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GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva A Questão dos Refugiados: Entre a Inclusão e a Exclusão Amael Notini Moreira Bahia 1 A proteção internacional dos refugiados teria a importância fundamental de garantir as necessidades e os considerados direitos humanos fundamentais a uma grande quantidade de pessoas que atualmente fogem de perseguição por diversos motivos. Tal proteção é oferecida a um grupo restrito de pessoas que se enquadram nos requisitos da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. No entanto, como essa comunicação visa demonstrar, mesmo que os Estados aleguem agirem em prol de promover tal proteção, os refugiados são relegados a uma situação de grande precariedade e insegurança, visto que são incluídos a partir dessa pretensa proteção, são excluídos por esse Estado de asilo. Dessa forma, é criado um regime de clara exceção que exclui os refugiados e os classifica dentro do sistema estatal, separando-os em estruturas precárias e assistência precária a título de uma proteção internacional. Essa estrutura jurídica estadista culmina na criação de campos de exceção que se pretendem temporários, mas que pela própria natureza complexa dos conflitos e da locomoção transfronteiriça de pessoas, se realiza como permanente, dentro de uma lógica capitalista, havendo uma perpetuação de uma lógica excludente que impede a interação dos refugiados com a sociedade receptora, deixando-os desamparados juridicamente, mesmo que sejam pretensiosamente protegidos pelo direito internacional. Desse modo, essa comunicação visa entender como esses mecanismos de exceção operam e assim encontrar aberturas ou brechas, para se pensar em outras possibilidades democráticas para essa questão. 1 Graduando em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
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Nov 17, 2018

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A Questão dos Refugiados: Entre a Inclusão e a Exclusão

Amael Notini Moreira Bahia1

A proteção internacional dos refugiados teria a importância fundamental de garantir as

necessidades e os considerados direitos humanos fundamentais a uma grande quantidade de

pessoas que atualmente fogem de perseguição por diversos motivos. Tal proteção é oferecida

a um grupo restrito de pessoas que se enquadram nos requisitos da Convenção relativa ao

Estatuto dos Refugiados de 1951. No entanto, como essa comunicação visa demonstrar,

mesmo que os Estados aleguem agirem em prol de promover tal proteção, os refugiados são

relegados a uma situação de grande precariedade e insegurança, visto que são incluídos a

partir dessa pretensa proteção, são excluídos por esse Estado de asilo.

Dessa forma, é criado um regime de clara exceção que exclui os refugiados e os classifica

dentro do sistema estatal, separando-os em estruturas precárias e assistência precária a título

de uma proteção internacional. Essa estrutura jurídica estadista culmina na criação de campos

de exceção que se pretendem temporários, mas que pela própria natureza complexa dos

conflitos e da locomoção transfronteiriça de pessoas, se realiza como permanente, dentro de

uma lógica capitalista, havendo uma perpetuação de uma lógica excludente que impede a

interação dos refugiados com a sociedade receptora, deixando-os desamparados

juridicamente, mesmo que sejam pretensiosamente protegidos pelo direito internacional.

Desse modo, essa comunicação visa entender como esses mecanismos de exceção operam e

assim encontrar aberturas ou brechas, para se pensar em outras possibilidades democráticas

para essa questão.

1 Graduando em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

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A natureza jurídica do estado de exceção em Carl Schmitt

Ana Clara Lemes1

Gabriel Afonso Campos2

INTRODUÇÃO

Um dos grandes debates da Filosofia do Direito no século XX é o que ocorreu entre Carl

Schmitt (1888-1985) e Hans Kelsen (1881-1973) a respeito da sua fundamentação e

efetividade. Kelsen, numa ótica positivista, afirma que o Direito é lastreado em uma norma

hipotética fundamental (KELSEN, 2005, p. 162-163). Por outro lado, Schmitt o afirma

fundamentado numa decisão política soberana e desenvolve o pensamento de que o acesso à

essência do Direito só se dá a partir da perspectiva do Estado de exceção. A demonstração de

tal hipótese é o objetivo do trabalho que ora se apresenta.

