Top Banner
8/18/2019 Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues http://slidepdf.com/reader/full/criticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1/25 Cândido Moreira Rodrigues Críticos da Revolução Francesa: conservadores tradicionalistas e contrarrevolucionários O revolucionário “só idolatra o devir até a instauração da ordem pela qual se debatera” (ÉMILE CIORAN, 1957). Os direitos dos povos... partem sempre da concessão dos sobera- nos. (...) Mas os direitos do soberano e da aristocracia não têm data nem autores (JOSEPH DE MAISTRE, 1797). Para realizarmos o estudo do pensamento conservador, de fundo tra- dicionalista ou contrarrevolucionário, cabe considerar como e em relação a que esse tipo de pensamento se constituiu 1 . O pensamento conservador tradicionalista  ou conservador contrarrevolucionário  se formou face às mudanças operadas pela Revolução Francesa. Se a Grã-Bretanha fornecia ao mundo do século XIX os impactos de sua revolução industrial, a França daria suas revoluções e ideias ao mundo, de modo que a política européia até por volta de 1917 seria formada por lutas “a favor e contra os princípios de 1789, ou os ainda mais incendiários de 1793”. É em relação a muitos desses princípios que o pensamento conservador se volta, reage. Hobsbawm sugere que as origens da Revolução Francesa devem ser buscadas nas condi- ções gerais da Europa, mas, em primeiro lugar, em situações específicas da França. Embora a França não fosse uma potência como a Grã-Bretanha, ela era a “mais poderosa (...) das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa”, de forma que “o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras partes. (...) As novas forças sabiam muito precisamente o que queriam” (HOBSBAWM, 1989, p. 71-73). 1  Este texto é parte, com significativas alterações, do capítulo II de minha Tese de Doutorado, defen- dida no ano de 2006, intitulada Alceu Amoroso Lima: matrizes e posições de um intelectual católico militante em perspectiva histórica - 1928-1946 , defendida na Faculdade de Ciências e Letras de Assis, da Universidade Estadual Paulista. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 3. Brasília, janeiro-julho de 2010, pp. 343-367.
25

Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

Jul 07, 2018

Download

Documents

Hudson Rabelo
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 125

Cacircndido Moreira Rodrigues

Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesaconservadores tradicionalistas e contrarrevolucionaacuterios

O revolucionaacuterio ldquosoacute idolatra o devir ateacute a instauraccedilatildeo da ordempela qual se debaterardquo (EacuteMILE CIORAN 1957)

Os direitos dos povos partem sempre da concessatildeo dos sobera-nos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm data

nem autores (JOSEPH DE MAISTRE 1797)

Para realizarmos o estudo do pensamento conservador de fundo tra-dicionalista ou contrarrevolucionaacuterio cabe considerar como e em relaccedilatildeoa que esse tipo de pensamento se constituiu1 O pensamento conservadortradicionalista ou conservador contrarrevolucionaacuterio se formou face agravesmudanccedilas operadas pela Revoluccedilatildeo Francesa Se a Gratilde-Bretanha forneciaao mundo do seacuteculo XIX os impactos de sua revoluccedilatildeo industrial a Franccediladaria suas revoluccedilotildees e ideias ao mundo de modo que a poliacutetica europeacuteiaateacute por volta de 1917 seria formada por lutas ldquoa favor e contra os princiacutepiosde 1789 ou os ainda mais incendiaacuterios de 1793rdquo Eacute em relaccedilatildeo a muitosdesses princiacutepios que o pensamento conservador se volta reage Hobsbawmsugere que as origens da Revoluccedilatildeo Francesa devem ser buscadas nas condi-ccedilotildees gerais da Europa mas em primeiro lugar em situaccedilotildees especiacuteficas da

Franccedila Embora a Franccedila natildeo fosse uma potecircncia como a Gratilde-Bretanha elaera a ldquomais poderosa () das velhas e aristocraacuteticas monarquias absolutasda Europardquo de forma que ldquoo conflito entre a estrutura oficial e os interessesestabelecidos do velho regime e as novas forccedilas sociais ascendentes era maisagudo na Franccedila do que em outras partes () As novas forccedilas sabiam muitoprecisamente o que queriamrdquo (HOBSBAWM 1989 p 71-73)

1 Este texto eacute parte com significativas alteraccedilotildees do capiacutetulo II de minha Tese de Doutorado defen-

dida no ano de 2006 intitulada Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelicomilitante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 defendida na Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assisda Universidade Estadual Paulista

Revista Brasileira de Ciecircncia Poliacutetica nordm 3 Brasiacutelia janeiro-julho de 2010 pp 343-367

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 225

344 Cacircndido Moreira Rodrigues

As ideias e mudanccedilas oriundas da Revoluccedilatildeo Francesa representaramforte impacto na Europa e no mundo especialmente entre aqueles que de-fendiam a permanecircncia dos privileacutegios do regime anterior como foi o caso

de intelectuais e poliacuteticos aristocratas conservadores na Inglaterra Franccedila emais tarde na Espanha O historiador Eric Hobsbawm foi conclusivo sobreo teor da Revoluccedilatildeo Francesa

A Franccedila forneceu o vocabulaacuterio e os temas da poliacutetica liberal e radical-democraacutetica

para a maior parte do mundo A Franccedila deu o primeiro grande exemplo o conceito

e o vocabulaacuterio do nacionalismo A Franccedila forneceu os coacutedigos legais o modelo de

organizaccedilatildeo teacutecnica e cientiacutefica e o sistema meacutetrico de medidas para a maioria dos

paiacuteses () A Revoluccedilatildeo Francesa pode natildeo ter sido um fenocircmeno isolado mas foimuito mais fundamental do que os outros fenocircmenos contemporacircneos e suas con-

sequumlecircncias foram portanto mais profundas (HOBSBAWM 1989 p 71-73)

A reaccedilatildeo aos princiacutepios e efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa foi violentiacutessimaem vaacuterias regiotildees da Europa (GODECHOT 1961)2 Com a Repuacuteblica Jacobinado Ano II haacute um acirramento da resistecircncia por parte do rei da nobrezafrancesa e da emigraccedilatildeo aristocraacutetica e eclesiaacutestica defendendo a ideia de

que somente uma forccedila de reconquista da Franccedila vinda do exterior poderialdquorestaurar o velho regimerdquo Hobsbawm descreve essa movimentaccedilatildeo comoexpressatildeo tanto dos cerca de 300 mil franceses emigrados entre 1789 e 1795como do impacto causado pela Revoluccedilatildeo na Europa

Esta intervenccedilatildeo natildeo foi muito facilmente organizada dadas as complexidades da

situaccedilatildeo internacional e a relativa tranquilidade poliacutetica de outros paiacuteses Entretanto

era cada vez mais evidente para os nobres e os governantes por direito divino de

outros paiacuteses que a restauraccedilatildeo do poder de Luiacutes XVI natildeo era meramente um atode solidariedade de classe mas uma proteccedilatildeo importante contra a difusatildeo de ideacuteias

perturbadoras vindas da Franccedila (HOBSBAWM 1989 p 83)

Mais recentemente em 1999 Franccedilois Furet (2001) estudou o debatesobre a Revoluccedilatildeo Francesa Nesse livro o autor referiu-se aos contrarrevolu-cionaacuterios em especial a Edmund Burke demonstrando que tanto os historia-

2 Godechot estuda a doutrina e a accedilatildeo contrarrevolucionaacuteria com atenccedilatildeo especial para a FranccedilaInglaterra e Alemanha

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 325

345Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

dores do seacuteculo XIX ndash Mignet Michelet ndash como os do XX ndash Jauregraves e GeorgeLefebvre ndash ignoraram sua atuaccedilatildeo Furet aponta esse fato como decorrecircnciade sua obra Reflextions constituir-se tambeacutem aos olhos desses historiadores

em algo estranho por seu caraacuteter de surpresa poliacutetica e filosoacutefica dado queBurke considerava o acontecimento francecircs sob o ldquoacircngulo de uma rupturacom a civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo (FURET 2001 p 93) Furet argumenta que aausecircncia de grandes estudos sobre o inglecircs Burke eacute produto entatildeo desseestranhamento em relaccedilatildeo agrave sua postura quanto ao fato revolucionaacuterio jaacuteque esse mesmo fato ldquoaparece aos franceses mesmo contrarrevolucionaacuterioscomo uma seacuterie de acontecimentos quase familiares agrave forccedila de serem cons-titutivos de sua histoacuteriardquo (FURET 2001 p 93-94)

Reneacute Reacutemond ao estudar a Revoluccedilatildeo Francesa demonstrou como estaoperou modificaccedilotildees irreversiacuteveis no que se refere ao lugar da religiatildeo e desuas relaccedilotildees com a sociedade civil Observou ainda que antes de 1789 jaacutese expressava uma mudanccedila no campo das ideias e mesmo da poliacutetica dosEstados o que representava tambeacutem a alteraccedilatildeo de posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave IgrejaCatoacutelica Cabe considerar que o racionalismo responsabilizava o domiacuteniopoliacutetico da Igreja como causador de grande parte das desigualdades sociaisDentro dessa perspectiva tambeacutem o absolutismo monaacuterquico mobilizou-seem direccedilatildeo a uma emancipaccedilatildeo dado que a definiccedilatildeo de sua soberania ldquoeravaacutelida no tocante agraves tutelas religiosasrdquo Nesse campo segundo Reacutemond nodecorrer da Revoluccedilatildeo Francesa as movimentaccedilotildees ao redor da questatildeo religiosaganharam forccedila determinante sobretudo no que se refere agrave ruptura com o ca-tolicismo romano como ponto determinante Nessa ruptura os revolucionaacuteriosfranceses radicalizaram accedilotildees em relaccedilatildeo agrave Igreja na qual por exemplo o cleroacabou por perder seu estatuto incluindo-se aiacute seus privileacutegios e suas atribuiccedilotildees

na sociedade civil Isso se deu na medida em que o estado civil foi transferidopara as municipalidades e seus bens foram confiscados Em consequecircnciaocorreu rapidamente a dissoluccedilatildeo das ordens religiosas com relevante prejuiacutezopara o culto catoacutelico Foi nesse momento revolucionaacuterio que ldquopela primeiravez as sociedades modernasrdquo fizeram a experiecircncia de uma separaccedilatildeo radicalentre o religioso e o poliacutetico entre as Igrejas e o poder puacuteblico o que conduziua igreja perder o apoio secular e igualmente ldquotodo um conjunto de costumes desentimentos e de obrigaccedilotildees coletivasrdquo (REacuteMOND 1986 p 137-139)

Apoacutes a Revoluccedilatildeo Napoleatildeo reatou as relaccedilotildees com a Santa Seacute particular-mente a partir da assinatura da Concordata em 1801 momento a partir do

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 425

346 Cacircndido Moreira Rodrigues

qual o catolicismo deixou de ser a uacutenica forma de crenccedila reconhecida pas-sando o protestantismo e o judaiacutesmo a serem contemplados Daiacute em diantea Franccedila viveu por direito puacuteblico sob o regime do pluralismo religioso Foi

tambeacutem aiacute que Napoleatildeo fez com que o Papa reconhecesse a ldquotransferecircnciados bens nacionaisrdquo e renunciasse agrave sua restituiccedilatildeo Portanto em razatildeo dessasmudanccedilas a Igreja se viu com seus bens confiscados de modo que o cleropassou a ter dependecircncia direta do Estado por meio da verba dos cultos Apartir de entatildeo o Estado passou a nomear os bispos e os padres que foramequiparados aos outros funcionaacuterios recebendo o mesmo tratamento inclu-sive no que se referia agrave dependecircncia aos poderes puacuteblicos Observa-se quemesmo no periacuteodo da Restauraccedilatildeo natildeo foi possiacutevel restabelecer o poder da

Igreja do ponto de vista religioso embora muitos fossem favoraacuteveis a tal feitaAssim as relaccedilotildees entre o poder poliacutetico e religioso ficaram prejudicadasna medida em que a partir da Revoluccedilatildeo haviam ldquosido irrevogavelmentemodificadasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139)

Por outro lado Reacutemond trabalha com a ideia de acordo com a qual noplano poliacutetico a Revoluccedilatildeo acabou por prolongar e ao mesmo tempo rom-per com o Antigo Regime Defende particularmente em relaccedilatildeo ao camposocial que tenha ocorrido uma renovaccedilatildeo de forma integral A seu ver aobra da Revoluccedilatildeo se resumiu em constituir uma sociedade nova caracte-rizada essencialmente pela liberdade fosse a do indiviacuteduo a da terra a dainiciativa individual Explica-se aiacute que com a derrocada da servidatildeo e dosdireitos feudais incluindo-se as corporaccedilotildees confrarias privileacutegios etc foramcolocados por terra os elementos que operavam como entraves agrave invenccedilatildeoagrave livre iniciativa Outro exemplo foi o fim dos monopoacutelios que impediam aconcorrecircncia a livre escolha e toda sorte de regras restritivas Portanto de

acordo com Reacutemond encontra-se aiacute a verdadeira revoluccedilatildeo ldquomuito mais doque a transferecircncia de soberaniardquo A Revoluccedilatildeo Francesa procurou proclamarcomo direito e instaurar como praacutetica a igualdade civil a partir da igualdadede direitos e deveres com o fim dos privileacutegios com a supressatildeo dos tiacutetulose das diferenccedilas sociais enfim supressatildeo de ldquotodas as justiccedilas senhoriaismunicipais eclesiaacutesticasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139-141)

Mais tarde a Restauraccedilatildeo se efetivou como uma restauraccedilatildeo dinaacutesticaAlgo que ocorreu em grande parte da Europa como na Franccedila com Louis

XVIII com os Bourbons em Naacutepoles e na Espanha tambeacutem com os Bragan-ccedilas em Portugal e com a dinastia dos Orange nos Paiacuteses-Baixos Ao mesmo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 525

347Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

tempo ocorreu uma restauraccedilatildeo do princiacutepio ou do espiacuterito monaacuterquicondash pois jaacute natildeo se falava mais em Repuacuteblica ndash com a defesa da legitimidadepor parte de doutrinadores e filoacutesofos da contrarrevoluccedilatildeo entre os quais

estavam os descendentes de Burke De Maistre De Bonald entre outrosA partir da Restauraccedilatildeo ocorreu o que Reacutemond chamou de acomodaccedilatildeodos ldquoultrasrdquo que sonhavam com a restauraccedilatildeo integral do Antigo Regimee desejavam ratificar os movimentos revolucionaacuterios considerados comoprovenientes de uma Revoluccedilatildeo Satacircnica No sentido oposto estavam osliberais que natildeo aceitavam os tratados de 1815 e que desejavam lutar pelosideais da Revoluccedilatildeo (REacuteMOND 1997 p17-24)

As transformaccedilotildees sociais expressas com o fim da servidatildeo fim dos privi-

leacutegios surgimento da igualdade civil o novo acesso a cargos puacuteblicos o fimdas interdiccedilotildees na aquisiccedilatildeo de terras por parte da burguesia acabaram porfavorecer a esta e assim operar a passagem de uma ldquosociedade aristocraacuteticapara uma sociedade burguesardquo Nesse momento sob uma aparente Restau-raccedilatildeo se operou o prevalecimento de uma soluccedilatildeo de compromisso onde sedeu ao mesmo tempo uma ldquoaceitaccedilatildeo natildeo confessada de uma parte daobra da Revoluccedilatildeordquo e uma investida por parte dos contrarrevolucionaacuteriosem sentido oposto (REacuteMOND 1997 p 22-23)

