equilibrando na

cabeça o pote abarrotado de mel. Mas, enquanto ia andando, uma coisa

terrível aconteceu.

Ela bateu com o pé na raiz de uma árvore, tropeçou, caiu e... PLOFT! O

pote se espatifou e o mel se derramou, escorrendo por todo lado. A mulher

começou a chorar:

Page 8: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Ai, que desgraça, Papai Deus! Por que você me manda tanta desgraça?

E ela começou a caminhar de volta para casa, chorando e agitando as

mãos.

- Que desgraça, que desgraça, Papai Deus, quanta desgraça você me

manda!

Mas ali, sentado em meio aos galhos de uma árvore, espiando tudo,

estava um macaquinho. Assim que a velha se foi, ele desceu até o chão e

enfiou o dedo naquela coisa viscosa. Nunca tinha visto aquilo antes. Então,

levou o dedo à boca.

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- Mmmm, que desgraça gostosa! Eu

nunca tinha experimentado - e ele levou à

boca mais uma mão cheia daquilo.

- Mmmm, desgraça é doce como açúcar!

O macaco comeu, comeu, cuspindo fora

os pedacinhos de pau e casca de árvore e

lambendo os cacos do pote quebrado.

- Mmmm, desgraça é uma delícia!

E, depois de acabar com o último pingo

dourado, ele só conseguia pensa numa

coisa:

- Quero mais desgraça.

O macaco se lembrou do que a velha

tinha dito: Papai Deus, por que você me

manda tanta desgraça?" Coçou a cabeça.

Então era dali que vinha a desgraça!

- Se eu fizer uma visita ao Papai Deus, talvez ele me dê um pouco mais de

desgraça - ele pensou.

Quanto mais pensava, mais gostava da idéia. Então ele foi subindo nas

árvores, subindo, subindo, até chegar à casa do Papai Deus. E lá estava o

próprio Papai Deus, sentado ao sol, vigiando o mundo.

- Oi, Papai Deus!

Papai Deus sorriu.

- Olá, macaquinho, o que você quer?

- Quero desgraça, Papai Deus.

Papai Deus ficou intrigado.

- Quer desgraça, macaquinho?

Page 10: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Desgraça é uma delícia, é doce.

Quero toda a desgraça que puder me dar, Papai Deus!

Papai Deus se levantou.

- Bem, por acaso eu tenho um pouco de desgraça

especialmente feita para macacos. Tem certeza de que isso

que você quer?

O macaco fez que sim com a cabeça. Então Papai

Deus entrou em casa e logo voltou, trazendo um saco de couro.

- Macaquinho, este saco está cheio de desgraça. Mas ouça muito

bem o que vou lhe dizer. Primeiro leve o saco até o meio de um

imenso deserto de areia, onde não cresça nenhuma árvore.

Aí desamarre a boca do saco e, dentro dele, você vai encontrar

toda a desgraça possível de imaginar.

O macaquinho não perdeu tempo. Pegou o saco de

couro e desceu de volta ao mundo. Correu, correu, até

chegar à orla de um deserto. Correu, correu, até chegar ao meio

dele. Então ele se sentou.

Estava com a barriga roncando e a boca cheia d'água, só

de pensar em toda aquela desgraça. Ele se sentou, lambeu

os beiços e desamarrou o cordão que fechava a boca do

saco, exatamente como Papai Deus tinha mandado. E

lá de dentro saiu uma verdadeira desgraça de macaco...

CACHORROS!

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Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete cachorros imensos, rosnando e

salivando!

- Aaaaaargh! - o macaquinho soltou o saco, fez meia-volta e saiu correndo!

- Aaaaaargh! - os sete cachorrões saíram correndo atrás dele.

- Aaaaaargh! - eles estavam chegando perto.

- Aaaaaargh! - o macaco sentia o bafo dos cachorros nas costas

dele.

Então, bem no momento em que ele achou que sua vida tinha

chegado ao fim... apareceu uma árvore!

Page 12: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Uma árvore imensa surgiu do nada. Uma árvore imensa no

meio do deserto, onde não crescia nenhuma arvore. O macaco subiu

por seus galhos o mais depressa que pôde.

E os sete cachorros ficaram rondando, rondando a árvore, latindo, rosnando

e salivando. Acontece que cachorro não sobe em árvore!

O macaco passou o resto do dia encarapitado no alto da árvore, tremendo de

medo.

Quando finalmente o sol se pôs e chegou a escuridão, os sete cachorros

sumiram pelo deserto, com o rabo entre as pernas.

Assim que eles se foram, o macaquinho desceu da árvore e voltou correndo

para a floresta.

Mas fica uma pergunta: quem colocou aquela árvore enorme no meio do

deserto quente e arenoso, onde não há nenhuma outra árvore?

Pois eu vou contar: foi Papai Deus. Por quê? Porque Papai Deus sabe que

desgraça demais não é bom, nem mesmo para um macaco.

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A raposa curandeira

Cri

Era uma vez uma menina que, num dia muito frio, caiu doente. Ela tossia

muito e sentia tanta dor no peito que tinha dificuldade para falar e até para

respirar.

A mãe e o pai a aqueceram com cobertores e peles de animais, mas ela não

melhorava. Ao contrário, piorava cada vez mais.

O brilho de seus olhos se apagou e parecia que a vida estava abandonando

seu corpo. Então o pai e a mãe foram procurar a velha curandeira, que se

chamava Ovo de Pata. Ninguém sabia sua idade, mas era uma mulher muito,

muito velha, com o rosto amarrotado e riscado de rugas.

A velha Ovo de Pata chegou e foi mancando até o lugar em que a menina

estava deitada, à beira do fogo. Ela puxou suavemente as cobertas da criança,

se debruçou, encostou o ouvido na pele sem cor de seu peito e escutou.

