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2. Para Rowan, Alice e Liz, meu pblico mais leal - e crtico -
H.L. Para Dermot - N.S. Esta abra foi publicada originalmente em
ingls com o ttulo TALES OF WISDOM AND WONDER por Barefoot Books.
Bath, Inglaterra, em 1998. Copyright 1998 by Hugh Lupton para o
texto. Copyright 1998 by Niamh Sharkey para as ilustraes- Copyright
2003. Livraria Martins Fontes Editora Lula., So Paulo, para a
presente edio. 1 edio abril de 2003 Traduo MONICA STAHEL Reviso
grfica Helena Guimares Bittencourt Ivete Batista dos Santos Produo
grfica Geraldo Alves Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
(CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Lupton, Hugh Histrias
de sabedoria & encantamento / recontadas por Hugh Lupton :
ilustradas por Niamh Sharkey : traduo Monica Stahel. So Paulo :
Martins Fontes, 2003. Ttulo original: Tales of wisdom and wonder.
ISBN 85-336-1741-0 1. Folclore - Literatura infanto-juvenil 2.
Histrias para crianas 3. Multiculturalismo na literatura I,
Sharkey. Niamh. II. Ttulo. 03-0893 CDD-028.5 ndices para catlogo
sistemtico: 1. Folclore : Literatura infanto-juvenil 028.5 Todos os
direitos desta edio para o Brasil reservados Livraria Martins
Fontes Editora Ltda. Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 So
Paulo SP Brasil Tel. (11) 3241.3677 Fax (11)3105.6867 e-mail:
info@martinsfontes.com.br http://www.martinsfontes.com.br
3. Sumrio Macaco e Papai Deus 6 Haiti A raposa curandeira 12
Cri O mascate de Swaffham 22 Inglaterra A ratinha branca 30 Frana O
cego e o caador 38 frica Ocidental Peixes na floresta 46 Rssia O
sonho do pastor 56 Irlanda Fontes 62
4. Macaco e Papai Deus Haiti H muito tempo, no meio de uma
floresta, morava uma velha que criava abelhas. Criava colmias e
colmias, e no fim do vero coletava mel: eram conchas, jarras,
tigelas e barris transbordando de mel doce e dourado. O que a velha
fazia com tudo aquilo? Bem, ela ficava com a maior parte, dava um
pouco para os outros e o resto ela despejava num pote imenso.
Erguia aquele pote imenso, ajeitava-o na cabea e atravessava a
floresta, rumo feira, para vender seu mel. Um dia, ela ia
caminhando, caminhando pela floresta, equilibrando na cabea o pote
abarrotado de mel. Mas, enquanto ia andando, uma coisa terrvel
aconteceu. Ela bateu com o p na raiz de uma rvore, tropeou, caiu
e... PLOFT! O pote se espatifou e o mel se derramou, escorrendo por
todo lado. A mulher comeou a chorar:
5. - Ai, que desgraa, Papai Deus! Por que voc me manda tanta
desgraa? E ela comeou a caminhar de volta para casa, chorando e
agitando as mos. - Que desgraa, que desgraa, Papai Deus, quanta
desgraa voc me manda! Mas ali, sentado em meio aos galhos de uma
rvore, espiando tudo, estava um macaquinho. Assim que a velha se
foi, ele desceu at o cho e enfiou o dedo naquela coisa viscosa.
Nunca tinha visto aquilo antes. Ento, levou o dedo boca.
6. - Mmmm, que desgraa gostosa! Eu nunca tinha experimentado -
e ele levou boca mais uma mo cheia daquilo. - Mmmm, desgraa doce
como acar! O macaco comeu, comeu, cuspindo fora os pedacinhos de
pau e casca de rvore e lambendo os cacos do pote quebrado. - Mmmm,
desgraa uma delcia! E, depois de acabar com o ltimo pingo dourado,
ele s conseguia pensa numa coisa: - Quero mais desgraa. O macaco se
lembrou do que a velha tinha dito: Papai Deus, por que voc me manda
tanta desgraa?" Coou a cabea. Ento era dali que vinha a desgraa! -
Se eu fizer uma visita ao Papai Deus, talvez ele me d um pouco mais
de desgraa - ele pensou. Quanto mais pensava, mais gostava da idia.
Ento ele foi subindo nas rvores, subindo, subindo, at chegar casa
do Papai Deus. E l estava o prprio Papai Deus, sentado ao sol,
vigiando o mundo. - Oi, Papai Deus! Papai Deus sorriu. - Ol,
macaquinho, o que voc quer? - Quero desgraa, Papai Deus. Papai Deus
ficou intrigado. - Quer desgraa, macaquinho?
7. - Desgraa uma delcia, doce. Quero toda a desgraa que puder
me dar, Papai Deus! Papai Deus se levantou. - Bem, por acaso eu
tenho um pouco de desgraa especialmente feita para macacos. Tem
certeza de que isso que voc quer? O macaco fez que sim com a cabea.
Ento Papai Deus entrou em casa e logo voltou, trazendo um saco de
couro. - Macaquinho, este saco est cheio de desgraa. Mas oua muito
bem o que vou lhe dizer. Primeiro leve o saco at o meio de um
imenso deserto de areia, onde no cresa nenhuma rvore. A desamarre a
boca do saco e, dentro dele, voc vai encontrar toda a desgraa
possvel de imaginar. O macaquinho no perdeu tempo. Pegou o saco de
couro e desceu de volta ao mundo. Correu, correu, at chegar orla de
um deserto. Correu, correu, at chegar ao meio dele. Ento ele se
sentou. Estava com a barriga roncando e a boca cheia d'gua, s de
pensar em toda aquela desgraa. Ele se sentou, lambeu os beios e
desamarrou o cordo que fechava a boca do saco, exatamente como
Papai Deus tinha mandado. E l de dentro saiu uma verdadeira desgraa
de macaco... CACHORROS!
