GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva A Questão dos Refugiados: Entre a Inclusão e a Exclusão Amael Notini Moreira Bahia 1 A proteção internacional dos refugiados teria a importância fundamental de garantir as necessidades e os considerados direitos humanos fundamentais a uma grande quantidade de pessoas que atualmente fogem de perseguição por diversos motivos. Tal proteção é oferecida a um grupo restrito de pessoas que se enquadram nos requisitos da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. No entanto, como essa comunicação visa demonstrar, mesmo que os Estados aleguem agirem em prol de promover tal proteção, os refugiados são relegados a uma situação de grande precariedade e insegurança, visto que são incluídos a partir dessa pretensa proteção, são excluídos por esse Estado de asilo. Dessa forma, é criado um regime de clara exceção que exclui os refugiados e os classifica dentro do sistema estatal, separando-os em estruturas precárias e assistência precária a título de uma proteção internacional. Essa estrutura jurídica estadista culmina na criação de campos de exceção que se pretendem temporários, mas que pela própria natureza complexa dos conflitos e da locomoção transfronteiriça de pessoas, se realiza como permanente, dentro de uma lógica capitalista, havendo uma perpetuação de uma lógica excludente que impede a interação dos refugiados com a sociedade receptora, deixando-os desamparados juridicamente, mesmo que sejam pretensiosamente protegidos pelo direito internacional. Desse modo, essa comunicação visa entender como esses mecanismos de exceção operam e assim encontrar aberturas ou brechas, para se pensar em outras possibilidades democráticas para essa questão. 1 Graduando em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
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GT Estado de exceção II · GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva Citação, enjambement e atividade decisória exceptiva em
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GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva
A Questão dos Refugiados: Entre a Inclusão e a Exclusão
Amael Notini Moreira Bahia1
A proteção internacional dos refugiados teria a importância fundamental de garantir as
necessidades e os considerados direitos humanos fundamentais a uma grande quantidade de
pessoas que atualmente fogem de perseguição por diversos motivos. Tal proteção é oferecida
a um grupo restrito de pessoas que se enquadram nos requisitos da Convenção relativa ao
Estatuto dos Refugiados de 1951. No entanto, como essa comunicação visa demonstrar,
mesmo que os Estados aleguem agirem em prol de promover tal proteção, os refugiados são
relegados a uma situação de grande precariedade e insegurança, visto que são incluídos a
partir dessa pretensa proteção, são excluídos por esse Estado de asilo.
Dessa forma, é criado um regime de clara exceção que exclui os refugiados e os classifica
dentro do sistema estatal, separando-os em estruturas precárias e assistência precária a título
de uma proteção internacional. Essa estrutura jurídica estadista culmina na criação de campos
de exceção que se pretendem temporários, mas que pela própria natureza complexa dos
conflitos e da locomoção transfronteiriça de pessoas, se realiza como permanente, dentro de
uma lógica capitalista, havendo uma perpetuação de uma lógica excludente que impede a
interação dos refugiados com a sociedade receptora, deixando-os desamparados
juridicamente, mesmo que sejam pretensiosamente protegidos pelo direito internacional.
Desse modo, essa comunicação visa entender como esses mecanismos de exceção operam e
assim encontrar aberturas ou brechas, para se pensar em outras possibilidades democráticas
para essa questão.
1 Graduando em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva
A natureza jurídica do estado de exceção em Carl Schmitt
Ana Clara Lemes1
Gabriel Afonso Campos2
INTRODUÇÃO
Um dos grandes debates da Filosofia do Direito no século XX é o que ocorreu entre Carl
Schmitt (1888-1985) e Hans Kelsen (1881-1973) a respeito da sua fundamentação e
efetividade. Kelsen, numa ótica positivista, afirma que o Direito é lastreado em uma norma
hipotética fundamental (KELSEN, 2005, p. 162-163). Por outro lado, Schmitt o afirma
fundamentado numa decisão política soberana e desenvolve o pensamento de que o acesso à
essência do Direito só se dá a partir da perspectiva do Estado de exceção. A demonstração de
tal hipótese é o objetivo do trabalho que ora se apresenta.
DISCUSSÃO
Schmitt, crítico do Estado liberal que é, concebe o positivismo como uma mistura entre o
decisionismo e o normativismo. Para o alemão, tal doutrina cinde norma e decisão, sendo que
o Direito adquire fundamento a partir da decisão do Legislador, porém a norma obtém um
caráter de autossuficiência por ser intrinsecamente racional. A decisão que lastreia o Direito,
conforme o pensamento schmittiano, é tratada pelo positivismo como extrajurídica
(KERVEGAN, 2006, p.4-7).