Page 14: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Ficou um bom tempo escutando, e o único som que havia no quarto era

o ruído da respiração rápida e difícil da menina. Então a mulher levantou a

cabeça e disse:

- Estou ouvindo o som de uma raposa. Ela está cansada, correndo pela

neve endurecida. Vai se arrastando e sua respiração é ofegante. Ah, pobre

raposa, tem uma longa caminhada pela frente. Está faminta. A cada poucos

passos que ela consegue dar sobre o gelo... chhha: é esse o som que ouço no

peito da menina.

O pai se aproximou da velha e perguntou:

- Ouça, Ovo de Pata. Sou caçador. Sairei pela neve para procurar a raposa e

trazê-la até você.

A mulher balançou a cabeça e disse:

- Tudo bem, traga a raposinha até a aldeia.

Page 15: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O pai da menina calçou a raquete de andar na neve e saiu. Atravessou a

aldeia e foi andando pela neve branca e ofuscante.

Fazia frio, muito frio. E ele viu pegadas na neve. Eram pegadas de raposa,

marcas de patas de raposa. Aqui o rabo do animal tinha varrido a neve, ali suas

patas tinham se afundado na crosta de gelo.

O dia todo o pai da menina seguiu as pegadas, e um pouco antes de

escurecer ele avistou a raposa. Estava magra e cansada, correndo à frente dele

pela neve.

Page 16: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Lá na aldeia, a velha Ovo de Pata escutava atenta o peito da menina.

- Estou ouvindo o som da raposa, mas agora o caçador está perto. Ouço

seus passos na neve. Ele avistou o animal. Sim, ele viu a pobre raposa.

O pai da menina continuou andando, até que a escuridão o impediu de

enxergar. Então ele parou e fez uma fogueira. Agachou-se ao lado dela para se

aquecer, e então viu os olhos da raposa brilhando no escuro. Ela tinha parado

de correr e o observava.

Page 17: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Na aldeia, a velha Ovo de Pata escutava atentamente o peito da menina:

- Estou ouvindo ruído de chamas crepitando. O caçador acendeu

uma fogueira, a raposa está observando. Esta noite a menina vai ficar muito

quente. Vai ter febre.

O pai da menina passou a noite sentado à beira do fogo. Estava com frio e

cansado, mas não adormeceu. Ao amanhecer, saiu de novo em perseguição à

raposa. Pobre raposa, estava exausta, doente e fraca, suas patas se afundavam

na crosta de gelo... chhha... chhha... chhha.

Na aldeia, a menina tossia, tossia:

- Chhha... chhha... chhha...

E o pai da menina conseguiu alcançar a raposa. Segurou-a nas mãos. Ela

estava muito assustada:

- Por que me perseguiu? Por que me pegou? Estou doente e cansada.

Agora me mate. Não consigo correr mais.

O pai da menina sentia a magreza da raposa. Sentia seus ossos e seu

coração bater.

- Não - ele disse suavemente. - Não vou matá-la, raposinha.

Preciso que você cure a doença de uma menina.

E o pai, levando a raposa nos braços, atravessou a neve, rumando de volta

para casa.

Na aldeia, Ovo de Pata escutava atentamente o peito da menina:

- O coração dela está batendo muito depressa. A raposa está assustada, o

caçador a está carregando nos braços. Ele está voltando para casa.

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Page 19: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O pai levou um dia e uma noite para percorrer o caminho de volta.

Quando chegou à aldeia, era de manhã. Foi direto ao encontro da menina, que

continuava deitada à beira do fogo.

A velha Ovo de Pata estava sentada ao lado dela, e a mãe da menina

também. Ao ver o caçador, Ovo de Pata sorriu, e ruguinhas apareceram no

canto de seus olhos.

- Dê-me a raposa, dê-me essa raposinha.

O homem entregou-lhe a raposa, depositou em suas mãos aquele

montinho de pêlos inerte. Ela arrumou um lugarzinho bem aquecido para

deitar a raposa, sobre as peles e cobertores macios da cama da menina.

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- Arranjem um pouco de comida, um pouco de carne para a raposinha.

A mãe da menina trouxe carne e a raposa comeu, comeu até não sobrar

nada.

Depois ela dormiu, dormiu um tempão. A menina também dormiu. As

duas dormiram.

Ovo de Pata ficou em silêncio.

A menina e a raposa abriram os olhos na mesma hora. A velha disse:

- Tragam mais carne!

Page 21: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Mais uma vez, a raposa comeu tudo.

- Agora - disse Ovo de Pata -, abram a porta e deixem a raposa ir embora.

O pai da menina abriu a porta da tenda. Ovo de Pata ajudou a menina a se

sentar.

A menina se debruçou sobre o braço da velha e ficou olhando a raposa.

Viu a raposa farejar o ar e sair pela porta. Viu-a afastar-se da aldeia,

correndo pela neve. E, à medida que o ruído de seus passos ia se tornando mais

fraco, o mesmo acontecia com a tosse da menina.

Page 22: Historias de-sabedoria-e-encantamento

A raposa recuperou as forças. Ela corria, corria pela neve. A menina ficou

em pé e andou até a porta. Sua doença tinha desaparecido. A raposa tinha

desaparecido. Ovo de Pata ficou em silêncio por um instante, depois olhou

para o pai e a mãe da menina.

- Respondam - disse ela -, foi a raposa que curou a menina ou a menina

que curou a raposa?

A mãe da menina pôs a mão no ombro da velha:

- Nem uma coisa nem outra. Foi você que curou as duas!

Ovo de Pata riu, e ruguinhas apareceram no canto de seus olhos.

