Top Banner

of 189

Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

Apr 07, 2018

Download

Documents

Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    1/189

    Sergio Augusto Franco Fernandes

    Freud, Lacan e o Witz: a dimenso do prazer e do significante

    Unicamp

    2008

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    2/189

    2

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    3/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    4/189

    4

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

    Ttulo em ingls: Freud, Lacan, and the Witz: the dimension of thepleasure and the significant

    Palavras chaves em ingls (keywords):

    rea de Concentrao: Epistemologia

    Titulao: Doutor em Filosofia

    Banca examinadora:

    Data da defesa: 29-02-2008

    Programa de Ps-Graduao: Doutorado em Filosofia

    Freud, Sigmund, 1856-1939Lacan, Jacques, 1901-1981Unconscious

    Affect (Psychology)PleasureLanguage and Languages

    Luiz Roberto Monzani, Richard Theisen Simanke,Francisco Verardi Bocca, Joo Jos Rodrigues Lima deAlmeida, Ftima Siqueira Caropreso

    Fernandes, Sergio Augusto FrancoF391f Freud, Lacan e o Witz: a dimenso do prazer e do significante /Sergio Augusto Franco Fernandes. - Campinas, SP : [s. n.],2008.

    Orientador: Luiz Roberto Monzani.Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,

    Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.

    1. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Lacan, Jacques, 1901-1981.

    3. Inconsciente. 4. Afeto (Psicologia). 5. Prazer. 6. Linguagem.I. Monzani, Luiz Roberto. II. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo.

    mh/ifch

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    5/189

    5

    Agradecimentos:

    - A CAPES, pelo auxlio fundamental a esta pesquisa;

    - A Teresa Nrdima, minha esposa, pelo estmulo, pela pacincia, pelo carinho e pela

    compreenso;

    - Aos amigos Luiz Roberto Monzani (orientador) e Josette Monzani, sua esposa;

    - Aos tambm amigos Joo Carlos Salles e Bete Santos;

    - A Rogrio Jos (IFCH), pelos incontveis auxlios;

    - A prof Nina Leite (IEL/Unicamp), meus agradecimentos especiais pelas observaes

    essenciais feitas no exame de qualificao (infelizmente no foi possvel t-la na banca);

    - Aos meus pais, Ivan e Daisy, e aos meus sogros, S. Jos (Bezerra) e D. Neuman, pelo

    constante apoio;

    - A Ricardo (irmo), Luciana (cunhada) e Victor (sobrinho), pela acolhida em So Paulo,

    que fizeram da casa deles o meu lar;

    - A Llia (irm), com seu ingls apurado, pela traduo do resumo;

    - Aos membros da banca, professores doutores Ftima Caropreso, Francisco Bocca, Joo

    Almeida e Richard Simanke, pelas colocaes sempre pertinentes;- A Urnia Tourinho Peres, Regina Tourinho Sarmento e todo o corpo de membros do

    Colgio de Psicanlise da Bahia, aos quais devo boa parte da minha formao em

    psicanlise;

    - A der, Jean e Llian, pela acolhida em Campinas;

    - A Carlota Iberts, pelo apoio fundamental durante a reta final, com a qual dividi as minhas

    angstias de fim de tese;

    - A Suely Aires, parceira de trabalho sempre solcita;

    - Aos meus familiares e amigos, com a certeza de sempre poder contar com todos.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    6/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    7/189

    7

    - A minha irm Tita (Ana Cristina Franco Fernandes),

    que nunca se deixe abater diante dos obstculos inerentes

    vida;

    - Aos meus sobrinhos, verdadeiros estmulos para a

    vida: Victor, Matheus, Ivan, Thiago, Djalma, Rafael, Lucas e

    Marina (da minha parte); Helena, Fernando, Victor, Ricardo,

    Lucas, Rafael, Gabrielle, Beatriz e Jlia (da parte de Teresa);

    - A Emilio Rodrigu (in memoriam), com toda

    admirao e profundo respeito.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    8/189

    8

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    9/189

    9

    Resumo

    Para Jacques Lacan, a tcnica do Witz igual tcnica do significante. Para o autor francs,

    no que concerne ao Witz, a tcnica do significante possui uma dimenso mais essencial que

    a dimenso do prazer. Vale a lembrana de que, para Sigmund Freud, a produo de prazer

    tida como a principal caracterstica do Witz. Uma anlise do conceito de prazer, passando

    pelo seu mecanismo no Witz, alm de um estudo acerca das relaes entre o significante

    lacaniano e o Witz freudiano nos possibilitar uma maior compreenso acerca da

    importncia destas duas dimenses. A constatao de um certo silncio da parte de Lacan

    no que diz respeito ao aspecto econmico do prazer, certamente nos ajudar a esclarecer

    a sua posio. Sustentamos, portanto, mesmo reconhecendo a importncia da dimenso do

    significante, que o prazer, tal como Freud o aborda, no perde a sua dimenso essencial no

    que se refere ao Witz e suas relaes com o inconsciente.

    Palavras-chave: Freud, Lacan, inconsciente, prazer, significante, Witz.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    10/189

    10

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    11/189

    11

    Abstract

    To Jacques Lacan, the Witz technique is the same as the significant technique. Regarding

    the Witz, the french author considers that the significant technique has a more essential

    dimension than the pleasure dimension. However, for Sigmund Freud, the main

    characteristic of the Witz is the pleasure production. An analysis of the pleasure concept,

    going through its mechanism in the Witz, besides a study about the relationships between

    the lacanian significant and the freudian Witz, will enable us to have a broader

    comprehension about the importance of those two dimensions. The evidence of a kind of

    silence from Lacan about the economic aspect of the pleasure certainly will help us to

    clarify his position. We sustain howsoever that, even though we recognize the importance

    of the significant dimension, the pleasure, according to Freuds approach, does not lose its

    main dimension in relation to the Witz and its relationships with the unconscious.

    Keywords: Freud, Lacan, pleasure, significant, unconscious, Witz.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    12/189

    12

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    13/189

    13

    Sumrio

    Introduo............................................................................................................................15

    Captulo 1. Do prazer em Freud ao seu mecanismo no Witz...............................................27

    1.1 A influncia de Fechner...........................................................................30

    1.2 Observaes sobre os princpios reguladores..........................................32

    1.3 O prazer e seu mecanismo psquico.........................................................41

    1.4 O mecanismo do prazer no Witz..............................................................53

    Captulo 2. O significante lacaniano e suas relaes com o Witz

    freudiano................................................................................................................................61

    2.1 Breves notas acerca do signo lingstico.................................................64

    2.2 Para compreender o sentido do retorno a Freud..................................73

    2.3 A teoria saussuriana da linguagem e a teoria do significante

    lacaniano................................................................................................................................82

    2.4 O significante e o Witz.............................................................................94

    Captulo 3. Posio de Lacan acerca do captulo IV do livro sobre o Witz, de

    Freud....................................................................................................................................1153.1 A referncia freudiana e a referncia estrutural.....................................119

    3.2 A engrenagem da demanda....................................................................126

    3.3 O Outro na engrenagem da demanda....................................................132

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    14/189

    14

    3.4 O nonsense, o Witz e o Outro...........................................................136

    Captulo 4. Um momento crucial para uma melhor compreenso das

    diferenas............................................................................................................................145

    4.1 O evento em Bonneval..........................................................................148

    4.2 O caso Philippe..................................................................................151

    4.3 Laplanche, Leclaire, as divergncias.....................................................153

    4.4 A posio de Lacan justificada pelo retorno a Freud.........................157

    Concluso...........................................................................................................................163

    Bibliografia........................................................................................................................177

    Anexo..................................................................................................................................189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    15/189

    15

    Introduo

    De um interesse despertado a partir de um estudo sobre o Witz freudiano1, mais

    especificamente o chamado Gedankenwitz ou chiste de pensamento (tambm traduzido

    como chiste sofstico ou conceitual), atribumos uma nfase na particularidade que ele

    exprime, qual seja, a de no necessariamente provocar o riso. Tivemos o intuito de marcar

    uma diferena entre o Gedankenwitz e uma outra espcie de chiste, classificada por Freud

    como Wortwitz ou chiste de palavra. Esta, sim, pode ser considerada a espcie de chiste que

    se manifesta com o auxlio do riso e que, por ser assim, nos possibilita uma aproximao

    maior com o cmico. Agora, a nossa questo outra, embora ainda estejamos

    intrinsecamente vinculados ao Witz2 e suas relaes com o inconsciente.

    Ao constatarmos o quo pouco o Witz havia sido estudado e, conseqentemente, mal

    compreendido at mesmo pelos estudiosos, fomos levados a investigar as relaes entre a

    produo de Sigmund Freud sobre o Witz e a interpretao que fez Jacques Lacan acerca domesmo. Nossa proposta, no entanto, sustentar a idia de que o prazer (Lust), tal como

    Freud o aborda, no perde a sua dimenso essencial no que diz respeito ao Witz e suas

    relaes com o inconsciente. Para tanto, partiremos do seguinte ponto: para o autor francs,

    a tcnica do Witz considerada igual tcnica do significante, sendo que, ao invs de

    1 Fernandes, Sergio Augusto Franco. Uma noo de verdade a partir da anlise dos chistes conceituais.

    Dissertao de Mestrado. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2002.2 Atente-se para o fato de que nem todos os autores concordam que o termo alemo Witz utilizado por Freudnos seus textos originais seja traduzido por chiste. Vrios deles optaram por diferentes tradues, tais comodito espirituoso, tirada espirituosa, frase de esprito, palavra espirituosa, dentre outras. Utilizaremos atraduo de Witz enquanto chiste apesar das ambigidades do termo simplesmente por esta ser, dentre ns,a mais conhecida. O termo alemo Witz traduzido por chiste tanto na edio argentina da AmorrortuEditores quanto na edio brasileira da Imago Editora. Optamos por trabalhar com a edio da Amorrortu(traduzida direto do alemo para o espanhol por Jos L. Etcheverry). O provvel uso de outras j citadastradues para o termo Witz certamente em nada modificar o contedo do presente texto, visto que estarosempre com o mesmo sentido. Tradues nossas do espanhol para o portugus.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    16/189

    16

    colocar a produo de prazer como caracterstica principal do Witz, ele contorna habilmente

    esta dimenso e enfatiza a dimenso do significante. Aps discorrermos e

    problematizarmos sobre essas duas dimenses, no fim das contas buscaremos compreender

    o motivo pelo qual Lacan procedeu de tal maneira.

