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Para Além da Psicologia Organizacional Nove textos escolhidos Peter Spink Programa de Pósgraduação em Psicologia Social, PUC-SP Centro de Administração Pública e Governo, EAESP-FGV Junho de 2004
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Aug 07, 2015

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Para Além da Psicologia Organizacional

Nove textos escolhidos

Peter Spink

Programa de Pósgraduação em Psicologia Social, PUC-SP Centro de Administração Pública e Governo, EAESP-FGV

Junho de 2004

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Conteudo

1. A forma do informal (1988) 2. A organização como fenômeno psicossocial: notas para uma

redefinição da psicologia do trabalho (1991) 3. Cidadania na organização e cidadania da organização: notas para a

descontrução de “recursos humanos” (1992) 4. Managerial ideologies and local moral orders: two sides of a modern

dilemma (1994) 5. A Heterogeneidade da pobreza: implicações para ação (1999) 6. Um lugar para o lugar na psicologia (2000) 7. Pesquisa de campo na psicologia social: uma perspectiva pós-

construcionista (2003) 8. Redes solidárias, autogestão e solidariedade (2003) 9. A perda, redescoberta e transformação de uma tradição de trabalho:

a teoria socio-tecnica nos dias de hoje (2003)

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A Forma do Informal (Trabalho apresentado na XVIII Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, 1988 e Publicado na revista : Psicologia e Sociedade 5,7, 99 – 107, 1989) O título deste trabalho é em nada original. Criado pelo antropólogo Jeremy Boissevain em 1974, a frase serve de referência para um marco histórico importante no estudo de fenômenos organizativos; o reconhecimento de que forma é um assunto complexo demais para ser deixado para as palavras de ordem que ainda penetram sutilmente uma boa parte das ciências sociais – indivíduo, grupo, organização, sociedade, estrutura formal e informal. Na área do “indivíduo” em psicologia social temos, me parece, conseguido avançar razoavelmente bem tanto como resultado do trabalho conceitual sobre o “eu” e o “mim” do George Herbert Mead e a escola de interacionismo simbólico, quanto com a retomada da noção de representação por autores europeus como Moscovici. Porém na área de formas organizativas estamos extremamente atrasados se comparado, por exemplo, com a antropologia, onde os estudos pioneiros da escola de Manchester (Barnes, Mitchell, Bott e Gluckman) sobre redes sociais no fim da década de cinqüenta apontaram para o estudo da ação enquanto forma em movimento em contraponto ao estudo da reprodução tão favorecido pelo funcionalismo estrutural (Feldman-Bianco, 1987). Enquanto isso, na psicologia social é normal, ainda hoje, encontrar trabalhos e até livros sobre o tópico de “grupos” que nem sequer oferecem ao leitor uma definição rudimentar do assunto sobre o qual o conteúdo se trata. Assume-se, parece, que grupos são grupos e que todo mundo sabe o que são. Comentários iguais poderiam ser feitos sobre a famosa estrutura “informal” mesmo se em termos semânticos isso seria uma contradição: é possível ter uma estrutura “sem forma”? Na medida em que a psicologia social se restringe ao estudo do pequeno grupo entendido como um número fixo de pessoas, geralmente menos de 10, em contato direto na execução de uma tarefa concreta, pode-se argumentar pragmaticamente que não muitos problemas que decorrem desta miopia conceitual porque de um lado a vida do laboratório não atrapalhou muito a vida de ninguém e de outro o grupo terapêutico precisava desta visão fechada para estimular a regressão, a projeção e a introjeção que são sua base necessária para a interpretação. A dificuldade emerge com a descoberta da comunidade como um foco de atuação psicológica seja de forma investigativa, pedagógica, de bem estar, gramscianamente ou de qualquer outro jeito que tenha como base a idéia de ação em vez de observação. Como o único conceito sobre agregados não organizacionais nos livros de textos se

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referiam ao “grupo”, era e continua sendo comum ouvir de pessoas bem intencionadas que eles estão ajudando a comunidade a se organizar criando “grupos”. Para não criar a impressão de uma crítica unidirecional permitam-me observar que na área de organização de trabalho o mesmo acontece – grupos semi autônomos de trabalho são concebidos como sendo de sete ou oito pessoas quando de fato a equipe de mineiros de carvão que deu origem ao termo tinha mais de quarenta e cinco membros. Obviamente, “grupo” concebido desta maneira restrita tem muito pouco a ver com a densidade ou riqueza do fenômeno organizativo social e são justamente as conseqüências deste empobrecimento de visão que formam a base da minha preocupação. Se tomamos como exemplo o “grupo” de um lado e a “rede social” de outro conseguimos ver mais claramente a pobreza de nossa linguagem analítica. A representação visual de uma rede é sempre linhas e pontos onde os pontos são as pessoas e as linhas são, ou para ser mais correto estão, as interconexões. A malha que se forma e reforma, ora mais densa ora mais solta, uma malha sem fim onde sempre há possibilidades de novas interconexões. E o grupo? Normalmente se desenharia conceitualmente em termos de um círculo contendo pontos - as pessoas. A metáfora é de um conjunto, “aquele grupo lá”, definindo assim um limite entre do que está dentro “que é do grupo”, e conseqüentemente, do que está fora. De um lado um conceito inclusivo e de outro um conceito exclusivo; no meio, portanto, uma pergunta, porque obviamente o universo da forma Não se restringe simplesmente a estas duas opções. Que termos se escolheria para a imensa variedade de formatos que tem como fundo as múltiplas malhas referenciais das diferentes áreas do espaço de vida que são cruzadas pelos círculos, ora fechados ora pontilhados, das múltiplas maneiras de se juntar coletivamente em ação com características de limites diferentes, ora exclusivos ora inclusivos. Infelizmente a resposta na maioria dos manuais de psicologia social tem sido “grupos informais”, ou para desprestigiar mais ainda, o “cotidiano”. Do primeiro entende-se “a mesma coisa que um grupo...sabe” enquanto do segundo entende-se uma espécie de nevoeiro que mais se aproxima a uma prancha de Rorschach de que qualquer outra coisa. Enquanto a nossa relação com o campo é meramente aquela do observador ou observadora, este “não enxergar” não atrapalha ninguém, a não ser o observador ou observadora. Porém ao buscar uma relação mais ativa em relação ao campo, seja de apoiador, interpretador ou assessor, o quadro muda sensivelmente. Até que ponto, em outras palavras, seremos capazes de agir utilmente e de forma socialmente inteligente no desmascaramento das questões contraditórias de poder que se manifestam na interface do Estado e a comunidade social e na relação da pessoa, enquanto cidadão, com seus pares se a nossa caixa de ferramentas de forma somente tem um utensílio? Se fossemos reduzir tudo e qualquer possibilidade de ação a um pequeno grupo de 7-10 pessoas sentando num circulo podendo se olhar mutuamente?

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Red Lion Lane Permita-me a oferecer algumas alternativas utilizando o caso de um movimento autóctone de moradores que acompanhei num bairro de Londres. Trata-se de um caso algo diferente do comum porque o bairro não era um bairro de pessoas em situação de pobreza e o movimento, um sucesso, foi marcado por uma total letargia na dimensão organizativa. O bairro está localizado nos subúrbios de Londres que na época foi organizada em dois níveis de administração local. No mais local haviam os tradicionais “boroughs” que agregavam os muitos pequeno cidades e aldeias de antigamente e que hoje formam a região metropolitana. Elas foram e continuam sendo responsável para muitos dos serviços públicos básicos. No nível metropolitano havia o Conselho de Grande Londres com uma administração própria que cuidava das questões mais gerais da cidade. Em ambos dos níveis há um processo eleitoral de voto direto para candidatos dentro de um modelo parlamentar e distrital. Os distritos dos “boroughs” são menores dos do Conselho de Grande Londres. (O Conselho –GLC – foi depois desmontado durante o governo conservadora de Margaret Thatcher). A população do bairro na época era bastante mista: trabalhadores qualificados, auxiliares administrativos, técnicos, artesões autônomos, professores da rede pública e burocratas de nível médio. A população tem duas faixas etárias, um perto de aposentadoria, que veio para o bairro quando ele estava sendo construído na década de 30 e outra de casais jovens que estava entrando no bairro na medida em que os outros se aposentavam. Tinha pessoas de todas as cores políticas e os demais apetrechos de um bairro deste tipo. O bairro se situa num morro com parques por perto e é marcado em dois lados por ruas principais e bastante movimentadas que são usados para o fluxo diário de entrar e sair do trabalho no Centro de Londres e para o fluxo lateral formando assim um ângulo reto. Com o decorrer do tempo, o aumento de trânsito nestas avenidas começa a criar, especialmente na hora do pico, problemas de engarrafamento. Os motoristas começam a buscar saídas para evitar o problema do trânsito e começam cada vez mais a escoar pelas pequenas ruas do bairro. Moradores começam a falar entre si sobre os perigos que isso causa tanto para a população idosa quanto para as crianças e, gradativamente, a discussão aumenta ao ponto de um vereador local e morador do bairro sugerir que seja feito um abaixo-assinado para a administração local (o “borough”). Algumas pessoas que discutem isso a noite no “pub” do bairro ou de manhã ou a tarde na hora de levar e trazer as crianças da escola se prontificam e, de maneira bem solta, todo mundo acaba por assinar. O vereador apresenta a petição na câmara e o assunto é encaminhado à comissão de obras e vias locais onde além de vereadores estão presentes os oficiais da administração local entre os quais, o engenheiro chefe. O tempo passa, é feito mais um abaixo-assinado cobrando a demora (que irrita o vereador que responde que o assunto está bem encaminhado) e sai a conclusão da comissão: não é possível fazer nada porque o problema depende de ação na esfera do Conselho de Grande Londres onde está sendo

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discutida a construção de uma rodovia principal que deslocaria o fluxo fora das pequenas ruas urbanas. Após um tempo, os moradores começam a conversar de novo. A malha da conversa é extensiva e é formada por vínculos de vizinhança, vínculos formados via crianças na escola, em conversas no “pub”, conversas na pequena loja do bairro que serve também como correio e assim vai. Surge a idéia de ação direta como uma maneira de chamar atenção e, sem foco explícito de decisão, sem formar um comitê, é decidido bloquear a pequena rua que é mais afetada na hora do pico matinal. A conseqüência é um engarrafamento de 5 kilômetros. Logo depois, uma pessoa descobre que o engenheiro chefe da administração local é obrigado por lei a responder a todas as cartas que recebe dos moradores do “borough” e inicie uma correspondência sem fim. Sai outro bloqueio e outro abaixo-assinado que irrita mais ainda o vereador porque este é obrigado por lei a apresentar a petição na reunião geral da Câmara. Outras pessoas também começam a escrever para o engenheiro chefe que num determinado momento passou a ter que responder pessoalmente a cerca de cinqüenta cartas por semana. Neste processo todo, nunca foi estabelecido um comitê ou grupo organizador. O ritmo era esporádico e, em momentos diferentes, pessoas diferentes decidiram que era a sua vez de fazer algo, reconhecendo assim os argumentos dos outros que diziam “ah eu não tenho tempo...acho que é sua vez”. Num determinado momento, talvez por causa da quantidade de cartas, o engenheiro chefe começou a responder para uma das moradoras mais persistentes usando como endereçamento “secretária do comitê de moradores” e ao receber a resposta da moradora que isso não era verdadeiro, respondeu por sua vez que talvez os moradores gostariam de se organizar porque aí o conselho poderia discutir melhor as opções e dificuldades. Logo após, o vereador também fez a mesma sugestão, apontando que era muito simples formar uma associação de bairro e que o partido da maioria na Câmara havia sido eleito nas eleições recentes numa plataforma de participação popular e em conseqüência tinha introduzido algumas medidas como, por exemplo, o direito de usar escolas públicas para reuniões e outros eventos festivos. Os moradores começaram a discutir e acharam que isso daria muito trabalho e ninguém estava a fim. Também ficaram preocupados sobre quem escolher para liderar uma eventual associação dada a diversidade política do bairro. Eles já tinham alugado a escola por conta própria para fazer uma grande festa de natal para as crianças e não viram muita vantagem em ter isso com um “direito”. A Câmara local introduziu uma nova lei dando direito a voz nas diversas comissões oficiais de gestão municipal para as “associações da comunidade formalmente constituídas” e o vereador refez a sua sugestão como também a associação de bairro de um bairro vizinho se oferecer a incluir o bairro dentro de sua região e representá-lo nas discussões com a Câmara. (Sempre é bom lembrar que no modelo parlamentar, a Câmara serve de executivo e legislativo). A preguiça organizativa reinava e ninguém estava fim, acharam difícil e sentiam que talvez poderiam perder mais que ganharão; o movimento continuou na sua forma solta, articulada pelas ações diferentes de pessoas diferentes em frentes diferentes, mas sempre reclamando. Moral da história: três meses mais tarde, diversas pessoas do bairro receberam cartas formais da Câmara pedindo se um ou uma dos residentes poderia vir discutir o

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problema do bairro na comissão de obras e vias locais. Em conversas no bairro, o sentimento geral era que alguém deveria ir, entretanto deve ir enquanto um dos muitos residentes. Alguém foi e era cuidadosamente introduzido pelo presidente da comissão como “um dos residentes do bairro tal”; o morador expressou seus sentimentos pessoais sobre a falta de ação da Câmara e ao receber as explicações de sempre sobre a necessidade de uma integração entre as ações do governo local (o “borough”) e o Conselho de Grande Londres, informou que considerou que as razões dadas para não agir eram inaceitáveis. Ao ser questionado se seus sentimentos eram compartilhados por outros moradores, respondeu que imaginava que sim, mas que a comissão de vias públicas e obras teria que perguntar a eles porque o morador era somente um morador e não um representante; ainda mais, que ele não sentia nenhuma obrigação neste sentido. Ao ser indagado no final da discussão se ele estava satisfeito agora com as informações prestadas pela comissão, respondeu que as informações foram claras porém ele pessoalmente não estava satisfeito. “E os outros?” veio a pergunta...... “Vocês vão ter que perguntar para eles”..... veio a resposta. Ao sair da reunião, o morador foi abordado por uma outra pessoa que observava a discussão (as reuniões das comissões são aberta ao público para assistir e ouvir). Ele se apresentou como sendo o secretário de uma associação de residentes de outra parte do “borough” e indagou sobre como o morador tinha sido convidado quando, pela lei de participação popular, apenas associações formalmente constituídas poderiam falar. A associação do qual era secretário estava aguardando quatro meses para a possibilidade de falar. “Você sabe”, continuou, “que vocês são o primeiro grupo a falar dentro da nova diretriz.... como que vocês conseguiram isso?” “Nos não somos um grupo”, veio a resposta. Dois anos mais tarde, a rua que dava o nome ao bairro e que foi o palco dos bloqueios foi fechado, forçando o tráfico transmunicipal para as avenidas principais. Em busca dos agrupamentos Em termos organizativos, o movimento foi eficaz. Eles conseguiram se manter dentro de uma opção de forma que permitiu a articulação de ação porém sem chegar a uma estrutura que a tornaria mais um entre outros “grupos”ou “associações” de bairro que são muitas vezes sutilmente domesticados pelas normas de conduta das sutilezas da ecologia social e organizacional do Estado Local da qual são convidados a fazer parte (Cockburn, 1997). Na sua preguiça organizativa, o movimento conseguiu se manter num nível necessário e suficiente para permitir a agregação de pessoas bastante diferentes, sem forçar um grau de coesão que inevitavelmente levaria a todas as dinâmicas que conhecemos de nosso trabalhos de “grupo”. Evitou-se o trabalho desgastante da manutenção da “vida afetiva do grupo” pelo simples expediente de não o formar. Evitou-se as inevitáveis brigas de liderança e de panelas ( o “grupo de dentro” e o “grupo que está fora” ) de resoluções em reuniões e de votos “democráticos” pelo simples fato de não ter representantes. Cada um se representou num corpo a corpo de democracia quase direta, no mesmo tempo em que se considerou com toda a liberdade de falar em nome dos

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outros quando bem entendesse; não enquanto representante mas enquanto co-morador ou co-cidadão. Pode-se dizer que o movimento foi desorganizado? Certamente não...... mas organizado de que forma? Quais os conceitos que precisamos criar para tornar o nosso estudo prático da comunidade em movimento mais cuidadoso e, preciso dizer, mais respeitoso. Quantos psicólogos, quantas psicólogas, se colocadas dentro desta situação como agentes de desenvolvimento teriam trilhada a trilha da forma mais comum? Quantos e quantas, ao contrário, teriam a coragem de responder a uma pergunta sobre “qual o grau de organização necessária?” com a resposta “muito menos do que você pensa”. Ao tecer estas indagações, não é a minha intenção propor uma nova maneira ideal de ajudar uma comunidade a se organizar. Ao contrário, a intenção é de chamar atenção para a variedade de formas que existem no espaço entre a rede, de um lado, e o grupo , de outro, e especialmente para aquela área que normalmente recebe a descrição de “desorganizada” – expressão esta que é mais ilustrativa da ideologia do comentarista do que o foco do comentário. A linguagem conceitual para refletir sobre esta área organizativa intermediária está sendo gradativamente construída: na linguagem inglesa usa-se termos como “clusters”, “quasi-groups”, “loosely coupled systems”. Nos nossos trabalhos anteriores sobre formas alternativas de lidar com planejamento e decisão pública na área de planejamento pelo cidadão começamos a usar a expressão “agrupamento”pelo razão que o termo não carrega nenhuma definição a priori e, portanto, força a pergunta investigativa “de que tipo” (Spink & Hickling, 1978). Seja quais foram as palavras, o importante é o reconhecimento do assunto e, mais importante ainda, nossa pouca compreensão dela. Por muito tempo, os fenômenos organizativos foram relegados a uma falsa racionalidade instrumental e tratado com algo meramente técnico. Ao contrário eles são a materialização social das contradições políticas mais amplas e nos simplesmente os jogamos numa categoria residual: “informal”e “cotidiano”. Como, pergunto, é possível se declarar preocupado com a ação social sem buscar compreender sua forma. Sem perceber que isso é um passo necessário para o desenvolvimento de uma maneira de agir que poderia ajudar as pessoas de tornar a intuição que se manifesta numa aparente preguiça de se organizar em uma reflexão mais aprofundada das contradições inerente na ação humana.

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A Organização como Fenômeno Psicossocial: notas para uma redefinição da psicologia organizacional e do trabalho (Trabalho apresentada no VI Encontro Nacional da ABRAPSO, Rio de Janeiro, 1991 Publicado na revista: Psicologia e Sociedade, 8, 1, 174-192, 1996) O que hoje é chamado de psicologia do trabalho é uma lista de tópicos tão vasta que perde qualquer significado específico e é difícil considerar como um conjunto. Por exemplo tanto no trabalho empresarial, público ou no terceiro setor (entidades e associações filantrópicas, não governamentais ou de representação) são estudadas questões de: saúde do trabalhador, organização do trabalho, seleção, treinamento técnico, orientação vocacional, motivação e satisfação, comprometimento, significado do trabalho, relações interpessoais, liderança e comportamento grupal, estilo gerencial, treinamento e desenvolvimento gerencial, clima e cultura organizacional, comunicação e organização informal, relações de trabalho, negociação sindical e análise organizacional e institucional. Mesmo esta lista abreviada – na qual cada item é o ponto de partida para um micro-universo de tendências, métodos de pesquisa, pressupostos teóricos e valores sociais – demonstra que o termo psicologia do trabalho é tão descritivo quanto psicologia do fora-do-trabalho. Pior ainda, a multiplicação de elementos de atuação acontece sem nenhuma base teórica que sirva de moldura ou sem qualquer disputa teórica clara que possa servir como um diálogo de referência como, por exemplo, na área da psicologia clínica. Tão confuso é este tumulto de temas que não é de estranhar que a própria psicologia prefira deixá-lo sobreviver marginalmente no campo de recursos humanos, ou relegado a um tópico do quinto ano do curso de graduação e a uma experiência triste de estágio na área de seleção de pessoal. É raro encontrar psicólogos que fazem do terreno do trabalho seu foco substantivo; muito mais comum é ouvir que a presença neste campo se da por razões instrumentais para apoiar o exercício profissional “na clinica”. Ora, não se pode criticar esta posição se o campo em si é de fato tão desencontrado; não é possível exigir que alguém fosse assumir algo se não há claras indicações de que este algo existe! Durante um período buscou-se criar um espaço mais coerente e menos problemático no Brasil a partir de um enfoque dito institucional e com uma maior atenção ao funcionamento psicossocial de hospitais, centros de saúde, escolas e creches. Coerente, porque a ligação da psicologia com o desenvolvimento, a aprendizagem e a medicina sempre foi muito presente; menos problemático porque não eram indústrias com seus dilemas eticos sobre a relação entre capital-trabalho; ou pelo menos foi assim que se argumentava. Esta abordagem teve seus limites por pelo menos três razões: primeira, instituição é uma categoria específica de organização simbólica ou do universo simbólico do elemento organizado (Douglas 1986). Segunda, nestes organizações

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também há cargos, carreiras, tarefas sendo alocados e tecnologias a serem operacionalizadas e a abordagem psicodinâmica e psicanalítica utilizado na análise institucional (Bleger 1984, Loureau 1984, Guirado, 1987) teve poucas ferramentas pra um universo que também é sociotécnico. Finalmente, as dreamas do capital e os dilemas e conflitos da relação capital-trabalho podem não estar explicitamente presentes, mas as instâncias de estado e governo e sua relação com a cidadania nas questões de política social são igualmente ou até mais complexas e problemáticas, para não falar dos múltiplos fornecedores de serviços e equipamentos nas cadeias produtivas do serviço público e as relações temporárias de trabalho. Surge portanto a pergunta: o que fazer para oferecer para esta área uma possibilidade de atuação menos paradoxal? Neste texto propomos que a resposta passa pela necessidade de buscar de compreender o próprio processo de fragmentação do campo da psicologia organizacional e do trabalho e de desconstruir sua contribuição para o “lado humano das organizações”. A partir deste ponto de partida, cria-se a possibilidade para um novo redimensionamento do campo como um todo; o do estudo dos processos organizativos e de trabalho enquanto fluxo de ações e significados sociais. Desconstruindo o lado humano da organização Não há nada aparentemente nova na distinção em psicologia entre uma fonte de problemas que precisam ser resolvidos (a psicologia aplicada) e um fenômeno que precisa ser compreendido e problematizado (a psicologia teórica). Entretanto gostariamos de propor que está distinção seja reconhecida como parte do problema que a área enfrenta e propor, ao contrário, que a segunda precisa incluir a primeira enquanto foco de análise; reconhecer que a construção de problemas e de maneiras de resolve-los é também parte do fenômeno. Esta é a contribuição que uma aproximação maior com a psicologia social dita sociológica permitirá. O reencontro na psicologia social com as diversas e às vezes divergentes teorias sobre a intersubjetividade no terreno da teoria social teve como tanto como estímulo como conseqüência, a busca da contribuição da psicologia social à compreensão crítica da ação no âmbito societal. Se na Europa este processo se deu de maneira mais reflexiva a partir da década de 1960, com os comentários de Moscovici (1961), Israel e Tajfel (1972) e Harré (1974) entre outros, na América Latina ela se tornou mais radical, produto em parte da exacerbação de problemas sociais e das múltiplas conseqüências dos ajustes estruturais macroeconômicos (CEPAL, 1985). Na América Latina em geral, o débito com a prática tem assumido proporções tão alarmantes que muitos psicólogos preferem agir a partir do senso comum diante da incapacidade das teorias psicológicas ortodoxas oferecerem um quadro de referência mais informado. Dado que também o lugar da discussão sobre o significado das questões sociais e as possíveis estratégias de ação se dava, conceitual e politicamente, nas ciências sociais, o resultado foi uma saudável sociologização da psicologia social e uma rejeição de muito de seu conteúdo tradicional. Esta virada, às vezes exagerada pelo conflito que gerava, trouxe uma compreensão da complexidade do campo de processos sociais e serviu também para mostrar que o desafio de construir uma contribuição mais relevante não podia ser enfrentado com a simples psicologização de conceitos

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sociológicos e antropológicos. Seria necessário examinar a própria matriz conceitual da psicologia social em busca de elementos que permitissem uma complementaridade integrativa entre os conceitos de pessoa e processos sociais em vez do distanciamento provocado pelo binômio tradicional do indivíduo-sociedade (Lane e Codo 1984). O resultado tem sido um avanço significativo da capacidade de compreender os eventos do dia-a-dia como uma prática intersubjetiva e socialmente relevante, base da produção e reprodução de processos sociais (Spink, MJP. 1993,1994). Começou-se a desfazer a noção, implícita na falsa separação do indivíduo e contexto, de que o empírico tem dois níveis – um nível psicológico e um nível sociológico. Como bem comentou Adorno (1967):

“Sociologia e Psicologia, na medida em que funcionam isoladamente, caem freqüentemente na tentação de projetar a divisão do trabalho intelectual no seu objeto de estudo. A separação da sociedade e da psique é uma falsa consciência: perpetua conceitualmente a divisão entre o sujeito vivo e a objetividade que governa os sujeitos mas que se deriva deles. Mas a base desta falsa consciência não pode ser removida por um meto dictum metodológico. As pessoas são incapazes de se reconhecer na sociedade e reconhecer a sociedade nelas, até porque estão alienadas umas das outras e da totalidade.”

Se o “lá fora” contextual da psicologia ortodoxa é muito mais um “cá entre nós”, qualquer tentativa de estudar a atividade humana enquanto processo produzido e reproduzido socialmente exigirá a compreensão das condições de sua construção e continuidade. Estas condições só se tornarão disponíveis para análise na medida em que há um mirante a partir do qual é possível ler este movimento, de modo a compreender a dinâmica do campo em si (Bourdieu, 1989). Ao ampliar o horizonte, começa também ser possível analisar as crenças básicas da psicologia organizacional e do trabalho, seu conhecimento convencional ou paradigmas (Kuhn 1970, Lakatos, 1970) e suas versões de si mesmo e do seu objeto de estudo, sua identidade epistemológica (Fuller 1991). A ausência deste horizonte foi e continua sendo a grande dificuldade para a psicologia organizacional e do trabalho, especialmente quando ela se consere uma área separada e auto-suficiente. Seu certificado de nascimento, usando como referencial o livro de Hugo Münsterberg (1913), formalmente considerado primeiro texto organizado sobre o tema, veio com o nome de economic experimental psychology(psicologia experimental economica). A intenção era de mostrar a contribuição da psicologia para um campo industrial em franca expansão, visto como alavanca de desenvolvimento econômico e social. A temática das conseqüências societais deste desenvolvimento não era considerada por Münsterberg e ,presume-se, por seus colegas; uma postura constitutiva de uma psicologia científica e portanto “livre” de valores.

