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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – S. Cruz do Sul - RS – 30/05 a 01/06/2013 1 Erros dos webjornais nas redes sociais: análise da interação mútua com os leitores 1 Lívia de Souza Vieira 2 Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC RESUMO O caráter relacional presente no conceito de interação mútua mediada por computador (PRIMO, 2007) é o ponto de partida para a reflexão proposta neste artigo, bem como a identificação das especificidades da conversação em rede (RECUERO, 2012). Entendemos que a presença de webjornais nos sites de redes sociais constituem não somente um meio para divulgação de notícias, mas também um espaço importante de relacionamento com os leitores por meio da interação mútua. Dessa forma, analisamos como a não admissão de erros por parte dos webjornais afeta a possibilidade iminente de interação mútua e a credibilidade. São três os exemplos: postagem do jornal O Globo no Facebook e tweets dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo no Twitter. PALAVRAS-CHAVE: jornalismo digital; erro; interação mútua; relacionamento; leitores 1) INTERAÇÃO MÚTUA MEDIADA POR COMPUTADOR A conversação é o gênero mais básico da interação humana e foi considerada por Sacks, Schegloff e Jefferson (1974) como a pedra sociológica fundamental da interação entre os homens. 3 Sócrates, um dos mais importantes filósofos da história, chegou a criar no século IV a.C um método para o diálogo (método socrático), pois acreditava nas perguntas e respostas como meio para atingir a verdade, o bem e a justiça. Desta forma, entende-se que as tecnologias digitais, por meio da Comunicação Mediada por Computador (CMC), surgem como um novo meio de apropriação para diálogos e conversações há muito já existentes. Conforme salienta Recuero (2012, p. 10), as ferramentas computacionais evoluíram para serem espaços conversacionais. “Espaços 1 Trabalho apresentado no DT 5 Comunicação Multimídia do XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 30 de Maio a 01 de Junho de 2013. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Docente do curso de Jornalismo da Associação Educacional Luterana Bom Jesus-IELUSC. Email: [email protected]. 3 Na apresentação do livro “A conversação em rede” (RECUERO, 2012, p. 9), o professor Júlio Araújo traz essa definição e acrescenta que é importante olharmos para ela como um gênero basilar o qual é afetado por seu contexto imediato e pelas tecnologias que sustentam, registram e atualizam as reelaborações pelas quais passam esse gênero.
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Erros dos webjornais nas redes sociais: análise da interação mútua com os leitores

Sep 24, 2015

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Lívia Vieira

O caráter relacional presente no conceito de interação mútua mediada por computador (PRIMO, 2007) é o ponto de partida para a reflexão proposta neste artigo, bem como a identificação das especificidades da conversação em rede (RECUERO, 2012). Entendemos que a presença de webjornais nos sites de redes sociais constituem não somente um meio para divulgação de notícias, mas também um espaço importante de relacionamento com os leitores por meio da interação mútua. Dessa forma, analisamos como a não admissão de erros por parte dos webjornais afeta a possibilidade iminente de interação mútua e a credibilidade. São três os exemplos: postagem do jornal O Globo no Facebook e tweets dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo no Twitter.
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  • Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao XIV Congresso de Cincias da Comunicao na Regio Sul S. Cruz do Sul - RS 30/05 a 01/06/2013

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    Erros dos webjornais nas redes sociais: anlise da interao mtua com os leitores1

    Lvia de Souza Vieira

    2

    Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC

    RESUMO

    O carter relacional presente no conceito de interao mtua mediada por computador

    (PRIMO, 2007) o ponto de partida para a reflexo proposta neste artigo, bem como a

    identificao das especificidades da conversao em rede (RECUERO, 2012).

    Entendemos que a presena de webjornais nos sites de redes sociais constituem no

    somente um meio para divulgao de notcias, mas tambm um espao importante de

    relacionamento com os leitores por meio da interao mtua. Dessa forma, analisamos

    como a no admisso de erros por parte dos webjornais afeta a possibilidade iminente

    de interao mtua e a credibilidade. So trs os exemplos: postagem do jornal O Globo

    no Facebook e tweets dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo no Twitter.