DISCUSSÃO

Schmitt, crítico do Estado liberal que é, concebe o positivismo como uma mistura entre o

decisionismo e o normativismo. Para o alemão, tal doutrina cinde norma e decisão, sendo que

o Direito adquire fundamento a partir da decisão do Legislador, porém a norma obtém um

caráter de autossuficiência por ser intrinsecamente racional. A decisão que lastreia o Direito,

conforme o pensamento schmittiano, é tratada pelo positivismo como extrajurídica

(KERVEGAN, 2006, p.4-7).

Sob a ótica decisionista, o Direito tem como fundamento uma decisão política soberana. Tal

decisão é a condição “primeira de efetividade e validade da norma”, que “não depende de

uma gênese exterior do direito, mas, por ser fundadora ou „soberana‟, determina o sentido ou

a vontade objetiva” (KERVEGAN, 2006, p.9). E, apesar de incapaz de prever momentos em

que deverá ser reconhecida a exceção, é o próprio ordenamento jurídico que deverá “dizer

quem tem o direito de intervir nesses casos”. É na exceção que se evoca a figura do soberano,

paradoxalmente “submetido a” e incumbido de “decidir se a Constituição deve ser suspensa

1 Graduanda em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:

<[email protected]>. Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4983230883693347>. 2 Graduando em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:

<[email protected]>. Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4469266731636889>.

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em sua totalidade” (SCHMITT, 2006, p.17), e a decisão se torna a “instituição da ordem e dos

valores do direito” (KERVEGAN, 2006, p.10).

Nesse sentido, o locus da decisão que fundamenta o Direito – a exceção – reveste-se de

caráter jurídico, não obstante se diferenciando da norma e da situação de normalidade em que

adquire validade.

Dotada de um valor diacrítico, a exceção faz aparecer o embasamento não normativo da

norma, a saber, a decisão que cria, com a “situação normal”, as condições de sua validade. O

que é assim rejeitado é, antes de tudo, a ideia kelseniana segundo a qual uma norma não pode

ser formulada a não ser por meio de uma outra norma, de maneira que a ordem jurídica,

enquanto normativa, deveria ser concebida como autofundadora. O decisionismo salienta [...]

a existência prévia de condições de efetividade, sem as quais a norma não apenas não é

efetiva, mas seria impensável enquanto norma (KERVEGAN, 2006, p. 22).

Assim, a decisão que confere validade ao Direito não é, de forma alguma, extrajurídica, mas

sim elemento imprescindível para a sua existência, dotando-se de caráter inegavelmente

jurídico. Dessa forma, o Estado de Exceção adquire no pensamento schmittiano um tom de

legalidade, pois é nele que a decisão política se realiza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCHMITT, Carl. Teologia política. Tradução de Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins

Fontes, 2005.

KERVEGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Tradução

de Carolina Huang. Barueri: Manole, 2006.

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Anomia/Nómos: direito e exceção em Giorgio Agamben

Ana Suelen Tossige Gomes1

Bruno Bicalho2

A presente comunicação parte de uma leitura do percurso filosófico de Giorgio Agamben na

série Homo sacer, tendo como foco a estrutura ontológica por ele denominada “máquina

bipolar do Ocidente”, ou ainda, de modo mais simples, a própria relação ou mecanismo de

exceção. Compreendendo que as experiências filosófica e linguística ocidentais, assim como

aquela política que lhes é paralela, estruturam-se segundo a lógica da exceção, uma lógica

dual que cinde a realidade e hierarquiza suas partes, remetendo uma delas à origem – ao