“A psicotécnica econômica pode servir certos fins do comércio e da indústria, mas se estes são os melhores não é uma preocupação que deve pesar para o psicólogo.” (Münsterberg 1913)

A visão de Münsterberg e outras da mesma época é compreensível considerando que o momento foi da consolidação da razão científica objetiva e da criação na indústria de princípios claros de organização, oriundos da mecânica, que poderiam ser combinados num modelo correto e melhor. Muitos destes princípios já estavam presentes de forma

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mais fragmentada (por exemplo nos trabalhos de Charles Babbage – A arte da Manufactura – em 1825 ou nas estradas de ferro) (Chandler, 1977), mas a sua consolidação enquanto matrix explicativo nas sociedades de engenheiros e nas escolas de comércio e de administração na costa leste dos Estados Unidos aconteceu neste período. Para cada problema haverá uma solução racional e para os psicólogos esta proposição tornou-se o ponto de partida para a psicologia aplicada: a separação entre a construção experimental de uma base conceitual e a aplicação desta base a problemas específicos. A primeira atividade era própria da psicologia experimental e a segunda da psicologia aplicada. O caminho é de uma mão só – do campo teórico legitimado cientificamente para sua operacionalização num mundo que precisava ser organizado e melhorado. Estes dois elementos, o caminho unidirecional entre a teoria e a prática, e o determinismo da eficiência técnica ou da organização vista como uma máquina, se combinaram para produzir um campo fértil de expansão não-problemática. A análise clássica dos psicólogos deste período é de Baritz no seu livro Os criados do poder (1960). A empresa Psychological Corporation, conhecida até hoje como um dos principais centros de publicação de testes psicológicos foi criada no início da década de 1920 para aplicar psicologia ao mundo dos negócios. Para muitos dos principais psicólogos da época envolvidos na criação de teorias e instrumentos para medir diferenças individuais, o mundo de negócios virou também um bom negócio. Qualquer possível tensão entre os valores do psicólogo e o novo campo em expansão foi aliviada por um ideologia profissional e gerencial voltada à importância da satisfação pessoal para o indivíduo alocado num posto de trabalho que é melhor para suas habilidades. (Nota-se que as implicações da situação ao inverso nunca foram especificadas). Para Münsterberg:

“ainda mais importante de que lucros comerciais de ambos os lados são os ganhos culturais à vida econômica da nação na medida em que todos podem ser levados ao lugar em que suas melhores energias podem ser demonstradas e sua satisfação pessoal obtida. A psicologia experimental econômica oferece nada menos de que a idéia inspiradora que o ajuste de trabalho e psique pode levar à troca da insatisfação no trabalho e depressão mental pela felicidade e harmonia interna perfeita” (1913).

Ideologias profissionais e gerenciais têm a tarefa de apresentar de maneira positiva da autoridade de mando frente a quem manda e a quem obedece, de tornar natural aquilo que não é natural e de fazê-lo de forma convincente (Bendix, 1956). Desde o início a nova psicologia econômica tinha sua crença, que serviu de sustentação para o caminho unidirecional entre a psicologia científica produzida no laboratório e sua aplicação na indústria. A força desta crença pode ser vista num comentário irônico do psicólogo ingles Bartlett que satirizou os psicólogos que se dedicaram à aplicação de teste vocacionais, como se fossem deuses, no ditado: “deus tem um plano para todos os homens e ele tem um também para você” (citado por Hollway 1991). Faltou ainda algo mais para completar o campo, para torná-lo aparentemente dinâmico e saudável, pelo menos na superfície. Isso seria dado pela crescente preocupação com os custos sociais e humanos do avanço industrial, visto como inevitável. O crescimento industrial e o determinismo tecnologico contribuiram mutuamente para criar o que Trist (1970) identificou como sendo a teoria da organização como uma máquina; pensou-se

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que o avanço industrial era inevitável e as características dos postos de trabalho seriam em grande parte determinadas pela tecnologia de produção. Portanto,a psicologia poderia ter um papel de atenuar estas conseqüências. Na Inglaterra durante a primeira guerra mundial, a demanda insaciável por armamentos fez com que o horário de trabalho nas fábricas de munição se estendesse cada vez mais. Noventa horas por semana era comum. A conseqüência foi um decréscimo na quantidade produzida e taxas cada vez mais altas de ausência por razões diversas incluindo doença. Preocupado, o governo da época criou o Health of Workers Committee(Comitê para a Saude dos Trabalhadores) em 1915 para: “estudar e aconselhar sobre questões de fadiga industrial, horas de trabalho e outros assuntos que afetavam a saúde pessoal e a eficiência de trabalhadores em fábricas e oficinas de munição”(Blackler e Shimin, 1984). Começava-se a discutir aquilo que um dos fundadores da psicologia industrial inglesa, C.S. Myers, chamou de: o lado humano do trabalho. Nos Estados Unidos da América a trilha do lado humano passou pelas críticas do psicólogo australiano Elton Mayo à visão taylorista do homem econômico e a proposição de Mayo sobrede que a necessidade do trabalhador de se dar bem com os outros; de precisar do convívio e do contato social. Os estudos de Mayo, especialmente aqueles vinculados à consultoria que prestou ao programa de pesquisa da empresa Western Electric, parte do sistema Bell – AT&T, na sua fábrica de Hawthorne, Chicago, de 1924 a 1933 (Mayo, 1933, Roethlisberger e Dickson 1939), apontavam para a importância do terreno dos sentimentos e das relações humanas entre o gerente e seus trabalhadores; visão esta que seria consolidada por um executivo da Bell, Chester Barnard em seu livro: As funções do executivo (1938). As empresas precisavam levar em consideração a dimensão social junto com a dimensão técnica – porém as duas são diferentes e regidas por suas lógicas próprias. O lado técnico é necessário e determina a natureza dos postos e o perfil de seleção e treinamento técnico; entretanto seus exageros precisam ser mantidos sob controle pelo respeito exigido ao lado humano e aos processos de comunicação e liderança. O potencial de conflito entre as duas tendências parecia real, porém na prática nada aconteceu e os dois subcampos acabaram por coexistir. Contrário à história mitificada, o movimento de Relações Humanas não marcou o fim da influência Taylorista, porque na divisão crescente das nova funções de pessoal, os dóis nunca se cruzaram. A psicologia da organização e do trabalho nasce e cresce com esta dicotomia de raiz, incorporando uma disputa interna e falsa entre “tecnicistas” e “humanistas”. A briga parece real, especialmente quando vocalizada pelos expoentes das modernas abordagens em recursos humanos, mas o grito é somente superficial. Mantem-se um grande circo que nada mais é que um processo de desublimação repressiva (para ampliar o uso do termo criado por Marcuse, 1955). Parece que se está trazendo as questões chaves para o luz do dia mas, na prática, ocorre o contrário; a manutenção de uma subordinação aos modelos vigentes e uma incapacidade de construir uma alternativa crítica. Tal como Münsterberg havia feito anteriormente, Mayo também cuidadosamente traçou uma linha entre o social que lhe interessava e o social mais amplo. O historiador social Gillespie (1991) cuidadosamente analisou a maneira em que os famosos experimentos de Hawthorne foram trabalhados e retrabalhados nas narrativas dos envolvidos num

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processo de construção social de sentidos e versões. Torna-se claro que o tal de local de trabalho social e colaborativo de Mayo era extremamente restrito no seu espaço; a sua técnica de entrevistar trabalhadores sobre o que pensavam da organização era para ajudar satisfazer as necessidades dos trabalhadores de se sentir úteis e não para ouvir ou usar o que era dito. Para Mayo, conflito industrial não tinha nenhuma razão de existir – seu mundo era colaborativo – e conseqüentemente sua presença devia ser tratada pela psiquiatria. Gillespie cita um trabalho publicado por Mayo na Austrália, antes de chegar nos Estados Unidos, onde Mayo já começa a argüir que a pesquisa psicológica mostraria a irracionalidade e a desordem mental que geravam conflito social.

“Para qualquer psicólogo ativo é imediatamente óbvio que as teorias gerais de socialismo, anarquismo e similares são em grande parte as construções de fantasia do neurótico” (Mayo en Gillespie, 1991).

Não deve, portanto, ser uma surpresa descobrir que mais tarde quando os resultados do importante estudo sobre a montagem dos relays estavam sendo discutidos, o conflito – por exemplo aquele criado por duas das trabalhadoras que tentaram negociar com a gerência melhores condições salariais e certos privilégios e em consequência foram retiradas do experimento – seria esquecido e a razão de sua retirada dada como outra. No relaltório final, as duas eram consideradas neuróticas e não adequadas para as condições do experimento. De maneira similar, o estudo dos homens na sala de fiação iria perder todo seu conteúdo mais crítico sobre a natureza da resistência à autoridade industrial e gerencial, incluindo as observações sobre as discussões entre os operários sobre a importância de manter um nível de produtividade suficiente para garantir uma salário adequado, quando o antropólogo social W. Lloyd Warner foi afastado do projeto. Afinal, o título do livro seria: Gerência “e” o Trabalhador (Management and the Worker). Até hoje esta capacidade impressionante do campo de convívir dentro de um simulacro de debate continua firme. O debate é sempre sobre a divisão do campo e nunca sobre a sua formação (a não ser de maneira mitificadora) enquanto parte da sociedade moderna; sobre seu papel naquilo que Polanyi chamou da “grande transformação” (1944). Continua a discussão dentro da moldura mas não da moldura em si. Nossa colega Arakcy Martins Rodrigues tem comentado como a ordem de tópicos em quase a totalidade dos cursos de psicologia de organização e do trabalho mostra bem esta incapacidade de problematizar o campo. Começa-se sempre com análise de cargos e seleção, as primeiras atividades da psicologia industrial, e segue-se numa ordem que reproduz a ordem cronológica da ampliação do campo até chegar ao desenvolvimento organizacional. Em momento nenhum se reflete sobre o significado, a intertextualidade temática que resulta destas idas e vindas. Cada uma tem o seu espaço, por ordem histórico como também os departamentos de administração de pessoal. As áreas de rotinas trabalhistas, cargos e salários, seleção, treinamento técnico e desenvolvimento gerencial são sempre separadas e lá também há os progressistas e os tradicionais. Mesmo nas tentativas de criar um novo conceito de recursos humanos (o “Human Resource Management”), foi necessário manter separada a parte administrativa para permitir que a parte nobre pudesse manter a sua ideologia desenvolvimentista (Guest, 1990). . A dificuldade em se questionar vem do pressuposto original. Psicologia era para ser aplicada ao campo do trabalho e das organizações, conseqüentemente assumia-se que a problematização da psicologia seria feita onde se fazia a psicologia, não onde se

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aplicava. Os dois são instâncias e lugares distintas. Ao agir dentro da ótica da separação entre teoria e aplicação, caiu-se no terreno restritivo onde a preocupação social do psicólogo enquanto ser-no-mundo poderia influenciar o tipo de problema que quiera resolver, mas a maneira de resolvê-lo permaneceria presa àquilo disponível para aplicação. Portanto, o mundo do trabalho e das organizações é um campo de atuação e não um fenômeno a ser compreendido, porque na hierarquia implícita da ciência esse não é o papel do aplicador. Consequêntemente a psicologia do trabalho é um assunto do quinto ano no Brasil ou de cursos de pós-graduação no exterior; algo que um psicólogo ou uma psicologa pode fazer mas que não é parte de sua identidade disciplinar básica. Nestas circunstâncias, se a psicologia, voltada cada vez mais ao estudo isolado, quando não experimental, de pequenos núcleos de variáveis, não oferece a possibilidade de uma leitura problematizadora do fenômeno social, o resultado será o inevitável círculo vicioso. Uma fragmentação do campo em pequenas áreas, cada uma das quais composta de pedaços de psicologias mal costuradas e engajados numa briga inócuo. A separação falsa entre a teoria e a prática estimula mais ainda a segmentação, negando a possibilidade de uma práxis voltada à compreensão ativa de um mundo social processual. Finalmente a imagem negativa do engagamento com trabalho e organizações visto enquanto algo reduzido, debaixo estatus e preso à reprodução do capital sem opção de análise e ação, completa o círculo, afastando o profissional do acadêmico e uma parte do campo ao outra. Uma aproximação com a psicologia social neste momento em que a psicologia social também se busca reconfigurar, oferece diversas pistas para a reconcepção da área, iniciando-se com o reconhecimento que o proprio campo da psicologia organizacional e do trabalho é parte, ele mesmo, do fenômeno do trabalho; produto de suas circunstâncias e não alheio a elas. Entretanto, caberá aos psicólogos e às psicólogas que militam no campo dos processos organizativos a tarefa difícil de buscar, a partir das aberturas possíveis, a legitimação do fenômeno de trabalho e das formas que a atividade humana assume com um espaço de pesquisa e produção de conhecimento sobre a psicologia da vida associativa, a psicologia social – a psicologia. Caberá também a estes e estas, rejeitar a falsa separação da teoria e da prática, do puro e do aplicado e de sua hierarquização profissional implícita. Cabe também reconhecer que estas separações – que só foram rejeitadas explicitamente pelos ativistas da pesquisa-ação (Spink,1979) – compõem uma problemática mais profunda. Poder, dominação, ideologia, conflito social e de classe não habitam um espaço próprio alheio à academia; os campos do saber também têm seu cotidiano. A organização enquanto produto discursivo Ao reassumir a psicologia enquanto campo de reflexão e não simplesmente de aplicação, é possível criar um mirante para a problematização inicial daquilo que talvez seja o elemento mais pernicioso desta triste história: o que é, afinal, esta tal organização sobre a qual todos parecem certos de sua existência enquanto fato real e dentro da qual o psicólogo e a psicóloga aplicam sua psicologia? A organização é um pressuposto básico que é tomado como óbvio – afinal organizações existem – para poder ir adiante na investigação de sua forma e natureza; seja de organizações boas (sindicais, comunitárias) ou más (capitalistas, psiquiátricas). Mas será que este crença

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básica tem validade, quando vista pela ótica de uma psicologia social ativa e investigativa voltada à análise de ação social vista do lado do agente desta ação (Spink 1984) ? Será que organizações existem? Durante muito tempo, e até pelo menos a década de 1930, organização, enquanto palavra ‘descritora’ foi sempre associada à necessidade de dar ou pôr ordem (ordenar) nas diversas ações que formavam o empreendimento industrial ou comercial e o serviço público. A arte de administrar foi erguida em volta de atividades tais como planejar, organizar, liderar e controlar; conseqüentemente a organização de atividades fez parte do empreendimento ou serviço e não era sua característica principal. Qualquer passagem pela arqueologia industrial de diversos países da Europa mostraria os portões de fábrica e prédios do século dezenove onde o empreendimento era claramente identificado: Fundição Soho, Tecelagem Bennet, Chapelaria Christie-Miller, Pneumáticos Pirelli. Livros escritos no início do século vinte discutiam a administração e organização da fábrica, ou do escritório, e ainda em 1974 George tinha isso a dizer ao resumir seu trabalho sobre a história do pensamento administrativo:

“quando os administradores tentam criar um ambiente físico e mental eles devem inculcar um certo grau de ordem no caos que a ignorância dos fatores ambientais ocasionaria. Esse processo de ordenação, envolvendo o planejamento, recebeu diversos nomes, sendo o mais comum de organização” (George, 1974).

Na antropologia da mesma época, a palavra organização era usada de maneira genérica para se referir aos processos sociais em agregações humanas, suas religiões, ritos, estrutura familiar e modo de vida. Ninguém duvidava que estes processos sociais tinham seu lado simbólico, como a citação de George deixa transparecer a partir do uso da expressão ambiente mental; tratava-se, porém, de um processo de ordenação no nível micro ou macro e não de algo em si. Enquanto na linguagem do cotidiano esta versão básica de organização enquanto atividade ou ação processual ao alcance de todos continua presente até hoje (como na frase “organizar uma festa”), no terreno conceitual, especialmente na administração, na psicologia e na sociologia, a situação é outra (para não esquecer a nova área interdisciplinar de estudos örganizacionais”). Ao adentrar na década de 1950, o processo de criação do campo profissional gerencial se consolidava, exigindo um espaço delimitado e ideologicamente legitimável de autoridade e competência (Anthony 1977, Bendix 1956, Guillén,1994). Expandia-se também o campo profissional das ciências sociais para os níveis de meso-análise da sociedade, trazendo a necessidade de ter um algo para estudar. A palavra organização adquire mais um sentido. Agora ela passa a ser um objeto a ser estudado, uma espécie de baú dentro do qual comportamentos podem ser observados, e sobre o qual se pode discutir suas características e seu gerenciamento. Cada vez mais livros aparecem mostrando como a organização é um fenômeno moderno, e portanto complexo, e como as vidas de cada um são cada vez mais dependentes de organizações. Os múltiplos elementos deste “novo algo” são separados e juntados num esforço de identificar as variáveis-chaves que afetam seu desempenho. Demoria muito pouco tempo para que o baú abstrato se reifica e se naturaliza, virando uma entidade concreta que tem comportamento próprio, chegando a um grau de antropomórfismo tal que adquire uma fisiologia ( a organização enxuta, saudável e que aprende).

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Ao ser conceitualizada cada vez mais com um “algo” em vez de ser compreendido enquanto processo, começava-se a fortalecer também a subordinação simbólica da parte ao um todo. Organizações são “algo” e este “algo” tem partes; dado que o “algo” é maior do que a parte, o “algo” é mais importante. O comportamento, que é visto como uma parte, acontece dentro deste “algo”, ou organização-todo. A estrutura do todo, da organização formalmente constituída, é diferente das ações do dia-a-dia; do mundo informal e mundano da parte. Segue portanto que o primeiro é “obviamente” a base do poder e o segundo da subserviência. A presença desta versão sobre a constituição da organização levou pessoas a imaginar que não se pode fazer nada se não houver accesso e participação às decisões centrais. Participação portanto se refere à presença de representantes eleitos nos conselhos administrativos e não às mudanças no local de trabalho. Na organização-todo, não há lugar para o cotidiano. Ao assumir a concretude da organização enquanto um todo, cai-se num erro tautológico. Ao supor que a organização é uma categoria clara e não problemática, interpretam-se os dados na mesma veia. Se a organização existe, portanto é obvio que a ação acontece dentro da organização. Ao assumir que a ação acontece “dentro”, naturaliza-se o todo. Não se aceita a possibilidade que este “algo” não existir? Desde os trabalhos pioneiros dos interacionistas simbólicos dentro da linha aberta por G.H.Mead (Strauss, 1956), e dos pesquisadores de campo lewinianos (por exemplo Barker e Wright, 1955), até as propostas etnometodológicas (Garfinkel, 1967), e também o debate crítico dentro da antropologia da ação (Feldman-Bianco, 1987) ou da semiótica (Barthes 1982, Bahktin 1990), torna-se cada vez mais claro que o dia-a-dia, o cotidiano mundano, não é um vazio de restos aleatoriamente espalhados pelo chão mas, ao contrário, é o lugar onde a gente se reconhece como gente no sentido comunicativo (Wittgenstein, 1953, Habermans, 1984). Reconhece-se também que a capacidade de ordenar atividades e ações, de criar diferentes e novas formas de agir é uma característica essencialmente humana e que é esta a base que materializa os passos da humanidade no horizonte reconhecível do dia-a-dia, mesmo que os passos sejam contraditórios e seus sentidos confusos (Spink, 1991). O dia-a-dia organizacional é onde se trabalha; parte esta cujo horizonte – ou limite – é sócio-tecnicamente configurado (pelo espaço físico, maquinaria, tarefas, horários, presupostos de controle e práticas de interação). Nesta ótica, a ordem organizacional tem muito mais a ver com uma ordem negociada (Strauss 1978) entre cotidianos distintos – departamentos, áreas, salas de aula, repartições e lojas – e o todo é muito mais residual, sem nenhuma característica homogênea. Portanto as “organizações” enquanto coisas reificadas como “algo” nada mais são do que a sombra projetada pelo cotidiano em movimento ou as pegadas deixadas pela passagem da ação enquanto atividade humana. A sombra inibe a entrar e a pegada convida a seguir, porém ambas são as conseqüências da ação e não sua origem. Obviamente há exemplos de empreendimentos sociais e processos organizativos que se isolam por inserção ou opção (Goffman 1974), onde há uma busca de articular um texto organizacional hegemônico e diferenciador, ao ponto de enfatizar a presença de uma cultura forte e marcante (Pages et al, 1987). Mas será que mesmo nestes casos o texto é de fato hegemônico ou, ao contrário, as pessoas reconhecem a sua presença enquanto autoridade ou discurso oficial enquanto utilizam outros recursos para o dia-a-dia

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(Bloch, 1977). Vale lembrar o estudo clássico de Rosenhan (1973) cujos pseudo-pacientes esquizofrênicos foram rapidamente diagnosticados como pesquisadores pelos demais pacientes internados. Também é comum em processos de introdução e integração de trabalhadores perceber que a maioria dos funcionários não presta atenção às aulas ou vídeos explicativos e aguarda o início do trabalho para indagar ao vizinho como as coisas são feitas e quais as regras importantes. Todos e partes Se as partes, ainda definidas de maneira aberta, são os lugares de residência, no sentido de atividade e ação, qual é o papel do todo? Há, simplificando, três opções que parecem possíveis. A primeira começa com a noção de que o todo é algo fora da parte, a parte é dentro do todo. Nesta ótica, organizações serão entidades separadas e as pessoas se comportariamm dentro delas de acordo com regras observáveis e teoricamente previsíveis. Organizações podem ser estudadas enquanto entidades que têm estruturas, tecnologias, culturas e ambientes; pessoas são diferentes e têm sua própria temática de estudo. Esta seria a opção da objetividade organizacional que é seguida pela grande maioria de pesquisadores nas áreas tradicionais da psicologia organizacional e do trabalho. A segunda opção começaria com o mesmo princípio, mas reconheceria que as pessoas têm uma tendência a construir seus próprios mundos e portanto é necessário relativizar o conceito para levar isso em consideração. Organizações existem de fato, só que as pessoas tendem a vê-las através de seus próprios olhos, criam seus próprios mapas cognitivos. Portanto é necessario olhar tanto a organização quanto as versões que cada indivíduo ou grupo elabore para si mesmo sobre a organização. Esta seria a opção da subjetividade e é onde encontram os trabalhos sobre liderança e comunicação, de cultura organizacional e uma boa parte da psicologia dita institucional. Oferece uma divisão do campo de maneira não problemática entre o terreno dos estudos administrativos sobre a eficacia da organização e os estudos psicológicos das pessoas nas organizações. A terceira opção se iniciaria pela inversão do todo e parte, concebendo o todo dentro da parte e sem nenhuma existência independente. Ao contrário, o todo nada mais seria do que um produto intersubjetivo transformado em pseudo real pelos sentidos circulantes. A parte seria concebida enquanto horizonte local, dando concretude e base à intersubjetividade. Nesta opção, que podemos chamar de uma intersubjetividade radical, nada existiria além da parte. O que são chamadas organizações não seria nada mais do que coleções de partes, concentrações mais densas de processos cotidianos. Se os atos de fala, os discursos e a retórica são produtos do dia-a-dia e não de um lugar mítico além da parte, e se é a partir desta ação processual que o eu nas suas versões de deriva, segue-se que a organização enquanto algo concreto é produto da contradições e conflitos deste mesmo cotidiano do que é produtora, uma opção discursiva de uma meta-narrativa produzido nas contradixões e conflitos das narrativas contidianas (Habermas, 1984).

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A psicologia social do fenômeno organizativo Se a organização enquanto um todo não é mais que um rastro da atividade que já passou e uma sombra pálida de um fenômeno multidimensional que desaparece quando a luz é acesa, segue que estes empreendimentos diversos de todos os tipos conseguem se maneter enquanto empreendimentos não porque as pessoas são corretamente administradas e direcionadas, mas porque a concentração de processos cotidianos serve de imã para o uso das caixas coletivas de ferramentas organizativas mundanas desenvolvidas ao longo da história social. Em última análise, pessoas sabem se virar e ao se juntar com outras em empreendimentos diversos é presumido que esta sabedoria será utilizada. A estrutura “organizacional” ou organograma de uma firma, hospital, escritório ou ong é uma versão hierarquica de ação congelada; de pouca importância no dia-a-dia onde reina a negociação de sentido (Strauss, 1963). Ela pode apoiar ou restringir a ação processual pelo seu efeito enquanto mecanismo de mediação, mas não a produz nem reproduz; igual à pegada, ela tem algo a contar – só que é diferente daquilo que se está acostumado a ouvir. A ideologia enquanto uso das possibilidades discursivos em prôl das interesses particulares de dominação aponta tanto para a direção do poder como também para a direção do medo que o sustenta. Dominação é sempre bi-polar. Ao tornar natural a autoridade de alguém, desautoriza-se no mesmo tempo a autoridade do outro de quem ou do qual se tem medo. Talvez precisamos reconhecer que na reificação da organização que se faz presente no aumento vertigenoso de “best sellers” gerenciais e na oferta de seminários com especialistas nas “ciências gerênciais”, a importância do bom gerente e, por implicação, a incapacidade organizativa do não-gerente aponta justamente para o contrário; ou seja para a capacidade organizativa enquanto atributo do social coletivo, um coletivo que se demonstra cotidianamente capaz de construir e reconstruir sua processualidade sem a presença de gerentes empresariais, publicas, partidárias, religiosos ou de qualquer outra espécie. O estudo do fenômeno organizativo e do trabalho tem muito a ganhar com sua proximidade à psicologia social – e talvez a psicologia social tenha algo a aprender também.

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Cidadania na organização e cidadania da organização: notas para a deconstrução de "recursos humanos" (Trabalho apresentado no IV Encontro Regional de Psicologia Social, ABRAPSO, São Paulo, 1992 Publicado em : Mary Jane Paris Spink (org) A cidadania em construção: uma reflexão transdisciplinar. Editora Cortez, São Paulo, 1994 )

Vivemos nesta segunda metade do século vinte numa era denominada "desenvolvimento". Produto de um processo de construção social que incluiu a criação conceitual do "país pobre" ou "atrasado", seu início simbólico se deu no pronunciamento inaugural do Presidente dos Estados Unidos da America Harry Truman em 1949, quando apontou para a importância do progresso industrial para a melhoria do padrão de vida nas áreas "subdesenvolvidas" do mundo. Para Truman e seus assessores, "maior produção" seria "a chave da prosperidade e paz". Na sua análise deste momento, Illich (1992) anotou que provavelmente Truman e seus assessores acreditavam que uma lei universal de progresso existia e que se manifestaria numa escada de desenvolvimento onde o objetivo era claramente satisfazer cada vez mais as expectativas geradas pelas vantagens do mundo moderno. A ideia de uma lei de progresso universal ou de desenvolvimento por etapas continua marcando sua presença ubíqua no imaginário ocidental, como Raymundo Faoro tem argumentado na sua distinção entre a modernidade e a modernização. Em contraste à busca da modernidade que "compromete toda a sociedade ampliando o raio de expansão de todos as classes, revitalizando e removendo seus papeís sociais" (1992), Faoro vê o Brasil sendo palco de sucessivas imposições de modelos "modernizadores" cuja função é sempre saltar etapas imaginárias em grandes e populísticos momentos de progresso nacional. Consequentemente:

"..uma nova modernização sepulta a anterior e nenhuma consegue fazer com que o país encontre o caminho para o desenvolvimento. Impostos por elites "pseudo-dissidentes" em favor de seus interesses, essas modernizações mantém a maioria da população alijada de benefícios sociais elementares..."

