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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Grupo Gulbenkian De Bailado: A Cenografia e Figurinos como intervenção Plástica na Dança em Portugal Inês Batista da Fonseca Dissertação Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte Dissertação orientada pela Prof. Doutora Cristina de Azevedo Tavares e pela Prof. Doutora Maria João Castro. 2017
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Nov 30, 2018

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

Grupo Gulbenkian De Bailado:

A Cenografia e Figurinos como intervenção Plástica na

Dança em Portugal

Inês Batista da Fonseca

Dissertação

Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte

Dissertação orientada pela Prof. Doutora Cristina de Azevedo Tavares e pela Prof.

Doutora Maria João Castro.

2017

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu Inês Batista da Fonseca, declaro que a presente dissertação de mestrado intitulada

Grupo Gulbenkian de Bailado: A Cenografia e Figurinos como intervenção Plástica na Dança em

Portugal é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é

original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia

ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações diretas ou indiretas

têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas académicas.

O Candidato

Lisboa, 29 de dezembro de 2017

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RESUMO

A presente dissertação analisa os cenários e figurinos dos bailados concebidos

pelo coreógrafo e diretor artístico do Grupo Gulbenkian de Bailado, Milko Sparemblek.

O cruzamento entre a dimensão da dança e das artes plásticas perspetiva uma nova

abordagem sobre a intervenção de Sparemblek na produção da dança portuguesa na

década de setenta.

Da linha estética coreográfica de Sparemblek, faz-se uma ponte com a

componente plástica inerente à cenografia e figurinos das suas criações.

Simultaneamente, exploram-se e reconhecem-se as diversas possibilidades de criação do

espaço cénico, segundo a análise da evolução histórica da cenografia e os protagonistas

dessas mesmas transformações.

Revelam-se os diálogos que ocorrem entre o cenário e os figurinos para conceber

um espaço teatral equilibrado e as implicações ou limitações que isso impõe ao artista

que o idealiza. Identificam-se os artistas portugueses que colaboraram com o Grupo

Gulbenkian de Bailado, assim como os elementos característicos das suas obras e o seu

contributo na cenografia e respetivos figurinos das obras em análise.

Palavras-Chave: Grupo Gulbenkian de Bailado; Cenografia; Figurino; Artes Plásticas;

Dança; Milko Sparemblek;

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ABSTRACT

The present dissertation analyses the scenarios and costumes of the ballets

designed by the choreographer and artistic director of the Gulbenkian Ballet Group,

Milko Sparemblek. The cross between the dimension of dance and the visual arts is a

new approach to the intervention of Sparemblek in the production of portuguese dance

in the seventies.

From the choreographic aesthetic of Sparemblek, a bridge is made with a plastic

component inherent to the scenography and figures of his creations. Simultaneously,

explore and recognize as diverse possibilities of creation of the scenic space, according

to an analysis of the historical evolution of scenography and the protagonists.

The dialogues that occur between the scene and the costumes are revealed to

conceive a balanced theatrical space and as implications or limitations that make a

commentary to the artist who idealizes it.

The portuguese artists who collaborated with the Gulbenkian Ballet Group are

identified, as well as the characteristic elements of their works and their contribution in

scenography and respected costumes of the works under analysis.

This dissertation analyzes the scenarios and costumes of ballets designed by the

choreographer and artistic director of the Gulbenkian Ballet Group, Milko Sparemblek.

Keywords: Gulbenkian Ballet Group; Scenography; Costume; Visual Arts; Dance;

Milko Sparemblek;

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Agradecimentos

Às Professoras Cristina de Azevedo, minha orientadora, e à coorientadora

Professora Maria João Castro que me forneceu valiosos conselhos e contactos, bem

como a disponibilidade de ambas para fazerem parte desta viagem.

Ao Doutor António Laginha que me acompanhou no inicio da minha pesquisa,

tendo a amabilidade de me disponibilizar algum do seu material de pesquisa que se

aplicaria ao meu período de análise, pois também ele se dedicou à pesquisa e construção

histórica nesta área.

A António Rebolo pela gentileza em partilhar comigo as suas experiências e

memórias “longínquas”.

A Emília Nadal, pelo seu entusiasmo e interesse em contribuir com algum

material para este trabalho.

A Artur Casais, pela sua gentileza em me receber na sua casa/atelier e me

fornecer tantos detalhes preciosos que me ajudaram a completar alguns aspetos de teor

mais pormenorizado e técnico, que durante a análise do seu trabalho, nem sempre foi

possível.

Ao Professor Carlos Caldas pelas suas sábias, reconfortantes e encorajadoras

palavras.

À Doutora Mafalda Aguiar, dos Serviços Musicais da Fundação Calouste

Gulbenkian, onde pude descobrir muitas preciosidades nos arquivos que me foram

disponibilizados.

Gostaria ainda de agradecer à Clara Leão, Professora e amiga, que me ensinou a

dançar com o corpo e com o coração e principalmente porque me fez ver na Dança um

espaço reconfortante, seguro, com sonhos e esperanças, que estará sempre à minha

espera e onde posso regressar, sempre.

Merecendo igualmente ser mencionado, o meu dedicado grupo de amigos, que

ao longo deste ano foram para mim um núcleo de carinho, respeito, sensibilidade,

compreensão e apoio em diversas circunstâncias e contextos

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Por último, mas não menos importante, quero agradecer aos meus pais que me

proporcionaram condições para eu poder dedicar todo o meu tempo e esforço a esta

pesquisa.

Um especial e individual obrigada, a todos.

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Índice

RESUMO ............................................................................................................. 3

ABSTRACT .......................................................................................................... 4

Agradecimentos ................................................................................................... 5

Índice .................................................................................................................... 7

Introdução ......................................................................................................... 10

Cenografia – Os primórdios .............................................................................. 13

Mestres do Processo Cenográfico ..................................................................... 16

Adolphe Appia .................................................................................................... 16

Edward Gordon Craig .......................................................................................... 19

Oskar Schlemmer ................................................................................................ 20

Josef Svoboda...................................................................................................... 21

Robert Wilson ..................................................................................................... 22

Figurinos ............................................................................................................ 24

As origens ........................................................................................................... 25

A História da Dança em Portugal ..................................................................... 28

Os Ballets Russes em Portugal ............................................................................. 28

O Verde Gaio ...................................................................................................... 29

A tradição e o declínio – “Uma metáfora para o Estado Novo” ............................ 33

Companhia de Iniciação Coreográfica Margarida Abreu ...................................... 34

A Companhia Portuguesa de Bailado (uma herança do Verde Gaio) .................... 36

Dos Ballets de Lisboa ao Grupo Experimental de Ballet ...................................... 37

A Fundação Calouste Gulbenkian e o Grupo Gulbenkian de Bailado .............. 39

Grupo Gulbenkian de Bailado – o Início ............................................................. 41

A Era de Milko Sparemblek ................................................................................ 42

A Conceção plástica nas obras coreográficas de Milko Sparemblek ............... 46

O Mandarim Maravilhoso ................................................................................... 50

O Idílio de Siegfried ............................................................................................ 52

O Triunfo de Afrodite .......................................................................................... 54

A Sinfonia da Requiem ........................................................................................ 57

Continuum sobre um tema de Akutagawa ............................................................ 59

Antigas Vozes de Crianças................................................................................... 61

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A Sinfonia dos Salmos ......................................................................................... 64

Combate de Tancredo e Clorinda e Opus 43 ........................................................ 65

Considerações Finais ......................................................................................... 68

Anexos ................................................................................................................ 75

Imagens ............................................................................................................... 76

Entrevistas ........................................................................................................... 88

Lista de Bailados de Milko Sparemblek ............................................................... 92

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“14.

A história da dança não é, nem pode ser, o Percurso dos Movimentos

Traçado no chão.

É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçados no ar.

Acreditar que os Pássaros são restos de COREOGRAFIAS. Imagens

do corpo que ficaram atrás, suspensas.

(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)

Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.”1

1 TAVARES, Gonçalo M. O livro da Dança, Editora Assírio e Alvim, Lisboa, 2001.

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10

Introdução

No âmbito do Mestrado em Crítica, Curadoria e Teorias da Arte da Faculdade

de Belas Artes da Universidade de Lisboa, a presente dissertação, com vista à

conclusão deste grau académico, dá continuidade ao trabalho desenvolvido

anteriormente no âmbito da licenciatura e parte curricular do mestrado. Esta

dissertação centra-se na análise dos cenários e figurinos dos bailados concebidos pelo

coreógrafo e diretor artístico do Grupo Gulbenkian de Bailado Milko Sparemblek,

durante os anos em que desempenhou o cargo.

Partindo da linha estética coreográfica de Milko Sparemblek, faz-se uma

ponte com a componente plástica inerente à cenografia e figurinos das suas criações.

Concomitantemente, exploram-se e reconhecem-se as diversas possibilidades de

criação do espaço cénico, segundo a análise da evolução histórica da cenografia

internacional e dos figurinos no caso português, bem como os protagonistas dessas

mesmas transformações. Desvendam-se os diálogos que ocorrem entre o cenário e

os figurinos para conceber um espaço teatral equilibrado e as implicações ou

limitações que isso impõe ao artista que o idealiza. Introduzem-se os autores

(Adolphe Appia, Edward Gordon Craig, Oskar Schlemmer, Josef Svoboda e Robert

Wilson) que fizeram parte da arte cenográfica e as disciplinas que se cruzam com a

cenografia.

A definição de conceitos como espaço, arquitetura, iluminação e as formas

de abordagem aos mesmos, é certamente um dos pontos importantes a apresentar.

Neste caminho, identificam-se os artistas portugueses que colaboraram com o Grupo

Gulbenkian de Bailado, assim como os elementos característicos das suas obras e as

suas projeções na cenografia. Dando continuidade a esta viagem, é necessário

reconhecer e escrutinar o mundo da dança portuguesa bem como os antecedentes, o

que a caraterizava, as influências a que foi permeável e os que nela assumiram um

papel ativo e dinamizador. Faz-se referência ao Grupo Verde Gaio, à Companhia

Coreográfica de Margarida de Abreu e ao Grupo Experimental de Ballet.

Apesar da carência de estudos e sobretudo de publicações nacionais sobre

este período específico do Grupo Gulbenkian de Bailado, foi possível encontrar

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dissertações e teses elucidativas dentro do panorama cenográfico e do figurinista no

país.

Ana Margarida Mendes Neves, na sua dissertação de mestrado “Entre a

arquitetura e a cenografia de João Mendes Ribeiro”, define alguns dos limites entre

a arquitetura e a cenografia, explicando a importância destas duas disciplinas se

complementarem, utilizando arquiteturas cénicas para o demonstrar.

Com a dissertação de Mestrado de Luís Manuel dos Santos Mouro, “O

Desenho em Cena”, foi possível perceber a articulação entre o desenho e o fenómeno

teatral, e o processo criativo da cenografia com as demais disciplinas que a

acompanham na produção do espaço cénico.

Sara Franqueira procura encontrar as “Contaminações entre o lugar da

cenografia e as artes plásticas”, apresentando a relação do espaço com as artes

plásticas como um elemento visual produtor de associações.

No que diz respeito a um questionamento ou análise sobre o figurino, é

através de Graça Maria da Silva Rodrigues Santa Clara e da sua dissertação de

mestrado que se pode observar o reconhecimento da importância do figurino como

elemento integrante para uma conceção global do espetáculo. Apresenta também a

evolução do espaço cénico que refletem as mudanças e transformações na realização

do figurino.

Obras fundamentais como On The Art Of Theatre, de Edward Gordon Craig

foram importantes para formar uma análise consciente das suas propostas

cenográficas. Arquiteturas em Palco, da autoria de João Mendes Ribeiro, ajudou

igualmente a conceber uma ideia clara dos aspetos mais técnicos inerentes ao meio

teatral.

Sobre a história da dança em Portugal, as diversas publicações de José

Sasportes, como a História da Dança e a Trajetória da dança teatral em Portugal,

tornaram-se um suporte de pesquisa fundamental. Colóquio Artes - Revista de Artes

Visuais, Música e Bailado, a par das fotografias dos respetivos bailados que se pôde

observar nos Arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian, foram o suporte principal

da presente dissertação.

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Artigos de tamanha importância como “Ballet Gulbenkian – 25 anos” de Carlos

Pontes Leça, e o Catálogo comemorativo “10 Anos do Ballet Gulbenkian” (ambos

incluídos na revista Colóquio Artes- Revista de Artes Visuais, Música e Bailado)

foram igualmente relevantes para a pesquisa.

Paralelamente, nas entrevistas a ex-bailarinos do Grupo Gulbenkian de

Bailado e Ballet Gulbenkian, tal como a artistas plásticos envolvidos na construção

dos bailados, pôde observar-se um enriquecimento na construção da dissertação,

mediante as memórias e os factos que os mesmos transmitiram.

O fim último desta viagem será contrariar a ausência de informação e a

investigação reduzida sobre a história da dança em Portugal neste período. A

carência de documentação sobre cenografia e figurinos conduz a um esquecimento

de uma fase assim não tão longínqua. O presente estudo reconhece a importância de

se reforçar a história por já não existir material físico e documentação suficiente.

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13

Cenografia – Os primórdios

Os limites que separam a cenografia da arquitetura são ténues. Muitos dos

conceitos que predominam na arquitetura foram estruturais para os avanços da

cenografia.

Exemplo disso são os contributos teóricos de Richard Wagner 2 da “obra de arte

total”, em que segundo esta teoria, cada disciplina artística se deveria fundir às outras

numa unidade perfeita, o que transformaria a atividade cénica ao longo do século

XX.3

A palavra “Gesamtkunstwerk”, ou seja, “obra de arte total” foi uma das bases

da transformação do teatro. Resulta da união de todas as artes numa só conceção

artística.4

Este conceito de “arte total” é questionado pelos pensadores simbolistas5 que

elevam a questão para o plano estético e dando origem à exploração da simbologia

como parte integrante e necessária da imagem em cena.

O progresso do trabalho teórico de Wagner permitiu a Adolphe Appia6 que

coloca em ação algumas das suas abordagens teóricas. Appia, foi uma das figuras

pioneiras da reforma cénica do século XX.

2 Richard Wagner (1813-1883) foi um músico erudito alemão. A ópera Tristão e Isolda fora um dos

marcos mais importantes da sua carreira. Wagner foi responsável por uma revolução no seio do

mundo da ópera, dramatizando-as. As escolhas dos temas para as suas óperas recaiam sobre a

mitologia alemã e lendas medievais. Wagner foi influência importante para músicos como Debussy,

que segundo o crítico musical Otto Maria Carpeaux, a peça Tristão e Isolda foi o “ponto de partida

para toda a música moderna”.

3 SASPORTES, José, Pensar a Dança – Reflexão estética de Mallarmé a Cocteau, Imprensa

Nacional da Moeda, 1983, p. 19. 3 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, pp. 23 e 24. 4 Idem, p. 28. 5 Simbolismo foi uma tendência artística que na Europa, nos finais do século XIX se fez sentir

sobretudo na literatura, na pintura, na música. Contendo em si mesma uma acentuada visão do mundo

através da perceção e da valorização da realidade interior e profunda de cada indivíduo, tornou-se

uma clara oposição ao realismo, ao naturalismo e ao positivismo da época. In SPROCCATI, Sandro,

Guia da Historia da Arte, Presença, 2009, p. 135. 6 Adolphe Appia (1862 -1928). Arquiteto e encenador suíço, cujas teorias, especialmente no campo

da interpretação e aplicação da luz como fonte primária na cenografia, foram extremamente

inovadoras e permitiram concretizar cenografias simbolistas auge do século XX.

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14

Edward Gordon Craig7 , aprofunda as teorias de Appia e explora novos

conceitos espaciais. Esses conceitos dizem respeito à arquitetura. São eles a

volumetria, a luz, a sombra e o espaço mutável. Estes são conduzidos de forma a que

ao serem integrados no espaço cénico, o complementem. 8

Acresce a Escola de Bauhaus9, lugar onde se concretizou a produção de

algumas das tecnologias sugeridas por Wagner. É o caso da importância da luz e os

campos de cor na construção ou modelação do espaço cénico.

Oskar Schlemmer10, por sua vez, desenvolveu a estética do teatro dentro da

Bauhaus. A geometria e a matemática são disciplinas que foram introduzidas para

complementar os conceitos espaciais acima referidos.11

O Ballet Triádico12 foi a sua grande conquista. Em conjunto com o arquiteto

Josef Svoboda, esta criação significava a “perfeita união entre a cenografia, a

iluminação, projeções fílmicas e performance”. Inovador e nunca visto, este

espetáculo continha elementos jamais combinados numa só apresentação.

Com uma influência bastante marcada de Craig, Svoboda acrescenta ao seu

espetáculo um elemento fundamental que vai revolucionar o espaço cénico: a quarta

dimensão, à qual apelidava de espaço cinético.

7 Edward Gordon Craig (1872 -1966) foi cenógrafo, produtor e diretor de teatro inglês. Destaca-se

como autor da obra On the art of the theatre (com fortes aplicações simbólicas no que diz respeito à

sua aplicação em cena). 8 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 24. 9 GOLDBERG, RoseLee, A Arte da Performance – do Futurismo ao Presente, Orfeu Negro, 2012, pp.

123 e 124. 10 Oskar Schlemmer natural de Estugarda, foi pintor e escultor, nomeado para o cargo da direção do

Teatro da Bauhaus. In GOLDBERG, RoseLee, A Arte da Performance – do Futurismo ao Presente,

Orfeu Negro, 2012, pp. 125 e 126. 11 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 24. 12 GOLDBERG, RoseLee, A Arte da Performance – do Futurismo ao Presente, Orfeu Negro, 2012,

p. 140.