“secreto” fundamento de uma atualidade que é, paradoxalmente, contrária e ao mesmo tempo

garantidora da identidade da outra – pretende-se abordar, especificamente, a díade

anomia/nómos. Trata-se, na obra agambeniana, da estrutura mesma do campo do direito que,

articulada pelo estado de exceção, resulta em um limiar de absoluta indiscernibilidade entre

direito e não direito. Assim sendo, se, a princípio, a ordem jurídica se orienta no sentido da

exclusão do não direito, cumpre a esse limiar produzido pelo estado de exceção liberar a

anomia que a realidade nômica, ao impor-se, buscou solapar. Partindo desse ponto, uma

análise da díade anomia-nómos, especialmente na obra Estado de exceção, seguida de uma

comparação com o esquema interpretativo desenvolvido pelo autor para a compreensão da

máquina bipolar da política em Stasis, levam-nos, na fase inicial de pesquisa, a verificar que

os polos anomia/nómos indicam dois vértices que tensionam o campo jurídico em sentidos

opostos: aquele do fato e aquele do direito. Põem, ainda, em questão possíveis núcleos de

emergência da anomia no direito, que, consistindo também em díades, aparecem como pistas

de desvelamento desse fundamento oculto: autoridade/poder, ser/dever-ser, violência/direito,

vida/direito. Em um segundo momento, pretende-se compreender como as máquinas bipolares

do direito e da política se comunicam, buscando responder à questão mais ampla deixada por

Agamben ao longo de sua obra, e que, possivelmente, seria uma via para a destituição de tais

máquinas: o que significa agir politicamente? Desse modo, o trabalho é concluído

1 Mestre e Doutoranda em Direito pela UFMG. Membro do grupo de pesquisa “O estado de exceção no Brasil

contemporâneo: para uma leitura crítica do argumento de emergência no cenário político-jurídico nacional”. 2 Graduando em Direito pela UFMG. Membro do grupo de pesquisa “O estado de exceção no Brasil

contemporâneo: para uma leitura crítica do argumento de emergência no cenário político-jurídico nacional”.

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estabelecendo interfaces entre a exceção político-jurídica e o que Agamben nomeia em sua

última obra da série Homo sacer – O uso dos corpos – de “potência destituinte”.

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Citação, enjambement e atividade decisória exceptiva em Toda sentença é um antipoema,

de Tarso de Melo

Paulo Caetano1

Clarissa Verçosa2

A comunicação terá dois eixos interpretativos. O primeiro concerne à discussão acerca da

noção agambeniana de enjambement e o procedimento de citação, segundo Antoine

Compagnon, em Toda sentença é um antipoema, de Tarso de Melo. Para o filósofo italiano,

esse recurso poético é da ordem da ambivalência: quebra a sintaxe, quebra o fluxo (que

existiria na prosa) mas “irresistivelmente” joga o leitor para frente, para o verso seguinte.

Assim se delineia uma aparente contradição. Com isso, faz-se instigante pensar no arranjo que

o poeta de Santo André faz: passar da prosa para o verso a sentença dada a Rafael Braga. Ao

tornar literário um texto jurídico (citando integralmente a sentença perpetrada contra Rafael

Braga, negro, pobre e único condenado dos movimentos de junho de 2013), Tarso de Melo

lança luz sobre a performance e o poder no âmbito jurídico, cuja produção textual é marcada

por uma ambição de verdade (ainda que carregue em si muito de ficção, narração,

especulação, imaginação).

O segundo eixo de discussão, por sua vez, baseia-se na análise da aplicação exceptiva de dois

institutos jurídicos na fundamentação da sentença condenatória de Rafael Braga. O primeiro

instituto é o ato administrativo consubstanciado pelos depoimentos dos agentes policiais no

processo, ao quais são atribuídos presunção de veracidade e fé pública pela doutrina

administrativista e tribunais, ainda que envolvidos nos fatos sobre os quais prestam

informações, em detrimento do valor probatório do depoimento de outras testemunhas. O

referido ato unilateral da Administração é assim respaldado por ser reconhecido como forma

de manifestação da soberania do Estado. O segundo instituto, por sua vez, é a reincidência

criminal (como elemento informador do processo penal) cuja consideração foi indevidamente

efetuada na sentença a fim de respaldar a narrativa construída no relatório – e não apenas na

dosimetria da pena, como determinado pela legislação processual penal.

