Espinosa e a expresso: De Espinosa a Deleuze
EXPRESSODeleuze em Espinosa, Espinosa em DeleuzeDaniel Lins
Editora Forense, Rio de Janeiro 1 edio - 2007
Primeira parte: Expresso
1. A expresso da substncia1.1 Atributos1.2 Distino numrica e
distino real2. Trade da expresso e absolutamente infinito2.1 Trade
da expresso: Atributo/ Essncia/ Substncia2.2 O Absolutamente
infinito3. Potncia4. Expresso e produo4.1 Por que produo?4.2 As
duas potncias4.3 Ordem da produo4.4 Passagem do finito ao
infinito4.5.A essncia do modo4.6 A existncia de modo4.7 As duas
trades da expresso do modo finito5. Essncia de modo Relao Partes
extensivas6. Essncia Poder de ser, afetado afeces7. A expresso de
Espinosa7.1 A prtica da escrita. 7.2 Espinosa estilista8. Leitura
da tica por Malamud8.1 Duas e trs ticas8.2 Como funciona a expresso
de Espinosa9. O signo a forma de expresso do primeiro gnero do
conhecimento9.1 Que uma noo?9.2 Que uma essncia?9.3 O mtodo de
exposio exige completude e saturao
Segunda parte: A imanncia uma vida...
1. Conceito: uma noo espacial em Deleuze1.1 Espinosa, personagem
conceitual1.2 Espinosa/Deleuze: personagem com personagem2.
Expresso e imanncia3. A filosofia como imanncia Que a imanncia?a)
Participaob) Emanaoc) A dupla estrutura: complicare/explicare4. Por
uma filosofia da imanncia5. Deleuze em Espinosa, Espinosa em
Deleuze O pensamento do fora: um pensamento do espao5.1 Para uma
free filosofia. Deleuze: DJ? Dentro/Fora6. O meio-mangue:
homens/caranguejos Dentro/Fora II6.1 Tentar compreender Espinosa
pelo meio
Deleuze em Espinosa, Espinosa em DeleuzeDaniel Lins
PRIMEIRA PARTE: EXPRESSO
A expresso de Espinosa em Deleuze , sobremaneira, a expresso em
Espinosa. Deleuze afirma em diversas passagens de sua obra
mormente, em O que a Filosofia? que a histria da filosofia no
consiste em repetir aquilo que o filsofo diz, mas em produzir a
semelhana. Que significa produzir a semelhana? Deixar aparecer a
semelhana, criar a semelhana. A histria da filosofia comparvel arte
do retrato. No se trata de "fazer parecido", isto , de repetir o
que o filsofo disse, mas de produzir a semelhana, desnudando ao
mesmo tempo o plano de imanncia que ele instaurou e os novos
conceitos que criou. So retratos mentais noticos, maqunicos.
H uma diferena entre repetir e produzir. Ou melhor, cabe pensar
uma repetio que seja produtora e no reprodutora, intrprete, no
sentido quase musical da palavra, e no comentadora. Neste sentido,
o intrprete o oposto de um comentarista: os prprios termos que os
designa os separa, a saber: Aquilo que distingue o com do
comentador e o inter do intrprete. O primeiro oferece nas margens
reputadas virgens um produto de acompanhamento, algo, diramos
vulgarmente, que combina: este suplemento de informao ou de
explicao que, no limite do texto, nas suas margens, se une sem se
tocar, sem realmente se misturar, mais ainda, sem transform-lo ou
alter-lo. [footnoteRef:2]1 [2: MACHEREY, Pierre. Avec Spinoza
Etudes sur la doctrine et lhistoire du spinozisme. Paris: PUF,
coleo Philosophes daujourdhui, 1992, p. 12-13 ]
Dito de outro modo, o comentador volta ao texto, pois ele
pretende deix-lo tal qual o encontrou; enquanto que o intrprete vai
adiante, conduz o texto ora para as margens, ora para o meio, ora
para o fora ou o dentro, numa escrita-experimento, sem dualidades,
todavia, com o rigor necessrio prprio interpretao como musicalidade
cuja potncia criativa exige uma espcie de ascese do texto, fazendo
de sua leitura um ato inovador, livre, em relao s imposies
exteriores mais do que uma manipulao ou uma reproduo reputada
conforme. [footnoteRef:3]2 [3: Idem. p. 13]
O segundo termo, o intrprete, como seu nome indica, se mantm no
corao de um texto vivo, passando no meio da pgina, trabalhando o
texto, um aps o outro, propondo-lhe uma forma de substituio: ele o
decifra, o executa, o realiza, o atualiza, d essa apresentao que se
efetua to-somente no presente. [footnoteRef:4]3 [4: Id. Ibid. ]
Ao passado, memria do sentido deformado em significante, s
npcias seladas com o texto pelo comentador, ignorando as obrigaes s
quais uma vulgata julga, de antemo, determinada, o interprete ope
um presente em ato da letra: () lemos um texto como se fosse
indito, como se acabasse de ser produzido. [footnoteRef:5]4 [5:
Idem. p. 14]
Como, todavia, saber reconhecer a boa interpretao? () a autntica
interpretao justamente aquela que abandonou as pretenses abusivas
de sentido, apreenses que fazem do prprio sentido o objeto de um
dom e no o resultado de um trabalho, com os obstculos e os riscos
que deve enfrentar para conseguir. [footnoteRef:6]5 [6: Id.
Ibid.]
A histria da filosofia, como Deleuze a concebe, produo. talvez
em razo desta especificidade que Espinosa presta-se a historia da
filosofia. Com efeito, a expresso produtora: A expresso no em si
uma produo, mas torna-se, em seu segundo nvel, quando por sua vez,
o atributo que se exprime. [footnoteRef:7]6 Expresso e produo esto
vinculadas; a expresso traz consigo a produo. Podemos avanar a
hiptese de que o livro de Deleuze produzir por causa disso, mais
necessariamente, a semelhana prpria verdadeira histria da
filosofia. De fato, para Deleuze, a expresso tem uma importncia, um
papel a desempenhar na filosofia de Espinosa. A expresso faz
funcionar a filosofia. [7: DELEUZE, Gilles. Spinoza et le problme
de lexpression. Paris: Minuit, 1968, p. 10]
Que a expresso? Ao pela qual se espreme o suco de uma planta,
uma fruta, ou de certas coisas pela presso; apertar com fora,
espremer, retratar, exprimir, dizer, expor, anunciar claramente. A
expresso a manifestao do pensamento por meio da palavra, pelo gesto
ou pela caneta. o modo como o rosto, a voz e/ou o gesto denotam um
estado moral, emocional; a expresso vivacidade, animao, energia.
[footnoteRef:8]* [8: Cf. Littr e Houaiss]
A expresso uma ao, a ao de exprimir. No obstante, tudo ou quase
tudo susceptvel de ser expresso. Podemos emitir reservas e dvidas a
respeito de um modo de exprimir uma coisa (um humor, uma idia), mas
o que certo que a expresso abrange domnios to diversos como a
pintura, a msica ou as matemticas. A expresso tambm um termo
empregado em psicologia. Deleuze faz dele um conceito operador na
filosofia de Espinosa. Ora, o conceito que permite entrar em
Espinosa, falar com Espinosa ou conviver com ele em seu meio ,
segundo Deleuze, a expresso. A fora e a particularidade de Deleuze
atingem aqui seu pice: Com feito, a singularidade da leitura que
Deleuze fez de Espinosa, singularidade que lhe permitiu se
reencontrar em Espinosa, porque ela igualmente a singularidade de
Espinosa; contudo, o conceito que a leitura de Deleuze privilegiou
no se encontra em nenhuma parte explicitamente formulada ou
tematizada. [footnoteRef:9]7 [9: MACHEREY. Idem. p. 241]
No por acaso que Deleuze afirma tanto no comeo como no fim de
seu livro Espinosa e o problema da expresso : A idia de expresso em
Espinosa no nem objeto de definio nem de demonstrao.
[footnoteRef:10]8 H, pois, uma ausncia de conceito na idia central
dessa filosofia. No obstante, imperceptvel, pura virtualidade em
devir, o conceito de expresso em Espinosa o conceito de expresso em
Deleuze, no ausncia de conceito, mas multiplicidade de conceitos,
no o uno, porm, o mltiplo alheio a uma estrutura rgida, a uma
doutrina, cara aos historiadores da filosofia: A idia de expresso
no figura como tal no texto de Espinosa, no sentido em que o termo
substantivo, que poderia designar quele de expresso, nunca
utilizado, nem com mais razo refletido. A filosofia de Espinosa no
desenvolve uma teoria da expresso, mas uma filosofia prtica da
expresso: em outras palavras, ela exprime. [footnoteRef:11]9 [10:
DELEUZE. Idem. p. 15 e 304] [11: MACHEREY. Idem. p. 242]
Cabe aqui observar de que modo o conceito de expresso, ausente
na obra de Espinosa, se encontra sob uma forma que, sem ser a de um
conceito objetivado, remete ao fato mesmo de conceitualizar. Essa
forma a do verbo exprimere.[footnoteRef:12]10 A este respeito, o
Lexicon spinozanum de Giancotti, considerado um dos melhores
estudos da terminologia espinosana hoje existente
[footnoteRef:13]11, recenseou s na tica, cerca de trinta ocorrncias
cuja primeira, tica I, definio VI, aponta o diapaso de todas as
outras: Por Deus entendo as afeces da substncia, isto , uma
substncia que consta de infinitos atributos, cada um dos quais
exprime uma essncia eterna e infinita.[footnoteRef:14]12 [12: 0 Id.
Ibid. ] [13: 1 GIACOTTI, Emilia. Lexicon spinozanum Haia, 1970:
Editora Nijhoff.] [14: 2 TICA. Demonstrao maneira dos gemetras.
Traduo e notas de Joaquim de Carvalho. Os Pensadores. So Paulo:
Abril, 1973, p. 84]
Essa expresso conduzir Deleuze, como veremos posteriormente, ao
princpio daquilo que ele nomeia trade da expresso: a questo da
expresso em Espinosa, isto , a idia que problematiza todo seu
pensamento, indissocivel do fato de que a expresso no por ele
refletida, salvo mediante um termo substantivo, um nome, a saber,
expressio, devendo permanecer efetivamente impronuncivel, mas em um
verbo. [footnoteRef:15]13 [15: 3 MACHEREY. Idem. p. 243]
Marcherey mostra como a ordem da expresso no corresponde a um
sistema congelado em sua inrcia, como seus nomes a designam,
todavia, a natureza enquanto ela se efetua na medida em que se
realiza em ato, e assim mesmo se faz entender no ato que a realiza.
Visto do interior dessa expresso, a filosofia de Espinosa se
apresenta como uma filosofia atual da atualidade: eis porque em
todos os domnios ela denega noo de virtualidade uma significao
racional; compreende-se tambm que ela seja uma filosofia da
expresso pura, de uma expresso que no requer para se efetuar a
mediao de signos: de fato isto que distingue o estatuto da expresso
em Leibniz e em Espinosa, pois, procurar-se- em vo em Espinosa
traos de uma caracterstica universal. [footnoteRef:16]14 [16: 4 Id.
Ibid. ]
No primeiro contato, essa diversidade dos domnios e significaes
da expresso faz prova de grande clareza e preciso. Se tudo, ou
quase tudo, se exprime, como reconhecer a especificidade da
expresso. Se a expresso est em todos os lugares, pode-se suspeitar
que ela no esteja em nenhum lugar. Como afirma Montaigne: Sem
objetivo preciso, a alma que se tresmalha, pois como se diz, no
estar em nenhum lugar, estar em toda parte". Quiquis ubique
habitat, Maxime, nusquam habitat.[footnoteRef:17]15 [17: 5
MONTAIGNE, Michel de. Essais. Paris: Editions Garnier Frres, 1962,
Tomo I, livro I, Captulo VIII, p. 29; cf. Montaigne. Ensaios.
Traduo e notas lingstica e interpretativas de Srgio Milliet
Ediouro/ 11848, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint S.A., 1985, p.