Ninguém duvida que o Brasil se insere dentro daquilo que chamamos de ocidente porém o faz de forma periférica e de maneira própria. Suas raizes e processo de colonização foram bastante diferentes do que, por exemplo, os Estados Unidos no que tange a terra, a comunidade e os ofícios (Basbaum 1976). Na sua sociedade semi-tradicional e verticalizada de origem portuguesa, ter e consumir foi e ainda é visto como um privilégio a ser distribuído hierarquicamente e não, no modelo fordista implicitamente presente nas palavras do Truman, como uma alavanca de crescimento econômico social. Seu tecido simbólico tem elementos místicos de múltiplas origens e sua distinção entre “casa” e “rua”, entre o conhecido e o desconhecido tão bem

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analisada por DaMatta (1991) torna a construção da cidadania muito mais problemática do que os movimentos modernizantes pressumem com seus "direitos do cidadão - deveres do Estado". Falando no forum ano 2000, organizado pelo Consórcio Intermunicipal do grande ABC, DaMatta evidenciou mais uma vez:

" O Brasil tende a nos confundir ou a nos pertubar porque nele existe uma sociedade que surge como antiga e moderna,simultaneamente. Temos uma sociedade industrializada.... convivendo com pobreza e miséria..... continuamos a manter um subemprego galopante, legitimado por um sistema legal que contempla muito mais o capital do que o trabalho...é nesse casamento de antigo com moderno, de centro com periferia que temos, me parece, de concentrar a nossa atenção mais crítica." (1992)

Portadores, de um lado, de uma herança verticalizada e veiculadores, de outro, de uma idealismo horizontalizado, não supreende que o imaginário de um se sobreponha ao outro nas conmversas diárias. Há a disputa implícito para modernizar de maneira que protege os interesses e há a disputa explícita para manter a sociedade semi-tradicional e seu "sistema de privilégio cordial" . Cruzando ambos, há os efeitos das imagens de um universo horizontal trazido pelos ventos de uma crescente hegemonia discursiva ocidental, onde a rua não é o lugar do excluído mas, ao contrário, o encontro com o outro, o desconhecido porém respeitado co-cidadão. Neste terreno de versões múltiplas, a luta política para a redefinição da realidade simbólica tem com foco principal o construto social de "estado", seja este “moderno”, de “bem-estar”, “mínima” ou qualquer outro nome. Os executivos das organizações empresariais não são meros espectadores deste processo; estão, ao contrário imersos nele, assim como as áreas de recursos humanos e a própria psicologia do trabalho. Ao assistir, nos últimos cinco anos, a troca do discurso gerêncial sobre a "pessoa de confiança que veste a camisa", "quem manda aqui sou eu" e "trabalhador não tem cultura" para uma outra cujas palavras chaves são: "envolvimento, qualidade, competitividade, participação, auto-realização, produtividade" (ver, por exemplo ABRH 1992) há de se perguntar o que se passa? Até que ponto a busca de introduzir práticas gerenciais de crescimento e integração junto com uma imagem da organização como cultura que estimula e que respeita o desenvolvimento é meramemte "bom para as pessoas e para o negócio", ou não é também uma consequência de uma determinada noção de estado. Humphrey (1993) annotou que na pesquisa da IPEA nas empresas brasileiras com programas de qualidade industrial (ver Fleury e Humphrey 1992):

" nenhuma das empresas na amostra tinha negociado a introdução de novos métodos com os sindicatos e mantê-los fora da fábrica foi um objetico chave..... a lei dá certos direitos aos sindicatos incluindo aí a exclusividade de representação e um papel formal na negociação coletiva no nível regional ou da indústria com um todo. Os sindicatos têm nenhum direito de intervir ao nível da fábrica ou de negociar diretamente com empresas individuais"

Até que ponto as tentativas de construir tecnicamente um lugar organizacional enquanto realidade pseudo-democrática independente, podem estar também relacionadas aos traumas e dilemas do confronto no âmbito do estado da sociedade semi-tradicional com a sua identidade capitalista emergente e não consolidada. A criação de uma cidadania virtual de uma organização abstrata e alheia do terreno da luta

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para a definição societal pode não somente dificultar a segunda mas levar ainda a seu esvaziamento, na medida em que encoraja executivos e técnicos a se localizarem cada vez mais no imaginário do primeiro; no imaginário de uma organização idealizada. Um artigo recente do porta voz gerêncial Peter Drucker (1992) ilustra bem esta posição:

"A organização precisa estar numa comunidade, mas não pode ser parte dela....a organização não pode ficar submergida na comunidade nem se subordinar aos seus fins. Sua "cultura" precisa transcender a comunidade ............é a natureza da tarefa, e não a comunidade dentro da qual a tarefa está sendo realisada, que determina a cultura da organização"

Para poder contribuir criticamente na intertextualidade deste momento torna-se necessário não somente construir um outro quadro de referência societal para a discussão das relações de trabalho, organização industrial, práticas gerênciais e as contribuições profissionais das diversas áreas que atuam no campo, mas também compreender os processos sociais e econômicos dentro dos quais estamos perifericamente inseridos. Precisamos, consequentemente, desmontar de um lado a "certeza" de um determinado tipo de estado "padrão" e de outro compreender os origens dos modelos de recursos humanos que nos influenciam como sendo "verdadeiros" ou "atuais". É somente assim que nós podemos desconstruir sócio-psicologicamente as versões modernizantes do mundo organizacional que nos circundam para poder responder contributivamente num contexto onde, como Weffort anotou numa palestra recente:

" as novas democracias da America Latina são democracias em processo de formação....... precariamente representativas e permanentemente ameaçadas a partir do seu interior, sofrendo o risco de emergência de novos fenômenos populistas, carismáticos ou autoritários de qualquer natureza....."(1992)

Estados e Cidadãos - construções diversas Um "Estado" é composto de diversas organizações, instâncias e poderes presentes em documentos e leis e contornados por uma fronteira geográfica. Porém, "O Estado" é sempre mais do que isso; ele é, em última análise, um construto social coletivo que permeia a soma maior das interações dos representantes destas instâncias com os demais atores sociais enquanto agentes de uma determinada atividade. Como construto coletivo, relativamente novo na sua posição hegemônica (Hall, 1992), se produz e reproduz em diversos níveis do cotidiano, dando a estes uma "segunda voz" referente a uma suposta coletividade mais ampla, um “todo” em qual se poderia encaixar a “parte” e ao qual a “parte” se subordina. O construto coletivo de "Estado" não se manifesta sozinho mas é acompanhado cada vez mais por um outro cujo conteúdo é também um produto social - a "cidadania". Os dois construtos cada vez mais chamam e estão presentes no outro, dando ao binômio um caráter quase que "objetivado" (Berger e Luckman, 1967). A criação de uma perspectiva analítica que permita ao binômio "Estado - cidadão" ser compreendido enquanto produto do imaginário social, abre espaço para a discussão de manifestações diferentes desta relação. Um ponto de partida pode ser dado a partir da caracterização de três tipos de "Estado", nenhum dos quais com existência própria, mas

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que permitem visualizar melhor o terreno onde as contradições da temática da cidadania se dão (Spink 1989). Podemos começar identificando um "Estado Tradicional", seja de forma absoluta feudal ou colonial explícita. Este é o Estado do "quem manda aqui somos nós"; onde o poder é exercido de forma explícita sobre a sociedade que é vista como um subordinado. Este Estado, como Habermas diria, se "apresenta" para um "público" que assiste de fora. A esfera pública é um espaço particular (Habermas 1984); o povo, servo ou colonizado, tem deveres em relação ao estado cujos proprietários tem os direitos. Em segundo lugar, é possivel caracterizar um Estado que é contrário em parte a este primeiro. No "Estado Moderno", o poder não é mais explícito, ninguém é obviamente proprietário e os papéis sociais presentes são de cidadãos, de representantes e de governos eleitos. Aaqui, os classes dominantes exercem sua presença indiretamente, a estrutura social é mais complexa e o conflito de classes sociais é mediado por um estado regulador de contratos e fornecedor de serviços. Governos são eleitos e são obrigados a prestar contas de suas ações perante um parlamento ou legislativo; o cidadão ainda não faz parte da esfera pública, porém se faz presente ora via seus "re-apresentantes" parlamentares ou via outros re-apresentantes presentes entre as múltiplas associaões da sociedade civil. No “Estado Moderno”, é o cidadão que tem os direitos e o Estado que tem os deveres a partir dos quais, serviços são prestados à sociedade ou aos "cidadão-clientes" ou "usuários". Se o segundo inverte a polaridade do primeiro em termos de deveres e direitos, a terceira versão surge enquanto antítese dos primeiros dois. No primeiro o Estado é explícito e no segundo o explícito se dissolve e se transforma em símbolos mediadores, porém o Estado continua mais do que presente mesmo quando seus serviços são terceirizados ou "privatizados" ou até quando estimula a gestão comuntária (Cockburn 1977). Para criar a antítese é necessário retomar de forma construtionista a noção marxista do "Estado em desaparecimento", ou seja, da gradativa perda do conteúdo simbólico da separação do cidadão e do Estado pela coletivização social do segundo pelo primeiro; não por um mecanismo organizacional intermediário como, por exemplo, o partido - porque isso simplesmente reproduz o anterior - mas de maneira direta. Este seria o terreno da presença direta e não indireta do cidadão na esfera pública como alguém "presente"; cidadão este que tem direitos e deveres para com os demais membros da sociedade. A pessoa, socialmente concebida, está tão dentro do estado que o "Estado" - enquanto construto intersubjetivo - se confunde tanto com o agir comunicativo da sociedade que simplesmente perde sua força simbólica e desaparece enquanto elemento do imaginário. A questão que levantamos não se refere às preferências por este ou aquele dos três modelos, mas à proposição que nossas sociedades periféricas - produtos do colonialismo explícito ou econômico e da ruptura ou da instabilidade institucional - materializarão seus caminhos no espaço das possibilidades de posicionamente entre significados dinâmicos, sedutivos e conflituosos formado por esses três versões de "estado-cidadão". Neste processo, ou se reconheçeria que é deste conflito de sentidos que emergirá uma estratégia autoctone própria a partir da análise e debate crítico e agregador ou há o perigo de se buscar uma solução pronta, de preferência externa, e vista como moderna.

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Consequentemente, ao ser encantado por um discurso gerêncial que se apresenta como atualisado e pertinente à relação da pessoa na organização, sem prestar atenção às condições específicas de sua orígem e de seu destino, corre se o risco de assumir uma construção de natureza repressiva cuja abertura superficial esconde aquilo que não há nenhuma intenção de abrir: a cidadania na sociedade e o papel das organizações industriais e empresariais neste processo. Discursos e Práticas na Administração de Pessoal Mas qual é a origem da fala "integradora” que muito tem atraído as atenções de participantes nas diversas reuniões, congressos e discussões nas associações de recursos humanos nos últimos anos? Ela é de fato uma visão coerente e consensual mesmo nos paises do estado simbólico moderno? Para responder a esta pergunta é necessário retomar uma história que, dependendo da posição específica de cada um em relação ao debâte em torno da pós-modernidade, durou ou está durando mais de três séculos e tem, entre seus produtos, o capitalismo, a forma de organização política do estado-nação e uma visão da cidadania enquanto direito individual de "liberté, igualité e fraternité". Estes elementos simbólicos não são separados entre si e sua emergência junto com a construção da esfera pública (Habermas 1984) tem como um de seus palcos privilegiados a própria organização industrial. Nos prolegômenos da era moderna, a crescente comercialização mercantil tinha contribuido ao desmonte gradativo - para maior controle social (Marglin 1980) - dos modelos produtivos anteriores, onde o trabalhador controlava tanto o produto quanto o processo. O espaço foi criado para a emergência do empreendedor cujo estímulo maior viria com a abertura técnica da fisica mecânica. Posteriormente, a desestruturação da lógica do tradicional apoio social coletivo, por exemplo na paróquia inglesa, através das diversas formas de "lei dos pobres" culminou com a perda do direito de sobreviver e a necessidade do novo "indivíduo" vender sua força de trabalho no mercado livre (ver Polanyi, 1944). A emergência de uma nova configuração societal na Inglaterra e em outros países similares a partir da luta das classes industriais contra a nobreza latifundiária e de uma nova coletiva social - o sindicato urbano - para direitos civis e de condições de trabalho, tem como resultado a reconfiguração do estado enquanto mediadora de relações de classe. A construção social deste estado é recortada pela temática da razão. De um lado, é a racionalidade instrumental da própria física mecânica e as ciências chamadas positivistas que irá fornecer uma visão das leis da organização indústrial como sendo derivadas da lógica inerente da própria máquina. De forma contrastante, é a razão substantiva que emerge da luta para o diálogo e representação implícita na concepção dos direitos do homem. Na prática os dois se interpenetram num processo de estruturação que duraria por quase duzentos anos após o início do iluminismo, como o comentário de Kurt Lewin sobre os efeitos dos seus estudos de ambientes democráticos e autoritários bem illustra:

"A história demonstra e experimentos como aquele que descrevei provam mais uma vez que a crença na razão como um valor social não e', em nenhum sentido,universal, mas é ela mesma um resultado de um ambiente social específico. Crer na razão é crer na democracia, porque ela dá aos parceiros que raciocinam o estatuto de igualdade.

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Não é portanto, nenhum acidente que foi somente com a acensão da democracia na época das revoluções francesa e americana que a deusa da "razão" foi entronada na sociedade moderna"(1938)

Infelizmente, a deusa da razão tem dois rostos e o seu reinado é marcado pela constante contradição entre a razão enquanto ordenadora da lógica administrativa e a razão enquanto capacidade das pessoas de se engajarem em atos de fala de influência, negociação e confirmação mútua. Esta é a distinção que Habermas (1984,1988) tão definitivemente analisou enquanto separação e conflito entre "sistema" e "mundo de vida". Dado, de um lado, um senso da inevitabilidade da lógica mecânica e econômica e, de outro, a força comunicativa de novos arranjos sociais e novas relações entre pessoas numa sociedade em transformação, era inevitável que os líderes industriais, empresários e gerentes nos países centrais buscassem se situar a partir de algum tipo de texto ou versão compartilhada que forneceria um apoio moral, uma justificativa interna e legitimação externa a suas ações. A emergência daquilo que Bendix identificava nos seu estudo clássico como ideologias gerenciais (1956), dava ao confronto entre sistema e mundo de vida a base de sua literatura administrativa. Este base se expressa, na sua essência, na visão do empreendimento industrial como um todo unificado, com uma fonte de autoridade, um foco de lealdade e com um espírito de equipe; ou seja, um engagamento coeso num objetivo comun. É sempre importante lembrar que não se trata de um exercício sinistro de raciocínio cínico mas de um fenômeno social a partir do qual os textos ideológicos emergem da constante interação entre as contingências da atualidade e as heranças históricas, num processo de "formulação e reformulação a partir do qual porta vozes de determinados grupos sociais buscam articular o que eles sentem como sendo compreensões compartilhadas" (Bendix 1956). A própria mudança nos conteúdos destes "textos representativos" refletem e espelham o desafio criado pelo crescimento do movimento sindical na Europa e nos Estados Unidos nos cem anos a partir de 1850 e à necessidade de buscar novos subsídios para o exercício da autoridade gerencial, ora pelo apelo à racionalidade científica, ora pela motivação e o crescimento do homem. Entretanto, as críticas sindicais à oferta empresarial de desenvolvimento individual em lugar da negociação coletiva; as tentativas de diversas formas de democracia industrial de buscar uma ordem negociada dentro de uma ótica social democrata e as diversas tentativas redistributivas anarco-socialistas (o movimento cooperativo, de co-propriedade e práticas de auto-gerenciamento, Walker 1976) são suficientes para demonstrar a forte presença de outros argumentos e de outras "compreensões compartilhadas". Como resultado, não deveria ser nenhuma supresa descobrir que o discurso do "envolvimento, participação, motivação e qualidade" é somente uma das diversas e distintivas abordagens e discussões no âmbito da administração de pessoal no cenário occidental geral e, específicamente no quadrante do hemisfero norte. Identificada pela sua auto-definição enquanto "Human Resource Management" (HRM), ela é associada com a Harvard Business School e reflete em muito o tipo de organização "hipermoderna" estudada por Pagés (1984) onde uma forte cultura interna fornece o estímulo da equipe, do engagamento na "missão" e do "foco" no empreendimento. Nesteas circunstâncias, segue os argumento, não há necessidade nem "razão" para o

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trabalhador buscar apoio em entidades extra-organizacionais porque a própria empresa está sempre aberta às preocupações dos seus funcionários através de sua estrutura participativa interna. O argumento do HRM foi construido no início da década de 1980 a partir do cruzamento do desenvolvimento organizacional com a engenharia da qualidade, e tem uma clara função de ser uma resposta ideológica occidental ao desafio do "modelo" japonês. Seu argumento básico é de que através do uso pleno de seus recursos humanos, a empresa atingirá a vantagem competitiva. As metas são: um alto grau de comprometimento, altos índices e foco na qualidade, flexibilidade na mão de obra e integração estratégica. Como Guest (1989) comentou:"....é americano, otimista, aparentemente humanista e também superficialmente simples...resgata elementos do sonho americano. Junto com os valores políticos da época de Reagan, este foi um recado poderoso." Sem dúvida, este é um estilo de relação empresa-funcionário que foi amplamente divulgado entre nós no Brasil por diversos meios e sob títulos como "lean organizations", "integrative leadership", "employee involvement e commitment", "learning organizations". Fora do país, seu avanço é maior (embora menor do que os propagadores insistem com os seus artifícios discursivos de "muitas das organizações que conheço ...." ou "nos executivos de nossos seminários é cada vez mais comum....") entre as novas organizações industriais americanas que estão trocando a relação sindical dos tradicionais estados da costa leste pelos baixos salários e condições mais flexíveis das áreas com menor tradição de sindicalização no sul, na costa oeste e na fronteira com México. Entretanto não é o único modelo daq atualidade. Para Guest, é possível identificar quatro grandes abordagens presentes na adminstração de pessoal que representam óticas diferentes sobre a relação empresa-trabalhador. Enquanto o "conservador tradicional" focaliza eficiência administrativa e a minimização de custos a partir de uma administração de pessoal igualmente clássica; o "conservador radical" enfatiza a necessidade de "solucões severas" a partir da re-estruturação total da organização e fechamento de fábricas numa estratégia onde o trabalhador é visto como descartavél e a prerrogativa de decisão é da gerência. Se no primeiro cada um conhece seu lugar, no segundo é o poder gerencial absoluto que se destaca; em ambos há uma clara distinção entre a gerência e o trabalhador e o conflito está implicitamente reconhecido. Na HRM integrativista com sua abordagem unitarista, todos eão juntos e os interesses do trabalhador e da gerência são vistos como iguais sem nenhum lugar para a atividade representativa coletiva. Como nos modelos anteriores, o foco da inovação contrinua sendo a gerência. Em contrasate, Guest chama atenção também à presença de modelos "pluralistas", também "inovativos" onde a partir do reconhecimento dos papeís específicos da gerência e do trabalho organizado (sindicatos, comissões autoctonas de fabrica etc.) busca-se discutir e negociar práticas que ajudam produtividade e mudança dentro de uma ótica multipla de poder e das implicações trabalhistas, comunitárias e industriais gerais das decisões empresariais específicas.

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O contexto do Brasil Se fossemos limitar, enquanto exercício acadêmico, as opções discursivas possíveis na área de recursos humanos e nas relações empresa-trabalhador a estas quatro e ignorar, por um momento a possibilidade de produção própria, teríamos que reconhecer que a opção que está sendo propagada como correta no país (HRM) é bastante questionável. Se é para imitar, porque não assumir uma relação de trabalho conservador, como por exemplo, de separação do capital e do trabalho; ou uma relação mais pluralista que reconheça o papel fundamental dos representantes dos trabalhadores na negociação de condições e ações no nível fabril? Porque, em outras palavras, negar os espaços que poderiam levam ao questionamento do papel, seja ativa ou passiva, do Estado na relação capital-trabalho - e consequentemente à construção da cidadania - e escolher justamente aquele modelo que assume o discurso modernizadora, que não há distinção entre a gerência e o trabalhador e que ambos não precisam olhar além da organização para seu sustento emocional e intelectual. Em outras palavras, a oferta é de uma cidadania organizacional – enquanto direitos e deveres – na relação com a empresa. Ao incorporar o modelo do "cidadão da organização"no discurso de RH-Brasil, até qual ponto os gerentes e executivos estão tentando criar uma ordem moral separada da sociedade; um lugar privilegiado e atraente cujo resultado, ao se deixar a sociedade lá fora, é um simulacro alienante de igualdade? Será que não seria mais importante reconhecer que estamos sempre na sociedade; que nesta sociedade, Brasil, não há uma cidadania clara e nem um modelo industrial dominante; que o nosso conflito em relação ao Estado ainda passa pelos caminhos tortuosos do ofício público visto como propriedade pessoal, e que é neste terreno que teremos de criar uma psicologia social do trabalho ao mesmo tempo crítica e prática, sincera e não histérica. Psicologia esta que terá seu discurso enraizado nas questões e conflitos de nosso processo de desenvolvimento, que buscará atender às demandas deste e não de um outro processo imaginário qualquer. A opção portanto é de reconhecer o argumento apresentado por Faoro (1992) e de mergulhar na história enquanto processo emergente e contínuo. Há exemplos de novas opções e de caminhos alternativos; há tentativas experimentais de novos modelos de organização do trabalho introduzido a partir da negociação e acompanhadas por representante sindicais e há psicologos dispostos a assumir as implicações teóricas da pesquisa-ação. A luta para a cidadania continua, mas será uma cidadania exercida en todos os lugares, incluindo as organizações do trabalho e não uma cidadania da organização.

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Managerial Ideologies and Local Moral Orders: two sides of a modern dilemma (Trabalho apresentado no 23rd Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, Madrid, Espanha, 1994 Publicado em Motta, F.C.P & Caldas, M.P (org) Cultura Organizacional e Cultura Brasileira. São Paulo, Editora Atlas, 1997) Statements about the organization of work and about why and how authority is to be exercised are as commonplace in recorded history as are the accounts of the actions of queens, kings and clerics. Both the need for explanations and the constant challenges to established order are sufficient indications that the nature of authority has rarely been a topic of consensus. Ideology as a social product, identifiable within symbols systems as a structure of signification mobilized to legitimate the sectional interests of hegemonic groups (Giddens 1979) can, in a very loose sense, be treated as a constant feature of the dialectics of social life. Present as a background feature down through the ages, difficult at times to distinguish from culture and custom, it is with the enlightenment that the age of ideologies truly begins (the term in its early "positive" sense is coined by Destutt de Tracy in 1797). It is here that the implicit stipulations of traditional society become explicit arguments within the emerging bourgeois society, specifically relevant to the conditions of "public" debate forced by that society. The resultant public sphere (Habermas 1962), marks the requirement for a more open articulation of the whys and wherefores of authority, class, rights and responsibilities, and of a very different process of legitimation. Coming together with the newly defined codes of reason implicit in modern science, ideologies replace the traditional forms of power legitimation by appearing within the form and mantle of scientific discussion. To try and distinguish, at the level of an operational definition, the one from the other is an empty task for, as Gouldner (1976) well commented, social science and ideology share a common boundary. Even if ideology is seen analytically in terms of its "stunted reflexivity" and rationality is construed in contrast as the "capacity to make problematic what had hitherto been treated as given", or, in the later Habermas sense (1984) the capacity to grasp " the reasons that allow the authors utterances to appear as rational" even the most critical observer will recognize the limits of his or her own capacity to reflect beyond a certain level on assumptions in use. The hermeneutical process must always turn back on itself (Foucault,1975). The field of work organization, both as activity and as form, occupies a focal position as producer and product of the transformations of the modern era. There is nothing “natural” about industrial authority, about why a very small few should exact and require obedience from the many in ways that are very different from other aspects of social interaction within society. (Indeed, the empirical work of colleagues in many

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countries over nearly 50 years offers very little concrete reason to assume that there is any inherent and absolute logic in closely supervised work). There was no prior space within traditional society for the industrial work relationship nor indeed for the industrial entrepreneur; both are modes of interaction that challenge and alter existing power relations. Consequently it is not surprising to find the process of industrialization accompanied by and mirrored in statements and views whose second voice legitimizes or turns natural what today would be called "managing". An example from english industrial life in 1800 demonstrates this well:

"Just as the blacksmith can do nothing without his hammer, so the factory owner can do nothing without his workman. Let each of them perform their duties and obligations, in that state that god chose in his wisdom to designate to the one and the other, and let all see that this is the truly rational basis of equality" (Boulton)

What is important here is not only the content, which battles in a pre-darwinian and post revolutionary europe with questions of competence, social structure, equality, reason and god, but the very fact of the statement itself. Made by one of the most advanced factory owner-managers of the period it makes clear how the new industrial authority relation was beginning to be the focus for questioning within a public arena; for it is only necessary to talk about or construct those features that are not obvious or "given" in some way. If existing "common sense" can not deal with the new element, the two must adjust to each other; creating an ideological "good sense" which in time will become "common" once more. For many years work psychology has paid more attention to its origins in individual psychology than to the potential contribution of the social field. It is true, that questions such as communication and leadership have been on the research agenda as has, more recently, the topic of cultural determination. In general however, most researchers get by with a somewhat stable and non-problematic view of the context within which their local level studies take place. With increased globalization creating very new questions for patterns of development, a failure to understand the dynamics of social processes as they manifest themselves in organizational phenomena could have negative consequences for both researcher and practitioner. Recognising that it is through and with managers that much work psychology is applied and it is with managers in mind that much of it is written,this paper will attempt to show some of the contributions that a wider framework can bring by focussing on management discourse as social action. Managerial ideologies and the contextual nature of authority The classic reference for managerial ideologies is Bendix's 1956 study which compares and contrasts the rationales provided for entrepreneurial and later managerial authority in the 19th and 20th century anglo-saxon and russian societies. In the earlier phases of industrialization such rationales were directed towards society and refer to the insertion of newer segments and fractions of social classes. Later they turn more specifically to the questions of industrial organization and labour management within what are increasingly complex enterprises. For Bendix, ideologies of management are "all ideas which are espoused by or for those who exercise authority in economic enterprises and which seek to explain and justify that authority", for, as he comments:

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" all economic enterprises have in common a basic social relation between the employers (or their representatives) who exercise authority and the workers who obey and all ideologies of management have in common the effort to interpret the exercise of authority in favorable light"

For researchers and practicioners active in the field of organizational phenomenon, the implications of Bendix's analysis, Gouldner's warning about the consequences of the shared boundary between science and ideology and the tendency for certain world views to hold sway within managerial thinking should be a constant reminder to tread carefully. Mention could be made of Hugo Muensterberg's stated drive for societal happiness through economic psychology and Baritz's account of psychologists in industry in her book "Servants of Power" (1960). Etzioni's early work on compliance (1961) suggested that industrial power relations tended to the instrumental, but later studies by Max Pagès (1987) have empirically demonstrated the shift to symbolic mediating mechanisms in certain advanced modern enterprises. Modern human resource management practices are "participative" and "empowering" within very strict limits (see also Guest 1990, Spink 1994). Further dents have been made within the hall of fame of work psychology by Gillespie's(1991) careful analysis of the social construction of the Hawthorn history, where it is clear that Elton Mayo's socially collaborative work place should not be construed as giving workers a substantive voice; indeed social action and industrial conflict for Mayo was a clear requirement for psychiatry. In a paper published shortly before he left Australia in 1922 and, therefore, some six years before the beginning of his involvement with Western Electric, Mayo suggested that psychological research would reveal the irrationality and mental disorder that produced unrest :

" to any working psychologist, it is at once evident that the general theories of Socialism, Guild Socialism, Anarchism and the like are very largely the phantasy constructions of the neurotic" (quoted in Gillespie)

It is not therefore surprising to find that, later, in the writing up of the Hawthorn results, the conflict generated around two of the relay assembly women who sought to negotiate with management was to be "written out" of the script, as the two were very clearly "neurotic" and "unsuitable subjects". Similarly, the Bank Wiring Test Room analysis was to loose all of its more critical content about the nature of resistance to industrial and managerial authority that had been influenced by the anthropologist Loyd Warner. At the same time, it should be remembered that managerial ideologies form part of a wider set of views directed to work itself and as Anthony (1977) has pointed out, to getting people to take seriously that which they know is a chore. Most people work because they have to and understand that part of "having to" is putting up with the somewhat dramaturgical discourse of why it is good for them. The same applies to the basis for authority relations, even when these are set within a particular cultural framework. Whether seen within the Goffman tradition as "front region" patterns (1959), as specific limits to social action or as the institutional language of the formalized world, there is still the back stage, the space of custom and practice (Thompson 1993) and the symbolic codes derived from activity itself (Bloch 1977).