    PALAVRAS-CHAVE: jornalismo digital; erro; interao mtua; relacionamento;

    leitores

    1) INTERAO MTUA MEDIADA POR COMPUTADOR

    A conversao o gnero mais bsico da interao humana e foi considerada por Sacks,

    Schegloff e Jefferson (1974) como a pedra sociolgica fundamental da interao entre

    os homens.3 Scrates, um dos mais importantes filsofos da histria, chegou a criar no

    sculo IV a.C um mtodo para o dilogo (mtodo socrtico), pois acreditava nas

    perguntas e respostas como meio para atingir a verdade, o bem e a justia.

    Desta forma, entende-se que as tecnologias digitais, por meio da Comunicao Mediada

    por Computador (CMC), surgem como um novo meio de apropriao para dilogos e

    conversaes h muito j existentes. Conforme salienta Recuero (2012, p. 10), as

    ferramentas computacionais evoluram para serem espaos conversacionais. Espaos

    1 Trabalho apresentado no DT 5 Comunicao Multimdia do XIV Congresso de Cincias da Comunicao na Regio Sul, realizado de 30 de Maio a 01 de Junho de 2013. 2 Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Docente do curso de Jornalismo da Associao Educacional Luterana Bom Jesus-IELUSC. Email: [email protected]. 3 Na apresentao do livro A conversao em rede (RECUERO, 2012, p. 9), o professor Jlio Arajo traz essa definio e acrescenta que importante olharmos para ela como um gnero basilar o qual afetado por seu contexto imediato e pelas tecnologias que sustentam, registram e atualizam as reelaboraes pelas quais passam esse gnero.

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    onde a interao com outros indivduos adquire contornos semelhantes queles da

    conversao, buscando estabelecer e ou manter laos sociais (RECUERO, 2012, p. 16).

    Para compreender o conceito de interao, recorremos ao estudo de Primo (2007), que

    constri uma diferenciao entre interao reativa e interao mtua. Segundo o autor, a

    primeira depende da previsibilidade e da automatizao nas trocas, ou seja, pr-

    determinada por sistemas informticos programados (por exemplo, a interao em um

    jogo de videogame, que limitada pelas possibilidades j planejadas dentro do sistema).

    J a interao mtua se desenvolve em virtude da negociao relacional durante o

    processo (PRIMO, 2007, p. 149).

    justamente o carter relacional presente na interao mtua mediada por computador

    que mais nos interessa nesse estudo. A apropriao deste conceito nos permite refletir

    acerca do relacionamento estabelecido entre webjornais de referncia e seus leitores nos

    sites de redes sociais. Entendemos que a presena de webjornais no Facebook e Twitter,

    por exemplo, constituem no somente um meio para divulgao de notcias, mas

    tambm um espao importante de relacionamento com os leitores por meio da interao

    mtua.

    Ao abordar as conversaes que emergem nas redes sociais, Raquel Recuero afirma que

    mais do que meras interaes, essas milhares de trocas entre pessoas que se conhecem,

    que no se conhecem ou que se conhecero representam conversaes que permeiam,

    estabelecem e constroem as redes sociais na internet (RECUERO, 2012, p. 17). A

    autora ainda percebe a conversao mediada pelo computador como uma apropriao de

    um sistema tcnico (sites de redes sociais, por exemplo) para uma prtica social (os

    dilogos ali construdos).

    Nesse sentido, o jornalismo utiliza h dcadas prticas de interao mtua por meio da

    participao dos leitores em diversas etapas da produo da notcia: cartas, ligaes

    telefnicas, comentrios ao vivo em rdio e TV, entre outros. A natureza dessas

    participaes vo desde sugesto de pautas e opinies a apontamento de erros. O que

    difere a participao dos leitores no contexto das tecnologias digitais a facilidade de

    comunicao com o veculo e a disseminao da prpria participao.

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    As tecnologias digitais tm servido como motivador para uma maior

    interferncia popular no processo noticioso. Tal processo tem como fator

    inicial a ampliao das formas de acesso Internet: a queda progressiva do

    custo de computadores e de conexo; a multiplicao de servios e pontos de

    acesso gratuito (como em telecentros, ONGs e outras instituies

    comunitrias), cibercafs e pontos de conexo sem fio (Wi-Fi). Alm disso,

    blogs (incluindo fotologs e moblogs), wikis e as tecnologias que simplificam a

    publicao e cooperao na rede favorecem a integrao de qualquer

    interagente no processo de redao, circulao e debate de notcias. (PRIMO e

    TRSEL, 2006, p. 4)

    Alm do fator tecnolgico, a colaborao que marca a Web 2.0 parte intrnseca da

    cultura que se desenvolve nos meios digitais. Ao realizar uma antropologia no

    ciberespao, Maria Elisa Mximo exemplifica que os blogs surgem em meio a um

    conjunto de fenmenos que enfatizam a colaborao em rede, que se desdobram numa

    srie de aes voltadas universalizao dos meios de produo e de acesso s

    tecnologias, s informaes e ao conhecimento (MXIMO, 2007, p. 28).