Page 23: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O mascate de Swaffham

Inglaterra

Era uma vez um homem chamado John Chapman. Ele era mascate, e

andava pelas ruas, campinas e caminhos, trilhava estradas largas e estradinhas

da Inglaterra, vendendo alfinetes e espelhos, laços e carretéis de linha,

canivetes e tesouras, pílulas, pomadas e partituras de canções. Aonde ele ia, seu

cãozinho ia atrás, grudado no seu calcanhar.

John Chapman e seu cãozinho moravam numa casinha na entrada da

cidade de Swaffham. Era uma casinha muito pequenina, com telhado

esburacado e vidraças quebradas. Na primavera, os passarinhos entravam e

saíam pelas janelas sem vidro e faziam seus ninhos nas vigas do teto, por cima

da cama.

Mas ele tinha um pouco de sorte. Nos fundos da casa havia um pequeno

quintal, e nesse quintal havia uma macieira. Era uma velha macieira, muito

bonita, que todo outono deixava cair suas frutas na grama. Eram as maçãs

mais doces de Swaffham.

Page 24: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Pois bem, certa noite John Chapman estava deitado em sua cama, dormindo

profundamente, quando ouviu uma voz. Ouviu uma voz adorável, clara como o

luar, que falava em meio a seus sonhos:

- Vá até a Ponte de Londres - ela dizia. - Vá até a Ponte de Londres.

Ele acordou Sobressaltado, sentou-se, esfregou os olhos, olhou à sua

volta... mas o quarto estava vazio e escuro, o único som que se ouvia era o

ronco do cachorrinho, adormecido aos pés da cama.

- Foi só um sonho - ele pensou. - Nada mais que um sonho.

John Chapman virou para o lado e adormeceu de novo.

Page 25: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Mas na noite seguinte a voz voltou, clara como o luar, em meio a seus

sonhos.

- Vá até a Ponte de Londres. Vá até a Ponte de Londres.

Ele acordou; o quarto estava escuro.

- Foi só um sonho.

E adormeceu de novo.

Mas, noite após noite, a voz voltava:

- Vá até a Ponte de Londres.

Então John Chapman começou a cismar:

- Que coisa estranha! Às vezes convém dar ouvidos aos sonhos. O que

fazer?

Page 26: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Pois bem, John Chapman pensou muito e acabou decidindo:

- É isso mesmo. Eu ouvi e vou obedecer. Vou até a Ponte de Londres.

Então ele enrolou o cobertor, embrulhou um pouco de pão e queijo,

chamou o cachorro e foi-se embora.

Durante três dias ele caminhou por estradas e estradinhas, por trilhas,

campinas e ruas, até finalmente chegar à Ponte de Londres, que atravessava o

rio Tâmisa.

Naquela época, sobre a ponte havia uma infinidade de lojas, as pessoas

andavam a pé e a cavalo, carroças e carruagens rodavam de um lado para outro.

John Chapman nunca na vida tinha visto tanto movimento.

Page 27: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O que fazer então?

O que ele fez foi o seguinte: foi até a parte mais alta da ponte, ficou

esperando... e nada aconteceu.

John Chapman esperou o dia inteiro, e nada aconteceu.

Ele passou a noite dormindo embaixo da ponte, à beira do rio... e nada

aconteceu.

Na manhã seguinte, voltou para cima da ponte e se sentou no degrau de

uma porta... e nada aconteceu.

Estava com fome e frio, e se pôs a pensar:

- Às vezes convém dar ouvidos aos sonhos... e às vezes não.

John Chapman ia se levantar, pensando em iniciar o longo

caminho de volta para sua casa em Swaffham, quando um homem abriu a

porta de sua loja, desceu até a calçada e olhou para ele.

- Então, forasteiro - ele disse -, o que há com você? Ontem passou o dia

todo em cima da ponte, sem fazer nada. Agora está aqui, sentado na soleira da

porta, tremendo como uma alma penada. O que está havendo, hem?

E John Chapman falou:

- É que eu tive um sonho, e no sonho ouvi uma voz clara como o luar

dizendo: "Vá até a Ponte de Londres." Então eu vim.

O homem jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada:

- Sonhos! Ha, ha, ha! Forasteiro, ouça uma coisa: não dê atenção aos

sonhos. Pois eu sonhei que estava num lugar chamado... como era mesmo?...

Swaffham.

Page 28: Historias de-sabedoria-e-encantamento

E lá havia uma casinha com telhado esburacado e vidraças quebradas... e

sonhei que estava cavoucando com uma pá entre as raízes de uma velha

macieira... e achei um pote abarrotado de ouro... Mas você acha que vou

atravessar metade da Inglaterra para ir atrás de um ouro de sonho? Eu não!

Ouça o meu conselho: se eu fosse você...

Mas nisso o dono da loja viu o forasteiro indo embora. John Chapman

saiu correndo pelas ruas de Londres, com o cachorro grudado ao calcanhar!

Correu dia e noite sem parar, até chegar a Swaffham.

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Page 30: Historias de-sabedoria-e-encantamento

E lá também não perdeu tempo. Pegou uma pá e começou seu trabalho,

cavoucando entre as raízes da velha macieira. E, de fato, não demorou muito

para bater com a pá num imenso pote de barro. O pote quebrou e moedas de

ouro rolaram pelo chão.

Eram centenas de moedas! Milhares de moedas!

A partir daquele dia John Chapman deixou de vender coisas pelas

estradas. Terminaram suas andanças.

Agora ele tinha dinheiro para tapar os buracos do telhado, para consertar

os vidros quebrados das janelas.

Tinha dinheiro para comer quando sentia fome.

E ele dava dinheiro aos pobres, aos famintos, a quem não tinha onde

morar.

E assim John Chapman viveu feliz até o fim de seus dias.