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This is the very space with which the Hawthorn researchers were unable to deal. The one does not totally colonize the other; Habermas's (1984) system and life world are in contradiction and, as result, all actors have some discursive and conscious penetration of the social systems to whose constitutions they contribute - a degree of knowledge which they are able to express on the level of discourse (Giddens 1979). In the same way as workers who recognise the requirement to acknowledge and take "seriously" managerial reasoning, so managers too are partly aware of the contradictions in their roles. Drawing attention to the "ideology" within the phenomenon may worry those work psychologists who still confuse the sociological with the "political". However it can suggest ways in which the analysis of such discourse systems can enhance understanding of changes within the industrial world. Ideologies, as part of the "imaginaire sociale" - as the accumulative web of social meaning - do not grow out of the air. They are generated and move into social thought as a result of changes in wider patterns of societal contradictions simultaneously present in the intersubjective frame. They are in other words, historically rooted.(c.f. Berger and Luckman 1966) From Ideologies to Context If a pattern of discourse is a product of its circumstances, then changes in that discourse may permit analysis of changes in circumstance and of the resulting dynamics that will be present in the everyday tasks of work psychology. For those who work on the periphery of the major industrial systems, within the so-called developing world, these questions are doubly important. In many of these countries the specific historical trajectory of the semi-traditional society undergoing industrial transformation, is set within wider patterns of desired political and industrial behavior, influenced by both international agencies and "good" management thinking. To establish an ethically firm base in these intertextual circumstances requires pushing the cultural tradition of organizational analysis into the mid range of socio-political phenomena. This can be illustrated in the following example. In 1986/7, urban Brazil was beginning to feel its way towards an open political society for the first time since the military coup of 1964. The indirectly elected and transitional President Tancredo Neves had died before taking office and his vice president had assumed amongst general distrust. The trades union movement had extended its influence as an autonomous sphere of social action and industrial companies in the more progressive states like São Paulo were beginning, at least, to think about labour relations. Using a two hour discussion in small face to face groups (3-5) followed by synthesis and report back, a picture was built up of managerial self images amongst two contrasting populations. The first, a sample of 45 very junior managers and young professionals (aged 23-28) from a variety of national and international companies attending a managerial diploma course, and the second a sample of 42 middle and senior managers (aged 35-45) of an International Manufacturing Company in a series of in-house executive programmes.

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The discussion task was to describe management as it is or had been up till then and how it should be, the synthesis to be expressed in key words. It is interesting to note that many of the groups automatically translated the task in terms of the categories of traditional and modern, where modern was that which was needed to be introduced or supported. The discussions were intense and high volume. Fig 1: descriptions by junior and young professionals (a) was/as is/traditional vertical orthodox norms hierarchy structure (7) paternal authoritarian centralized distant (1) (2) top-down without access (1) (3)

(b) should be/modern democratization participation (6) adapted to customs motivating easy access more horizontal team open decisions decentralized potential less distance (3) dynamism (3) (4)

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Fig 2: Descriptions by middle and senior managers (a) was/as is/traditional authoritarian hierarchy imposition norms self-focalized barrier (11) (9) individualist paternalist status against risks (3) (3) without substitute (2) centralization (3) (b) should be/modern leader objectives encourager results involvement risks social being professional (13) (9) decentralization participation delegation (7) (5) The results (figures 1 & 2) make little sense for anybody that sees management and leadership as a question for technical best practice. The points raised have little to do with the dominant literature on these matters in the mid 1980's; on the contrary, they sound very much like the beginnings of organizational development in the early 1960's. However, for anybody following the process of transition to an open society and to the debate about citizenship and civil rights, the words fitted the context. The rolling back of a military regime and its executive oriented governmental model is also the rolling back of managers and directors who believed in their personal authority and their absolute right to order and obedience. The change is very clear, but it is a change in the way in which management is exercised - it is not a structural change in the nature of industrial authority through co-determination or industrial democracy. Management continues to manage, but good management means getting up to date with the emerging social values of a country that was soon to directly elect (and impeach ) its first president for over 25 years. Whilst the similarities between the two populations are striking, the differences are also worth commenting.

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Within the junior sample the required way of being is an expressive and somewhat substantive statement. Democratic, participative, motivating and open are words that refer to a posture, a way of being with the other. The senior sample on the other hand places this required posture within the more "logical" and "business like" framework of objectives, results, of leadership and professionalism. To what extent does the more substantive desire require the more technical cover in order to become legitimate? Are the juniors being sincere and the elders wise? Is this the formation of a managerial ideology seen from the inside - the creation of a shared representation that tries to balance both social and professional requirements? A "modernized identity" that refers to the place of the new professional within a more meritocratic society? Is it the manager that has the style or the style that has the manager? This suggests, to begin with, that managerial discourse should be treated as a process that reflects the contradictions present in a society conceived as openly bounded. It draws on the language of the management dictionary but does so in its own particular way. However, being socially rooted does not mean that all managerial discourse is necessary ideological. A discursive consciousness (Giddens 1979), or capacity to penetrate symbol systems, is a human social phenomenon and not the property of a particular group or class. Managers too are aware of the front stage, of the formal reply to the formal question, of the up to date way to express old ideas. (They know that what used to be "useful" must now "add value"). The conflict between system and life world in organizational life does not take place along a simple border drawn as a line between social classes or ocupational groups. From ideologies to local moral orders The creation of company philosophies or value statements offers a new outlook on this question. Not too long ago, "good management" referred to values that applied throughout industry. Firms or enterprises that had very different or specific ways of acting were considered as eccentric, as being like churches or sects. That has now changed and it is becoming more and more common to find value statements appearing within the bounds of a specific enterprise. Many of these have an obvious internal relations function and as exaggerated human resource practices - "read him the mission statement, Charlie" - can be more than comfortably dealt with within Pagés critical framework (1979). However, whilst nobody would assume that value statements are products of a totally substantive dialogue (or value rationality to use a Weberian term),there does seem to be evidence to suggest that the process of seriously discussing ways of working can feel sincere to those taking part. (for example the Shell Philosophy study - Hill, 1971 ). A very large Brazilian retailing organization which has been in existence for most of this century recently began a process of discussing its operating values. Starting with the controlling shareholders, a snowball model of discussions gradually involved all layers of management and is now reaching shop assistants and clerical staff some three years after the first steps were taken. There has been no elegant document produced,

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but rather a simple working note that is now in its fourth or fifth version as more and more staff contribute to defining what is important for them in day to activities. The process began after the company had generated a new operating structure of decentralized business divisions, responsible for different aspects of retailing activity. This shift from the previous centralized model had led members of the board to discuss how to maintain coherence between the different areas in certain aspects of commercial and organizational practice. The company had for many years been a leader in its field and, as can be expected within a country with little consolidated public service infra-structure, had a somewhat paternal approach to its workforce. The idea of discussing values was seen within an investigative frame. The task was to go backwards through interviews with a cross section of shareholders, board members, managers and recent entrants complemented by the analysis of both published and internal documents, to discover whether there was any distinctive pattern of organizational values - understood as underlying beliefs rooted in everyday practices that point to socially preferred forms of conduct. If identified, the objective was to place these in debate so as to build a new consensus around the same or a revised framework. Whilst the results demonstrated the validity of research ideas about the impact of early forceful leadership styles on organizational cultures (c.f. Schein 1985) and the general background role of wider cultural patterns ( Hofstede 1980), they were not sufficient to do justice to the debate and discussion that took place. To do this it is necessary to examine the process of collective discourse itself as entered into by the management group and reflect on certain very context specific parts of the value debate. To begin with, nobody in the nearly 50 interviews carried out, or in the group discussions that followed required a definition of values in order to enter the debate or give an opinion. Values were assumed as being around, as carrying some kind of anchoring or orienting role; as being rather a vague but social imperative on joint action. The interviews tended to be somewhat of an social archaeology of ways of seeing organizations and were accompanied by insight and reflection rather than rationalized comment. The process as a whole was much more a taking stock of identity than of inventing a new set of corporate images. The organization was its values and like in many social groups they were specific but at the same time very ordinary values, real but not very elegant. Perhaps it was this recognition of ordinary values as non intellectualized statements about the framework for action that helped to set the scene for the discussions that followed. There is nothing pretend or pretentious about rather mundane words such as serious and transparent, being austere with resources, not liking gossip and office politics, recognizing talent and being involved with the business. It was the way in which the past had been built up and the way the present recognized the past within itself. Following the interviews and initial analysis, first the board, then the senior executives followed by the main managerial group met to debate the ideas put forward. Each level produced a synopsis that was agreed upon collectively and then shared and debated jointly with the next set in an interlocking snowball that took over a year. The third

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version, expressing the negotiated views of the board, senior executive and of the main managerial group, was finally agreed upon in a one day meeting with over two hundred staff present following several months of one and two day meetings of smaller groups. The process then continued in the different divisions with further versions and discussions. The focal orientation was to a working draft that would never be finished, but which served to remind people of what they and their colleagues had agreed upon. Whilst various aspects of the values discussed could be picked on for illustration of the curious way in which past, present, organization and context come together within social discourse, two themes stood out both in the amount of time that was dedicated to them and in the emotion and questioning that they raised. The first of these had to do within honesty in relation to business ethics and the second with respect for staff and subordinates. Out of some eleven topics set out as simple phrases and comments in a five page document, these two consumed over half the time in debate. Other questions such as relationships with clients, suppliers, the individual, investors, the business as a whole, the community, the working climate, competence and work involvement were never passed over lightly ; there was much to discuss, but the need to test each others' seriousness was never so great as in the first two. Once more, it is the wider social world seen historically that helps to explain what is taking place. Brazil in 1991-2 was a country in the grips of inflation and with its social fabric severely strained. A variety of interventionist and monetary strategies had left most people very nervous of any bank holiday. It was shortly to see its first elected president, Collor de Mello, impeached and tossed out of office in the midst of a scandal of such alarming proportions that not even the most sophisticated of the semi-traditional political elite were able to hold down. More and more instances of corruption at a local level were becoming visible and the larger and orthodox businesses suffered from a legal and tax environment that hemmed them in, whilst allowing the smaller businesses margin for evasion and fraud. In all areas of retailing, managers were coming up against situations in which competitors were able to use quasi-illegal practices that gave them added, when not fraudulent, advantages (such as non-registered purchases from suppliers, selling through intermediaries to gain price hikes in a sellers market), whilst they found themselves frequently becoming the targets for corrupt tax and local government inspectors out to find something "wrong" that a bribe would soon sort out. At the same time, it was also clear that the capacity of elected government to effectively solve the problems and attend to the needs of at least the urban population was very low. The national state and, to some extent the local state was falling apart, people were being forced back on to their workplace as a basis for social support just at the moment in which the economic effects of an open market policy were beginning to make themselves felt, in addition to the crippling consequences of pay and price freezes. The very weak and emerging social construct of citizenship was looking very fragile. Figure 3 and 4 reproduce these two sections as they were built up in discussion. First how the board and shareholders saw them and then how they appeared in the third working draft after widespread debate and discussion.

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Fig. 3 Ethical Posture (Board and shareholder)

honesty seriousness and transparency

ethics are actions and not words

ethics are always present

(General Management) firm commitment with truth and transparency honesty and correctness in all intentions, actions and relations disapproval of any fault of ethics and a firm disposition to not look away. A lack of competence in any sphere cannot serve as a pretext for an eventual lack of ethics Fig 4: respect for staff (Board and Shareholders) seriousness, security and fair reward for the work done incentive for initiative our business is carried out by people, as well as capital and technology be responsive to staff

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(General Management) respect staff as people and professionals recognize and value the merits of people and teams believe in people and invest in the development of their potential, without privilege or discrimination recognize and stimulate creativity and self development provide staff with a clear understanding of their role and aims give staff a clear idea of their importance and responsibility in the realization of objectives and the results of the company guarantee staff the right to evaluate and be evaluated objectively and openly give preference to internal recruitment in filling career opportunities maintain staff informed about the company guarantee the existence of channels of communication to permit staff to voice concerns and make contributions transmit security without paternalism

Transparency is a strange term in the anglo-saxon world, for it refers to the need to be able to see what is taking place; as does the importance of stressing honesty as a value. The third phrase is the result of 90% of the debate. What happens when a document gets stuck and it is necessary to "unlodge" it. Or a shop is just about to be opened and a local public service inspector drops in for a "chat". Are we prepared to show them the door, will we stand up for a manager who is prepared to stand up and be counted? These are not idle phrases or questions about generic business ethics, but questions about collective support in a complicated moral world. Similarly, the comments about the respect due to subordinates and staff, have more than a twist of the social construction of citizenship within their rights, recognition and respect. As the discussion spiralled down the organization, so this section came up for more and more comment and question. Was management really sincere about these items; were they really prepared to live up to declared values that should anchor their relations with staff. The increase in items from 4 to 11 (see figure 4) in this part of the document stands out in contrast to other sections where the most that occurred was an increase of 1 or 2 items. What is taking place? Is this merely the construction of a convenient managerial ideology in a rather backward bit of the far west that hasn't got around to reading the more up to date books on management and human relations.? It is difficult to believe so, given the intensity of the discussion and the lack of any reference to "good management" within it. How do people want to be, how do they want to work, what are the challenges that they face? These were the underlying questions.

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Between System and Life world : the case for local moral orders If moral orders are understood as consisting of definitions in the manner in which social relations should be construed (Wuthnow 1987), then the process underway in this example has some similarities at the mid-range level of organizational practice. In the area of ethics, the debate is about the way in which business will set itself in a society, seen as developing and in a process of change. At the same time as this consensual process is underway, the ideology of market can be seen in the implicit censure of organizations that "don't play the game". Discussion is therefore intertextual, it reflects both the substantive desire to be fair and correct and, at the same time depends on the framework of a particular world view that has increasingly hegemonic properties. In working at the nature of their local moral order, they are also communicating patterns of wider assumptions that play an important role in maintaining power relations between social groups within society. It is in this sense that ideologies can be seen as dramatizing parts of the moral order. If local moral orders are to exist, they serve in some way as bounded frames in relation to other notions of order. In the intersubjective construction of value frameworks the managers are responding to a need to make a stance - expressed substantively through shared representations about the conditions in which aspects of an emotional vocabulary might apply (guilt, anger, sanction, pleasure) - towards something seen as the opposite of what it should be. However that which "should be" is itself influenced and permeated by suppositions of competitive equality which have their origins as an economic ideology within western capitalism (see Wuthnow op.cit). Ulrich & Thieleman 1993, in a study of swiss managers, have pointed to how much market inherent reasons are present within discussions about ethics and morality, forming part of a consistent and moral world view as opposed to being separated in an opportunistic manner. The managers in the case are both active subjects and, at the same time, constructions of their social environment - locally and internationaly. Similar patterns can be seen in the discussion about respect for staff, this time in relation to the transition towards democracy. Citizenship is not only a legal status, it requires construction and part of this takes place within the work context. At the same time the democratic transition affects and poses threats to various social and occupational groups as was saw in the earlier example, who by placing themselves as key agents in the process are at the same time battling for a place within a transformed world. By understanding management discourse as emerging at the conflictive seam between system and life world (Habermas 1984), within the turbulence of the attempts by the one to colonize the other, it is possible to understand how the process of modernity is by no means over. For the managers discussing values, the fight is to create a buffer zone, a temporary truce which can be conceptualized as a local moral order. For the action-researcher, the dual nature of the discourse offers space for intervention in the critical sense. Weber was quite clear of the inevitable conflict between the abstract formalisms of legal certainty (system) and the desire to achieve value rational goals (life space) which would have no solution, for the modern legal order could not exclude

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a substantive theory of natural law any more than the modern bureaucracy could eliminate all moral values. Moving through the range of organizational phenomena from business firms, public agencies, non governmental organizations to collective organizations ( Rothschild-Witt 1979) these conflicts may sharpen or ease; but will never disapear. Looking at this question via management discourse is to build up a part of the picture, but a part that proves to be neither voluntarist, nor the simple result of circumstances of social reproduction; neither wholly dialogic nor totally manipulative in its use of symnbol systems. When this is added this to the already much clearer view of the way workers occupy organizational space, creating and collectivising their own forms of association, then the importance of Anselm Strauss's (1963) discussion of organization as a negotiated order assumes a wider perspective; for what emerges is a negotiated order set on the cross-point between system and lifeworld, moving forward as treaties, alliances and conflicts yet with an implicit recognition of the possibility of communicative action. The value of a contructionist perspective This paper has adopted a form of enquiry which is concerned with understanding the processes by which people come to describe, explain and account for the world in which they live, including how they account for themselves. The constructionist position (Gergen 1985), breaks with the individualist psychology of the free agent within her or his residual environment, and reconnects with the Marxist argument of the person as the totality of social relations (cf. Israel 1972). This relational conception of the nature of the person presumes a process model of social life. As Mead argued, a self can only arise where there is a social process within which this self had its initiation. Thought is a social and collective activity created in conversation (cf. Harré 1985, Wittgenstein 1953). The social construction of the manager arises within a specific social process, confirming itself through everyday accounts about organizational order and leadership; at the same time those implicated seek in an autoctonous way the basis of other more substantive dialogue experiences. For the practicioner and researcher, treating management as discourse may require confronting the implicit stipulations of their own theoretical organizational world views in order to permit a more intertextual view of the work process. The start point for a revised critical theory may well be, curiously, to avoid taking ourselves so seriously.......

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A Heterogeneidade da pobreza: implicações para ação

(Apresentação para o III Congresso Brasileiro de prevenção em DST/Aids Rio de Janeiro, dezembro, 1999)

Ação, para usar uma definição de Giddens (1979), se refere ao “fluxo de intervenções causais atuais ou contempladas de pessoas no processo contínuo de eventos no mundo”. Quando discutimos prevenção estamos falando de ação; ação dentro do fluxo de eventos cotidianos. Mas, ao mesmo tempo, somos também parte deste fluxo contínuo de eventos porque sua produção é social e inter-subjetiva. Segue portanto que quanto mais aprimoramos a capacidade de refletir sobre a intervenção enquanto ação, e sobre a nossa presença nos eventos contínuos que formam a densa processualidade do cotidiano, tanto mais aumentaremos a nossa competência dialógica. Competência dialógica, a capacidade de assumir um papel responsável e ético na construção de sentido, é talvez o fator chave do processo de prevenção quando visto democraticamente. Falar em fluxo e processualidade não é, todavia, uma questão de uniformidade de interesses e direções. O rio de Heraclitus, metáfora para seus ensinamentos sobre o estado do vir a ser, é um rio turbulento, composto de muitos tributários, com cascatas, correntezas, obstáculos e pororocas. Podemos usar o próprio Congresso de Prevenção como um exemplo – um rede complexa de pessoas falando, discutindo, ouvindo, lendo e olhando, formando pelas suas ações o que chamamos o III Congresso Brasileiro de Prevenção em DST/Aids. Para isso acontecer – simplificando – tópicos tiveram que ser colocados na agenda e pessoas identificadas e convidadas para falar sobre os tópicos. Espaços também foram criados para outros tipos de apresentação : posters, encontros, materiais de divulgação e organizações. Igualmente equipamento, transporte, comida e equipes de apoio tiveram de ser mobilizados. Os caminhos envolvidos em cada um são muito diferentes. Podemos pensar sobre eles como cadeias ou canais de fluxos de ações e atividades que são, na sua micro-causalidade, multidirecionais em caráter. Às vezes um evento estimula um outro, empurra questões e idéias para frente e às vezes é o contrário; as idéias são puxadas pelas exigências do momento. Às vezes uma atividade pára, bloqueada por outras ações, para depois desaparecer ou até ser resgatada. No caso específico do aqui e agora neste auditório, um dos canais é construído pelas discussões inter-organizacionais sobre agendas e negociação de tópicos; e um outro leva à minha presença como alguém que pode assumir o tópico. Mas eu também, enquanto ator social, sou produto de uma cadeia de ações e atividades. Dependendo de que acontece nestas duas cadeias ou canais, este evento de hoje poderia ter sido

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bastante diferente. Há obviamente também outros canais ou cadeias igualmente vitais, a partir das quais vocês também estão aqui. Em todos estes canais e em diversos momentos, pessoas, agrupamentos, organizações, frentes e redes advocatórias podem intervir e de fato intervém, abrindo e fechando portas para abrir e fechar opções e acessos, permitindo que certos fluxos continuem e fazendo com que outros parem (Lewin,1943). Cadeias ou canais de atividades e eventos, ações de porteiros, o fluxo do cotidiano – este é o terreno do qual fazemos parte e dentro do qual agimos. Este é o terreno também da pobreza e da desigualdade. Vamos usar um exemplo do campo de educação. Para ter 100% das crianças em idade escolar dentro do processo educativo é necessário, simplificando novamente, trabalhar em pelo menos duas cadeias ou canais de ação. Um leva a educação para as crianças, construindo escolas e outros equipamentos, treinando e contratando professores e auxiliares, organizando currículos, garantindo materiais, livros e merendas. O outro leva as criança para a educação e é composto de leis, mecanismos de transporte, conceitos – como o da pedagogia da alternância usado na área rural – e práticas que retiram outras restrições ao acesso como, por exemplo, a necessidade de trabalhar ou pedir esmola para suplementar a renda familiar. Consequentemente, quando o Governador do Distrito Federal tomou a decisão de terminar o Programa de Bolsa Escola, iniciado com grande efetividade pela gestão anterior de Cristovam Buarque, suas ações destruíram uma parte importante deste segundo canal para as crianças de famílias em situação de pobreza. Um outro exemplo. Para que o evento que chamamos vida – nos seus aspectos, biológicos, humanos e sociais – possa ser exercido com dignidade e cidadania pelas pessoas portadoras de HIV/aids é necessário não somente articular uma cadeia de atividades que dá prioridade a certas políticas no campo da saúde e gastos correspondentes com remédios, que estimula pesquisa e que leva estes remédios junto com uma malha de outras terapias de apoio e de diálogo, de testagem e de consulta para as pessoas. É necessário também trabalhar com uma segunda cadeia que traz as pessoas para os testes, as terapias de apoio e os remédios. De novo esta é uma simplificação, porque a prevenção tem a sua parte em ambas as cadeias. Durante os períodos iniciais de HIV/aids no Brasil quando os grupos em risco eram mais claramente delineados, compreender e aprender como articular o segundo canal – de trazer as pessoas para as terapias - pode ter sido difícil, mas era menos problemático porque seus contornos eram mais claros. Tivemos que aprender muito, mas havia a possibilidade de foco. Problemático neste momento era o primeiro canal – o de mobilizar recursos, remédios e construir serviços – construído com muito êxito a partir do trabalho de organizações não governamentais e grupos de apoio e pressão, assim como também pela dedicação de atores chaves na saúde pública. Hoje, os dados recentes que demonstram a “interiorização”, “pauperização” e “feminização” da epidemia (a presença cada vez mais de casos em cidades fora do litoral, de médio e pequeno porte, em grupos e populações com menos recursos e em situação de pobreza, e com um número crescente de casos entre mulheres) refletem uma situação em que os contornos não são mais claros. Ao contrário, sua heterogeneidade crescente leva a contornos incrivelmente difusos. O problema agora é

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com o segundo canal e também suas interconexões com a prevenção, que se torna mais difícil ainda. Um exemplo final. Colocamos o “poster” da nova campanha de prevenção de transmissão vertical – “Proteger o seu bebê contra a aids é mais do que um dever. É um direito” – no quadro de avisos de nosso centro de estudos na FGV/São Paulo na semana passada. Uma das mulheres que trabalha para o serviço de limpeza viu e comentou para uma colega minha: “bem, é tudo muito bonito só que eu estou tentando marcar um atendimento de pré-natal há três meses e não consigo, e estou grávida de quatro meses e meio”. Ainda bem que ela vocalizou a sua preocupação, mas quantos não o fazem ou fazem para quem não tem ouvidos? Entre os estimados 30,000 moradores de rua em São Paulo – um número de pessoas equivalente à população de muitos municípios no país – estima-se que 15% estejam com HIV ou aids. Como apontou um representante de uma ONG de rua, a questão não se resolve levando remédio. A justaposição das temáticas de HIV/aids e pobreza é, quero argumentar, transformadora para ambas, exigindo novas habilidades na prevenção e uma nova agenda para as pessoas envolvidas em programas de gestão social. Estes exemplos são esquematizados. Freqüentemente não temos somente dois canais ou cadeias de atividades, mas três ou quatro. Dentro de cada canal há múltiplas portas, cada uma com seus porteiros que agem diferentemente na presença de certos grupos e prioridades, abrindo ou fechando oportunidades e caminhos. Trabalhar com pobreza, especialmente dentro da ótica da desigualdade e da exclusão social requer a capacidade de ler e agir em eventos-no-mundo produzidos por cadeias diferentes de ação. Cadeias onde os porteiros podem às vezes compreender, às vezes ser explicitamente hostis e freqüentemente estarão reproduzindo, sem perceber, elementos da dinâmica complexa que é produz a discriminação e a marginalização no cotidiano. O vínculo entre AIDS e pobreza é, espero, bem conhecido. A questão da vulnerabilidade social e biológica, de barreiras estruturais, de recursos, de constrangimento subjetivo e objetivo, de acesso a informações, de ameaças diversas à segurança básica e das implicações do acesso desigual às terapias anti-retroviral já foram comentadas, por exemplo, num trabalho recente de Bastos e Szwarcwald (1999). A questão básica da heterogeneidade também é bem discutida num texto recente de Parker e Camargo (1999), onde eles apontam para o perigo das categorias simples. Por exemplo, a discussão da "feminização" freqüentemente mascara o fato que nem todas as mulheres são vulneráveis e a ênfase simples neste novo lugar ou aquele novo grupo pode levar às vezes as pessoas a imaginar que de algum modo o HIV/aids foi embora de outros lugares ou grupos, repetindo um fenômeno já visto com outras doenças epidêmicas. Como comentam Parker e Camargo : “Tendências amplas como a pauperização, feminização ou interiorização são inegáveis – mas nossa utilização por vezes demasiado simplista destas categorias pode mascarar a real complexidade social dos processos de vulnerabilização.” São constantes também os comentários sobre a falta de dados mais consolidados sobre a relação entre AIDS e pobreza, sendo que as fichas de notificação não contém dados socio-econômico com exceção da escolaridade, tornando assim difícil a compreensão das implicações da juxtaposição dos dois campos.