8. Um, dois, trs, quatro, cinco, seis, sete cachorros imensos,
rosnando e salivando! - Aaaaaargh! - o macaquinho soltou o saco,
fez meia-volta e saiu correndo! - Aaaaaargh! - os sete cachorres
saram correndo atrs dele. - Aaaaaargh! - eles estavam chegando
perto. - Aaaaaargh! - o macaco sentia o bafo dos cachorros nas
costas dele. Ento, bem no momento em que ele achou que sua vida
tinha chegado ao fim... apareceu uma rvore!
9. Uma rvore imensa surgiu do nada. Uma rvore imensa no meio do
deserto, onde no crescia nenhuma arvore. O macaco subiu por seus
galhos o mais depressa que pde. E os sete cachorros ficaram
rondando, rondando a rvore, latindo, rosnando e salivando. Acontece
que cachorro no sobe em rvore! O macaco passou o resto do dia
encarapitado no alto da rvore, tremendo de medo. Quando finalmente
o sol se ps e chegou a escurido, os sete cachorros sumiram pelo
deserto, com o rabo entre as pernas. Assim que eles se foram, o
macaquinho desceu da rvore e voltou correndo para a floresta. Mas
fica uma pergunta: quem colocou aquela rvore enorme no meio do
deserto quente e arenoso, onde no h nenhuma outra rvore? Pois eu
vou contar: foi Papai Deus. Por qu? Porque Papai Deus sabe que
desgraa demais no bom, nem mesmo para um macaco.
10. A raposa curandeira Cri Era uma vez uma menina que, num dia
muito frio, caiu doente. Ela tossia muito e sentia tanta dor no
peito que tinha dificuldade para falar e at para respirar. A me e o
pai a aqueceram com cobertores e peles de animais, mas ela no
melhorava. Ao contrrio, piorava cada vez mais. O brilho de seus
olhos se apagou e parecia que a vida estava abandonando seu corpo.
Ento o pai e a me foram procurar a velha curandeira, que se chamava
Ovo de Pata. Ningum sabia sua idade, mas era uma mulher muito,
muito velha, com o rosto amarrotado e riscado de rugas. A velha Ovo
de Pata chegou e foi mancando at o lugar em que a menina estava
deitada, beira do fogo. Ela puxou suavemente as cobertas da criana,
se debruou, encostou o ouvido na pele sem cor de seu peito e
escutou.
11. Ficou um bom tempo escutando, e o nico som que havia no
quarto era o rudo da respirao rpida e difcil da menina. Ento a
mulher levantou a cabea e disse: - Estou ouvindo o som de uma
raposa. Ela est cansada, correndo pela neve endurecida. Vai se
arrastando e sua respirao ofegante. Ah, pobre raposa, tem uma longa
caminhada pela frente. Est faminta. A cada poucos passos que ela
consegue dar sobre o gelo... chhha: esse o som que ouo no peito da
menina. O pai se aproximou da velha e perguntou: - Oua, Ovo de
Pata. Sou caador. Sairei pela neve para procurar a raposa e traz-la
at voc. A mulher balanou a cabea e disse: - Tudo bem, traga a
raposinha at a aldeia.
12. O pai da menina calou a raquete de andar na neve e saiu.
Atravessou a aldeia e foi andando pela neve branca e ofuscante.
Fazia frio, muito frio. E ele viu pegadas na neve. Eram pegadas de
raposa, marcas de patas de raposa. Aqui o rabo do animal tinha
varrido a neve, ali suas patas tinham se afundado na crosta de
gelo. O dia todo o pai da menina seguiu as pegadas, e um pouco
antes de escurecer ele avistou a raposa. Estava magra e cansada,
correndo frente dele pela neve.
13. L na aldeia, a velha Ovo de Pata escutava atenta o peito da
menina. - Estou ouvindo o som da raposa, mas agora o caador est
perto. Ouo seus passos na neve. Ele avistou o animal. Sim, ele viu
a pobre raposa. O pai da menina continuou andando, at que a
escurido o impediu de enxergar. Ento ele parou e fez uma fogueira.
Agachou-se ao lado dela para se aquecer, e ento viu os olhos da
raposa brilhando no escuro. Ela tinha parado de correr e o
observava.
14. Na aldeia, a velha Ovo de Pata escutava atentamente o peito
da menina: - Estou ouvindo rudo de chamas crepitando. O caador
acendeu uma fogueira, a raposa est observando. Esta noite a menina
vai ficar muito quente. Vai ter febre. O pai da menina passou a
noite sentado beira do fogo. Estava com frio e cansado, mas no
adormeceu. Ao amanhecer, saiu de novo em perseguio raposa. Pobre
raposa, estava exausta, doente e fraca, suas patas se afundavam na
crosta de gelo... chhha... chhha... chhha. Na aldeia, a menina
tossia, tossia: - Chhha... chhha... chhha... E o pai da menina
conseguiu alcanar a raposa. Segurou-a nas mos. Ela estava muito
assustada: - Por que me perseguiu? Por que me pegou? Estou doente e
cansada. Agora me mate. No consigo correr mais. O pai da menina
sentia a magreza da raposa. Sentia seus ossos e seu corao bater. -
No - ele disse suavemente. - No vou mat-la, raposinha. Preciso que
voc cure a doena de uma menina. E o pai, levando a raposa nos
braos, atravessou a neve, rumando de volta para casa. Na aldeia,
Ovo de Pata escutava atentamente o peito da menina: - O corao dela
est batendo muito depressa. A raposa est assustada, o caador a est
carregando nos braos. Ele est voltando para casa.