1 Doutor em Teoria da Literatura pela UFMG, professor na UEMG.

2 Graduada em Direito pela UFMG, advogada.

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Propõe-se que o uso dos referidos institutos na sentença parte de uma lógica decisória

soberana – contexto jurídico em que se inscreve o estado de exceção. Uma das facetas do

estado de exceção proposto por Carl Schmitt e posteriormente utilizado por Agamben é

justamente a suspensão da ordem jurídica por meio da instauração de uma ordem não jurídica

que revela a pureza do elemento formal da decisão soberana – a qual ainda pertence ao âmbito

jurídico. O uso da ordem exceptiva para a prolação de uma decisão não jurídica é quase trivial

em âmbito penal, especialmente no exercício do poder estatal sobre espaços periféricos.

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O desmonte da legislação trabalhista brasileira no contexto do estado de exceção atual

Pedro Rodrigo Campelo Lima1

O propósito do presente trabalho é o estudo do processo de desmonte pelo qual vem passando

a legislação trabalhista brasileira no contexto do Governo Temer. A leitura que se faz é de que

tanto a Lei da Terceirização irrestrita (Lei n. 13.429) quanto as contrarreformas da

Previdência (PEC 287) e Trabalhista (Lei n. 13.467) cumprem com um mesmo objetivo no

cenário político-jurídico atual: buscam, a um só tempo, retirar direitos sociais conquistados

pelas brasileiras e brasileiros e beneficiar o capital especulativo internacional, que almeja

lucrar às custas da desigualdade social existente no país. Conquanto seja um fenômeno

presente no Brasil desde a década de 1990, verifica-se que tal processo tem se intensificado

nos últimos meses e sua execução tem exigido cada vez mais a adoção de medidas autoritárias

pelo Governo Federal. A pesquisa também expõe como as reformas exigidas pelo capital

financeiro, quando colocadas em prática em outros países, resultaram em perda de direitos

para a classe trabalhadora. Dessa forma, a partir das obras de Leda Paulani, Souto Maior e

Giorgio Agamben, busca-se demonstrar como, a despeito da aparente legalidade das

mudanças legislativas, estas se configuram como medidas de exceção que não atendem aos

interesses da classe trabalhadora brasileira e aprofundarão o caráter exploratório das relações

empregatícias no país. Ademais, o desmonte da legislação trabalhista brasileira atende

unicamente às vontades do capital financeiro, que se sustenta na lógica de concentração de

riquezas e da subjugação do Estado, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento

social da nação. Como conclusões, propõe-se uma reflexão acerca da perda de direitos

fundamentais que as propostas legislativas representam para a sociedade brasileira e suas

consequências no que se refere à fragilização da condição das trabalhadoras e trabalhadores

diante do poder patronal.

Palavras-chave: Desmonte trabalhista. Estado de exceção. Contrarreformas.

1 Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal de Lavras (UFLA).

Endereço eletrônico: [email protected].

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Literatura em tempos de exceção: a idiossincrasia do espírito lírico contra a prepotência

das coisas na obra de Maria Valéria Rezende

Renata Cristina Sant‟Ana1

Considerando como traumáticas as experiências e situações que obrigam o ser humano a viver

à margem do que seria um cotidiano isento de tensões, vivenciando conflitos de ordem interna

e externa, a obra de Rezende (2014, 2016) coloca no centro da cena literária brasileira

contemporânea, personagens invisíveis e esquecidos, situados nas margens sociais e

geográficas do Brasil que vivenciam um mundo de exploração, dominação e injustiça que diz

muito sobre o projeto político e o modelo de sociedade que vem se construindo no Brasil ao

longo de sua história. Na esteira do debate sobre seletividade e abertura do campo literário

para novas vozes e temas, a ficção de Maria Valéria Rezende direciona o foco de suas

narrativas para questões políticas relacionadas aos grupos historicamente marginalizados do

país, a exemplo, as mulheres, os migrantes pobres, e os trabalhadores subempregados nas

zonas rurais e urbanas do país. Os discursos produzidos nos interstícios da experiência social

de suas personagens promovem a abordagem de temas caros aos estudos literários em nossa