Foi na segunda metade do seacuteculo XIX que se operou uma espeacutecie de di-voacutercio entre dois universos duas sociedades e nesse meio a Igreja Catoacutelicaatuou como representante do passado da tradiccedilatildeo da autoridade do dogmada coaccedilatildeo Em sentido contraacuterio agrave Igreja se posicionaram os defensores darazatildeo da liberdade do progresso da ciecircncia do futuro da justiccedila Nesseembate em muitas situaccedilotildees ocorreu a derrota das ldquoforccedilas conservadoras ereacionaacuteriasrdquo ligadas agrave Igreja o que operou uma cisatildeo na histoacuteria poliacutetica de

paiacuteses catoacutelicos como Franccedila Espanha e Beacutelgica (REacuteMOND 1997 p170)Portanto foi em relaccedilatildeo a esse estado de coisas que o pensamento conser-vador se formou e se manifestou de forma radical

Expoentes do pensamento conservador

Foi em relaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e seus desdobramentos que seinsurgiram os pensadores franceses Joseph De Maistre Louis De Bonald(conservadores contrarrevolucionaacuterios) o espanhol Juan Donoso Corteacutes

(igualmente contra-revolucionaacuterio) e o inglecircs Edmund Burke (conservadortradicionalista)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 625

348 Cacircndido Moreira Rodrigues

Comecemos entatildeo pela definiccedilatildeo dos principais temas do pensamentoconservador de fundo tradicionalista com Edmund Burke para em seguidaadentrarmos nas temaacuteticas do pensamento conservador de base contrarre-

volucionaacuteria com De Bonald De Maistre e Donoso CorteacutesEm siacutentese os principais elementos utilizados pelo pensamento conser-

vador-tradicionalista foram 1 Temas fisioloacutegicos fisiologia do casamentodo gosto recurso agrave natureza e agrave experiecircncia Este pensamento daacute ensejo a secompreender a natureza como estando ligada agrave histoacuteria com uma poliacuteticanatural baseada no progresso no desenvolvimento da histoacuteria no legadoda experiecircncia e natildeo no homem As ideias dos pensadores da tradiccedilatildeo seconstituem eminentemente em favor do ldquopoder dos fatosrdquo partindo do

princiacutepio da desconfianccedila diante das abstraccedilotildees 2 Em decorrecircncia dessatemaacutetica surgem questotildees vinculadas agrave terra (como eacute o caso das muacuteltiplasacepccedilotildees do termo donde a ideia de terra natal e de agricultura) temasrelativos ao meio agrave continuidade agrave honra do princiacutepio do recurso agrave sobe-rania dos antepassados e a uma multiplicidade de temaacuteticas e metaacuteforasa exemplo a aacutervore como um siacutembolo de espontaneidade continuidade 3A continuidade nas temaacuteticas nos leva agrave terceira situaccedilatildeo expressa pelasquestotildees indicadas por Touchard como relativas agrave associaccedilatildeo (temaacuteticasopostas ao individualismo liberal) entre as quais a associaccedilatildeo natural(famiacutelia) associaccedilatildeo local (descentralizaccedilatildeo regionalismo) e por fima associaccedilatildeo profissional (corporativismo ndash como ocorre mais adiantena escola da Action Franccedilaise) 4 Diante deste quadro torna-se indis-pensaacutevel apresentar os chamados temas morais como a honra a energia (importante para Balzac e Barregraves) a responsabilidade o patriotismo otrabalho bem-feito (aqui eacute o caso de Peacuteguy e o nacionalismo) Dentro desta

linha aparece ainda a moral relacionada com a feacute a essecircncia viril o heroiacutesmo e o primado das elites como responsaacuteveis pela boa conduccedilatildeo e promoccedilatildeo davida social e espiritual 5 Por oportuno chegamos talvez agrave mais importantetemaacutetica a questatildeo da ordem Esta se revela com diversos sentidos conformeo tempo ordem no sentido medieval (ordem de cavalaria) relacionadoao Antigo Regime (trecircs ordens do reino) no sentido poliacutetico positivista eainda moral Outro ponto importante definido por Touchard diz respeito agravenecessidade de se compreender que o tradicionalismo natildeo pertence exclusi-

vamente a uma classe social mas ao contraacuterio encontra adeptos fervorososna ldquoaristocracia no clero nos meios rurais sobretudo na burguesia nos

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 2: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 225

344 Cacircndido Moreira Rodrigues

As ideias e mudanccedilas oriundas da Revoluccedilatildeo Francesa representaramforte impacto na Europa e no mundo especialmente entre aqueles que de-fendiam a permanecircncia dos privileacutegios do regime anterior como foi o caso

de intelectuais e poliacuteticos aristocratas conservadores na Inglaterra Franccedila emais tarde na Espanha O historiador Eric Hobsbawm foi conclusivo sobreo teor da Revoluccedilatildeo Francesa

A Franccedila forneceu o vocabulaacuterio e os temas da poliacutetica liberal e radical-democraacutetica

para a maior parte do mundo A Franccedila deu o primeiro grande exemplo o conceito

e o vocabulaacuterio do nacionalismo A Franccedila forneceu os coacutedigos legais o modelo de

organizaccedilatildeo teacutecnica e cientiacutefica e o sistema meacutetrico de medidas para a maioria dos

paiacuteses () A Revoluccedilatildeo Francesa pode natildeo ter sido um fenocircmeno isolado mas foimuito mais fundamental do que os outros fenocircmenos contemporacircneos e suas con-

sequumlecircncias foram portanto mais profundas (HOBSBAWM 1989 p 71-73)

A reaccedilatildeo aos princiacutepios e efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa foi violentiacutessimaem vaacuterias regiotildees da Europa (GODECHOT 1961)2 Com a Repuacuteblica Jacobinado Ano II haacute um acirramento da resistecircncia por parte do rei da nobrezafrancesa e da emigraccedilatildeo aristocraacutetica e eclesiaacutestica defendendo a ideia de

que somente uma forccedila de reconquista da Franccedila vinda do exterior poderialdquorestaurar o velho regimerdquo Hobsbawm descreve essa movimentaccedilatildeo comoexpressatildeo tanto dos cerca de 300 mil franceses emigrados entre 1789 e 1795como do impacto causado pela Revoluccedilatildeo na Europa

Esta intervenccedilatildeo natildeo foi muito facilmente organizada dadas as complexidades da

situaccedilatildeo internacional e a relativa tranquilidade poliacutetica de outros paiacuteses Entretanto

era cada vez mais evidente para os nobres e os governantes por direito divino de

outros paiacuteses que a restauraccedilatildeo do poder de Luiacutes XVI natildeo era meramente um atode solidariedade de classe mas uma proteccedilatildeo importante contra a difusatildeo de ideacuteias

perturbadoras vindas da Franccedila (HOBSBAWM 1989 p 83)

Mais recentemente em 1999 Franccedilois Furet (2001) estudou o debatesobre a Revoluccedilatildeo Francesa Nesse livro o autor referiu-se aos contrarrevolu-cionaacuterios em especial a Edmund Burke demonstrando que tanto os historia-

2 Godechot estuda a doutrina e a accedilatildeo contrarrevolucionaacuteria com atenccedilatildeo especial para a FranccedilaInglaterra e Alemanha

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 325

345Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

dores do seacuteculo XIX ndash Mignet Michelet ndash como os do XX ndash Jauregraves e GeorgeLefebvre ndash ignoraram sua atuaccedilatildeo Furet aponta esse fato como decorrecircnciade sua obra Reflextions constituir-se tambeacutem aos olhos desses historiadores

em algo estranho por seu caraacuteter de surpresa poliacutetica e filosoacutefica dado queBurke considerava o acontecimento francecircs sob o ldquoacircngulo de uma rupturacom a civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo (FURET 2001 p 93) Furet argumenta que aausecircncia de grandes estudos sobre o inglecircs Burke eacute produto entatildeo desseestranhamento em relaccedilatildeo agrave sua postura quanto ao fato revolucionaacuterio jaacuteque esse mesmo fato ldquoaparece aos franceses mesmo contrarrevolucionaacuterioscomo uma seacuterie de acontecimentos quase familiares agrave forccedila de serem cons-titutivos de sua histoacuteriardquo (FURET 2001 p 93-94)

Reneacute Reacutemond ao estudar a Revoluccedilatildeo Francesa demonstrou como estaoperou modificaccedilotildees irreversiacuteveis no que se refere ao lugar da religiatildeo e desuas relaccedilotildees com a sociedade civil Observou ainda que antes de 1789 jaacutese expressava uma mudanccedila no campo das ideias e mesmo da poliacutetica dosEstados o que representava tambeacutem a alteraccedilatildeo de posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave IgrejaCatoacutelica Cabe considerar que o racionalismo responsabilizava o domiacuteniopoliacutetico da Igreja como causador de grande parte das desigualdades sociaisDentro dessa perspectiva tambeacutem o absolutismo monaacuterquico mobilizou-seem direccedilatildeo a uma emancipaccedilatildeo dado que a definiccedilatildeo de sua soberania ldquoeravaacutelida no tocante agraves tutelas religiosasrdquo Nesse campo segundo Reacutemond nodecorrer da Revoluccedilatildeo Francesa as movimentaccedilotildees ao redor da questatildeo religiosaganharam forccedila determinante sobretudo no que se refere agrave ruptura com o ca-tolicismo romano como ponto determinante Nessa ruptura os revolucionaacuteriosfranceses radicalizaram accedilotildees em relaccedilatildeo agrave Igreja na qual por exemplo o cleroacabou por perder seu estatuto incluindo-se aiacute seus privileacutegios e suas atribuiccedilotildees

na sociedade civil Isso se deu na medida em que o estado civil foi transferidopara as municipalidades e seus bens foram confiscados Em consequecircnciaocorreu rapidamente a dissoluccedilatildeo das ordens religiosas com relevante prejuiacutezopara o culto catoacutelico Foi nesse momento revolucionaacuterio que ldquopela primeiravez as sociedades modernasrdquo fizeram a experiecircncia de uma separaccedilatildeo radicalentre o religioso e o poliacutetico entre as Igrejas e o poder puacuteblico o que conduziua igreja perder o apoio secular e igualmente ldquotodo um conjunto de costumes desentimentos e de obrigaccedilotildees coletivasrdquo (REacuteMOND 1986 p 137-139)

Apoacutes a Revoluccedilatildeo Napoleatildeo reatou as relaccedilotildees com a Santa Seacute particular-mente a partir da assinatura da Concordata em 1801 momento a partir do

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 425

346 Cacircndido Moreira Rodrigues

qual o catolicismo deixou de ser a uacutenica forma de crenccedila reconhecida pas-sando o protestantismo e o judaiacutesmo a serem contemplados Daiacute em diantea Franccedila viveu por direito puacuteblico sob o regime do pluralismo religioso Foi

tambeacutem aiacute que Napoleatildeo fez com que o Papa reconhecesse a ldquotransferecircnciados bens nacionaisrdquo e renunciasse agrave sua restituiccedilatildeo Portanto em razatildeo dessasmudanccedilas a Igreja se viu com seus bens confiscados de modo que o cleropassou a ter dependecircncia direta do Estado por meio da verba dos cultos Apartir de entatildeo o Estado passou a nomear os bispos e os padres que foramequiparados aos outros funcionaacuterios recebendo o mesmo tratamento inclu-sive no que se referia agrave dependecircncia aos poderes puacuteblicos Observa-se quemesmo no periacuteodo da Restauraccedilatildeo natildeo foi possiacutevel restabelecer o poder da

Igreja do ponto de vista religioso embora muitos fossem favoraacuteveis a tal feitaAssim as relaccedilotildees entre o poder poliacutetico e religioso ficaram prejudicadasna medida em que a partir da Revoluccedilatildeo haviam ldquosido irrevogavelmentemodificadasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139)

Por outro lado Reacutemond trabalha com a ideia de acordo com a qual noplano poliacutetico a Revoluccedilatildeo acabou por prolongar e ao mesmo tempo rom-per com o Antigo Regime Defende particularmente em relaccedilatildeo ao camposocial que tenha ocorrido uma renovaccedilatildeo de forma integral A seu ver aobra da Revoluccedilatildeo se resumiu em constituir uma sociedade nova caracte-rizada essencialmente pela liberdade fosse a do indiviacuteduo a da terra a dainiciativa individual Explica-se aiacute que com a derrocada da servidatildeo e dosdireitos feudais incluindo-se as corporaccedilotildees confrarias privileacutegios etc foramcolocados por terra os elementos que operavam como entraves agrave invenccedilatildeoagrave livre iniciativa Outro exemplo foi o fim dos monopoacutelios que impediam aconcorrecircncia a livre escolha e toda sorte de regras restritivas Portanto de

acordo com Reacutemond encontra-se aiacute a verdadeira revoluccedilatildeo ldquomuito mais doque a transferecircncia de soberaniardquo A Revoluccedilatildeo Francesa procurou proclamarcomo direito e instaurar como praacutetica a igualdade civil a partir da igualdadede direitos e deveres com o fim dos privileacutegios com a supressatildeo dos tiacutetulose das diferenccedilas sociais enfim supressatildeo de ldquotodas as justiccedilas senhoriaismunicipais eclesiaacutesticasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139-141)

Mais tarde a Restauraccedilatildeo se efetivou como uma restauraccedilatildeo dinaacutesticaAlgo que ocorreu em grande parte da Europa como na Franccedila com Louis

XVIII com os Bourbons em Naacutepoles e na Espanha tambeacutem com os Bragan-ccedilas em Portugal e com a dinastia dos Orange nos Paiacuteses-Baixos Ao mesmo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 525

347Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

tempo ocorreu uma restauraccedilatildeo do princiacutepio ou do espiacuterito monaacuterquicondash pois jaacute natildeo se falava mais em Repuacuteblica ndash com a defesa da legitimidadepor parte de doutrinadores e filoacutesofos da contrarrevoluccedilatildeo entre os quais

estavam os descendentes de Burke De Maistre De Bonald entre outrosA partir da Restauraccedilatildeo ocorreu o que Reacutemond chamou de acomodaccedilatildeodos ldquoultrasrdquo que sonhavam com a restauraccedilatildeo integral do Antigo Regimee desejavam ratificar os movimentos revolucionaacuterios considerados comoprovenientes de uma Revoluccedilatildeo Satacircnica No sentido oposto estavam osliberais que natildeo aceitavam os tratados de 1815 e que desejavam lutar pelosideais da Revoluccedilatildeo (REacuteMOND 1997 p17-24)

As transformaccedilotildees sociais expressas com o fim da servidatildeo fim dos privi-

leacutegios surgimento da igualdade civil o novo acesso a cargos puacuteblicos o fimdas interdiccedilotildees na aquisiccedilatildeo de terras por parte da burguesia acabaram porfavorecer a esta e assim operar a passagem de uma ldquosociedade aristocraacuteticapara uma sociedade burguesardquo Nesse momento sob uma aparente Restau-raccedilatildeo se operou o prevalecimento de uma soluccedilatildeo de compromisso onde sedeu ao mesmo tempo uma ldquoaceitaccedilatildeo natildeo confessada de uma parte daobra da Revoluccedilatildeordquo e uma investida por parte dos contrarrevolucionaacuteriosem sentido oposto (REacuteMOND 1997 p 22-23)