Quando ele morreu, fizeram uma estátua, uma linda estátua de John

Chapman com seu cachorro, que foi colocada na praça do mercado em

Swaffham. E aos pés da estátua foi gravada esta frase:

"Até sonhos podem se transformar em ouro."

Page 31: Historias de-sabedoria-e-encantamento

A ratinha branca

França

Era uma vez um rei e uma rainha. O tempo passava, passava, e eles não

conseguiam ter filhos. Então resolveram adotar um rato. Era uma ratinha

branca, de olhos cor-de-rosa e um focinho fino e comprido, que não parava de

se mexer. Como eles adoravam aquela ratinha!

No palácio todos comentavam sobre sua natureza doce, suas maneiras

impecáveis, suas patinhas delicadas, sua inteligência. E ai de quem ousasse

falar alguma coisa contra ela!

Assim o tempo foi passando. A ratinha comia à mesa real onde seu queijo

era servido numa tigelinha dourada, sentava-se no braço dourado do trono do

rei durante os julgamentos reais, acocorava-se entre as orelhas do cavalo da

rainha quando ela saía cavalgando pelo reino.

Page 32: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Nada no mundo era mais precioso para

o rei e a rainha do que sua ratinha branca.

Até que um dia um mágico chegou ao

palácio. Diziam que era um mágico com

poderes enormes.

Assim que tiveram notícia de sua

chegada, o rei e a rainha mandaram

chamá-lo.

- Mágico - disse o rei -, você tem o poder

de transformar uma coisa em outra?

O mágico se inclinou:

- Tenho, sim, Majestade.

Então o rei pegou a ratinha que estava

no braço de seu trono:

- Você tem o poder de transformar esta

criatura encantadora numa princesa, numa

princesa humana?

O mágico se inclinou de novo:

- Tenho, sim, Majestade, mas...

- Mas o quê? - perguntou a rainha.

Page 33: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Eu tenho o poder de transformar sua aparência, mas não o de transformá-

la por dentro. Não tenho o poder de modificar o seu íntimo.

O rei e a rainha pensaram em sua natureza doce, em suas maneiras

impecáveis, em sua delicadeza, em sua inteligência, e disseram:

- Não queremos transformá-la por dentro, não queremos transformar seu

íntimo.

O mágico inclinou-se pela terceira vez, ergueu os braços, gritou uma

palavra estranha numa língua que o rei e a rainha nunca tinham ouvido e

juntou as mãos.

Houve um lampejo de luz. O rei e a rainha cobriram os olhos com as

mãos. E, quando baixaram as mãos, em vez da ratinha branca viram uma

princesa sentada no braço do trono do rei.

Era uma princesa muito bonita, com um leve tom rosado nos olhos e um

leve movimento na ponta do seu belo narizinho.

O rei e a rainha não cabiam em si de tanta felicidade.

Recompensaram o mágico com todo o ouro que ele conseguiu carregar.

Depois chamaram os mais refinados costureiros, que logo se puseram a

cortar e coser, até que o guarda-roupa da princesa estivesse abarrotado de

roupas magníficas. Fizeram tudo para agradá-la, até estarem certos de que ela

não desejava mais nada no mundo.

E os anos foram passando, passando.

Certo dia, o rei achou que tinha chegado o momento de a princesa se

casar.

Page 34: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Querida - ele disse -, está na hora de escolher um marido para você.

A princesa sorriu:

- Claro, papai. Com quem você quer que eu me case?

- A escolha é sua. Só me diga quem seu coração deseja.

A princesa pensou um pouco.

- Então, papai, quero um marido que seja o homem mais poderoso do

mundo.

O rei se recolheu, pensando naquelas palavras. Durante três dias ele

pensou, pensou, e depois chamou a princesa:

- Querida - ele disse -, resolvi que seu marido deverá ser o sol.

A princesa começou a chorar.

Page 35: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- O sol? Ele não tem poder suficiente para mim! Basta um nevoeiro para

tapar a luz do sol e deixar apenas sombra em seu lugar. Não, quero um marido

melhor.

O rei se recolheu para pensar. Durante três dias ele pensou, pensou, e

depois chamou a princesa:

- Querida - ele disse -, resolvi que seu marido deve ser o nevoeiro.

Mais uma vez ela começou a chorar.

- O nevoeiro? Ele não tem poder suficiente para mim. Basta uma rajada

de vento para dispersar o nevoeiro. Não, quero um marido melhor.

O rei se recolheu para pensar. Durante três dias ele pensou, pensou, e

depois chamou a princesa:

- Querida - ele disse -, resolvi que seu marido deverá ser o vento.

- O vento? Ele não tem poder suficiente para mim. Basta um morro para

desviar seu caminho. Não, quero um marido melhor.

O rei se recolheu para pensar. Durante três dias ele pensou, pensou, e

depois chamou a princesa:

- Querida - ele disse -, resolvi que seu marido deverá ser o morro.

- O morro? Ele não tem poder suficiente para mim. Basta um rato com

dentes pontudos como agulhas e garras afiadas como espinhos para escavar

um túnel no morro. Um rato valente poderia fazer do morro o seu palácio. Não,

papai, quero um marido melhor do que o morro.

Page 36: Historias de-sabedoria-e-encantamento
Page 37: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O rei se recolheu para pensar. Durante três dias ele pensou, pensou, e

depois chamou a princesa:

- Querida - ele disse -, resolvi que seu marido deverá ser o rato.

A princesa pulou no pescoço do rei, abraçou-o e beijou-lhe as duas

bochechas.

- Ah, sim, o rato, o rato lindo e maravilhoso, que é capaz de escavar o

morro, que desvia o vento, que dispersa o nevoeiro, que tapa o sol! É o marido

mais poderoso do mundo!

Assim, o rei e a rainha mandaram chamar o mágico, e o mágico se pôs

diante da princesa. Ele abriu os braços, gritou uma palavra, bateu palmas.