época, tais como, a supervalorização dos bens de consumo produzidos e apresentados ao

público como sendo necessidade de primeira ordem, os excessos cometidos a favor do

desenvolvimento econômico nas sociedades e a uniformização da cultura resultante do avanço

desenfreado da técnica e dos interesses do mercado no mundo globalizado. Como

consequência desta ordem instituída pelo poder econômico, tem-se o grave processo de

decomposição social a que ficam submetidos os seres humanos que não conseguem adentrar

ao centro da engrenagem que movimenta o capitalismo, e que acabam sendo empurrados para

as margens do sistema, como um tipo de rejeito social que a própria sociedade cria e depois

precisa descartá-lo para que não haja evidência dos prejuízos, arbitrariamente, causados por

sua própria dinâmica. Frente a estas questões, interessa a este estudo discutir, à luz do

pensamento de Benjamin (1987), Debord (1987) e Adorno (2003), o engajamento literário nas

lutas por igualdade e justiça social, e o modo como a autora apresenta em suas obras, a ideia

de que somente através de um encontro verdadeiro e respeitoso com os indivíduos e grupos

1 Doutoranda em Letras - Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

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marginalizados da sociedade é possível pensar em alternativas para a transformação social e

possibilidades de resistência em tempos difíceis.

Palavras-Chave: Literatura, sociedade, política, estado de exceção.

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Onde mora o estado de exceção: um estudo sobre a liberdade para Rafael Braga

Roberta Amaral Damasceno1

A comunicação é em torno de um artigo que visa analisar os aspectos de exceção presentes na

sentença e condução do caso de Rafael Braga, bem como os aspectos criminológicos que

contextualizam a criminalização da pobreza e seletividade do sistema penal. O estudo

caminhará pelo pensamento de Agamben do estado de exceção com característica de

contiguidade dentro do estado de direito com a hipótese da presunção de inocência como

norma suspensa. Dentro do pensamento de Agamben (2004) a análise do caso de Rafael

Braga, tem similitude o pertencimento à zona limítrofe entre direito e política. Embora a

prisão como forma de punição seja por si uma opção política de pensamento sobre controle

social, iremos nos voltar também sobre como existem outras nuances elencadas como: a)

indeterminação da norma em relação a utilização da prova da fase do inquérito policial; c) a

validação maior da interpretação policial do material apreendido em confronto a análise

pericial. Além disso, cercar-se-á de uma base de criminologia crítica, para compreender a

própria ideia de controle penal, bem como a inversão de seus objetivos.

Frisa-se que a delimitação do artigo construirá algo no sentido da análise de aspectos

criminológicos que contextualizam a criminalização da pobreza e seletividade do sistema

penal. Assim há um percalço sobre transbordamento do alvo do sistema penal se espraiando

pelo território estigmatizado que pode-se tornar mais latente a análise de Vera Andrade (2014)

sobre a crise de legitimidade do sistema penal. Corroborando a esse raciocínio é construído a

pergunta acerca da ideia de ordem que perpassa tanto o conceito de Estado quanto a

argumentação jurídica que circunda a gramática de poder.

É questionado a possibilidade do local de oposição à ordem ser contorcido para servir como

repressão. O quanto a defesa da ordem, ganhando contorno meta-espacial e meta-temporal, se

potencializa em um conceito metafísico (BERGALLI et al, 2015). Que ordem seria essa que

ao mesmo tempo em que se faz presente é tão abstrata. O inimigo da ordem atravessa até

mesmo os conceitos de nacionalidade, e deixa o pertencimento como um legado exclusivo

daqueles que se submetem a ordem. Assim a conduta é afastada de uma defesa do território

1 Mestranda em Direito da UFRJ – Linha Direitos Humanos, Arte e Sociedade

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nacional, enquanto se aproxima da defesa de um funcionamento desejável ao Estado e atribui

nisso territorialidades dentro do próprio território.