86]
Poderamos, evidentemente, fazer um estudo experimental da
expresso do pintor, do matemtico, do poeta, e esperar recolher
assim critrios mais precisos sobre o que a expresso. Contudo,
tememos que tal abordagem seja fastidiosa e no nos aporte,
finalmente, grande coisa. Com efeito, a expresso uma ao, essa
expresso como ato o contrrio de uma representao. Espinosa recusou a
concepo representativa da idia situada no corao do pensamento
cartesiano: Ao substituir a trade da expresso por aquilo que
Foucault chamou em As palavras e as coisas o redobramento da
representao, que pressupe a relao puramente reflexiva do
representante com o representado, Espinosa teria, pois compreendido
e explicado a expresso em termos de constituio e produo, isto ,
dinamicamente. [footnoteRef:18]16 [18: 6 MACHEREY. Id. Ibid.]
No seria, talvez intil, todavia, procurar qualificar a expresso,
visto que ela est sempre em movimento? o que mostra em todo caso,
Francis Ponge em La rage de lexpression: Que meu trabalho seja o de
uma retificao contnua de minha expresso a favor do objeto bruto sem
preocupao a priori com a forma dessa expresso. [footnoteRef:19]17 A
expresso justa, precisa, no o sempre, salvo em funo daquilo para o
qual ela tende em Ponge, o objeto. Como descrever s margens do rio
La Loire em si mesmas? Como perceber ou recolher a luz que se
escapa no, porque a hora passou e, desde ento, sua imagem na minha
memria se deforma, mas porque eu me sinto incapaz de tornar a
transcrev-la? A luz no se escapa, ela me escapa porque me falta
minha expresso. Minha expresso move-se o tempo todo, e toda a
dificuldade consiste em fazer coincidir um instante com o objeto de
estudo, o objeto bruto. Eis porque o trabalho do poeta torna-se uma
retificao contnua. Retificar sem parar, necessariamente o cuidado
da forma, ou em Ponge, a recusa de ser poeta. [19: 7 PONGE, F. La
rage de lexpression, Berges de la loire. Paris: Posie/Gallimard,
1996, p. 9]
Sem levar a comparao a seu absurdo, poderamos tomar como ponto
de partida este abandono aparente do cuidado da forma que
encontramos talvez em Espinosa. Este, porm, no o caminho seguido
por Deleuze, ou melhor, no o primeiro caminho do qual ele se serve.
Antes de ser a expresso de um homem, inclusive de um filsofo, uma
produo ou uma criao, a expresso tem um alcance ontolgico, mas tambm
gnosiolgico. [footnoteRef:20]18 [20: 8 DELEUZE. Cf. Spinoza et le
problme de lexpression. Paris: Minuit, 1968, p. 10]
Antes de considerar a produo do homem, preciso considerar a
expresso de Deus: Deus se exprime por si antes de se exprimir em
seus efeitos; Deus se exprime constituindo por si a natureza
naturante, antes de se exprimir produzindo em si a natureza
naturada. [footnoteRef:21]19 H uma ordem na expresso que no
decidida nem por Espinosa nem por Deleuze, mas que corresponde
ordem da natureza. Essa ordem a das causas aos efeitos. Vai-se da
causa ao efeito; a expresso , antes, aquela de Deus. Devemos,
contudo, ficar atentos colocao de Deleuze: a expresso no define nem
a substncia nem o atributo, porque esses j esto definidos. Nem
tampouco Deus, cuja definio pode se passar de toda referncia
expresso. [footnoteRef:22]20 [21: 9 Idem. p. 10. ] [22: 0 Idem. p.
15]
1.A EXPRESSO DA SUBSTNCIA
A expresso de antemo a expresso de Deus, do Ser: por que, e o
que isto significa? na primeira parte da tica que Espinosa trata de
Deus: De Deo. No obstante, cabe ser preciso. No em primeiro lugar
de Deus que se trata, mormente, da substncia. O que uma substncia?
Como ela composta, quais so seus caracteres? H uma ou diversas
substncias? Por que a substncia percebida como o que em si e por si
concebido, isto , aquilo cujo conceito no carece do conceito de
outra coisa do qual deva ser formado? [footnoteRef:23]21 A
Substncia independente; seu conceito existe sem o concurso de
nenhum outro. A substncia em si e para si. Dito de outro modo, a
substncia no est em e no se concebe a partir de outra coisa. A
substncia causa de si. No livro 1, Espinosa articula as noes e as
define desde o incio: a substncia, Deus, a causa de si. Deus a
substncia que causa de si. a causa primeira que subsiste por si. S
h uma nica substncia, infinita. Essa substncia infinita Deus. Deus
se exprime de duas maneiras: nos atributos e nos modos. A primeira
expresso, aquela dos atributos ontolgicos, a segunda, gnosiolgica.
[23: 1 tica. Id. Ibid. ]
1.1 Os atributos
Deleuze comea seu estudo com Espinosa pelo exame de duas
distines: a numrica e a real; e sua redefinio por Espinosa
constitui o fundamento da expresso. Por que? Porque a nica condio
de separar a distino numrica da distino real, de dizer: a distino
numrica no pode ser real e a distino real numrica, e que a
substncia nica contm uma infinidade de atributos. Para Descartes,
escreve Deleuze, O atributo constitui a essncia da substncia que
ele qualifica, mas tambm a essncia dos modos que remete s
substncias do mesmo atributo. [footnoteRef:24]22 [24: 2 DELEUZE.
Spinoza et le problme de lexpression. Paris: Minuit, 1968, p.
24]
O atributo hbrido, constituindo ao mesmo tempo a substncia e os
modos. A conseqncia direta que h substncias do mesmo atributo. O
problema, em seu conjunto, o jogo de determinaes, bastante
complexo, mas o que importa reter que em Descartes distino numrica
e distino real se entrecruzam. A distino numrica real e a distino
real numrica. Espinosa separa essas duas distines. A distino real,
ou substancial, se refere exclusivamente a substncia; a distino
numrica aos modos. A substncia no diversificada numrica ou
quantitativamente. H uma substncia nica constituda de uma
infinidade de atributos. O argumento duplo: a) a natureza da
distino numrica no convm substncia; b) a substncia no convm distino
numrica.
1.2 Distino numrica e distino real
A distino numrica exige uma causa exterior qual ela remete. A
distino , por definio, causa de si. Por outro lado, duas ou mais
substncias no podem ter o mesmo atributo, pois isto significaria
dizer que elas se distinguem pelos modos. Ora, isto absurdo,
levando em conta que os modos so secundrios em relao substncia.
O que um atributo? O atributo o que exprime a essncia da
substncia: por atributo entendo o que o intelecto percebe como da
substncia como constituindo a essncia dela. a definio IV da
primeira parte da tica. Eis, pois, o que necessrio escutar cada vez
que a questo do atributo vier baila. H um termo importante que
intervm em dois momentos na definio: o entendimento. O entendimento
de Espinosa define antes de tudo o atributo e a seguir um intelecto
que no designado. O entendimento est na crista do atributo, como
veremos mais adiante, no quesito dedicado produo. O atributo
constitutivo da essncia da substncia. a definio VI supra citada,
que pela primeira vez mostra o que a expresso na filosofia de
Espinosa: Por Deus entendo um ente absolutamente infinito, isto ,
uma substncia que consta de infinitos atributos, cada um dos quais
exprime uma essncia eterna e infinita.
O atributo no uma simples propriedade que poderia se distinguir
da substncia, ele constitutivo da essncia da substncia. O atributo
de Espinosa no o da gramtica: A flor rosa. O que diz a gramtica?
Rosa atributo do sujeito flor. O atributo no se apresenta em nenhum
caso desta maneira em Espinosa, porque ele no atribudo, expressivo.
Com efeito, rosa atributo da flor do mesmo modo que h um sujeito
que enuncia: a flor rosa. Mas a substncia no uma flor. No existe
ningum para dizer o que a substncia , como se pode dizer que a flor
rosa. Na verdade, quando percebo a flor, para poder dizer que ela
rosa, minha percepo da substncia faz parte da substncia. Espinosa
no diz, por sinal, o que a substncia, mas escreve por substncia
entendo, marcando, assim, a diferena: de fato, o entendimento do
homem uma parte da potncia infinita de compreender de Deo, de
Deus.
O atributo da substncia no , pois, comparvel ao da gramtica,
porque que, contrariamente ao atributo rosa, que atribudo flor, o
atributo no atribudo substncia; ele dizamos antes, expressivo. Na
expresso o atributo mais atribuidor que atribudo: Os atributos em
Espinosa so formas dinmicas e ativas. Eis, por conseguinte, o que
parece o essencial: o atributo no mais atribudo, ele de certo modo
atribuidor. Cada atributo exprime uma essncia, e lhe atribui
substncia.[footnoteRef:25]23 A diferena entre um atribudo e um
atributo atribuidor confirma a diferena do passivo ao ativo. O que
conta a atividade prpria ao atributo, essa atividade, essa ao, a da
expresso. A expresso do atributo uma atribuio: cada atributo
exprime uma essncia, e o atribui substncia. Deste modo, o atributo
comparvel a um verbo. Com efeito, esta ao de exprimir aquela que na
gramtica imputada ao verbo. Para continuar com o exemplo da rosa,
poderamos assim esquematizar a diferena entre o atributo atribudo e
o atributo atribuidor: [25: 3 Idem. p. 37.]
A flor rosa
_______ atributo atribudo: rosa_______ atributo atribuidor:
rosa
Neste sentido, os atributos em Espinosa so verdadeiros verbos
tendo um valor expressivo: dinmicos, eles no so mais atribudos a
substncias variveis, eles atribuem alguma coisa a uma substncia
nica.O atributo verbo, h um valor expressivo, mas o que exprime
ele? Dito de outro modo h expresso, qual o sentido dessa expresso?
() infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essncia
eterna e infinita. [footnoteRef:26]24 [26: 4 tica. Id. Ibid. ]
Cada atributo exprime uma essncia de substncia. Essa essncia
eterna e infinita. Para compreender o que o atributo exprime, cabe
passar pelo deslocamento de distines numricas e reais. So essas que
tornam possvel o conceito de expresso. A distino numrica no pode
ser real, e a distino real no pode ser numrica. Substncia e nmero
diferem. A substncia se diversifica, contudo, em qualidade, no em
nmero. A distino numrica essencial e estritamente modal. A nica
distino numrica entre os modos. Eis porque aquilo que cada atributo
exprime uma qualidade. Existem na natureza to-somente atributos e
modos. Os atributos exprimem a essncia da substncia que
absolutamente infinita. O que uma qualidade ilimitada? De que modo
podemos ns, seres finitos, saber o que uma qualidade ilimitada?
Duas qualidades ilimitadas nos aparecem: a extenso e o pensamento,
pois somos constitudos de uma alma e de um corpo. Mas, devemos
supor que as qualidades ilimitadas so em nmero infinito em Deus. Se
percebemos apenas duas, em razo de nossa prpria natureza.
2.TRADE DA EXPRESSO E ABSOLUTAMENTE INFINITO
2.1 Trade da expresso.
Atributo/Essncia/Substncia
Eis os trs elementos que constituem a expresso. A expresso
sempre primeira, a expresso pelo atributo da essncia da substncia.
No podemos compreender a expresso, observa Deleuze, negligenciando
um dos termos da trade. Os atributos so as expresses, a substncia
se exprime, a essncia o expresso. Cada atributo exprime uma essncia
de substncia e todas as essncias esto contidas na substncia. sempre
a substncia que se exprime, porm no atributo o que expresso a
essncia: A originalidade do conceito de expresso se manifesta aqui:
a essncia, enquanto ela existe, no existe fora do atributo que a
exprime; mas como essncia, ela se remete to-somente substncia.