15. O pai levou um dia e uma noite para percorrer o caminho de
volta. Quando chegou aldeia, era de manh. Foi direto ao encontro da
menina, que continuava deitada beira do fogo. A velha Ovo de Pata
estava sentada ao lado dela, e a me da menina tambm. Ao ver o
caador, Ovo de Pata sorriu, e ruguinhas apareceram no canto de seus
olhos. - D-me a raposa, d-me essa raposinha. O homem entregou-lhe a
raposa, depositou em suas mos aquele montinho de plos inerte. Ela
arrumou um lugarzinho bem aquecido para deitar a raposa, sobre as
peles e cobertores macios da cama da menina.
16. - Arranjem um pouco de comida, um pouco de carne para a
raposinha. A me da menina trouxe carne e a raposa comeu, comeu at
no sobrar nada. Depois ela dormiu, dormiu um tempo. A menina tambm
dormiu. As duas dormiram. Ovo de Pata ficou em silncio. A menina e
a raposa abriram os olhos na mesma hora. A velha disse: - Tragam
mais carne!
17. Mais uma vez, a raposa comeu tudo. - Agora - disse Ovo de
Pata -, abram a porta e deixem a raposa ir embora. O pai da menina
abriu a porta da tenda. Ovo de Pata ajudou a menina a se sentar. A
menina se debruou sobre o brao da velha e ficou olhando a raposa.
Viu a raposa farejar o ar e sair pela porta. Viu-a afastar-se da
aldeia, correndo pela neve. E, medida que o rudo de seus passos ia
se tornando mais fraco, o mesmo acontecia com a tosse da
menina.
18. A raposa recuperou as foras. Ela corria, corria pela neve.
A menina ficou em p e andou at a porta. Sua doena tinha
desaparecido. A raposa tinha desaparecido. Ovo de Pata ficou em
silncio por um instante, depois olhou para o pai e a me da menina.
- Respondam - disse ela -, foi a raposa que curou a menina ou a
menina que curou a raposa? A me da menina ps a mo no ombro da
velha: - Nem uma coisa nem outra. Foi voc que curou as duas! Ovo de
Pata riu, e ruguinhas apareceram no canto de seus olhos.
19. O mascate de Swaffham Inglaterra Era uma vez um homem
chamado John Chapman. Ele era mascate, e andava pelas ruas,
campinas e caminhos, trilhava estradas largas e estradinhas da
Inglaterra, vendendo alfinetes e espelhos, laos e carretis de
linha, canivetes e tesouras, plulas, pomadas e partituras de canes.
Aonde ele ia, seu cozinho ia atrs, grudado no seu calcanhar. John
Chapman e seu cozinho moravam numa casinha na entrada da cidade de
Swaffham. Era uma casinha muito pequenina, com telhado esburacado e
vidraas quebradas. Na primavera, os passarinhos entravam e saam
pelas janelas sem vidro e faziam seus ninhos nas vigas do teto, por
cima da cama. Mas ele tinha um pouco de sorte. Nos fundos da casa
havia um pequeno quintal, e nesse quintal havia uma macieira. Era
uma velha macieira, muito bonita, que todo outono deixava cair suas
frutas na grama. Eram as mas mais doces de Swaffham.
20. Pois bem, certa noite John Chapman estava deitado em sua
cama, dormindo profundamente, quando ouviu uma voz. Ouviu uma voz
adorvel, clara como o luar, que falava em meio a seus sonhos: - V
at a Ponte de Londres - ela dizia. - V at a Ponte de Londres. Ele
acordou Sobressaltado, sentou-se, esfregou os olhos, olhou sua
volta... mas o quarto estava vazio e escuro, o nico som que se
ouvia era o ronco do cachorrinho, adormecido aos ps da cama. - Foi
s um sonho - ele pensou. - Nada mais que um sonho. John Chapman
virou para o lado e adormeceu de novo.
21. Mas na noite seguinte a voz voltou, clara como o luar, em
meio a seus sonhos. - V at a Ponte de Londres. V at a Ponte de
Londres. Ele acordou; o quarto estava escuro. - Foi s um sonho. E
adormeceu de novo. Mas, noite aps noite, a voz voltava: - V at a
Ponte de Londres. Ento John Chapman comeou a cismar: - Que coisa
estranha! s vezes convm dar ouvidos aos sonhos. O que fazer?
22. Pois bem, John Chapman pensou muito e acabou decidindo: -
isso mesmo. Eu ouvi e vou obedecer. Vou at a Ponte de Londres. Ento
ele enrolou o cobertor, embrulhou um pouco de po e queijo, chamou o
cachorro e foi-se embora. Durante trs dias ele caminhou por
estradas e estradinhas, por trilhas, campinas e ruas, at finalmente
chegar Ponte de Londres, que atravessava o rio Tmisa. Naquela poca,
sobre a ponte havia uma infinidade de lojas, as pessoas andavam a p
e a cavalo, carroas e carruagens rodavam de um lado para outro.
John Chapman nunca na vida tinha visto tanto movimento.
23. O que fazer ento? O que ele fez foi o seguinte: foi at a
parte mais alta da ponte, ficou esperando... e nada aconteceu. John
Chapman esperou o dia inteiro, e nada aconteceu. Ele passou a noite
dormindo embaixo da ponte, beira do rio... e nada aconteceu. Na
manh seguinte, voltou para cima da ponte e se sentou no degrau de
uma porta... e nada aconteceu. Estava com fome e frio, e se ps a
pensar: - s vezes convm dar ouvidos aos sonhos... e s vezes no.