O problema a ser indagado neste trabalho seria: Que aspectos de exceção estariam presentes

na sentença e condução do caso de Rafael Braga? Embora se debruce sobre as evidências e

laudos presente nas peças processuais disponíveis sobre o caso de Rafael Braga, a presente

análise se guia principalmente pelo Estado Democrático de Direito garantido pela

Constituição Federal de 1988. Portanto enquanto existir dúvidas acerca da autoria de uma

conduta deve-se sempre preservar a inocência do sujeito ao processo. Assim também a

escolha do título adentra a inspiração de Agamben quando diz: “Se [...] a terminologia é o

momento propriamente poético do pensamento, então as escolhas terminológicas nunca

podem ser neutras” (AGAMBEN, 2004, p.15).

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Democracia e responsabilidade ambiental na mineração: uma relação conflituosa

Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri1

Elora Raad Fernandes2

A mineração é, inexoravelmente, uma atividade predatória. Predatória no sentido mais

originário da palavra: está intrinsicamente ligada à predação, à retirada. A mineração retira

vidas, cenários, territórios, o meio ambiente e a cultura tradicional. A mineração viola

múltiplos direitos humanos e, não obstante, é considerada como símbolo do desenvolvimento

nacional. A estratégia do neodesenvolvimentismo tem o crescimento econômico como

sinônimo de desenvolvimento e, como foco, a inserção do país na rede internacional, o que

liga, cada vez mais, Estado e mercado. E essa estratégia, no caso brasileiro, está diretamente

relacionada ao neoextrativismo, à reprimarização da economia. O neoextrativismo, a partir de

Eduardo Gudynas, é tido como um modelo de desenvolvimento baseado na apropriação de

recursos naturais em redes produtivas pouco diversificadas, na qual o Estado se legitima a

partir da apropriação e da redistribuição de parte da renda gerada. Neste modelo, percebe-se

uma verdadeira relação simbiótica entre Estado e mercado, em que um não existe sem o outro,

relação esta que Sheldon Wolin denomina de Superpoder, caracterizado como antítese do

poder constitucional. A democracia do Superpoder, para Wolin, é um verdadeiro oximoro, de

maneira que, aquela hoje vigente é caracterizada como democracia guiada, uma democracia

que faz com que os cidadãos sejam vistos como consumidores; como receptores e não atores,

facilmente passíveis de manipulação. Para Ellen Wood, inclusive, a desvalorização da

cidadania decorrente das relações sociais capitalistas é atributo essencial da democracia

moderna, por ser necessário ceder espaços de decisão ao poder econômico. A partir desse

cenário, o presente trabalho busca compreender uma eventual incompatibilidade entre a

democracia e o sistema de certificação de responsabilidade ambiental no caso das

mineradoras. Para tal, é necessário analisar os pressupostos democráticos desenvolvidos pelos

autores anteriormente citados e a forma como, hoje, essa certificação é concedida pelo

1 Doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Departamento de

Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e do Corpo

Permanente do Programa de Pós-Graduação Estrito Senso em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da

UFJF. 2 Mestranda em Direito e Inovação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

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mercado. Acredita-se que tal incompatibilidade pode ser identificada a partir da existência de

um estado de exceção econômico permanente. Uma vez que, na sociedade atual, quem decide

sobre a exceção – isto é, acerca da suspensão da ordem jurídica constitucional, principalmente

dos direitos fundamentais - é o poder econômico e assumindo-se a existência da democracia

guiada, difícil se faz reconhecer que as decisões relativas à viabilidade ambiental de um

empreendimento possam ser democráticas, sendo essas tomadas majoritariamente pelo

mercado.