    Seremos guiados, no decorrer do nosso trabalho, pelas idias desses dois autores,

    tomando como objeto, principalmente, o discurso da psicanlise, mais especificamente o

    discurso proferido pelos autores em questo. Em razo de ambos terem produzido obras

    extensas, evidentemente foram selecionados textos representativos do assunto a tratar, quais

    sejam, aqueles que, de alguma forma, relacionam o Witz ao prazer e ao significante. Sendo

    assim, as articulaes que desenvolveremos no decurso do nosso texto tero como

    referencial terico algumas passagens contidas, principalmente, nas obras Der Witz und

    seine Beziehung zum Unbewussten (1905)3 eLe Sminaire de Jacques Lacan, livre V, Les

    formations de linconscient(1957-1958)4. Quanto ao referido seminrio, assinalamos que

    boa parte dos seus fundamentos se encontram num outro texto, a saber: Linstance de la

    lettre dans linconscient ou la raison depuis Freud5 (1957), texto este que ser, de acordo

    com as necessidades da nossa pesquisa, devidamente requisitado. Logo, nossas questes

    3 Freud, Sigmund. Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten (1905). Vol. VI. In: GesammelteWerke, Chronologisch geordnet. 18 vols. Londres: Imago, 1940-74. Como fora dito em nota anterior,optamos por trabalhar com a edio da Amorrortu Editores (El chiste y su relacin con lo inconciente[1905]. In: Sigmund Freud, Obras Completas, vol. VIII. Traduccin de Jose L. Etcheverry. Buenos-Aires:Amorrortu Editores, 1996), traduzida direta do alemo. Sero utilizadas as siglas AE (Amorrortu Editores),

    SB (Standard Brasileira), SE (Standard Edition) e GW (Gesammelte Werke), para indicar as referidas edies,seguidas do nmero do volume em algarismos romanos e do nmero da pgina. Quanto paginao da ediobrasileira (SB), da inglesa (SE) e da alem (GW), estas constaro apenas enquanto referncia para aqueles queas desejarem consultar. A referncia completa das obras em questo se encontra no final da presente tese, noitem Bibliografia.4 Lacan, Jacques.Le Sminaire de Jacques Lacan, livre V, Les formations de linconscient(1957-1958). Paris:Seuil, 1998 (O Seminrio, livro 5, As formaes do inconsciente. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:JZE, 1999).5 Lacan, Jacques. Linstance de la lettre dans linconscient ou la raison depuis Freud. In: crits. Paris: Seuil,1966, p. 493-528 (Escritos. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: JZE, 1998, p. 496-533).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    17/189

    17

    estaro voltadas, no que concerne ao ensino de Lacan, principalmente para o perodo que

    compreendeu a realizao do seu seminrio acima referido.

    Conseqentemente, ressaltaremos as semelhanas e diferenas existentes entre as

    duas abordagens do Witz. Salientamos a presena no Witz tanto de uma dimenso

    econmica, quanto de uma dimenso lingstica, sendo que Freud vai atribuir nfase

    primeira, enquanto Lacan vai priorizar a segunda. Por conseguinte, discutiremos acerca do

    que a se manifestar como problema. Levantaremos, ento, algumas suspeitas

    epistemolgicas no que tange ao Witz e suas relaes com as leituras de Freud e Lacan,

    com o intento de lanar alguma luz sobre as distintas perspectivas.

    Sabemos que Lacan interpretava o freudismo muito ao seu modo, seguramente de

    uma maneira to peculiar que o prprio Freud, por certo, no concordaria. O problema

    que muitas das concepes de Lacan no chegam a ser antagnicas em relao aos

    enunciados freudianos, o que nos permite, de alguma forma, atribu-las a Freud. Sendo

    assim, propomos comparar alguns enunciados freudianos a determinadas concepes

    lacanianas, verificando se realmente podemos atribuir tais concepes ao autor vienense.

    Estamos, como se pode perceber, aludindo ao chamado retorno a Freud, retorno este

    proposto por Lacan, cujas especificidades sero observadas ao longo do segundo captulo.

    No primeiro captulo da nossa tese, examinaremos o conceito de prazer, partindo

    dos textos de Freud, com o intuito de constatar a sua dimenso essencial no que diz respeito

    ao Witz. Vale lembrar que o conceito de prazer praticamente no sofreu modificaes ao

    longo do seu trajeto na obra freudiana. De antemo, sugerimos que o contedo presente no

    primeiro captulo, qual seja, o conceito de prazer e seu mecanismo psquico, seja pensado

    como sendo aquilo que constituiu para Freud o aspecto econmico do Witz, aspecto este

    que visa propiciar ao sujeito que produz um Witz, uma reduo da sua despesa psquica,

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    18/189

    18

    possibilitando-lhe um ganho de prazer. , no nosso entender, justamente essa perspectiva

    econmica que vai permanecer em silncio num perodo especfico do ensino de Lacan,

    ao qual, no momento propcio, teceremos as devidas consideraes.

    Chamamos ateno para o fato de que o que constituiu problema para Freud e

    continua constituindo problema para os especialistas do tema no chega a ser o conceito de

    prazer em si, mas, sim, as suas diversas vinculaes com as mais distintas referncias

    tericas. Esse percurso, ento, ser iniciado a partir de uma breve anlise da influncia em

    Freud das idias de Gustav Theodor Fechner (1801-1887)6, considerado fundador da

    psicofsica e tambm da psicologia experimental. Na verdade, o prprio Freud7 se dizia

    influenciado, em alguns pontos importantes da sua teoria sobre o prazer, pelas idias desse

    filsofo/mdico alemo. Fechner foi considerado o primeiro a fundamentar no prazer a

    idia de um princpio regulador do funcionamento psquico. Vale a ressalva de que a

    questo econmica ser a nossa referncia no que diz respeito ao conceito de prazer ao

    longo do primeiro captulo.

    Dando continuidade ao esboo de um percurso do conceito de prazer a partir dos

    textos freudianos, faz-se necessrio discorrermos acerca dos princpios chamados

    reguladores. Faremos, assim, uma abordagem sucinta sobre os princpios de inrcia, de

    nirvana e de constncia, ressaltando as particularidades de cada um desses princpios, suas

    articulaes e seus problemas. Se o aparelho psquico deve ser pensado atravs do modelo

    do esquema do arco-reflexo, por conseguinte deve comportar-se como tendncia para

    descarregar as excitaes e, ao mesmo tempo, manter-se afastado das fontes de excitao.

    6 Gay, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Traduo de Denise Bottmann. So Paulo: Cia. das Letras,1991, p. 134.7 Freud, Presentacin autobiogrfica (1925 [1924]), AE,XX, p. 1-70 (SB, XX, p. 17-88; SE, XX, p. 7-74;GW, XIV, p. 33-111).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    19/189

    19

    Tentaremos, desse modo, desfazer algumas dvidas referentes compreenso do

    funcionamento psquico e seus princpios reguladores. Apresentaremos algumas idias,

    nem sempre convergentes, que dizem respeito s definies de tais princpios, tendo em

    vista uma maior clareza em relao aos mesmos.

    Teceremos, tambm, algumas consideraes acerca da relao entre o princpio de

    prazer e o princpio de realidade. Discutiremos sobre a possibilidade de coexistncia entre

    esses dois princpios, mesmo com eles atuando de maneira um tanto incmoda e quase

    sempre conflituosa. De acordo com Herbert Marcuse8, com o estabelecimento do

    princpio de realidade, quando este se sobrepe ao princpio de prazer, que o ser humano

    acaba por converter-se num ego organizado. Dessa maneira, sob este princpio, o ser

    humano viria a tornar-se um sujeito consciente, capacitado a pensar, preparado para

    enfrentar toda uma racionalidade que lhe vem de fora e que lhe toma o seu ser.

    Uma anlise do prazer e do seu complexo mecanismo psquico, incluindo a uma

    anlise do mecanismo do prazer no Witz, tambm se mostra fundamental, visto que

    almejamos, com nossa pesquisa, uma ampliao da nossa compreenso sobre o tema

    proposto. O conceito de dor (Schmerz) ser devidamente abordado, levando em conta que,

    no arsenal conceitual freudiano, ele aparece como um dos primeiros dados a ser analisado.

    Mesmo sendo um fenmeno conhecido por todos, na teoria freudiana ele vai possuir uma

    especificidade que o coloca num contexto bastante preciso, diferentemente do conceito de

    desprazer. Lembramos que, na concepo de Freud, o desprazer no quer dizer

    necessariamente dor, como nos faz pensar os textos da filosofia antiga, por exemplo.

    sabido que, em determinadas situaes, o desprazer pode ser sentido como prazer. No

    8 Marcuse, Herbert. Eros e Civilizao. Uma interpretao filosfica do pensamento de Freud. Traduo delvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p. 35.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    20/189

    20

    Projeto (1895)9, de Freud, o conceito de dor nos apresentado como uma irrupo de

    grandes quantidades de energia no sistema psquico. Discutiremos, evidentemente, as

    diferenas entre os conceitos de desprazer e dor, levando em considerao as idias

    freudianas. Luiz Roberto Monzani10 constata e nos transmite, de forma simples, uma lio

    deixada por Freud, qual seja, que o desprazer (Unlust) o motor que aciona e que

    desenvolve o nosso aparelho psquico, considerando que no corremos atrs do prazer, mas,

    sim, fugimos do desprazer. Aps percorrermos uma via que nos leva ao encontro do

    conceito de prazer e a algumas das suas articulaes possveis, esperamos que fique

    evidente a sua importncia no que concerne, principalmente, economia psquica do

    sujeito.

    Outro conceito em que se faz necessrio um maior aprofundamento o conceito de

    pulso (Trieb). Sua falta de transparncia, inicialmente, marcou sua apario na teoria

    psicanaltica. Freud o antecipa desde o seu j citado Projeto (1895), mas foi com a

    publicao dos seus Trs ensaios de teoria sexual (1905)11 que ele produziu novas

    contribuies ao admitir que as pulses constituam, ao mesmo tempo, o elemento mais

    fundamental e, tambm, o mais hermtico da sua extensa pesquisa. Sabemos que este

    conceito, ainda hoje, nos apresenta muito pano para manga, como se diz comumente. Isto

    certamente ser notado com o desenvolvimento da nossa discusso.

