Top Banner
GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva Ativismo decisionista e Estado de Exceção: como a jurisdição constitucional tem rebaixado a promessa de um Estado Democrático de Direito brasileiro a um atual Estado de Exceção Adalberto Antonio Batista Arcelo 1 Propõe-se uma análise genealógica do neoconstitucionalismo, objetivando uma mais consistente compreensão dos impactos da jurisdição constitucional na sociedade brasileira contemporânea. O neoconstitucionalismo é todo um novo paradigma ou uma nova concepção das condições de possibilidade do direito nas sociedades contemporâneas. A novidade em questão tem sido estabelecida pela ciência do direito, repercutindo em posturas e métodos de interpretação e de aplicação do direito pelo poder judiciário. Daí a forte amarração entre a teoria ou a ciência do direito, com os desenvolvimentos de uma hermenêutica constitucional centrada na discussão principiológica dos direitos fundamentais, e a performance dos tribunais balizada por uma jurisdição constitucional também centrada na discussão e aplicação dos princípios constitucionais fundamentais. Neste complexo e muitas vezes acidentado processo de retroalimentação entre discurso e performance (teoria e prática), o direito se expõe a reconfigurações e ressignificações que se caracterizam por uma inquietante ambivalência: a performatividade do discurso do direito e dos direitos pode viabilizar demandas emancipatórias e inclusivas determinantes para a efetiva garantia dos direitos e para a afirmação da cidadania, mas também pode funcionar como dispositivo de normalização, ou seja, como elemento de neutralização de direitos e garantias fundamentais. A genealogia do neoconstitucionalismo ora proposta visa à testagem das repercussões concretas dessa nova tendência doutrinário-jurisprudencial na sociedade brasileira contemporânea. Busca-se, assim, aferir o impacto das práticas discursivas de um neoconstitucionalismo hegemônico na retroalimentação entre ciência do direito e atuação dos tribunais no Brasil contemporâneo. A hipótese a ser testada nesta pesquisa é a de que os impactos do neoconstitucionalismo, no que concerne à retroalimentação entre a doutrina e a jurisprudência no Brasil contemporâneo, 1 Doutor em Filosofia do Direito (UFMG); Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, Praça da Liberdade; [email protected]
23

GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

Dec 17, 2018

Download

Documents

phamliem
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

Ativismo decisionista e Estado de Exceção: como a jurisdição constitucional tem

rebaixado a promessa de um Estado Democrático de Direito brasileiro a um atual

Estado de Exceção

Adalberto Antonio Batista Arcelo1

Propõe-se uma análise genealógica do neoconstitucionalismo, objetivando uma mais

consistente compreensão dos impactos da jurisdição constitucional na sociedade brasileira

contemporânea. O neoconstitucionalismo é todo um novo paradigma ou uma nova concepção

das condições de possibilidade do direito nas sociedades contemporâneas. A novidade em

questão tem sido estabelecida pela ciência do direito, repercutindo em posturas e métodos de

interpretação e de aplicação do direito pelo poder judiciário. Daí a forte amarração entre a

teoria ou a ciência do direito, com os desenvolvimentos de uma hermenêutica constitucional

centrada na discussão principiológica dos direitos fundamentais, e a performance dos

tribunais balizada por uma jurisdição constitucional também centrada na discussão e aplicação

dos princípios constitucionais fundamentais.

Neste complexo e muitas vezes acidentado processo de retroalimentação entre discurso e

performance (teoria e prática), o direito se expõe a reconfigurações e ressignificações que se

caracterizam por uma inquietante ambivalência: a performatividade do discurso do direito e

dos direitos pode viabilizar demandas emancipatórias e inclusivas determinantes para a

efetiva garantia dos direitos e para a afirmação da cidadania, mas também pode funcionar

como dispositivo de normalização, ou seja, como elemento de neutralização de direitos e

garantias fundamentais.

A genealogia do neoconstitucionalismo ora proposta visa à testagem das repercussões

concretas dessa nova tendência doutrinário-jurisprudencial na sociedade brasileira

contemporânea. Busca-se, assim, aferir o impacto das práticas discursivas de um

neoconstitucionalismo hegemônico na retroalimentação entre ciência do direito e atuação dos

tribunais no Brasil contemporâneo.

A hipótese a ser testada nesta pesquisa é a de que os impactos do neoconstitucionalismo, no

que concerne à retroalimentação entre a doutrina e a jurisprudência no Brasil contemporâneo,

1 Doutor em Filosofia do Direito (UFMG); Professor da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, Praça da

Liberdade; [email protected]

Page 2: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

bem como à performance dos tribunais via jurisdição constitucional, levam à promoção de um

Estado de Exceção. Neste contexto acusa-se o paradoxo de uma dinâmica jurídica que, sob o

discurso da jurisdição constitucional, neutraliza performaticamente direitos e garantias

fundamentais.

Objetiva-se em tal contexto contribuir para a consolidação de uma – ainda – incipiente análise

crítica da dinâmica jurídica brasileira, denunciando a performatividade de um Estado de

Exceção sob o discurso de um Estado Democrático de Direito na operacionalização da

jurisdição constitucional no Brasil contemporâneo. Par/a tanto, a estruturação teórico-

metodológica desta discussão utiliza a genealogia foucaultiana, a desconstrução derridiana e a

reflexão agambeniana para a reconstrução crítica do complexo teórico atualmente conhecido

como neoconstitucionalismo, indicando sua complexidade e diversidade interna, o que conduz

a uma percepção de neoconstitucionalismos.

Finalmente, busca-se apontar estruturas e processos, no âmbito da dinâmica jurídica

brasileira, que culminam em uma versão hegemônica de neoconstitucionalismo e de

jurisdição constitucional para, em seguida, denunciar a redução da complexidade do debate

em torno do neoconstitucionalismo pela doutrina e jurisprudência brasileiras hegemônicas,

demonstrando aí o elemento da ativista/decisionista do saber-poder, que culmina no uso do

direito para neutralizar direitos (Estado de Exceção).

Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Estado de Exceção. Discursividade.

Performatividade.

Page 3: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

A Questão dos Refugiados: Entre a Inclusão e a Exclusão

Amael Notini Moreira Bahia1

A proteção internacional dos refugiados teria a importância fundamental de garantir as

necessidades e os considerados direitos humanos fundamentais a uma grande quantidade de

pessoas que atualmente fogem de perseguição por diversos motivos. Tal proteção é oferecida

a um grupo restrito de pessoas que se enquadram nos requisitos da Convenção relativa ao

Estatuto dos Refugiados de 1951. No entanto, como essa comunicação visa demonstrar,

mesmo que os Estados aleguem agirem em prol de promover tal proteção, os refugiados são

relegados a uma situação de grande precariedade e insegurança, visto que são incluídos a

partir dessa pretensa proteção, são excluídos por esse Estado de asilo.

Dessa forma, é criado um regime de clara exceção que exclui os refugiados e os classifica

dentro do sistema estatal, separando-os em estruturas precárias e assistência precária a título

de uma proteção internacional. Essa estrutura jurídica estadista culmina na criação de campos

de exceção que se pretendem temporários, mas que pela própria natureza complexa dos

conflitos e da locomoção transfronteiriça de pessoas, se realiza como permanente, dentro de

uma lógica capitalista, havendo uma perpetuação de uma lógica excludente que impede a

interação dos refugiados com a sociedade receptora, deixando-os desamparados

juridicamente, mesmo que sejam pretensiosamente protegidos pelo direito internacional.

Desse modo, essa comunicação visa entender como esses mecanismos de exceção operam e

assim encontrar aberturas ou brechas, para se pensar em outras possibilidades democráticas

para essa questão.

1 Graduando em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Page 4: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

Os Migrantes Internacionais no Brasil e sua exclusão no Estado de Exceção

Contemporâneo – Um Verdadeiro Homo Saccer?

André Luís Vedovato Amato1

João Vitor Lovato Sichieri2

Ao citar Saint-Bonnet, Agamben (2004; p.11) afirma que há no direito uma lacuna

representada pela ausência de uma teoria sobre o estado de exceção, visto que a maioria dos

pesquisadores o consideram uma quaestio facti e não como um problema jurídico. Entretanto,

ao se referir àquele autor afirma que o estado de exceção constitui “um ponto de desiquilíbrio

entre direito público e o fato político (...) situa-se numa ‘franja ambígua e incerta, na

intersecção entre o jurídico e o político” (AGAMBEN, 2004, p.11).

A partir do marco teórico desenvolvido pelo autor italiano, compreende-se ser condição

preliminar a definição da relação entre o direito posto e as situações fáticas reais, analisando

as consequências jurídicas daquilo que não possui, em sua forma clássica, forma legal.

Desta forma, proporemos uma análise comparativa, na qual “„estado de exceção’ como termo

técnico para o conjunto coerente dos fenômenos jurídicos a que se propõe a definir”

(AGAMBEN.; 2004, p.15). Para tanto, delimita-se o marco conceitual a partir da proposta do

autor, (2004, p. 39), in verbis:

“o estado de exceção não é nem exterior nem interior ao ordenamento jurídico e o

problema de sua definição diz respeito a um patamar, ou a uma zona de indiferença,

em que dentro e fora não se excluem, mas se indeterminam. A suspensão da norma

não significa sua abolição e a zona de anomia por ela instaurada, não é (ou, pelo

menos, não pretende ser) destituída de relação com a ordem jurídica.”

Dentre deste marco teórico que apresenta o limiar entre o político e o jurídico, entre o direito

e o vivente, pretende-se com o presente artigo analisar a tese de que o estado de exceção,

criado pelo próprio direito pode conviver com a Ordem Democrática, mesmo contendo uma

zona de exclusão da atuação das normas jurídicas vigentes.

1 Mestrando – Programa Direito e Desenvolvimento da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade

de São Paulo – FDRP/USP 2 Graduando em Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FDRP/USP

Page 5: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

Para tanto, tem-se por hipótese que as leis restritivas a migração, com conteúdo restritivo à

própria existência jurídica do imigrante, tanto documentado como indocumentado, incluem

está classe de pessoas na zona de anomia e exclusão do direito pátrio.

Justifica-se tal corte metodológico pois segundo Stephen Castles e Mark J.Mille (2004, p.187)

há um aumento de fluxo migratório devido a processos de mudança econômica, demográfica,

social, política, cultural e ambiental, surgidas a partir da descolonização e do desenvolvimento

socioeconômico desigual entre os países, o que leva a uma tendência de aceleração futura,

com maiores distorções e desigualdades sociais. Eis o problema central.

Apesar da legislação vigente que regula a imigração em solo nacional, sua ideia não está

baseada no princípio da dignidade da pessoa humana e sim, nos princípios que norteiam a

doutrina de segurança nacional. Ainda, cumpre ressaltar a inexistência de uma forma eficiente

de administração dos fluxos migratórios, articulando o transito entre países de origem e países

de destino, além da proibição de participação do migrante junto a órgãos do Estado e da

Sociedade Civil, além de não garantir direitos mínimos a estas pessoas.

Desta forma, tem-se um trabalho teórico dedutivo, de comparação bibliográfica e teórica a

partir da análise da legislação competente, em especial da evolução paradigmática entre o

Estatuto do Estrangeiro e a Lei de Migrações, em paralelo com a Lei de Segurança Nacional,

embasado no marco teórico em epígrafe, como fito de compreender o entendimento a respeito

do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo

Saccer apresentado por Agamben em sua obra, concluindo-se pela viabilidade de sua

aplicação teórica, ou não à realidade fática brasileira.