Palavras-Chave: Estado de exceção econômico. Certificação ambiental. Mineração.

Democracia guiada.

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Trans a-bandonadas às ruas: o campo destinado àquelas que não se inserem na

cisheteronormatividade

Thiago César Carvalho dos Santos1

Os corpos sociais derivam das normas de gênero e sexualidade, pautadas na binaridade

masculino/feminino, macho/fêmea, as quais se operam na cultura, na sociedade, na política e

no direito. Sendo assim, quaisquer corpos que destoem desses padrões da chamada matriz

cisheteronormativa são relegados à marginalidade e expostos à violência e a morte. Por sua

vez, a prostituição há muito representa uma ameança à ordem social, eis que expõe uma série

de incongruências e inconveniências sociais, familiares e religiosas, as quais assolam a

sociedade burguesa. É a partir dessas verificações que o presente estudo se inicia, com o

objetivo de analisar o contexto de a-bandono das pessoas transgêneros, notadamente travestis

e transexuais, que se prostituem no cenário brasileiro, de modo a demonstra a suspensão da

condição de cidadão e ser humano. Paulo Martins (2016, p. 236) aponta que quase que a

totalidade da população trans se aloca dentro do mercado da prostituição em decorrência da

falta de oportunidade e das violências sofridas dentro do mercado de trabalho “convencional”.

O estudo foi desenvolvido por meio de uma revisão de literatura narrativa, com a tomada de

textos referência para a proposta analítica do trabalho. Foi realizada uma pesquisa com busca

de dados bibliográficos e análise crítica da literatura selecionada, com especial atenção à obra

Homo sacer: o poder soberano e a vida nua de Giorgio Agamben e os estudos acerca das

realidade da prostituição trans no Brasil. Nesse sentido, a prostituição, relegado à noite e às

ruas, configura o espaço destinado às trans prostitutas, espaço em qual são a-bandonadas por

suas famílias e pela sociedade. Esses espaços públicos, se apresentam como “territórios do

medo e da segregação, onde a rua torna-se um local dos mais hostis, acontecendo, diariamente

brigas, assaltos e assassinatos” (RIBEIRO, MATTOS, 1996, p. 74). Desta forma, as ruas

acabam por se revelar a verdadeira representação do campo de concentração identificado por

Agamben, espaços de constante produção da vida nua. Assim, essas vidas trans apresentam

situadas socialmente, juridicamente e espacialmente na exceção da norma, indeterminadas;

1 Cursando Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional pelo Instituto Elpídio Donizetti. Especialista

em Advocacia Cível pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Bacharel em Direito pela PUC Minas.

Advogado. E-mail: [email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1735005058470375.

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trata-se de vidas presas ao bando soberano – abandonadas e remetidas a si mesmas. Tal

condição concreta, e não mais virtual, de vida nua pessoas trans que se prostituem nas ruas,

significa relegá-las a mercê dos demais indivíduos, os quais promovem agressões em

diferentes patamares, sem qualquer sanção. Mesmo dos casos em que essas pessoas procuram

auxílio no poder público, na tentativa de denunciar a ocorrência, elas podem sofre novos

incidentes de violência psicológica ou simbólica dentro dos espaços estatais. Assim, o Estado,

como poder soberano, ainda que não criminalize a prostituição, se abstém de lhes oferecer

segurança, e até mesmo considera as prostitutas, e em especial as travestis, um perigo social.

Desta forma, instaura-se o estado de exceção destinado ao extermínio, à repreensão ou mesmo

à higienização, dessas pessoas da sociedade, eis que se representam ameaças constantes à

moral e à cisheterossexualidade, aos bons costumes, à saúde pública (estigma das doenças

sexualmente transmissíveis).

Palavras-Chaves: Transgêneros. Prostituição. Vida nua. Campo de concentração. Estado de

Exceção.