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15

O arquiteto Robert Wilson 13 é também um percursor da simbiose e da

construção de novas paredes artísticas com a introdução de elementos de outras artes

no espaço cénico. A fusão é a chave para a criação e inovação cenográfica.

Contudo, convém lembrar que mesmo este avanço conceptual elaborado por

Wagner, não se aplicava diretamente à cenografia. O artista ainda estava bastante

focado nos modelos de representação cénica que até ali se utilizavam.

A pintura era o principal meio artístico para se elaborar o cenário. Figuras e

desenhos estáticos seriam o que de maior tinham para nos apresentar como elemento

de construção cenográfica.

Apesar do seu esforço em colocar o corpo, neste caso como objeto vivo e

participante da ação, em contacto direto com o espaço envolvente, a

bidimensionalidade da pintura utilizada como cenário não permitia que esse avanço

fosse suficiente para convencer a audiência da existência de uma tridimensionalidade

em palco.14

13 Robert Wilson (1941-), também conhecido por Bob Wilson, é arquiteto, encenador, coreógrafo,

escultor, pintor e dramaturgo norte-americano. As suas peças são conhecidas a nível mundial muito

pela forma como emprega as novas tecnologias e transforma o palco em experiencias vanguardistas,

tanto dentro da técnica da iluminação bem como do som. Einstein on the Beach é um dos trabalhos

que ainda hoje tem mais reconhecimento, também pela colaboração com o músico Philip Glass na

mesma obra. 14 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 30.

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16

Mestres do Processo Cenográfico

Adolphe Appia

A genealogia contemporânea do processo cenográfico inicia-se com Adolphe

Appia, quando este decide que a arte dramática tinha que ser teorizada. Daí a

necessidade de conceptualizar o espaço cénico e construir bases sólidas para a

evolução desta arte que parecia estar a ficar esquecida em detrimento de outras que

também necessitavam de ser ajustadas com as mudanças dos tempos e pela forma

como estavam a ser teorizadas.

É Appia que constrói alicerces para se edificarem os primeiros conceitos e

transformações do espaço cénico bidimensional para o espaço cénico tridimensional,

afastando a “caixa cénica italiana”, que até aqui era o plano organizado para a

construção da cenografia para qualquer espetáculo.

Dá-se a substituição da tela pintada, bem como da superfície plana que passa

agora a ter direito a profundidade, tornando tudo mais realista e tridimensional aos

olhos de quem observa.

Influenciado por Wagner e por Emile Jacques-Dalcroze15 que o motivou na

construção de uma teoria mais realista do espaço cénico, Appia construiu os seus

próprios conceitos acerca da relação que o corpo do ator, intérprete, deveria ter com

o espaço cénico16

É importante referir que Dalcroze foi o fundador do sistema de ensino do

ritmo musical através do movimento corporal, também conhecido como

“Eurítmica”. 17 Este método coloca a musicalidade e a consciência corporal no

primeiro plano para se aceder a uma performance artística verdadeiramente

completa, “afirmando que todo o elemento musical poderia ser realizado

15 Emile Jacques Dalcroze (1865 - 1950) foi o autor da criação de um sistema funcional de ensino

musical baseado a partir do movimento corporal expressivo, do despertar do instinto motor como

responsável pelas noções de equilíbrio e ordem. Posteriormente aplicado aos fundamentos da

construção de uma metodologia no ensino da dança. 16 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 31. 17 Idem.

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17

corporalmente e que todo o pensamento intelectual deve ser precedido por

experiencias sensoriais”18.

Todavia, não existia um espaço próprio para a interação entre os três vetores:

ritmo, música e movimento. É precisamente neste âmbito que Appia se torna

essencial19.

“Espaços Rítmicos” constituíam uma série de desenhos criados por Appia,

desenvolvendo uma nova estética teatral, onde a expressividade da cenografia estava

concentrada na relação com os elementos cénicos (podendo ser módulos, painéis ou

escadas, como é habitualmente referência feita), a música e as ações desencadeadas

pelos movimentos dos intérpretes/bailarinos.

É em 1921 que Appia publica oficialmente A Obra de Arte Viva, onde resume

os três principais elementos contrastantes dentro do espaço cénico: o corpo vivo e

tridimensional, a paisagem e o piso horizontal.20

Para o autor, o conceito de espaço está intrinsecamente relacionado com o

corpo humano, sendo o espaço cénico o local/produto preparado para o movimento

dos corpos, mas a pintura que parte do pressuposto de movimento, não deixa de ser

estática. Para isso, a escultura é uma solução aliada à produção artística, visto que dá

um efeito tridimensional, não deixando, porém, de ser estática.

É então na arquitetura, ou nos seus elementos, que Appia encontra a solução.

Os elementos arquitetónicos no espaço físico cénico contêm na sua essência o espaço

e o tempo que são engradecidos pelos movimentos de quem ocupa o palco.21

18 Cf. MOREIRA, Ana Lúcia Clara Gaborim, Método Dalcroze: educação musical para o corpo e mente,

Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2003, p. 3-10. 19 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 32. 20 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 33. 21 Idem, p. 34.

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18

Os elementos plásticos seriam o fator que estimularia a criação cénica, no

sentido em que o ritmo, ou movimentos forçados pelas “barreiras arquitetónicas”,

introduziriam elementos performativos.22

Juntamente com os objetos arquitetónicos que moldariam o espaço, a luz é

também um aspeto essencial para produzir volumes, criar sombras, profundidades e

ilusões que carregavam o espaço de intensidade dramática.23

22 Idem, p. 36. 23 Idem, p. 37.

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19

Edward Gordon Craig

Contrariando a teoria de Appia, Edward Gordon Craig24 afirma que o centro

da cena não está no corpo do bailarino ou ator, nem no texto ou dança que a peça

apresente.

A “cena é definida pelos diversos elementos que a compõem: o gesto, que é

a alma da representação; as palavras, que são o corpo da peça; as linhas e as cores,

que são a própria existência do cenário, e o ritmo, que é a essência da dança”25

Craig na sua obra On the art of theatre (1911) refere que o corpo físico do

ator não deve ser encarado como material primeiramente necessário à cenografia

visto que é passível de cometer erros, que tem essa liberdade para o fazer, por isso

não é possível de ser controlado26.

O autor investe então numa busca por um suposto corpo ideal

(simbolicamente apoiado nas suas crenças simbolistas) substituindo o corpo real do

bailarino por um “ubermarionette”: uma figura inanimada27.

Esta transição prende-se com os elementos simbólicos que Craig pretendia

despertar no inconsciente do espectador, deste modo Craig introduz os volumes no

espaço numa relação direta com a ação dramática.28

Um dos elementos que renovaram a estética da arte cénica foram os

“praticáveis”. Partes integrantes do cenário, eram estruturas planas, dispostas na

vertical em relação ao palco, existindo como um género de painéis que permitiam

aproveitar melhor e com mais qualidade a boca de cena.29

24 Edward Henry Gordon Craig (1872 - 1966) foi cenógrafo, produtor e diretor de teatro inglês. 25 Luiz Francisco Rebello In NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes

Ribeiro, Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 36 e 37. 26 CRAIG, Edward Gordon, On the art of theatre, London William Heineman Ltd, 1991, p.56

27 Idem, p. 54. 28 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p.41 29 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro,

Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p.41

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É necessário, identificar um elemento essencial à construção da cenografia de

Craig: a luz. Elemento central nas suas conceptualizações teóricas, o jogo de luz e

sombra remete inevitavelmente para os cenários exteriores utilizados Grécia Antiga.

É Edward Gordon Craig o vanguardista na manipulação da luz teatral.30A

iluminação passa a ter um papel cada vez mais significativo para qualquer cenografia

e manteve a sua importância até ao presente.

A reconhecida coreógrafa e bailarina Loïe Fuller31 (1862-1928) foi uma das

pioneiras na arte de transformar a composição cenográfica e dos figurinos. O modo

como a artista manipulava a luz em palco, utilizando volumes e cores, alterava a

expressão do movimento, algo incomum na época. Este acontecimento revolucionou

o mundo da dança e consequentemente as artes de palco e as que dela fazem parte.

A luz é portadora de ambivalências entre o claro e o escuro, a diferença e

alteração de tons que, na perspetiva do olho humano, passa a ser a forma ideal para

criar a sugestão e o jogo de perceções.

Oskar Schlemmer

Oskar Schlemmer 32 , nomeado por Walter Gropius 33 em 1921 mestre na

Escola de Bauhaus, contribuiu para a renovação da arte cénica com uma teoria que

renunciava as condições estéticas impostas, tentando também eliminar dos palcos a

bidimensionalidade.

30 Idem, p. 44. 31 Loïe Fuller, (1862-1928) foi bailarina, atriz, coreógrafa e uma das mulheres que transformou a

conceção e o modo de fazer dança moderna, bem como a forma da iluminação teatral que até à época

se realizava. A bailarina americana, compunha as suas coreografias de maneira a que a cenografia e

os figurinos que usava (largos panos em seda) fossem iluminados por luzes de diversas cores

consoante os movimentos que executava. 32 Oskar Schelmmer (1888-1943) – Pintor e escultor alemão, contribuiu significativamente para a

evolução de áreas como o design, pintura, escultura, impressão gráfica, publicidade e artes de palco.

Foi diretor do Departamento de Teatro da Bauhaus entre 1923 a 1929. 33 Walter Gropius (1883- 1969) arquiteto alemão considerado um dos principais nomes da arquitetura

do século XX. Tendo sido convocado para oficializar o cargo de direção da Escola de Artes Aplicadas

de Weimar, Gropius transforma esta escola na Escola Bauhaus, considerada até aos nossos dias um

marco histórico no ensino, no design, na arquitetura e arte moderna.

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Na Bauhaus, o corpo humano era o elemento central no palco, bem como o

equilíbrio matemático e a geometria.

No que diz respeito ao corpo humano, Schlemmer admitia existirem quatro

leis fundamentais34 na transformação do corpo: a lei do espaço cúbico circundante;

a lei da funcionalidade do corpo humano e a sua relação com o espaço; a lei da

movimentação do corpo humano no espaço e a forma metafísica de expressão35.

Uma questão importante para perceber a que se refere o autor quando fala de

espaço é que o considerava como um “volume percecionado” que, por outras

palavras, significa a sensação do espaço em si. O conceito “Raumempfindung”36,

introduzido em 1929, serviu de base para muitos trabalhos ao autor.

Os trabalhos e esforços para a mudança do espaço cénico são virtuosamente

conseguidos com o Ballet Triádico. A procura de geometrias perfeitas, utilizando o

corpo e moldando-o como uma marionete (um conceito já referido em Craig), é então

percecionado sob a abstração da forma normativa do corpo humano.

Josef Svoboda

O trabalho de Josef Svoboda37 é por muitos considerado uma fusão entre a

cenografia, a iluminação, a performance e projeções fílmicas. É também autor das

grandes alterações que marcaram a cenografia moderna através da exploração das

diversas potencialidades da luz como ponto de partida.

A influência do seu tralho ao nível da luz teve uma importância tal que um

dos mecanismos luminosos foi apelidado com o seu nome. “Svoboda” consiste num

maquinismo que cria um cenário dramático usando apenas a iluminação. São as

34 RODRIGUES, António Jacinto, A Bauhaus e o Ensino Artístico, Editorial Presença. 1.ª ed. Lisboa,

1989.

35 NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro, Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, pp. 53 e 54

36 Schlemmer apud Golberg, 2007, p. 134.

37 Josef Svoboda (1920-2002) - Nascido, em Caslav, atual República Checa e formado na Academia das

Artes de Praga, estudou Arquitetura e Design Teatral. Iniciou a sua carreira no teatro em

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conhecidas cortinas de luz (ou paredes de luz) que possuem a capacidade de

manipular a perceção do volume ou da profundidade do espaço38.

“A luz é o elemento fundamental da criação no espaço teatral. Na minha

opinião não há separação entre a profissão de cenógrafo e iluminador”39.

Na arte cénica de Svoboda, a arquitetura é um dos pilares no seu pensamento:

“Svoboda said that he always began his work of making a scenography by staring

into the void of empty stage”40, o que só corrobora a afirmação de alguns autores

sobre a linha ténue existente entre a cenografia e a arquitetura. Ambas construções

existem para serem habitadas, contudo em diferentes níveis estruturais e vivenciais.

O trabalho de Svoboda, convictamente influenciado pela arquitetura, é

sempre regido pelos princípios da geometria pura, do espaço vazio como inspiração.

Muitas das teorias expostas pelos autores que referidos anteriormente,

recorrem ao espaço como elemento unificador. É, sem sombra de dúvida, o conceito

chave para perceber a dinâmica da cenografia.

Robert Wilson

Robert Wilson41 para além de ser um artista multifacetado, pois é encenador e

cenógrafo, é também arquiteto, uma área que está bem enraizada nos seus projetos.

Numa entrevista ao artista, este diz que “não tem uma mensagem (nas suas obras).

O que faz são arranjos arquitetónicos”42.

38 Cf. NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro, Faculdade

de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 61. 39 Cf. NERO, Cyro Del, Máquina dos Deuses. Editora Senac, São Paulo, 2009, p. 119, (tradução

livre) 40 Cf. BAUGH, Christopher, Theatre, Performance and Technology, New York & Basingstoke, 2005. 41 Robert Wilson (1941-), também conhecido por Bob Wilson, é arquiteto, encenador, coreógrafo,

escultor, pintor e dramaturgo norte-americano. As suas peças são conhecidas a nível mundial muito

pela forma como emprega as novas tecnologias e transforma o palco em experiencias vanguardistas,

tanto dentro da técnica da iluminação bem como do som. Einstein on the Beach é um dos trabalhos

que ainda hoje tem mais reconhecimento, também pela colaboração com o músico Philip Glass na

mesma obra. 42 SHEVTSOVA, Maria, Robert Wilson, Routledge, 2007, p. 52.

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Para Wilson, o ponto de partida seria por excelência, o espaço vazio com todas

as suas possibilidades de exploração. Como já observámos antes, também Svoboda

entendia o vazio como matéria pura, pronta a ser trabalhada.

A movimentação em palco, algo que nos espetáculos de dança é um fator

importante, é para o autor em questão, uma preocupação, na medida em que pretende

promover esse movimento através de estruturas realizadas de forma a serem dinâmicas

no palco.

É a tensão entre as forças verticais em oposição às horizontais que projeta uma

cenografia. Apoiado pelo grande conhecimento da arquitetura clássica, Robert

Wilson projeta espaços cénicos geralmente com geometrias rigorosas43.

Não esquecendo o seu fascínio pela iluminação e pelo silêncio, que muitas vezes

é uma forma de comunicação, são duas áreas da sua intervenção na criação de um

espetáculo, para além das estruturas geométricas e dinâmicas que cria44.

O conceito de cenografia prende-se com a identificação de algumas linhas de

atuação e metodologias próprias 45 . Formam um conjunto de soluções estéticas

pertinentes que validam o cruzamento entre as várias disciplinas que se apresentam

em palco.

No caso da dança, é sempre a relação do corpo e do movimento com o espaço

envolvente. A materialidade, os seus componentes orgânicos são essenciais para a

perceção e possível estruturação de um conceito.

43 Cf. NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro, Faculdade

de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 68. 44 Cf. NEVES, Ana Margarida Mendes, Entre a Arquitetura e a Cenografia de João Mendes Ribeiro, Faculdade

de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada, Lisboa, novembro de 2015, p. 69. 45 RIBEIRO, João Mendes, Arquiteturas em Palco, 11ª Quadrienal de Praga – 2007 – Representação Portuguesa.

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Figurinos

Se começarmos por tentar esclarecer o conceito de figurino são várias as

definições que encontramos.

É o traje utilizado por uma personagem/intérprete numa determinada produção

artística. O “modelo que representa, normalmente em desenho unidimensional, o

conjunto de elementos visuais do ato cénico que se referem diretamente ao corpo do

ator ou bailarino e se destinam a vestir a personagem que representam.”46

Alguns dos historiadores que se debruçaram sobre a história da moda, assinalam

três razões primordiais e padronizadas (nas peças mais contemporâneas alguns

aspetos não são aplicáveis) para a escolha e utilização de uma determinada

indumentária. A utilidade da roupa, a hierarquização (se a peça em si for formada

por personagens que adquirem a interpretação de um estrato social) e por último o

papel/ mensagem que se pretende transmitir.47

Como é natural, cada figurino e a sua posterior elaboração é uma prática pensada

e estudada com a observação atenta do produtor do espetáculo. O figurinista (o

profissional que elabora o figurino) deve ter em conta fatores como a época história

em que se a peça se posiciona, o perfil psicológico do intérprete, as características

dos movimentos executados pelos bailarinos se for o caso de uma peça dançada, as

orientações de luz de palco e as cores adequadas para o efeito e a ação dramática.

O figurino, antes de se tornar numa peça física, é um desenho ou esboço que

prepara o processo seguinte. É por isso necessário nesses mesmos desenhos existir

um conjunto de indicações gráficas ou escritas de como a peça será executada. O

desenho é em si só uma obra de arte com características próprias.

46 Informação disponibilizada pelo Roteiro do Museu do Teatro e da Dança, pp. 55.

47 GRIFFITHS, Trevor, R., Stagecraft - The Complete Guide of Theatrical Practice, Phaidon Press,

2001, p. 109.

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Mas o figurino também é portador de uma mensagem. É sempre esta a

intenção de qualquer figurinista quando trabalha numa criação, daí ser tão importante

escutar as indicações e trocar ideias entre os vários intervenientes que ajudam à

construção do espetáculo.

Tal como na cenografia, e neste caso ainda é mais notório, o figurino deve

estar em plena sintonia com toda a ação. Por isso, conhecer também o espaço cénico

em que irá decorrer o espetáculo é uma necessidade para a criação de um figurino,

pois este deve completar a dimensão simbólica que o intérprete pretende transmitir

na sua personagem.