    Vale lembrar que, no decorrer do seu ensino, mais especificamente na dcada de

    1950, Lacan chamou ateno para as obras Studien ber Hysterie (1895), Die

    9 Freud, Sigmund. Projeto de uma psicologia (1895). Traduo de Gabbi Jr. In: Gabbi Jr, Osmyr Faria.Notas a Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da Psicanlise. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p.185-186. Utilizaremos a traduo e as notas elaboradas por Osmyr Faria Gabbi Jr. no que concerne ao textodo Projeto (1895), de Sigmund Freud.10 Monzani, Luiz Roberto. Freud: o movimento de um pensamento. Campinas: UNICAMP, 1989, p. 190.11 Freud, Tres ensayos de teoria sexual (1905), AE, VII, p. 153, n. 50 (SB, VII, p. 158, n. 1; SE, VII, p. 153;GW, V, p. 67).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    21/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    22/189

    22

    Como ponto de partida para uma consistente discusso acerca dessas questes,

    ressaltaremos o tema do prazer no Witz, tal como Lacan o aborda. Como ser observado,

    este tema se mostrar implicado diretamente com o conceito lacaniano de Outro. sabido

    que, assim como os psicanalistas freudianos da IPA, Lacan tambm localizou o problema

    da alteridade no mbito de uma determinao inconsciente, criando uma terminologia

    especfica para diferenciar o que seja do alcance de um lugar terceiro (Outro), do que venha

    a ser do campo da pura dualidade (outro), no sentido utilizado pela psicologia. Vale lembrar

    que Lacan, inicialmente, ressaltava que o inconsciente do sujeito o discurso do outro,

    passando a afirmar, posteriormente, que o inconsciente o discurso do Outro. Foi

    somente no seu Seminrio Le moi dans la thorie de Freud et dans la technique de la

    psychanalyse (1954-1955)12 que Lacan introduziu o termo grande Outro, diferenciando-o

    do pequeno outro.

    Quanto ao Witz, Lacan o prioriza dentre as demais formaes do inconsciente, por

    ele apresentar, com uma certa clareza, a vantagem de conjugar simultaneamente tanto a

    condensao metafrica quanto o deslocamento metonmico, procedendo, no seu entender,

    ou por substituio (metfora) ou por desvio do curso do pensamento (metonmia). Lacan,

    ento, designa a tcnica do Witz como tcnica do significante, vinculando, da sua

    maneira, a experincia freudiana com a experincia lingstica. Certamente nos

    aprofundaremos nesse aspecto.

    Para um maior esclarecimento acerca da complexa relao entre o significante e o

    Witz, analisaremos o primeiro chiste que Freud nos apresenta na sua obra Der Witz: o

    12 Lacan, Jacques. Le Sminaire de Jacques Lacan, livre II, Le moi dans la thorie de Freud et dans latechnique de la psychanalyse (1954-1955). Paris: Seuil, 1978, p. 276(O Seminrio, livro 2, O eu na teoria deFreud e na tcnica da psicanlise . Traduo de Marie Christine Laznik Penot. Rio de Janeiro: JZE, 1985, p.297).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    23/189

    23

    famoso familionrio 13, uma fico do poeta Heinrich Heine. provvel que o interesse

    de Lacan por esse Witz tenha se dado, principalmente, por ele ter notado a presena, ao

    mesmo tempo, de duas linhas do discurso, alm de perceber que, no referido Witz, as coisas

    circulavam simultaneamente no que ele denominou linha da cadeia significante. Lacan

    sups, entretanto, que Freud teria se dado conta, anteriormente s descobertas da lingstica

    moderna, que existia um vnculo entre as leis do funcionamento da linguagem e as leis do

    inconsciente.

    Logo, numa perspectiva lacaniana, a condensao (metfora) tida como uma

    forma singular do que possvel ser produzido como uma funo de substituio, sendo

    que vai ser nessa relao de substituio que dever estar presente o recurso criador, a fora

    criadora da metfora. J o deslocamento (metonmia) diz respeito, mais precisamente, a um

    deslizamento de valores que deve influenciar um deslocamento do sentido. Para uma

    melhor compreenso em torno da estrutura do Witz e suas implicaes, seguindo sugesto

    de Lacan, nos deteremos um pouco, em alguns pontos do nosso texto, nas funes da

    metfora e da metonmia, figuras estas que compem as duas vertentes do chamado campo

    significante.

    No nosso terceiro captulo, teceremos um comentrio sobre a posio de Lacan14 em

    relao ao captulo IV do livro Der Witz, de Freud, parte esta que trata do mecanismo do

    prazer e da psicognese dos chistes. Salientaremos, portanto, a referncia estrutural

    utilizada por Lacan nos seus comentrios, acabando por deixar de lado, de alguma maneira,

    a referncia freudiana. , com efeito, no seuLe Sminaire, livre V, mais especificamente na

    parte V (O pouco-sentido e o passo-de-sentido) do primeiro captulo (As estruturas

    13 Freud, El chiste y su relacin con lo inconciente (1905), AE, VIII, p. 18 (SB, VIII, p. 29; SE, VIII, p. 16;GW, VI, p. 14).14 Lacan,Le Sminaire, livre V, p. 83(O Seminrio, livro 5, p. 87).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    24/189

    24

    freudianas do esprito), que Lacan vai se posicionar diante do captulo IV do livro sobre o

    Witz, de Freud. Lacan15 vai dizer, sem muito argumentar, que Freud chegara mesmo a

    repudiar o termo nonsense, termo este que nos apresentado pelo prprio Freud como

    sendo o que mais amplamente caracteriza o chiste, em especial o j citado Gedankenwitz.

    Vale ressaltar que, apesar de todo esse movimento, a questo do prazer no chega a

    ser, necessariamente, excluda. Verificaremos de que maneira Lacan ir abord-la. O que

    vai ficar de fora, de acordo com as nossas suspeitas, a funo do prazer tal como Freud a

    sustenta, a saber, do ponto de vista econmico. Lacan16, por sua vez, no deixa de ressaltar

    a importncia da questo do prazer no Witz, prazer este tido como autntico, ou seja, o

    prazer prprio do uso do significante. Em outras e poucas palavras, Lacan faz do Witz um

    significante. O que se pretende questionar, com efeito, a diferena de perspectivas em

    relao funo do prazer no Witz.

    Pensamos ser bastante propcio, por considerarmos esclarecedor, iniciarmos o nosso

    quarto captulo examinando uma querela suscitada no interior do prprio movimento

    psicanaltico, gerada a partir de um mal entendido, de fundamental importncia para a

    compreenso das questes que aqui j esto sendo expostas. Tal querela surgiu no famoso

    Colquio de Bonneval17, em 1960, quando Serge Leclaire e Jean Laplanche, ento os mais

    destacados discpulos de Lacan, vieram a discordar, numa apresentao em conjunto, sobre

    o que seria o conceito de inconsciente formulado por Freud e a leitura que fez Lacan desse

    mesmo conceito.

    15 Lacan,Le Sminaire, livre V, p. 86 (O Seminrio, livro 5, p. 90).16 Lacan,Le Sminaire, livre V, p. 91 (O Seminrio, livro 5, p. 96).17 Ey, Henry. VI Colloque de Bonneval. Paris: Descle de Brouwer, 1966. (O inconsciente volume I VIColquio de Bonneval. Traduo de Jos Batista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    25/189

    25

    A questo que, para Lacan nesse momento j ressaltava a primazia do

    significante em sua teoria , no seria a mesma coisa afirmar que a linguagem condio

    do inconsciente e que o inconsciente condio da linguagem. Com efeito, o que se

    encontra em pauta o aforismo lacaniano o inconsciente estruturado como uma

    linguagem, que vai nortear a idia de uma teoria lacaniana do significante que, por sua

    vez, vai fundamentar o chamado retorno a Freud. Nota-se, a, uma interessante srie de

    vinculaes. A idia , portanto, tornar evidente a diferena de posio entre os distintos

    autores. Acreditamos, ento, que seja sensato tomar a querela que se faz presente no ltimo

    captulo da nossa tese como momento de convergncia e, ao mesmo tempo, de

    esclarecimento de toda problemtica suscitada no decurso do nosso texto.

    Enfim, nada nos impede de considerar a leitura que fez Lacan de Freud como sendo

    uma leitura criativa18, feita a partir do campo da linguagem e da funo da palavra. Essa

    leitura, certamente, no foi uma leitura sem fundamentao, fora pensada a partir da

    lingstica estrutural que, como sabemos, tornou-se referncia nas cincias humanas na

    dcada de 1950. Dada essa constatao, acreditamos que alguns problemas apresentados ao

    longo dessa introduo comecem, desde j, a se diluir, haja vista que a referncia lacaniana

    se mostra, aos nossos olhos, distinta da freudiana, problematizando, assim, a comparao

    estabelecida entre a tcnica do significante e a tcnica do Witz. Vale a lembrana de que as

    referncias e as preocupaes sustentadas por Freud, no que concernem ao Witz e suas

    relaes com o inconsciente, se situam e se referem, principalmente, ao campo da economia

    psquica, e no necessariamente ao campo lingstico, da fala e da linguagem, como

    sustenta Lacan. nosso intuito, portanto, que o presente estudo nos auxilie na verificao

    18 Miller, Jacques-Alain. O rouxinol de Lacan. In: Conferncia inaugural do Instituto do Campo Freudianode Buenos Aires. Volume 10, n 5, out./nov. Traduo do espanhol por Carlos Genaro G. Fernandez. SoPaulo: Escola Brasileira de Psicanlise de S.P., 2003, p. 19.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    26/189

    26

    da legitimidade dos passos de ambos os autores, levando sempre em considerao a

    importncia das duas faces do Witz, quais sejam, a dimenso do prazer e a dimenso do

    significante.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    27/189

    27

    Captulo 1

    Do prazer em Freud ao seu mecanismo no Witz

    Sabemos que o conceito de prazer (Lust), na obra freudiana, apesar de estar

    vinculado a um mecanismo bastante complexo, praticamente no sofreu modificaes ao

    longo do seu trajeto. Certamente, como j dito na introduo, o que constituiu problema

    para Freud e continua constituindo para os estudiosos do tema, produzindo diferentes

    articulaes e, conseqentemente, diferentes interpretaes, no o conceito de prazer em

    si, mas, sim, a sua vinculao a outras referncias tericas.