John Chapman ia se levantar, pensando em iniciar o longo caminho de
volta para sua casa em Swaffham, quando um homem abriu a porta de
sua loja, desceu at a calada e olhou para ele. - Ento, forasteiro -
ele disse -, o que h com voc? Ontem passou o dia todo em cima da
ponte, sem fazer nada. Agora est aqui, sentado na soleira da porta,
tremendo como uma alma penada. O que est havendo, hem? E John
Chapman falou: - que eu tive um sonho, e no sonho ouvi uma voz
clara como o luar dizendo: "V at a Ponte de Londres." Ento eu vim.
O homem jogou a cabea para trs e deu uma gargalhada: - Sonhos! Ha,
ha, ha! Forasteiro, oua uma coisa: no d ateno aos sonhos. Pois eu
sonhei que estava num lugar chamado... como era mesmo?...
Swaffham.
24. E l havia uma casinha com telhado esburacado e vidraas
quebradas... e sonhei que estava cavoucando com uma p entre as
razes de uma velha macieira... e achei um pote abarrotado de
ouro... Mas voc acha que vou atravessar metade da Inglaterra para
ir atrs de um ouro de sonho? Eu no! Oua o meu conselho: se eu fosse
voc... Mas nisso o dono da loja viu o forasteiro indo embora. John
Chapman saiu correndo pelas ruas de Londres, com o cachorro grudado
ao calcanhar! Correu dia e noite sem parar, at chegar a
Swaffham.
25. E l tambm no perdeu tempo. Pegou uma p e comeou seu
trabalho, cavoucando entre as razes da velha macieira. E, de fato,
no demorou muito para bater com a p num imenso pote de barro. O
pote quebrou e moedas de ouro rolaram pelo cho. Eram centenas de
moedas! Milhares de moedas! A partir daquele dia John Chapman
deixou de vender coisas pelas estradas. Terminaram suas andanas.
Agora ele tinha dinheiro para tapar os buracos do telhado, para
consertar os vidros quebrados das janelas. Tinha dinheiro para
comer quando sentia fome. E ele dava dinheiro aos pobres, aos
famintos, a quem no tinha onde morar. E assim John Chapman viveu
feliz at o fim de seus dias. Quando ele morreu, fizeram uma esttua,
uma linda esttua de John Chapman com seu cachorro, que foi colocada
na praa do mercado em Swaffham. E aos ps da esttua foi gravada esta
frase: "At sonhos podem se transformar em ouro."
26. A ratinha branca Frana Era uma vez um rei e uma rainha. O
tempo passava, passava, e eles no conseguiam ter filhos. Ento
resolveram adotar um rato. Era uma ratinha branca, de olhos
cor-de-rosa e um focinho fino e comprido, que no parava de se
mexer. Como eles adoravam aquela ratinha! No palcio todos
comentavam sobre sua natureza doce, suas maneiras impecveis, suas
patinhas delicadas, sua inteligncia. E ai de quem ousasse falar
alguma coisa contra ela! Assim o tempo foi passando. A ratinha
comia mesa real onde seu queijo era servido numa tigelinha dourada,
sentava-se no brao dourado do trono do rei durante os julgamentos
reais, acocorava-se entre as orelhas do cavalo da rainha quando ela
saa cavalgando pelo reino.
27. Nada no mundo era mais precioso para o rei e a rainha do
que sua ratinha branca. At que um dia um mgico chegou ao palcio.
Diziam que era um mgico com poderes enormes. Assim que tiveram
notcia de sua chegada, o rei e a rainha mandaram cham-lo. - Mgico -
disse o rei -, voc tem o poder de transformar uma coisa em outra? O
mgico se inclinou: - Tenho, sim, Majestade. Ento o rei pegou a
ratinha que estava no brao de seu trono: - Voc tem o poder de
transformar esta criatura encantadora numa princesa, numa princesa
humana? O mgico se inclinou de novo: - Tenho, sim, Majestade,
mas... - Mas o qu? - perguntou a rainha.
28. - Eu tenho o poder de transformar sua aparncia, mas no o de
transform- la por dentro. No tenho o poder de modificar o seu
ntimo. O rei e a rainha pensaram em sua natureza doce, em suas
maneiras impecveis, em sua delicadeza, em sua inteligncia, e
disseram: - No queremos transform-la por dentro, no queremos
transformar seu ntimo. O mgico inclinou-se pela terceira vez,
ergueu os braos, gritou uma palavra estranha numa lngua que o rei e
a rainha nunca tinham ouvido e juntou as mos. Houve um lampejo de
luz. O rei e a rainha cobriram os olhos com as mos. E, quando
baixaram as mos, em vez da ratinha branca viram uma princesa
sentada no brao do trono do rei. Era uma princesa muito bonita, com
um leve tom rosado nos olhos e um leve movimento na ponta do seu
belo narizinho. O rei e a rainha no cabiam em si de tanta
felicidade. Recompensaram o mgico com todo o ouro que ele conseguiu
carregar. Depois chamaram os mais refinados costureiros, que logo
se puseram a cortar e coser, at que o guarda-roupa da princesa
estivesse abarrotado de roupas magnficas. Fizeram tudo para
agrad-la, at estarem certos de que ela no desejava mais nada no
mundo. E os anos foram passando, passando. Certo dia, o rei achou
que tinha chegado o momento de a princesa se casar.
29. - Querida - ele disse -, est na hora de escolher um marido
para voc. A princesa sorriu: - Claro, papai. Com quem voc quer que
eu me case? - A escolha sua. S me diga quem seu corao deseja. A
princesa pensou um pouco. - Ento, papai, quero um marido que seja o
homem mais poderoso do mundo. O rei se recolheu, pensando naquelas
palavras. Durante trs dias ele pensou, pensou, e depois chamou a
princesa: - Querida - ele disse -, resolvi que seu marido dever ser
o sol. A princesa comeou a chorar.