Page 6: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

Processo penal brasileiro e estado de exceção

Arnaldo Vieira Sousa1

Mariana Gabrielle dos Santos de Mattos2

Walter Benjamin aponta, em suas teses sobre o conceito da história, que “o estado de exceção

em que vivemos é na verdade a regra geral”. Os caminhos do processo penal brasileiro têm

demonstrado o quão correto Walter Benjamin estava, ao apontar pela permanência do estado

de exceção.

A operação Lava Jato e outras operações midiáticas têm demonstrado o quanto o direito se

encontra refém de suas finalidades e quão grande é a influência de uma visão finalística e

moral do direito na sua aplicação cotidiana, em detrimento dos direitos fundamentais ao

devido processo legal, ao contraditório

Uma visão finalística e moral do direito no direito constitui a sua “aplicação” a partir e sua

própria suspensão, ou seja, busca-se a punição do agente criminoso a partir daquilo que a

legislação penal estabelece como sanção devida, mas se suspende os direitos e garantias

fundamentais do acusado em nome da suposta necessidade de sua punição ou pelo resguardo

de um suposto interesse público.

Desse modo, o direito se aplica na sua suspensão, motivo pelo qual se torna relevante analisar,

dentro do âmbito das operações midiáticas que tem pautado a agenda política do Brasil, em

que medida há manifestação clara do estado de exceção e quais os mecanismos possíveis de

solução do referido problema, com a necessária discussão entre a relação direito/política e sua

separação.

Para tanto, se tratará inicialmente acerca do estado de exceção, com a utilização de autores

como Walter Benjamin, Carl Schmitt, Giorgio Agamben e Michael Löwy, tratando das

principais características do que vem a ser um estado de exceção no paradigma do direito

moderno e como tal se encontra na raiz mesmo daquilo que se configura como o direito

ocidental moderno.

Após, se fará uma breve análise de alguns momentos emblemáticos das últimas operações

policiais no Estado brasileiro, bem como acerca do papel do Poder Judiciário como

1 Doutorando no Programa de Pós-graduação em políticas públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

2 Graduanda em Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

Page 7: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

responsável primordial pela suspensão permanente do direito (em especial o processual, no

que diz respeito às garantias fundamentais) em nome de uma suposta aplicação do próprio

direito, visto aqui a partir de uma das suas finalidades e, portanto, a partir de uma visão moral

do papel do direito enquanto instância punitiva, responsável por sancionar as condutas que lhe

são reprováveis.

Por fim, se discutirá acerca das possibilidades de superação desse paradigma no direito atual

ou por cima deste, haja vista a possibilidade de se tratar de um esgotamento do modelo do

próprio direito ocidental e sua relação com a política desde os primórdios da construção da

civilização ocidental.

Page 8: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

Uma genealogia da exceção: o legado de Nietzsche na crítica dos fundamentos do direito

e do estado moderno

Diogo Valério Félix1

Em razão da problemática desenvolvida a partir da biopolítica e do biopoder, o problema da

fundamentação e legitimidade do direito apresenta-se como uma agenda necessária à

discussão acerca da relação entre o Direito, a Política, e, a Moral, na medida em que se

observa uma zona limite, limiar, entre o Direito e a Política. Dentro desta perspectiva,

observa-se que a decisão soberana que estabelece o conteúdo normativo, a partir de um

método genealógico, possibilita uma rediscussão da formação, tanto do Estado Moderno,

quando do próprio Direito contemporâneo, a partir do rompimento com a concepção do

„mitologema do contrato‟, em eleição, como matriz teórica, do instituto do bando, esculpido

por Giorgio Agamben, como figura de significação do direito de governança e soberania, em

uma releitura da estruturação do Estado Moderno, e do relacionamento entre o jurídico e o

político das sociedades modernas, aonde se observa, claramente, a possibilidade de criação de

novos conteúdos jurídicos, alterações, e, inclusive, a própria suspensão do respectivo

conteúdo, fazendo por indicar, que tanto a concepção de sujeito de direito, quanto a própria

definição do que é de direito, estão ligadas, necessariamente, a uma decisão política, e

portanto, soberana, abrindo margem à crítica de toda a tese dos direitos humanos,

fundamentais e personalíssimos, como direitos naturais, essenciais e inatos ao “homem”,

diante da possibilidade de suspensão de tais direitos, e, em especial, da própria

despersonalização da pessoa natural, ou, ainda, da ideia de sub-raça (inferioridade),

circunstâncias em que acabam por retirar todo o “véu” jurídico do sujeito, que não sendo,

assim, mais sujeito de direito, encontra-se na vida nua, onde a morte não implica nem em

homicídio, nem em sacrifício, não passando de um mero corpo em um espaço de exceção

jurídica-normativa. Neste sentido, Nietzsche apresenta dois argumentos que se destacam à

definição da temática apresentada, que se mostram paradigmáticos ao debate sobre a

fundamentação e legitimação do direito, e, ainda, do relacionamento entre o jurídico e o

político, a saber: como a moral enquanto elemento de justificação e legitimação do direito

1 Professor de Direito na Faculdade Cidade Verde – FCV; [email protected]

Page 9: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

resulta de uma relação estritamente jurídico-contratual; e, do paradigma de formação do

Estado Moderno a partir do instituto do bando em contraposição ao “mito do contrato social”.

Assim, na medida em a respectiva problemática decorre da verificação de espaços de exceção

jurídico-normativa, justificáveis pela moral como forma de “promoção de justiça”, inclusive

no que se refere ao tratamento do “humano”, possibilitada pela forma vazia da norma jurídica,

desprovida de uma substância essencial supra-histórica, observa-se, na mesma medida, a

impossibilidade de uma qualificação jurídica para além de uma decisão que assume a forma

da violência, ou seja, da coercibilidade.

Palavras-chave: Estado de Exceção; Bando; Culpa.