Sob a ótica decisionista, o Direito tem como fundamento uma decisão política soberana. Tal
decisão é a condição “primeira de efetividade e validade da norma”, que “não depende de
uma gênese exterior do direito, mas, por ser fundadora ou „soberana‟, determina o sentido ou
a vontade objetiva” (KERVEGAN, 2006, p.9). E, apesar de incapaz de prever momentos em
que deverá ser reconhecida a exceção, é o próprio ordenamento jurídico que deverá “dizer
quem tem o direito de intervir nesses casos”. É na exceção que se evoca a figura do soberano,
paradoxalmente “submetido a” e incumbido de “decidir se a Constituição deve ser suspensa
1 Graduanda em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:
<[email protected]>. Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4983230883693347>. 2 Graduando em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail:
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em sua totalidade” (SCHMITT, 2006, p.17), e a decisão se torna a “instituição da ordem e dos
valores do direito” (KERVEGAN, 2006, p.10).
Nesse sentido, o locus da decisão que fundamenta o Direito – a exceção – reveste-se de
caráter jurídico, não obstante se diferenciando da norma e da situação de normalidade em que
adquire validade.
Dotada de um valor diacrítico, a exceção faz aparecer o embasamento não normativo da
norma, a saber, a decisão que cria, com a “situação normal”, as condições de sua validade. O
que é assim rejeitado é, antes de tudo, a ideia kelseniana segundo a qual uma norma não pode
ser formulada a não ser por meio de uma outra norma, de maneira que a ordem jurídica,
enquanto normativa, deveria ser concebida como autofundadora. O decisionismo salienta [...]
a existência prévia de condições de efetividade, sem as quais a norma não apenas não é
efetiva, mas seria impensável enquanto norma (KERVEGAN, 2006, p. 22).
Assim, a decisão que confere validade ao Direito não é, de forma alguma, extrajurídica, mas
sim elemento imprescindível para a sua existência, dotando-se de caráter inegavelmente
jurídico. Dessa forma, o Estado de Exceção adquire no pensamento schmittiano um tom de
legalidade, pois é nele que a decisão política se realiza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SCHMITT, Carl. Teologia política. Tradução de Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
KERVEGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Tradução
de Carolina Huang. Barueri: Manole, 2006.
GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva
Anomia/Nómos: direito e exceção em Giorgio Agamben
Ana Suelen Tossige Gomes1
Bruno Bicalho2
A presente comunicação parte de uma leitura do percurso filosófico de Giorgio Agamben na
série Homo sacer, tendo como foco a estrutura ontológica por ele denominada “máquina
bipolar do Ocidente”, ou ainda, de modo mais simples, a própria relação ou mecanismo de
exceção. Compreendendo que as experiências filosófica e linguística ocidentais, assim como
aquela política que lhes é paralela, estruturam-se segundo a lógica da exceção, uma lógica
dual que cinde a realidade e hierarquiza suas partes, remetendo uma delas à origem – ao
“secreto” fundamento de uma atualidade que é, paradoxalmente, contrária e ao mesmo tempo
garantidora da identidade da outra – pretende-se abordar, especificamente, a díade
anomia/nómos. Trata-se, na obra agambeniana, da estrutura mesma do campo do direito que,
articulada pelo estado de exceção, resulta em um limiar de absoluta indiscernibilidade entre
direito e não direito. Assim sendo, se, a princípio, a ordem jurídica se orienta no sentido da
exclusão do não direito, cumpre a esse limiar produzido pelo estado de exceção liberar a
anomia que a realidade nômica, ao impor-se, buscou solapar. Partindo desse ponto, uma
análise da díade anomia-nómos, especialmente na obra Estado de exceção, seguida de uma
comparação com o esquema interpretativo desenvolvido pelo autor para a compreensão da
máquina bipolar da política em Stasis, levam-nos, na fase inicial de pesquisa, a verificar que
os polos anomia/nómos indicam dois vértices que tensionam o campo jurídico em sentidos
opostos: aquele do fato e aquele do direito. Põem, ainda, em questão possíveis núcleos de
emergência da anomia no direito, que, consistindo também em díades, aparecem como pistas
de desvelamento desse fundamento oculto: autoridade/poder, ser/dever-ser, violência/direito,
vida/direito. Em um segundo momento, pretende-se compreender como as máquinas bipolares
do direito e da política se comunicam, buscando responder à questão mais ampla deixada por
Agamben ao longo de sua obra, e que, possivelmente, seria uma via para a destituição de tais
máquinas: o que significa agir politicamente? Desse modo, o trabalho é concluído
1 Mestre e Doutoranda em Direito pela UFMG. Membro do grupo de pesquisa “O estado de exceção no Brasil
contemporâneo: para uma leitura crítica do argumento de emergência no cenário político-jurídico nacional”. 2 Graduando em Direito pela UFMG. Membro do grupo de pesquisa “O estado de exceção no Brasil
contemporâneo: para uma leitura crítica do argumento de emergência no cenário político-jurídico nacional”.
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estabelecendo interfaces entre a exceção político-jurídica e o que Agamben nomeia em sua
última obra da série Homo sacer – O uso dos corpos – de “potência destituinte”.