[footnoteRef:27]25 [27: 5 Idem. p. 21]
Atributo, essncia, substncia esto indissociavelmente ligados do
mesmo modo que so suas relaes que fundam a expresso. Nessas relaes,
A trade como cada um de seus termos, em trs silogismos, apta a
servir de intermedirio em relao aos dois outros.[footnoteRef:28]26
No obstante, sempre a mesma questo que volta: essa expresso, que
exprime ela? O que isto significa finalmente: o atributo exprime a
essncia da substncia? Uma essncia de substncia eterna e infinita:
Cada atributo exprime uma essncia infinita, isto , uma qualidade
ilimitada. [footnoteRef:29]27 Que a essncia infinita da substncia
seja qualitativa e no quantitativa, o que a anlise das distines
real e numrica nos demonstra. O atributo expressivo de uma
qualidade ilimitada, em virtude dessas distines renovadas por
Espinosa. H distino numrica to-somente dos modos, a substncia se
diversifica qualitativamente. [28: 6 Id. Ibid. ] [29: 7 Idem. p.
37]
2.2 O absolutamente infinito
Existe uma infinidade de atributos. Cada atributo exprime uma
qualidade ilimitada. O atributo exprime a essncia da substncia. A
substncia ilimitada. Cabe compreender, e sobre o qu Deleuze insiste
particularmente, a passagem do infinitamente perfeito ao
absolutamente infinito. Cada atributo exprime uma qualidade
infinita, ou seja, cada atributo uma forma de ser infinitamente
perfeito. A substncia contm infinitos atributos, isto , todo o
perfeito. Em conseqncia, a substncia ou Deus no o ser infinitamente
perfeito, algo sobre o qual repousa a prova ontolgica de Descartes.
A substncia absolutamente infinita. O infinitamente perfeito
continua insuficiente para compreender a substncia. A substncia d
conta do infinitamente perfeito enquanto ela o absolutamente
infinito. O infinitamente perfeito o prprio do atributo, enquanto
que cada atributo exprime uma essncia de substncia. O absolutamente
infinito a natureza da substncia enquanto que os resultados so no
apenas unvocos, mas iguais, enquanto que existe uma infinidade de
atributos iguais contidos na substncia. Podemos representar essa
passagem mediante o seguinte esquema:
Univocidade dos Atributos = infinito infinitamente perfeito|
||Igualdade dos Atributos = absoluto absolutamente infinito
O infinitamente perfeito a modalidade de cada atributo, isto , o
prprio Deus. Mas a natureza de Deus consiste em uma infinidade de
atributos, a saber, no absolutamente infinito. [footnoteRef:30]28
[30: 8 Idem. p. 60]
A passagem do infinitamente perfeito para o absolutamente
infinito a redefinio da substncia. Deus o ser absolutamente
infinito que contm uma infinidade de atributos. Essa redefinio
torna-se possvel mediante a compreenso das distines reais e
numricas: A distino numrica no sendo real, toda substncia
efetivamente distinta ilimitada e infinitamente perfeita;
inversamente, a distino real no sendo numrica, todas as substncias
infinitamente perfeitas compem uma substncia absolutamente infinita
das quais elas so os atributos; o infinitamente perfeito , pois o
prprio do absolutamente infinito, e o absolutamente infinito, a
natureza ou razo do infinitamente perfeito. [footnoteRef:31]29 [31:
9 Idem. p. 64]
Este fragmento mostra a articulao entre distino, distino real e
a substncia como o absolutamente infinito. porque a distino real
estritamente substancial, e que a distino numrica unicamente modal,
que o infinitamente perfeito no em nenhum caso a natureza ou a
essncia da substncia, mas somente uma propriedade: O infinitamente
perfeito ser somente o modo de cada um desses atributos, a
modalidade da essncia expressa por cada atributo.
[footnoteRef:32]30 A diferena entre o infinitamente perfeito e o
absolutamente infinito da mesma ordem que a diferena entre um
prprio e um atributo. Um prprio inexpressivo, ele nada diz da
substncia, ele recobre uma propriedade. A bondade uma propriedade
de Deus. Mas, quando um prprio designa a bondade de Deus, ele no
nos ensina nada da substncia em si, daquilo que faz com que ela
subsista. Do mesmo modo, o infinitamente perfeito uma propriedade
da substncia, o que equivale a dizer que ele no d conta da
substncia em si. O infinitamente perfeito no adequado a Deus. O que
preciso alcanar no uma qualidade, ou uma propriedade de Deus, a
prpria substncia: a razo suficiente do infinitamente perfeito. [32:
0 Idem.63-64]
O que est em jogo unicamente a expressividade de Deus, da
Natureza. Se ficarmos no infinitamente perfeito, se confundirmos os
atributos e os prprios, seremos incapazes de compreender a
expresso. Ora, a expresso antes de tudo, a expresso de Deus. Convm
dar conta do infinitamente perfeito, aceder ao absoluto infinito,
pois somente assim teremos uma idia adequada de Deus. A adequao
torna possvel a expresso. A primeira parte do livro de Deleuze,
Spinoza et le problme de lexpression, estuda principalmente o livro
I da tica: De Deo, porque a expresso antes de tudo a expresso da
substncia. A substncia expressiva. Para compreender o problema da
expresso, necessrio determinar a natureza da substncia. de notar
que para alcanar este objetivo, cabe-nos no mais falar de uma
substncia ou da substncia, mas diretamente de substncia. O latim,
lngua original da tica, no precede o nome substncia de nenhum
determinante. Determinar a substncia no determin-la
gramaticalmente. Isto posto, as distines da gramtica (como para os
atributos) devem ser revistas. Determinar a substncia determin-la
em si. Alcanamos, assim, o cerne da substncia.
3.A POTNCIA
Determinar a substncia , pois, reconhec-la como absolutamente
infinita e no como infinitamente perfeita; tambm reconhecer sua
potncia. A determinao que Espinosa d de substncia se efetua a
partir de provas cartesianas. A prova a priori de Descartes se apia
no infinitamente perfeito, as provas posteriores sobre as
qualidades da realidade: E, em conseqncia, deve-se necessariamente
concluir, a partir de tudo o que eu disse antes, que Deus existe;
pois embora a idia da substncia esteja em mim, daquilo mesmo que eu
sou uma substncia, no teria, contudo, a idia de uma substncia
infinita, eu que sou um ser finito, se ela no tivesse sido posta em
mim por alguma substncia que tivesse sido verdadeiramente infinita.
[footnoteRef:33]31 [33: 1 DESCARTES, R. Meditations metaphysiques
III. Paris: Coleo GF-Flammarion, 1979, p. 117 ]
A causa deve ter pelo menos tanta realidade quanto seu efeito.
Ora, eu substncia finita tenho a idia da substncia infinita. A
causa de uma idia deve ter tanta realidade formal quanto essa idia
contm de realidade objetiva. Ou seja, o homem reconhecido como
finito, imperfeito, no pode ser a causa de uma idia infinita. O
infinito no pode proceder do finito. S o inverso concebvel. Deleuze
mostra como a insuficincia, ou antes, a facilidade da prova
cartesiana transformada por Espinosa. Mais uma vez, a partir do
confronto Espinosa/Descartes que Deleuze faz emergir uma nova
determinao da substncia. Ele esvazia esse confronto, e expe seus
prprios termos. Cada vez, as distines e as provas cartesianas no
satisfazem a Espinosa porque elas no do conta de si mesmas: Quando
Espinosa se choca com o uso cartesiano da palavra fcil, ele perde
sua serenidade de professor, que havia prometido a si mesmo expor
os Princpios sem nada dizer que diferisse uma tnue irritao; ele
manifesta, inclusive, uma espcie de indignao. [footnoteRef:34]32
[34: 2 DELEUZE. Idem. p, 72-73]
Deleuze assiste de fato confrontao do professor Espinosa, autor
de Princpios da filosofia de Descartes, que para alm do texto se
choca com seu mestre. Um dos captulos do livro de Deleuze se
intitula, por sinal Espinosa contra Descartes. O que nos interessa,
sobremaneira neste encontro conflituoso, o papel desempenhado por
Deleuze e o benefcio que dele tira. Ele no entra nos detalhes das
distines e das provas, nunca se coloca, por sua vez, como professor
de Espinosa. Demonstra menos que desmonta. Contudo, se esse
encontro entre Espinosa e Descartes exposto porque ele serve ao
problema da expresso. O que conta o funcionamento. Espinosa
remaneja as provas de Descartes e prope uma nova determinao da
substncia: Tudo se passa como se Espinosa sugerisse de mltiplas
maneiras sempre uma mesma crtica: Descartes tomou o relativo pelo
absoluto. Na prova a priori, Descartes confundiu o absoluto com o
infinitamente perfeito; entretanto, o infinitamente perfeito no
seno um relativo. O absolutamente infinito como razo suficiente e
natureza do infinitamente perfeito; a potncia como razo da
quantidade de realidade: tais so as transformaes correlativas que
Espinosa faz passar s provas cartesianas. [footnoteRef:35]33 [35: 3
Idem. p. 74]
A transformao direciona o relativo ao absoluto. A prova a
posteriori de Espinosa engloba, segundo Deleuze, quatro tempos, que
resumimos a seguir:1 - Poder existir uma potncia (existncia possvel
de uma causa finita).2 - Ora, um ser finito j existe
necessariamente (em virtude de uma causa exterior que o determina a
existir).3- Se o Ser absolutamente infinito tambm no existisse
necessariamente, ele seria menos poderoso que os seres finitos, o
que um absurdo.4 No obstante, a existncia do absolutamente infinito
no pode ser em virtude de uma causa exterior; logo por si que o ser
absolutamente infinito existe necessariamente. [footnoteRef:36]34
[36: 4 Idem. p. 78; cf. tica, I, 11, 3a demonstrao. ]
A prova a posteriori de Espinosa uma prova pela potncia. O que
isto quer dizer? Passa-se da quantidade de realidade potncia. A
existncia uma potncia, eis o argumento de partida; dito de outra
maneira h uma potncia de existir. A potncia de existir igual
potncia de compreender: A potncia de pensar no maior para pensar
que a potncia da natureza para existir e agir. Eis a um axioma
claro e verdadeiro a partir do qual a existncia de Deus prossegue
sua idia, de maneira clara e eficaz. [footnoteRef:37]35 [37: 5
SPINOZA, B. Ethique. Paris: Seuil, 1988. Carta 40, para Jelles,
maro de 1667. ]
Na tica, Espinosa reserva o argumento da igualdade das potncias
para a segunda parte de seu livro, embora no justifique totalmente
seu ponto de partida isto , saber que a existncia uma potncia. O
que aparece como uma justificao to-somente uma redundncia: poder
existir uma potncia. Neste contexto, cabe supor que ao se permitir
tal repetio, Espinosa, embora de forma velada, tenha disposio o
argumento da igualdade das potncias. O que importa, porm, no tanto
o mecanismo da prova, contudo, o que ela produz: Deus como potncia
absolutamente infinita. A substncia o absolutamente infinito que
possui toda potncia. O que se passa com os seres finitos? Se
existir uma potncia, devemos reconhecer neles uma potncia. Que
potncia, que relao pode-se estabelecer entre a potncia dos seres
finitos e a potncia infinita da substncia? Estas questes trazem
tona o problema da expresso. Os seres finitos so uma parte da
todo-poderosa substncia. Para compreender esta relao do todo com a
parte, deve-se pensar o papel expressivo dos atributos, formas
comuns substncia e aos modos: Se a potncia ou a essncia de Deus
pode ser explicada por uma causa finita, porque os atributos so
formas comuns de Deus do qual eles constituem a essncia e as coisas
finitas das quais eles constituem as essncias.[footnoteRef:38]36
[38: 6 DELEUZE. Id. Ibid. p.]