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É talvez a questão da heterogeneidade que faz com que eu esteja aqui, como pessoa envolvida na temática da pobreza e exclusão a partir da ótica de práticas públicas possíveis. Por que práticas públicas e pobreza? Porque estamos discutindo a situação em que se encontram pelo menos 70 milhões de brasileiros que são muito diferentes uns dos outros e que vivem em circunstâncias também muito diferentes. Porque estamos discutindo também as prioridades que precisam ser assumidas publicamente por todos nós. Pobreza é uma característica da sociedade como um todo, produto de suas políticas e ações; não é algo que pode ser individualizado no “pobre”, visto como fraco, culpado ou incompetente. O Programa Gestão Pública e Cidadania é uma iniciativa da Fundação Getulio Vargas de São Paulo e da Fundação Ford para identificar e disseminar programas, projetos e atividades de governos subnacionais brasileiros que inovam na prestação de serviços públicos e contribuem para a construção de uma cidadania ativa. Criado em 1996, hoje conta também com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os objetivos do Programa são: encorajar estados, municípios e os governos próprios dos povos indígenas a compartilhar métodos e abordagens que estão sendo utilizados para resolver questões públicas e responder às necessidades das comunidades; avaliar e identificar os principais aspectos destas inovações e criar mecanismos para a ampla disseminação de conhecimentos e práticas capazes de criar um governo verdadeiramente eficaz. O foco está na ação, nas idéias práticas e possíveis que apontam para uma gestão pública responsável e com cidadania. O Programa não procura apontar melhores práticas mas, ao contrário, demonstrar a variedade de idéias e soluções possíveis que se encontram à disposição na sociedade. A ênfase está na contribuição para o fortalecimento de um colégio invisível de inovação dentro do qual administradores, técnicos, líderes comunitários, políticos e acadêmicos possam discutir idéias e encontrar caminhos para a ação. Até o momento, cerca de 2.500 programas, projetos e atividades foram registrados nos primeiros quatro anos do Programa Gestão Pública e Cidadania. As iniciativas cobrem quase todas as áreas de política pública, desde saúde, bem-estar social e educação, passando por controle ambiental, gestão de resíduos sólidos, até segurança, geração de emprego e atividades econômicas. Algumas dessas iniciativas operam em pequena escala enquanto outras envolvem grandes áreas de ações estaduais e municipais. Tivemos ao longo do programa sempre uma pequena presença de projetos ligados à área de DST/aids. Pequena talvez porque uma porcentagem grande das ações neste campo ainda estão sendo coordenadas por organizações da sociedade civil e não por orgãos de governos sub-nacionais. Às vezes a coordenação é conjunta e um projeto deste tipo – o programa de prevenção “Fique Vivo” desenvolvido pelo CRT de São Paulo em conjunto com ONGs, Universidades e centros ligados às questões de direitos foi destacado este ano. Aliás, os resultados destes anos demonstram que muitas vezes programas inovadores e eficazes em diversas áreas do campo público – especialmente no nível municipal – estão sendo elaborados junto com outras organizações governamentais e não governamentais. Usando como base os quatrocentos programas, projetos e atividades

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semifinalistas que tivemos nos últimos quatro anos, algo em torna de 60% estão sendo desenvolvidos com o apoio de outras agências do mesmo ou diferentes níveis de governo e também com o apoio de organizações da sociedade civil. Outros 30% envolvem outras organizações governamentais ou organizações da sociedade civil – desde igrejas, ongs, organizações comunitárias, associações profissionais e sindicatos até clubes de lojistas e entidades como Rotary – e em somente 10% dos casos é a organização pública responsável que age sózinha. O programa que mencionei, do CRT de São Paulo, é um bom exemplo deste processo. Foram mobilizados e envolvidos atores de organizações diferentes, trazendo uma variedade de habilidades e competências para desbloquear canais, construir caminhos e articular recursos. Entretanto, conforme percebemos nos projetos e em outras experiências na área, para se manter efetivo este engajamento precisa ser pautado pelo respeito: para a diferença, para a crítica e para o direito à militância de cada um. São alianças táticas e pragmáticas muito mais do que parcerias eternas; levam ao adensamento da sociedade civil e não à sua homogeneidade. É uma área de atuação onde temos muito a aprender. Nestes quatro anos, discutimos muito o fato que, mesmo que a temática da pobreza tenha uma presença ubíqua em muitas das atividades inscritas –porque governos sub-nacionais trabalhando dentro de uma perspetiva de cidadania estão inevitavelmente trabalhando com inclusão social e a redução de desigualdades – raramente ela se configura como um programa específico. Querendo aprofundar isso realizamos, com o apoio da Fundação Ford, um ciclo de quatro seminários voltados para a análise e reflexão sobre estratégias locais para redução da pobreza. Em cada encontro de dois dias, por volta de 40 pessoas de diferentes universos de ação (universidades, organizações comunitárias, ONGs, secretarias de governos municipais e estaduais, bancos de desenvolvimento e instituições multilaterais) estiveram presentes para debater o espaço possível de ação local no enfrentamento da pobreza. Ao todo foram mais de 140 pessoas diferentes que participaram dos debates e discutidas mais de vinte experiências (Camarotti & Spink, 1999). Ao focalizar as possibilidades de ação no nível local – de governos municipais, organizações da sociedade civil e entidades empresariais – a primeira conclusão foi que isso não ignora a responsabilidade do Estado Nacional de garantir os direitos e limites dos cidadãos; caso contrário, não se trataria de um Estado na concepção atual do termo. Estes limites mais amplos são traçados pelas implicações sociais da política econômica; pelas garantias de um mínimo social; e pelo fortalecimento das instituições. Se estes limites são traçados com competência nas políticas e ações das Entidades Federais, a ação local ou subnacional se inicia em bases sólidas e com capacidade de apresentar respostas aos vários problemas e necessidades. Caso contrário, dificulta a sua execução, seus resultados e sua continuidade. A construção do local é um processo contínuo e sócio-histórico de disputa e conquista de espaços e sentidos de longa data. Ela é caótica, com fracassos evidentes, equívocos, mas também com sucessos parciais e algumas inovações. A constituição de 1988, independente da sua falta de efetividade operacional em muitas áreas, refletiu o desejo no país de pôr em ação um rearranjo dos elementos de governo e cidadania; pelo menos no âmbito local.

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Mas o nível local não é necessariamente sinônimo do municipal e nem deve ser visto como algo menor; como se fosse um olhar pelo lado errado de um telescópio - um mini-mundo que precisa de capacitação e de orientação tutelada para se desenvolver. Nos seminários, a palavra que emergiu como sendo o mais adequada para explicar este espaço de ação de médio alcançe entre o nível macro das políticas e programas públicas nacionais e o nível micro das ações individuais de solidariedade é lugar. Lugar reporta-se a um horizonte de ações e ligações, de produção de sentido e de lutas. O lugar emoldura o cotidiano e, enquanto parte, tem o todo dentro dele. É no lugar que as ações de prevenção se desembocam, entre-cruzando com outros canais de produção de sentido. O lugar é o lugar da gente e com “cara” de gente. Mas o que é “lugar”? Nos últimos vinte anos, a América Latina tem presenciado uma mudança significativa em suas áreas urbanas. Hoje algo em torno de 74% da sua população é urbana. No Brasil, dados do IBGE põe este número na casa de 78% e o último Relatório do Banco Mundial cita a figura de 80%. Entretanto o termo “urbano” precisa ser tratado com um certo cuidado. Para o IBGE todas as sedes municipais e distritais são consideradas como estando situadas em áreas urbanas. Entretanto, há mais de 1,000 dos 5,500 municípios brasileiros com populações urbanas de menos de 5, 000 e uns 3,500 (64%) com menos de 20.000. À exceção, portanto, dos municípios considerados realmente de grande porte e aqueles nitidamente urbanos, o perfil mais comum é de um espaço misto urbano-rural, ou urbano-vila-rural, com todas as implicações em termos de renda, atividade e estrutura de poder. Nota-se também que enquanto as grandes propriedades agrícolas empregam somente 4.2% da população rural economicamente ativa, são os estabelecimentos menores, de menos de cem hectares, que respondem por 79.6% dos empregos no campo. No âmbito mais urbano, um estudo de Marcio Pochman, da UNICAMP, identificou que houve entre 1990 - 1997 uma redução de 2,470,000 postos de trabalho no país e que enquanto na década de oitenta de cada 10 empregos gerados 8 eram assalariados, na década de 90, de cada 10 empregos gerados 8 não são assalariados; são, ao contrário, terceirizados e informalizados. Com 1,417,000 pessoas entrando no mercado de trabalho cada ano e somente 950,000 postos sendo criados, há anualmente um déficit de mais de 400,000 pontos de trabalho. A precarização do trabalho avança de maneira alarmante. O IBGE e a UNICEF usam um indicador de pobreza baseado na renda per capita familiar de até meio salário mínimo. Abaixo disso se enquadra mais de 40% da população do Brasil. Em Estados como Maranhão, Tocantins e Piauí quase 70% da população têm renda per capita domiciliar abaixo de R$73. Somos reconhecidamente o pior país do mundo em termos de desigualdade de renda; no último Relatório de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial para 1999, somente Serra Leoa foi mais desigual. Os dez porcento mais ricos no Brasil têm 47.9% da renda enquanto os dez porcento mais pobre tem 0.8%. Para contrastar, na França as mesmas faixas incluem 25% e 2.5% respectivamente, no Egito 26% e 3.9%, na Suécia 20% e 3.7 %. Uma demonstração clara desta desigualdade de renda emerge quando os dados populacionais em diversos campos são desagregados. Por exemplo, tanto no Nordeste

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quanto no Sudeste do Brasil, a taxa de mortalidade infantil na faixa de zero a cinco anos de idade para os 20% mais pobres é de 116 por mil enquanto para os 20% mais ricos é de 11 por mil; uma diferença de sobrevivência de dez vezes. Agregar dados sensíveis à pobreza em indicadores populacionais gerais, por exemplo colocando a taxa de mortalidade infantil média em 44 por mil, ou ignorar registros de cor e de gênero, esconde a extensão das divisões sociais que enfrentamos. A gravidade desses dados, no entanto, é insuficiente para compor uma fotografia da heterogeneidade da pobreza. Infelizmente, algumas interpretações, ainda presentes no imaginário social, continuam a entender a pobreza exclusivamente sob a ótica monetária e centrada no indivíduo: pobreza, para estes, remete à condição de ser “pobre”. Outras abordagens colocam o problema exclusivamente no terreno da política macroeconômica, esquecendo os múltiplos mecanismos e ações administrativas que contribuem para a geração da desigualdade e exclusão. Conceitos monetários de linhas de pobreza tem sido objeto de crítica por sua simplificação e homogenização. O economista e Premio Nobel Amartya Sen (1992)

enfatizou a importância de pensar não em nível de renda mas em sua adequação individual para uma vida digna, onde as pessoas podem ser bem nutridas, ter roupas, abrigo adequado, evitar doenças que podem ser prevenidas e assumir um papel na comunidade de cabeça erguida. Renda é crucial para evitar a pobreza. Entretanto, em muitos casos não é a renda que garante estas possibilidades; porque certos grupos podem ter dificuldades em converter renda em efetividade por causa de circunstâncias específicas, como a discriminação e a privação. Igualmente, num ambiente cada vez mais urbanizado, certos bens e direitos sociais são considerados como responsabilidade de provisão coletiva; não há como entendê-los a partir da renda porque não há renda que pode supri-los. Em conseqüência, a tendência tem sido buscar uma abordagem mais interativa para a questão da pobreza considerando não somente as capacidades e os recursos individuais ou sociais, ou as estratégias de estímulo ao desenvolvimento econômico socialmente sustentável, mas também, como argumentou Abranches (1987), a provisão e o acesso aos serviços e bens necessários para uma vida mais digna, menos desigual e com o exercício pleno da cidadania. Apesar da aparente amplitude da conceituação da pobreza enquanto exclusão e desigualdade social, muitas vezes assimilada pelas ausências – de dinheiro, educação, saúde, alimentação, integração, liberdade e dignidade – ela contempla realidades extremamente diversas, às vezes mensuráveis, às vezes, não. Desta maneira, a noção de pobreza está diretamente ligada à questão fundamental da cidadania, da democratização da sociedade, da construção de laços sociais e da falta de proteção aos direitos individuais e coletivos. É a partir desta perspectiva que precisamos buscar a compreensão da interseção de HIV/aids e pobreza e suas conseqüências para ambos. Friedmann (1992) após de uma longa experiência na América Latina, apontou oito vertentes a partir das quais o processo de inclusão precisa ser compreendido, começando pela base territorial do lar e da vizinhança segura – o que ele chamou de um ambiente amigável, que apoia a vida cotidiana. Suas outras vertentes de análise foram: tempo disponível adicional ao necessário para a subsistência; acesso a conhecimentos e habilidades; informação que é relevante, clara, honesta e de confiança sobre métodos,

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práticas e oportunidades; organização social; redes sociais; instrumentos de trabalho e de vida diária e recursos financeiros diretos ou em forma de crédito. O acesso, neste sentido, está diretamente ligado à questão de poder: à capacidade de assumir um poder social a partir do uso de redes sociais e as habilidades organizativas próprias para colocar na agenda pública a necessidade de re-alocação de recursos, de prioridades e de ações. A construção de um poder social que possibilite forçar demandas políticas que se transformam em direitos e níveis de serviço aceitos e institucionalizados. Como Friedmann bem lembrou e como também foi amplamente discutido nos seminários acima mencionados, as pessoas em situações de pobreza, mesmo com restrições imensas, estão ativamente engajadas na produção e sustentação de suas vidas. O estímulo e o apoio a suas organizações próprias é um passo importante no rompimento da tutela e da cassação do direito à voz. O uso de palavras como “carente” e “humilde” reflete uma negação de competência, que é em si parte do problema. Todas as vertentes que Friedmann identificou podem ser encontradas quando analisamos experiências brasileiras eficazes para redução da pobreza. Os pontos de partida da luta para o cotidiano são os mais variadas. Saúde, habitação e segurança pública são freqüentemente citadas quando se pergunta às pessoas “ o que é a cidadania”; entretanto uma das últimas organizações públicas que as pessoas pensam em recorrer quando têm problemas é a própria polícia. Resultados similares emergiram de um estudo comparativo recente do Banco Mundial (co-ordenado por Narayan, Chambers, Shah & Petesch 1999 ) cujo componente brasileiro foi coordenado por Marcus Melo da Universidade Federal de Pernambuco (1999). Neste estudo, algo em torno de 20.000 pessoas de 200 ou mais comunidades em 23 países participaram de discussões em grupo e entrevistas com o intuito de ouvir as opiniões das populações em situação de pobreza sobre o que é o bem-estar e o que provocaria uma diferença significativa nas suas vidas. Os resultados demonstraram o quanto as múltiplas dimensões de desvantagem interagem, criando armadilhas e círculos viciosos que são quase impossíveis de desmontar. Bem-estar é felicidade, harmonia, estar livre da ansiedade e ter paz interior, elementos que decorrem da necessidade de se sentirem protegidos e seguros. Como foi identificado na parte brasileira do estudo: “ a segurança está associada a uma variedade de fatores incluindo o emprego e a renda regular, acesso à comida, ter boa saúde e ter acesso aos serviços de saúde, como também ter moradia e título de propriedade da terra”. As pessoas em situação de pobreza são vistas como vulneráveis e em maior risco por causa de um meio ambiente insalubre, de violência e criminalidade, de enchentes e deslizamentos de terra – em si um reflexo da inserção precária na malha urbana. Entretanto, estas múltiplas questões se configuram diferentemente em lugares diferentes. Outras conclusões a que chegamos nos seminários sobre as estratégias locais possíveis focalizaram a importância e a dificuldade de criar abordagens intersetoriais e a necessidade de políticas públicas que abrem espaço para o protagonismo. Porém notamos que a integração, quando acontece de maneira eficaz, é resultado de um processo gradual de aproveitamento de oportunidades, de aprendizagem, de co-gestão e luta; do engajamento real do outro, assumindo a igualdade enquanto ponto de partida.

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Para as pessoas acostumadas a privilegiar uma área profissional, há o desafio de aprender outros pontos de partida; de aceitar que a co-gestão implica o respeito para a iniciativa do outro em apontar áreas de ação necessárias e temáticas a serem agregadas. Esta também é a experiência de programas que trabalham na interseção de AIDS e pobreza como a organização “Médicos sem Fronteiras” no Rio de Janeiro e outros descritos no estudo da Coordenação Nacional de DST/Aids sobre experiências exemplares na prevenção à AIDS (1999). Percebemos em nossas discussões que a criação de conselhos e outras instâncias formais de decisão e consulta no âmbito de políticas públicas específicas nem sempre gera os resultados esperados. Há muitos exemplos de situações onde as informações e oportunidades não chegam onde deveriam realmente chegar; onde as exigências de consulta acabam por virar barreiras em relação à presença efetiva da comunidade. Ao mesmo tempo, é importante reconhecer o potencial de complementaridade horizontal presente nos diversos colegiados criados em áreas diferentes. O apoio à articulação entre representantes pode levar ao fortalecimento do papel fiscalizador e orientador, enfrentando assim as tentativas de apropriação artificial desses novos espaços por interesses hegemônicos de elites e de grupos profissionais específicos. Se um lado não ocupa os espaços, o outro certamente o fará. Ficou claro também, que aprender a reconhecer e a respeitar os muitos saberes existentes e levar em consideração a importância dq solidariedade no cotidiano são claramente elementos chaves que criam condições para o êxito dos projetos voltados para redução da pobreza. Para atingir resultados concretos, observou-se ainda a necessidade de flexibilizar linhas de apoio e de ações técnicas; algo que, infelizmente, muitos dos organismos públicos têm dificuldade ou falta de preparo para assumir. Temos inúmeros exemplos onde programas formais de apoio, de serviços ou de financiamento foram incapazes de criar caminhos que permitam um mínimo de competência dialógica. As regras criadas e a falta de reconhecimento dos saberes do outro acabaram por gerar uma lacuna que é em si a expressão da permanente produção e reprodução da desigualdade e da exclusão social (Camarotti & Spink, 2000). Nunca podemos esquecer que ao lutar para construir uma cadeia de atividades, ações e eventos que levam à inclusão social, à igualdade e à redução da pobreza, estamos discutindo e buscando inverter muitos dos elementos da cadeia de exclusão; e a exclusão não é um processo ao acaso. Ao assumir a temática de prevenção ao HIV dentro da ótica da pobreza e da desigualdade social, assume-se também a necessidade de novos vínculos com outros grupos e atores sociais, novos fóruns de discussão e novas estratégias de atuação. Reconhecer a heterogeneidade da pobreza e sua crescente centralidade em atividades de prevenção é o desafio que enfrentamos; desafio este que exigirá a reconfiguração de ambos os campos.

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Um lugar para o lugar na psicologia (Texo preparado para o Grupo de Trabalho: Cotidiano e Práticas Sociais Reunião da Associação Nacional de Presquisa e Pósgraduação em Psicologia (ANPEPP), Serra Negra., São Paulo 2000 ) Há poucos anos, governo e cidadania no Brasil representavam zonas de sentido distintos para não dizer separados (Leal,1949). O primeiro se referia à oligarquia de mando e, o segundo, a um jogo de ter mas não ter; caraterizado pela obrigatoriedade do voto para os letrados e uma prática cotidiana de desigualdade e exclusão patrimonialista. A construção do poder local, os arranjos de governança dos espaços do cotidiano e do horizonte dentro do qual se dá a vida de muitas pessoas, configuram, há muito tempo, um processo sócio-histórico de disputa. Pode ser encontrado nos processos migratórios e nas lutas urbanas e rurais no início do século, nos movimentos sociais rurais dos anos 50, no novo sindicalismo no final da década de 70 e nas tentativas de abrir espaços no final do regime militar. A Constituição de 1988, independente de sua falta de efetividade operacional em muitos aspectos, reconheceu o desejo no país de uma reconfiguração institucional desses elementos, especialmente no âmbito subnacional. O adjetivo “popular” é freqüentemente utilizado para qualificar uma administração ou governo local orientado para a provisão de serviços para grupos tradicionalmente excluídos e para a construção de uma cidadania ampla. Expressões como “orçamento participativo, inversão de prioridades e gestão democrática”, são cada vez mais freqüentes em encontros e debates sobre a ação pública. Refletem uma nova postura que ganha espaço, especialmente diante do fracasso do atual modelo econômico e o aumento da pobreza e da exclusão social. Experiências administrativas inovadoras em municípios como Lages em Santa Catarina, Boa Esperança em Espirito Santo, Diadema em São Paulo, foram precursores de outras em Porto Alegre, Recife, Santo André, Campinas, Ipatinga, Belo Horizonte, Santos, Londrina e Vitória, as quais, por sua vez estimularam muitas outras mais (ver as descrições de Farah 1997, Figueiredo & Lamounier, 1996, Fischer 1993, 1996, Lesbaupin, 1996, Nogueira, 1992, Spink e Clemente, 1997). Dados publicados pelo Banco Mundial mostram que o Brasil é um país onde os 10% mais ricos da população tem quase 50 % da renda, enquanto os 10% mais pobres ficam com menos de 1% da renda. Esta diferença vem se estabilizando ao longo dos anos e tem uma tendência de aumentar. Quase 70 milhões de pessoas buscam sobreviver com rendimentos mensais familiares per capita inferiores a um meio salário mínimo. Algumas interpretações, ainda presentes no imaginário social, continuam a examinar a pobreza exclusivamente sob a ótica monetária e centrada no indivíduo. Outras abordam o problema exclusivamente no terreno da política macro-econômica. Ambas esquecem os múltiplos mecanismos sociais e administrativos que também contribuem para a geração da desigualdade e da exclusão. Não há duvida sobre as conseqüências

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desastrosas da atual política econômica e social; mas a política econômica isoladamente não é capaz de explicar o fenômeno. Não explica, por exemplo, por que motivo tanto no Nordeste quanto no Sudeste do Brasil, a taxa de mortalidade infantil na faixa de zero a cinco anos de idade entre os 20% mais pobres é de 116 por mil, enquanto entre os 20% mais ricos é de 11 por mil; uma diferença de sobrevivência dez vezes maior. A tendência hoje é de buscar uma abordagem mais interativa com relação à questão da pobreza considerando não somente as capacidades e os recursos individuais ou sociais, ou as estratégias de estímulo ao desenvolvimento econômico socialmente sustentável, mas também a provisão e o acesso aos serviços e bens necessários para uma vida mais digna, menos desigual e com pleno exercício da cidadania (Abranches, 1987, Friedmann 1992, Sen 1992). Nesse sentido, a noção de pobreza vincula-se diretamente à questão fundamental da democratização da sociedade, da construção de laços sociais e da proteção dos direitos individuais e coletivos. O foco desse processo de construção é aquilo que acostumamos a chamar de “local”. Friedmann (1992), por exemplo, com muitos anos de experiência na América Latina, apontou oito vertentes a partir das quais o processo de inclusão precisa ser compreendido, começando pela base territorial do lar e da vizinhança segura, que ele chamou de um ambiente amigável e que apoia a vida cotidiana. Seus outros eixos de análise são: tempo disponível além do necessário para a subsistência; acesso a conhecimentos e habilidades; informação relevante, clara, honesta e de confiança sobre métodos, práticas e oportunidades; organização social; redes sociais; instrumentos de trabalho e de vida diária; recursos financeiros e formas de crédito. Resultados similares emergiram de um estudo recente coordenado pelo Banco Mundial (Narayan, Chambers, Shah & Petesch 1999) cujo componente brasileiro foi coordenado por Marcus Melo da Universidade Federal de Pernambuco (Melo, 1999). No trabalho, algo em torno de 20 mil pessoas de 200 ou mais comunidades em 23 países participaram de discussões em grupo e entrevistas com o intuito de ouvir de maneira sincera a opinião das populações empobrecidas sobre o que é bem-estar e o que provocaria uma diferença significativa em suas vidas. As respostas demonstraram que, para essas populações, bem-estar é felicidade, harmonia, estar livre de ansiedades e ter paz interior; de se sentirem protegidos e seguros. Como foi identificado na parte brasileira do estudo: “A segurança é associada a uma variedade de fatores incluindo o emprego e a renda regular, acesso à comida, ter boa saúde e ter acesso aos serviços de saúde, como também ter moradia e título de propriedade da terra”. Todos esses são elementos daquilo que denominamos de “local”. Seja nas grandes áreas urbanas, seja nos municípios de médio e pequeno porte e nas áreas rurais, seja nas regiões inter e intramunicipais, há claras evidências do desejo de mudanças nesse quadro geral. Há um número significativo de tentativas de construir novas bases de convivência coletiva, mas será que a noção de “local” visto como “espaço de convivência, nem sempre pacífica, de lógicas diferenciadas, culturas organizacionais polimorfas, solidariedade, disputas, conflitos” (NEPOL 1999) é suficiente para um uso mais teórico? Sem dúvida “local” é uma palavra descritiva. Falamos em poder local, ambiente local, comunidade local e o local de um evento. Mas nas tecno-burocracias empresariais e públicas, quantas vezes não é dito que decisões menos importantes podem ser

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resolvidas “localmente” ou no “local”? Será essa uma noção de segundo plano, uma visão numa telescópio ao contrário; um elemento constitutivo de uma hierarquização e subordinação de espaços (local, regional, nacional, global) construído e produzido num dado processo socio-econômico? Podemos traçar um paralelo com a “descentralização”, cujo uso é uma forma sutil de valorizar o centro (Spink, Clemente e Keppke 1999)? Definindo o lugar: uma contribuição coletiva Durante 1998 e 1999, o Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, com o apoio da Fundação Ford, realizou um ciclo de quatro oficinas de confrontação voltado para a análise e a reflexão de estratégias locais para a redução da pobreza. Em cada encontro fechado de dois dias estiveram presentes entre 30 e 40 pessoas de diferentes universos (pesquisa acadêmica, organizações comunitárias, ONGs, secretarias de governos municipal e estadual, bancos de desenvolvimento e instituições multilaterais) para debater o espaço possível de ação. A questão que desencadeou a série de reuniões foi simples e direta: haveria um espaço de ação de combate à pobreza entre as macro políticas nacionais e as micro ações de solidariedade desenvolvidas a partir da sociedade civil? Em caso positivo, que conclusões derivar dai, que caminhos a seguir? Ao todo, 146 pessoas envolveram-se no trabalho de escuta, debate e confrontação e mais de vinte programas e projetos foram focalizados além de outras experiências trazidas pelos participantes. No final, a síntese dos debates e as conclusões possíveis circularam entre todos os participantes até a aprovação de sua versão final (Camarotti & Spink, 1999). Nestas discussões, um outro termo emergiu para nomear esse espaço local de ação: “lugar”. “Lugar” foi considerado pelos membros dos encontros uma referência a um horizonte de ações e ligações, de produção de sentido e de lutas. O “lugar”, como foi definido em termos práticos, é o “lugar da gente”. As conclusões dos encontros foram muito importantes para a temática da pobreza e da exclusão social, especialmente em relação às possibilidades de ação no nível subnacional. Foram diversos os comentários sobre a temática do “lugar” e a visão que emerge no documento síntese é uma teia de sentidos diferentes que se complementam:

“….a cara da gente, uma arena de demandas, conflitos e reinvindicações para a melhoria na qualidade da vida; …denso, é a vida das pessoas em espaço e tempo que dependendo das circunstâncias pode ser o bairro, o município ou a região;…..é onde se enraízam as experiências; territorialidade e identidade – o lugar, as raízes históricas e culturais; ….o ponto de partida para a intersetorialidade;…. uma nova concepção do local visto como lugar, onde a lógica da proximidade, do encontro e do confronto é possível; ……que não é dado, mas se define e se redefine a partir das ações, remetendo a um contexto de relações que não é somente local; …….o motor de arranque no enfrentamento da pobreza e a base da discussão sobre desenvolvimento;…….um processo gradual de aproveitamento de oportunidades, de aprendizagem e de luta.”