No caso desta pesquisa, o figurino é abordado do ponto de vista da dança.

Neste caso as peças de vestuário criadas para o efeito têm que ter por base o corpo

do bailarino e dos seus movimentos no palco. É extremamente importante o figurino

não interferir com os movimentos, e ser até capaz de os enaltecer através do

movimento do executante.

Por isso, o figurino deve “ser a segunda pele do bailarino na sua operacionalidade do

gesto”48

O figurino, também apelidado de traje de cena, apresenta-se não apenas pelo

vestuário propriamente dito, mas também pelos adereços que ajudam a constituir a

personagem que se pretende criar: desde máscaras, perucas, acessórios como joias,

chapéus, lenços ou qualquer item que seja relevante para ajudar à caracterização do

intérprete.49

As origens

É com a chegada do século XX que a história da dança e consequentemente

a da cenografia e dos figurinos se transforma. Os Ballets Russes foram o ponto de

partida para a viragem do figurino clássico demasiado tradicional, para um vestuário

48 CLARA, Graça Maria da Silva Rodrigues Santa, O Desenho de Figurinos e a Formação Académica,

Dissertação de Mestrado em Desenho, Lisboa, FBAUL, 2009, P. 19. 49 LOPES, Renata Vieira, Figurino cenográfico: o acervo do Grupo Divulgação, UFJF- IADPMCMA,

Minas Gerais, Brasil, 2010, p. 12.

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mais arriscado, com contrastes mais notórios e até exóticos50, como é o caso de Le

Spectre de la rose (1911) ou no L'après Midi d'un Faune (1912).

Foram Alexandre Benois51 e Léon Bakst52 os protagonistas destas autênticas

transformações, que tanto na cenografia como no figurino, representaram a mudança

para um novo tempo, uma era moderna em que os cenários e os trajes de cena

entravam em sintonia com as novas coreografias de cariz mais contemporâneo,

rompendo com a tradição clássica.

No plano lusitano, é apenas no século XVII, que surge a referência a trajos

para representações teatrais. António Francisco 53 , foi considerado o primeiro

figurinista, ou vestuarista, como na época era apelidado54. Apesar de apenas no final

do século XIX se iniciar uma separação – ainda que bastante primária – da função

de um figurinista e de artífice (profissional que executa a partir do desenho, o

figurino).

Um figurinista, normalmente sendo um artista plástico que desenha e idealiza

o figurino, nem sempre é ele mesmo que passa à concretização do figurino, pois pode

não possuir instrumentos e formação para a execução técnica do traje.

Cabe então ao artífice, que nos dias de hoje passamos a chamar de costureiro,

o manuseamento dos tecidos, da sua costura e da realização do figurino. Seguindo as

instruções do figurinista, que consoante o modelo pretendido, o movimento, a textura

do tecido e a silhueta do artista que lhe irá dar vida, realizando de forma a

complementar todos os elementos que irão estar presentes em palco.

50 WICKHAM, Glynne, A History of the Theatre, Phaidon Press, 1994, p. 229. 51 Alexandre Benois foi um influente artista, crítico de arte, historiador e cenógrafo. Nasceu em S.

Petersburgo, em 1870 e morreu em Paris, em 1960. Em 1901, Benois foi nomeado diretor dos

serviços cénicos Teatro Mariinsky em S. Petersburgo, onde se encontrava o Ballet Imperial Russo.

Trabalhou mais tarde com os Ballets Russes de Diaghilev. Os seus trabalhos como cenógrafo e

figurinista podem ser apresentados pelas obras de Les Sylphides (1909), Giselle (1910) e Petrushka

(1911), sendo consideradas as suas maiores e melhores criações. 52 Léon Bakst (1866 -1924) foi pintor, cenógrafo e ilustrador russo. Uma das personagens mais

importantes do grupo de artistas Mir Iskusstva e dos projetos teatrais de Sergei Diagilev. Continua a

destacar-se pelo seu trabalho nas produções dos Ballets Russes: Cleópatra (1909), Scheherezade

(1910), Carnaval (1910), Narcisse (1911), Le Spectre de la rose (1911) e Daphnis et Chloé (1912). 53 Informação disponível no Roteiro do Museu Nacional do Teatro, pág. 56 54 In Museu do Teatro e da Dança.

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O figurino, tal como o projeto cenográfico, deve estar sempre de mãos dadas

com a coreografia pois neste caso é de dança que se trata, mas o mesmo acontece na

ópera e no teatro e não pode ser encarado apenas como um elemento independente

do espetáculo. O conjunto de símbolos visuais que carrega têm carga simbólica que,

transmitida de forma direta ou indireta, são parte integrante da atmosfera que se

pretende criar.

A bibliografia sobre o figurino apresentou-se escassa e pouco diversa. O facto

de o tema em estudo - os figurinos (e cenários) do Grupo Gulbenkian de Bailado -

já não existirem num plano físico e de nem todas as imagens disponíveis nos

permitirem um total visionamento claro e conciso dos mesmos, torna a tarefa em

análise difícil.

Contudo, não devemos menosprezar a importância de tal elemento para a

construção de um espetáculo na sua totalidade. Seja ele teatral, cinematográfico,

performático ou dançado, como é preferencialmente abordado no tema em análise.

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A História da Dança em Portugal

Antes de partirmos na viagem à descoberta do Grupo Gulbenkian de Bailado

e como é que o mesmo surgiu, deveremos recuar alguns anos antes e perceber as

raízes da dança em Portugal.

Os Ballets Russes em Portugal

Em dezembro de 1917 os espetáculos dos Ballets Russes em Lisboa, fizeram

com que a circunstância da dança em Portugal se alterasse.

As profundas mudanças a nível artístico, renovando a prática, a estética e até

mesmo a maneira de olhar para a dança, fizeram com que as ideias que permaneciam

tradicionalmente coladas a uma antiga prática balética fossem superadas.

Quando a companhia chega a Portugal, a situação política “inesperada”

provocada pelo golpe sidonista, alterou os planos de apresentação dos Ballets Russes.

“Veem aí os bailes russos! Se todas as grandes cidades os festejaram, porque

motivo Lisboa que tão intensamente sabe vibrar perante as manifestações d´arte, não

haveria de prestar também a sua homenagem aos bailes que Folkine55 ressuscitou

indo buscar as criações ingénuas de Pecour e o espírito de tradição do grande paiz

em que nasceram!” 56

Apresentaram-se no Coliseu dos Recreios e no Teatro de S. Carlos numa entrada

que permitiu aos “balletómanos”57 entusiasmarem-se como foi o caso de Almada

Negreiros. O tão pouco conhecido “Manifesto aos Ballets Russes” é um hino

português à vinda dos Ballets Russes a Portugal e principalmente uma chamada de

atenção para o efervescente mundo modernista que parecia não estar a conseguir

penetrar no espírito dos portugueses.

55 Fokine (1880 – 1942) é considerado um dos mais reconhecidos coreógrafos do século XX. No

início da sua carreira como bailarino, entra para o corpo de baile do Teatro Marinsky, tornando-se

mais tarde solista. Foi o criador das coreografias ainda hoje dançadas em todos os palcos do Mundo:

Sylphide, O Espectro da Rosa, Petrouchka. In SASPORTES, José, Pensar a Dança – A reflexão

estética de Mallarmé a Cocteau, Lisboa, 2006.

56 Artigo da Revista Ilustração Portuguesa, 3.12.1917. 57 CASTRO, Maria João, Lisboa e os Ballets Russes, Lisboa, 2012.

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Foi também um alerta para a tomada de consciência do público mais jovem,

que tinha o dever, na opinião de Almada Negreiros, de se educar a si próprio com o

“fim de se dar por completo à Civilização da Europa Moderna”58:

“Escuta: OS BAILADOS RUSSOS estão em Lisboa! Isto quer dizer: Uma

das mais belas etapas da civilização da Europa moderna está na nossa terra! A ti não

te educaram, razão para que não existe em ti o sentido de consciência e dedução que

facilitariam o teu espírito para a disciplina das novas sensibilidades; porém, os

BAILADOS RUSSOS, dispensam-te de qualquer preparação literária ou artística

para compreenderes facilmente a sua grande missão educativa, explicativa dos

aspetos gerais e sintéticos dos sentimentos. Nos BAILADOS RUSSOS os aspetos

sucedem-se nítidos, sublinhados a oiro e a inteligência e preparados de maneira que

o entusiasmo contido na essência desses sentimentos seja comunicativo em toda a

sua extensão e intensidade.

(…)”

O Verde Gaio

Os Bailados do Verde Gaio, a primeira Companhia de Bailado

exclusivamente portuguesa, foi fruto da ação de um excelente “balletómano”

português, de seu nome António Ferro, Diretor do Secretariado de Propaganda

Nacional (SPN) durante o regime salazarista, e possuindo uma enorme devoção e

fascínio pela dança que se fazia na Europa, conseguiu criar, mesmo num ambiente

de instabilidade política, económica e social que se vivia em Portugal, uma próspera

e dinâmica Companhia de Dança. Esta ação ficou a cargo do Secretariado de

Propaganda Nacional, no qual António Ferro ocupava a posição de diretor.

“Em 1940, o secretário da Propaganda Nacional, António Ferro decidiu-se a

fazer ilustrar a sua “política de espírito” no campo da dança e deu a Francis Graça a

possibilidade de realizar, em três meses, o sonho que há anos acalentava, ou seja, a

58 NEGREIROS, Almada, Manifestos e Conferências, Assírio e Alvim, Lisboa, 2006.

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criação de um grupo de danças folclóricas teatralizadas. Assim nasce o grupo Verde

Gaio: “os bailados russos portugueses”.59

Segundo António Ferro, “A Arte, a Literatura e a Ciência constituem grande

fachada duma nacionalidade, o que se vê lá de fora”60.

Recuando ainda um pouco mais na história, a primeira escola destinada a uma

preparação profissional de bailarinos surgiu em 1839 com o desenvolvimento das

atividades do Conservatório Geral de Arte Dramática, dinamizada na época por

Almeida Garrett.

A edução era encarada como um processo fundamental de regeneração do

tecido social61 . A Primeira República teve por isso um papel preponderante na

“forma pedagógica e formal de organização do plano curricular para as artes”. Ficou

conhecido como o Movimento de Educação Nova.

“Desde 1925, no âmbito do Teatro Novo animado pelo próprio Ferro, que

Francis Graça (futuro bailarino principal do Verde Gaio) decidira embrenhar-se

numa linha de estilização da dança portuguesa, com a colaboração de Ruth Walden,

bailarina alemã que viria a dançar em algumas das criações coreográficas da

companhia.”62

Como bem sabemos, no decorrer das primeiras décadas do século XX, a

explosão das vanguardas artísticas foram contaminando os diversos níveis da cultura

europeia. Portugal, mesmo estando sempre um pouco mais atrás do epicentro destes

acontecimentos, também se esforçou por os acompanhar.

59 SASPORTES, José, Trajetória da dança teatral em Portugal, Instituto da Cultura Portuguesa, 1979,

p.70 e 71. 60 SASPORTES, José, Trajetória da dança teatral em Portugal, Instituto da Cultura Portuguesa,

1979.

61 TÉRCIO, Daniel, Dançar para a República, Editorial Caminho, Lisboa, 2010, p. 20. 62 SASPORTES, José, Trajetória da dança teatral em Portugal, Instituto da Cultura Portuguesa, 1979,

p.72 e 73.

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Passadas várias décadas desde a passagem dos Ballets Russes pela capital

portuguesa, é em 1940 que pela mão de António Ferro que se cria a primeira

Companhia de Bailados Portugueses – Verde-Gaio.

Dentro do Programa de Comemorações do Duplo Centenário da Fundação da

Exposição do Mundo Português, o Verde Gaio, seria a “concretização de uma

Companhia de raízes e de expressão totalmente portuguesas”63.

Ao encontrar a “linha do bailado português, a Companhia podia ter tal como os

russos, bailados modernos, mas, nas nossas danças populares, nos nossos trajes

regionais, nos nossos costumes.”64

Para perceber como se concretizou a ideia de criar uma Companhia Nacional

de Bailados, é necessário perceber o percurso daquele que foi o principal ator neste

teatro de vontades. António Ferro, apreciador dos Ballets Russes – “…tenho bailes

russos na alma.

A minha inteligência é uma Pavlova desengonçada!”65 – empenhou todos os seus

esforços e meios de influência para realizar este sonho.

Num dos vários discursos que realizou, António Ferro descreve o Verde Gaio

como:” uma pequena companhia de bailado é a primeira flor produzida pelas

sementes que fomos buscar à terra e lançamos à terra. Flor tímida, modesta, simples

flor do campo, mas que pode transformar-se carinhosamente tratada. Com Verde

Gaio começam a animar-se, a ganhar vida e arte, todos aqueles objetos ingénuos e

familiares do Centro Regional: as flores de papel, as filigranas, as olarias, os chapéus

festivos e instrumentos populares. (…) Verde Gaio é toda a paisagem portuguesa que

se abre como um leque, como diria Giraudoux, diante dos nossos olhos, com toda a

sua frescura e musicalidade. (…).” 66

Em 1940, António Ferro incluía na Exposição do Mundo Português, um

programa de realizações apenas dedicado totalmente à dança. Isto é algo inédito e

63 AZEVEDO, Fernando, Os 40 anos da Arte Portuguesa, Lisboa, Edições F.C.G., vol.2, 1982, p. 178. 64 António Ferro, Verde-Gaio. Bailados Portugueses, Edições SNI, 1950 p. 34. 65 TÉRCIO, Daniel, Dançar para a República, Editorial Caminho, Lisboa, 2010. 66 QUADROS, António, António Ferro, Edições Panorama, Lisboa, 1963, p. 154, 155 e 156.

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que nenhuma autoridade relacionada com a política cultural do país tinha levado a

cabo.

Porém, a falta de espaço (numa pequena sala de espetáculos em Belém), bem

com a escassez de malhas e sapatilhas de danças, materiais indispensáveis para os

bailarinos, foram um dos entraves à concretização do projeto nesta Exposição. Este

aspeto à partida insignificante, mas essencial, como a impossibilidade de importar

malhas e materiais necessários devido à Grande Guerra, levaram a que os adereços

tivessem que ser confecionados numa pequena loja no Bairro Alto.

A Companhia do Verde Gaio oficializa a sua formação com a estreia no

Teatro da Trindade a 8 de novembro de 1940, numa temporada até ao dia 21 do

mesmo mês.

Francis Graça, o bailarino, coreógrafo e inovador do teatro musicado, uma

das almas dinâmicas da Companhia67 e a estrela daquela noite.

O grupo, depois de se ter apresentado em Lisboa, adquire um caráter projetivo

em exibições no estrangeiro. António Ferro, na inauguração destes espetáculos,

elaborou um discurso de enaltecimento e valorização do grupo: “Verde Gaio,

despretensiosa analogia poética formada por alguns “estados de alma” da paisagem

e raça portuguesa. Dança, indiscutivelmente, mas dança imponderável, aquela que

se coaduna com o génio contemplativo dos lusitanos, que sonham com o mar olhando

o céu, ou sonham o céu olhando para o mar. (…) Os bailados portugueses Verde

Gaio, assim classificados por facilidade de expressão, são acima de tudo, imagens

movediças da sensibilidade de um povo essencialmente lírico, pinceladas de sol, ou

românticas dedadas do luar nas nossas paredes claras. Em Verde Gaio não é o corpo

da terra lusitana que dança, mas o seu espírito…”68

67 Verde-Gaio, Uma Companhia Portuguesa de Bailados (1940-1950), Instituto Português dos Museus,

1999. 68 FERRO, António. Verde-Gaio. Bailados Portugueses, Edições SNI, 1950.

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A tradição e o declínio – “Uma metáfora para o Estado Novo”69

O objetivo primordial deste grupo de António Ferro criar uma “Companhia

de dança folclórica estilizada e teatralizada, tendo por base as raízes e expressões

tipicamente portuguesas”. Contudo, ao enveredar por uma estreita colaboração com

o Estado Novo, a originalidade e modernidade que tanto prometera, não se

cumpriu.70

“O aspeto mais grave do continuado declínio de uma companhia oficial ao

longo de mais de trinta anos é que ele testemunha a política cultural deste sector,

preenchendo um espaço e não dando oportunidade a qualquer outra tentativa

renovadora que, à imagem do que foi acontecendo na Europa, devia acontecer sob o

impulso do Estado.”71

Na fase inicial do Verde Gaio, um movimento conjunto conseguiu propor

uma interdisciplinaridade para futuros planos de trabalho. Dentro deste grupo

podemos contar com a participação dos músicos e compositores Croner de

Vasconcellos, Armando José Fernandes e Ruy Coelho; os artistas plásticos Maria

Keil, Estrela Faria, Bernardo Marques, José Barbosa. Ao nível da contribuição

literária, o nome de António Ferro, Fernanda de Castro, Adolfo Simões Muller e

Carlos Queirós são os que importam enunciar. Desta contribuição, nasceram nove

bailados entre os anos de 1940 e 1943.72

Mas o elemento musical e plástico se comparado com o elemento

interpretativo e coreográfico excedeu-o em larga escala, contribuindo este facto entre

outros, para o declínio do grupo, segundo José Sasportes nas suas reflexões sobre a

Companhia Portuguesa de Bailados. 73

Foi com estes desajustes estruturais internos que a Companhia passou a ser

utilizada apenas como corpo de baile para as temporadas de Ópera no Teatro de S.