30. - O sol? Ele no tem poder suficiente para mim! Basta um
nevoeiro para tapar a luz do sol e deixar apenas sombra em seu
lugar. No, quero um marido melhor. O rei se recolheu para pensar.
Durante trs dias ele pensou, pensou, e depois chamou a princesa: -
Querida - ele disse -, resolvi que seu marido deve ser o nevoeiro.
Mais uma vez ela comeou a chorar. - O nevoeiro? Ele no tem poder
suficiente para mim. Basta uma rajada de vento para dispersar o
nevoeiro. No, quero um marido melhor. O rei se recolheu para
pensar. Durante trs dias ele pensou, pensou, e depois chamou a
princesa: - Querida - ele disse -, resolvi que seu marido dever ser
o vento. - O vento? Ele no tem poder suficiente para mim. Basta um
morro para desviar seu caminho. No, quero um marido melhor. O rei
se recolheu para pensar. Durante trs dias ele pensou, pensou, e
depois chamou a princesa: - Querida - ele disse -, resolvi que seu
marido dever ser o morro. - O morro? Ele no tem poder suficiente
para mim. Basta um rato com dentes pontudos como agulhas e garras
afiadas como espinhos para escavar um tnel no morro. Um rato
valente poderia fazer do morro o seu palcio. No, papai, quero um
marido melhor do que o morro.
31. O rei se recolheu para pensar. Durante trs dias ele pensou,
pensou, e depois chamou a princesa: - Querida - ele disse -,
resolvi que seu marido dever ser o rato. A princesa pulou no pescoo
do rei, abraou-o e beijou-lhe as duas bochechas. - Ah, sim, o rato,
o rato lindo e maravilhoso, que capaz de escavar o morro, que
desvia o vento, que dispersa o nevoeiro, que tapa o sol! o marido
mais poderoso do mundo! Assim, o rei e a rainha mandaram chamar o
mgico, e o mgico se ps diante da princesa. Ele abriu os braos,
gritou uma palavra, bateu palmas. Houve um lampejo de luz... e um
rato branco saiu correndo de baixo da montanha de seda formada pelo
vestido que tinha despencado no cho.
32. E o mgico se inclinou: - Perdo, Majestades, lembrem-se de
que eu avisei que no tinha o poder de transform-la por dentro, de
modificar o seu ntimo. Assim, a linda ratinha branca se casou com
um belo rato marrom, com dentes pontudos como agulhas, garras
afiadas como espinhos e rabo de um metro de comprimento. Quanto ao
rei e rainha, bem, no demorou muito para terem centenas de netos,
marrons, brancos, beges e malhados. E como adoravam todos
eles!
33. O cego e o caador frica Ocidental Era uma vez um homem cego
que morava numa palhoa, com sua irm, numa aldeia na orla da
Floresta. Esse homem era muito inteligente. Apesar de seus olhos no
enxergarem nada, ele parecia saber mais sobre o mundo do que as
pessoas cujos olhos viam tudo. Costumava sentar-se porta de sua
palhoa e conversar com quem passava. Quando algum tinha problemas,
perguntava-lhe o que fazer e ele sempre dava um bom conselho.
Quando algum queria saber alguma coisa, ele dizia, e suas respostas
eram sempre corretas. As pessoas balanavam a cabea, admiradas: -
Como que voc consegue saber tanta coisa, sem enxergar? E o cego
sorria, dizendo: - que eu enxergo com os ouvidos.
34. Bem, um dia a irm do cego se apaixonou. Ela se apaixonou
por um caador de outra aldeia. E logo o caador se casou com a irm
do cego. Depois da festa de casamento, o caador foi morar na
palhoa, com a esposa. Mas o caador no tinha pacincia com o irmo da
mulher, no Tinha nenhuma pacincia com o cego. - Para que serve um
homem cego? - ele dizia. E a mulher respondia: - Ora, marido, ele
sabe mais coisas do mundo do que as pessoas que enxergam. O caador
ria: - Ha, ha, ha, o que pode saber um cego, que vive na escurido?
Ha, ha, ha... Todos os dias, o caador ia para a floresta com seus
alapes, lanas e flechas. E todas as tardes, quando o caador voltava
aldeia, o cego dizia: - Por favor, amanh deixe-me ir com voc caar
na floresta. Mas o caador balanava a cabea: - Para que serve um
homem cego?
35. Dias, semanas e meses se passavam, e todas as tardes o
homem cego pedia: - Por favor, amanh deixe-me caar tambm. E todas
as tardes o caador dizia que no. Uma tarde, porm, o caador chegou
de bom humor. Tinha trazido para casa uma bela caa, uma gazela bem
gorda. Sua mulher temperou e assou a carne e, quando eles acabaram
de comer, o caador disse ao homem cego: - Pois bem, amanh voc vai
caar comigo. Assim, na manh seguinte os dois foram juntos para a
floresta, o caador carregando seus alapes, lanas e flechas, e
conduzindo o cego pela mo, por entre as rvores. Andaram horas e
horas. Ento, de repente, o cego parou e puxou a mo do caador: -
Psss, um leo! O caador olhou ao redor e no viu nada.
36. - um leo, sim, mas est tudo bem. Ele no est faminto e est
dormindo profundamente. No vai nos fazer mal. Continuaram seu
caminho e, de fato, encontraram um leo dormindo a sono solto,
debaixo de uma rvore. Depois que passaram pelo animal, o caador
perguntou: - Como voc sabia do leo? - que eu enxergo com os
ouvidos.
37. Andaram por mais quatro horas, e ento o cego puxou de novo
a mo do caador: - Psss, um elefante! O caador olhou ao redor e no
viu nada. - um elefante, sim, mas tudo bem. Ele est dentro de uma
poa d'gua e no vai nos fazer mal. Continuaram seu caminho e, de
fato, encontraram um elefante imenso, chapinhando numa poa d'gua,
esguichando lama nas prprias costas.