Foi na segunda metade do seacuteculo XIX que se operou uma espeacutecie de di-voacutercio entre dois universos duas sociedades e nesse meio a Igreja Catoacutelicaatuou como representante do passado da tradiccedilatildeo da autoridade do dogmada coaccedilatildeo Em sentido contraacuterio agrave Igreja se posicionaram os defensores darazatildeo da liberdade do progresso da ciecircncia do futuro da justiccedila Nesseembate em muitas situaccedilotildees ocorreu a derrota das ldquoforccedilas conservadoras ereacionaacuteriasrdquo ligadas agrave Igreja o que operou uma cisatildeo na histoacuteria poliacutetica de

paiacuteses catoacutelicos como Franccedila Espanha e Beacutelgica (REacuteMOND 1997 p170)Portanto foi em relaccedilatildeo a esse estado de coisas que o pensamento conser-vador se formou e se manifestou de forma radical

Expoentes do pensamento conservador

Foi em relaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e seus desdobramentos que seinsurgiram os pensadores franceses Joseph De Maistre Louis De Bonald(conservadores contrarrevolucionaacuterios) o espanhol Juan Donoso Corteacutes

(igualmente contra-revolucionaacuterio) e o inglecircs Edmund Burke (conservadortradicionalista)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 625

348 Cacircndido Moreira Rodrigues

Comecemos entatildeo pela definiccedilatildeo dos principais temas do pensamentoconservador de fundo tradicionalista com Edmund Burke para em seguidaadentrarmos nas temaacuteticas do pensamento conservador de base contrarre-

volucionaacuteria com De Bonald De Maistre e Donoso CorteacutesEm siacutentese os principais elementos utilizados pelo pensamento conser-

vador-tradicionalista foram 1 Temas fisioloacutegicos fisiologia do casamentodo gosto recurso agrave natureza e agrave experiecircncia Este pensamento daacute ensejo a secompreender a natureza como estando ligada agrave histoacuteria com uma poliacuteticanatural baseada no progresso no desenvolvimento da histoacuteria no legadoda experiecircncia e natildeo no homem As ideias dos pensadores da tradiccedilatildeo seconstituem eminentemente em favor do ldquopoder dos fatosrdquo partindo do

princiacutepio da desconfianccedila diante das abstraccedilotildees 2 Em decorrecircncia dessatemaacutetica surgem questotildees vinculadas agrave terra (como eacute o caso das muacuteltiplasacepccedilotildees do termo donde a ideia de terra natal e de agricultura) temasrelativos ao meio agrave continuidade agrave honra do princiacutepio do recurso agrave sobe-rania dos antepassados e a uma multiplicidade de temaacuteticas e metaacuteforasa exemplo a aacutervore como um siacutembolo de espontaneidade continuidade 3A continuidade nas temaacuteticas nos leva agrave terceira situaccedilatildeo expressa pelasquestotildees indicadas por Touchard como relativas agrave associaccedilatildeo (temaacuteticasopostas ao individualismo liberal) entre as quais a associaccedilatildeo natural(famiacutelia) associaccedilatildeo local (descentralizaccedilatildeo regionalismo) e por fima associaccedilatildeo profissional (corporativismo ndash como ocorre mais adiantena escola da Action Franccedilaise) 4 Diante deste quadro torna-se indis-pensaacutevel apresentar os chamados temas morais como a honra a energia (importante para Balzac e Barregraves) a responsabilidade o patriotismo otrabalho bem-feito (aqui eacute o caso de Peacuteguy e o nacionalismo) Dentro desta

linha aparece ainda a moral relacionada com a feacute a essecircncia viril o heroiacutesmo e o primado das elites como responsaacuteveis pela boa conduccedilatildeo e promoccedilatildeo davida social e espiritual 5 Por oportuno chegamos talvez agrave mais importantetemaacutetica a questatildeo da ordem Esta se revela com diversos sentidos conformeo tempo ordem no sentido medieval (ordem de cavalaria) relacionadoao Antigo Regime (trecircs ordens do reino) no sentido poliacutetico positivista eainda moral Outro ponto importante definido por Touchard diz respeito agravenecessidade de se compreender que o tradicionalismo natildeo pertence exclusi-

vamente a uma classe social mas ao contraacuterio encontra adeptos fervorososna ldquoaristocracia no clero nos meios rurais sobretudo na burguesia nos

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 3: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 325

345Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

dores do seacuteculo XIX ndash Mignet Michelet ndash como os do XX ndash Jauregraves e GeorgeLefebvre ndash ignoraram sua atuaccedilatildeo Furet aponta esse fato como decorrecircnciade sua obra Reflextions constituir-se tambeacutem aos olhos desses historiadores

em algo estranho por seu caraacuteter de surpresa poliacutetica e filosoacutefica dado queBurke considerava o acontecimento francecircs sob o ldquoacircngulo de uma rupturacom a civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo (FURET 2001 p 93) Furet argumenta que aausecircncia de grandes estudos sobre o inglecircs Burke eacute produto entatildeo desseestranhamento em relaccedilatildeo agrave sua postura quanto ao fato revolucionaacuterio jaacuteque esse mesmo fato ldquoaparece aos franceses mesmo contrarrevolucionaacuterioscomo uma seacuterie de acontecimentos quase familiares agrave forccedila de serem cons-titutivos de sua histoacuteriardquo (FURET 2001 p 93-94)

Reneacute Reacutemond ao estudar a Revoluccedilatildeo Francesa demonstrou como estaoperou modificaccedilotildees irreversiacuteveis no que se refere ao lugar da religiatildeo e desuas relaccedilotildees com a sociedade civil Observou ainda que antes de 1789 jaacutese expressava uma mudanccedila no campo das ideias e mesmo da poliacutetica dosEstados o que representava tambeacutem a alteraccedilatildeo de posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave IgrejaCatoacutelica Cabe considerar que o racionalismo responsabilizava o domiacuteniopoliacutetico da Igreja como causador de grande parte das desigualdades sociaisDentro dessa perspectiva tambeacutem o absolutismo monaacuterquico mobilizou-seem direccedilatildeo a uma emancipaccedilatildeo dado que a definiccedilatildeo de sua soberania ldquoeravaacutelida no tocante agraves tutelas religiosasrdquo Nesse campo segundo Reacutemond nodecorrer da Revoluccedilatildeo Francesa as movimentaccedilotildees ao redor da questatildeo religiosaganharam forccedila determinante sobretudo no que se refere agrave ruptura com o ca-tolicismo romano como ponto determinante Nessa ruptura os revolucionaacuteriosfranceses radicalizaram accedilotildees em relaccedilatildeo agrave Igreja na qual por exemplo o cleroacabou por perder seu estatuto incluindo-se aiacute seus privileacutegios e suas atribuiccedilotildees

na sociedade civil Isso se deu na medida em que o estado civil foi transferidopara as municipalidades e seus bens foram confiscados Em consequecircnciaocorreu rapidamente a dissoluccedilatildeo das ordens religiosas com relevante prejuiacutezopara o culto catoacutelico Foi nesse momento revolucionaacuterio que ldquopela primeiravez as sociedades modernasrdquo fizeram a experiecircncia de uma separaccedilatildeo radicalentre o religioso e o poliacutetico entre as Igrejas e o poder puacuteblico o que conduziua igreja perder o apoio secular e igualmente ldquotodo um conjunto de costumes desentimentos e de obrigaccedilotildees coletivasrdquo (REacuteMOND 1986 p 137-139)

Apoacutes a Revoluccedilatildeo Napoleatildeo reatou as relaccedilotildees com a Santa Seacute particular-mente a partir da assinatura da Concordata em 1801 momento a partir do

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 425

346 Cacircndido Moreira Rodrigues

qual o catolicismo deixou de ser a uacutenica forma de crenccedila reconhecida pas-sando o protestantismo e o judaiacutesmo a serem contemplados Daiacute em diantea Franccedila viveu por direito puacuteblico sob o regime do pluralismo religioso Foi

tambeacutem aiacute que Napoleatildeo fez com que o Papa reconhecesse a ldquotransferecircnciados bens nacionaisrdquo e renunciasse agrave sua restituiccedilatildeo Portanto em razatildeo dessasmudanccedilas a Igreja se viu com seus bens confiscados de modo que o cleropassou a ter dependecircncia direta do Estado por meio da verba dos cultos Apartir de entatildeo o Estado passou a nomear os bispos e os padres que foramequiparados aos outros funcionaacuterios recebendo o mesmo tratamento inclu-sive no que se referia agrave dependecircncia aos poderes puacuteblicos Observa-se quemesmo no periacuteodo da Restauraccedilatildeo natildeo foi possiacutevel restabelecer o poder da

Igreja do ponto de vista religioso embora muitos fossem favoraacuteveis a tal feitaAssim as relaccedilotildees entre o poder poliacutetico e religioso ficaram prejudicadasna medida em que a partir da Revoluccedilatildeo haviam ldquosido irrevogavelmentemodificadasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139)

Por outro lado Reacutemond trabalha com a ideia de acordo com a qual noplano poliacutetico a Revoluccedilatildeo acabou por prolongar e ao mesmo tempo rom-per com o Antigo Regime Defende particularmente em relaccedilatildeo ao camposocial que tenha ocorrido uma renovaccedilatildeo de forma integral A seu ver aobra da Revoluccedilatildeo se resumiu em constituir uma sociedade nova caracte-rizada essencialmente pela liberdade fosse a do indiviacuteduo a da terra a dainiciativa individual Explica-se aiacute que com a derrocada da servidatildeo e dosdireitos feudais incluindo-se as corporaccedilotildees confrarias privileacutegios etc foramcolocados por terra os elementos que operavam como entraves agrave invenccedilatildeoagrave livre iniciativa Outro exemplo foi o fim dos monopoacutelios que impediam aconcorrecircncia a livre escolha e toda sorte de regras restritivas Portanto de

acordo com Reacutemond encontra-se aiacute a verdadeira revoluccedilatildeo ldquomuito mais doque a transferecircncia de soberaniardquo A Revoluccedilatildeo Francesa procurou proclamarcomo direito e instaurar como praacutetica a igualdade civil a partir da igualdadede direitos e deveres com o fim dos privileacutegios com a supressatildeo dos tiacutetulose das diferenccedilas sociais enfim supressatildeo de ldquotodas as justiccedilas senhoriaismunicipais eclesiaacutesticasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139-141)

Mais tarde a Restauraccedilatildeo se efetivou como uma restauraccedilatildeo dinaacutesticaAlgo que ocorreu em grande parte da Europa como na Franccedila com Louis

XVIII com os Bourbons em Naacutepoles e na Espanha tambeacutem com os Bragan-ccedilas em Portugal e com a dinastia dos Orange nos Paiacuteses-Baixos Ao mesmo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 525

347Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

tempo ocorreu uma restauraccedilatildeo do princiacutepio ou do espiacuterito monaacuterquicondash pois jaacute natildeo se falava mais em Repuacuteblica ndash com a defesa da legitimidadepor parte de doutrinadores e filoacutesofos da contrarrevoluccedilatildeo entre os quais

estavam os descendentes de Burke De Maistre De Bonald entre outrosA partir da Restauraccedilatildeo ocorreu o que Reacutemond chamou de acomodaccedilatildeodos ldquoultrasrdquo que sonhavam com a restauraccedilatildeo integral do Antigo Regimee desejavam ratificar os movimentos revolucionaacuterios considerados comoprovenientes de uma Revoluccedilatildeo Satacircnica No sentido oposto estavam osliberais que natildeo aceitavam os tratados de 1815 e que desejavam lutar pelosideais da Revoluccedilatildeo (REacuteMOND 1997 p17-24)

As transformaccedilotildees sociais expressas com o fim da servidatildeo fim dos privi-

leacutegios surgimento da igualdade civil o novo acesso a cargos puacuteblicos o fimdas interdiccedilotildees na aquisiccedilatildeo de terras por parte da burguesia acabaram porfavorecer a esta e assim operar a passagem de uma ldquosociedade aristocraacuteticapara uma sociedade burguesardquo Nesse momento sob uma aparente Restau-raccedilatildeo se operou o prevalecimento de uma soluccedilatildeo de compromisso onde sedeu ao mesmo tempo uma ldquoaceitaccedilatildeo natildeo confessada de uma parte daobra da Revoluccedilatildeordquo e uma investida por parte dos contrarrevolucionaacuteriosem sentido oposto (REacuteMOND 1997 p 22-23)

Foi na segunda metade do seacuteculo XIX que se operou uma espeacutecie de di-voacutercio entre dois universos duas sociedades e nesse meio a Igreja Catoacutelicaatuou como representante do passado da tradiccedilatildeo da autoridade do dogmada coaccedilatildeo Em sentido contraacuterio agrave Igreja se posicionaram os defensores darazatildeo da liberdade do progresso da ciecircncia do futuro da justiccedila Nesseembate em muitas situaccedilotildees ocorreu a derrota das ldquoforccedilas conservadoras ereacionaacuteriasrdquo ligadas agrave Igreja o que operou uma cisatildeo na histoacuteria poliacutetica de

paiacuteses catoacutelicos como Franccedila Espanha e Beacutelgica (REacuteMOND 1997 p170)Portanto foi em relaccedilatildeo a esse estado de coisas que o pensamento conser-vador se formou e se manifestou de forma radical

Expoentes do pensamento conservador

Foi em relaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e seus desdobramentos que seinsurgiram os pensadores franceses Joseph De Maistre Louis De Bonald(conservadores contrarrevolucionaacuterios) o espanhol Juan Donoso Corteacutes

(igualmente contra-revolucionaacuterio) e o inglecircs Edmund Burke (conservadortradicionalista)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 625