69 CASTRO, Maria João, Dança e Poder – Diálogos e Confrontos no Século XX, FCSH – Universidade

Nova de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 2015, p.149. 70 AZEVEDO, Fernando, Os 40 anos da Arte Portuguesa, Lisboa, Ed. FCG, vol.2, 1982. 71 SASPORTES, José, Trajetória da dança teatral em Portugal, Instituto da Cultura Portuguesa, 1979,

pp.70 e 71 72 Os bailados são: Lendas das Amendoeiras, Muro do derrete, Inês de Castro, Ribatejo, Passatempo,

O Homem do cravo na boca, A menina tonta, D. Sebastião e Imagens da Terra e do mar. In Os 40

anos da Arte Portuguesa, Lisboa, Ed. FCG, vol.2, 1982. 73 SASPORTES, José, Pensar a Dança – Reflexão estética, Imprensa Nacional da Moeda, 1983

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Carlos. O afastamento gradual de Francis Graça e, por sua vez, de António Ferro,

mentor do projeto, deixa a companhia sem autonomia e independência ao nível da

performance. O grupo passa a ser dirigido pelo italiano Gugliemo Morresi e pelo

sueco Ivo Cramer que transformaram o grupo numa espécie de Companhia de Dança

Clássica, nada do que inicialmente estava previsto acontecer.74

Entretanto é com Margarida Abreu, em 1943, nasce o primeiro grupo de

ensaio com alunos vindos do Conservatório Nacional. Existiam algumas

semelhanças estruturais e de criação coreográfica com o Verde Gaio, contudo, as

peças trabalhadas tinham uma componente estética mais nacionalista e setecentista.

Beneficiavam também de uma colaboração interdisciplinar como a Companhia do

Verde Gaio, onde nomes como Ivo Cruz, Raul Lino e Almada Negreiros são os

destaques.75

Este projeto ganha corpo e constitui-se, em 1946, no Círculo de Iniciação

Coreográfica, que criam onze bailados maioritariamente realizados com sinfonias de

grandes compositores clássicos (Stravinsky, Chopin, Debussy, Mussorgsky) sob uma

estética corográfica neo-romântica.

Companhia de Iniciação Coreográfica Margarida Abreu

A professora e coreógrafa Margarida Abreu tinha permanecido como diretora

artística da única companhia estatal de carácter profissional do país. Estudou no

estrangeiro, o que para a altura era algo raro para uma mulher, apesar disto, nunca se

afirmou como bailarina.

74 LEÇA, Carlos de Pontes, “Os 40 anos no Bailado”, In Os 40 anos da Arte Portuguesa, Lisboa,

Edições FCG, vol.2, 1982.

75 LEÇA, Carlos de Pontes, “Os 40 anos no Bailado”, In Os 40 anos da Arte Portuguesa, Lisboa, Edições

FCG, vol.2, 1982.

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Com bem temos conhecimento, António Ferro que sempre teve uma fé

inabalável em relação à importância que uma “companhia de bailados tipicamente

portuguesa” beneficiaria a educação artística do povo português.76

Contudo, o ensino da dança em Portugal foi fortemente esquecido, querendo

apenas enaltecer o modo de publicação e apoio que o regime dava à dança em

Portugal. Como é claro, nunca poderíamos ter uma companhia de dança

tecnicamente eficaz se o ensino dos bailarinos que nela participavam não fosse

igualmente profissional.

Outras das questões que levaram o grupo ao seu desvanecimento e perda da

vitalidade inicial que António Ferro lhes concedeu, foi o facto de não se perceber se

o grupo quereria enaltecer as danças portuguesas com um toque de dança clássica ou

vice-versa. Essa indefinição estética acabou por nunca formar uma estrutura

consistente no que diz respeito ao seu reportório e tradição coreográfica.

É neste ambiente que nasce, em 1944, com Margarida de Abreu, o Círculo de

Iniciação Coreográfico e que se apresentava em paralelo com o Verde Gaio.

Para os seus espetáculos, Margarida convidou alguns artistas como os maestros

Pedro de Freitas Branco, Ruy Coelho, Jaime Silva Filho e também alguns conhecidos

pianistas como Nella Maissa e Helena Coelho. Para os figurinos e cenários, ficaram

as participações de Abílio Mattos e Silva e Almada Negreiros77.

Este projeto não viveu além de 1960, aquando Margarida foi convidada a assumir

o papel de codirectora artística do Verde Gaio.

Após ter abandonado o projeto de Verde Gaio e este ter perecido, Margarida

Abreu voltou ao seu grupo de bailado amador. Ensinar as “meninas da sociedade”

organizando no final de cada ano um espetáculo para mostrar aos pais os seus dotes78.

76 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet

Gulbenkian como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento

em Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 86. 77 , LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet Gulbenkian

como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento em

Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 94 78 Idem, p. 95.

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Águeda Sena, uma das muitas alunas de Margarida, caracterizou a professora da

seguinte forma:

“(…) A Margarida tinha um fascínio pela dança clássica, mas, por razões físicas,

não estava muito talhada para esse destino. (…) Pena foi que se acabasse por cair

num pseudoballet que a afastou da sua natural vocação para a dança livre. Era uma

pessoa muito bemeducada e de enorme cultura que fazia todas as coisas com um

misto de seriedade e bom gosto. Devemos-lhe imenso. Acima de tudo, o gosto e o

amor pela dança.”79

A Companhia Portuguesa de Bailado (uma herança do Verde Gaio)

Maria António Luna Andermatt Brás de Oliveira, começou a dançar em 1945,

quando se tornou aluna da Professora Margarida Abreu. Depois de se formar em

dança pelo Conservatório Nacional, seguiu para Londres, onde teve o primeiro

contacto com a escola Sandler´s Wells, o actual Royal Ballet. De regresso a Portugal

e com uma densa bagagem artística, entra em 1954 como bailarina principal para a

Companhia de Iniciação Coreográfica.

Andarmatt realiza o sonho de uma vida. Funda e assume o cargo de diretora

artística e primeira bailarina da Companhia Portuguesa de Bailado.

Na noite de dia 24 de maio de 1961, a Companhia Portuguesa de Bailado actua

no Teatro Nacional de S. Carlos pela primeira vez. O programa contemplou a

apresentação de As Sílfides, o dueto Dança Caucasiana e ainda o solo Vodka.80

O corpo que constituía a companhia fazia-se representar pelos alunos e

professores da Escola de Bailado Clássico do Teatro Nacional de S. Carlos, fundado

cinco anos antes por bailarinas participantes no Verde Gaio.

79 Entrevista com Águeda Sena, Cascais, 2010, In LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014)

Memória da saudade o percurso artístico do ballet Gulbenkian como estrutura de referência da

dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento em Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra, Coimbra, P. 98 80 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet

Gulbenkian como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento

em Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 115.

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Contudo, esta estreia pela estaria condenada devido aos acontecimentos

políticos. Estava aberta a guerra em Angola. Por isto, os fundos destinados a

atividades ou a investimentos a nível artístico foram utilizados para o financiamento

da luta armada em Africa.81

Dos Ballets de Lisboa ao Grupo Experimental de Ballet

Águeda Sena e o seu codirector artístico Fernando Lima82 fundaram, em 1958, os

Ballets de Lisboa, a “primeira companhia de dança portuguesa a ser financiada pela

Fundação Calouste Gulbenkian”.

Maria do Céu (Céu, como era conhecida entre os seus colegas 83 ) Águeda

Camacho de Sena Faria e Vasconcelos, iniciou o seu percurso na dança aos quatro

anos e aos doze começou a estudar dança clássica com Margarida Abreu, no Liceu

D. Filipa de Lencastre.

Participou em diversos espetáculos no Círculo de Iniciação Coreográfica.

Frequentou o curso do Conservatório Nacional, que concluiu em 1948 com dezassete

valores e o certificado de Bailarina/Atriz84.

Após uma temporada de experiências coreográficas em corpo de ballet e também

a solo, Águeda regressa a Portugal e é no dia 28 de setembro de 1958 que se apresenta

à Fundação Calouste Gulbenkian um projeto para a criação de uma Academia de

Dança sob a alçada da mesma. Contudo, esta proposta não foi aprovada pela

Fundação.

81 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet Gulbenkian

como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento em

Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, P. 117 82 Bailarino português fundador da companhia e grupo O Ballet Concerto (1955), os Bailados e

Cantares de Portugal (1956) e os Bailados Portugueses de Fernando Lima (1957), In 25 Anos do

Ballet Gulbenkian. 83 Entrevista com Luna Andermatt, Lisboa, 2011 84 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet

Gulbenkian como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento

em Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, P. 101

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Já em 1960, um ano com peso histórico no mundo da dança, a bailarina Wanda

Ribeiro Silva fundou, com o apoio de outras personalidades, o Centro Português de

Bailado com o seu anexo Grupo Experimental de Ballet.

Claramente com inspiração do ballet inglês, a direção artística ficou a cargo de

Norman Dixon, que teve a sua estreia oficia em 1961.85 A formação de Norman,

segundo o artigo de opinião de Tomaz Ribas, situava-se entre uma “corrente estética

coreográfica nos parâmetros de uma Ninette de Valois, de um Frederick Ashton ou

de um Antony Tudor”86.

Inicialmente o Grupo Experimental de Ballet, não continha em si mesmo uma

estética definida. Correspondia mais ao que apelidamos hoje talvez de um grupo de

exploração e criação dentro da arte da dança. Mas é a partir deste Grupo

Experimental que surgem iniciativas como a de Águeda Sena, que introduziu no

mundo artístico português a ideia da dança-teatro 87 , que terá surgido antes do

fenómeno de Pina Bausch88.

A temática preferida, ou considerada legítima pelos coreógrafos da altura,

eram os temas históricos portugueses. A bailarina arriscou trabalhar

coreograficamente temas controversos, como é o caso de “O Crime da aldeia velha”,

obra estreada a 24 de maio de 1963 pelo Grupo Experimental de Ballet.

É necessário referir que tanto o Centro Português de Bailado como o seu Grupo

Experimental de Ballet pertenciam ou, melhor, eram ajudados economicamente pela

Fundação Calouste Gulbenkian. As diversas discordâncias em relação às escolhas

para o cargo da direção do Centro Português de Bailado, conduz a que, em 1964,

85 RIBAS, Tomaz, “25 Anos de dança e bailado em Portugal (1960-1986)”, In Colóquio Artes- Revista de

Artes Visuais, Música e Bailado, p. 45. 86 Idem. 87 Podemos afirmar que a sua dança-teatro não era tão acentuadamente comprometida com o social

como a de Pina, mas era fortemente influenciada pelo clima político vivido na altura, tendo uma carga

interventiva muito forte. A título de curiosidade, foi até o próprio General Umberto Delgado (amigo

da família) que viabilizou a estreia pública de um dos seus trabalhos. Cf. nota 113.

88 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet Gulbenkian

como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento em

Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, P. 106

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Norman Dixon abandone o Grupo Experimental, ficando John Auld no seu lugar, um

dos colaboradores ingleses que fizeram parte do Grupo.

No sentido de garantir a duração e existência permanente do Grupo Experimental

de Ballet, é o próprio Centro Português de Bailado que aposta na separação do

Centro e do Grupo, transformando o Grupo Experimental no Grupo Gulbenkian de

Bailado, que se estreia com este renovado nome em 1965.89

Por sua vez, Centro Português de Bailado, presidido pela bailarina Anna

Máscolo, acabou por perecer anos depois, em 1968.

A Fundação Calouste Gulbenkian e o Grupo Gulbenkian de Bailado

As bases essenciais da Fundação Calouste Gulbenkian são as seguintes90:

1. É portuguesa, perpétua, a sua sede é em Lisboa, podendo ter, em qualquer lugar

do mundo civilizado, as dependências que forem necessárias;

2. Os seus fins são de caridade, artísticos, educativos e científicos;

3. A sua ação exercer-se-á não só em Portugal, mas também em qualquer outro país

onde os seus dirigentes o julgarem conveniente; (…).

Madalena Perdigão91, esposa de Azeredo Perdigão, foi uma das personagens

principais na formação do Grupo Gulbenkian de Bailado, principalmente nos anos

sessenta e setenta. Herdeiro do Grupo Experimental de Ballet, era a “joia mais

preciosa de Madalena Perdigão”92, que começou por apoiar a criação de um pequeno

89 RIBAS, Tomaz, “25 Anos de dança e bailado em Portugal (1960-1986)”, Colóquio Artes Revista de Artes

Visuais, Música e Bailado, p. 45 90 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet Gulbenkian

como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento em

Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 133 91 Ver imagem em anexo 92 Palavras referidas por Martha Ataíde em Lisboa a 2013 a António Laginha.

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grupo de dança, na sequência de vários projetos que lhe foram apresentados pelo

Grupo Experimental de Ballet93.

A verdadeira influência que Madalena Perdigão teve na Dança Portuguesa foi,

mais que tudo, no Grupo Gulbenkian de Bailado fundado sob a sua tutela94, em

outubro de 1965, depois da reformulação que este sofreu. Ampliando os recursos

financeiros e o material humano, alterou-lhe o nome. A aplicação do apelido do

mecenas da Fundação da sua designação valorizava e enaltecia o grupo. Acima de

tudo, incorporava-o na dinâmica da Fundação.

O Grupo base, embora permanecesse nas suas instalações originais (Rua

Cristóvão de Figueiredo, Bairro de Santos, próximo da Gulbenkian e Praça de

Espanha), passava para a administração direta da FCG. O Grupo foi inserido nos

projetos de atividades artísticas regulares da Fundação para desta forma proporcionar

aos artistas uma evolução profissional, que até aqui estava num nível de um

amadorismo considerável.

Outra aposta decisiva para sucesso da dança na Gulbenkian foi a contratação de

Walter Gore para a papel de diretor artístico da nova Companhia.95

Os primeiros anos do agora Grupo Gulbenkian de Bailado, rebatizado pela Fundação,

foi por vezes comparado ao New York City Ballet, que também passou por vários nomes

antes de ser mundialmente famoso.

Os fundadores do Grupo Gulbenkian de Bailado – Norman Dixon, Bernardette

Pessanha, Isabel Santa Rosa, Águeda Sena e Carlos Trincheiras, identificaram-se

sempre com uma suposta origem no Grupo mesmo depois de este, anos mais tarde

se apresentar como Ballet Gulbenkian.

93 LAGINHA, António Manuel Coelho, (2014) Memória da saudade o percurso artístico do ballet

Gulbenkian como estrutura de referência da dança portuguesa 1961-2005. Tese de Doutoramento

em Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 150 94 Idem, p. 153. 95 Idem.

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Grupo Gulbenkian de Bailados – o Início

O renomeado Grupo Gulbenkian de Bailado inaugurou a sua primeira temporada

a 25 de janeiro de 1966 no Teatro Tivoli.

Criado em outubro de 1965 a partir do grupo e respetivo núcleo já existente,

a direção do Grupo Gulbenkian de Bailado ficou a cargo de Walter Gore. Bailarino

e coreógrafo com uma formação académico-clássica, foi permeável a novas estéticas

coreográficas.96 O primeiro diretor artístico da então Companhia Gulbenkian, de

nacionalidade britânica destacara-se na carreira de coreógrafo e de mestre-de-bailado

da Ópera de Francfort, passando pelo cargo de diretor artístico do London Ballet e

do Australian Theatre Ballet.

Do reportório tradicional balético, Gore apresenta Giselle, o 2º acto de O

Lago dos Cisnes, Danças do Príncipe Igor, As Bodas de Aurora, entre outros, que

foram obras criadas pelos grandes mestres como Lifar e Massine. Mesmo assim, é

importante valorizar a aposta e o desejo do diretor artístico de criar coreografias

originais, baseadas em temas portugueses, com a participação de coreógrafos, artistas

e compositores de nacionalidade portuguesa97. Exemplo desta ação são os trabalhos

de Águeda Sena98 e Carlos Trincheiras, que consolidaram as suas qualidades como

coreógrafos.

A direção de Walter Gore pode por um lado conter em si um aspeto pouco

dinâmico ou até mesmo conservador e sem linha estética original. Porém, foi com a

atividade pedagógica de alguns mestres estrangeiros e coreógrafos de renome que,

através da disciplina, permitiram aos jovens bailarinos adquirirem uma técnica mais

sólida e profissional que até então era de alguma forma frágil e pouco trabalhada.

Por isso, a direção de Walter Gore foi importante para criar alicerces técnicos na

Companhia.

96 RIBAS, Tomaz, “25 Anos de dança e bailado em Portugal (1960-1986)”, In Colóquio Artes - Revista de

Artes Visuais, Música e Bailado, p. 45. 97 Idem. 98 O Crime da Aldeia Velha (segundo a peça de Bernardo Santareno), 1967.

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Em 1970, Walter Gore é substituído por Milko Sparemblek, o segundo diretor

artístico do Grupo Gulbenkian de Bailado e o coreógrafo escolhido para analisar a

sua estética coreográfica, cruzando-a com as linhas plásticas da cenografia e dos

figurinos.

Sparemblek trouxe consigo uma ambição e método de trabalho que

influenciaram uma linha estética mais contemporânea, diminuindo inicialmente a

presença do reportório clássico, e abandonando mais tarde o que até então fazia parte

da programação99.

A destacar ainda neste período as colaborações de relevantes artistas plásticos

nacionais que incluíam Nadir Afonso, Espiga Pinto, Cruzeiro Seixas, Da Silva Nunes

(pseudónimo de Armando Jorge) e Charters de Almeida.

Entre os estrangeiros salientamos André Acquart, Germinal Casado e Colin

McIntyre. O contacto com estes artistas enriqueceu não só o produto final das

criações, como também integrou as artes plásticas neste contexto artístico

acrescentando valor plástico e uma relação acolhedora de multidisciplinaridade100.

A Era de Milko Sparemblek

Milko Sparemblek fez parte de uma geração de artistas mundialmente

reconhecidos que alteraram a forma de ver e de fazer dança através da sua obra

coreográfica.