Houve um lampejo de luz... e um rato branco saiu correndo de baixo da

montanha de seda formada pelo vestido que tinha despencado no chão.

Page 38: Historias de-sabedoria-e-encantamento

E o mágico se inclinou:

- Perdão, Majestades, lembrem-se de que eu avisei que não tinha o poder

de transformá-la por dentro, de modificar o seu íntimo.

Assim, a linda ratinha branca se casou com um belo rato marrom, com

dentes pontudos como agulhas, garras afiadas como espinhos e rabo de um

metro de comprimento.

Quanto ao rei e à rainha, bem, não demorou muito para terem centenas

de netos, marrons, brancos, beges e malhados. E como adoravam todos eles!

Page 39: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O cego e o caçador

África Ocidental

Era uma vez um homem cego que morava numa palhoça, com sua irmã,

numa aldeia na orla da Floresta.

Esse homem era muito inteligente. Apesar de seus olhos não enxergarem

nada, ele parecia saber mais sobre o mundo do que as pessoas cujos olhos

viam tudo. Costumava sentar-se à porta de sua palhoça e conversar com quem

passava. Quando alguém tinha problemas, perguntava-lhe o que fazer e ele

sempre dava um bom conselho.

Quando alguém queria saber alguma coisa, ele dizia, e suas respostas eram

sempre corretas.

As pessoas balançavam a cabeça, admiradas:

- Como é que você consegue saber tanta coisa, sem enxergar?

E o cego sorria, dizendo:

- É que eu enxergo com os ouvidos.

Page 40: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Bem, um dia a irmã do cego se apaixonou. Ela se apaixonou por um

caçador de outra aldeia. E logo o caçador se casou com a irmã do cego.

Depois da festa de casamento, o caçador foi morar na palhoça, com a

esposa.

Mas o caçador não tinha paciência com o irmão da mulher, não

Tinha nenhuma paciência com o cego.

- Para que serve um homem cego? - ele dizia.

E a mulher respondia:

- Ora, marido, ele sabe mais coisas do mundo do que as

pessoas que enxergam.

O caçador ria:

- Ha, ha, ha, o que pode saber um cego, que vive na escuridão?

Ha, ha, ha...

Todos os dias, o caçador ia para a floresta com seus

alçapões, lanças e flechas. E todas as tardes, quando

o caçador voltava à aldeia, o cego dizia:

- Por favor, amanhã deixe-me ir

com você caçar na floresta.

Mas o caçador balançava a cabeça:

- Para que serve um homem cego?

Page 41: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Dias, semanas e meses se passavam, e todas as tardes o homem cego pedia:

- Por favor, amanhã deixe-me caçar também.

E todas as tardes o caçador dizia que não.

Uma tarde, porém, o caçador chegou de bom humor. Tinha trazido para

casa uma bela caça, uma gazela bem gorda. Sua mulher temperou e assou a

carne e, quando eles acabaram de comer, o caçador disse ao homem cego:

- Pois bem, amanhã você vai caçar comigo.

Assim, na manhã seguinte os dois foram juntos para a floresta, o caçador

carregando seus alçapões, lanças e flechas, e conduzindo o cego pela mão, por

entre as árvores. Andaram horas e horas.

Então, de repente, o cego parou e puxou a mão do caçador:

- Psss, um leão!

O caçador olhou ao redor e não viu nada.

Page 42: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- É um leão, sim, mas está tudo bem. Ele não está faminto e está

dormindo profundamente. Não vai nos fazer mal.

Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um leão dormindo

a sono solto, debaixo de uma árvore.

Depois que passaram pelo animal, o caçador perguntou:

- Como você sabia do leão?

- É que eu enxergo com os ouvidos.

Page 43: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Andaram por mais quatro horas, e então o cego puxou de novo a mão do

caçador:

- Psss, um elefante!

O caçador olhou ao redor e não viu nada.

- É um elefante, sim, mas tudo bem. Ele está dentro de uma

poça d'água e não vai nos fazer mal.

Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um elefante imenso,

chapinhando numa poça d'água, esguichando lama nas próprias costas.

Page 44: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Depois que passaram pelo animal, o caçador perguntou:

- Como você sabia do elefante?

- É que eu enxergo com os ouvidos.

Continuaram seu caminho, se aprofundando cada vez mais na floresta, até

chegarem a uma clareira. O caçador disse:

- Vamos deixar nossos alçapões aqui.

O caçador armou um alçapão e ensinou o cego a armar o outro. Quando os

dois alçapões estavam armados, o caçador disse:

- Amanhã vamos voltar para ver o que pegamos.

E os dois voltaram juntos para a aldeia.

Na manhã seguinte, acordaram cedo. Mais uma vez, foram andando pela

floresta. O caçador se ofereceu para segurar a mão do cego, mas o cego disse:

- Não, agora já conheço o caminho.

Dessa vez, o homem cego foi andando na frente. Não tropeçou em

nenhuma raiz nem toco de árvore. Não errou o caminho nem uma vez.

Andaram, andaram, até chegarem à clareira em que tinham armado os

alçapões.

De longe, o caçador viu que havia um pássaro preso em cada alçapão. De

longe, viu que o pássaro preso em seu alçapão era pequeno e cinzento e que o

pássaro preso no alçapão do cego era lindo, com penas verdes, vermelhas e

douradas.

- Sente-se ali - ele disse. - Cada um de nós apanhou um pássaro. Vou tirá-

los dos alçapões.

Page 45: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O cego sentou-se e o caçador foi até os alçapões, pensando:

- Um homem que não enxerga nunca vai perceber a diferença.

E o que foi que ele fez? Deu ao cego o pequeno pássaro cinzento e ficou

com o lindo pássaro de penas verdes, vermelhas e douradas.