38. Depois que passaram pelo animal, o caador perguntou: - Como
voc sabia do elefante? - que eu enxergo com os ouvidos. Continuaram
seu caminho, se aprofundando cada vez mais na floresta, at chegarem
a uma clareira. O caador disse: - Vamos deixar nossos alapes aqui.
O caador armou um alapo e ensinou o cego a armar o outro. Quando os
dois alapes estavam armados, o caador disse: - Amanh vamos voltar
para ver o que pegamos. E os dois voltaram juntos para a aldeia. Na
manh seguinte, acordaram cedo. Mais uma vez, foram andando pela
floresta. O caador se ofereceu para segurar a mo do cego, mas o
cego disse: - No, agora j conheo o caminho. Dessa vez, o homem cego
foi andando na frente. No tropeou em nenhuma raiz nem toco de
rvore. No errou o caminho nem uma vez. Andaram, andaram, at
chegarem clareira em que tinham armado os alapes. De longe, o
caador viu que havia um pssaro preso em cada alapo. De longe, viu
que o pssaro preso em seu alapo era pequeno e cinzento e que o
pssaro preso no alapo do cego era lindo, com penas verdes,
vermelhas e douradas. - Sente-se ali - ele disse. - Cada um de ns
apanhou um pssaro. Vou tir- los dos alapes.
39. O cego sentou-se e o caador foi at os alapes, pensando: -
Um homem que no enxerga nunca vai perceber a diferena. E o que foi
que ele fez? Deu ao cego o pequeno pssaro cinzento e ficou com o
lindo pssaro de penas verdes, vermelhas e douradas. O cego pegou o
pssaro cinzento nas mos, levantou-se e os dois rumaram de volta
para casa. Andaram, andaram, e a certa altura o caador disse: - J
que voc to inteligente e enxerga com os ouvidos, responda uma
coisa: por que h tanta desavena, dio e guerra neste mundo? O cego
respondeu: - Porque este mundo est cheio de gente como voc, que
pega o que no seu. O caador se encheu de vergonha. Pegou o pssaro
cinzento da mo do cego e deu-lhe o pssaro lindo, de penas verdes,
vermelhas e douradas. - Desculpe - ele disse.
40. Os dois continuaram andando, e a certa altura o caador
disse: - J que voc to inteligente e enxerga com os ouvidos,
responda uma coisa: por que h tanto amor, bondade e conciliao neste
mundo? O cego respondeu: - Porque este mundo est cheio de gente
como voc, que aprende com seus prprios erros. Os dois continuaram
andando, at chegarem aldeia. E, a partir daquele dia, quando algum
perguntava ao cego: - Como que voc consegue saber tanta coisa, sem
enxergar?, era o caador que respondia: - que ele enxerga com os
ouvidos... e ouve com o corao.
41. Peixes na floresta Rssia Era uma vez um lavrador que vivia
com a mulher em seu stio. Acontece que a mulher do lavrador era
incapaz de guardar segredo! Isso mesmo, ela no guardava segredo de
jeito nenhum. Tudo o que lhe contavam a cidade inteira ficava
sabendo em menos de um dia. A mulher do lavrador ia ao mercado,
fazia visitas e entregava ovos para todo o mundo, e em uma semana a
novidade se espalhava pelo pas inteiro. Nada caminha mais depressa
do que uma fofoca. Pois bem, um dia o lavrador estava cavoucando a
plantao de nabos quando de repente a lmina da p bateu na tampa de
ferro de uma velha arca enferrujada. Ao levantar a tampa, seus
olhos se ofuscaram diante de um monte de ouro amarelo e
brilhante.
42. - Ora, ora - ele pensou -, preciso ter cuidado. Minha
mulher no consegue guardar segredo. Se ela vir todo esse ouro, at o
fim do dia a cidade inteira vai ficar sabendo e, daqui a uma
semana, essa histria vai parar nos ouvidos do rei. Sendo rei, e alm
do mais muito ambicioso, certamente ele vai querer ficar com todo o
ouro. O lavrador sentou no meio do canteiro e ficou pensando,
pensando. No fim, achou que a nica coisa a fazer era esperar a
mulher pegar no sono, levar o ouro para casa no meio da noite e
enterr-lo no cho da cozinha. Foi isso que ele fez. Quando ouviu a
mulher roncar, profundamente adormecida, o lavrador, sob a luz do
luar, foi at o campo e pegou o ouro.
43. Levou-o para casa com muito cuidado e comeou a cavar um
buraco no cho da cozinha. Estava cavoucando quando, CRAC!, a p
bateu numa pedra. A mulher acordou, acendeu uma vela e desceu as
escadas, correndo: - O que est acontecendo aqui? E ento ela viu o
tesouro brilhante. - Oh, marido, onde voc achou esse ouro? - Psss!
Oua uma coisa, esse ouro segredo. Achei-o na plantao de nabos. No
conte para ningum, nenhuma viva alma pode saber, est entendendo? -
Ora, marido, voc me conhece. No vou dizer uma palavra a ningum,
prometo! Mas por acaso ela conseguia guardar segredo? Eu sei, voc
sabe e o lavrador tambm sabia muito bem que ela no conseguia
guardar segredo. A noite toda o marido ficou pensando: - Ora, ora,
o que vou fazer agora? Daqui a um dia a cidade toda vai estar
sabendo, daqui a uma semana o rei vai estar sabendo. Ele pensou,
pensou e teve uma idia.