De origem jugoslava, nasceu a 1 de dezembro de 1928, foi educado em

Zagreb, onde estudou literatura e filosofia na Faculdade de Letra e ballet com Ana

Roje e Oskar Harmos no Ballet Teatro Nacional Croata. Posteriormente foi solista,

durante vários anos, na Companhia de Bailado de Zagreb.

99 AMORIM, Vera, Patrick Hurde – História de Vida – Um contributo para a História da Dança em Portugal,

na segunda metade o séc. XX e inicio do séc. XXI, FLUL, Lisboa, 2012, p. 37

100 Idem.

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Em 1953, parte para Paris com uma bolsa de estudo, onde se encontra com a,

corrente recém-chegada do ballet contemporâneo americano. Em Paris trabalha

como bailarino, coreógrafo e mestre de bailado nas Companhias de Janine Charrat,

Étoiles de Paris e de Maurice Béjart.

Milko Sparemblek investe primeiramente no aperfeiçoamento da sua técnica

clássica, para mais tarde apreender novas técnicas da dança moderna com José

Limon101 e Martha Graham102, em Nova Iorque.

Depois de ter recebido uma grande influência de Maurice Béjart103, partiu à

descoberta de novas experiências valiosas em termos de criação artística. Não apenas

de coreografia, mas também em aspetos que dizem respeito às variadas artes de

palco: figurinos, cenografia, iluminação. Milko Sparemblek queria não só conhecer

os meandros da dança, mas também conseguir aperfeiçoar e aprender o máximo que

conseguisse das diferentes manifestações artísticas que conseguisse.

Importa acrescentar que o artista ingressou na realidade da sétima arte, onde

trabalhou com Kurt Weill, Arnold Schonberg e Jean Cocteau.

Em outubro de 1970 é nomeado diretor artístico do Grupo Gulbenkian de

Bailado. Com Sparemblek, o Grupo Gulbenkian de Bailados não abandona

completamente a apresentação de alguns clássicos, contudo, é a partir deste momento

que a Companhia se volta decisivamente para o bailado contemporâneo de expressão

inequivocamente moderna104.

101 José Limon (1908 - 1972) foi bailarino e coreógrafo. Desenvolveu e ensinou o que atualmente se

apelida de “Técnica Limon”, que por breves palavras, baseia-se nos movimentos de queda e

recuperação. Os seus ritmos, a interação do corpo e do seu peso com a gravidade, permitiram perceber

e conceber um movimento orgânico e aplicável na dança. 102 Martha Graham (1894 – 1991) foi bailarina, coreógrafa e professora de dança. Uma das

personalidades que revolucionaram a história da dança moderna. Trabalhando no Estados Unidos da

América, foi aí que se tornou uma das pioneiras da representação da dança contemporânea. A sua

técnica baseava-se na respiração durante a execução dos movimentos, aprofundando as observações

do corpo durante esse processo de tensão/relaxamento. 103 Maurice Béjart (1927 - 2007) bailarino e coreografo francês, fundou em 1953 Les Ballets de

l'Etoile, mais tarde rebatizado de Ballet-Théâtre de Paris. O seu primeiro sucesso como coreógrafo

foi a Symphonie pour un homme seul (1955) tendo coreografado muitos mais bailados na sua

Companhia. 104 LEÇA, Carlos Pontes, “Ballet Gulbenkian – 25 Anos”, In Colóquio Artes – Revista de Artes Visuais,

Música e Bailado, Lisboa, nº 91, p. 63, dezembro de 1991.

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Milko Sparemblek vai dirigir o Grupo Gulbenkian de Bailados até abril de

1975, um período conturbado da nossa história nacional. Ao longo deste próspero

período, a Companhia realiza quarenta e quatro obras, doze das quais da autoria de

Sparemblek, onze de criação exclusiva de bailarinos portugueses e vinte de outros

coreógrafos, bem como ainda um bailado clássico.

Dentro destas doze criações de Sparemblek, que são a base de estudo desta

pesquisa, podem destacar-se Gravitação, Passacaglia, Sinfonia dos Salmos, Antigas

Vozes de Crianças, Opus 43, O Combate de Tancredo e Clorinda e o Triunfo de

Afrodite.

Estas obras revelam traços de personalidade criativa do diretor artístico.

Para Milko Sparemblek, a contemporaneidade estava solidamente enraizada

numa tradição e o seu rigor era visível na construção geométrica quer nas

coreografias, quer nos cenários.

Note-se que o Grupo Gulbenkian de Bailados promovia uma comunicação

saudável com diferentes correntes estéticas da dança. Foram feitos convites a

coreógrafos norte-americanos como John Butler 105 , Lar Lubovitch 106 , Richard

Kuch107, Norman Walker108, Lyn Taylor e Paul Sanasardo109. A europeus como

Denis Carey, John Chesworth, Milenko Banovitch, Michel Descombey110 e Brigit

Cullberg 111 e ainda a três estrangeiros pertencentes à Companhia: o bailarino

canadiano Patrick Hurde, o bailarino irlandês Jim Hughes e o Professor cubano Jorge

Garcia, que veio a ocupar em 1972 o cargo de mestre de bailado, permanecendo nele

durante quatro temporadas.

É curiosamente com uma coreografia de Lar Lubovitch que a Companhia

atinge o seu grande êxito a nível internacional, bem como no campo do reportório

contemporâneo, da “modern dance” 112 .“Algumas reações de algumas pessoas

105 A obra “Night Sounds”, 1972 com cenário de Charters de Almeida. 106 A obra “Algumas reações de algumas pessoas algures no tempo sobre a vinda do Messias”, 1971. 107 A obra “Odisseia do Ser”, 1971, com cenário de Cruzeiro Seixas. 108 A obra “Sky-Well”, 1972. 109 A obra “O Baile dos Mendigos”, 1974. 110 A obra “Missa em Jazz”, 1973. 111 A obra “Eurídice Morreu”, 1975. 112 LEÇA, Carlos Pontes, “Ballet Gulbenkian – 25 Anos”, In Colóquio Artes – Revista de Artes Visuais,

Música e Bailado, Lisboa, nº 91, p. 63, dezembro de 1991.

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algures no tempo ao ouvirem a noticia da vinda do Messias”, um título

especialmente longo para uma coreografia criada exclusivamente para o Grupo

Gulbenkian de Bailado, onde a música de Haendel servia de melodia para os

movimentos executados.

Para além do intercâmbio de ideias e escolas internacionais na Companhia,

Milko Sparemblek nunca deixou de incentivar os coreógrafos e bailarinos

portugueses a mostrarem o seu trabalho.

Com provas dadas temos o caso de Carlos Trincheiras com o seu Inter-

Rupto 113 em 1973, com uma coreografia despreocupada de narrativas. Águeda

Sena116 e Fernando Lima 114 também forneceram material coreográfico

importantíssimo.

Uma das questões de maior relevância tem para esta pesquisa é a colaboração

de artistas plásticos portugueses que se dedicaram à cenografia e figurinos em

colaboração com o Grupo Gulbenkian de Bailado pela primeira vez. Espiga Pinto,

Artur Rosa, Justino Alves, Artur Casais, Charters de Almeida, Emília Nadal, Da

Silva Nunes foram alguns dos que tiveram um papel importante para a construção de

cada espetáculo levado a cena.

Esta participação não foi apenas apreciada dentro do país, ou pelo público

que teve oportunidade de a observar, mas foi o aspeto plástico destas obras que

mereceram uma menção honrosa na XII Bienal de S. Paulo.

Sparemblek tentou ainda encontrar um equilíbrio entre as suas apresentações

contemporâneas e algumas obras de cariz clássico com a reposição de As Sílfides, o

2º ato do O Lago dos Cisnes e Petruscka. Estreia a 1 de janeiro de 1971 O Quebra-

Nozes com a produção de Anton Dolin. É a primeira vez que uma Companhia

portuguesa apresenta a versão integral do famoso bailado de reportório clássico de

113 Arquivo RTP: consultado em 19-6-2017 ás 15:20. Em linha:

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/ensaiardancar/ 116 Algumas das obras: “Judas”, 1968, “Amargo”,

1972. 114 A obra “Metamorfoses” em 1971

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Petipa. 115 Para além deste acontecimento, a contribuição de Artur Casais nos

cenários e riquíssimos figurinos, foram extremamente bem-recebidos pelo público e

pela crítica, surpresa com a presença plástica de uma “arte nova” nestas produções.

É definitivamente com Sparemblek que o Grupo Gulbenkian de Bailado

inicia verdadeiramente uma carreira internacional.116

A Conceção plástica nas obras coreográficas de Milko Sparemblek

A escolha “arriscada, mas consistente”117 da nomeação de Milko Sparemblek

para o cargo de diretor artístico do Grupo Gulbenkian de Bailado foi uma aposta que

permitiu à Companhia, que se encontrava no seu promissor começo depois de

algumas atribuladas e efémeras existências, um crescimento estruturado.

A orientação de Milko Sparemblek, enquanto coreógrafo, implicava dotar a

Companhia de uma entidade e estilo próprios e possibilitar aos bailarinos de terem

uma formação de elevado nível técnico, o que estava de acordo com a sua completa

carreira profissional e internacional.

É precisamente sobre o modo de executar o plano de elevar o Grupo

Gulbenkian de Bailado a uma Companhia de prestígio e reconhecimento

internacionais, que Milko Sparemblek elabora um texto, com o nome de Relatório

da Jugoslávia118, talvez como homenagem à sua terra natal.

As bases deste “documento” dão especial relevo a uma “aproximação dos

bailarinos portugueses ao panorama internacional da dança e colocá-los a trabalhar

com coreógrafos de elevado nível”. O que se concretizou com a vinda de coreógrafos

115 LEÇA, Carlos Pontes, “Ballet Gulbenkian – 25 Anos”, In Colóquio Artes – Revista de Artes Visuais,

Música e Bailado, Lisboa, nº 91, p. 63, dezembro de 1991.

116 Idem.

117 SASPORTES, José, RIBEIRO, António Pinto, História da Dança, Europália 91 Imprensa Nacional –

Casa da Moeda, Lisboa, p. 59. 118 Datado do início de 1974, é um manuscrito dactilografado pelo próprio autor In SASPORTES,

José, RIBEIRO, António Pinto, História da Dança, Europália 91 Imprensa Nacional – Casa da

Moeda, Lisboa, p. 60

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americanos como John Butler, Lar Lubovitch, Norman Walker, Patrick entre

outros119, como foi referido antes.

“Estimular o aparecimento de uma criação coreográfica portuguesa, através das

experiências dos coreógrafos nacionais com os internacionais”, como podemos

observar através das coreografias criadas por Carlos Trincheiras ou de Águeda Sena.

Este objetivo foi de facto cumprido e com bastante sucesso, não só na época, mas

também do que dele resultou para as gerações seguintes.

Os estúdios de criação coreográfica, onde os bailarinos poderiam apresentar

as suas próprias coreografias, deram, anos mais tarde, frutos bastante ricos para as

carreiras dos coreógrafos, os então bailarinos que neste período faziam parte do

Grupo.

Sparemblek ainda neste seu texto refere que “lamenta a inexistência de uma

outra Companhia, essa a quem caberia dançar e promover a memória da dança

clássica”. Este aspeto é bastante importante, visto que mesmo nos dias de hoje e das

mudanças operadas nas estruturas e formas que a dança foi tomando ao longo do

tempo, a técnica clássica e neste caso os bailados de reportório, farão sempre parte

de uma carreira completa de qualquer bailarino, independentemente do estilo que

adotar.

A questão da profissionalização da carreira de um bailarino também não

escapou a Sparemblek. Quis assegurar “condições de trabalho, regalias sociais e um

perfil profissional como qualquer bailarino numa outra Companhia internacional”120.

Por último, mas não menos relevante, Milko Sparemblek defendeu a

colaboração plástica de artistas portugueses nas criações coreográficas sendo um

aspeto significativo na sua agenda.

Por sua vez, para os artistas plásticos, seria igualmente uma oportunidade de

trabalharem num ambiente diferente de um estúdio de pintura ou de escultura, como

habitualmente o faziam, e inclusive, receberem influências de outros coreógrafos

119 LEÇA, Carlos Pontes, “Ballet Gulbenkian – 25 Anos”, In Colóquio Artes – Revista de Artes Visuais,

Música e Bailado, Lisboa, nº 91, p. 63, dezembro de 1991. 120 Um dos itens inseridos no Relatório da Jugoslávia.

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estrangeiros, principalmente americanos, que traziam involuntariamente consigo

valores da arte moderna que se realizava lá fora.

Recordando as palavras de José Sasportes, “a captação do tempo teatral, a

incorporação dos elementos do dispositivo cénico, os figurinos, as luzes”, são todos

elementos que não só complementam a coreografia, mas que em conjunto formam o

que constituirá o verdadeiro espetáculo.

Importa perceber que as alterações dos conceitos e formas de definir e realizar

a arte foram-se alterando no decorrer do século XX, e a dança não foi uma exceção.

Aliás, muitos movimentos artísticos tiveram um forte impacto na dança. A

aglutinação de diversas artes numa única “exposição” artística, como a performance,

é um exemplo evidente de tal contaminação.

Destas doze coreografias, escolheu-se a cenografia e o figurino, não focando

o estudo sobre a dança propriamente dita. A questão plástica que integra a dança (e

todos os seus elementos) é então o aspeto central e a linha orientadora da análise em

questão.

Desta forma procura-se perceber quais os pontos de contacto, em termos

estéticos, das obras de Milko Sparemblek com as dos artistas plásticos que se

encarregaram de conceber o décor para as mesmas.

As obras reunidas para o estudo foram essencialmente as doze criações

originais, salvo algumas exceções em que não havendo informação suficiente para a

análise, achou-se ser o mais correto não fazer um juízo.

Uma característica que se destacou enquanto se examinava as

particularidades de cada cenário e figurinos respetivos a cada criação, foi a de que

Milko Sparemblek se apoiava não apenas nas especificidades que são inerentes à

dança e ao seu momento na história da mesma, bem com todas as influências

recebidas e o próprio meio onde se encontrava, mas curiosamente, também como a

sua personalidade criativa e vivencial se conjugavam com as anteriores referidas.

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Durante a pesquisa, houve oportunidade de estabelecer contacto com alguns

ex-bailarinos do Grupo Gulbenkian de Bailado e do Ballet Gulbenkian, bem como

de artistas plásticos que realizaram com Sparemblek as suas produções.

Ressalva a partir do testemunho (em conversa informal), um conjunto de

pessoas forneceram o rigor, a precisão o trabalho metódico e a intelectualidade do

coreógrafo em questão.

Sparemblek era um intelectual, um excelente conhecedor de música. “Foi a

primeira pessoa na Gulbenkian que associou o movimento à música, o que fazia todo

o sentido, pois nós bailarinos, associamos sempre os passos à música”121. “Não só

sabia de música, como elaborara a coreografia e os seus movimentos a partir das

partituras musicais. E só quem realmente percebe de música o poderia fazer.”122

É justamente a estreita ligação entre as suas coreografias e as grandes obras

de arte musicais que vamos reconhecendo ao estudarmos mais profundamente os

pormenores cenográficos e figurinistas. Através do seu conceito de orquestrar uma

coreografia baseando-se numa peça musical de grande relevo, Sparemblek eleva

também a própria dança a um grau de refinamento, colocando-a ao nível da partitura

musical em questão.

Algumas das obras que se destacam neste período de criação são O Mandarim

Maravilhoso, O Triunfo de Afrodite, O Combate de Tancredo e Clorinda, Sinfonia

dos

Salmos, Passacaglia, Sinfonia da Requiem entre outras que mais adiante

especificaremos.

Apesar de maioritariamente o estudo se concentrar nas criações originais de

Sparemblek para o Grupo Gulbenkian de Bailado, é importante referir que mesmo a

Companhia ao ter decidido debruçar-se sobre a dança moderna, de expressão

contemporânea, não quer isto dizer, contudo, que a tradição clássica não

permanecesse também em alguns dos movimentos das criações de Sparemblek e a

reposição d´O Quebra-Nozes não se tivesse realizado.

121 Entrevista a ex-bailarino António Rebolo, 9 de maio de 2017 (em anexo).

122 Entrevista a ex-bailarino Carlos Caldas, 31 de maio de 2017 (em anexo).

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Durante muito anos a dança europeia manteve-se nessa mesma inscrição, não

dando abertura para uma influência que não fosse de encontro ao modelo inglês. Esta

situação alterou-se com a chegada de Milko Sparemblek.

Por conseguinte, as suas abordagens a novas correntes estéticas da dança

faziam-se sentir com convites a coreógrafos norte-americanos de renome e à sua

pesquisa sempre presente de novos valores e ideias para enriquecer a sua dança123.

É relevante também referir que a colaboração de artistas plásticos

portugueses124 sempre foi um apelo feito pela Companhia, a interdisciplinaridade

que possibilitou a muitos artistas uma primeira experiência com a cenografia ou

figurino.

O Mandarim Maravilhoso

O bailado O Mandarim Maravilhoso, estreado pela Grupo Gulbenkian de

Bailado no ano de 1971, de acordo com versão criada em 1965 numa anterior

colaboração de Sparemblek com a Gulbenkian, contava com a música de Béla

Bartok125.

Num período conturbado em termos políticos e sociais após a queda do

Império Austro-Húngaro, 1919 é o ano em que o músico cria a sua obra musical, que

dará o mote a este bailado.

A narrativa de O Mandarim Maravilhoso reflete ou projeta um ambiente

violento, de destruição psicológica e de um sentimento de desespero e de abandono.

Originalmente baseado num texto de Menyhért Lengyel126, a trama divide-se em

vários momentos.