    Iniciaremos com uma breve abordagem acerca da influncia das idias de Gustav

    Theodor Fechner sobre Sigmund Freud e o princpio de prazer (Lustprinzip), trazendo

    tona algumas consideraes que dizem respeito relao entre esses dois autores. Sero

    ressaltados tambm os conceitos de dor e pulso para que nos ajudem a melhor

    compreender alguns aspectos que concernem questo do prazer/desprazer e o seu

    mecanismo psquico. Chamamos ateno para o fato de que trabalharemos com o conceito

    de prazer que antecede a virada de 1920, quando esse princpio (de prazer) no havia ainda

    se revelado como problema maior para a metapsicologia freudiana. At ento, o chamado

    princpio de prazer havia tido uma existncia relativamente tranqila no interior do

    aparato terico da psicanlise freudiana. Com isto, no estamos dizendo que as diversas

    formulaes produzidas por Freud no suscitassem problemas, muito pelo contrrio. A

    questo que, como bem diz Monzani, (...) esses problemas no foram considerados de

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    28/189

    28

    modo que acabassem por colocar em questo o significado e a funo desse princpio na

    economia do aparelho mental.19

    Lembramos aqui que as expresses princpio de prazer (Lustprinzip) e princpio

    de realidade (Realitts-prinzip) foram introduzidas por Freud20 em 1911 com o fim de

    especificar os dois princpios que regem o funcionamento psquico. De forma resumida, o

    primeiro tem como meta proporcionar prazer e evitar desprazer, sem barreiras nem limites,

    enquanto o segundo vai modificar o primeiro, exigindo restries necessrias para uma

    adaptao realidade externa. Levando em conta que a oposio entre princpio de prazer e

    princpio de realidade correlata oposio entre processo primrio (Primrvorgang) e

    processo secundrio (Sekundrvorgang), discorreremos, ento, sobre essa oposio, com o

    intuito apenas de uma maior elucidao acerca dessas relaes. Note-se que a tenso

    aparece, nesse momento, como referncia fundamental do pensamento freudiano. Vale

    ressaltar que a distino elaborada por Freud entre os dois processos citados

    contempornea descoberta dos processos inconscientes, fornecendo, no entanto, a sua

    primeira expresso terica. Tal distino se encontra desde o Projeto de uma psicologia

    (1895)21, sendo desenvolvida no captulo VII da Interpretao dos sonhos (1900)22,

    permanecendo como uma referncia imutvel na teoria freudiana.

    Freud chamou de processo primrio um modo de funcionamento psquico primitivo,

    onde um conjunto de energias psquicas, consideradas no domesticveis, desde o incio

    instalado na mente, se encontrava inteiramente sob o domnio do princpio de prazer. Este

    princpio quer satisfao, mesmo que de forma imprudente, brutal, sem pacincia para a

    19 Monzani, Freud, o movimento de um pensamento, p. 189.20 Freud, Formulaciones sobre los dos principios del acaecer psquico (1911), AE, XII, p. 224 (SB, XII, p.278; SE, XII, p. 219; GW, VIII, p. 231).21 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 202-204.22 Freud. La interpretacin de los sueos [1900 (1899)], AE, V, cap. VII, p. 534-551 (SB, V, p. 468-566;SE, V, p. 540-559, GW, II-III, p. 545-564).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    29/189

    29

    reflexo ou adiamento. Com o passar do tempo, a mente se desenvolve, conseguindo

    sobrepor o processo secundrio ao primrio, sempre levando em conta a realidade. Seria o

    processo secundrio que se responsabilizaria pelo regulamento do funcionamento psquico

    de uma forma mais eficiente, introduzindo o pensamento, o clculo e a capacidade de adiar

    as satisfaes para poder usufruir destas posteriormente. Peter Gay, fazendo suas as

    palavras de Freud, adverte quanto a uma superestimao da influncia do processo

    secundrio na medida em que (...) o processo primrio mantm sua persistente

    sofreguido durante a vida inteira23.

    , por conseguinte, na perspectiva do prazer como princpio que conduziremos as

    nossas observaes. Vale ressaltar que pretendemos colocar em evidncia a dimenso do

    prazer na obra freudiana, na tentativa de apresentar uma fundamentao consistente para

    considerarmos o prazer enquanto caracterstica principal do Witz, como demonstrou

    Freud24. O conceito de prazer, ao qual nos referimos, deve ser pensado a partir da seguinte

    referncia:

    Podemos apenas nos atrever a asseverar o seguinte: que o prazer liga-se

    de algum modo com a reduo, a diminuio ou a extino das cargas de

    estmulos que trabalham no interior do aparelho mental e que, de maneira

    semelhante, o desprazer est em conexo com o aumento dessas cargas.25

    23 Gay, Freud, uma vida para o nosso tempo, p. 134.24 De acordo com Freud, o que h de mais valioso no Witz a produo de prazer que este nos proporciona.Ver: Freud, El chiste, AE, VIII, p. 29 (SB, VIII, p. 42; SE, VIII, p. 28; GW, VI, p. 28).25 Freud, Conferencias de introduccin al psicoanlisis (1916-17), AE, XVI, p. 324 (SB, XVI, p. 416; SE,XVI, p. 356; GW, XI, p. 370).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    30/189

    30

    Freud atribui uma dimenso dita econmica a esses processos relativos ao prazer,

    visto que a questo que se impe a de saber o que acontece com as quantidades de energia

    que circulam pelo aparelho psquico. No sentido de uma dimenso econmica, podemos

    dizer, ento, que o aparelho psquico serve ao propsito de dominar e eliminar as cargas de

    estmulos e o acmulo de tenso, provenientes de dentro e de fora, que incidem sobre ele.

    Trata-se, portanto, de uma definio relativamente simples que podemos express-la da

    seguinte maneira: todo acmulo de estmulos sentido pelo aparelho psquico como

    desprazer, sendo que sua tendncia livrar-se desse acmulo, desse excesso que gera o

    desprazer. O escoamento desse excesso conseguido e sentido pelo aparelho psquico

    como prazer. Tal inclinao, chegando a dominar a maior parte dos acontecimentos

    mentais, funciona, ento, como um princpio regulador desses processos, na medida em que

    passa a trabalhar como uma tendncia geral do nosso aparelho psquico. Mais adiante

    retomaremos essa questo.

    1.1 A influncia de Fechner

    Do ponto de vista de um esclarecimento conceitual mais consistente, vamos seguir a

    ordem das coisas, isto , vamos tentar compreender o desenvolvimento do conceito de

    prazer na obra de Freud (anterior virada de 1920, como vimos) e uma diversidade de

    problemas inerentes a esse percurso. Partiremos, ento, do comeo.

    Sabemos que Freud foi influenciado, no que diz respeito natureza do prazer, pelas

    idias do filsofo e mdico alemo G. T. Fechner (1801-1887)26. Era dele a idia de

    fundamentar no prazer um princpio regulador do funcionamento psquico. Vamos tentar

    26 Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo, p. 58.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    31/189

    31

    entender. Fechner considerado o fundador da psicofsica e da psicologia experimental.

    Conforme nos conta Michel Plon e Elisabeth Roudinesco27, em 1873 Fechner teorizou o

    princpio de conservao (ou de estabilidade) da energia, sendo que este princpio j havia

    sido formulado anteriormente, em 1842, pelo fsico Robert Meyer, retomado e

    desenvolvido, em 1845, por Hermann von Helmholtz. dito que, aps um perodo de

    complicaes psquicas, Fechner acreditava ter inventado um princpio universal to

    fundamental para o mundo quanto o de Isaac Newton (1642-1727), dando-lhe o nome de

    princpio de prazer. No temos dvidas que a obra de Fechner tenha influenciado, de

    maneira significativa, algumas idias de Freud. Num texto de 1925, Apresentao

    autobiogrfica, ele vai dizer: Sempre fui muito aberto s idias de G. T. Fechner, e alis,

    em pontos importantes, baseei-me nesse pensador.28

    Vale lembrar que Freud, no seu Projeto de uma psicologia (1895), parte I, captulo

    9, intitulado O funcionamento do Aparelho29, ao falar sobre a existncia de um

    dispositivo peculiar que afasta as quantidades de estmulos dos neurnios psi (dentro de

    certos limites), faz uma aproximao com as condies da lei de Fechner, dizendo, ento,

    t-la localizado. Essa lei traduz, segundo Osmyr Faria Gabbi Jr., (...) uma relao entre a

    quantidade fsica do estmulo e a percepo consciente da sua variao. Portanto, ela

    expressa, alm de um elo entre o fsico e o psquico, a crena de que tais relaes so

    regulares.30

    27 Plon, Michel e Roudinesco, Elisabeth. Dicionrio de Psicanlise. Traduo de Vera Ribeiro e LucyMagalhes. Rio de Janeiro: JZE, 1998, p. 227.28 Freud, Presentacin autobiogrfica, AE, XX, p. 55 (SB, XX, p. 75; SE, XX, p. 59; GW, XIV, p. 86).29 Freud, Projeto de uma Psicologia (1895), in: Gabbi Jr., p. 193.30 Gabbi Jr,Notas a Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da psicanlise, nota 84c, p. 51.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    32/189

    32

    Diferentemente das doutrinas hedonistas tradicionais, Fechner31 entendia que as

    nossas aes eram determinadas pelo prazer ou pelo desprazer, propiciados na atualidade

    pela representao da ao a ser realizada ou por meio de suas conseqncias, e no que a

    finalidade buscada pela ao humana fosse o prazer, chamando ateno para o fato de que

    tais motivaes podiam no ser percebidas de forma consciente. Note-se que a

    caracterstica de motivao atual, que se encontra na teoria de Fechner, tambm se

    encontra no centro da concepo freudiana, onde o aparelho psquico aparece regido por

    uma evitao ou por uma evacuao da tenso desagradvel, cuja motivao principal o

    desprazer atual, e no a perspectiva do prazer a ser obtido. Trata-se, pois, como disse Freud

    emA Interpretao dos sonhos (1900)32, de um mecanismo de regulao automtica.

    1.2 Observaes sobre os princpios reguladores

    Freud enumera uma srie de princpios reguladores a qual o aparelho psquico deve

    estar submetido. So leis, regras e princpios que tentaremos, de alguma forma, esboar, do

    mais simples ao mais complexo. Em primeiro lugar, Freud diz que todo aparelho psquico

    deve ser pensado atravs do modelo do esquema do arco-reflexo, isto , que o organismo,

    por mais elementar que seja, se recebe uma determinada carga de estmulo, a sua tendncia

    natural descarregar imediatamente esta quantidade. Supe-se que a quantidade de

    excitao recebida por um neurnio sensitivo deva ser completamente descarregada numa

    extremidade motora. De acordo com Freud, o aparelho psquico comporta-se, de maneira

    geral, como uma tendncia para descarregar as excitaes e, ao mesmo tempo, manter-se

    afastado das fontes de excitao. Vamos por partes.