348 Cacircndido Moreira Rodrigues

Comecemos entatildeo pela definiccedilatildeo dos principais temas do pensamentoconservador de fundo tradicionalista com Edmund Burke para em seguidaadentrarmos nas temaacuteticas do pensamento conservador de base contrarre-

volucionaacuteria com De Bonald De Maistre e Donoso CorteacutesEm siacutentese os principais elementos utilizados pelo pensamento conser-

vador-tradicionalista foram 1 Temas fisioloacutegicos fisiologia do casamentodo gosto recurso agrave natureza e agrave experiecircncia Este pensamento daacute ensejo a secompreender a natureza como estando ligada agrave histoacuteria com uma poliacuteticanatural baseada no progresso no desenvolvimento da histoacuteria no legadoda experiecircncia e natildeo no homem As ideias dos pensadores da tradiccedilatildeo seconstituem eminentemente em favor do ldquopoder dos fatosrdquo partindo do

princiacutepio da desconfianccedila diante das abstraccedilotildees 2 Em decorrecircncia dessatemaacutetica surgem questotildees vinculadas agrave terra (como eacute o caso das muacuteltiplasacepccedilotildees do termo donde a ideia de terra natal e de agricultura) temasrelativos ao meio agrave continuidade agrave honra do princiacutepio do recurso agrave sobe-rania dos antepassados e a uma multiplicidade de temaacuteticas e metaacuteforasa exemplo a aacutervore como um siacutembolo de espontaneidade continuidade 3A continuidade nas temaacuteticas nos leva agrave terceira situaccedilatildeo expressa pelasquestotildees indicadas por Touchard como relativas agrave associaccedilatildeo (temaacuteticasopostas ao individualismo liberal) entre as quais a associaccedilatildeo natural(famiacutelia) associaccedilatildeo local (descentralizaccedilatildeo regionalismo) e por fima associaccedilatildeo profissional (corporativismo ndash como ocorre mais adiantena escola da Action Franccedilaise) 4 Diante deste quadro torna-se indis-pensaacutevel apresentar os chamados temas morais como a honra a energia (importante para Balzac e Barregraves) a responsabilidade o patriotismo otrabalho bem-feito (aqui eacute o caso de Peacuteguy e o nacionalismo) Dentro desta

linha aparece ainda a moral relacionada com a feacute a essecircncia viril o heroiacutesmo e o primado das elites como responsaacuteveis pela boa conduccedilatildeo e promoccedilatildeo davida social e espiritual 5 Por oportuno chegamos talvez agrave mais importantetemaacutetica a questatildeo da ordem Esta se revela com diversos sentidos conformeo tempo ordem no sentido medieval (ordem de cavalaria) relacionadoao Antigo Regime (trecircs ordens do reino) no sentido poliacutetico positivista eainda moral Outro ponto importante definido por Touchard diz respeito agravenecessidade de se compreender que o tradicionalismo natildeo pertence exclusi-

vamente a uma classe social mas ao contraacuterio encontra adeptos fervorososna ldquoaristocracia no clero nos meios rurais sobretudo na burguesia nos

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 4: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 425

346 Cacircndido Moreira Rodrigues

qual o catolicismo deixou de ser a uacutenica forma de crenccedila reconhecida pas-sando o protestantismo e o judaiacutesmo a serem contemplados Daiacute em diantea Franccedila viveu por direito puacuteblico sob o regime do pluralismo religioso Foi

tambeacutem aiacute que Napoleatildeo fez com que o Papa reconhecesse a ldquotransferecircnciados bens nacionaisrdquo e renunciasse agrave sua restituiccedilatildeo Portanto em razatildeo dessasmudanccedilas a Igreja se viu com seus bens confiscados de modo que o cleropassou a ter dependecircncia direta do Estado por meio da verba dos cultos Apartir de entatildeo o Estado passou a nomear os bispos e os padres que foramequiparados aos outros funcionaacuterios recebendo o mesmo tratamento inclu-sive no que se referia agrave dependecircncia aos poderes puacuteblicos Observa-se quemesmo no periacuteodo da Restauraccedilatildeo natildeo foi possiacutevel restabelecer o poder da

Igreja do ponto de vista religioso embora muitos fossem favoraacuteveis a tal feitaAssim as relaccedilotildees entre o poder poliacutetico e religioso ficaram prejudicadasna medida em que a partir da Revoluccedilatildeo haviam ldquosido irrevogavelmentemodificadasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139)

Por outro lado Reacutemond trabalha com a ideia de acordo com a qual noplano poliacutetico a Revoluccedilatildeo acabou por prolongar e ao mesmo tempo rom-per com o Antigo Regime Defende particularmente em relaccedilatildeo ao camposocial que tenha ocorrido uma renovaccedilatildeo de forma integral A seu ver aobra da Revoluccedilatildeo se resumiu em constituir uma sociedade nova caracte-rizada essencialmente pela liberdade fosse a do indiviacuteduo a da terra a dainiciativa individual Explica-se aiacute que com a derrocada da servidatildeo e dosdireitos feudais incluindo-se as corporaccedilotildees confrarias privileacutegios etc foramcolocados por terra os elementos que operavam como entraves agrave invenccedilatildeoagrave livre iniciativa Outro exemplo foi o fim dos monopoacutelios que impediam aconcorrecircncia a livre escolha e toda sorte de regras restritivas Portanto de

acordo com Reacutemond encontra-se aiacute a verdadeira revoluccedilatildeo ldquomuito mais doque a transferecircncia de soberaniardquo A Revoluccedilatildeo Francesa procurou proclamarcomo direito e instaurar como praacutetica a igualdade civil a partir da igualdadede direitos e deveres com o fim dos privileacutegios com a supressatildeo dos tiacutetulose das diferenccedilas sociais enfim supressatildeo de ldquotodas as justiccedilas senhoriaismunicipais eclesiaacutesticasrdquo (REacuteMOND 1986 p 139-141)

Mais tarde a Restauraccedilatildeo se efetivou como uma restauraccedilatildeo dinaacutesticaAlgo que ocorreu em grande parte da Europa como na Franccedila com Louis

XVIII com os Bourbons em Naacutepoles e na Espanha tambeacutem com os Bragan-ccedilas em Portugal e com a dinastia dos Orange nos Paiacuteses-Baixos Ao mesmo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 525

347Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

tempo ocorreu uma restauraccedilatildeo do princiacutepio ou do espiacuterito monaacuterquicondash pois jaacute natildeo se falava mais em Repuacuteblica ndash com a defesa da legitimidadepor parte de doutrinadores e filoacutesofos da contrarrevoluccedilatildeo entre os quais

estavam os descendentes de Burke De Maistre De Bonald entre outrosA partir da Restauraccedilatildeo ocorreu o que Reacutemond chamou de acomodaccedilatildeodos ldquoultrasrdquo que sonhavam com a restauraccedilatildeo integral do Antigo Regimee desejavam ratificar os movimentos revolucionaacuterios considerados comoprovenientes de uma Revoluccedilatildeo Satacircnica No sentido oposto estavam osliberais que natildeo aceitavam os tratados de 1815 e que desejavam lutar pelosideais da Revoluccedilatildeo (REacuteMOND 1997 p17-24)

As transformaccedilotildees sociais expressas com o fim da servidatildeo fim dos privi-

leacutegios surgimento da igualdade civil o novo acesso a cargos puacuteblicos o fimdas interdiccedilotildees na aquisiccedilatildeo de terras por parte da burguesia acabaram porfavorecer a esta e assim operar a passagem de uma ldquosociedade aristocraacuteticapara uma sociedade burguesardquo Nesse momento sob uma aparente Restau-raccedilatildeo se operou o prevalecimento de uma soluccedilatildeo de compromisso onde sedeu ao mesmo tempo uma ldquoaceitaccedilatildeo natildeo confessada de uma parte daobra da Revoluccedilatildeordquo e uma investida por parte dos contrarrevolucionaacuteriosem sentido oposto (REacuteMOND 1997 p 22-23)

Foi na segunda metade do seacuteculo XIX que se operou uma espeacutecie de di-voacutercio entre dois universos duas sociedades e nesse meio a Igreja Catoacutelicaatuou como representante do passado da tradiccedilatildeo da autoridade do dogmada coaccedilatildeo Em sentido contraacuterio agrave Igreja se posicionaram os defensores darazatildeo da liberdade do progresso da ciecircncia do futuro da justiccedila Nesseembate em muitas situaccedilotildees ocorreu a derrota das ldquoforccedilas conservadoras ereacionaacuteriasrdquo ligadas agrave Igreja o que operou uma cisatildeo na histoacuteria poliacutetica de

paiacuteses catoacutelicos como Franccedila Espanha e Beacutelgica (REacuteMOND 1997 p170)Portanto foi em relaccedilatildeo a esse estado de coisas que o pensamento conser-vador se formou e se manifestou de forma radical

Expoentes do pensamento conservador

Foi em relaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e seus desdobramentos que seinsurgiram os pensadores franceses Joseph De Maistre Louis De Bonald(conservadores contrarrevolucionaacuterios) o espanhol Juan Donoso Corteacutes

(igualmente contra-revolucionaacuterio) e o inglecircs Edmund Burke (conservadortradicionalista)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 625

348 Cacircndido Moreira Rodrigues

Comecemos entatildeo pela definiccedilatildeo dos principais temas do pensamentoconservador de fundo tradicionalista com Edmund Burke para em seguidaadentrarmos nas temaacuteticas do pensamento conservador de base contrarre-

volucionaacuteria com De Bonald De Maistre e Donoso CorteacutesEm siacutentese os principais elementos utilizados pelo pensamento conser-

vador-tradicionalista foram 1 Temas fisioloacutegicos fisiologia do casamentodo gosto recurso agrave natureza e agrave experiecircncia Este pensamento daacute ensejo a secompreender a natureza como estando ligada agrave histoacuteria com uma poliacuteticanatural baseada no progresso no desenvolvimento da histoacuteria no legadoda experiecircncia e natildeo no homem As ideias dos pensadores da tradiccedilatildeo seconstituem eminentemente em favor do ldquopoder dos fatosrdquo partindo do

princiacutepio da desconfianccedila diante das abstraccedilotildees 2 Em decorrecircncia dessatemaacutetica surgem questotildees vinculadas agrave terra (como eacute o caso das muacuteltiplasacepccedilotildees do termo donde a ideia de terra natal e de agricultura) temasrelativos ao meio agrave continuidade agrave honra do princiacutepio do recurso agrave sobe-rania dos antepassados e a uma multiplicidade de temaacuteticas e metaacuteforasa exemplo a aacutervore como um siacutembolo de espontaneidade continuidade 3A continuidade nas temaacuteticas nos leva agrave terceira situaccedilatildeo expressa pelasquestotildees indicadas por Touchard como relativas agrave associaccedilatildeo (temaacuteticasopostas ao individualismo liberal) entre as quais a associaccedilatildeo natural(famiacutelia) associaccedilatildeo local (descentralizaccedilatildeo regionalismo) e por fima associaccedilatildeo profissional (corporativismo ndash como ocorre mais adiantena escola da Action Franccedilaise) 4 Diante deste quadro torna-se indis-pensaacutevel apresentar os chamados temas morais como a honra a energia (importante para Balzac e Barregraves) a responsabilidade o patriotismo otrabalho bem-feito (aqui eacute o caso de Peacuteguy e o nacionalismo) Dentro desta

linha aparece ainda a moral relacionada com a feacute a essecircncia viril o heroiacutesmo e o primado das elites como responsaacuteveis pela boa conduccedilatildeo e promoccedilatildeo davida social e espiritual 5 Por oportuno chegamos talvez agrave mais importantetemaacutetica a questatildeo da ordem Esta se revela com diversos sentidos conformeo tempo ordem no sentido medieval (ordem de cavalaria) relacionadoao Antigo Regime (trecircs ordens do reino) no sentido poliacutetico positivista eainda moral Outro ponto importante definido por Touchard diz respeito agravenecessidade de se compreender que o tradicionalismo natildeo pertence exclusi-

vamente a uma classe social mas ao contraacuterio encontra adeptos fervorososna ldquoaristocracia no clero nos meios rurais sobretudo na burguesia nos

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 5: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 525

347Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

tempo ocorreu uma restauraccedilatildeo do princiacutepio ou do espiacuterito monaacuterquicondash pois jaacute natildeo se falava mais em Repuacuteblica ndash com a defesa da legitimidadepor parte de doutrinadores e filoacutesofos da contrarrevoluccedilatildeo entre os quais

estavam os descendentes de Burke De Maistre De Bonald entre outrosA partir da Restauraccedilatildeo ocorreu o que Reacutemond chamou de acomodaccedilatildeodos ldquoultrasrdquo que sonhavam com a restauraccedilatildeo integral do Antigo Regimee desejavam ratificar os movimentos revolucionaacuterios considerados comoprovenientes de uma Revoluccedilatildeo Satacircnica No sentido oposto estavam osliberais que natildeo aceitavam os tratados de 1815 e que desejavam lutar pelosideais da Revoluccedilatildeo (REacuteMOND 1997 p17-24)

As transformaccedilotildees sociais expressas com o fim da servidatildeo fim dos privi-

leacutegios surgimento da igualdade civil o novo acesso a cargos puacuteblicos o fimdas interdiccedilotildees na aquisiccedilatildeo de terras por parte da burguesia acabaram porfavorecer a esta e assim operar a passagem de uma ldquosociedade aristocraacuteticapara uma sociedade burguesardquo Nesse momento sob uma aparente Restau-raccedilatildeo se operou o prevalecimento de uma soluccedilatildeo de compromisso onde sedeu ao mesmo tempo uma ldquoaceitaccedilatildeo natildeo confessada de uma parte daobra da Revoluccedilatildeordquo e uma investida por parte dos contrarrevolucionaacuteriosem sentido oposto (REacuteMOND 1997 p 22-23)

Foi na segunda metade do seacuteculo XIX que se operou uma espeacutecie de di-voacutercio entre dois universos duas sociedades e nesse meio a Igreja Catoacutelicaatuou como representante do passado da tradiccedilatildeo da autoridade do dogmada coaccedilatildeo Em sentido contraacuterio agrave Igreja se posicionaram os defensores darazatildeo da liberdade do progresso da ciecircncia do futuro da justiccedila Nesseembate em muitas situaccedilotildees ocorreu a derrota das ldquoforccedilas conservadoras ereacionaacuteriasrdquo ligadas agrave Igreja o que operou uma cisatildeo na histoacuteria poliacutetica de

paiacuteses catoacutelicos como Franccedila Espanha e Beacutelgica (REacuteMOND 1997 p170)Portanto foi em relaccedilatildeo a esse estado de coisas que o pensamento conser-vador se formou e se manifestou de forma radical

Expoentes do pensamento conservador

Foi em relaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e seus desdobramentos que seinsurgiram os pensadores franceses Joseph De Maistre Louis De Bonald(conservadores contrarrevolucionaacuterios) o espanhol Juan Donoso Corteacutes

(igualmente contra-revolucionaacuterio) e o inglecircs Edmund Burke (conservadortradicionalista)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 625

348 Cacircndido Moreira Rodrigues

Comecemos entatildeo pela definiccedilatildeo dos principais temas do pensamentoconservador de fundo tradicionalista com Edmund Burke para em seguidaadentrarmos nas temaacuteticas do pensamento conservador de base contrarre-

volucionaacuteria com De Bonald De Maistre e Donoso CorteacutesEm siacutentese os principais elementos utilizados pelo pensamento conser-

vador-tradicionalista foram 1 Temas fisioloacutegicos fisiologia do casamentodo gosto recurso agrave natureza e agrave experiecircncia Este pensamento daacute ensejo a secompreender a natureza como estando ligada agrave histoacuteria com uma poliacuteticanatural baseada no progresso no desenvolvimento da histoacuteria no legadoda experiecircncia e natildeo no homem As ideias dos pensadores da tradiccedilatildeo seconstituem eminentemente em favor do ldquopoder dos fatosrdquo partindo do

princiacutepio da desconfianccedila diante das abstraccedilotildees 2 Em decorrecircncia dessatemaacutetica surgem questotildees vinculadas agrave terra (como eacute o caso das muacuteltiplasacepccedilotildees do termo donde a ideia de terra natal e de agricultura) temasrelativos ao meio agrave continuidade agrave honra do princiacutepio do recurso agrave sobe-rania dos antepassados e a uma multiplicidade de temaacuteticas e metaacuteforasa exemplo a aacutervore como um siacutembolo de espontaneidade continuidade 3A continuidade nas temaacuteticas nos leva agrave terceira situaccedilatildeo expressa pelasquestotildees indicadas por Touchard como relativas agrave associaccedilatildeo (temaacuteticasopostas ao individualismo liberal) entre as quais a associaccedilatildeo natural(famiacutelia) associaccedilatildeo local (descentralizaccedilatildeo regionalismo) e por fima associaccedilatildeo profissional (corporativismo ndash como ocorre mais adiantena escola da Action Franccedilaise) 4 Diante deste quadro torna-se indis-pensaacutevel apresentar os chamados temas morais como a honra a energia (importante para Balzac e Barregraves) a responsabilidade o patriotismo otrabalho bem-feito (aqui eacute o caso de Peacuteguy e o nacionalismo) Dentro desta

linha aparece ainda a moral relacionada com a feacute a essecircncia viril o heroiacutesmo e o primado das elites como responsaacuteveis pela boa conduccedilatildeo e promoccedilatildeo davida social e espiritual 5 Por oportuno chegamos talvez agrave mais importantetemaacutetica a questatildeo da ordem Esta se revela com diversos sentidos conformeo tempo ordem no sentido medieval (ordem de cavalaria) relacionadoao Antigo Regime (trecircs ordens do reino) no sentido poliacutetico positivista eainda moral Outro ponto importante definido por Touchard diz respeito agravenecessidade de se compreender que o tradicionalismo natildeo pertence exclusi-

vamente a uma classe social mas ao contraacuterio encontra adeptos fervorososna ldquoaristocracia no clero nos meios rurais sobretudo na burguesia nos