123 José Sasportes, “Sparemblek - o anti barroco - Uma temporada de Bailado”, In Colóquio Artes –

Revista de Artes Visuais, Música e Bailado, outubro de 1965, nº 35, p. 31 a 34. 124 Catálogo “10 Anos do Ballet Gulbenkian”, Lisboa, dezembro/janeiro de 1975-1976, Fundação Calouste

Gulbenkian, pp. 3 e 4. 125 Béla Bartok (1881 - 1945) compositor, pianista e investigador húngaro da música popular da

Europa do Leste. Foi também um dos fundadores da etnomusicologia e do estudo da antropologia e

etnografia da música. 126 Menyhért Lengyel (1880 - 1974) foi um dramaturgo e escritor húngaro, autor de O Profeta (1911), A Czarina

(1913), Tia Róza (1913) e Antónia (1925).

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Sparemblek a partir da base musical que se adequa com o decorrer da ação

dramática, cria com o jovem artista plástico Artur Casais127, uma cenografia de

acordo com a coreografia que se pretendia executar.

Sendo esta a história de três vagabundos que obrigam uma rapariga a seduzir

homens que circulam na rua para que estes três os possam roubar e violentar. O

bailado que apenas com quatro bailarinos em palco, teria que jogar com uma base

sólida que desse equilíbrio ao espaço teatral.

Os objetos cénicos que foram introduzidos nesta criação, todos eles pensados

por Milko Sparemblek e com a visão artística de Artur Casais transpuseram a

cenografia para um nível de interação e de significação que até então não era comum

na organização do espaço cénico. A recusa de um cenário de telas estáticas estava

decididamente afirmada neste caso.

Resumidamente, a história desenrola-se após várias tentativas por parte da

rapariga em seduzir homens que fossem ao encontro do que os vagabundos

almejavam, até que entra em cena o Mandarim que após diversas tentativas falhadas

por parte dos vagabundos de o assassinar, este vai resistindo sempre e apenas quando

a rapariga o beija é que o liberta e então este morre128.

Num cenário com cores vivas e cruas132, onde os figurinos não se quereriam

demasiado vistosos, foi montado no palco uma construção cenográfica ou até

arquitetónica 129 , pois este elemento central incorporava os movimentos dos

bailarinos e a sua presença no mesmo era essencial para a coreografia.

Tratava-se de uma estrutura metálica, representando uma espécie de casa

aberta onde a possibilidade da interação da rapariga com os homens da rua fosse

visível, ao mesmo tempo que a ação entre os vagabundos também fosse notada.

127 Artista português que desenvolveu uma intensa atividade como decorador teatral para o Grupo Gulbenkian de

Bailado e para o Teatro Nacional de S. Carlos. 128 Cf. Casa da Música, Daniel Moreira, 2014. Em Linha: http://www.casadamusica.com/pt/artistas-

eobras/obras/o/o-mandarim-maravilhoso-op19-bela-bartok/?lang=pt#tab=0 132 Entrevista com Artur

Casais. 129 TÉRCIO, Daniel, “Objetos inteligentes Corpos Velozes” In, Arquiteturas em Palco, Instituto das Artes,

Ministério da Cultura, Editora Almedina, p. 44.

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Nesta estrutura arquitetónica, estava integrada uma roda metálica, com

capacidade para suportar um corpo, que com um sistema giratório elaborado para o

efeito, representaria o declínio psicológico do Mandarim.

É possível através de algumas imagens (em anexo) perceber a complexidade

arquitetónica da estrutura construída para o espetáculo, e refere-se arquitetónica

porque a componente humana vivencial130 nesta criação é um dos enfoques centrais.

A construção do objeto a ser criado tendo em conta as necessidades da coreografia é

outra componente importante durante a realização do projeto, tal como na construção

de uma habitação, daí o elemento arquitetónico ser nomeado.

O Idílio de Siegfried

O bailado O Idílio de Siegfried é estreado a 6 de abril de 1974, da autoria de

Milko Sparemblek e com a colaboração do artista Artur Casais, que já tivera

participado em outros espetáculos.

De acordo com a entrevista realizada a Artur Casais, ele e Milko Sparemblek

formavam uma boa equipa. As idealizações dos cenários e dos figurinos que o

coreógrafo tinha desde logo que começava um novo projeto, eram bastante bem-

recebidas e percecionadas por Artur Casais, tornando a tarefa muito prazerosa para

ambos e para o resultado final.

Este Idílio de Sparemblek, baseado na obra sinfónica de Richard Wagner

datada de 1870, tem como título completo “Idílio de Triebschen com canto de

pássaros Fidi e nascer do sol alaranjado, prenda de aniversário sinfónica de

Richard Wagner à sua

Cosima”. Tal como o titulo indica, a obra trata-se de uma peça musical bastante

íntima e com o aspeto pessoal marcado, o nascimento do ultimo filho do casal,

Siegfried131.

130 Idem, p. 80.

131 Cf. Casa da Música, Paulo de Assis, 2007. Em linha: http://www.casadamusica.com/pt/artistas-

eobras/obras/i/idilio-de-siegfried-richard-wagner/?lang=pt#tab=0

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O figurino nesta criação de Sparemblek já contava com uma indumentária

mais rica e notada. No caso do figurino feminino, Artur Casais concebeu vestidos

fluídos, desenhados para uma confeção em “linha império”, ou seja, não de acordo

com a norma usual de tutu de pas de deux ou tutu romântico, mas sim de uma

demarcação acentuada no peito, deixando fluir o pano no restante comprimento do

vestido.

Artur Casais confessa que utilizava bastante este modelo pois era muito mais

indicado para as bailarinas da época. A fisionomia da bailarina portuguesa na década

de setenta não se assemelhava com a fisionomia que hoje em dia costumamos

associar a uma bailarina.

Segundo o artista, as bailarinas (com a exceção de Isabel Santa Rosa) tinham

ancas mais largas e pernas bastante robustas, a “linha império” servia assim para

disfarçar esse mesmo aspeto, tornando-as mais elegantes e fluídas.

Mais uma vez podemos examinar que o figurino, muitas vezes encarado como

complemento do cenário ou da própria coreografia, é extremamente importante. Não

apenas para embelezar o bailarino e, por conseguinte, o espetáculo, mas também para

fornecer confiança, mobilidade e agrado à pessoa que ao dançar o encara como a

segunda pele.

O aspeto cenográfico no Idílio de Siegfried está neste caso bastante mais

simples. Tradicionalmente o espaço físico do palco determina-se por duas categorias:

à italiana, que corresponde ao espaço do palco até à boca de cena e o arco do

proscénio delimita a divisão com a plateia132.

O outro modelo, corresponde à chamada cena aberta, em que a visão do

espetador é direcionada para um “espaço dentro de um espaço” 133 ao qual

poderíamos chamar de metapalco, sem que de alguma forma as caraterísticas

arquitetónicas onde a ação se realiza deixe de também pertencer à mesma ação.

132 RIBEIRO, João Mendes, Arquiteturas em Palco, Instituto das Artes, Ministério da Cultura, Editora Almedina,

p. 83. 133 Idem, p. 84.

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Geralmente neste último caso, sendo nos dias de hoje a tipologia mais

utilizada, permite realçar o vazio. Porém, a cena aberta vem colocar o significado

do fundo negro em questão.

No caso do O Idílio de Siegfried, a partir das imagens a que tive acesso e às

memórias de Artur Casais, a cortina escura era o único elemento cenográfico do

bailado. Na representação à italiana o apelidado fundo negro serviria como a

representação do infinito, mas neste caso apenas é representado como delimitador da

cena.

O Triunfo de Afrodite

O bailado O Triunfo de Afrodite é certamente uma das criações coreográficas mais

importantes e majestosas que Milko Sparemblek poderia ter oferecido ao Grupo

Gulbenkian de Bailado.

Baseando-se no “concerto cénico” escrito por o compositor alemão Carl Orff134

em 1953, sendo esta a terceira obra do tríptico de cantatas cénicas do músico, das

quais fazem parte Carmina Burana (1937) e Catulli Carmina (1943).

A palavra Triunfo aplicada tanto à peça musical bem como à criação

coreográfica, remete para uma ideia de “ritual”, uma ideia de cerimónia

comemorativa. Isto porque a ação cénica é de pendor hierático135, tratando-se de um

estilo que cumpre uma finalidade dentro de parâmetros religiosos e glorificando o

tema sempre de maneira imponente.

O Triunfo de Afrodite descreve um ritual para uma cerimónia nupcial, neste

caso greco-romana. Os textos, poemas de Safo136, Catulo137 e ainda Eurípides138,

134 Carl Orff (1895 - 1982) compositor alemão, reconhecido como um dos mais influentes do século XX e

famoso pela sua cantata Carmina Burana. 135 Palavra de origem grega, que se refere a qualidades de teor sacerdotal, sagrado ou religioso. 136 Safo, nascida na ilha de Lesbos cerca de 630 a.C. ficou conhecida por ser poetisa e uma das primeiras

representantes da lírica grega feminina. 137 Catulo, poeta latino da última República Romana, dedicou-se à escrita de poesia sobre a vida pessoal e

quotidiana. Influenciou outros poetas, mesmo não sendo conhecida toda a sua obra na integra. 138 Eurípides, fora um poeta grego do século V a. C. e considerado o mais jovem escritor da tragédia

clássica grega, onde as vicissitudes da alma humana, especialmente a feminina eram a linha

orientadora do seu trabalho.

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foram um dos elementos de inspiração para a criação. Todos eles de teor festivo de

vivência quotidiana.

A coreografia acompanha esta celebração. Num estímulo prazenteiro de

reunião, o louvor à existência humana, à simplicidade e ao corpo humano é bastante

notado nas fotografias que ilustram o espetáculo.

A cenografia e os figurinos, também estes ao encargo do artista plástico Artur

Casais, são com toda a certeza um dos pontos fortes e decisivos para o sucesso desta

obra creográfica.

O aspeto plástico, inerente à cenografia e aos figurinos, parece ter uma forte

ligação à arte proto cretense. A apresentação de medalhas gregas suspensas sobre os

bailarinos, são desde logo o elemento cenográfico que desperta a atenção do

observador.

Estas medalhas, de dimensão elevada, apresentavam padrões simétricos e

abstratos, um dos elementos que caracterizam a arte minoica139.

Para elaborar um cenário cuja referência histórica remete para uma civilização

grega com pormenores cretenses, o artista plástico antes de mais precisa de conhecer

detalhadamente a arte e a vivência daquele povo.

Só com essa consciência e conhecimento é que poderá trabalhar o cenário e

o figurino, de acordo com uma determinada linha estética que se adequará a todos os

outros elementos que constituem o espetáculo.

Foi justamente com essa visão que, Artur Casais, já habituado à linguagem

coreográfica de Milko Sparemblek e bastante recetivo à sua visão estética, se lançou

a este desafio.

139 Arte Minoica ou Cretense, desenvolveu-se entre cerca de 3 000 a 1 100 a.C. na ilha de Creta, bem

como noutras regiões do Mar Egeu e Mediterrâneo. Caraterizada pela construção de palácios como

símbolo de celebração da vida; recurso à pintura de frescos para representar festas e casamentos,

principalmente adornados de figuras geométricas, destacou-se também o seu investimento na

cerâmica e nos padrões simétricos abstratos.

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Para além das medalhas gregas presentes no palco durante todo o espetáculo,

ao longo da trama, iam surgindo mais elementos que caracterizavam e representavam

simbolicamente aquela época.

A presença de vasos parece um aspeto importante para ilustrar o momento

de celebração daquele período histórico, pois as diversidades de formas e funções

dos vasos de cerâmica minoicos são um dos destaques artísticos e funcionais da

época.

Para além destes elementos, durante o Triunfo, com base no seu espírito

cerimonial e também ritualizante, surge uma plataforma, também esta adornada com

insígnias gregas, que se posiciona no centro do palco e onde o apogeu da cerimónia

acontece.

Neste específico enquadramento cénico, a “sugestão de um lugar”, feita

através de elementos cenográficos habitáveis e reconhecíveis, são essenciais para que

o espaço físico se torne mais do que isso, ou seja, se reformule num espaço

duplamente habitável.

Sinteticamente o espaço onde a representação se desenrola é preenchida, ou

reconfigurada por um novo “lugar” criado, onde o espaço-tempo podem não

corresponder ao do espectador.

Os elementos iconográficos gregos e minoicos não se fizeram sobressair

apenas na cenografia, mas também os figurinos, principalmente os das bailarinas.

O figurino feminino, também este de “linha império”, mas com uma aplicação

de tecido na parte frontal do mesmo, em tons bege e encarnado, acentuavam a

elegância das bailarinas e também um certo formalismo (devido à cerimónia) com

alguma tradição camponesa. Nestes mesmos trajos podíamos ver aplicados adereços

com insígnias gregas que adornavam os braços das bailarinas.

Os figurinos, todos eles diferentes, mas dentro da mesma linha,

desempenhavam um papel identificador. A Afrodite, evidentemente era a que se

destacava de entre as bailarinas.

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Todos estes elementos, acrescentando-lhe a poderosa música de Carl Orff, e

a coreografia muito expansiva, com um grande número de bailarinos em palco, numa

sintonia inabalável, faz-nos pensar que estaríamos perante uma obra de arte

completa.

A Sinfonia da Requiem

O bailado A Sinfonia da Requiem estreado em 1967, com coreografia de

Milko Sparemblek ainda como coreógrafo convidado, a conceção plástica foi da

autoria da cenógrafa Maria Helena Mattos.

Segundo uma das escassas menções que se pôde encontrar acerca da artista,

Maria Helena Mattos, foi a única mulher que até então se tinha dedicado

exclusivamente à cenografia a nível profissional140. Uma artista apaixonada pelo

bailado e pelo teatro, detinha um talento e uma visão teatral aprimorada. Habilitada

como “stage designer” pela Central School of Arts and Crafts, aceitou em Portugal

ser reconhecida como cenógrafa.

Na sua carreira breve carreira, são conhecidas as suas participações para o

cenário de Os Borossaúrios para o Teatro Experimental do Porto, e Mesas

Separadas, para o Teatro Estúdio de Lisboa141. Já na Fundação Gulbenkian, começou

por se encarregar do décor de festas escolares, e foi com essa participação que a

Fundação reconheceu o seu válido e talentoso trabalho, que logo lhe deu

oportunidade de assumir o papel como cenógrafa do Grupo Gulbenkian de Bailado.

Voltando à essência do bailado, este inspirado na obra para orquestra de

Benjamin Britten142 escrita em 1940 têm uma alusão à liturgia católica, tanto no título

bem como nos andamentos (Lacrymosa, Dies irae e Requiem aeternam) que

constituem a mesma. Apesar de ser inspirada num texto latino de uma missa de

140 ARANHA, Pedro de Brito, Maria Helena de Mattos - um nome que deixa saudade na vida artística portuguesa,

Arquivos Documentais da FCG pp. 38 e 39. 141 Idem. 142 Edward Benjamin Britten (1913 – 1976) foi um célebre pianista, compositor e maestro

britânico.

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defuntos, a obra é puramente orquestral143. Britten pretendia transmitir através da

música,” sentimentos de dor, compaixão, terror e aspiração ao repouso eterno”144.

Num dos textos introdutórios ao espetáculo, presente na descrição da

temporada do Grupo Gulbenkian de Bailado de 1967, lê-se uma simples frase:

“diálogo entre uma mulher e a sua ausência”.

Partindo deste mote, Maria Helena Mattos, concebe um cenário, talvez um

pouco mais tradicional do que os que anteriormente analisámos, onde no pano de

fundo do palco, se ergue uma tela que ocupa toda a extensão do mesmo.

Esta mesma tela, de pintura abstratizante, assemelhava-se a um vórtice

circular. É no centro deste que se funde um olho egípcio, no decorrer do espetáculo.

Pelo que se pôde observar através de fotografia do bailado A Sinfonia da

Requiem, estavam também dispostas no palco, uma série de cadeiras, que neste caso

se podem considerar como objetos diários utilizados em cena. Estas cadeiras

posicionadas de acordo com uma certa ordem, onde uma bailarina (a mulher) do lado

esquerdo do palco se apresenta sentada numa cadeira, sozinha, e do lado oposto, um

grupo de bailarinos executam, ora a pares, ora em conjunto, movimentos em que o

uso da cadeira é coreografado.

O uso de objetos do quotidiano, exposto em cena, transmitem ao público uma

identificação com o real, mas logo depois deixam de representar essa utilidade diária

para se recriarem em objetos significantes. Este processo de descontextualização do

objeto, remete-nos para a associação com os ready-mades145de Marcel Duchamp146,

que dissolvem por completo o significado de um objeto do seu quotidiano.

Os figurinos, tanto femininos como masculinos, apresentavam-se num estilo

simples, de maillot e collants, que faziam sobressair as linhas dos corpos, fazendo

143 ALMEIDA, Pedro, 2017, Casa da Música. Em linha:http://www.casadamusica.com/pt/artistas-

eobras/obras/s/sinfonia-da-requiem-benjamin-britten/?lang=pt 144 Idem. 145 Ready-made é considerada a obra de arte construída simplesmente por objetos extraídos do quotidiano

(“já feitos”) sem qualquer intervenção por parte do artista que o utiliza. 146 Marcel Duchamp (1887 – 1968) iniciando a sua obra como pintor de cubismo-futurista, interessado

no movimento na atela, deixou o seu nome associado à invenção do ready-made. Embora tenha

participado em algumas manifestações dadaístas e surrealistas, manteve uma posição isolada.

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até lembrar os figurinos utilizados pelos bailarinos em Sacre du

Printemps147coreografado por Maurice Béjart em 1959.

No nosso entender, a cenografia de Maria Helena Mattos, encontrava-se bem

organizada e dividida. Ao apresentar uma composição cenográfica mais forte em

termos plásticos, os figurinos por sua vez são mais discretos. Avança ainda com a

introdução de objetos, não criados especificamente para o efeito, mas dando-lhe

valor, consegue equilibrar a gestão do espaço que é necessária em palco. Foram a

sua visão e consciência teatral que possivelmente lhe deram essas mesmas bases de

configuração cénica.