“Lugar” e “local” têm conotações diferentes apesar de próximas, como uma breve incursão ao dicionário demonstrará. Compartilham a mesma raiz no latim (locus), mas

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a transformação que resultou em “lugar” ganhou características de espaço ocupado, de sítio, de uso para um fim determinando, e de lugarejo. Para simplificar, parece que lugar é um local povoado. Freqüentemente fala-se de “local” como o “lugar onde moramos”, entretanto como Kevin Lynch mostrou no seu estudo pioneiro sobre a subjetividade urbana (Lynch 1960), há muitos “lugares” no “local”. No “lugar” pode incidir ao mesmo tempo o internacional, o nacional, o regional e o local e, dessa maneira, o termo talvez permita uma melhor problematização das contradições da globalização (Bauman 1999). Se aceitarmos a proposta de Wittgenstein (1953) de que as pessoas se reconhecem a partir da elaboração da linguagem, e se assumimos que atos de fala, discurso e retórica são interações e, consequentemente, um ponto privilegiado para compreender a ação de “estar-no-mundo” a partir do qual o ser deriva (Mead, 1956; Blumer, 1969), não podemos ignorar a construção que está sendo feita pelos participantes dos encontros. Trata-se de elaborar uma noção de uma coletividade possível, num espaço e tempo enraizado fisicamente enquanto “lugar” onde se concretizam as lutas para a inclusão a partir do mundo vivido (Habermas, 1984) ou, nas palavras do Selznick (1992), a partir do moral commonwealth. O lugar enquanto denso cotidiano de ação, transforma em cores vivos o conceito de ação de Giddens (1979): “fluxo de intervenções causais reais ou intencionais no processo contínuo de eventos no mundo”. Há um complexo de ligações e relações de colaboração, solidariedade, contradição, disputa e de conflito presente na discussão sobre o lugar; relações essas cujos sentidos estão em continua produção (ver M.J.P. Spink 1999). Faz parte, também, desse cotidiano as constantes tentativas de mobilizar esses sentidos - as múltiplas formas que são também conteúdos e os conteúdos que são por sua vez formas - para legitimar os interesses seccionais de grupos hegemônicos; por exemplo, anexando o sentido de local às noções de pequeno, de menor nível e de menos importante. Se focalizássemos conceitualmente a questão do fenômeno psicossocial a partir do lugar buscando compreender esse enquanto processo de estruturação constante - como formas-conteúdos em constante formação (structuration, Giddens, 1979) - teríamos de reconhecer que estamos trabalhando com algo que não pode ser reduzido a um simples contexto social. Um ente separado e fora do foco principal da psicologia, seja esse foco objetivo, subjetivo ou inter-subjetivo em orientação; um cotidiano reduzido a uma mundanidade neblinosa povoada de figuras em tons de cinza. Algumas contribuições para a compreensão do conceito de “lugar” O termo lugar, enquanto ponto de partida para pensar sobre o social é um conceito bastante promissor. Permite um olhar a partir de um enraizamento na processualidade do cotidiano fora das organizações e as instituições onde a maioria de psicólogos e psicólogas se encontram e que, inevitavelmente influenciam seus olhares. Chama atenção também para outras áreas de conhecimento e de reflexão interdisciplinar que não são normalmente consideradas na discussão sobre processos psicosociais.

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As noções de espaço e localização, por exemplo, merecem muito mais consideração do que têm recebido, especialmente quando vistas a partir dos trabalhos de Henri Lefebvre (1991) e Milton Santos (1985,1996). No brilhante trabalho de Lefebvre não há um espaço a priori vazio, preexistente e pronto para ser ocupado, como muitos de nós imaginamos. Ao contrário, o espaço é uma construção ou, nas palavras desse autor, o espaço (social) é um produto (social).

“Many people will find it hard to endorse the notion that space has taken on, within the present mode of production, within society as it actually is, a sort of reality of its own, a reality clearly distinct from, yet much like, those assumed in the same global process by commodities, money and capital. Many people, finding this claim paradoxical will want proof. The more so in view of the further claim that the space thus produced also serves as a tool of thought and action: that in addition to being a means of production it is also a means of control, and hence of domination, of power; yet that, as such, it escapes in part from those who would make use of it” (p.26)

A dinâmica do lugar também está presente em Milton Santos para quem todo lugar está sempre mudando de significado a partir da sua “localização”:

“O movimento dialético entre forma e conteúdo, a que o espaço, soma dos dois, preside, é, igualmente, o movimento dialético de todo social, apreendido na e através da realidade geográfica. Cada localização é, pois, um momento do imenso movimento do mundo, apreendido em um ponto geográfico, um lugar. ….Não confundir localização e lugar. O lugar pode ser o mesmo, as localizações mudam…a localização é um feixe de forças sociais se exercendo em um lugar. ( 1985, p.2)

A discussão sobre “espaço” e, por conseqüência “lugar” (space and place), é constante na literatura sobre estudos urbanos. Para os urbanistas Carr, Francis, Rivlin e Stone (1992), “Espaço público é o palco em cima do qual o drama da vida comunal se desenrola”. Rodman (1993) escrevendo numa coletânea sobre o sentido cultural do espaço urbana comenta:

“What are we trying to understand? The creation and experience of place. The creation of place is at once so simple – planting a tree in a co-op courtyard – and so complex, as anyone studying the creation of urban space recognizes. Any experience of place weaves together space, built form, behaviour, and ideas, at individual and collective levels. And it does so within particular social, economic, political and historical contexts.” (p.123)

Deixaremos para um momento posterior as conexões óbvias que estas questões mantêm com a antropologia social e a microsociologia, que já apontaram as múltiplas conexões, redes, conjuntos-de-ação e agrupamentos da ação-em-forma e forma-em-ação (Boissevain 1974, Feldman-Bianco, 1987, Mitchell, 1969) e às explicações práticas construídas que são por sua vez parte da mesma ação (Garfinkel 1976). Deixaremos também para uma discussão mais aprofundada a importante contribuição de historiadores sociais como E.P. Thompson, 1993, para os quais os resultado de uma historiografia escrita a partir da base (history from below) é muito diferente da história de eventos, de datas e de Reis escrita da perspectiva da classe dominante (history from above). Como resultado de seus trabalhos, hoje sabemos que a multidão não é um caos

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que precisa de um Estado para controlá-la e que a cultura popular é em nenhum respeito subordinada ou marginalizada. Há também muito para discutir em relação ao estudo dos fenômenos organizacionais vistos a partir do lugar, e as curiosas maneiras em que os sentidos de formal e informal são manipulados. Por exemplo, ao examinar a partir do lugar aquilo que são normalmente chamados de “organizações formais”, ou seja de fora para dentro, o que mais se destaca é o simples fato social de sua existência ou presença enquanto espaço social delineado, com acesso restrito e parcialmente privatizado. Uma empresa, por exemplo, é, hoje, antes de tudo, um contrato legitimado entre um Estado e uma pessoa ou pessoas (proprietários de alguma forma), a partir do qual o segundo pode, com responsabilidade limitada (S/A, Cia. Ltda. ou M.E.) construir um “espaço” privado, no qual se pode ditar regras, leis e ordenar as ações de outros e exercer atividades. Há outros tipos constituídos também legalmente (via o direito público, a legislação filantrópica, a legislação de cooperativas etc.), e cada um com suas restrições e suas regras. Em contraste há outros elementos organizativos normalmente chamados de “informais”, mas, mesmo assim, dotados de tanta forma quanto os primeiros (Spink 1989). Também terão suas bases de legitimidade: de parentesco, de vizinhança, de confiança e de solidariedade na luta para a sobrevivência. Em muitos casos, essas diferentes bases de legitimidade entram em confronto com o Estado enquanto cartório de permissão de associação, sendo punidas, expulsas ou fechadas de maneiras e por motivos os mais variados. Longe de ser um processo de ocupação voluntária de vazios, a construção social de espaços no lugar é, ao contrário, uma questão de luta e disputa entre privilégios e mecanismos de exclusão. É no lugar que se concretizam, na modernidade, os confrontos entre grupos e facções; é no lugar que se concretiza a sociedade civil. As múltiplas facetas da sociedade civil Produto original do liberalismo iluminista escocês (Ferguson, 1767), a noção de sociedade civil teve seus primeiros contornos traçados em valores comuns coletivos, no comunitarismo e na obrigação moral da pessoa fazer aquilo que era correto. Essa foi a visão de uma sociedade civil forte, representada pelos com-terra, pelas profissões e pelos letrados. Sua organização era um contrapeso necessário ao Estado. A sociedade civil para Marx, a Primeira Internacional e os eventos que se seguiram foi algo diferente. A relação entre sociedade, comunidade, Estado e sociedade civil era de conflito, não de contrapeso. O Estado era visto como reflexão da violência que existe dentro da sociedade civil, e o fim do Estado – anarquistas e comunistas estavam e permanecem em profundo desacordo sobre como proceder nessa questão - seria a reabsorção da sociedade política numa sociedade civil transformada, uma sociedade regulada, sem Estado ou partidos. A história, quando vista por perto, não se caracteriza por grandes períodos de aceitação servil de um modelo dominante. Ao contrário, demonstra a presença constante de atores sociais, buscando outros caminhos: pessoas comuns, normais, ordinárias, populares

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com ou sem partidos, gente do lugar. Foi essa apreciação, a partir das experiências de coletivização e dos comitês operários em Turim que, nas mãos brilhantes de Gramsci, forjou uma noção aprofundada da sociedade civil marxista compreendida em relação à sociedade política e reconhecida como cenário privilegiado da luta pelos direitos políticos, um espaço para a mobilização, para a construção de saberes, para a educação ativa e a transformação de condições – conflito esse que se dava nas práticas discursivas hegemônicas e contra-hegemônicas, na construção de sentidos entendidos cultural e sociohistóricamente (Gramsci, 1971, Bellamy, 1994). No meio dessas perspectivas, emprestando elementos de uma e de outra, reconhecendo o conflito, mas, também, reconhecendo a ordem negociada implícita na democracia moderna, há a criação de uma terceira noção de sociedade civil. Esta emerge na década de 80, a partir dos eventos ocorridos na antiga União Soviética e da ação das organizações não-governamentais (Cohen & Arato, 1992; Hall, 1995; Keane, 1998), assim como a discussão em volta da teoria da esfera pública de Habermas (1984), traduzida para o inglês em 1989. Essa terceira noção de sociedade civil enfatiza a organização autônoma da sociedade e uma esfera pública independente do Estado, da sociedade política e da sociedade econômica. Criada através de autoconstituição e automobilização, incluindo família, associações, movimentos sociais e formas de comunicação pública, é institucionalizada por leis – que permitem associações – e direitos coletivos e costumes. Dentro dessa perspectiva, Habermas (1996, p.367) comenta:

“A base da sociedade civil é composta de uma rede de associações que institucionalizam os discursos sobre a resolução dos problemas e sobre questões de interesse geral dentro do quadro das esferas públicas organizadas. Estes desenhos discursivos têm uma forma aberta e igualitária de organização que espelha o tipo de comunicação em volta da qual se configuram e ao qual emprestam continuidade e permanência...”

Nas três noções há diferenças tanto sutis quanto profundas. Na primeira - a sociedade civil liberal - a ação é positiva, mantendo os balanços e os espaços existentes; a ação cívica refere-se à responsabilidade e à caridade daqueles que têm conhecimentos e bens em relação àqueles menos afortunados. Na terceira - a sociedade civil negociada nas linhas de ruptura entre sistema e mundo de vida - a orientação é distributiva, forçando a mudança dos padrões existentes e a emergência e a inclusão de novos atores sociais. A lógica é a lógica do jogo de soma positiva, de uma saída possível para todos. Na segunda – conflitante e explicitamente redistributiva - a questão é ocupar os espaços e rebelar-se contra a ordem. O processo é permanente e transformador e o jogo soma zero. A ação é própria, valorizando as organizações autóctones e a capilaridade da cidadania ativa como voz presente, e não como voz “re-apresentada”. Longe de ser uma discussão sobre ciência política, argüimos que o importante para o campo de psicologia social é reconhecer que sociohistóricamente os três estão presentes em atos de fala, em nomes dado a formas diferente de agrupamento, em movimentos, em artefatos e em práticas. As palavras, como Bakhtin (1973) argumentou, emergem das ações para em seguida juntar-se à própria ação, formando assim a dupla face da processualidade do cotidiano. A produção de sentidos é portanto sócio-técnica; as ações enraizadas geram seus artefatos que são também práticas discursivas. Uma cadeira ou uma geladeira por exemplo, ou uma porta, não significa algo ou aponta para algo

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(segundo a noção de signo); são, em si, elementos discursivos, fazendo parte da densidade da estruturação enquanto processualidade social no tempo. Consequentemente é na interseção das ações diferentes entendidas como práticas discursivas densas, no processo de juntar e separar, de criar similaridades e dissimilaridades, nas opções de posicionamento e nas conversas sobre possibilidades e impossibilidades, que a reflexividade se instala enquanto ação comunicativa. Mas também se instalam, simultaneamente, outros interesses com outras versões que competem na disputa pela hegemonia sobre o sentido: os epistemes, as ideologias dominantes, as orientações sutis e instrumentais dos mecanismos de orientação sistêmica em sua busca para colonizar o espaço do mundo vivido (Habermas 1984). É assim, por exemplo, que os que são perseguidos por não ter o “direito” de se associar e de produzir seu espaço colidem com os que têm esse “direito” e que o usam para produzir espaços onde outros direitos são suprimidos e as demandas sociais diluídas no discurso cada vez mais hegemônico sobre o progresso, o desenvolvimento e a nação. Dois exemplos: um do passado e o outro do presente Na década de 1950, o Tavistock Institute promoveu uma série de estudos sobre a organização do trabalho na indústria de mineração de carvão inglês. Tais estudos fizeram parte da elaboração da teoria socio-técnica de escolha organizacional (Trist, Murray, Higgin e Pollock, 1963). Ao mostrar que havia opções disponíveis para a organização do trabalho, suas conclusões foram fundamentais na construção de um contra-argumento ao determinismo tecnológico. Os dados levantados na aldeia de Chopwell, onde os mineiros trabalhavam segundo uma forma de autogestão que receberia o nome acadêmico de grupo de trabalho semi-autônomo, ocuparam uma posição de destaque. Os grupos de trabalho da mina de Chopwell eram de mais de 40 pessoas. Entre eles, tocavam a operação de extração por inteiro e sem nenhuma estrutura de liderança explícita. Tomavam suas próprias decisões, capacitavam colegas, negociavam com as equipes de suporte e partilhavam igualmente seus salários, incluindo os adicionais por produtividade e trabalho extra. Tinham, para todos os efeitos, coletivizado o lugar de trabalho. Além disso, as idéias utilizadas foram elaboradas pelos próprios mineiros e negociadas com a gerência da mina, recuperando e transformando uma tradição anterior usada em frentes menores. Chopwell, enquanto comunidade de mineração, tinha uma história coletiva de ação dentro do movimento sindical que incluia a luta pelos direitos de associação e representação (em si um elemento importante da construção do espaço público), a criação de escolas, de clubes de debate para adultos e o sufrágio feminino. Foi uma das primeiras minas a participar da greve geral de 1926 e uma das últimas a voltar ao trabalho. Muitos de seus líderes durante este período tiveram de emigrar para o Canadá porque lhes foram negados empregos na indústria de mineração depois da greve. Chopwell era uma das aldeias “vermelhas” e sua bandeira sindical figuraram os rostos de Marx, Lênin e Keir Hardy (mineiro e fundador do partido trabalhista britânico) e uma invocação de Walt Whitman: “Pioneiros, ó pioneiros”.

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O desenvolvimento do método coletivizado ( em inglês all-in ou composite) não estava desvinculado desses eventos. A pressão para a produção na companhia estatal de carvão na década de 50 levou à introdução de métodos que fragmentavam o trabalho, sistemas de pagamento por tipos de trabalho diferentes, horários de trabalho incertos, ocasionados por problemas técnicos e geológicos na frente de trabalho; tudo com supervisão constante. O resultado, numa aldeia onde cada um vivia perto do outro, era colocar homem contra homem e, eventualmente, esposas e filhas contra esposas e filhas (o carvão, com exceção dos postos de escritório, era visto na época como domínio dos homens). Preocupados com as conseqüências, os mineiros buscaram restaurar o que chamavam de “harmonia”; não a harmonia entre mineiros e gerentes, porque essa era fatalmente uma área de conflito, mas a harmonia entre os homens e mulheres enquanto membros de uma comunidade e entre os homens enquanto mineiros, necessária para permanecerem juntos e lutar por seus direitos (Murray, Higgin, Spink & Wade, 1979). A base de sua ação foi o lugar da aldeia de carvão, com seu cotidiano e sua historicidade, e o foco foi o lugar de trabalho: a reconstrução do segundo e suas conseqüências para o primeiro. O povo indígena Krahò forma um conjunto semi-nômade de 1500 membros, que ocupam 3 mil km2 de cerrado no estado de Tocantins. Durante a década de 70, o governo brasileiro persuadiu os Krahò a desistirem de cultivar seu milho gigante e outros grãos e plantar arroz para seu sustento e para comercializar o excedente e entrar no mercado. A terra porém era inadequada, e a estrutura anterior de plantio familiar foi trocada pelo cultivo de grandes áreas de arroz coletivas, desmontando práticas de governança e de propriedade e transformando-as num caos geral. No início da década de 80 os Krahò foram considerados incompetentes pelas autoridades e abandonados à própria sorte. Antes desses eventos, na década de 70, o Centro de Recursos Genéticos e Biotecnológicos da EMPRAPA iniciou a coleta de sementes de plantas nativas brasileiras com o objetivo de preservação histórica da variabilidade genética. Uma conversa casual entre um técnico do centro e um indigenista trabalhando com os Krahò levou, depois de muita discussão com o conselho de anciões da aldeia, à retomada de cinqüenta sementes de milho gigante. Em 1995, com o crescimento do milho, outras práticas e tradições ligadas ao cotidiano do milho foram sendo recuperadas na memória coletiva, ou seja seu senso comum. Hoje, foram restabelecidas muitas atividades, incluindo os eventos diplomáticos de troca de sementes entre grupos. Novas idéias também foram incorporadas a partir das conversas com os técnicos. Num ato importante, os anciões levaram de volta para as câmaras frias do banco de sementes da EMBRAPA sementes exemplares de todos os seus diferentes tipos de grãos. Geertz (1983) produziu uma série de observações vitais sobre o senso comum, do qual uma das suas características é negar que seja um corpo de saber relativamente bem organizado, e tentar afirmar que suas bases emergem imediatamente da experiência e não da reflexão sobre ela. Ao contrário, o senso comum, como Geertz afirma, pode ser reconhecido, buscado, questionado, desenvolvido e até ensinado, variando muito de um povo para outro. Mais importante ainda, ele é enraizado (embedded): assuntos são intrínsecos, inerentes, “o jeito como as coisas estão”, acessíveis àqueles que têm uma consciência prática e uma cabeça “no lugar”.

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Conhecimento tácito ou enraizado (embedded) não é um fenômeno simplesmente social, mas socio-técnico, na medida em que se enraíza em produtos, artefatos, instrumentos e seqüências de ações. Ele está presente no lugar, porém, como os dois exemplos demonstram, o lugar é em nada um espaço idílico, mas sujeito às mais variadas tentativas de definição e imposição. Se buscamos uma psicologia comprometido com a ação social, uma psicologia que se dispõe a assumir os fenômenos da coletividade, de se inserir nos processos do cotidiano e não os olhar como se fosse através de uma janela de vidro fechado que separa de um lado o indivíduo (texto) e de outro o contexto, sem dúvida esta psicologia terá muito a aprender e desaprender. O lugar na psicologia Para uma maioria de psicólogos, esse separação entre texto e contexto parece não problemática. Discute-se a relação entre um e o outro, mas nas entrelinhas é o indivíduo e seus processos cognitivos que, seguindo os passos de Santo Agostinho e muito mais tarde Descartes, está sempre em relevo. A psicologia social psicológica, como Farr (1996) muito bem analisou, aproveitou muito pouco de sua convivência com as demais ciências sociais de modo que esses tiveram de elaborar sua própria psicologia – presentes em pesquisadores como Becker, Blumer, Goffman, Whyte ou Garfinkel, muitos dos quais vinculadas à escola de Chicago e à herança de G.H.Mead. O drama da janela de vidro é algo, entretanto, que psicólogos reconhecem. Hewstone, Stroebe, Codol & Stephenson (1988), na introdução de seu livro de texto em psicologia social elaborado dentro de uma perspectiva européia, anotam que a questão da pessoa sendo uma função da sociedade ou, de maneira inversa, da sociedade vista como um produto dos indivíduos que a compõem, pode ser seguida por uma outra questão:

“..whether the relationship between individual and society is at all a meaningful question, or is an expression of hidden ideology” ( p.5)

Não é por acaso que a versão institucionalizada deste binômio de indivíduo e sociedade (onde nenhum é o outro) é cidadão e estado; expressão esse que ao determinar os direitos do primeiro e os deveres do segundo, reifica ambos numa certeza dogmática que sustenta e legitima o exercício da violência no policiamento das populações. O Estado visto como necessário para a vida psicológica, para manter em limites a histeria coletiva do social enquanto ente além dos indivíduos e sempre pronto para canalizar descontroladamente suas emoções, está presente nas entrelinhas de Le Bon’s 1895, Psychologie de foules, texto de grande influência, inclusive para o Freud. Essa preocupação sobre o destino da pessoa normal que de repente vira anormal dentro da multidão - uma psicopatologia do social enquanto fenômeno popular - não pode ser isolada aos eventos da época incluindo a Comuna de Paris (1871) e as crises da democracia na terceira República Francesa (Farr 1996). Ignorou-se que a violência psicopática no episódio da Comuna veio do Estado nas represálias selvagens sofridas pelos communards. Ignorou-se, também, que os membros eleitos para governar a comuna – e que introduziram uma série de inovações importantes para gestão local e diretos civís – eram pessoas normais oriundas das profissões do dia a dia (Serman

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1986). O livro de Le Bon já se encontrava traduzido para o inglês em 1903, somente oito anos após sua primeira edição na França; em contraste, os dez volumes da Völkerpsychologie de Wundt, escrito entre 1900 e 1920, nunca seriam traduzidos. Os objetos de estudo de Wundt foram outros: linguagem, religião, mito, magia e cognição; fenômenos coletivos que, como ele escreveu, emergem da interação reciproca de muitos e que não podem ser explicados em termos da consciência individual (Farr 1996). A separação as vezes sutil e as vezes não tão sutil do indivíduo e contexto, que coloca o lugar fora da janela, também é visto na distinção entre teoria e prática, não no sentido óbvio que já foi foco dos contra-argumentos da teoria crítica, mas na localização da vida real como lá fora. A introdução do capítulo de Stephenson sobre psicologia social aplicada no livro de texto já citado (Hewstone et al 1988), demonstra bem esta armadilha.