A explicao aqui um outro modo de expresso. Os modos finitos
explicam ou exprimem a potncia de Deus. Sua potncia uma parte da
potncia divina. Os seres finitos exprimem segundo sua essncia a
potncia infinita da substncia: Mas a reduo das criaturas ao estado
de modos, longe de retirar toda sua potncia prpria, mostra ao
contrrio como uma parte de potncia lhe pertence propriamente, em
conformidade com sua essncia. [footnoteRef:39]37 Cabe distinguir o
modo, a essncia de modo e a essncia da substncia. A essncia da
substncia uma potncia finita. A essncia de modo exprime uma parte
da potncia infinita. Em sntese, o modo certo poder de ser afetado:
(...) no espinosismo, toda potncia detm um poder de ser afetado que
lhe corresponde e dele inseparvel. Ora, esse poder de ser afetado
sempre e necessariamente preenchido. [footnoteRef:40]38 [39: 7
Idem. p. 81] [40: 8 Idem. 82]
A essncia de modo uma capacidade, uma potncia, o modo de sua
atualizao. O modo um poder de ser afetado por paixes ativas ou
passivas. A diferena entre a substncia e o modo consiste no fato de
que a substncia, como potncia absolutamente infinita de existir (e
de compreender), tem um poder de ser afetado ilimitado, e que suas
afeces so unicamente ativas, porque seu poder infinito; no existe
outro e nem maior que esse poder. Chegamos, pois, a uma nova
definio da substncia. Ao invs de falar da expresso da substncia,
poderamos simplesmente dizer: a substncia expressiva. A natureza da
substncia, aquilo que faz com que ela subsista, que se exprime.
Sempre, em todos os lugares, a substncia expresso. Determinar a
substncia ou Deus como justia, caridade, bondade etc. passar ao
lado da substncia e dela designar to-somente as propriedades, ficar
prisioneiro de uma gramtica muitas vezes inadequada para dizer a
prpria natureza das coisas, que no as atinge seno em sua superfcie,
em sua superficialidade. Que Deus seja bom, finalmente, pouco
importa; ou melhor, um outro quesito. Perguntar-se se Deus bom,
equivale a interrogar imagem que dele se forjou, porm, em nenhum
caso design-lo em si mesmo. Inveno humana, por excelncia, resultado
de uma imaginao do conhecimento do primeiro gnero, ou idia confusa,
petrificada, inadequada, Deus, mais o produto de uma inimaginao
denegada pela prpria criatura travestida em Criador. Ao inimaginer
Deus, sob o signo de uma escolstica da imanncia, e em conseqncia,
da equivocidade, cria-se ao mesmo tempo a quimera confuso entre a
natureza extensiva e a natureza pensante e o espectro, numa
ambigidade sem fim que busca de modo equivocado a divindade no
prprio homem: o ideal camuflado do homem perfeito.
Ao comentar a Carta 55[footnoteRef:41]*, Zourabichvili, escreve:
Deus v, escuta, conhece, quer, age, mas num sentido que nos
desconhecido. O que significa, se assim podemos dizer, a inimaginar
Deus: se atribuir a imagem de um homem ao mesmo tempo em que se faz
abstrao daquilo que ela tem de humano. [footnoteRef:42]39 Ora,
sabendo que o espectro por excelncia o ser da transio, um corpo
simultaneamente afirmado e negado, logo denegado, quase-incorporal,
tendendo para o puro esprito ou para a alma sem corpo
[footnoteRef:43]40, jamais se obter o divino por simples elevao do
homem para o perfeito. Eis porque a quimera do Deus-homem tem como
contraparte inevitvel, em Espinosa, a quimera do homem perfeito ou
primeiro homem. No h transio do homem para o divino. A teologia
tomista () nada mais faz que confessar sua concepo totalmente
negativa do divino: em vez de dotar seu Deus de uma essncia
distinta do homem, faz dele um homem perfeito, isto , um no-homem,
um homem riscado.[footnoteRef:44]41 [41: Lettre 55, Appuhn, t. 4,
p. 294. ] [42: 9 ZOURABICHVILI, Franois. Spinoza - Une physique de
la pense. Paris: PUF, coleo Philosophes daujourdhui, 2002, p. 235]
[43: 0 Idem. p. 234] [44: 1 Idem. 235]
A quimera primitiva o ser do no-ser, e para chegar at ele a
imaginao procede por desmaio (espectro) ou elevao (Deus). Eis,
pois, suas maneiras de produzir o corpo de um no-corpo, ou de
alcanar o indeterminado: Nestas condies, o ser necessrio no tem
mais outra consistncia salvo a do espectro. E do mesmo modo que o
espectro a quimera de um corpo espiritual, o Deus espectral dos
telogos e da multido a quimera do finito-infinito.
[footnoteRef:45]42 [45: 2 Id. Ibid. ]
Diremos, ento, na esteira de Zourabichvili, que a maneira como
Espinosa concebe Deus, seu antropomorfismo, no consiste em tomar
Deus por um homem, mas em tom-lo como um homem-divino (os homens o
imaginam como um rei [footnoteRef:46]*, e ns acreditamos que ele
pode se enganar). O Deus vulgar a negao da negao, o ser finito
menos sua finitude: um homem cujos poderes seriam limitados.
[footnoteRef:47]43 Espinosa, por sua vez, escreve: Destarte, os que
confundem a natureza divina com a natureza humana atribuem
facilmente a Deus afetos prprios dos homens, mormente enquanto
tambm ignoram como so produzidos estes afetos. [footnoteRef:48]44
Todavia, a tarefa de Espinosa, tal qual nos exposta e comentada por
Deleuze na primeira parte de seu livro As trades da substncia,
propor uma nova compreenso de Deus. Essa compreenso est presente j
na definio VI, anteriormente citada: Por Deus entendo um ente
absolutamente infinito, isto , uma substncia que consta de
infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essncia eterna e
infinita. [46: Cf. Ethique, II, 3, sc.] [47: 3 ZOURABICHVILI. Id.
Ibid. ] [48: 4 tica. I, proposio VIII, p. 90]
Para perceber o que est em jogo nessa definio, faz-se necessrio
um exerccio de explicao, de desenvolvimento. Espinosa fornece esse
trabalho na tica. Deleuze, para alem da explicao, enfatiza a
expresso. Vimos de que modo a expresso tambm a expresso de Espinosa
(sua escrita). Por enquanto, o que guia a investigao de Espinosa
sua pesquisa conceitual. Cada definio, cada preciso e correo que
Espinosa acrescenta aos elementos da filosofia cartesiana tm como
conseqncia afirmao de uma substncia expressiva: que se trate do
atributo (cada atributo exprime uma essncia de substncia), da prova
ontolgica (substituio do absolutamente perfeito pelo infinitamente
infinito), ou provas a posteriori (o argumento das quantidades de
realidade substitudo pelo da potncia).
Essa nova substncia no , pois, inatingvel ou absolutamente
separada de ns e de nosso mundo. Ela este mundo, ela a Natureza que
se exprime. Englobamos, ou melhor, somos uma parte de sua potncia.
A potncia que detemos, ns seres finitos, uma expresso da onipotncia
de Deus. A substncia no o infinitamente perfeito sem relao conosco,
nada mais que uma relao de crena, ela o absolutamente infinito.
Dizer que a substncia o infinitamente perfeito no falso, contudo,
insuficiente, passar ao lado do fundamental, designar a substncia
to-s em sua propriedade. Ora, dizer: a substncia o que existe em si
e por si concebido, significar sua independncia, no deve nos levar
a negligenciar as relaes que ela mantm com os modos; essas relaes
so expressivas. O absolutamente infinito d conta do infinitamente
perfeito, vai ao mago da substncia. O absolutamente infinito o Todo
do qual somos seres finitos e no partes. Podemos assim, no presente
contexto, avanar duas hipteses conclusivas: somos envolvidos na
substncia e a envolvemos. Destarte, a substncia expressiva, sua
expresso toma a forma de uma trade, isto , ela composta de trs
elementos, cada um estando apto a servir de intermedirio em relao
aos outros. As trades da substncia so:1 -
Substncia/Atributo/Essncia2 - Perfeito/Infinito/Absoluto3 - Essncia
da substncia [footnoteRef:49]* [49: Como potncia absolutamente
infinita de existir. Substncia como ens realissimum existindo por
si; poder de ser afetado de diversas maneiras. ]
Deleuze: Essa terceira trade coloca-se ao lado das duas
precedentes. Ela no significa, como a primeira, a necessidade de
uma substncia tendo todos os atributos; nem como a segunda, a
necessidade para essa substncia existente de produzir uma
infinidade de coisas. [footnoteRef:50]45 O conceito de expresso tem
dois aspectos: o primeiro ontolgico (a expresso da substncia), o
segundo gnosiolgico (a produo da substncia). A terceira trade da
substncia nos conduz da expresso produo. [50: 5 DELEUZE. Spinoza et
le problme de lexpression. Paris: Minuit, 1968, p. 84]
4. EXPRESSO E PRODUO
4.1 Por que a produo?
A anlise da expresso da substncia leva-nos produo. A substncia
consta de infinitos atributos, existe absolutamente e detm uma
potncia infinita. Os atributos so formas comuns substncia e aos
modos. Os modos desdobram uma parte da onipotncia de Deus. H uma
participao de potncias enquanto que as essncias diferem. O que isto
significa? Por que Deus no fica consigo mesmo visto que a ele nada
falta, e que absolutamente infinito e todo-poderoso? Dito de outro
modo, por que a produo? (...) a expresso , em Deus, a vida mesmo de
Deus. Eis por que no se poder dizer que Deus produz o mundo, o
universo ou a natureza naturada, para se exprimir.
[footnoteRef:51]46 [51: 6 Idem. p. 87]
A expresso est em Deus, Deus expressivo. Qual pode ser o sentido
de uma expresso-produo que no poder aparecer cada vez seno como uma
expresso no segundo grau? A substncia se exprime em seus atributos
porque os atributos so constitutivos da substncia. Os atributos se
exprimem por sua vez nos modos: por que este segundo nvel? Duas
respostas so possveis: a) Deus age ou produz como ele se
compreende; b) Deus produz como Ele existe.
4.2 As duas potncias
A primeira resposta apela potncia de compreender. Deus produz
como ele se compreende, se compreendendo necessariamente, ele
produz necessariamente. A produo de Deus to necessria quanto a
compreenso que ele tem de si. Que significa se compreender?
Compreender um enunciado de geometria poder demonstr-lo,
compreender uma figura poder apresentar suas propriedades.
Compreender deduzir propriedades a partir daquilo que se apreende
como necessrio. Deus no pode compreender sua prpria essncia sem
produzir uma infinidade de coisas que delas provm como as
propriedades provm de uma definio. [footnoteRef:52]47 [52: 7 Idem.
p. 88]
Os modos so produzidos como propriedades logicamente necessrias.
Se a produo pode ser assim assimilada ao ato de compreenso, cabe
ento, para que a resposta seja satisfatria, dar a razo da
compreenso de Deus. Por que Deus se compreende? preciso abordar a
questo sob o ngulo da necessidade. Que Deus se compreenda, deve-se
isso necessidade da natureza divina. A natureza de Deus expressiva,
todavia, expresso e compreenso fundem-se mutuamente: Deus no se
exprime sem se compreender enquanto ele se exprime. Deus no se
exprime formalmente em seus atributos sem se compreender
objetivamente em uma idia. [footnoteRef:53]48 [53: 8 Idem. 89]
A essncia formal de Deus expressa em seus atributos inseparvel
da essncia objetiva expressa em uma idia. O que isto que dizer? Que
a essncia de Deus ao mesmo tempo essncia formal e essncia objetiva.
Os atributos supem sempre um entendimento, o que nos ensina a
definio IV da primeira parte da tica: Por atributo entendo o que o
intelecto percebe da substncia como constituindo a essncia dela.
[footnoteRef:54]49 O atributo remete a um intelecto que o percebe.
Cada expresso da substncia por um atributo acompanha-se de uma
compreenso do intelecto. Dito de outro modo, no h expresso sem
explicao: Contudo, as explicaes feitas pelo entendimento so apenas
percepes. No o entendimento que explica a substncia, mas as
explicaes da substncia remetem necessariamente a um entendimento
que as compreende. Deus se compreende necessariamente como se
explica ou se exprime. [footnoteRef:55]50 [54: 9 tica. p. 84] [55:
0 DELEUZE. Idem. p. 90]
Deus se compreende necessariamente porque se compreende enquanto
ele se exprime. Sua expresso ao mesmo tempo explicao. A segunda
resposta questo por que a produo? se apia na potncia de existir.