Continuum sobre um tema de Akutagawa

No caso deste bailado, estreado a 4 de dezembro de 1971, coreografado por Milko

Sparemblek, este, foge à sua habitual linha de composição. Não utiliza o nome e a

música de uma célebre sinfonia para apelidar o seu espetáculo. Desta vez vai em

busca de uma personalidade, cultura e tempo longínquo, mas sempre estes de caráter

intemporal.

É Ryunosuke Akatagawa148, escritor nipónico, tido como o “pai do conto

japonês”, a inspiração ou o ponto de partida de Sparemblek para a criação deste

Continuum sobre um tema de Akutagawa. O escritor explorou nos seus contos, o lado

mais obscuro do ser humano, tema sempre atual, baseando-se em antigas histórias,

dando-lhes um cunho moderno para a sua época.

Por sua vez, Justino Alves149 foi o artista escolhido para colaborar com o

coreógrafo. Influenciado pelo pai que nunca chegou a conhecer, Justino Alves

147 Stravinsky Ígor Fiódorovitch (1882 - 1971) compositor, pianista e maestro russo, considerado um

dos compositores mais importantes e influentes do século XX. Numa primeira fase da sua carreira

adquiriu fama internacional com três obras para bailado, executadas pelos Ballets Russes de

Diaghilev: O Pássaro de Fogo (1910), Petrushka (1911/1947), e A Sagração da Primavera (1913).

Após esta fase, Stravinsky empenha-se no neoclassicismo, na década de 1920. As obras deste período

utilizam formas musicais mais tradicionais. 148 Ryunosuke Akatagawa nascido a 1 de março de 1892 termina com a sua vida em 1927, após várias

tentativas de suicido falhadas, com uma overdose de Veronal. O seu conto mais famoso com o título

Dentro do Bosque (1922), adaptado ao cinema com o título de Rashomon (1950) por Akira Kurosawa,

foi um dos grandes marcos do cinema japonês. 149 João António dos Santos Justino Alves (1940 – 2015), natural do Porto, foi um artista plástico que

se dedicou ao ensino na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, acompanhando diversas gerações

de artistas. Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1976, desenvolveu a par da docência, a

sua carreira como pintor.

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manifestava um grande apreço por artistas clássicos como Rembrandt150 e mais tarde

os impressionistas. A influência de Braque e Jun Gris151 foram decisivas152 para a

sua inspiração artística, bem como os portugueses Amadeo de Sousa Cardoso e de

João Teixeira de Vasconcelos.

Observando o começo da linha estética de Justino Alves, o discurso amoroso,

a paisagem, a natureza morta e a sua plasticidade alicerçavam-se em componentes

vulgares e objetais153. É a partir de cerca 1960/65 que o artista se aventura em

experimentar novas técnicas, utiliza novos materiais e se redescobre plasticamente.

Este período, coincide com a sua colaboração com o Grupo Gulbenkian de Bailado.

A cenografia que Justino Alves projeta, engloba vários elementos. O primeiro

é uma estrutura metálica em forma de escada, mas com um pormenor ondulante no

topo da mesma. Esta forma em onda, é reconhecida principalmente nas suas pinturas.

A estrutura escadeada, apresenta-se em palco simultaneamente com uma

outra construção. Esta, em forma retangular, tendo duas frações de diferentes

materiais. De acordo com as imagens examinadas, existe uma parte espelhada, que

ao longo da coreografia é notado o reflexo na mesma, dos movimentos dos

bailarinos. Contudo, este mesmo elemento retangular não transmite um reflexo

exímio, mas sim uma imagem baça.

Este “espelho” contrasta com uma superfície lisa, de cor pura, que divide a superfície

espelhada.

Os objetos cenográficos, com contornos mais minimalistas, dispostos de cada

lado do palco e estando sempre presentes durante toda a cena, contrastam com os

150 Rembrandt (1606 - 1669) pintor e gravador holandês, tido com um dos maiores e mais importantes nomes

da história da arte europeia 151 Georges Braque (1882 - 1963) pintor e escultor francês. Um dos nomes mais importante do

movimento cubista, que fundou com o artista Pablo Picasso. Juan Gris (1887 - 1927), pintor de

nacionalidade espanhola, foi um dos pintores e escultores que representaram nas suas obras o

expoente máximo do cubismo sintético. 152 CENTENO, Y. K., Justino Alves – O pintor e a sua filosofia, Coleção arte e artistas, Imprensa

Nacional – Casa da Moeda, 1986, p. 24. 153 Idem.

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figurinos que tanto femininos e masculinos, se evidenciam nos corpos, tanto pelas

cores bem como pelas linhas e corte em que o artista apostou.

Os bailarinos não usam collants, mas antes calças à boca de sino cosidas a

uma parte superior sem mangas, onde um círculo com formas ondulares, nos

remetem logo para a estrutura da escada, também ela com esta caraterística.

As bailarinas por sua vez, envergam figurinos bastante justos ao corpo,

realçando assim a sua silhueta. Segundo os esboços destes trajos, Justino Alves optou

por uma paleta de vários tons de verde e com pormenores em tons castanhos e

vermelho tijolo escuro, para destacar pormenores, em ambos os géneros.

O bailado conta com a presença de música tradicional japonesa, foi

coreografado certamente com base em episódios onde a incerteza de acontecimentos,

a fragilidade da memória e a fraqueza, mas também crueldade humana, se traduzem

em movimentos, contrações e deslocamentos em palco que de algum modo foram os

temas que Akutagawa se debruçou na sua obra.

Antigas Vozes de Crianças

Artur Rosa154, artista e arquiteto português, foi o escolhido para elaborar os

cenários e figurinos da coreografia Anciente Voices of Children de Milko

Sparemblek em 1972.

Natural de Lisboa, a linha estética do artista e as suas obras, assentam em

vários pilares: as estruturas que cria relacionam-se com a mecânica ótica e o

conceptualismo matemático, tão característico em Artur Rosa.

O construtivismo155, patente na forma conceptual, rigorosa, matemática e

clara das suas construções, une-se a uma comunicação como jogo de volumes e

154 Artur Rosa (1926-) formou-se em arquitetura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa.

Dedicou-se à arquitetura e à escultura e descobriu a cenografia para a qual trabalhou em projetos para

o Grupo Gulbenkian de Bailado e posteriormente Ballet Gulbenkian. Podemos ainda observar a sua

obra de teor sociocultural na escultura presente na Avenida Conde de Valbom bem como na estação

metropolitana do Terreiro do Paço em Lisboa. 155 O conceito Construtivismo é por breves palavras um movimento estético-político iniciado na

Rússia em 1919, como uma forte influência na arquitetura e na arte ocidental. As características

construtivistas baseiam-se na busca da técnica da engenharia, na utilização dos novos materiais, numa

fusão com a arquitetura e uma opção pela atividade coletiva em oposição ao individualismo. O termo

arte construtivista foi introduzido pela primeira vez por Malevich para descrever o trabalho de

Rodchenko em 1917.

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linhas verticais e horizontais156 que são herdeiros da Op Art157 .A invenção e o rigor

são as forças orientadoras do seu trabalho, e exemplo disso são os seus desenhos

analíticos, como decomposições de plantas, que resumidamente se podem considerar

projetos de arquitetura.

Artur Rosa não se deixa permanecer apenas neste registo. Encaminha-se no

traço de sombras paralelas, de diferentes espessuras, intensidades e frequências. A

sombra e a luz são características sempre presentes no seu “construtivismo-

otimista”158.

Um dos aspetos da sua obra que harmoniza o bailado, é a procura do movimento.

Desta forma, o artista cria uma “malha original na qual se desloca uma forma

bidimensional: quadrado, triângulo, losango”159.

É este aspeto plástico que vamos poder reconhecer nas estruturas que projeta

para o cenário de Antigas Vozes de Crianças.

O título do bailado, corresponde a uma composição de George Crumb160,

escrita em 1970. Esta peça, com o subtítulo “Um Ciclo de Canções em Textos por

Federico García Lorca”, e o seu estilo e composição fogem completamente ao

tradicionalismo.

Segundo a descrição do estilo desta composição, esta continha efeitos “vocais

bizarros e estranhos”, e criada para ser cantada em soprano e com vocalizações

baseadas em sons puramente fonéticos. Para além destes, existe uma diversificada

quantidade de sons e instrumentos musicais (incluindo pedras de oração, sinos de

156 CASTRO, E. M. de Melo e Castro, “Artur Rosa – Rigor Invenção”, In Colóquio Artes – Revista de Artes Visuais,

Música e Bailado, nº 11, fevereiro de 1973, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1973, pp. 412. 157 Por breves palavras, Op Art (optical art) é o termo aplicado à “arte ótica”. Considerada uma arte

de menor expressão, mas de maior visualização. Com uma construção bastante rigorosa, simboliza a

mutação ou a instabilidade. 158 CASTRO, E. M. de Melo e Castro, “Artur Rosa – Rigor Invenção”, In Colóquio Artes – Revista de Artes

Visuais, Música e Bailado, nº 11, fevereiro de 1973, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1973, p. 6. 159 Idem, p. 9. 160 George Crumb (1929- ) compositor americano de música clássica contemporânea é conhecido por

ser um explorador de timbres e sons pouco comuns e técnicas instrumentais e vocais peculiares.

Recebeu em 1967 o Prémio Pulitzer de Música com a sua composição, Echoes of Time and the River.

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templo japonês, uma serra musical e um piano em brinquedo). Todos os artistas

participantes executavam ao longo da peça sussurros, gritos e falas desconexas161.

Através de o pequeno número de imagens que representam a construção

escultural/arquitetónica projetada por Artur Rosa, foi possível compreender que as

estruturas se estabeleciam em ambos os lados do palco. Sendo estas de dimensão

considerável, foram produzidas para serem manuseadas pelos bailarinos, pois a sua

estrutura e composição – retângulos encaixados em losangos - eram amovíveis e

adaptáveis, podendo assim existir em palco uma ou mais variações da forma da

mesma peça.

Esta proposta concretizada, reforça a questão vivencial da cenografia, como

também a interação com os objetos criados, que sugerem uma nova perspetiva da

construção cénica, que não é definitiva.

Em relação aos figurinos, os esboços de Artur Rosa para os mesmos, indicam

que o laranja vivo fora a cor utilizada, não existindo muitos pormenores sobre

possíveis adereços ou outros elementos que os constituíssem. De salientar ainda que,

no figurino masculino, as calças utilizadas pelos bailarinos, que apareciam em tronco

nu, na sua parte inferior detinham uma largura que com os movimentos, poderia fazer

lembrar as figuras triangulares utilizadas por Artur Rosa também no cenário.

A junção do cenário, com a música de carácter experimental de Crumb,

tornar-se-ia uma linha bastante marcada do que Milko Sparemblek, inicialmente se

propôs cumprir e concretizou. Deixando para trás o tradicionalismo, investindo numa

abordagem moderna, permitiu colocar o Grupo Gulbenkian de Bailado ao nível das

companhias de dança internacionais que se lançavam, nesta época, à descoberta de

novas formas de ver, criar e explorar a dança.

161 Em linha: https://en.wikipedia.org/wiki/Ancient_Voices_of_Children (consultado a 20-11-2017)

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A Sinfonia dos Salmos

A Sinfonia dos Salmos do compositor Igor Stravinsky, criada durante a sua

fase neoclássica (1930) é uma composição coral. Baseada no Livro dos Salmos162da

Sagrada Escritura Católica, estes textos cantados, foram por Stravinsky convertidos

numa sinfonia. A composição é constituída por três movimentos. Cada um deles

corresponde a cada uma das Virtudes Teológicas: a Fé, a Esperança e a Caridade.

Curiosamente a sinfonia inverte a ordem das mesmas.

Os Salmos escolhidos, 38, 39 e 150, situados no Antigo Testamento 163 ,

correspondiam a cada movimento da sinfonia. Interessa conhecer o conteúdo de cada

Salmo, pois o carácter ritualista dos mesmos, encontra-se presente na coreografia

criada por Milko Sparemblek, com o mesmo nome, para o Grupo Gulbenkian de

Bailado em 1972.

Sucintamente, o Salmo 38 é uma oração de um salmista doente, recitado

provavelmente durante o sacrifício memorial, em tom comemorativo. O Salmo 39,

utilizado para o segundo andamento da sinfonia, reflete sobre a brevidade e

efemeridade da vida humana e essa mesma injustiça. Por último, o Salmo 150, é um

louvor a Deus e às suas obras164. O cenário da Sinfonia dos Salmos é bastante simples,

conta apenas com um fundo negro em que se destacam os incríveis figurinos

idealizados pelo coreógrafo.

As bailarinas envergavam um maillot justo de meia manga e uma saia

comprida bastante fluída, dando uma sensação de leveza. A divisão entre a parte

superior e inferior era feita por um cinto com pormenores desenhados em espiral. De

162 A definição de Salmos atribui-se tanto aos cânticos religiosos como simultaneamente aos cânticos

patrióticos dos israelitas. Oferecem um louvar a Deus, à Sua grandeza, bondade e misericórdia.

Caraterizam o sofrimento humano e as suas caraterísticas literárias traduzem-se em “lancinantes

gritos de dor e ardentes súplicas” de lirismo extremo, In BÍBLIA, A. T. Salmos, In BÍBLIA.

PORTUGUES. SAGRADA BÍBLIA CATÓLICA: Antigo e Novo Testamento. Tradução de Fr.

Raimundo de Oliveira O.P., PAULUS: Sociedade Bíblica Católica Internacional, 1990, p. 707. 163 O Antigo Testamento, também apelidado como Escrituras Hebraicas, são uma coleção de escritos religiosos

dos antigos hebreus, reconhecido pelos judeus e cristãos como a sagrada palavra de Deus.

164 BÍBLIA, A. T. Salmos, In BÍBLIA. PORTUGUES. SAGRADA BÍBLIA CATÓLICA: Antigo e

Novo Testamento. Tradução de Fr. Raimundo de Oliveira O.P., PAULUS: Sociedade Bíblica

Católica Internacional, 1990, pp.707 -876.

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diversas tonalidades de cor bege, os figurinos concediam às bailarinas uma aura de

tranquilidade e elegância.

Os figurinos masculinos eram constituídos por calças, também dentro dos

mesmos tons beges, e ostentavam uma fita presa ao redor da cabeça, enquanto o

tronco se fazia observar nu.

A coreografia, influenciada pela sinfonia de Stravinsky, construía uma

atmosfera ritualista. O elevado número de bailarinos em palco evidenciava a

interferência do

“sagrado” na atuação. Apesar de não se identificarem referências a uma religião, o

ritual e a força do grupo sacralizam a peça.

A Sinfonia dos Salmos, originalmente com coreografia, cenários e figurinos

da autoria de Milko Sparemblek, foi um dos bailados que teve pelo menos uma

reposição, segundo a memória de António Rebolo, na Temporada de 1978/79 já pelo

Ballet

Gulbenkian. O ex-bailarino diz que “se ouvir hoje a música ainda me lembro de cada

passo”165.

Combate de Tancredo e Clorinda e Opus 43

Estes dois bailados, com a participação de dois artistas estrangeiros convidados pela

Fundação, são ambos de grande riqueza cenográfica e figurinista, porém o estudo

pretendido recai sobre a participação plástica portuguesa. Não deixando de serem

obras coreográficas produzidas por Milko Sparemblek, achou-se relevante fazer uma

breve análise ao incluí-las neste estudo.

Combate de Tancredo e Clorinda, título de uma das obras mais importantes da

música ocidental, criada por Monteverdi em 1624, foi a inspiração para este bailado

de 1974.

165 Entrevista a António Rebolo, ex-bailarino do Ballet Gulbenkian (ver em anexo).

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André Acquart166 foi o artista escolhido para idealizar o cenário e os figurinos.

Reconhecido como um dos mestres incontestados da cenografia contemporânea,

Acquart concretiza as suas obras estilizando as formas, o que o aproxima da arte

abstrata. Utiliza sobretudo o verde em tons escuros, não querendo isto dizer que a

sua obra se considere fria, pois também utiliza cores vivas quando o tema assim o

exige167.

A peça tem como pano de fundo a história de Tancredo, um herói épico,

apaixonado pela guerreira persa, Clorinda, sendo esta pagã e sua inimiga. Na luta,

Tancredo vence e salva Clorinda, batizando-a a seu pedido, mostrando a imposição

da fé católica, pois ideologicamente, este texto168 baseia-se no espírito da Contra -

Reforma169.

O cenário contava com um padrão de linhas, sugerindo um ambiente, bem como

o uso, por parte dos bailarinos, de um género de tapetes, que com formas estampadas,

transmitiam a ideia de profundidade.

Os figurinos tanto masculinos e femininos eram justos aos corpos, de tons azuis

e cinzentos, com aplicações metálicas quadradas que sugeriam uma armadura. Neste

Combate tanto Tancredo como Clorinda e os restantes bailarinos participantes nesta

luta, usavam um adereço na cabeça que insinuava uma celada170, a ser utilizada

aquando da luta. Os esboços do artista, que se pôde observar, eram bastante claros,

com muitas indicações para a sua correta execução.

Opus 43, bailado com cenografia e figurinos de Germinal Casado, cenógrafo,

ator, bailarino e diretor de teatro espanhol, com participações bastante recorrentes no

166 André Acquart, (1922 – 2016) com bastante experiência no seio teatral, e a variedade de locais por

onde passou e trabalhou, fizeram do artista um verdadeiro mestre cenográfico contemporâneo, sendo

premiado em 1969 com a Medalha de Ouro da Bienal de S. Paulo. 167 Cenários e Figurinos de André Acquart, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, junho de 1973, (nota

introdutória de S. Amoyal). 168 Canto do poema épico La Gerusalemme Liberata, de Torquato Tasso, datado de finais do século

XVI. 169 CASCUDO, Teresa, Casa da Música, 2014. Em linha: http://www.casadamusica.com/pt/artistas-eobras/obras/i/il-

combattimento-di-tancredi-et-clorinda-claudio-monteverdi?lang=pt#tab=0 170 Armadura defensiva de cabeça, utilizada durante a época Medieval.