“It was in the nature of social psychology to be applicable. Many core processes studies by social psychologists – communication, bargaining, intergroup relations, persuasion and others – are institutionalized in various areas of social, organizational and political life. Hence they offer good opportunities for social psychologists to apply their knowledge and, reciprocally, for social psychology itself to be enhance directly by the study of these phenomena in real-life settings”. (p. 414)

Na sua defesa Stephenson provavelmente tem em mente a distinção clássica do Kurt Lewin entre o laboratório e o campo, mas visto a partir da questão do lugar parece que para o autor há lugares e lugares: alguns que são de verdade e alguns ………? O “espaço vital” do Lewin foi um modelo individual e subjetivo; entretanto sua exploração da construção de representações ( what is real is what has effects) permite, como também George Kelly aceitou na sua Teoria de Construtos Pessoais (1955), a possibilidade da construção intersubjetiva de elementos do life space. Sua exploração da teoria de canais na psicologia ecológica ou da diferenciação de áreas não estruturadas (ambos em Lewin 1952), oferece uma série de idéias para a construção do lugar. Também sua influência sobre Barker e Wright (Barker e Wright 1955, Barker 1965) levou à noção de behaviour setting, talvez o mais perto que a psicologia deste período chegou a uma aproximação com o lugar. A importância do trabalho de Barker e Wright foi pouco percebida na psicologia – afinal abriu a janela – mas Goffman reconheceu a sua importância quando elaborou o tópico de “regiões” no seu estudo sobre a apresentação do eu na vida cotidiano (Goffman 1959). Na revista Journal of Social Issues, criada nos Estados Unidos em 1945 pela Society for the Psychological Study of Social Issues e identificada com a tradição Lewiniana da praticidade teórica, houve nestes anos todos pouca discussão sobre o enraizamento das questões sociais além do eventual comentário sobre participação comunitária (1960 vol 16,4). A revista participou no debate sobre os programas Federais de redução da pobreza nos Estados Unidos mas o artigo mais importante que levou o debate para as ações do cotidiano e aos conflitos da exclusão, não foi escrito por um psicólogo ou psicóloga mas pelo mobilizador e ativista Saul Alinksy da Industrial Areas Foundation (1965,Vol21,1). É só recentemente em 1996 (vol 52,1) que houve uma edição focalizando especificamente as perspetivas socio-psicológicas de organização comunitária (grass roots organizing) na qual a localidade será mais destacada.

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A psicologia ambiental, enquanto psicologia especificamente voltada para o outro lado da janela deve, é possível imaginar, oferecer um vinculo melhor com a questão do lugar. Mais infelizmente, a grande maioria dos trabalhos feitos caiem dentro da armadilha mencionada anteriormente. O caminho é de mão unico, da psicologia para o ambiente; a construção de um ramo da psicologia que vai contribuir para o estudo multidisciplinar do ambiente e não o caminho inverso; o segundo tem pouco ou nada a contribuir para o primeiro. A revisão classica de Craik (1970) deixa clara essa orientação:

“Within the disciplines of geography, natural resource management, urban and regional planning, and architecture, valiant efforts are being made to achieve a more comprehensive grasp of the complex processes and consequences of transformations in the physical environment, to provide better guidelines for human action. Variables of human behaviour are intermixed throughout the entire process of transformation, for they function as increasingly potent factors in shaping the physical environment and are, in turn, even more profoundly shaped by it. Consequently the intellectual disciplines and professions committed to understanding and designing the physical environment acknowledge a common need for a behavioural orientation to their endeavours. Whether scientific psychology can contribute to this particularly urgent enterprise remains to be demonstrated. This essay will appraise the prospects for an environmental psychology, whose investigations and findings would bear on contemporary environmental issues. (p.5)

Permanecendo dentro da produção anglo-saxão - e deixando para um outro momento a delicada questão das representações sociais e as contribuições específicas de Moscovici ao estudo dos fenômenos coletivos (1988) - as menções freqüentes sobre o ambiente social e o contexto social são sempre menos focalizadas do que sua contraparte, o indivíduo. Tajfel (1978) aceita que a relação entre o indivíduo humano e seu ambiente social é reciproca mas em seguida anota, ao discutir consenso social:

“some of the clearest examples of the role of social consensus in the organization of our perceptual experience can be found in the conventional visual representations of our outside world” (p.309)

A palavra neighbourhood é, junto com o behaviour setting, uma outra entrada possível para o lugar mas também parece ser colocada num plano inferior. Bott (1957) mencionou a vizinhança no seu estudo de família e redes sociais, mas somente enquanto um dos fatores que afeta a “localização” de redes sociais. Whyte (1978), escrevendo no mesmo texto introdutório do Tajfel, talvez melhor descreve este senso de algo potencialmente muito perto, mas no mesmo tempo longe de mais; vidros, mesmo sendo transparentes, definem limites.

“For much of social psychology, the environment forms the stage and background of human thought and action. In studies of the environment it may also play the part of actor, scriptwriter, and even at times that of critic. In extreme cases of environmental hazards it can close the show. In whichever role the environment is cast, the focus on environmental studies is on the interplay between man and his environment. In this it has something to tell us about social behaviour”. (p357)

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Há, entretanto avanços nitidos na America Latina sendo alcançados por psicólogos comunitários que efetivamente optam para o lugar enquanto base de atuação, seja enquanto mobilização comunitária para a construção e a demanda de serviços seja em relação a questões de moradia, entendido enquanto vizinhança ou da construção de espaços coletivos. Entre outros podem ser mencionados Angel Aguilar do México e Wiesenfeld e Sanchez da Venezuela. Reid e Angel (1995), descrevendo seu trabalho no México afirmam ao criticar a visão coesa de comunidade muito associada com a área rural:

“las comunidades as las que se ha referido el artículo son localidades, sean urbanas o rurales, en process de transformacíon social. La amplitud y extensión del processo de urbanización tiende a instaurar un espacio regido por la heterogeneidad en el cual se rompen y crean formas de solidariedad y agrupación social. Así, la idea original de comunidad se transforma en un concepto para referirse a los vínculos colectivos redefinidos a partir de una labor de intervención psicosocial. La resignificación de elementos de la vida cotidiana, la apraición de nuevas formas de comunicación, la revalorización de práticas tradicionales de la localidad, por nombrar algunos elementos, señalan el surgimento de algo común y que no se encontraba presente de maneira explícita.” (p 214)

Wiesenfeld, Sanchéz e Cronick (1995) discutindo o trabalho de psicologia comunitária na Venezuela e o papel importante da equipe da Universidade Central, também dão destaque aos processos de construção e intervenção no lugar, visto como espaço produzido e em disputa. A importância de lutar para, e de construir, ruas pavimentadas, equipamentos escolares, eletrificação, serviços médicos entre outros é, sem dúvida, o fazer de uma outra psicologia. Visto como pesquisa-ação autogestionaria, seu trabalhos colocam as mudanças de nível individual, intimamente ligadas às mudanças sócio-cívicos e tecnológicas. Entre os exemplos citados foi a integração tecnológica de cimento junto aos materiais tradicionais (barro e matéria orgânica) na construção habitacional:

Esta tecnología permitío a los campesinos, los cuales vivían en condiciones precarias, a hacer sus casas imunes a insectos, parásitos y a hacer cambios estéticos en su ambiente, lo cual tuvo efectos favorables en dicha comunidad. En el proyecto, la comunidad fue abordada como parte de un programa de salud, en el que la participación de los campesinos incluía la construcción de sus proprias casas con diseños producidos por ellos y la administración de un préstimo que se obtuvo para la adquisicíon de los materiales necessários (p.259)

Polemizando O objetivo deste texto foi de abrir uma série de questões que parecem vitais para a psicologia e talvez para outras áreas, como por exemplo a de estudos organizacionais e

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de movimentos comunitários. São questões que se tornam mais cruciais ainda dadas as grandes disparidades que os países da América Latina enfrentam, especificamente o Brasil. Deste breve e incompleto panorama bibliográfico é possível concluir que há, na psicologia, elementos para um lugar para o lugar enquanto foco, não só de compreensão, mas de ação. Mas é também claro que uma parte significativa, para não dizer hegemônica, da psicologia esta contente em ver isso como algo lá fora, no outro lado do vidro que separa pessoa e contexto. Quantos modelos terapêuticos exigem a presença do outro no lugar do psicólogo, na sua clínica ou consultório e não no lugar do outro; a psicologia familiar, por exemplo, focaliza a família enquanto fenômeno social e não o lar enquanto fenômeno sócio-técnico. Na área educacional, por que há tão pouca atenção à pedagogia da alternância, elaborada nas experiências das casas familiares agrícolas em 1935 e agora sendo implementados para prefeituras e associações preocupadas em apoiar a permanência da pequena agricultura familiar ( ver a experiência da APAEB em Valente BA, Almeida, 2000). Será que parte do problema deriva do lugar dos pesquisadores que, em geral, pertencem a uma corporação legalizada, uma profissão, uma carreira, uma universidade ou um centro de pesquisa e que pesquisam, criticamente ou não, a partir dos mesmos tipos de corporações olhando para fora, para o contexto social? O lugar dos excluídos e suas visões de mundo sobre a sobrevivência, sua luta para produzir espaços e ocupar os espaços produzidos é distante e fica no outro lado desta parede de vidro cujas conseqüências fazem lembrar a expressão de Cristovam Buarque “apartheid social" (1994). Para a grande maioria dos pesquisadores e professores, o social geral, o “contexto”, como visto nos muitos trechos analisados, continua sendo uma espécie de sopa de restos. Afinal trata-se de um “contexto” e não de um “texto”. O resultado é uma ciência de incluídos, produzida dentro e para o universo dos incluídos e suas formas-em-ação. O seguinte exemplo sobre psicologia social e comunidade, descrevendo a utilização de psicodrama no atendimento sócioeducativo de crianças e adolescentes em situação de risco (Neves e Bernades, 1999), mesmo que bem intencionado, demonstra o quanto, sem querer, a psicologia localiza o problema da desigualdade e da exclusão nos outros e, como resultado, sua indignidade coletiva diante das questões sociais é, em ultima análise, elitista e excludente:

“O cerne dessas iniciativas está na trajetória das classes populares, da casa à rua, devido à conjuntura socioeconômica e política que cria obstáculos para que a família e a escola possam cumprir sua função de subsistência, de cuidado e de socialização. Tal socialização como processo de formação de valores, crenças, atitudes e padrões de comportamento das crianças de determinados segmentos das classes populares, parece configurar uma cartografia da exclusão. Há urgência de mapear o nomadismo institucional dessas crianças e desses jovens, ou seja traçar os movimentos de rompimento dos laços grupais que determinam sua mobilidade de pertencer ou não à família, à escola ou aos serviços de atendimento assistencial”(p245-246)

E se não somente quebramos o vidro mas também mudássemos de lugar, iniciando nossos estudos e reflexões a partir do lugar das lutas diárias pelos espaços na sociedade civil: a partir do discurso desqualificante da “qualificação” e da “empregabilidade”; do serviço público onde temos que dormir no chão para receber uma senha para depois ser atendido; da portaria da fábrica onde ficamos em fila para mostrar documentos antes de

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sermos admitidos; a partir dos conflitos para o acesso ao exercício dos direitos e para sustentar na informalidade as múltiplas formas de operacionalizar a convivência com dignidade? Que tipo de psicologia produziremos......…..?

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Pesquisa de campo em Psicologia Social: uma perspectiva pós-construcionista (Trabalho organizado e elaborado a partir das discussões semanais do Núcleo de Organizações e Ação Social – PUC-SP durante o segundo semestre de 2002 Publicado na revista Psixcologia e Sociedade, 15, 2, 2003)

Durante os últimos dez anos, estimulados por pesquisas que fizeram com que o Núcleo se transformasse em um foco de debate crítico sobre os processos organizativos e a ação social, discutimos, em ocasiões diversas, o que é pesquisa em Psicologia Social e o que é pesquisa de campo. Essa reflexão perpassou cinco eixos temáticos. Um primeiro eixo de discussão se preocupou com a relação entre “pesquisado” e “pesquisador” e englobou a pesquisa colaborativa, a pesquisa ação, a pesquisa participativa e a ética que orienta a pesquisa. O segundo eixo envolveu a questão dos métodos e a experiência do Núcleo com o uso de múltiplos e diferentes métodos dentro da mesma investigação sem se preocupar com argumentos sobre triangulação ou compatibilidade. O terceiro eixo de discussão, mais teórico, aproximou os membros do Núcleo a uma abordagem construcionista sobre processos sociais e a uma valorização da análise de práticas discursivas (M.J. Spink, 1999); entendendo estas de maneira ampla, como estando situadas em lugares e no tempo. O quarto eixo de reflexão trouxe o reconhecimento de que os estudos feitos pelo Núcleo não se caracterizavam, de maneira geral, por um planejamento antecipado da estratégia de pesquisa, com a identificação precisa de objetivos e a escolha deliberada de métodos de investigação e análise. Ao contrário, a pesquisa tendia a se dar a partir da identificação de um ponto de partida, a partir da qual: “iria se caminhando sem saber direito como e onde”. O processo foi descrito em termos da desnaturalização sucessiva (ou estranhamento) em relação à temática em foco, do olhar multidirecional e da ausência de um ponto predefinido de chegada ou término, a não ser o sentimento de “ser suficiente”. O quinto eixo de discussão foi uma conseqüência dos demais e se referiu a como “contar” ou “narrar” esses processos ou histórias. Afinal, como estruturar uma tese, uma dissertação, um relatório de pesquisa ou um trabalho a ser apresentado em congresso, cujo caminho não era necessariamente ortodoxo? Nota-se que, enquanto a discussão sobre pesquisa qualitativa já chegou à maturidade e alcançou o reconhecimento de sua contribuição e de sua processualidade, permanece a tendência de organizar a redação do trabalho dentro dos moldes comuns (por exemplo: Meloy, 2002). Os cinco eixos entravam e saíam das conversas ora se confrontando ora fornecendo pistas para linhas argumentativas e tentativas de investigação. Não havia um

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encadeamento lógico, mas influenciaram, cada um a sua maneira, os trabalhos feitos pelo Núcleo. Aparecem mais nítidos em certas investigações onde estes debates tiveram um papel mais central, mas estão também presentes nas entrelinhas de muitos dos trabalhos já concluídos e nos que estão ainda em andamento. O Núcleo de Organização e Ação Social tem um compromisso com os eventos cotidianos e com a busca de ações que reduzam as desigualdades e melhorem a qualidade da vida coletiva. Em conseqüência desta postura, a elaboração teórica do núcleo tende a se preocupar com o terreno teórico de médio alcance; de conceitos e esquemas parciais que ajudam a compreender as possibilidades de ação em um lugar ou contexto específico, mas que não são necessariamente generalizáveis além desse horizonte. Durante essas discussões, o sentido de “campo” e, portanto, de “pesquisa de campo” mudou muito. Inicialmente a visão de “campo” presente nas conversas aproximava-se da antropologia tradicional, ou da sociologia da Escola de Chicago da década de 1930 quando Robert Park transferiu as práticas de pesquisa da primeira geração dos antropólogos para as ruas de Chicago (Coulon, 1995). Nesta visão, a pesquisa de campo se referia à observação e à interação com as pessoas “no seu habitat natural”, no lugar específico da ação fora das paredes do laboratório. Era um campo que existia num “lugar” e quando o pesquisador não estava “no lugar”, também não estava “no campo”. O “campo” portanto era onde o pesquisador ia para fazer seus estudos. A próxima fase foi marcada pela retomada das idéias de Kurt Lewin (1952) sobre o campo como a totalidade de fatos psicológicos que não são reais em si, mas são reais porque tem efeitos. Começou-se a incluir os meios de comunicação nos estudos, não como objetos específicos de investigação, mas como componentes do campo; incluiu-se também documentos diversos e abordagens que buscavam acompanhar eventos no tempo em vez de congela-los como numa fotografia instantânea. Na terceira fase, uma preocupação crescente com a intersubjetividade e com a discussão construcionista sobre linguagem e ação levou a uma perspectiva na qual os horizontes e os lugares eram compreendidos como produtos sociais e não como realidades independentes. O “campo” começou a ser visto não como lugar específico, mas como a situação atual de um assunto, a justaposição de sua materialidade e socialidade (Law & Mol, 1995). Nesta ótica, não é o campo que tem o assunto, mas – seguindo Bourdieu (Ortiz, 1983) - é o assunto que tem um campo. No início do segundo semestre de 2002, o Núcleo decidiu discutir de maneira mais sistematizada essas diferentes perspectivas acerca do campo. Ao juntar as conclusões neste texto, pensei que seria interessante iniciar com uma história. Contar histórias faz parte do processo de pesquisa – pelo menos no tipo de Psicologia Social que fazemos no Núcleo – e contar histórias é também uma ação importante na vida cotidiana. Quantas vezes, quando as pessoas querem relatar uma experiência importante, uma inovação ou uma ação social, se sentem mais confortáveis narrando o processo. Quantas vezes quando não sabemos como elaborar o texto de uma investigação recorremos à segurança da expressão: “conte como aconteceu”.

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Contando histórias: o campo da boneca contadora de histórias Nós contamos histórias e nós nos tornamos as histórias que nós contamos. Os contadores e contadoras de histórias nos contam sobre valores, sobre heróis, heroínas, sobre o passado e sobre o presente, para que possamos vir a ser as histórias que são contadas. Seguramos seus aventais, sentamos no chão a seus pés e nos localizamos e posicionamos nas tramas que aí desenrolam. Mas na vida cotidiana há muitos contadores de histórias e, diferente do Pinóquio, não há um grilo falante para dizer quais são as histórias boas e quais são as histórias más; as histórias que devemos ou não devemos acreditar. A fotografia é de uma boneca contadora de histórias (“story teller doll”). Ela tem uns 20 centímetros de altura e está contando uma história para as crianças que estão no seu colo. Ela foi feita por Rose Brown dos Pueblos de San Ildefonso e Cochiti, Novo México, e as estatuetas “contadoras de histórias” são parte da história moderna dos povos indígenas desta região. Muitos dos Pueblos de Novo México têm uma longa tradição de figurinhas de cerâmica, entretanto a boneca contadora de histórias é uma figura contemporânea. Em 1964, um colecionador de artesanato indígena, Alexander Girard, sugeriu à ceramista Helen Cordero, do Pueblo de Cochiti, a inclusão de mais crianças nas figuras de mãe e criança que fazia. Ela pensou muito e eventualmente fez a figurinha de um homem com cinco crianças sentadas no colo e nos ombros. A figurinha foi feita em memória a seu avô Santiago Quintana, um famoso contador de histórias para crianças (Bahti, 1988). A pequena boneca contadora de histórias, portanto, conta histórias e também tem uma história. O meio, como McCluhan (1964) diria, é também uma mensagem. Era uma vez........... que eu não sabia da existência de bonecas contadoras de história. Mas um dia, andando numa pequena cidade nos Estados Unidos, entrei numa exposição de artesanato para ver, ler e conversar. Numa outra ocasião anos depois, entrei em outra exposição, conversei com mais pessoas e finalmente comprei uma pequena boneca contadora de histórias para presentear uma pessoa muito especial que tinha acabada de editar um livro sobre práticas discursivas. Este é um bom lugar para começar a nossa discussão de campo; com o campo das bonecas contadoras de história. Primeiro é claro que não há um campo independente das bonecas contadoras de história; um lugar específico onde você pode ir e dizer “este é o campo das bonecas contadoras de história”. O campo das bonecas contadoras de histórias é um processo contínuo e multi-temático no qual as pessoas e os eventos entram e saem dos lugares, transformando-se em versões e produtos que também são feitos por pessoas e utilizados por pessoas em diálogos que podem ser lentos e distantes, mas mesmo assim acontecem. Por exemplo, a conversa entre ceramista e dono de loja: “Eles gostaram da minha figurinha, talvez eu devo fazer mais”. Ou de alguém que prepara um livro e conversa com os leitores a partir de outras conversas: “Nós não incluímos as histórias sobre a criação do mundo no livro das histórias dos pueblos, porque os lideres religiosos não concordaram; estas histórias são muito centrais para sua visão do mundo e eles não gostam que as suas histórias sejam consideradas uma mera curiosidade ou um divertimento”. Como Mary Jane Spink deixa claro num texto recente, ninguém fala sozinho:

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“Todo enunciado é resposta ao enunciado que o procedeu. Está, portanto, atravessado por dialogicidade. É o que chamamos de interanimação dialógica. Distinguindo-se das unidades de significação da linguagem – as palavras e as sentenças – que são impessoais, não pertencem a ninguém e não são endereçados a ninguém, o enunciado tem tanto um autor (e portanto expressividade) como um destinatário. Este destinatário pode ser um participante-interlocutor imediato que está presente em um diálogo do cotidiano, um coletivo diferenciado de especialistas em alguma área de comunicação cultural específica, um público mais ou menos diferenciado, um grupo étnico, contemporâneos, pessoas de mentalidade semelhante, oponentes e inimigos, um subordinado, um superior, alguém que lhe é inferior, familiar, estrangeiro e daí por diante. E pode ser também um outro indefinido, não concreto”. (MJ Spink 2003, no prelo)

Não há um campo independente das bonecas contadoras de história porque estamos sempre potencialmente no campo das bonecas contadoras de história, mesmo que nossa presença seja quase impossível de detectar; estando nós longe do Novo México, longe dos textos, longe do dia a dia das ceramistas e longe de tudo. Ao contar esta pequena história, uma das muitas que podem ser contadas sobre as bonecas contadoras de histórias, podemos ver como a minha relação com as bonecas contadoras de história mudou, de quase inexistente pra não tão inexistente. De “olhe lá, eu já li algo sobre estas figuras” para “estes são os lugares, livros, pessoas que serão necessários contatar pra aprender mais, pra escutar mais, pra pensar mais, para discutir mais”. Ao relatar, ao conversar, ao buscar mais detalhes também formamos parte do campo; parte do processo e de seus eventos no tempo. Mas quem somos nós? O nós desta história que eu acabei de contar é composto de pessoas presentes e pessoas ausentes, mas também presentes de maneira coletiva. Uma é uma pessoa curiosa que também é psicólogo social. Curiosidade é uma característica social ubíqua do dia a dia e é uma das pedras fundamentais da noção coletiva de mudança; do pressuposto que as coisas podem ser diferentes. Ao relatar, neste texto, uma parte de uma das histórias das bonecas contadoras de histórias, esta pessoa curiosa que também é psicólogo social a entrelaça dentro de um outro campo, o campo do debate sobre a pesquisa em Psicologia Social onde os leitores continuam a conversa tornando – neste processo - as histórias das bonecas contadoras de histórias psicologicamente relevantes. E quando, como psicólogos sociais, fazemos pesquisa, o que fazemos? Argumentamos que um tema, um campo, ou melhor, um campo-tema merece ser estudado, merece nossa atenção como psicólogos sociais. Propomos que é psicologicamente relevante. Há campo-temas que já foram declarados psicologicamente relevantes tantas vezes que corremos inclusive o risco de assumi-los como óbvios - como fatos independentes e autônomos - esquecendo que são construções sociais. Por exemplo, o campo de “meninos e meninas de rua”, o campo das “estereotipias raciais” ou dos “portadores de deficiência” ou do “desenvolvimento comunitário”, da “redução da pobreza”, da “globalização” ou da “exclusão digital”. A identificação do campo, por exemplo, em resposta à questão “sobre o que você está trabalhando?”, não somente o torna psicologicamente relevante, mas também psicologicamente presente. Assim, ao dizer, “estou trabalhando com os múltiplos

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sentidos da criança presente no Estatuto da Criança e o Adolescente”, você está propondo a relevância de um campo-tema e também anunciando seu posicionamento neste campo-tema. O restante é uma questão de lugares de encontro, de opções de engajamento e de possibilidades de diálogo. A única diferença entre nós como pessoas na rua, interessadas em assuntos, buscando fazer experiências para ver se algo dá certo, e nós como psicólogos sociais, é quando tornamos o assunto “disciplinarmente presente”. Veja, por exemplo, as justificativas que podem ser encontradas nas introduções de nossos trabalhos, artigos e teses, quando estamos argüindo a favor da presença e da importância de um campo-tema e nos colocando dentro desse campo, não como indivíduos, mas como parte de um coletivo: “os psicólogos”. Os construcionistas argüiram faz tempo (Ibañez, 2001) que não há nenhuma diferença fundamental entre curiosidade e ciência; e também entre a ciência e os demais saberes e conhecimentos presentes no mundo social. Investigar é uma forma de relatar o mundo e a pesquisa social é tanto um produto social para relatar quanto um produtor de relatos; uma maneira de contar – e produzir - o mundo. A pesquisa nasce da curiosidade e da experiência tomados como processos sociais e intersubjetivos de fazer uma experiência ou refletir sobre uma experiência. Podemos chamá-la de uma experiência disciplinada pelas práticas de uma coletividade, seja esta uma comunidade agrícola, um movimento de parteiras tradicionais ou de bolsistas do CNPq. Agora, qualquer disciplina coletiva – no nosso caso a disciplina dos psicólogos sociais dentro das ciências humanas e sociais - tem seus pontos positivos e negativos, suas contradições e paradoxos (Foucault, 1975). As disciplinas acadêmicas em geral se fundam na boa fé e na esperança de que agem para o bem público. Sem disciplina – entendida como regras, normas e pressupostos, ou limites – não há coletividade; os libertários e os anarquistas também têm sua disciplina, seus pressupostos sobre governança, responsabilidade coletiva e a maneira de conduzir a vida diária. Uma disciplina acadêmica é somente isto: uma disciplina; nem mais ou menos importante, superior ou inferior a qualquer outra prática de análise e discussão instituída. É mais uma maneira de contribuir para o dia a dia. Para qualquer Psicologia Social que assume os argumentos contrucionistas como válidos, a questão da nossa contribuição acadêmica levanta muitas questões morais; aliás, ela é “a” questão moral. Nossa presença no dia a dia de discussão, no debate diário da construção de sentidos e argumentação nos campo-temas, não é automática ou pre-autorizada pelas palavras mágicas “ciência” ou “pesquisa”. Ao contrário é algo que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser negociada e debatida. Isso acontece também no dia-a-dia de qualquer um: “Quem é você, o que quê você tem a ver com isto? ”; “O que quê você pensa? ”; “Olha você tem que falar o que pensa, você está implicado também, isto é parte de sua vida, queira ou não”. Dado que o dia-a-dia e a investigação psicossocial compartilham a mesma fronteira da curiosidade (Kelly, 1955; Garfinkel, 1967), devemos esperar e estar preparados para responder como psicólogos sociais: o que é que nós estamos fazendo, como e aonde? O que temos a ver com o campo-tema; O que estamos fazendo ali? Qual é a nossa contribuição, a nossa parte neste processo? Precisamos aprender que ser parte do campo-tema não é um fim de semana de pesquisa participante e muito menos uma relação de levantamento de dados conduzido num lugar exótico, mas é, antes de mas nada, a convicção moral que, como psicólogos sociais, estamos nesta questão, no campo-tema, porque pensamos que podemos ser úteis.