O cego pegou o pássaro cinzento nas mãos, levantou-se e os dois rumaram

de volta para casa.

Andaram, andaram, e a certa altura o caçador disse:

- Já que você é tão inteligente e enxerga com os ouvidos, responda uma

coisa: por que há tanta desavença, ódio e guerra neste mundo?

O cego respondeu:

- Porque este mundo está

cheio de gente como você, que

pega o que não é seu.

O caçador se encheu de

vergonha. Pegou o pássaro

cinzento da mão do cego e deu-lhe

o pássaro lindo, de penas verdes,

vermelhas e douradas.

- Desculpe - ele disse.

Page 46: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Os dois continuaram

andando, e a certa altura o

caçador disse:

- Já que você é tão

inteligente e enxerga com os

ouvidos, responda uma coisa:

por que há tanto amor,

bondade e conciliação neste

mundo?

O cego respondeu:

- Porque este mundo

está cheio de gente como

você, que aprende com seus

próprios erros.

Os dois continuaram

andando, até chegarem à

aldeia.

E, a partir daquele dia,

quando alguém perguntava

ao cego:

- Como é que você

consegue saber tanta coisa,

sem enxergar?, era o caçador

que respondia:

- É que ele enxerga com

os ouvidos... e ouve com o

coração.

Page 47: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Peixes na floresta

Rússia

Era uma vez um lavrador que vivia com a mulher em seu sítio.

Acontece que a mulher do lavrador era incapaz de guardar segredo! Isso

mesmo, ela não guardava segredo de jeito nenhum.

Tudo o que lhe contavam a cidade inteira ficava sabendo em menos de

um dia. A mulher do lavrador ia ao mercado, fazia visitas e entregava ovos

para todo o mundo, e em uma semana a novidade se espalhava pelo país

inteiro.

Nada caminha mais depressa do que uma fofoca.

Pois bem, um dia o lavrador estava cavoucando a plantação de nabos

quando de repente a lâmina da pá bateu na tampa de ferro de uma velha arca

enferrujada.

Ao levantar a tampa, seus olhos se ofuscaram diante de um monte de ouro

amarelo e brilhante.

Page 48: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Ora, ora - ele pensou -, preciso ter cuidado. Minha mulher não

consegue guardar segredo. Se ela vir todo esse ouro, até o fim do dia a cidade

inteira vai ficar sabendo e, daqui a uma semana, essa história vai parar nos

ouvidos do rei. Sendo rei, e além do mais muito ambicioso, certamente ele vai

querer ficar com todo o ouro.

O lavrador sentou no meio do canteiro e ficou pensando, pensando. No

fim, achou que a única coisa a fazer era esperar a mulher pegar no sono, levar

o ouro para casa no meio da noite e enterrá-lo no chão da cozinha.

Foi isso que ele fez. Quando ouviu a mulher roncar, profundamente

adormecida, o lavrador, sob a luz do luar, foi até o campo e pegou o ouro.

Page 49: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Levou-o para casa com muito cuidado e começou a cavar um buraco no

chão da cozinha. Estava cavoucando quando, CRAC!, a pá bateu numa pedra.

A mulher acordou, acendeu uma vela e desceu as escadas, correndo:

- O que está acontecendo aqui?

E então ela viu o tesouro brilhante.

- Oh, marido, onde você achou esse ouro?

- Psss! Ouça uma coisa, esse ouro é segredo.

Achei-o na plantação de nabos. Não conte

para ninguém, nenhuma viva alma pode

saber, está entendendo?

- Ora, marido, você me conhece.

Não vou dizer uma palavra a ninguém,

prometo!

Mas por acaso ela conseguia

guardar segredo?

Eu sei, você sabe e o lavrador

também sabia muito bem que ela não

conseguia guardar segredo. A noite

toda o marido ficou pensando:

- Ora, ora, o que vou fazer agora?

Daqui a um dia a cidade toda

vai estar sabendo, daqui a uma

semana o rei vai estar sabendo.

Ele pensou, pensou e teve uma idéia.

Page 50: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Claro - ele disse -, é isso que eu vou fazer!

Logo cedo, assim que amanheceu, ele pulou da cama e foi até a cidade.

Foi à peixaria e comprou umas trutas prateadas e pintadinhas.

Foi à padaria e comprou uns bolinhos com passas.

Foi ao açougue e comprou uma fieira de lingüiças.

Depois o lavrador foi à floresta, não muito longe de suas terras. Espalhou

os peixes pelo capim úmido, pendurou os bolinhos nos galhos das árvores,

pegou uma vara de pescar, enganchou o anzol nas lingüiças e jogou-as no rio.

Page 51: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Então, esfregando as mãos e rindo consigo mesmo, voltou para casa.

- Mulher, mulher, acorde! Está um dia perfeito para pescar na floresta!

A mulher sentou na cama, esfregando os olhos:

- O quê? Pescar? Na floresta?

- Isso mesmo! Venha comigo, depressa. Não é sempre que isso acontece.

Há peixes nadando no capim e me disseram que vai chover bolinhos de

passas!

Então, ela pulou da cama, vestiu-se muito depressa, pegou uma cesta e os

dois saíram correndo pelo campo, rumo à floresta.

Page 52: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Assim que chegaram, ela gritou:

- Veja só! É verdade! Olhe só as trutas nadando pelo capim.

Ela pegou as trutas e as jogou na cesta.

- São bonitas e gordas!

Depois ela viu os bolinhos pendurados nas árvores.

- Marido, você tinha razão! Bolinhos!

O marido confirmou:

- Pois é, choveram bolinhos, mesmo! Se você tivesse pulado antes da

cama, com certeza também teríamos encontrado bolos pelo chão. Alguém deve

ter chegado antes e levado tudo.