    Este mesmo fenmeno percebido nos blogs claramente visto no jornalismo digital, por

    meio da insero de comentrios nos sites dos webjornais e, posteriormente, por meio

    da presena nos sites de redes sociais. Primo e Trasel afirmam que preciso apontar os

    discursos em defesa da livre circulao de informaes como outro fator que inspira e

    justifica a emergncia de experincias com jornalismo participativo (PRIMO e

    TRASEL, 2006, p. 4).

    No entanto, embora os comentrios tenham posio de destaque nos blogs, nos

    webjornais eles ocupam um espao bem mais tmido, isso quando ocupam, j que os

    sites noticiosos de referncia no disponibilizam a possibilidade de comentrios em

    todas as notcias. Novamente fazendo referncia aos blogs, Primo chama ateno para o

    potencial dialgico dos comentrios:

    interessante notar que os blogs, outrora cenrio de interaes reativas, hoje se

    abrem para intenso confronto de ideias (configurando, pois, interaes mtuas).

    Os blogs surgiram como uma ferramenta para os internautas disponibilizarem

    seus dirios pessoais e suas impresses sobre os mais diversos assuntos. Hoje,

    porm, diversos recursos so agregados a eles para que os visitantes possam

    deixar seus comentrios sobre o que leram. Com a incorporao do recurso de

    comentrios, os blogs se tornaram verdadeiros fruns para a discusso dos mais

    diferentes tpicos (PRIMO, 2007, p. 132)

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    Basta uma breve visita aos principais webjornais do pas para comprovar que os

    comentrios nas notcias tambm constituem fruns para a discusso sobre os mais

    diferentes tpicos. No entanto, grande parte dessas discusses no tm agradado as

    cpulas de alguns webjornais, fazendo-as tomar medidas como a restrio a

    comentrios4 e a retirada de links no Facebook

    5. Aes questionveis do ponto de vista

    da prpria cibercultura, que pressupe o livre acesso s informaes e a construo do

    conhecimento coletivo.

    2) TRANSPARNCIA NA ADMISSO DE ERROS NO CONTEXTO DO

    RELACIONAMENTO COM O LEITOR

    Ao decidir pela presena nos sites de redes sociais com a criao de fanpages no

    Facebook e perfis no Twitter, os webjornais parecem movimentar-se para onde seus

    leitores esto. Afinal, impossvel ignorar os nmeros: so 67 milhes de usurios

    brasileiros no Facebook6 e 40 milhes no Twitter

    7. No entanto, s esse movimento no

    basta. preciso estabelecer a conversao caracterstica dos sites de redes sociais.

    [A converso em rede] aquela que surge dos milhares de atores

    interconectados que dividem, negociam e constroem contextos coletivos de

    interao, trocam e difundem informaes, criam laos e estabelecem redes

    sociais. (RECUERO, 2012, p. 19)

    4 Desde janeiro de 2013, o jornal Folha de S. Paulo restringe os comentrios dos leitores em seu site, permitindo que apenas assinantes comentem todas as notcias. A deciso foi tomada aps uma srie de discusses internas no jornal,

    que apesar dos filtros que usava, vinha sendo continuamente questionado por membros do Ministrio Pblico Federal e do Estadual em razo de comentrios publicados em sua pgina. No entanto, a medida repercutiu negativamente na opinio da ombudsman do jornal, Suzana Singer, que afirmou: "Quer dar sua opinio vontade? Ento, pague. Curto e grosso, esse o resumo da nova poltica de comentrios no site da Folha. 5 Um e-mail assinado pela direo das Organizaes Globo comunicou a todos os funcionrios que est estritamente proibida a divulgao dos links das matrias nos canais oficiais dos veculos da Globo no Facebook. Desde o dia 8 de abril de 2013, as plataformas das revistas da Editora Globo, do jornal O Globo e do G1 adotaram a medida. Aps um