Page 10: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

O estado de exceção na América Latina: Uma análise da situação da Venezuela à luz dos

escritos de Giorgio Agamben

Eugênio Delmaestro Corassa1

Lucas de Oliveira Maciel2

O mecanismo do estado de exceção, traçado por diversos autores e em especial Giorgio

Agamben, que apresenta o estado de exceção como parte integrante do direito, e que, na

atualidade, ao contrário de ser excepcional, é a norma, ganha corpo nas mais diversas formas,

sejam mais ou menos explícitas. Um dos casos mais marcantes, no entanto, é o desenrolar da

crise política na Venezuela, com a decadência do governo de Nicolas Maduro e a consequente

crise econômica, social e política. Mais que isso, cabe ir além da superficialidade com que é

analisada a crise no país e perceber a manifestação de elementos do estado de exceção

tratados por Giorgio Agamben em sua obra, em especial ao analisarmos o dispositivo

constitucional venezuelano que permite a deflagração do estado excepcional pelo presidente e

os decretos emitidos pelo governo de Maduro para implementar um estado de exceção nesse

país. Além disso, o que mais chama atenção no recente panorama político venezuelano é que

a questão econômica é destacada nas razões apontadas por Nicolas Maduro em seus decretos,

bem como os motivos expostos – são eles: segurança, estabilidade, desenvolvimento, entre

outros – estão diretamente ligados com os discursos apontados por Agamben quando da

deflagração da exceção, nos mais diversos ambientes. Por fim, o que se percebe também é que

a abordagem do autor italiano é válida na medida em que uma situação excepcional, como é o

estado de exceção nas Constituições nacionais, toma caráter de continuidade e se perpetua no

tempo, concretizando-se Maduro como verdadeiro ditador. A proposta deste artigo, como já

exposto, visa partir dos escritos do autor italiano para entender a situação venezuelana atual,

aplicando as ponderações de Giorgio Agamben a um caso concreto. Para isso, a metodologia

aplicada foi o retorno às fontes primárias sobre o tema na obra de Giorgio Agamben junto a

comentadores do estado de exceção como Carl Schmitt e Walter Benjamin. Além disso, foi

realizada análise fática da situação venezuelana, com consequente análise do ordenamento

jurídico do país sobre a questão e dos decretos emitidos pelo presidente Maduro. Os

1 Graduando em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

2 Graduando em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

Page 11: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

resultados obtidos com o presente trabalho versam no sentido de que as considerações de

Agamben são intensamente aplicáveis ao contexto político venezuelano atual, além de serem

extremamente atuais para lidar com as crises contemporâneas. Soma-se a isso o fato de se ter

percebido a ascensão do critério econômico para a deflagração do estado de exceção, junto

com a perpetuação desse estado excepcional. Finalmente, a conclusão desse trabalho é no

sentido de que a obra de Giorgio Agamben é, mais que nunca, essencial para a análise das

crises e do estado de exceção na atualidade, bem como não se pode perder de vista os escritos

dos quais o autor extrai sua análise.

Palavras-chave: Carl Schmitt; Crise; Estado de Exceção; Giorgio Agamben; Venezuela;

Bibliografia:

AFP. Venezuela diz que bombas de fezes são “armas bioquímicas”. Jornal do Commercio, maio 2017.

Disponível em <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/internacional/noticia/2017/05/11/venezuela-diz-

que-bombas-de-fezes-sao-armas-bioquimicas-282903.php> Acesso em 19 de maio de 2017.

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.

______. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora

UFMG, 2002.

______.O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e do governo: homo sacer II, 2 / Giorgio

Agamben; tradução Selvino J. Assman – São Paulo: Boitempo, 2011.

______. Por uma Teoria do Poder Destituinte: Palestra pública em Atenas, 16.11.2013. Disponível em

<https://5dias.wordpress.com/2014/02/11/por-uma-teoria-do-poder-destituinte-de-giorgio-agamben/> Acesso em

19 de maio de 2017.

AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS. Suprema Corte da Venezuela assume as funções do Legislativo. Folha de São

Paulo, mar. 2017. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/03/1871141-supremo-corte-da-

venezuela-assume-as-funcoes-do-parlamento.shtml> Acesso em 31 de março de 2017.

ALVES, Adamo Dias; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Carl Schmitt: um teórico da exceção sob o

estado de exceção. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 2012.

ANSA. Corte da Venezuela 'anula' Parlamento e dá poderes a Maduro. R7, mar. 2017. Disponívelem:

<http://noticias.r7.com/internacional/corte-da-venezuela-anula-parlamento-e-da-poderes-a-maduro-30032017>

Acesso em 31 de março de 2017.

Page 12: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

ANSA & AFP. Corte da Venezuela “anula” Parlamento e dá poderes a Maduro. Istoé, mar. 2017. Disponível em

<http://istoe.com.br/corte-da-venezuela-anula-parlamento-e-da-poderes-a-maduro/> Acesso em 22 de maio de

2017.

BOTELHO, João Carlos Amoroso. A DEMOCRACIA NA VENEZUELA DA ERA CHAVISTA. Marília:

Aurora, ano II número 2, junho, 2008.

EFE. Maduro diz estar disposto a se tornar ditador para chegar à paz econômica. O Estado de S. Paulo, set.

2017A. Disponível em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,maduro-diz-estar-disposto-a-se-

tornar-ditador-para-chegar-a-paz-economica,70001979047>. Acesso em 04/10/2017.

EFE. TSJ asume competencias de la AN mientras esta se mantenga en "desacato". El Universal, mar. 2017B.

Disponívelem: <http://www.eluniversal.com/noticias/politica/tsj-asume-competencias-mientras-esta-mantenga-

desacato_646036> Acesso em 31 de março de 2017.