    31 Fechner, Gustav Theodor. ber das Lustprinzip des Handelns. In: Zeitschrift fr Philosophie undPhilosophische Kritik, Halle, 1848, p. 11.32 Freud, La interpretacin de los sueos, AE, V, p. 566 (SB, V, p. 523; SE, V, p. 574; G.W., II-III, p. 580).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    33/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    34/189

    34

    Lembra-nos Osmyr36 que, no incio do Projeto, Freud se refere a essa lei geral do

    movimento a lei de inrcia , mas que, com a introduo da noo de perodo, novas leis

    se mostraram necessrias, leis de movimento, distintas da lei da inrcia. Diz o prprio

    Freud: Com isto, o sistema nervoso coagido a abandonar a tendncia originria para a

    inrcia, isto , para nvel = 0.37Logo, a antiga noo de princpio de inrcia nos aponta

    para um certo interesse em auxiliar a estabelecer o sentido dos princpios econmicos mais

    importantes que regulam o funcionamento do aparelho psquico.

    Na opinio de Laplanche e Pontalis38, as contradies percebidas a partir da noo

    freudiana de princpio de inrcia neurnica no devem, entretanto, desmerecer a intuio

    fundamental que se encontra implcita sua utilizao. Tal intuio estaria ligada prpria

    descoberta do inconsciente, na medida em que, o que Freud traduz em termos de livre

    circulao de energia, nos neurnios, no seria mais do que a transposio da sua

    experincia clnica, ou seja, a livre circulao do sentido, que vem a caracterizar o processo

    primrio. Sendo assim, o princpio de Nirvana, tal como aparece mais adiante na obra de

    Freud, pode ser tido como reafirmao de uma intuio bsica que j norteava o enunciado

    do princpio de inrcia.

    Princpio de Nirvana

    Como sabemos, esse termo derivado do budismo e foi difundido no Ocidente pelo

    filsofo alemo Arthur Schopenhauer (1788-1860). Essa denominao foi proposta pela

    psicanalista inglesa Barbara Low (1877-1955), sendo retomada posteriormente por Freud

    36 Gabby Jr.,Notas a projeto de uma psicologia, nota 64, p. 46.37 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 177.38 Laplanche e Pontalis, Vocabulrio da Psicanlise, p. 363.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    35/189

    35

    emAlm do princpio de prazer(1920)39 para designar uma tendncia do aparelho psquico

    a eliminar qualquer desejo e qualquer quantidade de estmulo de origem interna e externa.

    O termo Nirvana, do ponto de vista do budismo, nos remete (...) extino do desejo

    humano, o aniquilamento da individualidade que se funde na alma coletiva, um estado de

    quietude e de felicidade perfeita.40

    Freud, ento, retoma o termo sugerido por Barbara Low e enuncia-o como tendncia

    para reduo, para a constncia, para a supresso da tenso de excitao interna. O

    problema que essa formulao a mesma que Freud profere, no mesmo texto, sobre o

    princpio de constncia, contendo, assim, uma ambigidade, onde apresenta como

    equivalente tanto a tendncia a manter constante uma determinada quantidade de estmulos

    quanto a tendncia para atingir o nvel zero de excitao.

    no texto O problema econmico do masoquismo (1924)41 que Freud vai ressaltar

    uma equivalncia entre a noo de pulso de morte e o princpio de Nirvana, dizendo que a

    tendncia da pulso de morte expressada atravs do referido princpio. Sendo assim, o

    princpio de Nirvana aponta para algo diferente de uma lei de constncia, na medida em que

    assume uma tendncia radical, no sentido de encaminhar a excitao ao nvel zero,

    conforme Freud j havia enunciado no seu Projeto sob o nome de princpio de inrcia.

    39 Freud, Ms all del principio del placer (1920), AE, XVIII, p. 54 (SB, XVIII, p. 76; SE, XVIII, p. 55;GW, XIII, p. 60).40 Laplanche e Pontalis, Vocabulrio de Psicanlise, p. 363-364.41 Freud, El problema econmico del masoquismo (1924), AE, XIX, p. 166 (SB, XIX, p. 200; SE, XIX, p.160; GW, XIII, p. 372).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    36/189

    36

    Princpio de constncia

    O princpio de constncia faz parte do aparelho terico elaborado por Freud e por

    Joseph Breuer entre os anos 1892-1895. Embora escrito sob um aparente acordo42, percebe-

    se diferenas: Breuer desenvolve seu pensamento numa perspectiva eminentemente

    biolgica, aproximando o seu modelo s idias de homeostase (inicialmente desenvolvidas

    pelo fisiologista Cannon), idias estas que dizem respeito auto-regulao do organismo.

    Diz Laplanche e Pontalis: No entanto, se compararmos dois textos tericos escritos

    individualmente por cada um dos dois autores, verificaremos, sob o aparente acordo, uma

    ntida diferena de perspectivas.43

    Esse princpio se encontra na base da teoria econmica freudiana, visto que se

    percebe, em vrias passagens de diferentes textos, uma suposio implcita de que ele que

    regula o funcionamento do aparelho psquico. Sua funo seria procurar manter constante,

    dentro de si, a soma das excitaes, acionando mecanismos que evitariam os estmulos

    externos e defenderia e descarregaria os aumentos de tenso vindos de dentro. O princpio

    de constncia encontra-se, por conseguinte, estreitamente vinculado ao princpio de prazer,

    j que o desprazer pode ser considerado numa perspectiva econmica como uma

    percepo subjetiva de um aumento de tenso e, o prazer, como algo que traduz a

    diminuio dessa tenso.

    Contudo, surge um problema: a questo que Freud achava bastante complicada

    essa relao entre as sensaes subjetivas de prazer-desprazer e os processos econmicos

    que supostamente lhes serviam de sustentao. Dessa maneira, a sensao de prazer poderia

    42 Ver: Introduo do editor ingls, de James Strachey, onde ele comenta sobre as divergncias entre os doisautores. [Breuer, Josef e Freud, Sigmund. Estudos sobre a histeria (1895). In: Edio Standard Brasileiradas Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 1988, p. 27-33].43 Laplanche e Pontalis, Vocabulrio da Psicanlise, p. 357.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    37/189

    37

    acompanhar um aumento de tenso: Parece que na srie de sensaes de tenso temos um

    sentido imediato do aumento e diminuio das quantidades de estmulo, e no se pode

    duvidar que haja tenses prazerosas e relaxamentos desprazerosos de tenso.44 Conforme

    o que foi visto, nada nos impede de chegarmos concluso de que essa relao entre o

    princpio de prazer e o princpio de constncia no deve ser reduzida a uma simples e pura

    equivalncia.

    Breves consideraes acerca do princpio de realidade

    Sabemos que a noo de prazer, na teoria freudiana, abordada como princpio que

    rege o nosso funcionamento psquico. De acordo com este princpio e concomitante ao

    mesmo, temos o princpio de realidade, que pode ser pensado formando par com o princpio

    de prazer, modificando-o na medida em que consegue impor-se, ao menos aparentemente,

    como princpio regulador. Nesse sentido, a procura da satisfao j no vai se dar pelos

    caminhos mais breves, passando a fazer desvios, adiando o seu resultado, tendo em vista as

    condies exigidas pelo mundo exterior.

    Vimos que no texto Formulaes sobre os dois princpios do acontecer psquico

    (1911) que Freud, pela primeira vez, utilizou o termo princpio de prazer. At ento,

    utilizava o termo princpio de desprazer: A tendncia principal a que estes processos

    primrios obedecem fcil de discernir; se define como o princpio de prazer-desprazer

    (Lust-Unlust) (ou, mais brevemente, o princpio de prazer).45No que diz respeito a tais

    processos, estes se esforariam para atingir o prazer, visto que a nossa atividade psquica

    tende a afastar-se de todo e qualquer acontecimento desprazvel.

    44Op. cit.45 Freud, Formulaciones sobre los dos princpios..., AE, XII, p. 224 (SB, XII, p. 278; SE, XII, p. 219; GW,VIII, p. 231).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    38/189

    38

    Vamos entender. O texto de Freud acima citado diferencia, de forma clara, os dois

    processos (j comentados) que atuam no nosso funcionamento psquico, a saber: o processo

    primrio, que surge, em primeiro lugar, caracterizando-se por ser incapaz de suportar a

    ordenao dos desejos ou qualquer tipo de adiamento de satisfao, obedecendo ao

    princpio do prazer; j o processo secundrio, este diz respeito ao desenvolvimento da

    capacidade humana de pensamento, sendo, assim, o agente responsvel pela prudncia e

    pelo adiamento proveitoso da satisfao, obedecendo ao princpio de realidade, ao menos

    durante um perodo. Vamos observar o que Freud nos diz:

    Assim foi introduzido um novo princpio na atividade psquica; j no se

    apresenta o que agradvel e, sim, o real, mesmo que seja desagradvel.

    Este estabelecimento do princpio de realidade mostrou ser um passo

    momentoso.46

    Instituiu-se, com efeito, uma atividade especial que, de tempos em tempos, tinha

    que pesquisar o mundo l fora para reconhecimento dos dados. Freud, nesse momento,

    ressalta o desenvolvimento das funes da ateno e da memria. De acordo com ele, as

    novas exigncias teriam efetuado sucessivas transformaes no aparelho psquico, que no

    teriam ficado muito claras. Acontece que a realidade externa mostra-se de forma bastante

    significativa, elevando, assim, a importncia dos rgos sensoriais e a prpria conscincia a

    eles ligada. As qualidades de prazer e desprazer deveriam ser acrescentadas funo da

    ateno, assessorada por um sistema de notao, que teria que assentar os resultados da

    atividade da conscincia numa parte que conhecemos como memria. Dessa forma, o lugar

    46 Freud, Formulaciones sobre los dos princpios...,AE, XII, p. 224-225 (SB, XII, p. 279; SE, XII, p. 220;GW, VIII, p. 232).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    39/189

    39

    do recalque seria assumido por um julgamento imparcial, que teria que decidir sobre a

    verdade ou falsidade de uma idia, isto , se tal idia condiz ou no com a realidade.

    Vamos seguir o raciocnio de Marcuse e tentar elucidar essa passagem. Freud

    descreve essa mudana como sendo a transformao do princpio de prazer em princpio

    de realidade. Para Marcuse47, a interpretao do aparelho psquico, conforme esses dois

    princpios, se mostra fundamental para a teoria freudiana, posto que permanece da mesma

    maneira, mesmo com todas as modificaes a partir da concepo dualista das pulses.