    estudo e uma anlise detalhada foi detectado que os perfis no Facebook so o principal motivo pela queda de audincia das plataformas digitais da Globo, como a Globo.com, o G1 e os sites das revistas da Editora Globo. A ao teve enorme repercusso entre os leitores e especialistas, que criticam a criao de mais uma etapa de acesso ao contedo, dificultando o consumo da informao. 6 Dados de 2013. http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios-tecnologia,com-67-milhoes-de-usuarios-brasileiros-facebook-ainda-ve-espaco-para-crescer,147744,0.htm. Acesso em 17 abr. 2013. 7 Dados de 2012, embora as pesquisas indiquem queda da participao de brasileiros no Twitter. http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/07/31/twitter-passa-dos-500-milhoes-de-usuarios-mas-numeros-mostram-queda-de-microblog-no-brasil.htm. Acesso em 17 abr. 2013.

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    Para alm da simples divulgao de uma notcia, entende-se que a presena de um

    webjornal nas redes sociais deve incluir o relacionamento com os leitores, que esto

    cada vez mais participativos. Contudo, no isso que se v na prtica, principalmente

    quando esse relacionamento requer transparncia na admisso de erros.

    No fcil para um veculo jornalstico admitir seus erros. Se nas pginas dos jornais

    impressos eles historicamente ocupam um espao restrito, na internet a situao tem se

    mostrado ainda mais preocupante do ponto de vista da tica jornalstica.

    Antes de analisar alguns exemplos que justificam a afirmao acima, vale a pena

    recorrer ao que disse o jornalista Ricardo Noblat em A arte de fazer um jornal dirio:

    o erro matria de interesse pblico. Ele ainda destaca que por orgulho, soberba,

    vaidade ou ignorncia, jornais e jornalistas procuram fazer de conta que s acertam. E,

    quando so pilhados em erro, custa-lhes admitir que erraram. Os jornalistas temem ser

    punidos por seus chefes. Os jornais temem perder leitores (NOBLAT, 2002: 40).

    Informar o leitor sobre o erro cometido pode ser simples, principalmente nos ambientes

    digitais. A internet dinmica por natureza e no h necessidade de esperar at a edio

    do dia seguinte para publicar uma errata ou para um pedido de desculpas. Quando

    falamos especificamente de redes sociais parece ser ainda mais dinmico, j que h

    informalidade e o tom tpico do meio o de conversa com o leitor. Alm disso, ao

    caracterizar a interao mtua, Primo no exclui a existncia de conflitos.

    Enquanto se comunicam, os interagentes promovem uns nos outros constantes

    desequilbrios. Assim sendo, pode-se dizer que as interaes mtuas se

    complexificam e se desenvolvem diante do prprio desequilbrio, sendo este

    um propulsor de novas atualizaes. (PRIMO, 2007, p. 121)

    Nesse contexto, o desequilbrio pode ser visto como a ocorrncia de um erro, o que,

    conforme Primo, faz parte do relacionamento mantido nas interaes mtuas.

    Relacionamento este que pressupe transparncia, visando manter a qualidade e

    credibilidade do jornalismo praticado pelo webjornal.

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    Ao analisar os comentrios de uma notcia no webjornal O Globo, Larissa de Morais

    Mendes percebeu que possvel uma apropriao da notcia pelos leitores a partir de

    perspectivas prprias, para alm do apresentado na matria (MENDES, 2012, online).

    Ou seja, no aproveitar esse potencial de relacionamento com os leitores e

    (re)construo de vieses da prpria notcia parece um desperdcio por parte dos

    webjornais.

    Especificamente nos sites de redes sociais Facebook e Twitter, entendemos como

    principais tipos de relacionamento: 1) respostas a perguntas feitas pelos leitores; 2)

    incentivo participao por meio de posts que instiguem comentrios; 3) visibilidade a

    comentrios dos leitores por meio de retweets, curtidas ou compartilhamentos; 4)

    admisso de erros cometidos. O presente artigo se concentra em aprofundar as reflexes

    sobre esta ltima caracterstica no contexto da interao mtua.