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Citação, enjambement e atividade decisória exceptiva em Toda sentença é um antipoema,
de Tarso de Melo
Paulo Caetano1
Clarissa Verçosa2
A comunicação terá dois eixos interpretativos. O primeiro concerne à discussão acerca da
noção agambeniana de enjambement e o procedimento de citação, segundo Antoine
Compagnon, em Toda sentença é um antipoema, de Tarso de Melo. Para o filósofo italiano,
esse recurso poético é da ordem da ambivalência: quebra a sintaxe, quebra o fluxo (que
existiria na prosa) mas “irresistivelmente” joga o leitor para frente, para o verso seguinte.
Assim se delineia uma aparente contradição. Com isso, faz-se instigante pensar no arranjo que
o poeta de Santo André faz: passar da prosa para o verso a sentença dada a Rafael Braga. Ao
tornar literário um texto jurídico (citando integralmente a sentença perpetrada contra Rafael
Braga, negro, pobre e único condenado dos movimentos de junho de 2013), Tarso de Melo
lança luz sobre a performance e o poder no âmbito jurídico, cuja produção textual é marcada
por uma ambição de verdade (ainda que carregue em si muito de ficção, narração,
especulação, imaginação).
O segundo eixo de discussão, por sua vez, baseia-se na análise da aplicação exceptiva de dois
institutos jurídicos na fundamentação da sentença condenatória de Rafael Braga. O primeiro
instituto é o ato administrativo consubstanciado pelos depoimentos dos agentes policiais no
processo, ao quais são atribuídos presunção de veracidade e fé pública pela doutrina
administrativista e tribunais, ainda que envolvidos nos fatos sobre os quais prestam
informações, em detrimento do valor probatório do depoimento de outras testemunhas. O
referido ato unilateral da Administração é assim respaldado por ser reconhecido como forma
de manifestação da soberania do Estado. O segundo instituto, por sua vez, é a reincidência
criminal (como elemento informador do processo penal) cuja consideração foi indevidamente
efetuada na sentença a fim de respaldar a narrativa construída no relatório – e não apenas na
dosimetria da pena, como determinado pela legislação processual penal.
1 Doutor em Teoria da Literatura pela UFMG, professor na UEMG.
2 Graduada em Direito pela UFMG, advogada.
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Propõe-se que o uso dos referidos institutos na sentença parte de uma lógica decisória
soberana – contexto jurídico em que se inscreve o estado de exceção. Uma das facetas do
estado de exceção proposto por Carl Schmitt e posteriormente utilizado por Agamben é
justamente a suspensão da ordem jurídica por meio da instauração de uma ordem não jurídica
que revela a pureza do elemento formal da decisão soberana – a qual ainda pertence ao âmbito
jurídico. O uso da ordem exceptiva para a prolação de uma decisão não jurídica é quase trivial
em âmbito penal, especialmente no exercício do poder estatal sobre espaços periféricos.
GT Estado de exceção II Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva
O desmonte da legislação trabalhista brasileira no contexto do estado de exceção atual
Pedro Rodrigo Campelo Lima1
O propósito do presente trabalho é o estudo do processo de desmonte pelo qual vem passando
a legislação trabalhista brasileira no contexto do Governo Temer. A leitura que se faz é de que
tanto a Lei da Terceirização irrestrita (Lei n. 13.429) quanto as contrarreformas da
Previdência (PEC 287) e Trabalhista (Lei n. 13.467) cumprem com um mesmo objetivo no
cenário político-jurídico atual: buscam, a um só tempo, retirar direitos sociais conquistados
pelas brasileiras e brasileiros e beneficiar o capital especulativo internacional, que almeja
lucrar às custas da desigualdade social existente no país. Conquanto seja um fenômeno
presente no Brasil desde a década de 1990, verifica-se que tal processo tem se intensificado
nos últimos meses e sua execução tem exigido cada vez mais a adoção de medidas autoritárias
pelo Governo Federal. A pesquisa também expõe como as reformas exigidas pelo capital
financeiro, quando colocadas em prática em outros países, resultaram em perda de direitos
para a classe trabalhadora. Dessa forma, a partir das obras de Leda Paulani, Souto Maior e
Giorgio Agamben, busca-se demonstrar como, a despeito da aparente legalidade das
mudanças legislativas, estas se configuram como medidas de exceção que não atendem aos
interesses da classe trabalhadora brasileira e aprofundarão o caráter exploratório das relações
empregatícias no país. Ademais, o desmonte da legislação trabalhista brasileira atende
unicamente às vontades do capital financeiro, que se sustenta na lógica de concentração de
riquezas e da subjugação do Estado, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento
social da nação. Como conclusões, propõe-se uma reflexão acerca da perda de direitos
fundamentais que as propostas legislativas representam para a sociedade brasileira e suas
consequências no que se refere à fragilização da condição das trabalhadoras e trabalhadores
diante do poder patronal.
Palavras-chave: Desmonte trabalhista. Estado de exceção. Contrarreformas.
1 Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal de Lavras (UFLA).