44. - Claro - ele disse -, isso que eu vou fazer! Logo cedo,
assim que amanheceu, ele pulou da cama e foi at a cidade. Foi
peixaria e comprou umas trutas prateadas e pintadinhas. Foi padaria
e comprou uns bolinhos com passas. Foi ao aougue e comprou uma
fieira de lingias. Depois o lavrador foi floresta, no muito longe
de suas terras. Espalhou os peixes pelo capim mido, pendurou os
bolinhos nos galhos das rvores, pegou uma vara de pescar, enganchou
o anzol nas lingias e jogou-as no rio.
45. Ento, esfregando as mos e rindo consigo mesmo, voltou para
casa. - Mulher, mulher, acorde! Est um dia perfeito para pescar na
floresta! A mulher sentou na cama, esfregando os olhos: - O qu?
Pescar? Na floresta? - Isso mesmo! Venha comigo, depressa. No
sempre que isso acontece. H peixes nadando no capim e me disseram
que vai chover bolinhos de passas! Ento, ela pulou da cama,
vestiu-se muito depressa, pegou uma cesta e os dois saram correndo
pelo campo, rumo floresta.
46. Assim que chegaram, ela gritou: - Veja s! verdade! Olhe s
as trutas nadando pelo capim. Ela pegou as trutas e as jogou na
cesta. - So bonitas e gordas! Depois ela viu os bolinhos pendurados
nas rvores. - Marido, voc tinha razo! Bolinhos! O marido confirmou:
- Pois , choveram bolinhos, mesmo! Se voc tivesse pulado antes da
cama, com certeza tambm teramos encontrado bolos pelo cho. Algum
deve ter chegado antes e levado tudo.
47. No foi preciso andar muito para chegarem ao rio. O lavrador
disse: - Vou puxar minha vara de pesca para ver o que consegui
pegar. Ele recolheu a linha e ali estava, balanando enganchada no
anzol, uma fieira de lingias. A mulher do lavrador quase perdeu o
flego: - Lingias! No rio! - Pois - disse o lavrador -, sempre h
lingias nadando no rio. Mas no todo o mundo que sabe peg-las. Eles
voltaram para o stio e comeram um caf da manh maravilhoso, com
trutas, bolinhos de passas e lingias. Mas quem disse que a mulher
do fazendeiro se esqueceu do ouro? Que nada! No fim daquele dia, a
histria do tesouro escondido j tinha corrido a cidade de ponta a
ponta. A mulher do lavrador ia ao mercado e entregava ovos para
todo o mundo, e no fim de uma semana o pas inteiro estava sabendo
da histria. Afinal, nada caminha mais depressa do que uma fofoca. E
claro que a histria chegou aos ouvidos do rei. E claro que o rei,
muito ambicioso, quis ficar com todo o ouro. - Tragam-me aquele
lavrador e a mulher dele! ordenou o rei. Assim, os dois foram
levados ao palcio do rei. - verdade que vocs encontraram um tesouro
enorme? - perguntou o rei.
48. - No, no verdade - disse o lavrador. - Mas ouviram sua
mulher contar a histria para todo o mundo e o reino inteiro est
falando nisso. O lavrador riu. - Ora, Majestade, minha mulher
completamente louca. Suas histrias no tm p nem cabea. A mulher do
lavrador bateu o p. - Louca coisa nenhuma - ela disse. - Eu vi com
meus prprios olhos, Majestade. Ele estava enterrando o ouro no cho
da cozinha.
49. O rei olhou para a mulher com seus olhinhos ambiciosos. -
Quando foi que voc viu isso? A mulher do lavrador pensou um pouco e
respondeu: - Ora, Majestade, foi uma noite antes de acharmos os
peixes nadando na floresta. Choveu bolinhos de passas e ns enchemos
uma cesta... e depois meu marido pescou uma fieira de lingias no
rio... O rei balanou a cabea: - Coitada, completamente louca,
aluada, doidinha! Lingias no rio, peixes na floresta, ouro
enterrado no cho, chuva de bolinhos! Leve-a para casa, lavrador.
Nunca mais quero ouvir as histrias dela. E os dois foram para casa.
Assim, o lavrador ficou com todo o ouro brilhante e amarelinho s
para ele. Quanto mulher, quando ela comeava a contar segredos ou
espalhar fofocas, as pessoas balanavam a cabea e sorriam: -
Coitada, ela louca! - Aluada! - Doidinha! E assim a mulher do
lavrador passou a guardar os segredos s para ela.
50. O sonho do pastor Irlanda Era uma vez dois velhos pastores.
Tinham sado com seus carneiros e, no fim do dia, acabaram ficando
muito cansados. Ento se sentaram num monte de relva fofa, perto do
rio. Um deles se deitou, fechou os olhos e logo pegou no sono. O
outro ficou sentado, fumando seu cachimbo, pensando nisso e
naquilo, observando o companheiro que dormia. Era um belo
entardecer, o sol formava longas sombras sobre a relva, o riacho
murmurava... De repente, aconteceu uma coisa estranha. A boca do
pastor adormecido se abriu e, entre seus lbios, surgiu uma
borboleta branca. De sua boca saiu uma borboleta branca como a
neve. Rastejando, a borboleta desceu pelo corpo do pastor
adormecido, percorreu uma de suas pernas e esvoaou at o cho
51. de relva. Havia uma pequena trilha que levava dali at o
rio, e a borboleta desceu at a beira da gua. O homem que estava
acordado se levantou e foi acompanhando a estranha borboleta. Ele
nunca tinha visto nada igual. A trilha levava at uma fileira de
pedras que atravessava o rio. Esvoaando de uma pedra para outra, a
borboleta chegou outra margem. Pulando de uma pedra para outra, o
homem foi atrs da borboleta.
52. Nessa outra margem, cresciam juncos altos. A borboleta se
agitava e voava, entrando e saindo do meio do junco. O pastor ficou
parado, observando admirado, com o cachimbo na boca. Ento, por
entre os juncos, no cho de relva, ele viu um crnio de cavalo. Era
uma imensa caveira branca de cavalo, corroda pelo tempo e ressecada
pelo sol.