G1 – AGÊNCIA DE NOTÍCIAS. Conselho de Segurança da ONU se reúne para discutir crise da Venezuela. G1,

maio 2017C. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/conselho-de-seguranca-da-onu-se-reune-para-

discutir-crise-da-venezuela.ghtml> Acesso em 19 de maio de 2017.

______. Oposição denuncia “ditadura” após Supremo da Venezuela assumir papel do Congresso. G1, mar.

2017A. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/oposicao-denuncia-ditadura-apos-supremo-da-

venezuela-assumir-papel-do-congresso.ghtml> Acesso em 19 de maio de 2017.

______. Tribunal volta atrás e revoga decisão de intervir no Parlamento venezuelano. G1, abr. 2017B.

Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/noticia/tribunal-revoga-decisao-de-intervir-no-parlamento-

venezuelano.ghtml> Acesso em 19 de maio de 2017.

LA IZQUIERDA DIARIO VENEZUELA. Venezuela: 35 mortos em um mês de crise política e

repressão. Tradução de Vitória Camargo. Esquerda Diário Edição do dia, maio 2017. Disponível em

<http://www.esquerdadiario.com.br/Venezuela-35-mortos-em-um-mes-de-crise-politica-e-repressao> Acesso em

19 de maio de 2017.

MARS, Amanda. Venezuela terá inflação de 2.200% em 2017, prevê FMI. El País, abr. 2016. Disponível em

<http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/12/economia/1460485173_766551.html> Acesso em 22 de maio de

2017.

MARTÍN, SABRINA. Maduro prorroga de nuevo estado de excepción y emergência económica em Venezuela.

PANAMPOST – Noticias y Análisis de las Américas, nov. 2016. Disponível em

<https://es.panampost.com/sabrina-martin/2016/11/14/maduro-prorroga-estado-excepcion/> Acesso em 22 de

maio de 2017.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. NomosPantokrátor? apocalipse, exceção, violência. Belo Horizonte:

Revista Brasileira de Estudos Políticos, 2012.

Page 13: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

O ESTADO DE S. PAULO. Justica rejeita decisão do Parlamento e mantém Maduro no cargo. ESTADÃO –

Internacional, jan. 2017. Disponível em <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,justica-rejeita-

decisao-do-parlamento-e-mantem-maduro-no-cargo,10000099069>Acesso em 22 de maio de 2017.

POZZI, Sandro. FMI prevê inflação recorde de 720% para Venezuela em 2016. 25 de janeiro de 2016.

Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2016/01/22/economia/1453478834_252219.html> Acesso em

29/10/2016.

SANTOS, Marta. A crise sem fim: Venezuela enfrenta ano de inflação recorde e escassez de produtos. R7 –

Retrospectiva 2016, dez. 2016. Disponível em: <http://www.r7.com/retrospectiva-2016/news/a-crise-sem-fim-

venezuela-enfrenta-ano-de-inflacao-recorde-e-escassez-de-produtos-15122016> Acesso em 22 de maio de 2017.

SCHMITT, Carl. Teologia política/Carl Schmitt; tradução de Elisete Antoniuk; coordenação e supervisão Luiz

Moreira. – Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

THE NEW YORK TIMES, THE EDITORIAL BOARD. Crisis Upon Crisis in Venezuela. The Opinion Pages,

mar. 2017. Disponível em <https://www.nytimes.com/2017/03/29/opinion/crisis-upon-crisis-in-

venezuela.html?_r=0> Acesso em 19 de maio de 2017.

VENEZUELA. Constitución de la República Bolivariana de Venezuela de 20 de deciembre de 1999. Gaceta

Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N° 36.860. Venezuela, Caracas, 1999.

______. Decreto N° 2.184, de 14 de enero de 2016. Declara el Estado de Emergencia Económica em todo el

Territorio Nacional. Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N° 6.214 Extraordinario. Caracas,

Venezuela, 2016A.

______. Decreto N° 2.270, de 11 de marzo de 2016. Estabelece la prorroga por sessenta (60) dias, del plazo

estabelecido em el Decreto N° 2.184, publicado em la Gaceta Oficial de la Republica Bolivariana de Venezuela

N° 6.214, de fecha 14 de enero de 2016. Gaceta Oficial Extraordinaria 6.219: Decreto N° 2.270. Caracas,

Venezuela, 2016B.

______. Decreto N° 2.323, de 13 de mayo de 2016. Declara el Estado de Excepción y de la Emergencia

Económica, dadas las circunstancias extraordinárias de orden Social, Económico, Político, Natural y Ecológicas

que afectan gravemente la Economia Nacional.Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N°

6.227Extraordinario. Caracas, Venezuela, 2016C.

______. Decreto N° 2.352, de 10 de junio de 2016. Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N°

40.923. Caracas, Venezuela, 2016D.

______. Decreto N° 2.371, de 10 de junio de 2016. Prorroga, por sessenta (60) dias, el plazo estabelecido em el

Decreto N° 2.323, publicado em la Gaceta Ofical de la Republica Bolivariana de Venezuela N° 6.227

Extraordinario, de fecha de 13 de mayo de 2016.Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N°

40.942. Caracas, Venezuela, 2016E

Page 14: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

______. Decreto N° 2.452, de 13 de septiembre de 2016. Decreta el Estado de Excepción y Emergencia

Económica em todo el Territorio Nacional. Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N° 6.256

Extraordinario. Caracas, Venezuela, 2016F.

______. Decreto N° 2.548, de 13 de noviembre de 2016. Prorroga por sessenta (60) dias, el plazo estabelecido en

el Decreto N° 2.452 de fecha de 13 de septiembre de 2016, publicado en la Gaceta Oficial de la Republica

Bolivariana de Venezuela N° 6.256 Extraordinario de la misma fecha. Gaceta Oficial de La Republica

Bolivariana de Venezuela N° 6.272 Extraordinario. Caracas, Venezuela, 2016G.