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Estado de exceção e democracia radical: considerações críticas sobre os eventos político-

jurídicos em curso na Catalunha

Viviane Madureira Zica Vasconcellos1

Este trabalho aborda a noção de estado de exceção, teorizada por Carl Schmitt, e retomada por

Walter Benjamin e Giorgio Agamben, e visa a apontar pontos de fuga que remetam a outras

formas de normatividade, à produção de novas subjetividades e à possibilidade de irrupção de

uma democracia radical. Trata-se de expor a estrutura tipológica do estado de exceção, assim

como a incidência do elemento exceptivo em diversas instâncias: filosóficas, linguísticas,

políticas e jurídicas. Note-se que Schmitt define o estado de exceção como o problema por

excelência da filosofia política, ao tomar o conceito de soberania como fulcro de sua reflexão

sobre as relações existentes entre política e direito. Abarcando essa problemática inscrita nas

elaborações teóricas de Schmitt e Benjamin, Agamben reafirma a concepção de estado de

exceção como elemento constitutivo da ordem jurídica, em sua afinidade com a decisão

política soberana, dado que a lógica inclusivo-exclusiva conforma, estruturalmente, o direito,

consistindo, também, em uma prática normal de governo. Nas “Teses sobre o conceito de

história”, Benjamin trata de questões como: a noção de estado de exceção como regra, a teoria

da história como catástrofe e a crítica às noções de progresso e domínio da natureza. Ele

questiona a base epistemológica da historiografia tradicional, de caráter representacionista,

cuja concepção de tempo homogêneo e vazio, cursivo e linear, corresponderia à noção de um

progresso inevitável. Conforme descrito na sétima tese, o historiador materialista deveria

“escovar a história a contrapelo”, trazendo à tona a história dos oprimidos, em contraposição à

narrativa oficial, que expressa a perspectiva dos vencedores. Por sua vez, na oitava tese,

Benjamin propõe a instauração do estado de exceção efetivo cuja radicalidade destruiria a

própria base sobre a qual o soberano poderia reinar. Em sintonia com essas concepções

teóricas e no intuito de investigar as potencialidades de insurgência de uma democracia

radical, entendida não como democracia direta, mas como democracia não-representativa,

propõe-se uma análise crítica dos atuais eventos político-jurídicos, deflagrados na Catalunha,

em torno do referendo concernente à sua independência em relação ao governo central

1 Doutora e Mestra em Letras e graduada em Direito e Filosofia, pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-

mail: [email protected].

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espanhol. Para tal, retoma-se as considerações de Andityas Matos sobre as contradições

internas presentes nas formulações do liberalismo econômico, especialmente no que diz

respeito a certos dispositivos, tais como soberania e voto, a demonstrar que tal doutrina não se

sustenta em termos jurídico-políticos. Ressalte-se que as manifestações públicas,

protagonizadas pelos catalães, assentam-se nos referidos dispositivos, o que expõe, de um

lado, a estreita ligação dessas ações políticas com a democracia representativa e, de outro, a

reiteração do estado de exceção permanente. Assim, cabe à filosofia crítica do Direito atentar

para a força biopolítica afirmativa, inscrita nesse contexto agônico, assim como a

possibilidade de formação de subjetividades desobedientes de fato, de modo que a exceção se

evidencie como exceção. Na perspectiva benjaminiana, o “Kairós”, a saber, o momento

oportuno, propicia o rompimento do fluxo causalista e progressivo da história e a abertura,

pela via disruptiva, de possibilidades de criação de formas políticas novas e de um direito por

vir.

Referências bibliográficas básicas

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poletti. São Paulo: Boitempo, 2004.

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre

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MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Intervenção realizada no Debate preparatório para o II Seminário

Internacional do Grupo de Pesquisa “O estado de exceção no Brasil contemporâneo”: Separatismo?

Independência? Democracia?: o que está ocorrendo na Catalunha? Belo Horizonte, Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais, 14 de novembro de 2017.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Filosofia radical e utopia: inapropriabilidade, a-narquia, a-nomia.

Rio de Janeiro: Via Vérita, 2014.