    A admisso de erros est inserida nas normas deontolgicas de diversos veculos

    jornalsticos. Exemplificando: O Manual de Redao e Estilo do jornal O Estado de

    S.Paulo diz que toda informao errada que o Estado publicar dever ser retificada na

    edio seguinte, na mesma seo que a divulgou, sob o ttulo Correo, ressalvados os

    casos excepcionais, que exijam maior destaque (1990, p. 36). No Novo Manual de

    Redao da Folha de S.Paulo, explicitado que a Folha retifica, sem eufemismos, os

    erros que comete. A retificao deve ser publicada assim que a falha for contatada,

    mesmo que no haja pedido externo Redao (2001, p. 72). E nos princpios

    editoriais das Organizaes Globo consta que os erros devem ser corrigidos, sem

    subterfgios e com destaque. No h erro maior do que deixar os que ocorrem sem a

    devida correo (2011, online).

    Portanto, a preocupao com a admisso de erros e o reconhecimento de sua

    importncia est devidamente includa nos manuais de redao dos veculos

    jornalsticos. No entanto, percebe-se que o dever-ser do jornalismo nem sempre est

    prximo do ser; ou seja, por vezes h um profundo distanciamento entre teoria e

    prtica jornalsticas. No caso especfico da admisso de erros, selecionamos, por meio

    de observao simples, trs exemplos que mostram como o silncio e negligncia fazem

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    com que os webjornais estejam distantes da interao mtua desejada no contexto da

    conversao em rede.

    3) LEITORES SEM RESPOSTA, MULTIPLICAO DO ERRO

    No dia 31 de agosto de 2012, o jornal O Estado de S. Paulo publicou em seu perfil no

    Twitter: Corinthians completa 102 anos hoje. Parabns!. Um tweet claro, direto e

    informal, no fosse um detalhe: o aniversrio do time de futebol seria no dia seguinte

    (sbado). Um pequeno erro - que para um corinthiano no foi to pequeno assim, gerou

    muita repercusso e nenhuma retificao por parte do veculo. Diversos leitores

    avisaram claramente ao Estado que tratava-se de um erro. Alm disso, entre os 60 RTs

    (retweets) estava o do perfil do Jornal Hoje, da Rede Globo, que contribuiu ainda mais

    para a multiplicao do erro. Nesse caso, bastaria a publicao de um tweet com pedido

    de desculpas e link para a matria com a data correta.

    Fig.1 Print screen do referido tweet com RTs dos leitores.8

    8 Disponvel em: https://twitter.com/Estadao/status/241560946642935808. Acesso em 18 abr 2013.

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    Outro erro, agora cometido pelo jornal O Globo em sua fanpage no Facebook, ratifica o

    descaso com os leitores. No dia 30 de dezembro de 2012, o veculo chama o Estado do

    Maranho de cidade (Maranho, cidade excluda das turns internacionais...) e

    rapidamente mais de 100 leitores se pronunciam advertindo sobre o erro. Trs dias aps

    a publicao, uma leitora ainda tenta chamar a ateno de O Globo com o comentrio:

    At agora desculpa nada!. E nada de resposta.

    Uma das regras de ouro das redes sociais nunca apagar uma postagem, justamente em

    respeito aos que j tiveram acesso ao contedo. Nesse caso, O Globo poderia ter

    includo um comentrio ou at mesmo ter publicado uma nova postagem com a errata.

    Fig. 2 Print screen da postagem de O Globo, com comentrios dos leitores9.

    O terceiro exemplo de 17 de fevereiro de 2013. O jornal Folha de S. Paulo publica em

    seu perfil no Twitter que a frica um pas, e no um continente (A frica o pas

    que registra o maior crescimento de pessoas catlicas). Novamente houve

    manifestao dos leitores e nenhuma retificao do veculo. E, assim como no caso do

    Estado, bastaria a publicao de um novo tweet com a informao correta. Agradecer

    aos leitores por terem avisado sobre o erro tambm seria de bom tom.

    9 Disponvel em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=504600896246261&set=a.123958997643788.9532.115230991849922&type=1&theater. Acesso em 18 abr. 2013.

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    Fig. 3 Print screen com o referido tweet e RTs dos leitores.10

    4) CONSIDERAES FINAIS

    A breve anlise desses trs exemplos pode suscitar inmeras discusses, desde o tipo de

    erro cometido pelos jornais (confuso de estado com cidade; de continente com pas; e a

    troca da data de aniversrio de um dos principais times de futebol do pas) at a falta de

    ateno com o leitor e a negligncia com a disseminao de uma informao errada.