______. Decreto N° 2.667, de 13 de enero de 2017. Declara el Estado de Excepción y Emergencia Económica

em todo el Territorio Nacional. Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N° 41.074. Caracas,

Venezuela, 2017A.

______. Decreto N° 2.742, de 13 de marzo de 2017. Prorroga, por sessenta (60) dias, el plazo estabelecido en el

Decreto N° 2.667, de fecha 13 de enero de 2017, publicado en la Gaceta Oficial de la Republica Bolivariana de

Venezuela N° 41.074 de la misma fecha. Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N° 41.112.

Caracas, Venezuela, 2017B.

______. Decreto N° 2.849, de 13 de mayo de 2017. Declara el Estado de Excepción y de Emergencia Económica

em todo el território Nacional. Gaceta Oficial de La Republica Bolivariana de Venezuela N° 6.298

Extraordinario. Caracas, Venezuela, 2017C.

______. Tribunal Supremo de Justicia. Sentencia 156 (2017D). Recurso de interpretacion. Disponível

em:<http://historico.tsj.gob.ve/decisiones/scon/marzo/197364-156-29317-2017-17-0325.HTML>Acesso em 31

de março de 2017.

WALSH, Nick Paton; BROCCHETTO, Marilia. Venezuela: Where supplies are few and pain is everywhere.

CNN, maio 2017. Disponível em: <http://edition.cnn.com/2017/05/17/americas/venezuela-pain-and-

poverty/index.html?sr=fbcnni051817venezuela-pain-and-poverty0330AMVODtopLink&linkId=37702222>

Acesso em 19 de maio de 2017.

Page 15: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

The Handmaid’s Tale: a ascenção da extrema direita e a limitação aos direitos da mulher

Hortência Dias Silva Neta1

Kristianne Veloso2

The Handmaid’s Tale é uma série que conta com uma realidade distópica, e se passa em um

período apocalíptico no qual se instaura um regime totalitário, semelhante a uma cultura de

castas onde cada pessoa tem uma posição social e um dever. Essa cultura é baseada em um

ideal de superioridade masculina. A queda na taxa de natalidade faz com que as mulheres em

idade fértil tenham suas vidas mantidas em um rigoroso controle estatal e privadas dos seus

direitos básicos. O presente trabalho pretende apresentar uma análise da série The handmaid’s

tale criada por Bruce Miller e baseada no romance de mesmo nome de Margareth Atwood

(1985). Este estudo objetiva traçar um paralelo entre o romance e os movimentos políticos

atuais que proporcionaram a ascensão da extrema direita, além de tratar da liberdade feminina

e os direitos conquistados. Dessa forma, usa as recentes propostas de lei com referência aos

direitos da mulher que possibilitariam uma limitação desses direitos. Posto isto, apresenta

uma análise bibliográfica para entender tal fenômeno, passando pelos estudos de Bourdieu

(2002) acerca da dominação masculina que em termos gerais trata de uma questão de

violência simbólica sobre as mulheres, possibilita o entendimento de que a violência muitas

vezes não é física, mas sim, utiliza de meios específicos para propagá-la possibilitando neste

âmbito a aplicação de direitos excludentes ou retirada de direitos inclusivos. Com isso, a

análise passa aos conceitos de Arendt (2008) acerca do totalitarismo, como dominação do

Estado e controle do individuo, tendo em vista que o regime apresentado pela série é um

regime totalitário e é perceptível o quão necessário é o controle dos corpos, possibilitando a

compreensão do papel do Estado quando esse tipo de organização Estatal está em ascensão.

Nessa perspectiva de ascensão de Estado Totalitário os estudos de Agamben (2004) acerca do

Estado de Exceção e de suas definições também são utilizados, em especial no sentido de ser

um conceito ainda em aberto e que pode ser utilizado como justificativa para diversas

violações. Aponta também os conceitos de Bauman (1999) sobre a modernidade e seus

reflexos na manutenção da ordem, colocando que, esse modo de controle só é possível dentro

1 Acadêmica do 8º período na Faculdade de Direito Santo Agostinho. [email protected].

2 Acadêmica do 6º período na Faculdade de Direito Santo Agostinho. [email protected].

Page 16: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

de um critério, há de se falar em corpos dóceis, compreendendo a partir dessa análise

bibliográfica como ocorre a manutenção dessa estrutura a partir da perspectiva de Bauman.

Completando essa ideia, com os estudos de Semelin (2009) acerca da destruição, expondo

como é possível que a humanidade repita situações de violência extrema através da

inferiorização e desconsideração do outro como igual. Portanto, ao fazer tais análises

bibliográficas, a proposta é que venha o presente estudo a tratar do desenvolvimento da

extrema direita e o contexto social que possibilitou tal pensamento retrógrado. A metodologia

utilizada é de caráter qualitativo com a utilização de revisão bibliográfica.

Page 17: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

DUCK SOUP: A EXCEÇÃO EM SUA FORMA SATÍRICA

Isabela Antônia Rodrigues de Almeida1

Maria Laura Tolentino Marques Gontijo Couto2

Este trabalho busca discutir o estado de exceção em inter-relação com a arte, por meio do

filme Diabo a Quatro (Duck Soup), comédia satírica americana de 1933 estrelada pelos

irmãos Marx e dirigida por Leo McCarey. Primeiramente, abordar-se-á o conceito de estado

de exceção, fundamentado no pensamento de Carl Schmitt e Giorgio Agamben. Depois, far-

se-á análise do filme, buscando a exceção no cenário nele apresentado, e relacionando-o a seu

contexto histórico de produção.

O conceito de estado de exceção traz uma incerteza terminológica, de modo que escolher essa

expressão indica posicionamento a respeito do fenômeno em discussão (AGAMBEN, 2004, p.