53. A borboleta foi at a caveira, esvoaou sobre o osso branco e
entrou por uma de suas rbitas. O pastor continuou ali, em p, vendo
a borboleta buscar e explorar cada canto do crnio. Depois de um
tempo, a borboleta saiu e voou de volta pelos juncos, atravessou o
rio pelas pedras e subiu pela trilha. O pastor acompanhou-a em
silncio. Admirado, viu-a subir na perna do homem adormecido,
rastejar por seu corpo e entrar em sua boca aberta. Imediatamente o
homem fechou a boca. Ento se espreguiou, esfregou os olhos e
acordou. Sentou-se na relva e disse: - Acho que dormi demais. - Nem
tanto - disse o amigo -, mas enquanto voc dormia vi uma coisa
maravilhosa. - Pois quem viu uma coisa maravilhosa fui eu! Imagine
s: enquanto dormia, sonhei que fiz uma viagem imensa. Primeiro,
caminhei por uma bela estrada, muito ampla, com uma alta sebe
54. verde de cada lado. Finalmente, cheguei beira do mar.
Atravessei-o, indo de uma ilha a outra, at chegar a um pas
distante. De incio, atravessei uma floresta de rvores muito altas,
que cresciam retas na direo do cu. Maravilhado, Perambulei um pouco
por ali, at que avistei um palcio. Era um palcio magnfico, de
mrmore branco e brilhante! Entrei pela porta e percorri todos os
aposentos. L dentro no havia ningum. Pensei em ficar ali para
sempre, mas de repente tive uma sensao estranha. Eu sabia que tinha
que voltar pelo mesmo caminho pelo qual tinha ido. Ento sa do
palcio, atravessei a floresta, o mar,
55. percorri a longa estrada e cheguei em casa. Fechei a porta
atrs de mim e estava pensando em fazer meu jantar quando...
acordei! O amigo ficou em silncio por um momento, fumando seu
cachimbo, e ento disse: - Venha comigo. Vou lhe mostrar a viagem
que voc fez. O homem que tinha dormido se levantou e o amigo lhe
contou da estranha borboleta branca que sara de sua boca. - Esta
pequena trilha - ele disse - a estrada ampla, e o capim a sebe
alta. Este rio o mar e as pedras que o atravessam so as ilhas.
Aqueles juncos so as rvores da floresta e aquela caveira de cavalo
o palcio vazio, branco e brilhante, em que voc entrou. De fato, os
dois tinham visto uma coisa maravilhosa. Mas qual deles viu a
maravilha maior?
56. Fontes A relao do contador de histrias com suas fontes
semelhante do msico de jazz com a melodia. Contei muitas dessas
histrias durante anos, portanto no peo desculpas pelas variaes que
possam ter sido elaboradas em torno das verses que recebi. No
entanto, espero ter sido fiel ao esprito dos contos e a todos os
inmeros contadores que os transmitiram antes de mim. Macaco e Papai
Deus Esta histria se encontra difundida em todas as ilhas do
Caribe. Ouvi diversas variantes dela, s vezes falando em "problema"
em vez de "desgraa". H uma verso na bela coletnea de contos
haitianos de Diane Wolkstein, The Magic Orange Tree (Schoken Books,
New York, 1980). A raposa curandeira Existem muitas histrias dos
nativos da Amrica do Norte sobre viagens curativas. Esta uma de
minhas favoritas. A fonte de que a extra foi uma coletnea de contos
cri de Howard Norman, Where the Chill Carne From (North Point
Press, San Francisco, 1982).
57. O mascate de Swaffham Conheo esta histria desde criana.
Quase todas as tradies orais parecem ter uma variante deste tema. H
uma verso dela no Dictionary of British Folk -Tales de Katherine
Briggs (Routledge, London, 1991). A ratinha branca Esta histria
francesa aparece entre os contos populares do Auvergne coletados
por Henri Pourrat. uma variante de uma histria encontrada em toda a
Europa e sia. De fato, h uma histria indiana quase idntica chamada
0 camundongo branco. A verso de Henri Pourrat pode ser encontrada
em French Folktales (Pantheon Fairy Tale and Folklore Library, New
York, 1989). O cego e o caador Ouvi esta histria contada por meu
amigo Duncan Williamson, escocs, grande coletor de histrias,
baladas e ditos de viajantes. Por sua vez, ele a ouviu de um cego
da frica Ocidental, em Birmingham. No encontrei nenhuma verso
impressa deste conto nem sei exatamente qual seu pas de origem. No
entanto, minha antologia preferida de histrias tradicionais
africanas African Folktales de Paul Radin (Schocken Books, New
York, 1983).
58. Peixes na floresta Esta uma verso russa de um tema que
aparece em toda a Europa. H uma bela variante escocesa intitulada
"Silly Jack and the Factor", que pode ser encontrada no Dictionary
ofBritish Folk-Tales (ver acima). Minha verso foi extrada de uma
velha antologia, Folk Tales of All Nations, editada por F. H. Lee
(Harrap, London, 1931). Surpreendentemente, ela no aparece na
coletnea definitiva de histrias tradicionais russas de Aleksandr
Afanasiev, Russian Fairy Tales (Pantheon Fairy Tale and Folklore
Library, New York, 1973). O sonho do pastor Esta histria misteriosa
est em The Folklore of Ireland (Batsford Books, London, 1974).
Tambm pode ser encontrada em Folk-Tales of the British Isles, de
Kevin Crossley Holland (Faber & Faber, London, 1985). Ambas so
coletneas indispensveis para quem deseja pesquisar contos
tradicionais britnicos.