Deus produz como ele existe, existindo necessariamente, ele produz
necessariamente. Este segundo argumento remete prova da existncia
de Deus pela potncia. Deus tem uma potncia absolutamente infinita
de existir. Ora, como a anlise da potncia mostrou, toda potncia se
acompanha de um poder de ser afetado. Quanto mais uma coisa
revigorada pela potncia, maior sua capacidade de ser afetada. Deus
continua uma potncia infinita: Deus produz necessria e ativamente
uma infinidade de coisas de uma infinidade de maneiras. Essas duas
demonstraes nos fornecem a razo da produo. Se Deus produz em razo
de sua natureza. No h nenhum interesse ou ganho em produzir, a Deus
nada falta. Se ele produz porque a produo faz parte de sua
expresso. Ele se exprime e produz como se compreende e age.
4.3 Ordem da produo
A produo necessria, mas como ela funciona? Deus no produz porque
quer, porm, por que . Se efetivamente ele , como ele, como organiza
essa produo? Como Deus produz, em que condies? As prprias condies
da produo fazem dela algo mais que uma criao, e das criaturas outra
coisa que criaturas. Deus produzindo necessariamente, e em seus
prprios atributos, os produtos so necessariamente modos desses
atributos que constituem a natureza de Deus. [footnoteRef:56]51
[56: 1 Idem. p. 90]
Deus expressivo, ele se exprime em si em seus atributos,
contudo, seus atributos, por sua vez, se exprimem. A expresso
tomada em um redobramento, a expresso possui em si a razo
suficiente de uma re-expresso. Como sempre, o que se deve procurar
o fundamento ltimo, mas tambm o que ele produz. O fundamento a
expresso que produtora de uma nova expresso. H um movimento prprio
expresso que nos faz passar para um segundo grau. Para nos fazer
compreender esse segundo grau, Deleuze recorre lgica do sentido.
Podemos, ancorados nessas lgica perceber a lgica da expresso em
Espinosa. O livro Lgica do sentido (1969) foi publicado pouco
depois de Spinoza et le problme de lexpression (1968), o que
explica de certa forma Beste reencontro. No obstante, um olhar
atento mostrar de que modo a comparao se justifica plenamente, ou
ainda como a construo a mesma:
proposio primria substncia| | sentidoessncia| | proposio
secundriaatributos| | sentidomodificaes| || modos
Partimos de uma primeira proposio, realamos seu sentido
construindo uma segunda proposio e assim por diante. A lgica do
sentido uma lgica do segundo grau, encontramos esse segundo grau em
Espinosa. sempre Deus que se exprime pelos ou em seus atributos,
todavia o nvel ou o grau muda. Eis aonde chegamos:- Deus produz
necessariamente.- Ele produz em diversos nveis.
Como esses diferentes nveis se organizam? isso que nos cabe
agora compreender: H uma ordem na qual Deus produz necessariamente.
Essa ordem a da expresso dos atributos. [footnoteRef:57]52 O
segundo nvel da expresso, a passagem da expresso nos atributos para
a expresso dos prprios atributos nos modos. [57: 2 Idem. p. 93]
4.4 Passagem do infinito ao finito
A produo necessria. Deus produz como ele se compreende e como
ele existe. Passamos para um segundo nvel da expresso: aquele dos
atributos. Os atributos exprimem nos modos. Como essa expresso, ou
produo do finito, se efetua? na terceira parte de Spinoza et le
problme de lexpression que Deleuze aborda a passagem do infinito
para o finito.
4.5 A essncia de modo
Os atributos so qualidades infinitas, os modos so quantitativos.
Como dar conta da passagem da qualidade para a quantidade? preciso
operar uma srie de distino: Cada atributo indivisvel como
qualidade. Mas, igualmente, cada atributo-qualidade tem uma
quantidade infinita que , sob certas condies,
divisvel.[footnoteRef:58]53 O atributo encerra uma matria divisvel
modalmente e no realmente: H partes que se distinguem modalmente:
partes modais, nem reais nem substanciais. [footnoteRef:59]54 como
se cada atributo fosse afetado por duas quantidade, elas mesmas
infinitas, todavia, divisveis, sob certas condies, cada uma a sua
maneira: uma quantidade intensiva que se divide em partes
intensivas ou em graus; uma quantidade extensiva que se divide em
partes extensivas.[footnoteRef:60]55 [58: 3 Idem. o. 173] [59: 4
Id. Ibid. ] [60: 5 Idem. p. 56 thique I, proposio 26; cf, Deleuze,
Idem, p.175 174]
Para compreender a passagem do infinito ao finito, faz-se
necessrio distinguir as essncias de modos e os modos existentes. A
essncia de modo uma realidade fsica que no se confunde com a
existncia do modo: Deus no apenas causa eficiente da existncia das
coisas, mas tambm sua essncia. [footnoteRef:61]56 As essncias de
modos no so causa de sua existncia. Deus causa eficiente das
essncias. As essncias convergem todas formando um sistema total. As
essncias de modos esto contidas no atributo. Elas se distinguem do
atributo-qualidade pela quantidade. As essncias de modos se
diferenciam umas das outras e do atributo pelas quantidades
intensivas e intrnsecas. A situao geral , pois, a seguinte: A
substncia como a identidade ontolgica absoluta de todas as
qualidades, a potncia absolutamente infinita, potncia de existir
sob todas as formas ou qualidades infinitas, como os atributos so
as formas ou qualidades infinitas, como tais indivisveis. Logo, o
finito no nem substancial nem qualitativo. No obstante, ele no mais
aparente: modal, isto , quantitativo.[footnoteRef:62]57 [61: ] [62:
7 DELEUZE. Spinoza et le problme de lexpression. Paris: Minuit,
1968, p. 181]
4.6 A existncia de modo
As essncias de modos so partes intensivas do atributo, contidas
no atributo, mas que no se confundem com ele. O atributo (a
infinidade de atributos) contm as essncias de modos. Partes
intensivas, as essncias de modos so partes da potncia de Deus, elas
so expressivas, exprimem uma parte da potncia de Deus. As essncias
de modos so partes intensivas, partes da potncia contida no
atributo. As essncias no so causa da existncia dos modos: Uma
essncia de modo existe, sem que o prprio modo exista: a essncia no
causa da existncia do modo. Por conseguinte, a existncia do modo
tem como causa um outro modo. [footnoteRef:63]58 [63: 8 Idem. p.
18; cf. ESPINOSA. tica, I, proposio, 28, p. 11-112. ]
O que isto significa de fato? como se houvesse uma separao, um
corte entre a essncia e a existncia dos modos. Um modo composto de
um grande nmero de partes, partes extensivas. Sua existncia depende
dessas partes e de sua coexistncia: Eis, pois, ao que tudo indica
os primeiros elementos do esquema espinosista: uma essncia de modo
um grau determinado de intensidade, um grau de potncia irredutvel;
o modo existe quando ele possui atualmente um grande nmero de
partes extensivas que correspondem sua essncia ou grau de potncia.
[footnoteRef:64]59 [64: 9 DELEUZE. Idem, p.184]
Um grande nmero de partes, isto , uma infinidade de partes
extensivas. Dito de outro modo, no h correspondncia entre cada
essncia e cada parte extensiva (ou modo existente). Cada essncia,
que uma parte de potncia, compreende uma infinidade de partes
extensivas: A bolha de sabo, que existe em um momento dado, tem
necessariamente uma essncia eterna, sem a qual ela no existiria.
[footnoteRef:65]60 A seguir, Deleuze acrescenta: A bolha de sabo
tem de fato uma essncia, mas no cada parte do conjunto infinito que
a compe sob certa relao. Em outros termos, em Espinosa no h modo
existente que no seja atualmente composto ao infinito, qualquer que
seja sua essncia ou seu grau de potncia. [footnoteRef:66]61 [65: 0
Idem. p. 189.] [66: 1 Idem. p. 189]
Cada modo existente composto, do mesmo modo que a existncia uma
composio. preciso distinguir s essncias dos modos, os modos
existentes e sua relao.
4.7 As duas trades da expresso do modo finito
No h uma passagem necessria da essncia dos modos para sua
existncia. Uma essncia de modo pode existir sem que o modo exista.
As essncias no so causa de si, tambm no so causa da existncia dos
modos. Os modos so constitudos por um conjunto de partes
extensivas: tal modo continua a existir enquanto a mesma relao
subsistir no conjunto infinito de suas partes que no tm existncia
prpria, mas compem a existncia: existir ter atualmente uma
infinidade de partes extensivas. [footnoteRef:67]62 [67: 2 Idem. p.
189-190]
Mediante um modo de extenso, por exemplo, as relaes que
condicionaro sua existncia sero as leis do movimento e do repouso:
O modo existente est, pois, sujeito a variaes considerveis e
contnuas: pouco importa tambm que a repartio do movimento e do
repouso, da velocidade e da lentido, mude entres as partes. Tal
modo continua a existir enquanto a mesma relao subsiste no conjunto
infinito de suas partes. [footnoteRef:68]63 [68: 3 Idem. p. 190;
cf. Spinoza. thyque, lemmes 4, 6, e 7]
A expresso toma, pois, uma nova forma, uma nova trade no modo
finito.
5. ESSNCIA DE MODO/RELAO/PARTES EXTENSIVAS
Essa nova trade expressiva no significa que a essncia de modo
produz o modo existente. Em outros termos, a expresso no aqui uma
criao; no se passa do infinito para o finito da criao: () um modo
passa para existncia no em virtude de sua essncia, mas de leis
puramente mecnicas que determinam uma infinidade de partes
extensivas quaisquer para entrar sob tal relao precisa, na qual sua
essncia se exprime. [footnoteRef:69]64 [69: 4 DELEUZE. Spinoza et
le problme de lexpression. Paris: Minuit, 1968 p. 191]
unicamente a constituio das relaes que d conta da existncia dos
modos. H expresso porque h explicao. Nessa trade de modo finito, os
modos existentes explicam o atributo: () cada modo existente
explica o atributo sob a relao que o caracteriza, de uma maneira
que se distingue extrinsecamente das outras formas sob outras
relaes. [footnoteRef:70]65 [70: 5 Idem. p. 196]
A essncia um grau de potncia que se exprime numa relao
caracterstica, relao que subsume as partes extensivas constituindo
o modo. A partir dessa primeira trade, Deleuze resgata uma segunda
que poderamos nomear trade das afeces:
6. ESSNCIA/PODER DE SER, AFETADO/ AFECES
Existe uma correspondncia entre essas duas trades, na medida em
que um modo necessariamente afetado. Essa segunda trade to-somente
uma reformulao da primeira na qual no se considera mais a estrutura
do modo uma infinidade de partes extensivas, contudo, o poder de
ser afetado contido no prprio modo: Em suma, uma relao no separvel
de um poder de ser afetado. De modo que Espinosa pode considerar
como equivalentes duas questes fundamentais: Qual a estrutura
(fabrica) de um corpo? Que pode um corpo? A estrutura de um corpo a
composio de sua relao. Que pode um corpo a natureza e os limites de
seu poder de ser afetado. [footnoteRef:71]66 [71: 6 Idem. p.
198]
7. A EXPRESSO DE ESPINOSA
A expresso possui dois aspectos, um constitutivo, o outro
produtivo. Todo o interesse da investigao de Deleuze que ele no
para nesta anlise, mas aprofunda ainda mais a averiguao da expresso
como produo. A expresso como produo tambm a expresso de Espinosa.
Entre seus dois livros: Spinoza et le problme de lexpression e
Espinosa Filosofia prtica[footnoteRef:72]* a pesquisa no apenas se
deslocou, mas continuou. Destarte, a prtica, a prtica da escrita de
Espinosa. [72: Spinoza et le problme de lexpression. Paris: Minuit,
1990, ainda no traduzido no Brasil; Espinosa. Filosofia prtica.
Traduo Daniel Lins e Fabien Pascal Lins. So Paulo: Escuta, 2002.