15). Tal estado é caracterizado pela suspensão da ordem jurídica, suspensão que não nega o

direito, mas “o imobiliza a fim de realizá-lo, o que se dá mediante a normalização da cena

institucional que deve se seguir à exceção” (MATOS, 2012, p. 305). A provisória suspensão é

instaurada em circunstâncias excepcionais, anormais, que ameaçam a organização do Estado

de Direito. E essa suspensão é organizada pelo soberano, responsável por conferir validade à

nova ordem jurídica, fundada em sua decisão. O estado de exceção “se presentifica mediante

uma dialética necessária com o Estado de Direito” (MATOS, 2012, p. 283), está relacionado a

uma situação imprevisível e anormal, e sua existência necessita de uma finalidade superior a

ser alcançada (MATOS, 2012, p. 283-284).

Diabo a Quatro passa-se na Freedonia, país em dificuldades financeiras. Diante disso, seus

governantes pedem ajuda à milionária Sra. Teasdale (Margaret Dumont), que concorda em

emprestar-lhes dinheiro somente se ela puder indicar um novo líder “do qual o país precisa”:

Rufus T. Firefly (Groucho Marx), que é nomeado ditador, em uma exceção justificada na

finalidade de melhorar a situação da Freedonia. Reuniões de governo, formalidades e

1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Monitora das disciplinas de Introdução ao

Conhecimento Científico do Direito e do Estado (2017/1) e Pensamento Jurídico-Político Brasileiro (2017/2).

Pesquisadora de Iniciação Científica voluntária pela Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação

da Profa. Dra. Karine Salgado. 2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Monitora da disciplina de História do

Direito (2017/2). Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq, sob orientação da Profa. Dra. Karine Salgado.

Page 18: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

festividades ainda ocorrem com aparente normalidade, embora Firefly cante em sua posse:

“Se vocês pensam que este país está ruim, esperem até eu acabar com ele”. A partir daí,

apontam-se cenas de corrupção, desleixo com a administração pública (contrariando o que a

exceção, supostamente, deveria trazer) e a culminância em uma declaração de guerra frívola,

todas retratadas de forma irônica e nonsense - o absurdo reflete a situação anormal. Também

há um julgamento por espionagem, característico da insegurança em governos de exceção.

Lembremo-nos do contexto da época: o ano de 1933 viu a ascensão de Hitler ao governo

alemão e crescente expectativa de guerra. Gardner (2009, p. 74-76) também remonta a

escândalos de corrupção nos Estados Unidos e à crise econômica que se seguiu a 1929. Por

outro lado, Mussolini baniu o filme da Itália, por considerá-lo um ataque ao fascismo

(GARDNER, 2009, p. 88).

Assim, vê-se que o filme, independentemente da intenção de seus idealizadores, e sem

abandonar seu lado cômico, mostra a disparidade entre a justificativa que embasa o estado de

exceção e os fins que ele atinge. Ademais, além de dialogar fortemente com seu contexto

histórico, a obra dos irmãos Marx permanece atual, bem como as discussões em torno do

estado de exceção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004 (Estado de Sítio).

GARDNER, Martin A. The Marx Brothers as social critics: satire and comic nihilism in their movies.

Jefferson: McFarland & Company, 2009.

KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Trad.

Carolina Huang. Barueri: Manole, 2006.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. NΟMO ΠANTΟKΡATΩΡ? Apocalipse, exceção, violência.

Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, nº 105, p. 277-342, jul/dez. 2012.

BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004 (Estado de Sítio).

BEGO, Mark. The Marx Brothers. Harpenden: Pocket Essentials, 2001.

BIGNOTTO, Newton. Soberania e exceção no pensamento de Carl Schmitt. KRITERION, Belo Horizonte, nº

118, Dez./2008, p. 401-415, 2008.

Page 19: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

BROWN, Craig. A whole lotta elephants: the enduring delights of Duck Soup. The Guardian, 9 jan. 2015.

Disponível em: <https://www.theguardian.com/film/2015/jan/09/craig-brown-on-the-delights-of-duck-soup>.

Acesso em: 2 nov. 2017.

GARDNER, Martin A. The Marx Brothers as social critics: satire and comic nihilism in their movies.

Jefferson: McFarland & Company, 2009.

GEHRING, Wes D. The Marx Brothers: A Bio-Bibliography. Westport: Greenwood Press, Inc., 1987.

GOMES, Ana Suelen Tossige. O direito no estado de exceção efetivo. Belo Horizonte, Editora D‟Plácido,

2017.

KERVÉGAN, Jean-François. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Trad.

Carolina Huang. Barueri: Manole, 2006.

MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. NΟMO ΠANTΟKΡATΩΡ? Apocalipse, exceção, violência.

Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, nº 105, p. 277-342, jul/dez. 2012.

PIETRO, Evaristo. Poder, soberania e exceção: uma leitura de Carl Schmitt. Trad. Andityas Soares de Moura

Costa Matos. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, nº 105, p. 101-150, jul/dez. 2012.

PONTEL, Evandro. Estado de exceção em Giorgio Agamben. 2011. 130f. Dissertação (Mestrado) Programa

de Pós-Graduaçao em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2011.

SCHMITT, Carl. O conceito do político/ Teoria do Partisan. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del

Rey, 2008.

Page 20: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

Criminalização da pobreza e estado de exceção: análise dos mandados de busca e

apreensão coletivos em favelas do Rio de Janeiro

Luan Guilherme Dias1

Há uma série de fatores que compõem uma boa fotografia. Cenário, iluminação e habilidade

do fotógrafo são alguns dos elementos que, se bem combinados, eternizam ínfimos momentos

capturados pela lente de uma câmera, deixando para a posteridade um retrato do presente.

Se fosse possível capturar as nuances do intangível em apenas um clique, uma boa fotografia

do sistema político-jurídico do Rio de Janeiro retrataria, de forma inequívoca, um longo

projeto de criminalização da pobreza e de suspensão intermitente do Estado Democrático de

Direito em comunidades carentes, como demonstram as recentes decisões judiciais que

expediram mandados de busca e apreensão coletiva em favelas.