    Essa transformao corresponderia, em parte, distino entre processos inconscientes e

    processos conscientes. Seria como se o indivduo existisse em duas dimenses distintas

    marcadas por diferentes processos e princpios psquicos. Haveria, entre essas duas

    dimenses, uma distino tanto de ordem histrico-gentica quanto estrutural, onde o

    inconsciente, governado pelo princpio de prazer, compreenderia os mais arcaicos

    processos primrios, restos de um momento de desenvolvimento em que eles foram as

    nicas espcies de processos psquicos. Buscando a todo momento a obteno de prazer, a

    atividade psquica acabaria por retrair-se, evitando qualquer operao que pudesse originar

    sensaes de desprazer ou dor.

    Contudo, acontece que o princpio de prazer, irrestrito, entra em conflito com o

    mundo natural e humano, fazendo com que o indivduo alcance uma compreenso, mesmo

    traumtica, de que uma gratificao total e sem sofrimento de suas necessidades mostra-se

    impossvel. Seria, ento, aps essa experincia de decepo, que um novo princpio de

    funcionamento psquico ganharia ascendncia e notoriedade. Assim, o princpio de

    realidade superaria o princpio de prazer, na medida em que o homem aprenderia a

    renunciar ao prazer efmero, incerto e destrutivo, substituindo-o pelo seu adiamento

    47 Marcuse, Eros e Civilizao, p. 35.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    40/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    41/189

    41

    princpio que rege o nosso funcionamento psquico, trabalha como uma tendncia qual o

    psiquismo adere, sendo que somente na aparncia que o princpio de realidade o suprime.

    1.3 O prazer e seu mecanismo psquico

    Faremos algumas consideraes sobre os conceitos de dor, pulso, prazer e

    desprazer (no necessariamente nessa ordem), para que nos ajudem a melhor compreender

    alguns aspectos da questo do prazer e o seu mecanismo psquico. Para Freud, ao contrrio

    do que pensava a maioria dos filsofos da sua poca, a conscincia no era tida como

    atributo fundamental dos processos psquicos; ela seria apenas uma das funes desses

    processos, encarregando-se de perceber as excitaes que chegam do mundo externo e do

    mundo interno, sendo as do mundo interno as sensaes de prazer e desprazer. Vale

    lembrar novamente que, na concepo freudiana, o desprazer no significa necessariamente

    dor, como nos fazem pensar, por exemplo, os textos platnicos, onde a dor sempre

    correlata ao desprazer. A dor um fenmeno bastante conhecido, porm, na teoria

    freudiana, ela possui uma especificidade conceitual que a faz existir num universo bastante

    preciso, diferenciado do universo do desprazer.

    A dor (Schmerz) aparece como sendo um dos primeiros dados da conceitualizao

    freudiana, estando presente desde o j citado Projeto (1895). No item 6 da primeira parte

    do Projeto, a dor50 definida como irrupo de grandes quantidades51 de energia no

    50 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 186.51 Quanto aos sinais que indicam quantidade (Q e Qn) utilizados por Freud no Projeto..., cito Strachey:Cumpre acrescentar que o prprio Freud, em diversas ocasies, mostra-se incoerente no uso desses sinais,e com suma freqncia escreve a palavra Quantitt por extenso ou apenas abreviada. lgico que o leitorter que encontrar sua prpria soluo para este enigma; ns limitamo-nos a respeitar escrupulosamente omanuscrito, escrevendo Q, Qn ou quantidade. Strachey, James. Introduo do Editor Ingls, in:Freud, AE, I, p. 333 (SB, I, p. 395; SE, I, p. 291; no h paginao correspondente na edio da GW).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    42/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    43/189

    43

    idntica ao desprazer. Toda dor desprazvel, mas nem todo desprazer tem origem na

    vivncia dolorosa, podendo decorrer do acmulo de quantidades endgenas.54

    O problema seria, assim, localizar a origem da quantidade responsvel pelo

    desprazer sentido na lembrana da vivncia ora dolorosa. Nesse sentido, a quantidade

    somente poderia ter uma origem interna na medida em que a quantidade externa foi

    eliminada aps a vivncia dolorosa. Chamamos ateno para o fato de que essa explicao,

    um tanto quanto simplria em relao s fontes, logo encontrou dificuldades para sustentar-

    se, no escapando a Freud este problema. Todavia, o modelo formal que o orientou em suas

    consideraes posteriores sobre a dor continuou carregando a marca dessa primeira

    elaborao.

    No texto Introduo ao narcisismo (1914), Freud avalia a influncia da doena

    orgnica sobre a distribuio da libido levando em conta a sugesto feita verbalmente por

    Sndor Ferenczi, a saber: quando uma pessoa encontra-se atormentada por dor e mal-estar

    orgnico, acaba por perder o interesse pelas coisas do mundo externo, na medida em que

    tais coisas no dizem respeito ao seu sofrimento. Freud vai um pouco mais alm e observa

    que a dor tambm retira o interesse libidinal de seus objetos amorosos. Traduzindo da

    maneira mais simples possvel: enquanto o sujeito sofre, deixa de amar. Em termos de

    teoria da libido, podemos dizer que o homem enfermo retira suas catexias libidinais (leia-se

    investimento de energia) de volta para o seu prprio eu, colocando-as novamente para fora

    ao recuperar-se. Diz Freud:

    54 Gabby Jr.,Notas a projeto de uma psicologia, nota 104, p. 58.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    44/189

    44

    Libido e interesse do ego tm aqui o mesmo destino e se mostram mais

    uma vez indistinguveis entre si. O notrio egosmo do enfermo abrange

    os dois. Se achamos isso to trivial, porque estamos certos de que no

    mesmo caso nos comportaramos do mesmo modo. A perda da

    disposio para amar, por mais intensa que seja, em funo das

    perturbaes corpreas, sua substituio repentina por uma indiferena

    total, tem sido convenientemente aproveitada pelos escritores

    humorsticos.55

    Todavia, no texto A Represso (1915), Freud denomina a dor de pseudo-pulso.56

    Com o intuito de propiciar uma melhor definio ao conceito de recalque, Freud sugere o

    exame de algumas situaes pulsionais. Diz que pode acontecer que um estmulo externo

    possa vir a ser internalizado, fazendo surgir uma nova fonte de excitao constante e de

    aumento de tenso. Sendo assim, o estmulo vai adquirir uma semelhana de longo alcance

    com uma pulso, sendo, por ns, experimentado como dor; a finalidade desta pseudo-

    pulso consistiria, segundo Freud, na cessao da mudana do rgo e do desprazer que

    lhe concomitante. Quanto aos seus propsitos, Freud achava que o caso da dor era

    demasiadamente obscuro para lhe servir de apoio naquele momento. Nada da natureza do

    recalque, nem sequer remotamente, parecia estar em questo.

    Mas a partir de Alm do princpio de prazer(1920) que vamos poder pensar a

    pulso como um impulso, inerente vida orgnica, que visa a restaurar um estado anterior

    de coisas; a pulso seria uma espcie de elasticidade orgnica, quer dizer, (...) a

    55 Freud, Introduccin del narcisismo (1914), AE, XIV, p. 79-80 (SB, XIV, p. 98-99; SE, XIV, p. 82; GW,X, p. 148).56 Freud, La represin (1915) AE, XIV, p. 141 (SB, XIV, p. 169; SE, XIV, p. 146; GW, X, p. 248).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    45/189

    45

    exteriorizao da inrcia na vida orgnica.57 Para Freud, essa viso das pulses nos

    impressiona como estranha, visto que nos acostumamos a perceber nelas um fator que

    impele, impulsiona a mudana e o desenvolvimento, ao mesmo tempo em que nos solicitam

    o reconhecimento do exato oposto, ou seja, uma expresso da natureza conservadora da

    substncia viva. Isso significa que o termo pulso aponta para um processo dinmico, que

    tem a sua fonte numa excitao corporal que impele o organismo para uma meta com o fim

    ltimo de suprimir o estado de tenso atravs de uma descarga excitatria.

    No entanto, nada nos impede de pensar que os conceitos sejam criados com a

    finalidade de constituir uma nova inteligibilidade; evidentemente, o conceito de pulso

    no nasceu pronto, definido. Sua falta de transparncia, inicialmente, foi a marca da sua

    novidade, quando comparado aos conceitos existentes. A construo de um conceito como

    esse implicou idas e vindas, desvios, atalhos e o estabelecimento de diversos vnculos. E

    tudo isso sem que Freud soubesse, ao certo, aonde chegaria. Esta, talvez, tenha sido a razo

    pela qual, muitos anos depois de ter proposto o conceito de pulso j antecipado no

    Projeto, quando Freud discorre acerca dos estmulos endgenos, que seriam seus

    precursores58 -, ele tenha declarado que A doutrina das pulses a pea mais importante,

    mas tambm a mais inconclusa, da teoria psicanaltica.59 Novas contribuies vieram

    com os trabalhos posteriores, principalmente com Alm do princpio de prazer(1920) e O

    ego e o id(1923)60.

    57 Freud, Mas all del principio del placer, AE, XVIII, p. 36 (SB, XVIII, p. 54; SE, XVIII, p. 36; GW, XIII,p. 38).58 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 176.59 Freud, Tres ensayos de teora sexual, AE, VII, p. 153, n. 50, acrescentada em 1924 (SB, VII, p. 158, n. 1,idem; SE, VII, p. 153, n., idem; GW, V, p. 67, n., idem).60 Freud, El yo y el ello (1923), AE, XIX (SB, XIX, SE, XIX, GW, XIII).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    46/189

    46

    Vimos que a noo de pulso se encontra presente desde o Projeto. Teria sido, de

    acordo com M Aparecida Montenegro61, atravs do termo Triebfelder, traduzido por mola

    pulsional, que Freud teria designado o efeito provocado por estmulos endgenos

    produzidos pela necessidade da vida. Lembra tambm a autora que essa noo aparece

    como uma espcie de pressuposto necessrio na primeira edio dos Trs ensaios de teoria

    sexual (1905), levando em conta que Freud havia dedicado esta obra s peculiaridades das

    pulses sexuais. Entretanto, o primeiro momento em que essa teoria aparece de maneira

    explcita somente aconteceria cinco anos depois do referido ensaio, num artigo chamado A

    perturbao psicognica da viso segundo a psicanlise (1910), onde Freud diz o seguinte:

    (...) constatamos que cada pulso busca impor-se animando as

    representaes adequadas a sua meta. Essas pulses nem sempre so

    conciliveis entre si; amide entram em conflito os seus interesses; e as

    oposies entre as representaes no so seno a expresso das lutas

    entre as pulses singulares. De particular valor para nosso ensaio

    explicativo a inequvoca oposio entre as pulses que servem

    sexualidade, ganncia de prazer sexual e aquelas outras que tm como

    meta a autoconservao do indivduo as pulses egicas.62

    Seria na trigsima-segunda conferncia das suas Novas conferncias introdutrias

    sobre psicanlise [1933 (1932)] que Freud iria admitir que a teoria das pulses constituiria

    61 Montenegro, M Aparecida. Pulso de morte e racionalidade no pensamento freudiano. Fortaleza: Ed.UFC, 2002, p. 227.62 Freud, La perturbacin psicgena de la visin segn el psicoanlisis (1910), AE, XI, p. 211 (SB, XI, p.199; SE, XI, p. 213; GW, VIII, p. 96).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    47/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    48/189

    48

    termo Trieb, reservandoInstinktpara designar os comportamentos animais. Vale ressaltar o

    carter eminentemente parcial da pulso, marcado por uma fonte pulsional (oral, anal etc.) e

    por um alvo (a resoluo de uma tenso interna), como sendo o elemento central de tal

    concepo. Por meio da formulao da parcialidade da pulso, Freud indicou o erro

    inerente ao fato de restringir-se sexualidade humana apenas o aspecto da reproduo.