]
7.1 Prtica da escrita
A que modelo de escrita aludimos aqui? Antes de tudo, no se
trata de Escritura, como nos ensina Espinosa no Tratado
teolgico-poltico, a Escritura uma palavra de ordem, um mandamento.
Todo esforo de Espinosa consiste precisamente em mostrar que somos
vtimas de uma iluso quando aceitamos o mandamento como uma revelao.
A Escritura uma palavra imperativa. Sendo assim, cabe-nos estud-la
luz das leis naturais, visto que toda escrita que repousa
necessariamente na linguagem, no pode ser infalvel. Ademais, nossos
problemas de interpretao podem provir das dificuldades e armadilhas
prprias linguagem.[footnoteRef:73]* A anlise da Escritura remete a
uma anlise da linguagem, e este o ponto mais importante no presente
contexto. Espinosa desconfia da linguagem porque inadequada idia. A
linguagem inadequada idia porque as palavras so movimentos
corporais. Ora, a idia e o corpo diferem em natureza. Como neste
caso conceber uma expresso adequada? Quais so as conseqncias deste
descrdito referente linguagem? Cabe talvez rever todo o sistema da
expresso. [73: Cf. LINS, Daniel. Metafsica do corpo In LINS, Daniel
e GADELHA, Sylvio (orgs.) Nietzsche e Deleuze: Que pode o corpo.
Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2002, p. 67-80; Nietzsche e Artaud:
escrita e potica do tmulo. In Assim falou Nietzsche II, FEITOSA,
Charles, DE BARRENECHEA, Miguel (orgs.) Rio de Janeiro: Relume
Dumar, 2000, p. 21-30; A escrita das origens: Artaud e Nietzsche In
Assim falou Nietzsche. Rio de Janeiro: Sette Letras/UFOP, 1999, p.
121-132. ]
Dito isto, carece perceber em que consiste a crtica de Espinosa,
e que sada ele aponta visto que, finalmente, Espinosa escreve.
preciso desconfiar da linguagem, no obstante, pode-se, apesar de
tudo, fazer uso dela. A palavra chave, decisiva, na presente
anlise, o uso (usos e abusos?) da linguagem. Pode-se usar a
linguagem. O uso da linguagem permite preencher as lacunas. A
expresso tanto mais fcil quanto se utilize mais seguidamente a
linguagem. Finalmente, manejar as palavras no reduzir suas
ambigidades? Em princpio, no impossvel edificar, graas s noes
comuns, uma etimologia racional, mas na realidade podemos
to-somente explicar pouqussimas coisas e o resto ser conhecido pela
experincia vaga ou, absolutamente no o ser. O recurso experincia,
isto , em ocorrncia, ao uso, permite naturalizar esta incerteza e
nos levar a apreender este terreno, apesar de tudo.
[footnoteRef:74]67 [74: 7 MOREAU, Pierre-Franois. Spinoza.
Lexprience et leternit. Paris: PUF, 1994, p. 338]
O uso regulador e reduz a incerteza que as palavras carregam
necessariamente em si, porque so movimentos do corpo. No existe,
finalmente, outra sada prtica que o uso repetido das mesmas
palavras, em um mesmo contexto, para garantir sua significao. A
escrita possvel e mesmo necessria. O Espinosa que abre esta
possibilidade um escritor: o devir-escritor de Espinosa. Para
Deleuze, ele um escritor porque tem um estilo.
7.2 Espinosa estilista
Espinosa sabemos, desconfia da lngua, mas faz uso dela. Como ele
se serve da lngua? Uma primeira resposta poderia salientar sua
preocupao com o rigor, com a ordem ou com a maneira geomtrica. Esta
resposta, porm, no suficiente para Deleuze: Gostaria de dizer o que
um estilo. a propriedade daqueles dos quais habitualmente se diz
eles no tm estilo... No uma estrutura significante, nem uma
organizao refletida, nem uma inspirao espontnea, nem uma
orquestrao, nem uma musiquinha. um agenciamento. Conseguir gaguejar
em sua prpria lngua, isso um estilo (...) um agenciamento de
enunciao.[footnoteRef:75]68 [75: 8 DELEUZE e PARNET. Dilogos. So
Paulo: Escuta, 1988, p. 12.]
O estilo tem a ver com a desconfiana. No Caso de Espinosa, ele
desconfia, e escreve um tratado de maneira geomtrica. Devemos
desconfiar desta ordem aparentemente sem falha que so os axiomas,
as proposies, as demonstraes. Deleuze prope um estudo formal da
tica no qual nos revela a escrita de Espinosa. O estilo uma histria
de sintaxe, repete Deleuze prazerosamente. O estilista aquele que
consegue fazer gaguejar sua lngua. Pode-se pensar em certas
passagens de Clarice Lispector, ou de Henry Miller, referncia
recorrente de Deleuze: Eu tartamudeio e ando s apalpadelas, procuro
todos os meios de expresso possveis e imaginveis, e como uma
gagueira divina. Eu estou deslumbrado com o grandioso desabamento
do mundo. [footnoteRef:76]* A gagueira do escritor no tem nada a
ver com a gagueira patolgica; antes a gagueira do estrangeiro, no
de um estrangeiro da lngua, todavia, de um estrangeiro na sua
prpria lngua: um bilingismo que no dois, mas polissemia infinita. A
lngua no apenas da ordem da gramtica: as lnguas so pases, corpos,
multiplicidades, desertos, afectos e desejos, devir-geogrfico que
ultrapassa a prpria sintaxe; dualidade aparente do bilingismo se
superpe como uma maquina de guerra, a diferena pura.
[footnoteRef:77]* [76: MILLER, Henri (The black spring, 1936),
Printemps noir. Paris: Gallimard, 1946. ] [77: Cf. LINS, Daniel.
Tolerncia ou imagem do pensamento? in Edson Pssetti e Salete
Oliveira (Orgs.) A tolerncia e o intempestivo. So Paulo: Ateli
Editorial, 2005, p. 19-34) ]
Esta anedota ilustra nosso propsito: no sculo XVII, os
missionrios desesperados porque os Amerndios no aprendiam os
rudimentos teolgicos pregados por Roma, resolveram aprender as
lnguas dos ndios, para poder, assim, catequizalo-os em seus prprios
idiomas. Imensa surpresa e gosto amargo de decepo! Os Amerndios
compreendiam o que lhes era falado, mas no o que lhes era ensinado.
Tornavam-se, assim, estrangeiros em sua prpria lngua engendrando,
em conseqncia, uma verdadeira mquina de guerra: l, onde se esperava
uma compreenso objetiva, eclodia a dissidncia, a resistncia, como
meio de expresso, flecha apontada para o futuro dissidncia ou
incompreenso voluntria do discurso-Escritura bem intencionado, mas
dominador? Alguns falaram de preguia, falta de inteligncia,
indolncia, marcas do pecado, conseqncia gentica; outros apelaram
para a violncia moral; uns poucos, ainda, entraram em pnico: quem
disse que as sociedades primitivas no tm cultura? Que primitivos so
estes que entendem tudo pelo meio? Que recusam o comeo e o fim?
Seres humanos como os abandonados, como aqueles que foram deixados
para trs, os Arawet dizem: estamos no meio [footnoteRef:78]* [78:
Conferir a este respeito o trabalhos de Eduardo Viveiros de Castros
Eduardo. Arawet os deuses canibais, Rio de Janeiro, Zahar/Anpocs,
1986, p. 184; cf. tambm Deleuze e Guattari. Anti-dipo Capitalismo e
Esquizofrenia, terceiro captulo, Brbaros, Selvagens, Civilizados.
Traduo de Georges Lamazire. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p.
177-346]
Estrangeiros em sua prpria lngua a lngua que ouviam, era sem
corpo, sem afectos, sem afeces, lngua robtica, o vernculo assim
falado parecia desidratado, usurpado: pura violncia simblica e
fsica. Neste contexto, os Amerndios resistiam, segundo seus prprios
meios, farsa opressora da linguagem: A linguagem no feita para que
se acredite nela, mas para ser obedecida. Quando a professora
explica uma operao s crianas, ou quando ela lhes ensina a sintaxe,
ela no lhes d, propriamente falando, informaes, comunica-lhes
comandos, transmite-lhes palavras de ordem, ela faz com que
produzam enunciados corretos, idias justas, necessariamente
conformes s significaes dominantes. [footnoteRef:79]69 [79: 9
DELEUZE e PARNET. Dilogos. So Paulo: Escuta, 1998, p; 32]
Destarte, o estrangeiro que tartamudeia, apalpa, gagueja, aquele
que conhece a lngua, pois nela nasceu. O que lhe cause problema no
o nascimento, mas, antes o reconhecimento, a expresso. A gagueira,
a gagueira da criao, da expresso; uma gagueira que pode passar por
todos os meios de expresso possveis: a dissidncia a dissidncia
representao e, como tal, pode vir a ser um meio de expresso: A
linguagem tem a primazia, ela inventou o dualismo. Mas o culto da
linguagem, a ereo da linguagem, a prpria lingstica pior do que a
velha ontologia, cujo lugar ela tomou. Devemos passar por
dualismos, porque eles esto na linguagem, no tem jeito, mas preciso
lutar contra a linguagem, inventar a gagueira ().
[footnoteRef:80]70 [80: 0 Idem. p. 44. ]
Em O que a filosofia? Deleuze diz a respeito de Melville,
Lawrence ou Miller que eles criaram o romance do espinosismo. Esta
afirmao alusiva bastante difcil de ser compreendida. Talvez um
pouco menos, se considerarmos algumas passagens precisas de suas
obras. o caso de Miller: Buscar todos os meios de expresso
possveis, tambm o que Espinosa faz. Escrever um tratado maneira
geomtrica no significa obrigatoriamente renunciar ao estilo. A tica
est plena de invenes estilsticas, de efeitos de sintaxe embora
nunca sejam explicitamente apresentados, ou pelo menos apresentados
como tais e por si mesmos. O estilo uma confrontao no seio da
lngua. Espinosa faz jogar a lngua e suas oposies. Cabe, pois, ao
leitor desmascarar um escritor: desmascarar a mscara da mscara do
escritor. O estilo no evidente nem salta aos olhos. O estilo no se
mostra. Ele tambm no se esconde, talvez; mas ele no exterior. O
estilo no mostra, ele pe encena a lngua do exterior. Em outras
palavras, o estilo sempre uma histria de sintaxe. A sintaxe uma
organizao elementar do discurso, da frase. No h oposio fundamental
entre o estilo e a ordem. O estilo no se liberta de toda ordem, ele
cria a sua prpria ordem. Ter um estilo criar uma sintaxe para alm
da sintaxe. Criar, dissemos, sempre da ordem do novo; o contrrio da
novidade bom senso por excelncia , o que no ainda: o que estar por
vir, eis a idia fundamental do novo.
8. LEITURA DA TICA POR MALAMUD
A leitura da tica uma experincia particular. essa experincia que
Deleuze privilegia em Espinosa Filosofia prtica: Mais tarde, li
algumas pginas, em seguida, continuei como se um vento forte me
impulsionasse pelas costas. No compreendi tudo, como lhe falei, mas
quando tocamos em tais idias como se segurssemos uma vassoura de
feiticeira. Eu no era mais o mesmo homem.... [footnoteRef:81]71
[81: 1 DELEUZE. Espinosa. A filosofia Prtica. Traduo de Daniel Lins
e Fabien Pascal Lins. So Paulo: Escuta, 2002, p. 7]
Que eu saiba, Deleuze no faz mais aluso, nem nesse livro nem
alhures, a esta descrio da leitura de Espinosa considerada por ele
exemplar, ao que tudo indica. Ele no comenta essa passagem de
Malamud. No obstante, usa em diversos momentos a metfora vassoura
de feiticeira. Fazer filosofia , muitas vezes o mesmo que
escarranchar essa vassoura de feiticeira, talvez mais perigosa que
fantstica. Tudo leva a crer que Deleuze faz sua a descrio da
leitura de Espinosa por Malamud. Que diz Malamud, ou melhor, seu
heri Yakov? Pouco antes dessa passagem, Malamud encena a descoberta
e a compra deste livro, seu preo: Encontrei o volume em um
antiqurio na cidade vizinha; paguei por ele um copeque, lamentando
naquele momento gastar um dinheiro to difcil de ganhar.