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Ballet du XXème Siècle, foi o autor dos magníficos figurinos deste bailado de Milko

Sparemblek.

Os figurinos concebidos para o espetáculo incluíam uma paleta de cores bastante

viva e diversificada. No caso das bailarinas, era composto por uma peça única, um

vestido, que preso ao pescoço, livre de mangas, com uma abertura bastante acentuada

a partir do final da cintura, se deixava abrir até aos pés das bailarinas. De tom roxo,

com círculos e apliques de diversas cores, iluminava o palco, sem este necessitar de

uma cenografia complexa.

Os bailarinos, usavam calças, também estas com uma abertura acentuada na

frente, desde o início da coxa, e estas uniam-se a uma faixa que traçava o tronco do

intérprete. Estes, contrastando com o das bailarinas, eram adornados com retângulos

de vários tons (dentro da paleta originalmente escolhida) sendo dispostos de forma

esparsa por todo o trajo.

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Considerações Finais

Considerando um “triângulo criativo” 171 ou “unidade triangular do

espetáculo balético”172, onde se inclui a dança, a música e a cenografia, construindo

assim o espetáculo na sua plenitude, o trabalho do coreógrafo Milko Sparemblek,

corresponde a uma complexidade singular no panorama da dança nacional.

Os bailados analisados possibilitaram ao Grupo Gulbenkian de Bailado um

caminho alicerçado na criação, liberdade e experimentação, tanto plástica como

coreográfica.

O mérito deste facto, deve-se aos artistas que integraram a equipa de

produção destes espetáculos. Sem a sua inteligência, capacidade de observação,

pesquisa e maleabilidade com que encararam cada projeto que lhes era proposto, não

seria possível reconhecer uma harmonia entre o aspeto plástico e coreográfico que

deve existir em cada criação.

A aposta de Milko Sparemblek em criar os bailados com base em notáveis

composições sinfónicas, dando um enorme passo em relação à importância da música

e do seu ritmo na dança, permitiu que cada bailado tivesse acesso não só a uma

qualidade criativa e artística bem definida, como também ofereceu ao público uma

renovada e singular forma de apreciar um espetáculo.

Note-se que a presente pesquisa ofereceu a oportunidade de explorar uma outra

dimensão da formulação do espaço cénico e de todas as suas possibilidades criativas.

Para além disso, permitiu ressalvar a arte cenográfica, a qual muitas vezes esteve

relegada para segundo plano no estudo da dança e das suas variadas componentes no

contexto nacional.

As entrevistas realizadas a ex-bailarinos do Grupo Gulbenkian de Bailado e do

Ballet Gulbenkian, alguns dos quais tiveram o privilégio de se relacionar com Milko

171 AZEVEDO, Fernando de “Pintura e Cenários”, In Colóquio Artes – Revista de Artes Plásticas,

Música e Baiado, Nº 55, dezembro de 1982, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, Lisboa, p. 24 172 AZEVEDO, Fernando de “Dez anos do Cenário do Ballet Gulbenkian”, In Colóquio Artes –

Revista de Artes Plásticas, Música e Baiado, Nº 29, outubro de 1976, Fundação Calouste Gulbenkian,

Lisboa, 1976, p. 51.

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Sparemblek, foram um aspeto relevante para a investigação. Entre eles, Artur Casais,

que teve uma continuada participação nos décors dos bailados de Sparemblek. Houve

a preocupação de garantir a transmissão da memória e de saberes, que habitam em

quem as viveu e que as partilhou para este estudo.

Também graças a Milko Sparemblek, o Grupo Gulbenkian de Bailado, e

posteriormente o Ballet Gulbenkian, beneficiou da consecutiva aposta na

participação de artistas plásticos de grande qualidade, tanto portugueses como

estrangeiros, numa cooperação artística de caráter plástico riquíssima.

Um dos aspetos que importa referir é a retirada do insuficiente estudo e

conhecimento da obra de Milko Sparemblek, que permitiu um competente e propício

início de crescimento de uma das mais importantes companhias de dança

portuguesas.

Evidencia-se a necessidade de estudos futuros e espera-se que a presente

investigação possa estimular o interesse de outros, de forma a que se dê continuidade

à investigação do tema. Finalmente, a viagem que agora se encerra, pretende

enriquecer o conhecimento da arte de Terpsícore nacional, completando-a e

dignificando-a tal como esta merece.

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Bibliografia

“A resposta do diretor do SPN” in Catorze anos de política do espírito,

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75

Anexos

Imagens

Todas as imagens apresentadas foram fotografadas e editadas pela autora da

dissertação através da consulta de diversas Colóquio Artes- Revista de Artes Visuais,

Música e Bailado, presentes na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste

Gulbenkian, onde se obteve autorização para efeito de pesquisa para a dissertação

em questão.

Entrevistas

Todas as entrevistas aqui presentes foram, de acordo com os entrevistados,

autorizadas a serem publicadas neste contexto e com o total conhecimento das

mesmas.

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Imagens

Fig. 1 e 2 Combate de

Tancredo e Clorinda, 1973,

Coreografia de Milko

Sparemblek, Cenário e

Figurinos de André Acquart.

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Fig. 3 Esboço de Figurinos para o bailado

Continuum sobre um tema de Akutagawa, 1971,

Justino Alves.

Fig. 4 Continuum sobre um Tema de

Akutagawa, 1971, Coreografia de Milko

Sparemblek, Cenário e Figurinos de Justino

Alves.

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Fig. 5 O Idílio de Siegfried, 1974, Coreografia

de Milko Sparemblek, Figurinos de Artur

Casais.

Fig. 6 Opus 43, 1973, Coreografia de Milko

Sparemblek, Cenário e Figurinos de

Germinal Casado.

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79

Fig. 7 O Mandarim Maravilhoso, 1971, Coreografia de

Milko Sparemblek, Cenário e Figurinos de Artur

Casais.

Fig.8 Desenho do cenário de O Mandarim Maravilhoso,

1971, Coreografia de Milko Sparemblek, Cenário e

Figurinos de Artur Casais.

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80

Fig. 9 Gravitação, 1970, Coreografia de Milko

Sparemblek, Cenário e Figurinos de Artur

Casais.

Fig. 10 O Triunfo de Afrodite, 1975,

Coreografia de Milko Sparemblek,

Cenário e Figurinos de Artur Casais.

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Fig. 11 O Triunfo de Afrodite, 1975, Coreografia de

Milko Sparemblek, Cenários e Figurinos de Artur

Casais.

Fig. 12 Sinfonia da Requiem, 1967, Coreografia de Milko Sparemblek,

Cenários e Figurinos de Maria Helena Mattos.

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Fig. 14 Sinfonia dos Salmos, Coreografia de Milko Sparemblek,

1972, Figurinos por Milko Sparemblek.

Fig. 13 Sinfonia dos Salmos, Coreografia de Milko Sparemblek,

1972, Figurinos por Milko Sparemblek.

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Fig. 1 5 Desenho de projeto para o cenário de Antigas Vozes de Crianças ( Ancient Voices of Children ) , 1972, Coreografia de Milko Sparemblek, Cenários e Figurinos de Artur Rosa.

Fig. 16 Passacaglia, Coreografia de Milko Sparemblek,

1970, Figurino e cenários não identificados.

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.

Fig. 17 Exemplo de Programa da Temporada do Grupo

Gulbenkian de Bailado e respetiva ficha técnica.

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Fig.18 Milko Sparemblek (do lado esquerdo, enquanto diretor artístico do Grupo

Gulbenkian de Bailado, década de 70; do lado direito imagem de Milko Sparemblek

nos dias de hoje, imagem não datada).

Fig.19 Carlos Trincheiras, Milko Sparemblek e Madalena Perdigão, Lisboa, Colóquio na

Fundação Calouste Gulbenkian sobre a próxima temporada do Grupo Gulbenkian de

Bailado. 1971-11-12, In Arquivos RTP.

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Fig.23 Justino Alves Fig.22 Maria Helena Mattos

Fig.21 Artur Rosa Fig.20 Artur Casais

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Fig. 24 Justino Alves

Fig.25 Bailarino Carlos Caldas no papel

de “Hilarion”, na primeira interpretação

de Giselle (começo do II ato) pelo Grupo

Gulbenkian de Bailado.

Fig.24 Dra. Madalena Perdigão

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Entrevistas

Entrevista ao ex-bailarino do Grupo Gulbenkian de Bailado, Carlos

Caldas

P: Como foi a Era de Milko Sparemblek na Gulbenkian?

R: Ele como coreógrafo é um grande coreógrafo. Gravitação (bailado) é lindíssimo,

aliás todos os seus trabalhos são lindíssimos.

P: Existem poucos estudos sobre os seus trabalhos, não é verdade?

R: Sim por ser uma fase de transição (…) e porque todos (os trabalhos, ensaios)

foram gravados em máquinas americanas. Nós já tentámos repor todas as gravações,

principalmente porque tivemos grandes nomes do bailado cá, Lifar, Béjard, o que é

uma pena não as conseguir recuperar. Foram máquinas que “passaram de moda”,

utilizavamse as bobines e como já não se recupera esse material é impossível ver as

coreografias no seu todo, o que é uma pena porque o seu trabalho foi muito

importante. Por isso, penso eu, que se tornasse difícil chegar até uma pista do seu

glorioso trabalho.

(…) Existe a ideia de que o Ballet Gulbenkian chegou ao seu momento de glória só

quando o Jorge Salavisa entra, o que não é verdade.

A Companhia foi Companhia porque teve o Milko Sparemblek a trabalhar connosco

e que percebia muito de música.

Sabe, na altura em que era bailarino não prestava muita atenção à música e ao seu

desdobramento, apenas tentávamos fazer os passos que nos pediam. E hoje, como

professor e com mais conhecimento vejo de outra forma, por existe uma riqueza. É

enorme.

O Milko não só valorizava os passos em si, bem como valorizava também o ritmo.

Existindo assim uma maior riqueza musical e técnica, e por isso é que é preciso ter

grandes conhecimentos para fazê-lo.

E para mim o Milko Sparemblek era um intelectual, um grande coreógrafo, com

muito saber. Ele escrevia a coreografia nas partituras. E apenas o fazia porque sabia

realmente de música.

Muitas vezes nós estávamos a trabalhar à hora de almoço e ele dizia-me: “Porque é

que não descansas?” e eu dizia: “porque é melhor estarmos aqui a trabalhar que

estar lá fora a falar uns dos outros”. “Tens razão” dizia ele e vinha-se sentar

também no estúdio, com os seus blocos, a escrever e a montar a coreografia.

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E era interessante porque ele fazia partes da coreografia, e depois juntava. Uma

harmonia, um conjunto estruturado. Era muito organizado, muitíssimo organizado.

Era um intelectual no sentido da palavra. Ele sabia o que queria, sabia o que fazia,

nada falhava e tinha uma grandeza em fazer a criação mediante as pessoas, os

bailarinos que tinha.

Ele podia lançar estrelas, e lançou, como é o caso de Ger Thomas. Ele fazia criações

para nós. O trabalho dele era de uma riqueza enorme e dia após dia aprendíamos com

ele.

P: Havia uma linha que definia o trabalho entre a coreografia-figurino-cenário?

R: Em princípio ele já tinha uma ideia bem clara do que queria fazer. Ele assim que

começava a trabalhar, já tinha em mente como queria o espaço. Foi para mim um

homem, e aliás é um homem de um conhecimento enorme. Com bastantes influências

de Béjard, onde foi solista na sua companhia.

Ele era tão grande como coreógrafo, mas de uma simplicidade enorme, muito

educado, era um “gentleman” mesmo na forma de tratar, e essa grandeza também

aparecia na sua coreografia. Um grande artista!

Eu por acaso tive ainda a sorte de o ver dançar. Era de um ataque, de uma definição,

percebia-se tudo o que ele fazia, e havia ritmo, ele dava valor a cada passo, todos os

passos têm valor claro, mas há uns que são passagens para dar o valor do outro, e

com ele isso era muito bem interpretado. Com uma raça muito especial, muito dele.

Muito elegante, sempre acariciando a sua pera (barba), geralmente de gola alta, é

assim que o recordo no tempo em que foi o nosso diretor artístico.

Lamento imenso que a Gulbenkian, ou a critica – não querendo de maneira algum

parecer que estou a desprestigiar seja quem for, não é essa a minha intenção - dizer

que só a partir de Jorge Salavisa é que realmente a Companhia evoluiu, o que não é

verdade.

O trabalho do Milko é um trabalho muito válido. A única “infelicidade”, e digo-o

com aspas, porque na altura em que o Milko esteve cá, foi um tempo conturbado em

termos políticos. Num tempo de grandes mudanças no nosso país. Foi o facto de se

ter feito o 25 de Abril. Claro que a liberdade é boa, é fantástica. Mas foi uma

infelicidade ter de alguma forma influenciado a saída do Milko.

Enfim, é uma pena não haver gravações porque só assim é que as pessoas parariam

e observariam o magnífico trabalho que o Milko Sparemblek fez para a Gulbenkian

e para os seus bailarinos.

31 de maio de 2017, 15:30, Lisboa

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Entrevista a ex-bailarino do Ballet Gulbenkian, António Rebolo

“Era de uma precisão, absolutamente notável. Ou seja, era um tipo que sabia de

música e trazia a partitura com todos os movimentos. Nós bailarinos associamos

sempre os passos à música, por isso é muito importante estar bem consciente da

música em si.

E ele foi a primeira pessoa (na Gulbenkian) que associou o movimento à música, que

fazia todo o sentido.

O Sparemblek impressionou-me positivamente. Alguns dos meus colegas diziam

mal, que a dança dele já estava démodé. Algumas pessoas achavam que o

Sparemblek era tudo o que não se quereria que fosse o Ballet Gulbenkian.

Mas era uma fase de transição, a seguir ao 25 de Abril, sei lá. Muita agitação.

Mas por exemplo, nessa altura o Sparemblek descentralizou as atuações o que era

extraordinário. Ainda estava eu no secundário quando vi um espetáculo do Grupo

Gulbenkian de Bailado, no Estoril. Todos lá, o Sparemblek, o Carlos Caldas, com

uma forma de vestir muito fricke.

Eu quando entrei para a companhia, em 77/ 78, penso eu, já não me lembro bem,

entrei ali sem saber como nem porquê, e o Sparemblek, e isto para mim é muito claro,

gostei muito de trabalhar com ele. Mesmo sendo de uma nova geração, a chamada

geração pós-Sparemblek, e muitos dos meus colegas faziam parte desse grupo que

não gostava da sua dança. Mas eu não tenho nada a apontar. E não preciso de estar

aqui a mentir ou a fantasiar como eram as coisas. Eram mesmo assim.

Em 1976/1977 houve uma tentativa de tomada de poder pelos comunistas e uma

descentralização mesmo dentro da própria Gulbenkian. Isto são zunzuns de 20 anos

claro. Mas penso que o Milko foi levado nessa confusão.

Ele era muito esquerdista, revolucionário, porreiro, isto porque também era uma

pessoa muito viajada e culta. E nós estávamos num Portugal Salazarista. Não sei, é

a minha visão das coisas.

Mas toda aquela geração, a que eu ainda tive oportunidade de ver e conhecer,

mas já entrei no “novo” Ballet Gulbenkian, como o Carlos Trincheiras, a Marta

Ataíde, a Bernardete Pessanha, todos eles adoravam o Milko. Aliás, 20 anos depois

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estava eu no Funchal com a Bernardete e ela do nada começa a falar bem do

Sparemblek. Só para ver o que ele marcou aquelas pessoas. Era uma pessoa muito

organizada, e eu acho isso um aspeto importante na dança. Não é como agora. Tinha

tudo programado: ensaio das 10:00 às 10:45, a seguir um determinado grupo iria

ensaiar uma coreografia, enquanto outro estaria a trabalhar numa outra coisa.

E ainda me lembro que dancei uma reposição da A Sinfonia dos Salmos do

Sparemblek, talvez em 78/79. Ainda hoje se ouvir a música me lembro dos passos.

9 de maio de 2017, Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

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Lista de Bailados de Milko Sparemblek (por ordem cronológica)

- A Sinfonia da Requiem, 1967, Cenografia e figurinos de Maria Helena Mattos

- Epitáfio para Gesualdo, 1970, cenário e figurinos de André Acquart * 1

- Passacaglia, 1970, sem referência. *1

- Gravitação, 1970, cenários e figurinos de Artur Casais*1

- Três Poemas e Poslúdio, 1970, cenários e figurinos de André Acquart*1

- O Mandarim Maravilhoso, 1971, cenário e Figurino de Artur Casais

- Continuum sobre um tema de Akutagawa, 1971, cenário e figurino de Justino

Alves

- Sinfonia dos Salmos, 1972, Figurinos de Milko Sparemblek

- Antigas Vozes de Crianças, 1972, cenário e figurinos de Artur Rosa

- Opus 43, 1973, cenário e figurino de Germinal Casado

- O Combate de Tancredo e Clorinda, 1974, cenário e figurino de André Acquart

- O Idílio de Siegfried, 1974, Figurinos de Artur Casais

- O Triunfo de Afrodite, 1975, Cenário e figurinos de Artur Casais.

*1 – Não foram identificados na dissertação os bailados assinalados pelo facto de

existir documentação insuficiente, e desta forma não ser possível sustentar uma análise

detalhada e com rigor histórico dos mesmos.