Page 53: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Não foi preciso andar muito para chegarem ao rio. O lavrador disse:

- Vou puxar minha vara de pesca para ver o que consegui pegar.

Ele recolheu a linha e ali estava, balançando enganchada no anzol, uma fieira

de lingüiças.

A mulher do lavrador quase perdeu o fôlego:

- Lingüiças! No rio!

- Pois é - disse o lavrador -, sempre há lingüiças nadando no rio. Mas não

é todo o mundo que sabe pegá-las.

Eles voltaram para o sítio e comeram um café da manhã maravilhoso, com

trutas, bolinhos de passas e lingüiças.

Mas quem disse que a mulher do fazendeiro se esqueceu do ouro? Que

nada!

No fim daquele dia, a história do tesouro escondido já tinha corrido a

cidade de ponta a ponta. A mulher do lavrador ia ao mercado e entregava

ovos para todo o mundo, e no fim de uma semana o país inteiro estava

sabendo da história.

Afinal, nada caminha mais depressa do que uma fofoca.

E é claro que a história chegou aos ouvidos do rei.

E é claro que o rei, muito ambicioso, quis ficar com todo o ouro.

- Tragam-me aquele lavrador e a mulher dele! – ordenou o rei.

Assim, os dois foram levados ao palácio do rei.

- É verdade que vocês encontraram um tesouro enorme? - perguntou o

rei.

Page 54: Historias de-sabedoria-e-encantamento
Page 55: Historias de-sabedoria-e-encantamento

- Não, não é verdade - disse o lavrador.

- Mas ouviram sua mulher contar a história para todo o mundo e o reino

inteiro está falando nisso.

O lavrador riu.

- Ora, Majestade, minha mulher é completamente louca. Suas histórias

não têm pé nem cabeça.

A mulher do lavrador bateu o pé.

- Louca coisa nenhuma - ela disse. - Eu vi com meus próprios olhos,

Majestade. Ele estava enterrando o ouro no chão da cozinha.

Page 56: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O rei olhou para a mulher com seus olhinhos ambiciosos.

- Quando foi que você viu isso?

A mulher do lavrador pensou um pouco e respondeu:

- Ora, Majestade, foi uma noite antes de acharmos os peixes nadando na

floresta. Choveu bolinhos de passas e nós enchemos uma cesta... e depois meu

marido pescou uma fieira de lingüiças no rio...

O rei balançou a cabeça:

- Coitada, completamente louca, aluada, doidinha! Lingüiças no rio,

peixes na floresta, ouro enterrado no chão, chuva de bolinhos! Leve-a para

casa, lavrador. Nunca mais quero ouvir as histórias dela.

E os dois foram para casa.

Assim, o lavrador ficou com todo o ouro brilhante e

amarelinho só para ele.

Quanto à mulher, quando ela começava a contar

segredos ou espalhar fofocas, as pessoas balançavam a

cabeça e sorriam:

- Coitada, ela é louca!

- Aluada!

- Doidinha!

E assim a mulher do lavrador passou a guardar

os segredos só para ela.

Page 57: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O sonho do pastor

Irlanda

Era uma vez dois velhos pastores. Tinham saído com seus carneiros e, no

fim do dia, acabaram ficando muito cansados.

Então se sentaram num monte de relva fofa, perto do rio. Um deles se

deitou, fechou os olhos e logo pegou no sono. O outro ficou sentado, fumando

seu cachimbo, pensando nisso e naquilo, observando o companheiro que

dormia.

Era um belo entardecer, o sol formava longas sombras sobre a relva, o

riacho murmurava...

De repente, aconteceu uma coisa estranha.

A boca do pastor adormecido se abriu e, entre seus lábios, surgiu uma

borboleta branca. De sua boca saiu uma borboleta branca como a neve.

Rastejando, a borboleta desceu pelo corpo do pastor adormecido,

percorreu uma de suas pernas e esvoaçou até o chão

Page 58: Historias de-sabedoria-e-encantamento

de relva. Havia uma pequena trilha que levava dali até o rio, e a borboleta

desceu até a beira da água.

O homem que estava acordado se levantou e foi acompanhando a

estranha borboleta. Ele nunca tinha visto nada igual.

A trilha levava até uma fileira de pedras que atravessava o rio.

Esvoaçando de uma pedra para outra, a borboleta chegou à outra margem.

Pulando de uma pedra para outra, o homem foi atrás da borboleta.

Page 59: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Nessa outra margem, cresciam juncos altos. A borboleta se agitava e

voava, entrando e saindo do meio do junco. O pastor ficou parado, observando

admirado, com o cachimbo na boca. Então, por entre os juncos, no chão de

relva, ele viu um crânio de cavalo. Era uma imensa caveira branca de cavalo,

corroída pelo tempo e ressecada pelo sol.

Page 60: Historias de-sabedoria-e-encantamento

A borboleta foi até a caveira, esvoaçou sobre o osso branco e entrou por

uma de suas órbitas.

O pastor continuou ali, em pé, vendo a borboleta buscar e explorar cada

canto do crânio.

Depois de um tempo, a borboleta saiu e voou de volta pelos juncos,

atravessou o rio pelas pedras e subiu pela trilha. O pastor acompanhou-a em

silêncio. Admirado, viu-a subir na perna do homem adormecido, rastejar por

seu corpo e entrar em sua boca aberta. Imediatamente o homem fechou a boca.

Então se espreguiçou, esfregou os olhos e acordou. Sentou-se na relva e disse:

- Acho que dormi demais.

- Nem tanto - disse o amigo -, mas enquanto você dormia vi uma coisa

maravilhosa.