    10 Disponvel em: https://twitter.com/folha_com/status/303273068862779392. Acesso em 18 abr. 2013.

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    Contudo, voltaremos nosso foco para a relao da no admisso de erros com a

    interao mtua. elementar observar que, se no h resposta por parte do webjornal

    aos comentrios dos leitores, no h interao mtua. A conversao em rede necessita

    de interagentes que estabeleam relaes. A conversao a porta atravs da qual as

    interaes sociais acontecem e as relaes sociais se estabelecem (RECUERO, 2012,

    p. 29).

    Primo afirma que os processos de interao mtua caracterizam-se por sua construo

    dinmica, contnua e contextualizada (PRIMO, 2007, p. 116). Diante dos exemplos

    apresentados, podemos afirmar que os webjornais no praticam a interao mtua com

    seus leitores em sua plenitude e no desenvolvem um relacionamento caracterstico dos

    meios digitais: o da conversao.

    difcil prever quais sero as consequncias dessas aes (ou no-aes) em longo

    prazo e o quanto elas impactam na credibilidade do veculo jornalstico. Philip Meyer

    (2007) nos d algumas pistas ao citar um estudo norte-americano sobre credibilidade, da

    autora Chris Urban:

    Os diretores de redao dos jornais norte-americanos se preocupam bastante

    com a credibilidade, a ponto de encomendarem estudos de larga escala sobre o

    tema desde 1985. No mais recente, de 1999, a autora Chris Urban considera a

    preocupao do pblico com a exatido sua descoberta mais relevante. H uma unanimidade notvel entre o pblico e os jornalistas sobre o valor

    fundamental da exatido e de relatar exatamente o que aconteceu, mas ambos

    os grupos tm dvidas sobre a exatido em geral e preferem que uma reportagem saia melhor do que saia primeiro, escreveu Urban. Tanto os jornalistas quanto o pblico acreditam que mesmo erros aparentemente

    pequenos alimentam o ceticismo pblico sobre a credibilidade de um jornal.

    Acima de um tero do pblico 35% - encontra erros de ortografia ou gramtica nos jornais mais de uma vez por semana, e 21% os encontram quase

    diariamente. O principal papel da exatido ser um tijolo na construo da credibilidade do jornal a longo prazo. (MEYER, 2007, p. 94)

    Christofoletti e Prado (2005) afirmam que o coeficiente de confiabilidade das

    reportagens ser proporcional ao nvel de segurana do pblico em relao mdia que

    consome. Os autores recorrem funo social do jornalismo para enfatizar a

    importncia da informao sem erros:

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    O jornalismo uma atividade social que se apoia no compromisso de informar

    as pessoas dos principais acontecimentos da sociedade. Mas, como se espera,

    as informaes devem ser precisas, exatas, fiis aos fatos. Logo, o pblico

    espera informao de qualidade, sem erros, sem distores, sem incorrees.

    (CHRISTOFOLETTI, Rogrio; PRADO, Raffael, 2005, online)

    Nesse sentido, os veculos jornalsticos tm muito a aprender com as marcas e com os

    blogueiros, que mostram crescente preocupao em responder a seus clientes e leitores

    nas redes sociais. Algumas empresas criaram at o chamado SAC 2.0, com perfis

    dedicados exclusivamente a ouvir e responder crticas, dvidas e reclamaes. E no

    comum que um blogueiro deixe seu leitor sem resposta ou simplesmente ignore um erro

    cometido. Como existe a base de uma interao mtua, a retificao costuma ser clara e

    sem traumas. Alguns blogueiros utilizam at o recurso tachado para que a retificao

    fique visvel a todos os leitores.

    Diante do contexto apresentado, temos que concordar com o professor Eugnio Bucci,

    que enfatiza, em Sobre tica e imprensa: como se a imprensa proclamasse: minha

    funo informar o pblico, mas os meus mtodos no so da conta de mais ningum

    eles so bons, corretos e justos por definio (BUCCI, 2000, p. 39).

    Portanto, mesmo sem graves consequncias imediatas, entendemos que a no admisso

    de erros e o silenciamento diante de uma possibilidade iminente de interao mtua

    podem minar a credibilidade do veculo jornalstico em longo prazo. Levando em

    considerao que a fidelidade dos leitores no considerada fator preponderante no

    meio digital, agindo dessa maneira, o webjornal corre o risco de fazer com que seu

    leitor, diante do longo silncio aps um erro, migre para um veculo que esteja disposto

    a estabelecer com ele uma verdadeira interao mtua.

    REFERNCIAS

    BUCCI, E. Sobre tica e imprensa. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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