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 6: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 625

348 Cacircndido Moreira Rodrigues

Comecemos entatildeo pela definiccedilatildeo dos principais temas do pensamentoconservador de fundo tradicionalista com Edmund Burke para em seguidaadentrarmos nas temaacuteticas do pensamento conservador de base contrarre-

volucionaacuteria com De Bonald De Maistre e Donoso CorteacutesEm siacutentese os principais elementos utilizados pelo pensamento conser-

vador-tradicionalista foram 1 Temas fisioloacutegicos fisiologia do casamentodo gosto recurso agrave natureza e agrave experiecircncia Este pensamento daacute ensejo a secompreender a natureza como estando ligada agrave histoacuteria com uma poliacuteticanatural baseada no progresso no desenvolvimento da histoacuteria no legadoda experiecircncia e natildeo no homem As ideias dos pensadores da tradiccedilatildeo seconstituem eminentemente em favor do ldquopoder dos fatosrdquo partindo do

princiacutepio da desconfianccedila diante das abstraccedilotildees 2 Em decorrecircncia dessatemaacutetica surgem questotildees vinculadas agrave terra (como eacute o caso das muacuteltiplasacepccedilotildees do termo donde a ideia de terra natal e de agricultura) temasrelativos ao meio agrave continuidade agrave honra do princiacutepio do recurso agrave sobe-rania dos antepassados e a uma multiplicidade de temaacuteticas e metaacuteforasa exemplo a aacutervore como um siacutembolo de espontaneidade continuidade 3A continuidade nas temaacuteticas nos leva agrave terceira situaccedilatildeo expressa pelasquestotildees indicadas por Touchard como relativas agrave associaccedilatildeo (temaacuteticasopostas ao individualismo liberal) entre as quais a associaccedilatildeo natural(famiacutelia) associaccedilatildeo local (descentralizaccedilatildeo regionalismo) e por fima associaccedilatildeo profissional (corporativismo ndash como ocorre mais adiantena escola da Action Franccedilaise) 4 Diante deste quadro torna-se indis-pensaacutevel apresentar os chamados temas morais como a honra a energia (importante para Balzac e Barregraves) a responsabilidade o patriotismo otrabalho bem-feito (aqui eacute o caso de Peacuteguy e o nacionalismo) Dentro desta

linha aparece ainda a moral relacionada com a feacute a essecircncia viril o heroiacutesmo e o primado das elites como responsaacuteveis pela boa conduccedilatildeo e promoccedilatildeo davida social e espiritual 5 Por oportuno chegamos talvez agrave mais importantetemaacutetica a questatildeo da ordem Esta se revela com diversos sentidos conformeo tempo ordem no sentido medieval (ordem de cavalaria) relacionadoao Antigo Regime (trecircs ordens do reino) no sentido poliacutetico positivista eainda moral Outro ponto importante definido por Touchard diz respeito agravenecessidade de se compreender que o tradicionalismo natildeo pertence exclusi-

vamente a uma classe social mas ao contraacuterio encontra adeptos fervorososna ldquoaristocracia no clero nos meios rurais sobretudo na burguesia nos

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 7: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 725

349Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

meios do artesanato e em pessoas relativamente proacuteximas do proletariadordquo(TOUCHARD 1959 p 110-115)

Foi dentro desse campo de referencial conservador tradicionalista que

Edmund Burke3 fixou sua criacutetica agrave Revoluccedilatildeo Francesa Isso se deu a partirda defesa de posiccedilotildees e de conceitos como os que seguem a) A partir do oacutedioda abstraccedilatildeo ele vecirc na Revoluccedilatildeo uma base filosoacutefica teoacuterica e dogmaacutetica b)Burke faz o elogio do natural acreditando que somente a Providecircncia ofereceo que eacute natural em razatildeo do que ele pressupotildee a desigualdade natural entreos homens c) Elogio dos constrangimentos para ele entre os direitos doshomens dever-se-ia incluir os de ser ldquogovernado o direito agraves leis aos cons-trangimentosrdquo e isso natildeo incluiacutea em hipoacutetese alguma o direito agrave participaccedilatildeo

no governo ou nas questotildees de ordem puacuteblica Burke considerava que essedireito era reservado a uma aristocracia natural responsaacutevel pela conduccedilatildeoda sociedade aiacute residia o desejo da Providecircncia o Estado de natureza semsubversatildeo da ordem natural da heranccedila nem da hierarquia d) Instituiccedilotildeesencarnadas em pessoas rei e rainha com poderes divinos e) Liberdade aliberdade deveria ser regrada produto da heranccedila dos antepassados e natildeoo fruto de uma revoluccedilatildeo pois o acesso amplo a ela causaria consequente-mente desordem social f) Revoluccedilatildeo neste ponto Burke apenas apresentaum tema que seraacute tratado mais detalhadamente pelos contrarrevolucionaacute-rios o tema da Revoluccedilatildeo como um castigo divino aos pecados humanos(TOUCHARD 1959 p 40-45)4 De um modo geral essas satildeo as temaacuteticastratadas por Edmund Burke

Aqui eacute importante fazer a ressalva de que o discurso conservador no casode Edmund Burke leva em conta as tradiccedilotildees da Inglaterra e se constituicontra o ingresso em seu paiacutes das ideias da Franccedila revolucionaacuteria

Dentro da visatildeo de Burke a ruptura eacute considerada como apenas umparecircntese na histoacuteria inglesa como uma restituiccedilatildeo da naccedilatildeo a ela proacutepriaatraveacutes da volta ao passado a fim de encontrar nele valores e certezas Essa

3 Descendente de famiacutelia catoacutelica Edmund Burke nasceu em Dublin (Irlanda) em 1729 e teve a sua vidapoliacutetica intimamente relacionada com a Inglaterra onde esteve ligado ao grupo dos Whigs partidorepresentante de parte da oligarquia liberal inglesa Produziu seus primeiros escritos em meados doseacuteculo XVIII sendo sua maior produccedilatildeo a obra Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de 1790 Essaobra atingiu grande reconhecimento sem que o autor pudesse presenciar seus efeitos dado que

morreria logo apoacutes a sua publicaccedilatildeo Sua obra tem o ponto central justamente na criacutetica agrave RevoluccedilatildeoFrancesa e a seus desdobramentos Burke faleceu em 17974 Ver tambeacutem a este respeito (KINZO 2000 p13-45)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 8: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 825

350 Cacircndido Moreira Rodrigues

ruptura deveria ainda conservar a heranccedila deixada por outras geraccedilotildees e por-tanto natildeo representava o abandono por completo dos valores tradicionaisDe certo modo para Burke ao passado eacute atribuiacuteda a funccedilatildeo de matriz de

experiecircncias fundadoras e ponto de determinaccedilatildeo de convenccedilotildees legitimadas justamente por sua existecircncia e transmissatildeo A esses princiacutepios se opunha aRevoluccedilatildeo Francesa segundo o entendimento de Burke (GENGEMBRE1989 p 936)

Sob o olhar burkiano foi na busca dos ideais de liberdade que os revo-lucionaacuterios franceses autorizaram todos os excessos e todas as depravaccedilotildeesatacaram o que garantia a integridade do laccedilo social a propriedade e a IgrejaSegundo o autor os franceses poderiam ter conciliado muito bem a liber-

dade com a observacircncia das leis desde que a mesma fosse bem disciplinadadesse modo teriam uma Constituiccedilatildeo livre uma monarquia poderosa umclero reformado Em suma esses eram para ele os pressupostos baacutesicos daigualdade moral entre os homens

Teriam feito a causa da liberdade veneraacutevel aos olhos dos saacutebios de todos os paiacuteses e

desonrado o despotismo aos olhos do mundo inteiro mostrando que natildeo somente a

liberdade pode se conciliar com a observacircncia das leis mais ainda que quando ela eacute

bem disciplinada pode fazer respeitar a lei () Teriam assim uma Constituiccedilatildeo livreuma monarquia poderosa um exeacutercito disciplinado um clero reformado e venerado

uma nobreza menos orgulhosa mas mais digna() Eacute esta felicidade que constitui a

uacutenica verdadeira igualdade moral entre os homens e natildeo esta monstruosa ficccedilatildeo que

( ) soacute serve para agravar e para tornar mais amarga a desigualdade (BURKE 1982

p 72 ndash grifos nossos)

Natildeo se pode esquecer que Edmund Burke tinha por base a Constituiccedilatildeo

Inglesa construiacuteda ao longo dos tempos Observe-se o que ele dizia a esserespeito

Nenhuma experiecircncia nos ensinou que sob qualquer outra forma de governo que

natildeo a monarquia hereditaacuteria nossas liberdades poderiam se perpetuar e se conservar

no respeito como nosso direito hereditaacuterio Um mal-estar violento e inesperado pode

exigir uma medicaccedilatildeo eneacutergica e excepcional mas a sucessatildeo hereditaacuteria do poder real

caracteriza o estado de sauacutede da Constituiccedilatildeo britacircnica () Detesto as revoluccedilotildees

sei que frequumlentemente eacute do puacutelpito que se daacute o sinal para o seu desencadeamentoVejo reinar na Franccedila um desprezo absoluto por todas as instituiccedilotildees antigas quando

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 9: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 925

351Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

se lhes apresenta como opositoras agrave maneira atual de conceber as coisas ou agrave direccedilatildeo

das inclinaccedilotildees de hoje Temo que este desprezo se estabeleccedila entre noacutes (BURKE

1982 p 63 ndash grifos nossos)

Mas para Burke os revolucionaacuterios franceses haviam dilacerado o te-cido social substituindo agrave gestatildeo saacutebia do progresso natural a ditadura de princiacutepios abstratos que por sua vez rompia com a tradiccedilatildeo histoacuterica Emvez de levar em consideraccedilatildeo os direitos das pessoas ndash direitos calcados noprinciacutepio da hierarquizaccedilatildeo social legada pelos ancestrais ndash os franceseshaviam proclamado os Direitos do Homem baseados numa ldquoutopia demo-craacuteticardquo fundada na igualdade Isso para Burke os levaria a romper todos

os laccedilos ancestrais e a dissolver os diversos modos de integraccedilatildeo do homemagrave sociedade (GENGEMBRE 1989 p 938-939)

Assim nos dizeres de Burke natildeo seria difiacutecil evidenciar as diferenccedilasentre as sociedades Francesa e Inglesa observando sobretudo as questotildeesimediatamente relativas agrave heranccedila ancestral agrave liberdade e agrave propriedade Eacuteneste ponto que identificamos a siacutentese mais fiel de seu pensamento e queora se apresenta no trecho a seguir Dizia ele ser necessaacuterio

Notar que da Carta Magna agrave Declaraccedilatildeo de Direitos a poliacutetica de nossa Constitui-ccedilatildeo foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma heranccedila

um legado que noacutes recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a

nossa posteridade () O espiacuterito de inovaccedilatildeo eacute em geral resultado de um caraacuteter

egoiacutesta e de perspectivas restritas () Aliaacutes o povo da Inglaterra sabe muito bem

que a ideacuteia de heranccedila fornece meios seguros de conservar e transmitir sem excluir os

meios de melhorar Ela deixa a liberdade de adquirir mas fixa aquilo que se adquire

() Graccedilas a uma poliacutetica constitucional calcada sobre a natureza noacutes recebemos

possuiacutemos e transmitimos nosso governo e nossos privileacutegios da mesma forma quenoacutes possuiacutemos e transmitimos nossas propriedades e vidas Recebemos e legamos

a outros as instituiccedilotildees poliacuteticas da mesma maneira que transmitimos os bens da

fortuna e os dons da Tradiccedilatildeo (BURKE 1982 p 69 ndash grifos nossos)

Edmund Burke desconsiderava o regime republicano presente na Fran-ccedila como sendo democraacutetico e acreditava que ele era nada mais do que aopressatildeo da maioria sobre a minoria A esse regime ele Burke preconizava

a Monarquia Dizia ele em 1790

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 10: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1025

352 Cacircndido Moreira Rodrigues

Eu natildeo saberia qualificar a autoridade que atualmente governa na Franccedila Ela se crecirc

uma democracia pura apesar de eu crer que em breve ela se tornaraacute uma ignoacutebil e

maleacutevola oligarquia () Pode haver casos em que uma democracia pura seja neces-

saacuteria Pode haver casos tambeacutem (poucos e em circunstacircncias bem particulares) emque ela seja claramente desejaacutevel Natildeo creio entretanto que esse possa ser o caso da

Franccedila ou de qualquer outro grande paiacutes Ateacute o presente nunca tivemos exemplo de

democracias dignas de nota () Estou certo que em uma democracia a maioria dos

cidadatildeos eacute capaz de exercer sobre a minoria a mais cruel das opressotildees () Acredito

que essa dominaccedilatildeo exercida sobre a minoria se estenderaacute sobre um nuacutemero maior

de indiviacuteduos e seraacute conduzida com muito mais severidade do que de modo geral

poderia ser esperado da dominaccedilatildeo de uma soacute coroa (BURKE 1982 p135-136)

Jaacute para os conservadores contrarrevolucionaacuterios Louis De Bonald5 eJoseph De Maistre6 a criacutetica vai recair sobretudo em relaccedilatildeo ao caraacutetersatacircnico e ao mesmo tempo divino da Revoluccedilatildeo aleacutem de encaraacute-la comoproduto do racionalismo da Reforma Protestante de Rousseau enfim doprotestantismo

O contexto europeu da primeira metade do seacuteculo XIX foi permeadotambeacutem pelo conflito ideoloacutegico em que de um lado estavam ideias liberais

e de outro ideias conservadoras Nesse ambiente se deu a transferecircncia dediversos governos das matildeos de monarcas absolutos para o ldquopovordquo o quesignificou uma transiccedilatildeo poliacutetica com influecircncia nas diversas esferas dasociedade Por exemplo a mudanccedila da estrutura social herdada da IdadeMeacutedia e a consequente implementaccedilatildeo de uma economia capitalista e suasdecorrentes modificaccedilotildees na sociedade (BRUN 1964 p 31)