- Pois quem viu uma coisa maravilhosa fui eu! Imagine só: enquanto

dormia, sonhei que fiz uma viagem imensa. Primeiro, caminhei por uma bela

estrada, muito ampla, com uma alta sebe

Page 61: Historias de-sabedoria-e-encantamento

verde de cada lado. Finalmente, cheguei à beira do mar. Atravessei-o, indo de

uma ilha a outra, até chegar a um país distante. De início, atravessei uma

floresta de árvores muito altas, que cresciam retas na direção do céu.

Maravilhado, Perambulei um pouco por ali, até que avistei um palácio. Era um

palácio magnífico, de mármore branco e brilhante! Entrei pela porta e percorri

todos os aposentos. Lá dentro não havia ninguém. Pensei em ficar ali para

sempre, mas de repente tive uma sensação estranha. Eu sabia que tinha que

voltar pelo mesmo caminho pelo qual tinha ido. Então saí do palácio,

atravessei a floresta, o mar,

Page 62: Historias de-sabedoria-e-encantamento

percorri a longa estrada e cheguei em casa. Fechei a porta atrás de mim e

estava pensando em fazer meu jantar quando... acordei!

O amigo ficou em silêncio por um momento, fumando seu cachimbo, e

então disse:

- Venha comigo. Vou lhe mostrar a viagem que você fez.

O homem que tinha dormido se levantou e o amigo lhe contou da

estranha borboleta branca que saíra de sua boca.

- Esta pequena trilha - ele disse - é a estrada ampla, e o capim é a sebe

alta. Este rio é o mar e as pedras que o atravessam são as ilhas. Aqueles juncos

são as árvores da floresta e aquela caveira de cavalo é o palácio vazio, branco e

brilhante, em que você entrou.

De fato, os dois tinham visto uma coisa maravilhosa. Mas qual deles viu a

maravilha maior?

Page 63: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Fontes

A relação do contador de histórias com suas fontes é semelhante à do músico de jazz

com a melodia. Contei muitas dessas histórias durante anos, portanto não peço desculpas

pelas variações que possam ter sido elaboradas em torno das versões que recebi. No entanto,

espero ter sido fiel ao espírito dos contos e a todos os inúmeros contadores que os

transmitiram antes de mim.

Macaco e Papai Deus

Esta história se encontra difundida em todas as ilhas do Caribe. Ouvi diversas variantes

dela, às vezes falando em "problema" em vez de "desgraça". Há uma versão na bela coletânea

de contos haitianos de Diane Wolkstein, The Magic Orange Tree (Schoken Books, New York,

1980).

A raposa curandeira

Existem muitas histórias dos nativos da América do Norte sobre viagens curativas. Esta

é uma de minhas favoritas. A fonte de que a extraí foi uma coletânea de contos cri de Howard

Norman, Where the Chill Carne From (North Point Press, San Francisco, 1982).

Page 64: Historias de-sabedoria-e-encantamento

O mascate de Swaffham

Conheço esta história desde criança. Quase todas as tradições orais parecem ter uma

variante deste tema. Há uma versão dela no Dictionary of British Folk -Tales de Katherine

Briggs (Routledge, London, 1991).

A ratinha branca

Esta história francesa aparece entre os contos populares do Auvergne coletados por

Henri Pourrat. É uma variante de uma história encontrada em toda a Europa e Ásia. De

fato, há uma história indiana quase idêntica chamada 0 camundongo branco. A versão de

Henri Pourrat pode ser encontrada em French Folktales (Pantheon Fairy Tale and Folklore Library,

New York, 1989).

O cego e o caçador

Ouvi esta história contada por meu amigo Duncan Williamson, escocês, grande coletor

de histórias, baladas e ditos de viajantes. Por sua vez, ele a ouviu de um cego da África

Ocidental, em Birmingham. Não encontrei nenhuma versão impressa deste conto nem sei

exatamente qual é seu país de origem. No entanto, minha antologia preferida de histórias

tradicionais africanas é African Folktales de Paul Radin (Schocken Books, New York, 1983).

Page 65: Historias de-sabedoria-e-encantamento

Peixes na floresta

Esta é uma versão russa de um tema que aparece em toda a Europa. Há uma bela

variante escocesa intitulada "Silly Jack and the Factor", que pode ser encontrada no

Dictionary ofBritish Folk-Tales (ver acima). Minha versão foi extraída de uma velha antologia,

Folk Tales of All Nations, editada por F. H. Lee (Harrap, London, 1931). Surpreendentemente,

ela não aparece na coletânea definitiva de histórias tradicionais russas de Aleksandr Afanasiev,

Russian Fairy Tales (Pantheon Fairy Tale and Folklore Library, New York, 1973).

O sonho do pastor

Esta história misteriosa está em The Folklore of Ireland (Batsford Books, London, 1974).

Também pode ser encontrada em Folk-Tales of the British Isles, de Kevin Crossley Holland

(Faber & Faber, London, 1985). Ambas são coletâneas indispensáveis para quem deseja

pesquisar contos tradicionais britânicos.

Page 66: Historias de-sabedoria-e-encantamento
Page 67: Historias de-sabedoria-e-encantamento

EEssttee lliivvrroo ffooii ddiiggiittaalliizzaaddoo ee ddiissttrriibbuuííddoo GGRRAATTUUIITTAAMMEENNTTEE ppeellaa eeqquuiippee DDiiggiittaall SSoouurrccee ccoomm aa

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DDeeffiicciieenntteess VViissuuaaiiss aa ooppoorrttuunniiddaaddee ddee ccoonnhheecceerreemm nnoovvaass oobbrraass..

SSee qquuiisseerr oouuttrrooss ttííttuullooss nnooss pprrooccuurree hhttttpp::////ggrroouuppss..ggooooggllee..ccoomm//ggrroouupp//VViicciiaaddooss__eemm__LLiivvrrooss ,,

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