    Ainda no contexto da traduo, podemos asseverar que Trieb apresenta-se como

    sendo um dos conceitos principais da psicanlise. O tradutor Paulo Csar de Souza observa,

    no seu interessante livro As palavras de Freud65, que na traduo desse termo que as

    edies inglesa e francesa divergem diametralmente, chegando mesmo a constituir duas

    linhas tericas absolutamente distintas. Muitos crticos acham desastrosa a opo feita por

    James Strachey (tradutor oficial da edio das obras de Freud em lngua inglesa), visto

    que traduzir Trieb por instinctimplicaria numa inadmissvel biologizao da psicanlise.

    A maioria dos crticos de lngua inglesa, segundo Souza, achava que drive seria uma

    escolha mais sensata. Strachey rebate a crtica afirmando que a palavra drive no utilizada

    na lngua inglesa e que os seus crticos se deixaram influenciar pela familiaridade dos

    mesmos com a lngua alem, visto que Trieb e drive possuem a mesma origem. Entretanto,

    vamos deixar essa questo para os especialistas e retomemos o nosso texto, onde,

    evidentemente, continuaremos a utilizar a palavra pulso, ao invs de instinto.

    Retornando questo da dor, vimos que ela experimentada quando um estmulo

    externo internalizado, fazendo surgir uma nova fonte de excitao contnua e de aumento

    de tenso. Dessa forma, o estmulo adquire uma notvel semelhana com uma pulso. A

    meta desta pseudo-pulso seria, como vimos, a cessao da alterao do rgo (parte de

    65 Souza, Paulo Csar de.As palavras de Freud. So Paulo: tica, 1999, p. 243-244.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    49/189

    49

    um corpo lesado, por exemplo) e do desprazer que lhe concomitante. Diz Freud: Outro

    prazer, um prazer direto, no se pode ganhar com a cessao da dor. A dor tambm

    imperativa; pode ser vencida exclusivamente pela ao de uma droga ou pela influncia de

    uma distrao psquica.66Ou seja, estes seriam os nicos meios atravs dos quais a dor

    poderia ceder. Na dor, de acordo com Freud, somente se tem em vista a sua cessao; j a

    eliminao do desprazer sentida pelo sujeito como prazer.

    Seguindo esse raciocnio, teremos como condio bsica para que ocorra a dor

    fsica, a ruptura de um escudo protetor e o afluxo de excitao. Acontece que sempre

    haver uma mobilizao de um outro conjunto de energia que o aparelho psquico tem sua

    disposio, cuja finalidade opor-se energia invasora. A proteo contra essa energia

    seria, ento, para os organismos vivos, uma funo to importante quanto a recepo dessa

    mesma energia. Para que isso possa acontecer, o escudo protetor tem que ser munido com o

    seu prprio estoque de energia, devendo esforar-se por preservar os seus modos

    especficos de transformao dessa energia que nele opera, contra a ameaa de enormes

    quantidades de estmulos vindos do mundo externo. Diz o autor vienense que a situao do

    aparelho psquico, entre o interior e o exterior, alm da diferena entre as condies que

    comandam a recepo de excitao nos dois casos (vindas do interior e do exterior), teria

    um efeito decisivo sobre o funcionamento de todo aparelho psquico:

    No sentido do exterior h uma proteo anti-estmulo, e as quantidades

    de excitao incidem apenas em escala reduzida; no sentido do interior,

    no possvel haver esse escudo, e as excitaes das camadas mais

    66 Freud, La represin, AE, XIV, p. 141 (SB, XIV, p. 169; SE, XIV, p. 146; GW, X, p. 248).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    50/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    51/189

    51

    o princpio de prazer substitudo pelo princpio de realidade, que no abandona a inteno

    fundamental de obter prazer, apenas exige e efetua o adiamento da satisfao, o abandono

    de uma srie de possibilidades de obt-la, tolerando temporariamente o desprazer como

    sendo uma etapa no longo e tortuoso percurso para o prazer. Todavia, o princpio de prazer

    continua sendo, por muito tempo, o mtodo de funcionamento empregado pelas pulses

    sexuais, estas bastante difceis de serem educadas, mas que, com freqncia, conseguem

    vencer o princpio de realidade. Freud70 chega concluso de que a substituio do

    princpio de prazer pelo princpio de realidade vai responsabilizar-se, apenas, por um

    pequeno nmero das nossas experincias desagradveis.

    Freud identificou o princpio de prazer-desprazer com o princpio de Nirvana

    (supostamente idntico ao princpio de prazer), que estaria completamente a servio da

    pulso de morte. Sua meta seria conduzir a inquietude da vida para o equilbrio do estado

    anorgnico, tendo como funo estabelecer um alerta contra as exigncias das pulses de

    vida (a libido), que procuram perturbar o ciclo pretendido pela vida. No texto O problema

    econmico do masoquismo (1924)71, Freud nos diz que essa concepo no mais se

    sustenta, que no pode mais ser considerada correta. J havia ele registrado o aumento e a

    diminuio das quantidades de estmulo dentro de uma srie de sentimentos de tenso, no

    se podendo mais duvidar, portanto, que existam tenses prazerosas e relaxamentos de

    tenso desprazerosos; podemos tomar, como sendo o exemplo mais notvel de aumento

    prazeroso de estmulo/tenso, o estado de excitao sexual.

    70 Freud, Mas all del principio del placer, AE, XVIII, p. 10 (SB, XVIII, p. 21; SE, XVIII, p. 11; GW, XIII,p. 7).71 Freud, El problema econmico del masoquismo, AE, XIX, p. 165 (SB, XIX, p. 199; SE, XIX, p. 159;GW, XIII, p. 371).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    52/189

    52

    Contudo, prazer e desprazer no podem ser referidos simplesmente a um aumento

    ou a uma diminuio de uma quantidade (tambm chamada tenso de estmulo), embora

    muito tenham a ver com esse fator. Eles dependem tambm de uma outra caracterstica, que

    s pode ser classificada de qualitativa e no apenas quantitativa: Estaramos muito mais

    avanados em psicologia se pudssemos indicar esse carter qualitativo.72

    Levando em conta a hiptese freudiana, o princpio do Nirvana, pertencente

    pulso de morte, experimentou no ser vivo uma modificao atravs da qual se tornou

    princpio de prazer. Apesar do princpio do Nirvana apresentar-se como tendncia que

    encontra expresso no princpio de prazer, deveramos evitar encarar os dois princpios

    como sendo um s. Podemos pensar que a modificao experimentada pelos seres vivos ao

    longo dos tempos deu-se atravs da fora que tem a pulso de vida (a libido) que, desse

    modo, conquistou um lugar ao lado da pulso de morte, na regulagem dos processos vitais.

    Observemos, ento, uma pequena porm interessante srie de vinculaes: o

    princpio de Nirvana expressa a tendncia da pulso de morte; o princpio de prazer

    representa as exigncias da libido; sua modificao, o princpio de realidade, representa a

    influncia do mundo exterior. Entretanto, nenhum desses trs princpios colocado fora de

    ao pelo outro. Geralmente, conseguem entrar em acordo, embora em algumas ocasies

    seja inevitvel um conflito, uma vez que objetivos distintos so estabelecidos para cada um.

    Vale salientar, novamente, o que disse Monzani a respeito da lio que Freud nos

    ensinou: (...) no perseguimos o prazer, fugimos do desprazer. O desprazer o grande

    motor que aciona e desenvolve o aparelho psquico(...)73. Sem recusar, claro, o ttulo de

    72 Freud, El problema econmico del masoquismo, AE, XIX, p. 166 (SB, XIX, p. 200; SE, XIX, p. 160;GW, XIII, p. 372).73 Monzani, Freud, o movimento de um pensamento, p. 190.

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    53/189

    53

    guardio da vida ao princpio de prazer. Freud, por sua vez, percebe uma dimenso do

    prazer que inassimilvel dentro dos seus quadros tericos, chegando concluso que, por

    mais voltas que se d, (...) sempre essa estranha aliana entre o prazer e a negatividade

    que acabamos por encontrar.74

    1.4 O mecanismo do prazer no Witz

    Para Freud75, a tcnica e o propsito dos chistes seriam, no fundo, as suas duas

    fontes de prazer. O importante, todavia, seria descrever o modo pelo qual o prazer procede

    de tais fontes, ressaltando o mecanismo do efeito de prazer nos chistes. tomando como

    exemplo os chistes tendenciosos que Freud inicia sua explicao. Nestes casos, o prazer

    seria o resultado da satisfao de um propsito que, de outra maneira, no poderia ser

    levado a efeito. Vejamos o exemplo fornecido pelo prprio Freud:

    Um Serenssimo fazia uma viagem pelas suas provncias, e entre a

    multido repara um homem bastante parecido com a sua prpria nobre

    pessoa. Chama-o para perguntar-lhe: Sua me esteve alguma vez

    servio do palcio? No, Alteza respondeu o homem ; foi meu

    pai.76

    Nesse caso, ope-se satisfao do propsito um obstculo externo que

    contornado pelo chiste (a resposta dada pelo homem em meio multido); o propsito seria

    74Op. cit., p. 218.75 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 113 (SB, VIII, p. 139; SE, VIII, p. 117; GW, VI, p. 131).76 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 66 (SB, VIII, p. 86; SE, VIII, p. 69; GW, VI, p. 73).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    54/189

    54

    o de responder a um insulto com outro. Explica Freud que os fatores opostos ao propsito

    so puramente externos no caso, a posio de poder, a quem os insultos dirigiam-se. O

    que surpreende, porm, que esses, alm de outros chistes anlogos, embora possam nos

    satisfazer, no so capazes de provocar um forte efeito de riso.