[footnoteRef:82]72 [82: 2 Id., Ibid.]
A tica nesta narrativa aparece como o Livro; no um livro entre
outros, no aquele que custa e justifica o sacrifcio de um copeque.
Cabe tambm observar que o livro se encontra em um antiqurio e no em
uma livraria. Mas a compra no verdadeiramente significativa, ela
atribui um lugar, fixa a imaginao. o discurso do campons que exige
nossa ateno; sua leitura exemplar que faz eco s ltimas linhas da
tica: Como seria possvel a salvao se ela estivesse mo, e se se
pudesse chegar a ela sem grande trabalho tanto que fosse
negligenciada por quase todos? Mas tudo o que belo to difcil quanto
raro.[footnoteRef:83]73 A tica um livro que arrasta, leva consigo,
ou seduz, empurra, como uma rajada de vento, mas tambm um livro
difcil, incompreensvel: um livro perigoso, mltiplo: a vertigem da
filosofia. [83: 3 ESPINOSA. thique. Paris: Seuil, 1988, 5a parte,
proposio. 42, esclio 541, p; 307. ]
8.1 Duas e trs ticas
Esta multiplicidade da tica evidenciada duas vezes por Deleuze:
no apndice de Spinoza et le problme de lexpression e no artigo de
Crtica e Clnica intitulado Espinosa e as trs ticas: primeira
leitura, a tica pode parecer um longo movimento contnuo que vai
quase em linha reta, de uma potncia e serenidade incomparveis, que
passa e repassa pelas definies, axiomas, postulados, proposies,
demonstraes, corolrios e esclios, arrastando o todo em seu curso
grandioso (...) Este livro, um dos maiores do mundo, no como se
acreditava inicialmente: no homogneo, retilneo, contnuo, sereno,
navegvel, linguagem pura sem estilo.[footnoteRef:84]74 [84: 4
DELEUZE. Crtica e Clnica. Traduo de Peter Pl Pelbart. So Paulo:
Editora 34, 1997, p. 156]
Ler a tica ler diversos livros simultaneamente. Detrs do tratado
geomtrico se esconde um escritor, um estilista e mltiplos livros.
Entrar na tica se deixar levar por uma rajada de vento, diz o heri
de Malamud. Deleuze, por sua vez, fala de rio; trata-se da mesma
coisa: o curso das proposies, seu encadeamento sistemtico,
sobretudo no livro I. O curso desse livro implacvel. O que
percebido na leitura da tica, e que no ainda interpretao, esse
curso, essa tica-rio. Uma proposio arrasta outra que por sua vez
leva uma outra, e assim por diante. As demonstraes e os corolrios
se encadeiam e consolidam este edifcio. Isto verdade, sobretudo,
para as primeiras proposies, embora o encadeamento siga seu curso
ao longo da obra. As demonstraes, proposies e corolrios so uma onda
contnua: H, portanto, duas ticas coexistentes, uma constituda pela
linha ou onda contnuas (), outra descontnua, construda pela linha
quebrada ou pela cadeia vulcnica dos esclios. Uma, com um rigor
implacvel, representa uma espcie de terrorismo da cabea (), a outra
recolhe as indignaes e as alegrias do corao, manifesta a alegria
prtica contra a tristeza e se exprime dizendo o
caso.[footnoteRef:85]75 [85: 5 DELEUZE. Spinoza et le problme de
lexpression. Paris: Minuit, 1990, p. 318.]
Todavia, se olharmos de mais perto, esse rio comporta anomalias
que so os esclios. Os esclios, efetivamente, no seguem esse curso.
Exemplo: esclios 1 e 2 da proposio 8. Os dois esclios so bastante
diferentes. O primeiro assemelha-se antes a uma segunda demonstrao
e poderia talvez figurar sob a rubrica: outramente. verdade, porm,
que ele evidencia um uso das palavras no conforme realidade das
coisas. A linguagem reconhece a palavra infinito como derivada do
vocbulo finito, embora o estudo da natureza nos ensine o contrrio.
o finito que contm uma negao e no o infinito. A linguagem se
equivoca acerca da natureza do finito e do infinito, ela o toma
como secundrio, derivado, aquilo que na realidade primeiro. que a
linguagem designa o que ns encontramos em primeiro, aqui o finito,
mas reencontramos em primeiro aquilo que segundo.
Estas observaes suscitadas pelo esclio 1 no tm seus lugares nas
demonstraes. O esclio no estar na eficcia da demonstrao, mas na
observao, distncia. O segundo esclio faz intervir o leitor. Um
leitor presumido difcil de convencer, porque vulgar. Aqui a
distncia imposta por intruso do leitor. Esse tratado de geometria
destinado a ser lido e seu autor faz questo de dirigir e informar
essa leitura: Se os homens atentassem natureza da substncia eles no
teriam a menor dvida acerca da verdade da proposio 7 () pois por
substncia entenderiam aquilo que existe por si e por si concebido.
[footnoteRef:86]75 [86: ]
Os homens julgam confusamente as coisas. Esse livro impe que
mudem esse juzo, que prestem ateno, e percebam diferentemente a
natureza das coisas. O que caracteriza as proposies sua ordem, seu
encadeamento sistemtico. H uma real economia de meios nesta maneira
geomtrica. Nada dito que no sirva proposta ou que no seja
demonstrado. As proposies e suas demonstraes formam, ao mesmo
tempo, um rio e um bloco. O esclio no se integra a esse bloco, com
seu estilo condensado, eficaz. O esclio sangra o curso das
proposies, como os audes do Serto sangram no perodo de grandes
chuvas: a gua que salva a mesma que mata. Eis os trs caracteres dos
esclios: positivo, ostensivo, agressivos. A imagem do curso das
guas, das correntezas, dos volteios quando o rio muda de direo, em
relao ao esclio, um livro da Clera e do Riso, a contra-Bblia de
Espinosa [footnoteRef:87]76, no uma mera figura de estilo So os
esclios que apesar de inseridos na cadeia demonstrativa possuem um
tom de todo diferente que o leitor percebe rapidamente. um outro
estilo, quase uma outra lngua. Eles operam na sombra, se esforam
por desemaranhar aquilo que nos impede e aquilo que, ao contrrio,
nos permite chegar s noes comuns, aquilo que diminui nossa potncia
e aquilo que aumenta, os tristes signos de nossa servido e os
signos alegres de nossas liberaes.[footnoteRef:88]77 [87: 6
DELEUZE. Crtica e Clnica,. So Paulo: Edotora 34. 1997, p. 164] [88:
7 Id. Ibid. ]
A proposio se apresenta como uma objetividade cientfica. No h
nenhum espao para comentrio, para digresso. Tudo parece fora do
assunto. O mximo que se pode esperar uma demonstrao. Mas, a lgica
da demonstrao a mesma que a da proposio. Ela necessria, se articula
sem nenhuma hesitao. Ao supor que no h nenhum autor, nenhum
destinatrio e que foi sempre assim. Ora, no h nada de surpreendente
nisso porque justamente o que dizem as proposies, isto , a
substncia eterna e necessria: Como se as proposies, demonstraes e
corolrios falassem a mais alta linguagem, impessoal e pouco
preocupada em identificar aquilo, pois que ela fala porque o que
diz de todas as maneiras fundado em uma verdade superior enquanto
que os esclios batizam, do um nome, identificam, designam e
denunciam, sondando em profundidade aquilo que o outro ostentava e
fazia avanar. [footnoteRef:89]78 [89: 8 DELEUZE. Spinoza et le
problme de lexpression. Paris: Minuit, 1968, p. 321]
Deleuze, no apndice de seu estudo sobre Espinosa, busca
determinar mais precisamente os caracteres dos esclios. O esclio no
uma outra demonstrao, eis o que nos aparece em primeiro, sem
precisar aprofundar a investigao. Mas, por que? O que caracteriza
os esclios? Os esclios so: positivos, ostensivos e polmicos, esses
trs caracteres reencontram uma mesma inteno: O esclio tem sempre
uma inteno positiva; mas ele s pode efetu-la com a ajuda de um
procedimento ostensivo; e ele no pode fund-lo seno implicando uma
polmica. O procedimento ostensivo, por sua vez, se encontra
dividido entre a argumentao polmica, que a ele atribui seu pleno
sabor, e o princpio positivo que ele serve. [footnoteRef:90]79 [90:
9 Idem. p. 322]
Em outro momento escreve: Cada esclio como um farol que troca
seus sinais com outros distncia e mediante o fluxo das demonstraes.
como uma lngua de fogo que se distingue da linguagem das guas (...)
o livro dos Signos que acompanha incessantemente a tica mais
visvel, o livro do Conceito, e que s surge por conta prpria em
pontos de exploso. Nem por isso deixa de ser um elemento
perfeitamente positivo e uma forma de expresso autnoma na composio
da dupla tica. [footnoteRef:91]80 [91: 0 Idem. p. 164]
Positivos, ostensivos e polmicos os esclios usam uma outra
linguagem, um outro tom. Eles no demonstram de modo impessoal e
contnuo, traam uma linha quebrada feita de partis pris, de indignao
e alegrias do corao. Ao terrorismo da cabea e s regras de
demonstraes, eles opem uma alegria prtica, sempre cuidadosa com os
casos. A tica dos esclios duplica a tica das demonstraes. Ela usa
um outro tom, uma outra linguagem. Essa segunda tica tambm a das
paixes, a dos momentos giratrios: (...) a continuidade das
proposies e demonstraes no pode receber pontos extraordinrios,
impulses diversas, mudanas de direes a no ser pela emergncia de
algo que se exprime nos esclios... [footnoteRef:92]81 [92: 1 Idem.
p. 317. ]
Destarte, a expresso dos esclios difere em todos os pontos.
Aquilo que se exprime assim, de modo quebrado, no o que se diz na
onda contnua das demonstraes. A inteno a mesma, todavia, os esclios
so sempre momentos particulares no percurso da tica, eles desenham
um outro trajeto, independente.
O que chama a ateno na anlise que anima Deleuze, e que se prope
como a continuidade de seu estudo sobre o problema da expresso
gostaramos apenas de considerar a funo particular e complexas dos
esclios , a intruso de um outro ponto de vista acerca da expresso.
Deleuze fala sempre de funo e, logo, de funcionamento. Todavia, a
expresso no mais encarada estritamente como um conceito; aqui mais
precisamente a prtica que aparece. Deleuze salienta a oposio entre
uma tica especulativa e uma tica prtica. O estudo dos esclios nos
leva prtica. Passa-se do funcionamento da expresso na tica, para o
funcionamento do livro em si mesmo: Ambos os livros, as duas ticas,
coexistem, uma desenrolando as noes livres conquistadas luz das
transparncias, enquanto que a outra, no mais profundo da mistura
escura dos corpos, prossegue o combate entre as servides e as
liberaes. Duas ticas pelo menos, que tm um s e mesmo sentido, mas
no a mesma lngua, como duas verses da linguagem de Deus.
[footnoteRef:93]82 [93: 2 DELEUZE. Crtica e Clnica. p. 164-165]
8.2 Como funciona a expresso de Espinosa
Como pensa Malamud, segundo seu paradigma da leitura da tica,
pode-se ler a tica sem procurar compreend-la perfeitamente. Pode-se
estar no livro, como se est amoroso! A seguir, mergulha-se na
tica-rio, no fora-dentro do prprio livro: Mais tarde, li algumas
pginas, em seguida, continuei como se um vento forte me
impulsionasse pelas costas. [footnoteRef:94]83 A leitura est em
diapaso com o que dito. A necessidade da leitura tambm a
necessidade daquilo que dito. O estilo esposa o assunto; a escrita
ou a expresso inteira. Em Mil plats, Deleuze e Guattari sublinham o
que se deve entender por livro: No h diferena entre aquilo de que
um livro fala e a maneira como feito (...) No se perguntar nunca o
que um livro quer dizer, significado ou significante, no se buscar
nada compreender num livro, perguntar-se- com o que ele funciona,
em conexo com o que ele faz ou no passar intensidades (...) Um
livro existe apenas pelo fora e no fora. [footnoteRef:95]84 [94: 3
DELEUZE. Espinosa. Filosofia prtica. p. 7. ] [95: 4 DELEUZE e
GUATTARI. Mil plats Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1. Traduo
Aurlio Guerra Neto e Clia Pinto Costa. So Paulo: Editora 34,
2aedio, 2000, p. 12.]