Em relaccedilatildeo agrave questatildeo da Restauraccedilatildeo no periacuteodo que culmina em 1848 eacuteimportante considerar que o receio da mudanccedila ou mobilidade social conduziu

5 O contrarrevolucionaacuterio Louis-Ambroise De Bonald nasceu em 1754 em Millau Franccedila Publicou suaobra Teoria do poder poliacutetico e religioso em 1796 e se caracterizou a partir daiacute como partidaacuterio dacontrarrevoluccedilatildeo e grande criacutetico do regime liberal democraacutetico Apoacutes a Restauraccedilatildeo da monarquiafrancesa ele se tornou membro do Conselho de Instruccedilatildeo Puacuteblica e logo deputado de 1815 a 1822Em 1822 tornou-se ministro de Estado O periacuteodo histoacuterico em que vive eacute palco de uma tentativa dereimplantaccedilatildeo de um tradicionalismo dogmaacutetico antes do iniacutecio do processo positivista e tambeacutemdo projeto marxista Vem a morrer no ano de 1840

6 Joseph De Maistre nasceu em Chambeacutery capital do ducado da Savoacuteia e proviacutencia da Sardenha Desde jovem De Maistre esteve ligado agrave praacutetica religiosa catoacutelica e agrave defesa das virtudes patriarcais Estudou naUniversidade de Turim e recebeu o tiacutetulo de doutor em direito em 1772 Grande criacutetico da Revoluccedilatildeo

Francesa lutou pelo retorno agrave monarquia tradicional Uma de suas principais obras eacute Consideacuterationssur la France de 1797 Dedicou boa parte de seu tempo ao estudo da ideologia revolucionaacuteria e agravesua refutaccedilatildeo sendo tambeacutem admirador da obra de Edmund Burke

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 11: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1125

353Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

os defensores da ordem estabelecida a lutarem em favor das instituiccedilotildees tradicio-nais por considerarem-nas fortes o bastante a ponto de submeter o indiviacuteduo aogrupo e vincular ambos a um modelo constante e racional de visatildeo da realidade

Se os chamados progressistas difundiam os Direitos dos homens por sua vez osreacionaacuterios postulavam a essecircncia maligna do homem em oposiccedilatildeo agrave bondadee agrave sabedoria de Deus Mencione-se aqui o caso de Joseph De Maistre De Bo-nald e tambeacutem Ludwig von Haller de um lado e do outro Karl Marx e BlanquiSegundo Talmon sob determinada visatildeo haacute que se levar em conta o fato de quea posiccedilatildeo reacionaacuteria natildeo teve sucesso em uacuteltima instacircncia porque estabeleceuo embate entre ideologia revolucionaacuteria racionalista e o apego agrave histoacuteria e agravetradiccedilatildeo nacional Para Talmon o equiacutevoco dos reacionaacuterios se encontra no

fato de a realidade ou particularidade nacional natildeo se adequar aos postulados deum reinado supremo e universal do Papa sobre as naccedilotildees Para os reacionaacuterioso argumento de que a tradiccedilatildeo religiosa era fator crucial no desenvolvimentohistoacuterico nacional da Europa era considerado vaacutelido a ponto de mencionaremo caso da Franccedila como modelo questionando sobre qual seria a sua histoacuteriasem a presenccedila do catolicismo (TALMON 1967 p 25-26)

Considerando-se o papel central ocupado pela questatildeo da autoridadeno pensamento contrarrevolucionaacuterio7 eacute importante esclarecer que entreDe Bonald e De Maistre essa questatildeo eacute abordada com certa diferenccedila Parao primeiro a resposta ao problema da autoridade deve ser procurada nohomem social Segundo Boffa em De Bonald

Existe um primado do social sobre o individual e nisso consiste o segredo de toda

boa Constituiccedilatildeo Esse primado deve ser reproduzido em todas as instituiccedilotildees e ateacute

na educaccedilatildeo das crianccedilas Eacute a autoridade do conformismo social e de suas razotildees que

deve impor-se acima de toda razatildeo individual (BOFFA 1989a p 1009)

Jaacute para Joseph De Maistre ndash que em grande medida partilhava o pensa-mento de De Bonald ndash a resposta ao problema da autoridade e da obediecircnciaencontra-se no recurso agrave histoacuteria e agrave religiatildeo Massimo Boffa definiu muitobem essa posiccedilatildeo de De Maistre nos seguintes termos

7 De acordo com Massimo Boffa na visatildeo destes ldquoo individualismo corroiacutea toda obediecircncia e com elea proacutepria ordem da sociedade O homem preacute-social concebido pelos filoacutesofos o indiviacuteduo isolado e

provido de direitos naturais eacute de fato um homem que natildeo obedece ele diz natildeo como o protestanteEle quer tudo discutir porque natildeo reconhece outra autoridade do que a evidecircncia()rdquo (Cf BOFFA1989a p1009)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 12: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1225

354 Cacircndido Moreira Rodrigues

O dever da duraccedilatildeo histoacuterica consiste com efeito em envolver num veacuteu de misteacuterio

e de obscuridade as origens da sociedade e do poder A virtude da histoacuteria natildeo reside

em revelar ou desvendar mas em ocultar os comeccedilos () Da mesma forma o papel

poliacutetico da religiatildeo natildeo consiste apenas em oferecer ao poder temporal um funda-mento transcendente ndash papel reconhecido no plano juriacutedico por assim dizer mas

mais particularmente em revestir o poder com a majestade do misteacuterio A funccedilatildeo

social da religiatildeo decorre justamente do fato de que ela natildeo eacute uma religiatildeo racional

mas pelo contraacuterio de que se manifesta atraveacutes de dogmas preconceitos misteacuterios

inexplicaacuteveis (BOFFA 1989a p1009)

Na obra Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raison escrita em 1802Louis De Bonald defende ardentemente a adesatildeo agrave feacute catoacutelica como condi-ccedilatildeo sine qua non para a uniatildeo entre o trono e o altar Vejamos o que diz notrecho abaixo

A sociedade perfeita eacute aquela onde a Constituiccedilatildeo eacute mais religiosa e a administraccedilatildeo

a mais moral () Assim o Estado deve obedecer a religiatildeo e os ministros da religiatildeo

devem obedecer ao Estado em tudo o que ele ordene em conformidade com as leis da

religiatildeo e a religiatildeo soacute ordene em conformidade com as melhores leis do Estado ()

Por esta ordem de relaccedilotildees a religiatildeo defende o poder do Estado e o Estado defende

o poder da religiatildeo (DE BONALD 1988a p 185-186)

Logo se compreende que para De Bonald era por meio do poder atribuiacutedopor Deus a um homem o monarca que a dominaccedilatildeo exercida por este sobrea sociedade ganhava legitimidade Em outros termos a ordem natural dascoisas consistia na submissatildeo da maioria dos homens ao domiacutenio de umsoacute que seria eleito por Deus Assim a existecircncia de um monarca e a uniatildeodo poder poliacutetico com o poder religioso era a condiccedilatildeo imprescindiacutevelpara a harmonia social para a efetivaccedilatildeo do contrato social Nesta loacutegica decompreensatildeo estatildeo submetidos tambeacutem a propriedade a hereditariedadee a famiacutelia tudo articulado agrave doutrina sobre a autoridade

Outra obra relevante para a compreensatildeo do pensamento conservadorcontrarrevolucionaacuterio eacute Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de 1796 DeBonald Suas principais teses discutem em termos gerais a fundamentaccedilatildeonatural do social o processo natural do social que para De Bonald se baseia

na constituiccedilatildeo da sociedade civil como resultado do equiliacutebrio entre o poderpoliacutetico e religioso Sua base religiosa assenta na crenccedila em Deus e sua base

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 13: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1325

355Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

poliacutetica na monarquia Por decorrecircncia De Bonald relaciona catolicismo emonarquia numa alianccedila entendida como absolutamente natural

De Bonald recusa ainda os ideais de liberdade e igualdade provenientes

da Revoluccedilatildeo Francesa os quais em sua oacutetica eram resultados de uma con- juntura revolucionaacuteria extremamente precaacuteria Somente aceita esses ideaisdesde que nos termos de um governo monaacuterquico considerado por elecomo o regime onde havia se concretizado a dependecircncia beneacutefica de todosos cidadatildeos a uma vontade geral e ldquoigual independecircncia de todos os cidadatildeosde todas as vontades particularesrdquo Eacute sob esta oacutetica de compreensatildeo que DeBonald vecirc uma espeacutecie particular de passado idealizado no Antigo RegimeVejamos o que ele diz em Theacuteorie du pouvoir politique et religieux

Natildeo pode existir nem liberdade nem igualdade sociais onde o cidadatildeo estaacute sujeito

a vontades particulares e onde todos os cidadatildeos natildeo estatildeo igualmente sujeitos agraves

mesmas vontades Natildeo houve pois nem vontade nem igualdade nas repuacuteblicas (DE

BONALD 1988b p 32)

Portanto De Bonald definiu como desordem social as mudanccedilas causadaspela Revoluccedilatildeo Francesa e como produto do esquecimento de Deus pelo

homem e atribuiu agrave religiatildeo cristatilde e agrave monarquia o papel de conservaccedilatildeomuacutetua da sociedade

Ali onde todas as vontades particulares querem necessariamente dominar eacute neces-

saacuterio que uma vontade geral um amor geral uma forccedila geral dominem () Pode-se

definir a religiatildeo cristatilde e a monarquia como a reuniatildeo de seres semelhantes cujo

fim eacute sua muacutetua conservaccedilatildeo tal como se define a religiatildeo natural e a famiacutelia como

uma reuniatildeo de seres semelhantes cujo fim eacute sua muacutetua reproduccedilatildeo (DE BONALD

1988b p 12)

O elo entre Burke e os contrarrevolucionaacuterios

Publicada um ano apoacutes Theacuteorie du pouvoir politique et religieux de DeBonald e seis anos apoacutes Reflexotildees sobre a Revoluccedilatildeo em Franccedila de EdmundBurke a obra Consideraccedilotildees sobre a Franccedila de 1797 de Joseph De Maistre eacuteum marco do pensamento conservador contrarrevolucionaacuterio Nessa obraJoseph De Maistre postula que somente a religiatildeo estava imbuiacuteda da funccedilatildeo

de atribuir o poder e legitimar a poliacutetica O homem deveria estar de acordo

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 14: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1425

356 Cacircndido Moreira Rodrigues

com os seus preceitos e com a autoridade do Papa sob o comando do qualestava a Igreja Catoacutelica a verdadeira ldquomatriz da civilizaccedilatildeo europeacuteiardquo Estandoo mundo temporal e supratemporal inteiramente sob a eacutegide do poder divino

ao homem natildeo caberia alterar a ordem das coisas Deveria pelo contraacuterioconservar o que jaacute existia (DE MAISTRE 1979 p 34-36)

A influecircncia de Burke sobre a argumentaccedilatildeo de Joseph De Maistrepode ser observada sob forma muito peculiar na negaccedilatildeo de umaConstituiccedilatildeo poliacutetica baseada na deliberaccedilatildeo popular e na defesa deuma que fosse fundada em precedentes como os de uma monarquia decaraacuteter religioso De Maistre entende que o princiacutepio da liberdade dosDireitos do Homem foi sempre uma concessatildeo dos soberanos as naccedilotildees

livres foram constituiacutedas pelos reis algo que poderia ser constatadohistoricamente atraveacutes da natureza (MANENT sd p 736-737) (comona visatildeo de Burke a propoacutesito da heranccedila ancestral incorporada pelosingleses em sua Constituiccedilatildeo) Isso fica expresso em determinada partede Consideraccedilotildees sobre a Franccedila

Nenhuma Constituiccedilatildeo resulta de uma deliberaccedilatildeo os direitos dos povos nunca satildeo

escritos ou ao menos atos constitutivos ou as leis fundamentais escritas soacute satildeo tiacutetulos

declaratoacuterios de direitos anteriores () Os direitos dos povos partem sempre da

concessatildeo dos soberanos () Mas os direitos do soberano e da aristocracia natildeo tecircm

data nem autores (DE MAISTRE 1979 p 67-68)

Como dito anteriormente De Maistre define o valor do poder real e impotildeelimitaccedilotildees agrave liberdade numa clara afirmaccedilatildeo de sua proposta de restauraccedilatildeodo regime monaacuterquico

A liberdade em certo sentido foi sempre um dom dos Reis pois todas as naccedilotildeeslivres foram constituiacutedas pelos Reis Eacute a regra geral () Jamais existiraacute naccedilatildeo livre

que natildeo tenha na sua constituiccedilatildeo natural princiacutepios de liberdade tatildeo antigos quanto

ela e jamais alguma naccedilatildeo tentaraacute se desenvolver eficazmente atraveacutes de suas leis

fundamentais escritas outros direitos que aqueles que existiam em sua constituiccedilatildeo

natural (DE MAISTRE 1979 p 71)

Jean Touchard aponta a continuidade nos temas de Edmund Burke para

Joseph De Maistre

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 15: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1525

357Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

As mesmas prevenccedilotildees contra o racionalismo aplicado agraves sociedades humanas os

mesmos transportes quando se evoca a heranccedila das tradiccedilotildees seculares a mesma sobe-

rania dos destinos a mesma crenccedila na Providecircncia reguladora misteriosa e soberana

dos destinos dos povos a mesma filosofia da histoacuteria que moraliza os cataclismospoliacuteticos e neles vecirc o sinal do castigo divino do pecado (TOUCHARD 1959 p 48)

Esse ideaacuterio daacute margem para Touchard pensar da influecircncia do pensa-mento de De Maistre especialmente no periacuteodo da restauraccedilatildeo

Muito provavelmente o pensamento de Joseph de Maistre estava jaacute quase inteiramente

formado por volta de 1795 mas natildeo eacute menos certo que eacute sob a Restauraccedilatildeo que ele

proacuteprio e Bonald tiveram mais influecircncia Maistre morre em 1821 Bonald em 1840enquanto Burke Rivarol e Saint-Martin desaparecem respectivamente em 1797-1801

e 1803 (TOUCHARD 1959 p 48)

Mas se haacute entre Burke De Maistre e De Bonald uma identidade detemaacuteticas com certa pluralidade diante do contexto ideoloacutegico que dizerda relaccedilatildeo entre o pensamento de De Bonald e De Maistre que chega ateacuteLamennais e ao catolicismo social

Sem duacutevida Jean Touchard lembra bem que embora exista nesse casouma distinccedilatildeo haacute igualmente semelhanccedilas importantes a) experiecircnciaversus razatildeo [criacutetica agraves regras abstratas em detrimento da experiecircncia] b)natureza o sentido da natureza estaacute pautado e legitimado na histoacuteria oque leva a concluir que no campo da poliacutetica o natural eacute aquilo provenienteda tradiccedilatildeo da histoacuteria c) Em De Maistre a Histoacuteria estaacute subordinada agraveProvidecircncia portanto a Revoluccedilatildeo a guerra Napoleatildeo e a Franccedila estavampermeados pelo agir Divino pelas intenccedilotildees de Deus e seriam o meio para

a expiaccedilatildeo dos pecados Observe-se que neste caso De Maistre difere deEdmund Burke pois este uacuteltimo natildeo vecirc seus adversaacuterios revolucionaacuteriosfranceses como portadores do ideal e vontade divinos d) Sociedade versus Indiviacuteduo para ambos os autores a sociedade comporta os indiviacuteduos enatildeo a situaccedilatildeo contraacuteria Assim natildeo eacute demais para De Bonald e De Maistredizer que aos indiviacuteduos estaacute relegada a obediecircncia os deveres e natildeo osdireitos Neste sentido eles observam a sociedade como um ente supremodivinizada personalizada no Estado entatildeo de base teocraacutetica de modo que

o natildeo-atendimento ao dever se torna um pecado passivo de puniccedilatildeo severa