A presente pesquisa, sem a pretensão de substituir os grandes mestres da fotografia, tem por

objetivo retratar a torturante realidade do sistema político-jurídico carioca, expondo as

fissuras presentes no tecido social, como a violação consciente e deliberada de direitos e

garantias fundamentais por representares do Estado, abordando também o longo e desolador

processo de identificação de determinada parcela da população como cidadãos de segunda

classe.

Para tanto, elege-se o método dedutivo, com o uso de dados qualitativos, de natureza

bibliográfica e documental. Como referencial teórico, a pesquisa apoia-se nas indispensáveis

obras de Giorgio Agambem e Carl Schmitt, assim como nos principais teóricos do Estado de

Exceção no Brasil, entre eles Pedro Estevam Serrano, além de recorrer aos estudos de Vera

Malaguti Batista e Salo de Carvalho para compreender as particularidades da escalada da

repressão penal contra a população pobre.

Ainda que indigesto, por expor a mazela do sistema político-jurídico, o tema proposto é

justificado por abordar uma complexa e desoladora realidade que aponta para o fracasso do

projeto constitucional. Não obstante, a abordagem sobre o estado de exceção e a

criminalização da pobreza tem justificativa na escalada da violência estatal contra a população

1 Mestrando em Direitos Coletivos e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto, com bolsa pela

Coordenação de Aperfeiçoamento do ensino Superior (CAPES). E-mail: [email protected].

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0064446231125347.

Page 21: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

pobre e, o pior, na ascensão do discurso que legitima e identifica a truculência policial como

algo ideal.

A concessão de mandados de busca e apreensão coletivos por membros do Judiciário,

permitindo a entrada indiscriminada e irrestrita de policiais em diversos lares em

comunidades cariocas, em total desrespeito ao disciplinado na Constituição Federal, é apenas

mais um triste retrato da atual realidade brasileira que, se não devidamente denunciada e

combatida, deixará para a posterioridade a repressão penal e o vale-tudo jurídico na caça de

cidadãos pobres, considerados inimigos.

Page 22: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

A liberdade de manifestação e o estado de exceção: a atuação estatal frente às

manifestações populares brasileiras

Mariana Pinto Zoccal1

Atualmente vivencia-se no Brasil um contexto de “inferno urbano” caracterizado pelo

sucateamento do ensino e da saúde pública, o aumento dos índices de desemprego e a

precariedade de acesso ao lazer e ao transporte público. As manifestações que eclodiram em

junho de 2013, a princípio lideradas pelo Movimento Passe Livre, buscaram romper com a

passividade deste “status quo” e reivindicar uma real efetivação do direito à cidade.

No entanto, os manifestantes que encampavam pautas críticas e avessas aos interesses das

classes hegemônicas passaram a figurar como vítimas de um truculento processo de

criminalização orquestrado pelo Estado, de modo que inúmeras práticas foram observadas em

âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário buscando cercear o exercício do

direito de protesto.

Em âmbito do Executivo, nota-se que este influenciou diretamente a política de segurança

pública adotada em manifestações, que se pautou pela utilização desenfreada de armamentos

“menos letais”, pela inexistência de identificação de policiais presas às fardas, a instauração

de inquéritos obscuros, dentre outras arbitrariedades relatadas.

Acerca do Legislativo, conforme dados levantados pela ONG ARTIGO 19, atualmente

tramitam no Congresso 59 projetos de lei atinentes a matéria dos protestos. Dentre eles, ampla

maioria se inserem em categorias que buscam criminalizar novas condutas em detrimento das

que primam pela salvaguarda do direito de manifestação.

O Judiciário em diversas decisões se mostra avesso ao livre exercício do direito de

manifestação, negando-se a dialogar com manifestantes e membros de movimentos sociais e

tratando as suas reivindicações como “casos de polícia”, reduzindo conflitos coletivos a meras

lides individuais.

Nos dizeres de Agamben, o estado de exceção se estabelece no tênue limiar entre o direito

público e o fato político, entre a ordem jurídica e a conjuntura social, caracterizando-se “a

forma legal daquilo que não pode ter forma legal”. Por se tratar de uma situação excepcional,

1 Bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIC - CNPq, período 2014/2015 e estudante do 5º ano de graduação da

Faculdade de Direito de Franca.

Page 23: GT Estado de exceção I · do migrante na legislação pátria e ver se há ou não conformação com o conceito de Homo Saccer apresentado por Agamben em ... é a influência de

GT Estado de exceção I Coordenação: Ana Suelen Tossige Gomes e Bruno Bicalho Lage Silva

o Estado de exceção se insere e se integra no corpo do direito vigente, perpetuando as práticas

circunstanciais e instalando-se no Estado Constitucional. Aquilo que foi concebido como

prática emergencial eleva-se ao patamar de paradigma de governo nos estados democráticos,

executando medidas provisórias e excepcionais como técnica de administração pública.

Nesse ínterim, é sintomático que no dia 24 de maio de 2017, no uso das atribuições

constitucionais, o Presidente Michel Temer tenha autorizado o emprego das Forças Armadas

para a Garantia da Lei e da Ordem no Distrito Federal no período compreendido entre os dias

24 e 31 de maio, em que diversos grupos se mobilizavam para protestar na capital do país. A

atuação das Forças Armadas é disciplinada na lei apenas em hipóteses em que o policiamento

ostensivo não é suficiente, o que não foi verificado no caso em questão.

Assim, ante o acima exposto, entende-se notória a conjuntura de desmonte do Estado

democrático de direito, que tem sido reiteradamente exposta desde a eclosão dos protestos de

junho, de modo a caracterizar a implementação de um verdadeiro “estado de exceção” em

terrae brasilis.