Cabe, evidentemente, restituir o contexto no qual Deleuze afirma
esta correspondncia exata entre estilo e contedo, entre a maneira e
o sujeito Um livro no tem objeto nem sujeito , ou como a maneira no
totalmente maneira nem o sujeito completamente sujeito. Mil Plats,
como seu ttulo indica, composto de plats distintos, cada um
correspondendo a uma data, a uma descoberta, a uma mltipla sensao,
a uma intensidade, a um tema. Os autores observam na introduo que
os plats podem ser lidos numa ordem aleatria, salvo concluso que
deve ser lida por ltimo. Dito de modo diferente, a forma desse
livro um elemento determinante: Um livro no tem objeto nem sujeito;
feito de matrias diferentemente formadas, de datas e velocidades
muito diferentes (...) Num livro, como em qualquer coisa h linhas
de articulao ou segmentao, estratos, territorialidades, mas tambm
linhas de fuga, movimentos de desterritorializao e desestratificao.
[footnoteRef:96]85 [96: 5 Idem. p. 11]
Perguntar como funciona um livro o que faz Deleuze com a tica,
quando dela retira o conceito de expresso. A expresso faz funcionar
a tica de mltiplas maneiras. H a expresso ontolgica e gnosiolgica
do sistema, h tambm a expresso de Espinosa. Espinosa escritor: A
tica apresenta trs elementos que constituem no s contedos, mas
formas de expresso (...). [footnoteRef:97]86 no ensaio Espinosa e
as trs ticas que Deleuze aprofunda sua anlise formal da tica. Esse
livro, dissemos, no um simples tratado de geometria, ele no
homogneo, retilneo, contnuo, sereno, navegvel, linguagem pura e sem
estilo. Conhecemos a primeira anomalia que constitua os esclios: a
tica de fogo. Deleuze busca agora analisar, de forma simultnea mais
geral e mais precisa a escrita da tica. [97: 6 DELEUZE. Crtica e
Clnica,. p. 156. ]
Os trs elementos so:- Os signos ou afectos- As noes ou
conceitos- As essncias ou perceptos A tica apresenta trs elementos
que constituem no s contedo, mas formas de expresso: os Signos ou
afectos[footnoteRef:98]*; as Noes ou conceitos; as Essncias ou
perceptos; correspondem aos trs gneros de conhecimento, que tambm
so modos de existncia e de expresso. [footnoteRef:99]87 Deleuze faz
coincidir, se superpor os gneros de conhecimento e os modos de
expresso; ou seja, no h diferena entre aquilo de que um livro fala
e a maneira como feito. O que Deleuze desconstri aqui a oposio
forma-contedo. No h sentido em opor sistematicamente a forma e o
contedo. Toda forma implica um contedo e todo contedo implica uma
forma. Deleuze desloca essa oposio para criar seu conceito de
estilo. O estilo da tica essa escrita, ou os trs gneros de
conhecimento so tambm modos de existncia. Em Spinoza et le problme
de lexpression, Deleuze mostra como a expresso antes ontolgica e
to-somente produtiva num segundo grau. Cabe, todavia, compreender
que esse segundo grau no significa um desperdcio ou uma degradao do
ser. Na realidade, aquilo que produzido no seno outra coisa que
aquilo que . [98: Afecto uma potncia de afirmao, o oposto, pois, da
proposio psicanaltica que o remete ao trauma, a uma experincia de
perda etc. Afecto em Deleuze, sob os passos de Espinosa, potncia de
vida, potncia de afirmao, uma experimentao e no um objeto de
interpretao. O afecto neste contexto no-pessoal, distanciando-se do
conceito de pulso, de uma interioridade. Afecto devir no humano do
homem, da sua importncia no conceito deleuziano de imanncia. Para
uma leitura mais aprofundada, conferir: DELEUZE. Espinosa.
Filosofia prtica. So Paulo Escuta, 2002, p. 55-58. ] [99: 7 Id.
Ibid. ]
A cada gnero de conhecimento corresponde uma expresso:1o gnero:
Afecto/Signo2o gnero: Conceito/Noo3o gnero: Percepo/Essnca
Que um signo? Um signo, segundo Espinosa, pode ter vrios
sentidos. Mas sempre um efeito. Um efeito , primeiramente, o
vestgio de um corpo sobre um outro corpo, o estado de um corpo que
tenha sofrido a ao de um outro corpo: uma affectio (...) Os signos
so efeitos: efeito de um corpo sobre outro no espao, ou afeco;
efeito de uma afeco sobre uma durao, ou afecto. [footnoteRef:100]88
[100: 8 Idem. p. 156 e 159]
O signo um efeito. O signo corporal. Sabemos que Espinosa
desconfia dos signos que so palavras porque eles so da ordem do
corpo: o trao de um corpo sobre outro corpo. Os signos se inscrevem
na ordem dos encontros, ordem aleatria, imprevisvel e inmeras vezes
passiva. O signo um afecto porque ele faz parte da ordem dos
encontros, porque um efeito e no pode controlar a ordem.
Conseqentemente, o signo ser a forma do afecto. A tica das paixes,
melhor dizendo, dos afectos, a tica do signo: Os signos remetem aos
signos. Tm como referente misturas confusas de corpos e variaes de
potncia, segundo uma ordem que a do Acaso ou do encontro fortuito
entre os corpos. [footnoteRef:101]89 [101: 9 Idem. p. 158-159 ]
Os signos so afectos corporais dotados da seguinte
especificidade: os signos remetem aos signos. Esta proposio de
Deleuze lembra os escritos de Barthes sobre o Japo. Ele explica em
O gro e a voz[footnoteRef:102]*, notadamente, o que um signo. Sua
experincia de viajante, seu experimento do prprio signo os faz
compreender, com uma grande evidncia, os efeitos de contaminao e
npcias mveis antes devires que estruturas dos signos, constelao de
corpos (afeces) e variaes de potncia (afectos), e no palavras
estratificadas em secas redundncias. O signo esse corpo
incompreensvel para o estrangeiro que remete a outros corpos, a
outros signos. Uma outra experincia pode nos ensinar o que um
signo: a leitura de um dicionrio. O dicionrio um conjunto de
signos. A ele atribudo habitualmente funo de explicar ou definir
algumas palavras. Ora, um olhar mais cuidadoso mostra como o
dicionrio apenas uma grande devoluo entre signos. [102: BARTHES, R.
O Gro da Voz. Entrevistas 1962-1980. Lisboa: Edies 70, 1982.]
Exemplo: Rosa flor odorfera, ordinariamente de um vermelho um
pouco plido, e que cresce em um arbusto espinhoso.
Flor: corola simples ou composta de algumas plantas normalmente
odorfera e dotada de cores vivas. Corola: etc. Esse sistema de
devoluo infinito (quase infinito). Com efeito, o signo no para nos
objetos, mas nos efeitos dos objetos. O signo nunca o signo de
alguma coisa, contudo, o signo de um estado de coisas. Em
conseqncia, as devolues entre os signos so ilimitadas do mesmo modo
que ilimitada a ordem dos encontros. Em outros termos, os signos
nunca so como a luz ou como a sombra, so luzes ou sombras das
coisas: Os signos so efeitos de luz num espao preenchido por coisas
que vo se chocando ao acaso. [footnoteRef:103]90 [103: 0 Idem. p.
159]
Encontramos em Clarice Lispector, embora em outro contexto, uma
verdadeira alquimia do signo: nela o signo passa a ser sentido. H
um devir, h devires em seus signos: o devir como sentido do prprio
signo: Rosa a flor feminina que se d toda e tanto que para ela s
resta a alegria de se ter dado. Seu perfume mistrio doido (...) O
modo de ela se abrir em mulher belssimo. As ptalas tm gosto bom na
boca s experimentar. [footnoteRef:104]91 [104: 1 LISPECTOR,
Clarice. gua viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 58; cf.
LINS, Daniel. Clarice Lispector: escrita bailarina, In ]
Em outro fragmento, ela embaralha ainda mais a ordem dos signos
atribuindo-lhes palavra- corpo l onde se espera talvez a significao
desencarnada do dicionrio. Na lngua de Clarice, o sentido corpo
mvel, gratuito, discreto, doente, festivo, envergonhado, cmico,
gestual, obscena, espiritualista, ateu, amoroso, escatolgico,
perigoso, mortal, inclusive quando o signo tambm signo de flor nem
inocncia nem neutralidade: a mesma flor que afaga e a mesma que
mata com o seu veneno. O beijo no apenas prazer dos lbios tambm
sopro, suspiro, busca de imanncia. Por tocar o prprio princpio da
vida o sopro , o beijo flerta, s vezes, com a morte. O beijo da
morte no apenas uma retrica, mas uma possibilidade. Quando a tcnica
amorosa falha e as intensidades vitalidade pura esmaecem o beijo
engole o prprio beijo e com ele o sujeito do beijo. A sempre-viva
sempre morta. Sua secura tende eternidade. O nome grego quer dizer:
sol de ouro. A margarida florzinha alegre. simples e tona da pele.
S tem uma camada de ptalas. O centro uma brincadeira infantil (...)
Mas Anglica perigosa. Tem perfume de capela. Traz xtase. Lembra a
hstia. Muitos tm vontade de com-la e encher a boca com o intenso
cheiro sagrado (...) Dama-da-noite tem perfume de lua cheia.
fantasmagrica e um pouco assustadora e para quem ama o perigo (...)
perigosssima: um assobio no escuro, o que ningum agenta. Mas eu a
agento porque amo o perigo. [footnoteRef:105]92 [105: 2 Idem. p.
59-60-61]
9. O SIGNO A FORMA DE EXPRESSO DO PRIMEIRO GNERO DO
CONHECIMENTO
O signo, forma de expresso do primeiro gnero de conhecimento,
definido por Espinosa no Tratado da reforma e do entendimento e,
ainda, apresentado em duas partes:
1 H uma percepo adquirida atravs do rumor ou por meio de um
sinal convencional arbitrrio. 2 H uma percepo adquirida pela
experincia vaga, isto pela experincia que no determinada pelo
entendimento, assim nomeada somente porque tendo-se fortuitamente
oferecida e no tendo sido contradita por nenhuma outra ela
permaneceu inabalvel em ns [footnoteRef:106]93. [106: 3 SPINOZA.
Trait de la reforme de lentendement. Paris: Coleo GF-Flammarion,
1993, p. 186.]
Esse primeiro gnero (rumor e experincia vaga) no conhece as
coisas seno pelos seus efeitos, isto , de maneira inadequada porque
conhecer conhecer pela causa. O conhecimento do primeiro gnero o
conhecimento do homem merc dos encontros, a expresso desse
conhecimento se faz pelos signos.
9.1 Que uma noo?
As noes comuns so conceitos de objetos, e os objetos so causas.
Uma noo uma causa. A noo, contrariamente ao signo, remete
diretamente aos objetos. Uma noo tem um objeto como referente.
Conhecer conhecer pelas causas. A noo corresponde ao segundo gnero
de conhecimento; a imaginao do signo cede lugar ao entendimento do
conceito: (...) o entendimento a apreenso verdadeira das estruturas
do corpo, enquanto a imaginao era s a captao da sombra de um corpo
sobre outro. [footnoteRef:107]94 [107: 4 DELEUZE. Crtica e Clnica,
p. 159. ]
Como causa, as noes possuem sua prpria luz. As noes so a luz das
coisas. Esclarecer algo ilumin-las, compreend-las. As noes so
propriamente o que permite elucidar, elas so as fontes de luz e no
mais efeit