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 16: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1625

358 Cacircndido Moreira Rodrigues

Mais ainda segundo Touchard eacute desse raciociacutenio que proveacutem ldquoo antipro-testantismo de De Maistre o anti-semitismo de De Bonald a justificaccedilatildeo daInquisiccedilatildeo por parte do primeiro a legitimaccedilatildeo da escravatura por parte do

segundordquo (TOUCHARD 1959 p 116-118)A uacuteltima temaacutetica semelhante resume-se em e) ordem versus progresso

ordem temporal subordinada agrave ordem espiritual sob tutela do Papa uni-dade da feacute do poder unidade e inviolabilidade da soberania monaacuterquicaA conclusatildeo a que chega Jean Touchard eacute a de que De Maistre e De Bonaldsatildeo mais contrarrevolucionaacuterios do que tradicionalistas em razatildeo de natildeose apegarem tanto agraves tradiccedilotildees nacionais francesas como o conservadorBurke fazia em relaccedilatildeo ao passado agrave continuidade ingleses (TOUCHARD

1959 p 118-119)

De Joseph De Maistre a Juan Donoso Corteacutes

O filoacutesofo Eacutemile M Cioran no artigo ldquoJoseph De Maistre Ensaio sobreo pensamento reacionaacuteriordquo originalmente publicado em 1957 forneceelementos importantes para pensarmos o ideaacuterio conservador de fundotradicionalista e tambeacutem o contrarrevolucionaacuterio (tambeacutem chamado dereacionaacuterio) Daacute atenccedilatildeo especial a Joseph De Maistre

Cioran estabeleceu uma interessante distinccedilatildeo entre o pensamentoreacionaacuterio e o pensamento revolucionaacuterio atribuindo ao primeiro umcaraacuteter muitas vezes interesseiro explorador das verdades metafiacutesicas edo iacutentimo do ser humano com o fim de ldquorevelar o seu terrorrdquo Ao segundotipo de pensamento o revolucionaacuterio Cioran reservou a caracterizaccedilatildeo deldquomais generoso porque mais ingecircnuordquo distinguindo-se por um princiacutepiode ldquoruptura da identidade e da monotoniardquo Em certo sentido esse mesmo

pensamento revolucionaacuterio segundo Cioran ldquosoacute idolatra o devir ateacute ainstauraccedilatildeo da ordem pela qual se debaterardquo pois somente o momento preacute-revolucionaacuterio goza de um estado realmente revolucionaacuterio jaacute que eacute neleque os partiacutecipes da elaboraccedilatildeo da accedilatildeo revolucionaacuteria tecircm em mente tantoo culto do futuro como o da destruiccedilatildeo projetam assim possibilidades quetranscendem a histoacuteria e ultrapassam o seu espaccedilo Mas esse pensamentorevolucionaacuterio no exato instante em que se instaura ldquoretorna e se confirmaa ele e prolongando o passado segue sua rotinardquo Sem duacutevida isso se deu

segundo Cioran de forma mais visiacutevel na medida em que o pensamentorevolucionaacuterio se utilizou dos mesmos meios adotados pela reaccedilatildeo que por

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 17: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1725

359Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

sinal haviam sido alvos de sua condenaccedilatildeo anterior Assim Cioran daacute umexemplo desse comportamento dizendo que natildeo havia um soacute anarquista quenatildeo escondia ldquono mais fundo de suas revoltas um reacionaacuteriordquo esperando o

momento do caos revolucionaacuterio para transformar o iacutempeto em autoridadee deixar de resolver os problemas ateacute o momento questionados (CIORAN2000 p 18-31)

Por outro lado ainda para Cioran o pensamento reacionaacuterio e teocraacute-tico obviamente diverso do revolucionaacuterio tem sua fundamentaccedilatildeo tantono desprezo como no temor ao homem Isso ganha substacircncia segundoele sobretudo na ideia de que o homem havia se corrompido demais paraldquomerecer a liberdaderdquo e que por isso se utilizava dela ldquocontra si mesmordquo

Cioran diz que para ldquoremediar a sua desgraccedilardquo esse homem reacionaacuterioacreditava que era necessaacuterio fazer ldquoas leis e as instituiccedilotildeesrdquo repousarem ldquoso-bre um princiacutepio transcendente de preferecircncia sobre a autoridade do antigolsquodeus terriacutevelrsquo sempre pronto para intimidar e desencorajar as revoluccedilotildeesrdquo(CIORAN 2000 p 23)

Nesses termos para Cioran um dos principais representantes desse pen-samento foi Joseph De Maistre o qual se demonstrou muito mais interessadonos problemas da religiatildeo do que nas questotildees relativas agrave feacute De Maistre estaacutevoltado a pensar a relaccedilatildeo entre os homens e Deus a partir de um prismamais juriacutedico do que religioso ou afetivo e confidencial Por essa razatildeoDe Maistre havia dado maior destaque agraves leis de modo a fazer com que areligiatildeo em si se transformasse numa ldquomera argamassa do edifiacutecio poliacuteticordquoEacute dentro dessa loacutegica que Cioran avalia que De Maistre preferiu atribuir opoder ao Papa e natildeo a Jesus Cristo ou a Deus prova disso foi a surpresa doproacuteprio Papa agrave sua obra apologeacutetica Du Pape Por outro lado Cioran de-

monstra que na correspondecircncia De Maistre exprimiu ldquoseus projetos suasfraquezas e seus fracassosrdquo procedendo agrave atenuaccedilatildeo dos ldquoexageros de seuslivrosrdquo e descansou dos seus ldquoexcessosrdquo Importante destacar que a anaacutelise desua correspondecircncia revelou que ele ldquoera um moderadordquo e isso fez com quemuitos se apressassem em classificaacute-lo no rol dos liberais o que natildeo tinha amenor razatildeo de ser (CIORAN 2000 p 3-24)

Joseph De Maistre defendeu o poder Papal nos seguintes termos

Aleacutem do mais o direito de oposiccedilatildeo repousando numa cabeccedila conhecida e uacutenicapoderia estar submisso agraves regras e exercido com toda prudecircncia ao contraacuterio a

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 18: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1825

360 Cacircndido Moreira Rodrigues

resistecircncia interior ele soacute pode exercer pelas sugestotildees pela multidatildeo pelo povo em

uma uacutenica palavra e consequumlentemente pela via uacutenica da insurreiccedilatildeo () Isso natildeo

eacute tudo o veto do Papa poderia ser exercido contra todos os soberanos e se adaptaria

a todas as constituiccedilotildees e a todos os caracteres nacionais (DE MAISTRE 1860p 144)

O que se verifica em sua obra Du Pape eacute a busca em demonstrar naorganizaccedilatildeo hieraacuterquica da Igreja Catoacutelica na funccedilatildeo dada ao Papa comoaacuterbitro do poder temporal os caminhos para a ldquoreorganizaccedilatildeordquo da socieda-de segundo o ldquosignificadordquo da sociedade medieval e a estrutura do regimemonaacuterquico Dizia De Maistre novamente a esse respeito

A autoridade dos Papas foi o poder escolhido e constituiacutedo na IdadeMeacutedia para equilibrar a soberania temporal e tornaacute-la suportaacutevelaos homens () E esta soacute eacute apenas uma dessas leis gerais do mundoque natildeo queremos observar e que satildeo entretanto de uma evidecircnciaincontestaacutevel Todas as naccedilotildees do universo estatildeo de acordo mais oumenos com a influecircncia do sacerdoacutecio nos negoacutecios poliacuteticos (DEMAISTRE 1860 p 198)

A questatildeo do ldquodivinordquo eacute tambeacutem relevante para a compreensatildeo do pensa-mento contrarrevolucionaacuterio com especial atenccedilatildeo em Joseph De MaistrePara este a constituiccedilatildeo a soberania a monarquia hereditaacuteria o papado e aautoridade consolidada satildeo frutos de uma obra divina8 As demais questotildeessatildeo expressotildees da obra humana portanto despreziacuteveis e meros sinais demiserabilidade A seu ver a guerra ndash identificada por ele com a RevoluccedilatildeoFrancesa ndash tinha um certo caraacuteter divino na medida em que representava a

expiaccedilatildeo a redenccedilatildeo dos pecadosJaacute para o espanhol Juan Donoso Corteacutes ndash considerado por Cioran comoum ldquoespiacuterito de segunda categoriardquo ndash a guerra tinha tambeacutem um caraacuteteressencialmente divino mas no sentido de que sendo obra de Deus da Provi-decircncia soacute poderia trazer bons frutos evidentemente desde que natildeo estivessesob o domiacutenio do homem (CIORAN 2000 p 9-10)

A unidade a idolatria dos iniacutecios e das origens satildeo temaacuteticas centrais para

8

As questotildees da autoridade e da tradiccedilatildeo vatildeo ser apropriadas no Brasil dos anos 1290 e 1930 primei-ramente por Jackson de Figueiredo e depois por Alceu Amoroso Lima As discussotildees entre esses doispensadores a respeito desse assunto se datildeo sobretudo por meio de cartas

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 19: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 1925

361Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

o pensamento conservador de fundo contrarrevolucionaacuterio Nessa visatildeo ahistoacuteria eacute produto de uma ldquoidentidade desfeita de uma ruptura inicial fontedo muacuteltiplo fonte do malrdquo somente pelo desvio do mal e do pecado eacute que

se retornaria agrave unidade perfeita da era paradisiacuteaca Em De Maistre a obses-satildeo pela Unidade9 eacute questatildeo central e se apresenta em primeiro lugar sobo aspecto metafiacutesico ndash uma espeacutecie de triunfo sobre a divisatildeo o pecado e omal Em segundo lugar apresenta-se sob o prisma histoacuterico ndash primando pelainstauraccedilatildeo efetiva do catolicismo sobre ldquoas tentaccedilotildees e os erros modernosrdquoo que significa dizer ldquounidade ao niacutevel da eternidade e unidade ao niacutevel dotempordquo Essa forma de compreensatildeo natildeo abre espaccedilo para o rompimentoda ordem estabelecida ou mesmo para inovaccedilotildees e com isso natildeo percebe

nos dizeres de Cioran que a ldquoheresia representa a uacutenica possibilidade derevigorar as consciecircncias que ao sacudi-las ela as preserva da letargia emque o conformismo as mergulha e que se de um lado enfraquece a Igrejade outro fortalece a religiatildeordquo Isso ocorre na visatildeo de Cioran pois ldquosoacute sereza com fervor nas seitas entre as minorias perseguidas na obscuridadee no medo condiccedilotildees indispensaacuteveis para o bom exerciacutecio da piedaderdquoInteressante notar que a filosofia da Restauraccedilatildeo exerceraacute influecircncia sobrepensadores dos mais diversos matizes De Bonald sobre Balzac De Maistresobre Baudelaire Donoso Corteacutes sobre o jurista alematildeo-nazista Carl Schmitt(CIORAN 2000 p 15-36 e p 45)

Para Roberto Romano os pensadores Louis De Bonald e Joseph DeMaistre constituem as raiacutezes de onde derivariam as futuras concepccedilotildees dapoliacutetica romacircntica autoritaacuteria seus discursos serviriam de esteio a teoacutericosque teriam seus pensamentos utilizados com consequecircncias praacuteticas porregimes autoritaacuterios e totalitaacuterios no seacuteculo XX como foi o caso do jurista

alematildeo Carl Schmitt10

ligado ao nazismo Romano vai interpretar a gecircneseda noccedilatildeo de comunidade difundida no seacuteculo XIX demonstrando que amesma frutificou nas consequecircncias autoritaacuterias do seacuteculo XX como por

9 No seacuteculo XX a direita principalmente aquela em torno da Action Franccedilaise de Charles Maurras vaise utilizar dessa questatildeo da ldquounidaderdquo para fundamentar sua defesa do nacionalismo Isso aconteceusobretudo onde o autoritarismo e totalitarismo floresceu Na deacutecada de 1930 o filoacutesofo francecircs JacquesMaritain utiliza essa mesma temaacutetica mas associada ao conceito de pluralidade agora sob uma formademocraacutetica No Brasil Alceu Amoroso Lima tambeacutem tomou a questatildeo da unidade por um tempo

consideraacutevel sobretudo no que concerne agrave unidade nacional e nesse sentido ele esteve em sintoniacom o discurso nacionalista do governo Vargas por um tempo significativo10 A este respeito consultar entre outras Rodrigues (2005 p 20-40)

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 20: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2025

362 Cacircndido Moreira Rodrigues

exemplo em Hitler e Salazar Mussolini Segundo ele o ideaacuterio relativo agravenoccedilatildeo de comunidade surge como uma alternativa contra a sociedade civilburguesa A praacutetica dessa noccedilatildeo relaciona-se diretamente com as formas

de poder pessoal anteriormente mencionadas ldquodestruindo ateacute as garantiasbaacutesicas de sobrevivecircncia livre simbolizadas na Declaraccedilatildeo dos DireitosHumanosrdquo Romano considera que a ldquorelativizaccedilatildeo absoluta do indiviacuteduordquoa partir de ldquosua inserccedilatildeo numa comunhatildeo coletiva assegurada pela propa-ganda e pelo trabalho dos intelectuais orgacircnicosrdquo deixava bem evidente oslimites ldquodas experiecircncias comunitaacuterias realizadas em larga escala no planopoliacuteticordquo terminando sempre por apagar as diferenccedilas no interior da vidapuacuteblica ldquoagrave forccedila do silecircncio ou da repressatildeo fiacutesica direta sobre os oponentesrdquo

(ROMANO 1997 p 21)Cabe ainda notar que De Maistre e De Bonald foram tambeacutem alvos da criacutetica

de Eacutemile Cioran segundo o qual ambos eram guiados por uma ilusatildeo Ficaramdecepcionados ao constatarem que a Restauraccedilatildeo natildeo havia conseguido colocarpor terra as marcas da Revoluccedilatildeo Francesa o que demonstrava a eles os erros deseus projetos e ldquoequiacutevocos de seus sistemasrdquo Cioran chama atenccedilatildeo para o fato deque o apego a um passado sem vitalidade a ldquoformas de vida antiquadas a causasperdidas ou maacutesrdquo acabou por tornar pateacuteticos os anaacutetemas de um De Maistre eum De Bonald Em resumo De Maistre por exemplo enquanto esteve ligadoa franco-maccedilonaria ainda guardou certa abertura para o liberalismo ao passoque ao se entregar totalmente agrave Igreja em oposiccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo ldquodescamboupara a intoleracircnciardquo (CIORAN 2000 p28-35)

No caso de Juan Donoso Corteacutes11 as temaacuteticas dos contrarrevolucio-naacuterios seratildeo retomadas diante do cenaacuterio da Espanha da primeira metadedo seacuteculo XIX No final da primeira metade do seacuteculo XIX na Espanha

diante do quadro de perda de prestiacutegio da Igreja Catoacutelica do refluxo daRestauraccedilatildeo e dos movimentos poliacuteticos antirreligiosos e proletaacuterios ostemas da ideologia contrarrevolucionaacuteria seriam retomados em grandemedida pelo poliacutetico catoacutelico Juan Donoso Corteacutes Ele descontente com osdesdobramentos do regime republicano espanhol defenderia o reinado do