    De outra maneira, quando o fator que se antepe realizao direta do propsito

    no um obstculo externo, e sim, interno, porque esse impulso interno contrape-se ao

    propsito. No referido caso, com o auxlio de um chiste, a resistncia interna acaba sendo

    vencida e a inibio, suspensa. Como no caso do obstculo externo, a satisfao do

    propsito possibilitada, evitando-se a supresso77

    e o conseqente acmulo de tenso que

    esta envolveria. At aqui, o mecanismo de desenvolvimento do prazer seria o mesmo para

    ambos os casos, embora Freud suspeitasse que, ao remover-se um obstculo interno, o

    ganho de prazer fosse um pouco maior: Os casos de obstculo externo e interno s

    distinguem-se quando, no ltimo, seja suspensa uma inibio preexistente, e no outro evite-

    se o estabelecimento de uma nova.78Percebemos, assim, que nos dois casos de emprego

    do chiste tendencioso possvel obter-se prazer, sendo natural supor que esse ganho de

    prazer corresponda despesa psquica que economizada.

    Para que possamos tentar uma aproximao maior com a natureza essencial dos

    chistes, busquemos entender o que pode vir a ser essa economia da despesa psquica,

    mesmo que de uma forma um tanto quanto breve. Notemos como as crianas, acostumadas

    a lidar com as palavras como coisas, possuem uma tendncia a esperar que palavras iguais

    ou parecidas possuam o mesmo sentido (fonte de equvocos que muitas vezes provoca o

    77 Dentre as vrias formas de supresso interna (ou inibio) temos a represso como sendo a maisabrangente de todas. A represso reconhecida por sua funo de impedir que os impulsos sujeitos inibio e seus derivados tornem-se conscientes. Ver Freud, El chiste, AE, VIII, p. 128-9 (SB, VIII, p.157; SE, VIII, p. 134; GW, VI, p. 150).78 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 114 (SB, VIII, p. 140; SE, VIII, p. 118; GW, VI, p. 132).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    55/189

    55

    riso do adulto). Se extrairmos alguma satisfao dos chistes ao remetermo-nos de um

    crculo de idias para outro, por vezes remoto, por meio da utilizao de palavras idnticas

    ou parecidas, esta satisfao deve, certamente, ser atribuda economia na despesa

    psquica. Para Freud, o prazer resultante de um chiste que emerge de um tal curto circuito

    parece ser maior na medida em que os dois crculos de idias, conectados pela mesma

    palavra, sejam diferentes: (...).quanto mais distante estiverem, maior ser a economia que o

    mtodo tcnico do chiste fornecer ao curso do pensamento.79Nota-se aqui que o mtodo

    de conexo das coisas utilizado pelos chistes especialmente evitado e rejeitado pelo

    pensamento considerado srio.

    Freud chama ateno para o fato de que a economia na despesa, que diz respeito

    inibio ou supresso, parece ser o segredo do efeito de prazer nos chistes tendenciosos,

    tambm transmitidos ao mecanismo dos chistes inocentes. A concluso a que ele chega

    que as prprias tcnicas dos chistes constituem fontes de prazer que provavelmente nos

    remetem economia da despesa psquica. Embora estejamos, no momento, a nos referir

    especificamente aos chistes verbais (Wortwitze), recordamos que as duas fontes de prazer

    dos chistes, tanto verbais quanto conceituais (Gedankenwitze), encontram-se nos seus

    propsitos e nas suas tcnicas.

    Como vimos, Freud fora levado a concluir que as prprias tcnicas dos chistes

    constituem fontes de prazer. Supondo esta produo de prazer anloga despesa psquica

    que economizada, haver sempre um ganho de prazer quando se produz um chiste, seja

    ele verbal ou conceitual, prazer este atribudo acertadamente referida economia: (...) no

    nos podem impedir que derivemos o prazer ora sentido da economia da despesa psquica,

    79 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 116 (SB, VIII, p. 142; SE, VIII, p. 120; GW, VI, p. 135).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    56/189

    56

    desde que esse ponto de vista demonstre ser frutfero para o esclarecimento de detalhes e

    para obter novas generalizaes.80

    Podemos, ento, afirmar que o prazer de um chiste vai sempre emergir de um

    curto-circuito que normalmente se d quando diferentes pensamentos ou palavras so

    conectados entre si, criando-se um abismo entre eles, devido a uma aparente falta de

    sentido. Quanto maior for o abismo, maior ser a economia que o mtodo tcnico do chiste

    fornecer ao curso do pensamento. Tentaremos ser mais claros abordando os chistes

    sofsticos ou conceituais, uma vez que, nestes casos, torna-se particularmente mais

    fcil fazer-se entender a teoria da economia ou do alvio da despesa psquica, tendo como

    base as principais tcnicas utilizadas pelos mesmos. Freud as denomina: raciocnio falho,

    deslocamento, absurdo e representao pelo oposto.

    Freud no tinha dvidas de que fosse mais fcil e mais conveniente divergir de uma

    linha de pensamento empreendida do que mant-la, tanto quanto confundir coisas diferentes

    do que contrast-las. O que a tcnica de tais chistes faz , justamente, admitir como vlidos

    os mtodos de inferncia (que so rejeitados pela lgica formal), agrupando palavras ou

    pensamentos sem respeitar a condio de que faam sentido. Contudo, provoca-nos

    estranheza que um tal procedimento fornea ao chiste uma fonte de prazer, haja vista que

    somente no caso dos chistes, qualquer funcionamento intelectual deficiente pode nos fazer

    experimentar desagradveis sentimentos defensivos.

    Esse prazer ao qual fazemos referncia, que Freud designa como prazer no nonsense

    (no-sentido), encoberto na vida a srio at o seu desaparecimento. Para demonstr-lo,

    pensemos, por exemplo, no comportamento de uma criana durante a fase de aprendizagem

    80 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 119 (SB, VIII, p. 147; SE, VIII, p. 124; GW, VI, p. 139).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    57/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    58/189

    58

    esto aprendendo a utilizar as palavras e a elaborar pensamentos, motivados por certos

    efeitos gratificantes de economia, seria, ento, o primeiro estgio dos chistes. Passado

    algum tempo, O fortalecimento de um fator que merece ser designado como crtica ou

    racionalidade pe fim a esse jogo. Agora este desprezado por carecer de sentido ou por

    ser um absurdo; torna-se impossvel em conseqncia da crtica.82

    Toda a engenhosidade da elaborao do chiste trazida tona para que as

    combinaes sem sentido de palavras ou as absurdas reunies de pensamentos devam ter

    um sentido. Deve-se, portanto, prolongar o prazer que resulta do jogo, silenciando as

    objees levantadas pela crtica, para que possa emergir um sentimento gratificante. O que

    fora descrito como tcnica dos chistes so, nada mais nada menos, as fontes a partir das

    quais os chistes fornecem prazer. A tcnica peculiar e exclusiva deles consiste, todavia,

    num procedimento para assegurar o emprego de recursos que produzam prazer contra o

    veto da crtica, crtica esta que anularia o prazer. Como disse Freud, o trabalho do chiste

    revela-se a partir da seleo de um material verbal e de situaes conceituais tais que o

    antigo jogo com palavras e pensamentos possa passar no exame da crtica: (...) e para este

    fim exploram-se com a mxima habilidade todas as peculiaridades do vocabulrio e todas

    as combinaes de seqncias de pensamento.83

    Contudo, o propsito e a funo dos chistes, isto , a proteo em relao crtica

    dessas seqncias de palavras e pensamentos podem ser percebidos nos gracejos (que, de

    certa forma, podem ser considerados como um estgio preliminar dos chistes) como trao

    principal destes. Desde logo sua funo consistir em suspender as inibies internas e

    reabrir fontes de prazer que haviam sido tornadas inacessveis por tais inibies. Em

    82 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 123-4 (SB, VIII, p. 151; SE, VIII, p. 128; GW, VI, p. 144).83 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 125 (SB, VIII, p. 153; SE, VIII, p. 130; GW, VI, p. 146).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    59/189

    59

    relao aos gracejos, estes visam, geralmente, proporcionar prazer, sendo que, para que isto

    ocorra, basta que seu enunciado no seja um nonsense nem aparea completamente

    insustentvel, quer dizer, esvaziado de substncia. Quando esse enunciado possui valor e

    substncia, o gracejo transforma-se em chiste. Estritamente falando, somente os gracejos

    no so tendenciosos, ou seja, servem exclusivamente ao propsito de produzir prazer84.

    Quanto ao poder dos chistes, este consistir justamente na produo de prazer

    extrado das fontes do jogo com palavras e pensamentos, e do nonsense, liberado a partir

    dos jogos com o pensamento. A razo, o juzo crtico e a represso seriam as foras contra

    as quais, sucessivamente, luta-se para a obteno de prazer. E quanto ao prazer produzido,

    seja prazer no jogo ou na suspenso das inibies: (...) em todos os casos podemos deriv-

    lo da economia da despesa psquica, sempre que esta concepo no contradiga a essncia

    do prazer e demonstre-se fecunda tambm em outros aspectos.85

    84 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 127 (SB, VIII, p. 155; SE, VIII, p. 132; GW, VI, p. 148).85 Freud, El chiste,AE, VIII, p. 132 (SB, VIII, p. 161; SE, VIII, p. 167; GW, VI, p. 191).

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    60/189

  • 8/6/2019 Fernandes,Sergioaugustofranco[1] Witz, Significante e Significado

    61/189

    61

    Captulo 2

    O significante lacaniano e suas relaes com o Witz freudiano

    Aps um percurso permeado de articulaes acerca do conceito de prazer na obra

    de Freud e, conseqentemente, com a percepo da sua importncia no que diz respeito,

    dentre outras coisas, economia psquica do sujeito, vamos, neste captulo, buscar

    compreender a dimenso do conceito de significante na teoria de Lacan e a sua

    articulao com o Witz freudiano, tomado, do ponto de vista do psicanalista francs, como

    modelo maior de toda formao do inconsciente. Gostaramos de deixar claro que no

    temos a pretenso, de forma alguma, de exaurir a questo do significante lacaniano, mas,

    sim, de trazer tona alguns aspectos que nos possibilitem uma melhor compreenso sobre

    o significante e suas relaes com o Witz.

    Como se pode n