11 Nasceu em Badajoz (Espanha) em 1808 Em 1820 vai estudar na Universidade de Salamanca e maistarde aprofunda seus conhecimentos de eacutetica loacutegica e metafiacutesica Eacute eleito deputado em 1837 mu-dando sua orientaccedilatildeo ideoloacutegica de liberal para a conservadora Em 1848 eacute nomeado membro do

conselho real Seus escritos mais polecircmicos foram Discurso sobre la Dictadura (1849) e Ensayo sobreel catolicismo el liberalismo y el socialismo (1851) Adversaacuterio veemente da Revoluccedilatildeo Francesa e dequalquer tipo de revoluccedilatildeo torna-se referecircncia para os teoacutericos da ditadura Morreu em 1853

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 21: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2125

363Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

cristianismo (entenda-se catolicismo) como o ldquoremeacutediordquo contra a revoluccedilatildeoa depravaccedilatildeo e a desordem humanas A seu ver os homens deveriam serrecivilizados a partir do espiacuterito cristatildeo medieval jaacute que considerava a Idade

Meacutedia como o periacuteodo em que a verdade e a ordem pairavam na sociedadesob o domiacutenio da Igreja Catoacutelica Mas se para o estabelecimento da ordeme da seguranccedila na sociedade fosse necessaacuterio escolher entre a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do governo Donoso natildeo hesitaria em optar pelasegunda por consideraacute-la ldquomenos pesadardquo

Juan Donoso Corteacutes teve como propoacutesito na Espanha demonstrar que aIgreja Catoacutelica era o poacutelo de uma siacutentese entre a monarquia a aristocracia e ademocracia Natildeo soacute para ele mas tambeacutem para muitos representantes do pen-

samento conservador a Igreja Catoacutelica foi adotada como o ldquomodelo comuni-taacuterio para o controle da sociedade civilrdquo De fato levando-se em consideraccedilatildeo opanorama geral da Restauraccedilatildeo Donoso Corteacutes simpatizava com o absolutismomonaacuterquico na Espanha e deduzia que este era o resultado ldquode la combinacioacuten y la alianza del princiacutepio democraacutetico y del princiacutepio religioso personificadosen el rey en el sacerdote y en el pueblo que constituyen una sola institucioacutencompuesta de tres personajes socialesrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 547)

Outro elemento de extrema importacircncia enfrentado pelos contra-revolucionaacuterios diz respeito agrave questatildeo da vontade individual do soberanoe da vontade geral da coletividade A harmonia social e uma comunidadeigualitaacuteria poderiam manter-se com a condiccedilatildeo de que as ldquouacuteltimas classesrdquonatildeo oferecessem perigo agrave ordem poliacutetica com suas reivindicaccedilotildees de liber-dade12 Portanto dizia ele

Quando soa para os povos a hora fatal das revoluccedilotildees sociais e poliacute-ticas quando os que obedecem se insurgem contra os que mandamquando este mar furioso a quem chamam multidatildeo rompe seusdiques accediloita as bases dos tronos vacilantes quando o poderconstituiacutedo e limitado desaparece da sociedade quando soberano esuacutedito confundem-se num naufraacutegio comum quando neste naufraacutegioperdem-se ou nivelam-se todas as hierarquias natildeo seraacute necessaacuterio aonipotecircncia para que se salve a sociedade inteira abalada ateacute seusalicerces (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 389)

12 A condenaccedilatildeo da liberdade feita por Burke De Bonald De Maistre e Donoso Corteacutes vai ser o pilar doideaacuterio de Jackson de Figueiredo e depois com Alceu Amoroso Lima ateacute fins dos anos de 1930

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 22: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2225

364 Cacircndido Moreira Rodrigues

Adotando como justificativa o quadro conturbado em que se encontravanatildeo soacute a Espanha mas tambeacutem a Europa em geral Corteacutes admite que a di-tadura ldquoem certas circunstacircnciasrdquo era um governo perfeitamente legiacutetimo

Considera-o racional tanto em teoria como na praacutetica de modo que seobservaacutessemos a sociedade argumentava ele encontrariacuteamos nela ldquofuerzasinvasorasrdquo e ldquofuerzas resistentesrdquo Se as primeiras estivessem espalhadas pelasociedade as segundas tambeacutem o estariam e de forma praacutetica concentradasno Governo pelas autoridades e pelos tribunais Para reprimir os invasoresou revolucionaacuterios Corteacutes justifica o uso da forccedila inclusive com a instalaccedilatildeode um governo ditatorial

Cuando las fuerzas invasoras se reconcentran en asociaciones poliacuteticas entonces nece-sariamente sin que nadie lo pueda impedir sin que nadie tenga derecho a impedirlo

las fuerzas resistentes por si mismas se reconcentran en una mano Esta es la teoria clara

luminosa indestructible de la dictadura (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 307-308)

Haacute que se ressaltar evidentemente que para Corteacutes natildeo se tratava deoptar entre a liberdade e a ditadura pois ldquose estivesse entre a liberdade e aditadurardquo dizia ele ldquoeu optaria pela liberdaderdquo Tratava-se sim de optar entre

a ditadura da insurreiccedilatildeo (do povo) e a do Governo Neste caso ele opta peladitadura do Governo ldquocomo menos cruel e menos afrontosardquo (DONOSOCORTEacuteS 1970 p 322-323)

Por acreditar que a Igreja Catoacutelica estava incumbida do princiacutepio desupremacia e ordenamento sociopoliacutetico ndash sob comando da ProvidecircnciaDivina ndash Donoso Corteacutes condenava o liberalismo pelo fato de considerarque ele atribuiacutea maior importacircncia agraves questotildees econocircmico-poliacuteticas emdetrimento das de ordem religiosa e social

El error fundamental del liberalismo consiste en no dar importancia sino a las cues-

tiones de gobierno que comparadas con las de orden religioso y social no tienen

importancia ninguna () No hay palabras en ninguno idioma con que encarecer

la profundiacutesima incapacidad y la radical impotencia de esta escuela (DONOSO

CORTEacuteS 1970 p 599)

Diante dos fatos Corteacutes afirmava tambeacutem que o socialismo visava nada

mais que a destruiccedilatildeo das instituiccedilotildees poliacuteticas e religiosas e sociais ldquoel fin

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 23: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2325

365Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

del socialismo es crear una nueva atmosfera social en que las pasiones semuevan libremente comenzando por destruir las instituciones poliacuteticasreligiosas y sociales que las oprimenrdquo (DONOSO CORTEacuteS 1970 p 612)

Consideraccedilotildees finais

Portanto os pensadores Edmund Burke De Bonald De Maistre e Do-noso Corteacutes seratildeo as vozes de condenaccedilatildeo agrave Revoluccedilatildeo Francesa e a seusdesdobramentos sobretudo aqueles relativos agrave Igreja Catoacutelica agrave autorida-de agrave liberdade e agrave soberania Cada um desses pensadores faz isso por meiode escritos produzidos diante de uma determinada conjuntura os quaisiriam servir de sustentaccedilatildeo agrave defesa da restauraccedilatildeo da monarquia catoacutelica

agrave defesa da autoridade pontifiacutecia aos privileacutegios da aristocracia enfim aosprivileacutegios da Igreja e mais tarde aos interesses de grupos movimentos egovernos avessos agrave democracia Tais pensadores criticavam os princiacutepiosde liberdade soberania popular igualdade aleacutem de no caso especiacutefico deDonoso Corteacutes propor a ditadura do Estado para em casos excepcionaisconter o avanccedila revolucionaacuterio popular

Satildeo pensadores que em grande medida fundamentam o ideaacuterio poliacuteticoda Igreja Catoacutelica de ampliar seu poderio centralizado sobre outros paiacutesescatoacutelicos Poliacutetica que vai ser conhecida como ultramontanismo (MANOEL2004) e primar pela centralizaccedilatildeo em Roma e pela criacutetica agrave ciecircncia agrave filosofiae ao mundo moderno de um modo geral

Os conceitos e escritos dos pensadores conservadores teriam impacto ateacuteno seacuteculo XX especialmente entre aqueles que seriam esteios de governose posiccedilotildees autoritaacuterias Foi o que se deu na Franccedila junto do movimento da Action Franccedilaise do qual inclusive o filoacutesofo catoacutelico Jacques Maritain fez

parte ateacute 1926 ano de condenaccedilatildeo do movimento pelo Vaticano O ideaacuterioconservador teve efeito praacutetico na Alemanha principalmente junto a CarlSchmitt um dos principais teoacutericos do nazismo e declarado disciacutepulo deDonoso Corteacutes Esse ideaacuterio teve ressonacircncias tambeacutem em governos fortescomo na Itaacutelia de Mussolini e a Espanha de Franco ndash com perseguiccedilatildeo aoscomunistas e o apoio de catoacutelicos de vaacuterias partes do mundo inclusiveno Brasil As ressonacircncias praacuteticas dos escritos de Joseph De Maistre porexemplo seratildeo sentidas no Brasil inicialmente pelo intelectual Jackson de

Figueiredo e por meio deste mais tarde em Alceu Amoroso Lima e umagama de outros intelectuais aglutinados em torno do seu grupo catoacutelico

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 24: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2425

366 Cacircndido Moreira Rodrigues

Referecircncias bibliograacuteficas

B983151983142983142983137 Massimo 1989a ldquoMaistrerdquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

_______ 1989b ldquoContra-revoluccedilatildeordquo In F983157983154983141983156 Franccedilois e O983162983151983157983142 Mona (orgs)Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro Nova Fronteira

B983154983157983150 Geoffrey 1964 La Europa del siglo XIX 1815-1914 2 ed MeacutexicoBuenos Aires Fondo de Cultura Econocircmica

B983157983154983147983141 Edmund 1982 Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo em Franccedila BrasiacuteliaEditora da UnB

C983145983151983154983137983150 Emile M 2000 Exerciacutecios de admiraccedilatildeo ensaios e perfis Rio deJaneiro Rocco

D983141 B983151983150983137983148983140 Louis 1988a Leacutegislation primitive consideacutereacutee par la raisonParis Jean-Michel Place

_______ 1988b Teoria del poder poliacutetico y religioso Madrid TecnosD983141 M983137983145983155983156983154983141 Joseph 1860 Du pape Paris Charpentier Librarie-Eacutediteur_______ 1979 Oeuvres complegravetes Tome I Genegraveve Slatkine ReprintsD983151983150983151983155983151 C983151983154983156983273983155 Juan 1970 Obras completas Tomo I Madrid BACF983157983154983141983156 Franccedilois 2001 A Revoluccedilatildeo em debate Bauru EduscG983141983150983143983141983149983138983154983141 Geacuterard 1989 ldquoBurkerdquo In FURET Franccedilois e OZOUF Mona

(orgs) Dicionaacuterio criacutetico da Revoluccedilatildeo Francesa Rio de Janeiro NovaFronteira p 935-942

G983151983140983141983139983144983151983156 Jacques 1961 La contre-reacutevolution Doctrine et action ndash 1789-1804 Paris Presses Universitaires de France

H983151983138983155983138983137983159983149 Eric J 1989 A era das revoluccedilotildees 1789-1848 7 ed Rio deJaneiro Paz e Terra

K983145983150983162983151 Maria DrsquoAlva Gil 2000 ldquoBurke a continuidade contra a rupturardquo

In W983141983142983142983151983154983156 Francisco (org) Os claacutessicos da poliacutetica 10 ed v 2 SatildeoPaulo Aacutetica p 13-45M983137983150983141983150983156 Pierre sd ldquoJoseph de Maistre 1753-1821rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccedilois

et al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p733-739

M983137983150983145983150 Bernard sd ldquoDonald Louis de ndash1754-1840rdquo In C983144983266983156983141983148983141983156 Franccediloiset al (coords) Dicionaacuterio de obras poliacuteticas Rio de Janeiro CivilizaccedilatildeoBrasileira p161-168

M983137983150983151983141983148 Ivan A 2004 O pecircndulo da histoacuteria tempo e eternidade no pen-samento catoacutelico (1800-1960) Maringaacute Eduem

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009

Page 25: Críticos Da Revolução Francesa - Conservadores, Críticos e Contrarrevolucionários - Cândido Moreira Rodrigues

8182019 Criacuteticos Da Revoluccedilatildeo Francesa - Conservadores Criacuteticos e Contrarrevolucionaacuterios - Cacircndido Moreira Rodrigues

httpslidepdfcomreaderfullcriticos-da-revolucao-francesa-conservadores-criticos-e-contrarrevolucionarios 2525

367Criacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa

R983273983149983151983150983140 Reneacute 1986 O Antigo Regime e a Revoluccedilatildeo 1750-1815 2 ed SatildeoPaulo Cultrix

_______ 1997 O seacuteculo XIX 1815-1914 7 ed Satildeo Paulo Cultrix

R983151983140983154983145983143983157983141983155 Cacircndido Moreira 2005 ldquoApontamentos sobre o pensamento deCarl Schmitt um intelectual nazistardquo SAECULUM (UFPB) Joatildeo Pessoa

v 12 p 20- 40 _______ Alceu Amoroso Lima matrizes e posiccedilotildees de um intelectual catoacutelico

militante em perspectiva histoacuterica - 1928-1946 Tese de doutorado SatildeoPaulo FCLAUniversidade Estadual Paulista

R983151983149983137983150983151 Roberto 1997 Conservadorismo romacircntico origem do totalita-rismo 2 ed Satildeo Paulo Unesp

T983137983148983149983151983150 Jacob Leib 1967 Romantismo e revolta Europa 1815-1848 LisboaVerbo p 25-26

T983151983157983139983144983137983154983140 Jean 1959 Histoacuteria das ideacuteias poliacuteticas v 5 Paris Presses Uni- versitaires de France

Resumo

Este artigo tem por objetivo estudar em linhas gerais os principais elementos que for-

mam o ideaacuterio dos pensadores que se posicionaram contraacuterios agrave Revoluccedilatildeo Francesa

considerados conservadores (tradicionalistas ou contrarrevolucionaacuterios) Edmund BurkeLouis De Bonald Joseph De Maistre e Juan Donoso Corteacutes Autores como Eric Hobsba-

wm Franccedilois Furet Reneacute Reacutemond Godechot Emile Cioran entre outros formam a base

teoacuterico-historiograacutefica em torno da qual este texto foi produzido

Palavras-chave conservador tradiccedilatildeo contrarrevoluccedilatildeo Igreja intelectuais

Abstract

The purpose of the article is to study in broad lines the main elements forming the set

of ideas expressed by thinkers considered conservative (traditionalist or counter-revo-

lutionary) who opposed the French Revolution Edmund Burke Louis De Bonald JosephDe Maistre and Juan Donoso Corteacutes Authors like Eric Hobsbawm Franccedilois Furet Reneacute

Reacutemond Godechot Eacutemile Cioran among others provide the theoretical-historiographical

basis around which this text has been produced

Key words conservave tradion counter-revoluon Church intellectuals

Recebido em maio de 2009

Aprovado em junho de 2009