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Ser útil pode ser algo como o apoio ao debate ou, dado que nenhuma teoria ou argumento viaja por conta própria (Latour, 1987), ajudar os saberes e conhecimentos presentes a viajar para que outros possam conecta-los com outras idéias e possibilidades dentro do processo de coletivização. Pode ser também a contribuição de trazer outras vozes para o debate, de mostrar outras posições e outros argumentos. A contribuição que nós temos pra oferecer é provavelmente diferente em casos diferentes e dificilmente os seus limites e alcances estarão claro para nós. Mas é muito importante que não nos esqueçamos de perguntar: “E daí? Por que isto é importante?”, “Por que estou aqui?”. Tornar algo psicologicamente relevante não é um processo simples e muito menos sem problemas. Há muitos, infelizmente, que consideram que tornar algo psicologicamente relevante é capta-lo; torna-lo parte integral da Psicologia, algo que só nos os psicólogos sabemos ou, muito pior, que só os psicólogos tem a habilidade de resolver. Trata-se de uma escolha ética que precisamos fazer entre possessão ou contribuição; propriedade ou utilidade; de ser um agrupamento de interesses privados ou ser parte da coletividade social. A construção e negociação do campo-tema Se o campo não é um lugar específico, delineado, separado e distante, segue que estamos sempre potencialmente em múltiplos campos. Podemos variar em relação à nossa centralidade no campo, mas as matrizes do campo estão sempre presentes; sempre temos acesso – pelo menos de maneira subordinada e tática (Certeau, 1994) – a uma parte das conversas e ações que o produzem e reproduzem. É esta potencialidade de movimento do pesquisador ou pesquisadora, ou de qualquer pessoa como parte do campo, que mostra não somente as possibilidades, mas também as restrições de acesso aos espaços chaves de argumentação e debate. Campo, entendido como campo-tema, não é um universo “distante”, “separado”, “não relacionado”, “um universo empírico” ou um “lugar para fazer observações”. Todas estas expressões não somente naturalizam mas também escondem o campo; distanciando os pesquisadores das questões do dia a dia. Podemos, sim, negociar acesso às partes mais densas do campo e em conseqüência ter um senso de estar mais presente na sua processualidade. Mas isso não quer dizer que não estamos no campo em outros momentos; uma posição periférica pode ser periférica, mas continua sendo uma posição. O campo-tema, como complexo de redes de sentidos que se interconectam, é um espaço criado - usando a noção de Henri Lefebvre (1991) - herdado ou incorporado pelo pesquisador ou pesquisadora e negociado na medida em que este busca se inserir nas suas teias de ação. Entretanto isso não quer dizer que é um espaço criado voluntariamente. Ao contrário, ele é debatido e negociado, ou melhor ainda, é argüido dentro de um processo que também tem lugar e tempo. Mesmo quando herdamos um campo-tema ou usamos termos que presumimos como legítimos, por exemplo, o campo dos movimentos sociais de HIV/aids, continuamos a negocia-lo através dos argumentos sobre a sua importância como tópico.

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Campo portanto é o argumento no qual estamos inseridos; argumento este que têm múltiplas faces e materialidades, que acontecem em muitos lugares diferentes. Os lugares – por exemplo uma aldeia de pesca – fazem parte do campo tanto quanto as conversas (Ribeiro, 2003). Uma aldeia de pesca pode ser um dos lugares onde um argumento está presente, parte de um campo-tema de conflitos sobre saberes e de opções de desenvolvimento; mas haverá muitas outras. Entramos nesses lugares quando entramos no debate sobre o conflito de saberes e sobre opções de desenvolvimento e não quando entramos na aldeia; a aldeia é somente uma parte da territorialidade do campo-tema. Igualmente podemos estar na mesma aldeia por outras razões, por exemplo para discutir sobre partidos políticos, práticas de saúde ou turismo. Nada acontece num vácuo; todas as conversas, todos os eventos, mediados ou não, acontecem em lugares, em espaços e tempos, e alguns podem ser mais centrais ao campo-tema de que outros, mais accessíveis de que outros ou mais conhecidos de que outros. Algumas conversas acontecem em filas de ônibus, no balcão da padaria, nos corredores das universidades; outras são mediadas por jornais, revistas, radio e televisão e outras por meio de achados, de documentos de arquivo e de artefatos, partes das conversas do tempo longo presentes nas histórias das idéias. Alguns até podem acontecer com hora marcada, com blocos de anotações ou gravadores. Entretanto, esses lugares não são contextos; os blocos de anotações, os gravadores, o ônibus, a padaria, a universidade, os jornais, o rádio, os documento, os achados e artefatos são, como materialidades, também partes das conversas. O social, para usar a teoria de actor- network (Latour & Woolgar, 1979, Latour,1987 e Law & Hassard 1999) não é independente das matérias e nem é dependente delas; ao contrário, o social é produzido por e simultaneamente produz “redes de materiais heterogêneos” (Law & Hetherington, 2001) incluindo pessoas, textos, técnicas, falas, máquinas e conceitos. A conversa e o bloco de anotações não são acontecimentos independentes; o bloco de anotações é também parte da conversa, ele também é constitutivo, como também é o consentimento informado em pesquisa social (Menegon, 2003). Quando falamos sobre a boneca contadora de histórias, argüimos que é possível pensar num campo de interesses em termos de discussões que envolvem a boneca contadora de histórias e argüimos que talvez isto seja útil. Também é provável que, em certos lugares do Novo México, há outras conversas, mais densas, e eventos importantes para a compreensão desta processualidade onde podemos escutar e ampliar as vozes que são mais ativas na construção da boneca e sua materialidade. Mas isso não quer dizer que o campo é lá. O campo para a Psicologia Social, para repetir, começa quando nós nos vinculamos à temática...o resto é a trajetória que segue esta opção inicial; os argumentos que a tornam disciplinarmente válida e os acontecimentos que podem alterar a trajetória e re-posicionar o campo-tema. Quando falamos em negociar falamos em processos que são multidirecionais. Processos que podem ser iniciados em qualquer momento e por qualquer parte, pessoa ou acontecimento. Muitos de nós tivemos a experiência de iniciar uma investigação no ponto A e terminar no ponto J, com uma questão diferente ou um outro ângulo que foi sugerido de alguma maneira por aquilo que aconteceu durante a investigação. Às vezes foram os próprios acontecimentos; às vezes foram os horizontes que abriram e fecharam; às vezes terminamos porque é um bom momento, porque não é possível avançar muito mais ou porque os caminhos estão fechados.

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A boneca contadora de histórias é ao mesmo tempo uma história social e um artefato. Não são “os termos em que o mundo é conhecido”(Gergen, 1985), os únicos artefatos sociais que interessem os psicólogos sociais construcionistas. Também estamos interessados nos seus produtos. Todos os artefatos são sociais: não somente os termos, mas também as terminologias e as múltiplas construções históricas cujas materialidades são parte do dia a dia. Caminhos, automóveis, casas, máquinas, computadores podem parecer ser os artefatos técnicos de um mundo objetivo, mas sua materialidade é construída em falas, às vezes consensualmente e às vezes – muitas vezes – não. Para a Psicologia Social, o passado está sempre no presente por de sua contribuição constante aos textos múltiplos do polissêmico dia-a-dia. Não há dúvidas de que os produtos materializados de nossos debates e argumentos doem e matam, mas nós não podemos culpar mais ninguém por sua presença. A pólvora, por exemplo, foi utilizada durante séculos para produzir fogos de artifício para o divertimento de crianças e adultos, bem antes de virar um armamento. Em meados do século dezessete, o mar era visto como ameaçador; suas tempestades eram assustadoras e algo e a ser evitado a tudo custo. As aldeias que dependiam do mar para a sua sobrevivência eram construídas voltadas para a terra, de costas para o mar. O mar é o mesmo no século vinte e um, nem mais nem menos tumultuoso; mas agora é o foco de lazer, repleto de sentidos de prazer e as cidades são construídos de frente para o mar (Corbin, 1994). O passado está no presente pelas muitas falas e em tempos diferentes. Essas não são homogêneas, mas heterogêneas; às vezes são consensuais às vezes conflitivas. Diferentes regras institucionais, construídas em momentos diferentes, podem fazer com que nossa vida diária pareça confortável e inevitável, mas nós não necessariamente as seguimos e quando as seguimos, nem sempre o fazemos de maneira cega. É a presença simultânea, conforme argumentou Bloch (1977), de diferentes repertórios de análise e de argumentação que permite que aquilo que é visto às vezes como inevitável (ou dominante) seja derrubado. Nossas categorias são sociais, mas é um social denso e aberto às contradições de versões alternativas. Os processos hegemônicos e a coletividade como intelectual orgânico não são forças separadas, organizadas confortavelmente em espaços diferentes e distintos de ação. Ao contrário, eles estão presentes na cacofonia e polifonia das falas situadas, dos artefatos e das materialidades dos lugares (Spink, 2001a, b). Esta noção mais ampla de campo-tema como debate constante e sem limites ou fronteiras, tem muitos pontos de intersecção com a noção de “matriz” utilizada por Ian Hacking (1999):

As idéias não existem no vácuo, habitam situações sociais. Vamos chamar isto a matriz dentro na qual uma idéia ou conceito é criado....... A matriz dentro da qual a idéia de mulher refugiada é formada é um complexo de instituições, ativistas, artigos de revista, advogados, decisões jurídicas, procedimentos imigratórios. Para não falar da infra-estrutura material, barreiras, passaportes, uniformes, balcões de aeroporto, centros de detenção, tribunais e os campos para crianças refugiadas. Você pode querer considerar estes como sociais porque seus sentidos são o que são importantes para nós, mas são materiais e sua materialidade faz uma diferença substantiva para as pessoas. Igualmente, as idéias sobre mulheres refugiadas afetam o ambiente material (porque mulheres refugiadas não são violentas e não há necessidade de armas, mas há uma grande necessidade de papel, papel, papel)... (Hacking, 1999 p.10)

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A noção de matriz chama a atenção para o lugar como sendo constitutivo de falas e conversas, incluindo a conversa em sua materialidade. As pessoas não são iguais e onde elas falam, como elas falam e quando elas falam são partes mutuamente constitutivas (Harraway, 1995). Acontecimentos sociais não acontecem, eles têm lugar. A materialidade é social; ela é produzida em fala, sua existência é argüida e a fala continua dentro e em volta dela. A materialidade tem também as características de um meio na medida em que permite conversas com outros lugares e tempos. Por exemplo, para ter uma noção de “caminho” é necessário ter uma noção de onde e para onde; por exemplo – “o caminho do mar”. Para ter um caminho público é necessário ter uma noção de propriedade coletiva distinta da privada. O caminho do interior para São Paulo numa determinada época não era um caminho como a Rodovia Anhanguera de hoje. O caminho ia de fazenda para fazenda, dentro das fazendas, e era necessário alguém ir à frente, negociando acesso. Hoje temos estradas públicas de mão dupla, pedágio, ônibus, gasolina, pneus e congestionamento de fins de semana na época dos feriados. Na Europa de hoje, as grandes estradas seguem os traçados elaborados pelo Império Romano, obedecendo ao princípio do que o caminho mais rápido entre dois pontos é uma linha reta, e materializando nos seus traçados a hegemonia presente na expressão “todos os caminhos levam a Roma”. Nos mesmos moldes, a internet, documentos, artefatos de todos os tipos podem também ser partes do campo, maneiras de aumentar a nossa capacidade de diálogo. Jornais, por exemplo, são somente uma parte do processo social complexo da “publicidade”, no seu sentido de tornar público (Habermas, 1984). O documento público não é um mero registro, ele é parte do processo; ele é materialidade e não matéria, parte de um diálogo lento, tal como também são as estradas e caminhos. Visitando o Professor Lewin Esta interação entre uma Psicologia Social puramente social e uma Psicologia Social que incorpora a construção das materialidades também incorpora alguns elementos do trabalho de Kurt Lewin. Sem dúvida a noção de campo em Bourdieu é também importante, mas talvez com Bourdieu os vínculos mais fortes estão com a noção de hábitus (Ortiz, 1983) porque a noção de campo em Bourdieu tem um alcance maior do que um campo-tema, se referindo a um número de campo-temas dentro da estrutura de classes. Na área da Ciência Política a noção de “advocacy coalitions” (Sabbatier e Jenkins Smith, 1993) utiliza a idéia das redes e conexões, coalizões que advogam e formam os contornos da política pública, também com paralelos à noção de matriz. Entretanto é com Lewin que temos provavelmente o maior débito histórico, especialmente por causa de sua ruptura com o conceito clássico de um campo distinto e objetivo. Esta é a introdução que Dorwin Cartwright fez à teoria de campo de Lewin na coletânea publicada após da sua morte (“Teoria do campo nas ciências sociais” – Lewin, 1952):

“Todo comportamento é concebido como uma mudança, de alguma forma, de um campo num determinado tempo. Ao tratar da Psicologia Individual o campo dentro do qual o cientista tem que trabalhar é o "espaço de vida"do indivíduo. O espaço de vida consiste da pessoa e o ambiente psicológico que existe para ele. Ao lidar com a Psicologia de

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Grupo ou a Sociologia, uma formulação similar é proposta. Nós podemos falar do campo dentro do qual o grupo ou a instituição existe com exatamente este mesmo sentido, o espaço de vida do grupo consiste do grupo e o seu ambiente como existe para o grupo.”

Na expressão “como existe para o grupo” (as it exists for the group), encontramos a resolução pragmática de Lewin para a questão da existência, que ele formulou de maneira geral na expressão: “o que é real é que tem efeitos” (what is real is what has effects. Lewin, 1936 p.19). Para Lewin, a teoria de campo não era uma teoria, mas um método de analisar relações causais e construir conceitos; de trabalhar com a noção de que qualquer evento é o resultado de múltiplos de fatores. Sua concepção de que “qualquer comportamento ou mudança no campo psicológico depende somente do campo psicológico naquele tempo”, também, introduziu uma perspectiva complexa sobre o tempo (o presente, o futuro no presente e o passado no presente), uma noção de processualidade e também a necessidade de trabalhar no nível tanto macroscópico quanto microscópico, incluindo o que ele chamou de “unidades situacionais” (que aproxima o terreno de médio alcance).

“Temos que conceber a vida do grupo como o resultado de constelações específicas de forças dentro da conjuntura (setting) mais ampla.... o campo como um todo, incluindo seus componentes psicológicos e não “psicológicos” (Lewin, 1952 p .174)

Lewin discutiu a relação entre os espaços psicológicos e não-psicológicos a partir de três noções: o espaço de vida psicológico (ou o equivalente em termos do grupo, instituição ou comunidade); o reconhecimento de que há múltiplos processos no mundo físico e social que não afetam o indivíduo (ou grupo, instituição ou comunidade) neste momento de tempo; e a zona fronteiriça, onde certas partes do mundo físico e social podem afetar o estado do espaço de vida do indivíduo, grupo, instituição ou comunidade naquele momento. Por exemplo, a comida que está atrás da porta não afeta o espaço de vida da pessoa, a não ser que a pessoa saiba o que está lá, ou saiba que a porta é a do armário da cozinha onde são guardados os biscoitos. A noção de zona fronteiriça chama atenção para os horizontes e às maneiras pelos quais horizontes podem ser ampliados ou reduzidos, por exemplo, no processo de exclusão ou inclusão social (Camarotti & Spink, 2000; Spink, 2003) e como as “portas” da vida cotidiana podem ser igualmente abertas ou fechadas, conhecidas ou escondidas. “Amanhã”, como lugar no tempo e espaço, é uma coisa para alguém que tem uma agenda de atividades; que recebe por mês e que trabalha regularmente de segunda a sexta. Amanhã não é o mesmo para alguém que não tem agenda, que não tem emprego e que não sabe o que vai acontecer - amanhã. Lewin discute a questão da zona fronteiriça num pequeno, mas brilhante, trabalho sobre “Psychological Ecology”(Lewin, 1952) :

Qualquer tipo de vida de grupo ocorre numa situação com certos limites; limites daquilo que é possível e que não é possível e que pode ou não acontecer. Os fatos não psicológicos de clima, de comunicação, as leis do país ou da organização são partes freqüentes destas limitações externas. A primeira análise do campo é feita do ponto de vista da “ecologia psicológica”, o psicólogo estuda os dados “não-psicologicos” para descobrir o sentido dos dados em determinar as condições da vida do indivíduo ou grupo.

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Somente depois que estes dados são conhecidos, é que o estudo psicológico pode começar a investigar os fatores que determinam a ação [..] naquelas situações demonstradas como significativas” (p.170)

Lewin fala a partir de uma perspectiva subjetiva, mas é uma subjetividade social, mesmo quando ele discute o indivíduo. “Por que as pessoas comem o que comem?”. Esta foi a pergunta inicial do estudo que serviu como foco para a sua discussão de Psicologia Ecológica. “Porque está na mesa!”, veio a resposta. A não ser nas famílias mais ricas, a comida que se come é a comida que está na mesa ou seu equivalente. A questão, de fato, é outra: descobrir como a comida - e qual comida - chega à mesa. Para entender como a comida chega à mesa é necessário analisar os múltiplos canais, portas e porteiras, dentro dos quais os componentes e os sentidos práticos da refeição estão sendo construídos, incluindo tradições, panelas, mercados, produtos e práticas sazonais. Buscando uma perspectiva de médio alcance, Lewin chegou muito perto da noção de matriz; especialmente quando focalizou o espaço de vida do grupo, da instituição e da comunidade. Se voltarmos agora àquele campo objetivo, distinto e empírico, herdado da antropólogia e tornado local pela Sociologia da Escola de Chicago, percebemos a importância da mudança introduzida por Lewin. O campo é o método e não o lugar; o foco está na compreensão da construção de sentidos no espaço de vida do indivíduo, grupo, instituição ou comunidade. Percebemos também com mais clareza a importância do movimento introduzido por Hacking ao desfocar o indivíduo, grupo, instituição ou comunidade e focar o tema. Campo é o campo do tema, o campo-tema; não é o lugar onde o tema pode ser visto – como se fosse um animal no zoológico – mas são as redes de causalidade intersubjetiva que se interconectam em vozes, lugares e momentos diferentes, que não são necessariamente conhecidos uns dos outros. Não se trata de uma arena gentil onde cada um fala por vez; ao contrário, é um tumulto conflituoso de argumentos parciais, de artefatos e materialidades. A investigação em ação Quando fazemos o que nós chamamos de pesquisa de campo, nós não estamos “indo” ao campo. Já estamos no campo, porque já estamos no tema. O que nós buscamos é nos localizar psicossocialmente e territorialmente mais perto das partes e lugares mais densos das múltiplas interseções e interfaces críticas do campo-tema onde as práticas discursivas se confrontem e, ao se confrontar, se tornam mais reconhecíveis (Long, 2001). Para fazer isso, não há métodos bons ou ruins; há simplesmente maneiras de estar no campo-tema, incluindo a poltrona da biblioteca. Método, nada mais é de que a descrição do “como”, “onde” e “o que”. O escritor inglês Rudyard Kipling, escreveu em 1902: “Eu mantenho seis serviçais honestos que me ensinaram tudo que sei; seus nomes são “o que” , “por que” e “quando”, e “como ”, “onde” e “quem”. (“I have six honest serving-men,(they taught me all I knew), their names are What and Why and When, and How and Where and Who” – The Elephant´s Child, Just So Stories). Ao abrir a noção de método desta maneira, aumentamos e não diminuímos a nossa obrigação de entender as conseqüências de nossa presença no campo-tema. O campo-

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tema não é um aquário que olhamos do outro lado do vidro; é algo do qual fazemos parte desde o primeiro momento em que dissemos, “estou trabalhando com........”. A investigação em ação, portanto, se refere à ação da investigação; sua localização como parte do tema. Conversar sobre o que entendemos, ampliar argumentos, narrar e publicar o que parece importante narrar ou publicar, não são atividades eventuais e opcionais. Estamos no campo-tema porque disciplinarmente achamos que podemos ser úteis e é sempre bom lembrar que, ao contrário da posição confortável da separação de problema e solução na famosa frase atribuída ao Lenin – se somos parte da solução, provavelmente somos também parte do problema.

Lugares, eventos, pessoas, rostos, artefatos, documentos, impressões, recortes, anotações, lembranças, fotos e sons em partes e em pedaços (muitos pedaços); um confronto de saberes uma negociação de sentidos numa busca de ampliar possibilidades de transformar práticas. Só o mal avisado pode pensar que isso é uma atividade neutra. Por exemplo, ao tirar fotos de mulheres na zona rural e construir uma parede de fotos no lugar onde não tem espelhos e muito menos vitrines, o que fazemos é dialogar; com a identidade urbana e a identidade rural, com a feminilidade, a família, a beleza, as questões de gênero. Dialogamos porque estamos onde estamos, não só fisicamente, mas sócio e psicologicamente. Não há dados nas nossas investigações porque não há fatos empíricos esperando pacientemente e independentemente para serem interpretados. Transformar o agir do outro em “dados” é desqualificar sua presença e reduzi-lo, como Garfinkel (1967) argumentou, ao status de um “idiota social”, ou pior, ao status de uma mercadoria onde a mais valia acadêmica rouba-lhe a sua competência na construção diária da desigualdade. Não há dados, mas há, ao contrário, pedaços ou fragmentos de conversas: conversas no presente, conversas no passado; conversas presentes nas materialidades; conversas que já viraram eventos, artefatos e instituições; conversas ainda em formação; e, mais importante ainda, conversas sobre conversas. Não há múltiplas formas de coleta de dados e, sim, múltiplas maneiras de conversar com socialidades e materialidades em que buscamos entrecruza-las, juntando os fragmentos para ampliar as vozes, argumentos e possibilidades presentes. Narrando: a dissertação assume uma forma A ciência tem suas maneiras de narrar e é também ela uma maneira de narrar. Há muitas outras maneiras de narrar com a mesma utilidade: por exemplo, o narrar da experiência ou o narrar da tradição. Muito daquilo que chamamos Ciência, especialmente a Ciência Social e a Psicologia Social, é a re-textualização do outro; o re-narrar do já narrado. O re-narrar acadêmico é um narrar de maneira escrita do narrar oral, da conversa, da visita, do material, da materialidade, dos achados e perdidos. A linguagem acadêmica não tem nenhum direito a priori de dominar as demais formas de expressão, porque não há um saber ou um conhecimento que engloba os demais. Ao contrário, há múltiplos saberes e há também múltiplos conflitos entre as epistemologias tradicionais e as da modernidade científica; sem falar nos saberes do senso comum, que fazem de conta que não são saberes (Geertz, 1983). Os saberes são processos sociais e coletivos e a pesquisa em Psicologia Social também é um processo social e coletivo;

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um processo no qual somos considerados membros competentes como também somos membros competentes de outros processos e outros saberes. Os saberes são diferentes e deconstruir a Psicologia Social desta maneira não é destrui-la. Ao contrário, é coloca-la com os pés de volta no chão, no lugar dos lugares junto com os demais saberes. Ao narrar os nossos trabalhos precisamos não somente construir um diálogo entre o campo-tema e os nossos colegas psicólogos sociais; mas também um diálogo para outras pessoas que não sejam nem do campo-tema e nem da Psicologia Social, mas também podem se vincular à questão em discussão. No lugar dos lugares, a transparência das contribuições diferentes é a base da coletividade. Se o processo de pesquisa não é um processo de achar o real ou uma investigação para descobrir a verdade mas, ao contrário, é uma tentativa de confrontar, entrecruzar e ampliar os saberes, precisamos também buscar meios e formas de narrar e veicular nossos estudos que incluem e não excluem; que apóiam os debates e não afastam e excluem os debatedores. Se sabemos que uma dissertação ou tese precisa ser re-escrita para se tornar um livro que é agradável para ler, onde está o problema: com a tese ou com o livro? Sem dúvida nossos estilos acadêmicos de narrar estão ainda muito presos aos pressupostos científicos pre-construcionistas e precisamos estar preparados para abrir mão da estrutura e estilos convencionais das dissertações, teses, artigos e apresentações quando estes não ajudam a construir um dialogo inicial entre o campo-tema e as demais pessoas direta ou indiretamente presentes - incluindo os não-presentes-mas-presentes-nas-narrativas. Podemos olhar para outras disciplinas para ver outras soluções possíveis, não somente as Ciências Humanos e Sociais mas também nos meios artísticos e literários. Precisamos, ainda, estar preparados para discutir como negociamos nossa presença nas diferentes partes da matriz do campo-tema e como lidamos com a questão ética nos lugares onde fomos e nas conversas que tivemos; de descrever o que fizemos e como fizemos de maneira compreensível para todas as pessoas direta ou indiretamente presentes. Precisamos lembrar que psicólogos e psicólogas sociais são, antes de mais nada, seres sociais.............

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Redes Solidárias, Autogestão e Solidariedade (Apresentação para o XII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social - ABRAPSO Porto Alegre, 2003. A ser publicado pela Editora da PUC-RS) Quando recebi o convite dos organizadores de nosso encontro para participar desta mesa sobre a temática de redes solidárias, autogestão e solidariedade, tenho que ser honesto e sincero e dizer que foi um momento de prazer e preocupação ao mesmo tempo. Prazer porque foi um estímulo para organizar uma série de reflexões sobre estes temas e de ouvir e ler muitas pessoas a respeito; desde já quero agradecer os membros do núcleo de organização e ação social da PUC-SP que muito participaram destas discussões com suas idéias, dissertações e teses. Mas também foi um momento de preocupação, porque a discussão sobre as redes solidárias, a autogestão e a solidariedade faz parte da busca de alternativas em torno de uma economia mais solidária num lugar sócio e economicamente confuso e contraditório chamado “Brasil”. País este cujo perfil atual é bem resumido na seguinte frase de um relatório internacional (Banco Mundial 2003): a América Latina é talvez o continente mais desigual no mundo e o Brasil é o país mais desigual deste continente. A preocupação vem do tamanho do desafio que esta frase representa e com a nossa capacidade coletiva de resposta. Será que a psicologia social concebida como um ramo da psicologia, tem a capacidade e competência de contribuir efetivamente para modificar e transformar esta situação? Quero levantar a possibilidade que a psicologia é cada vez mais irrelevante para os nossos trabalhos, seja nas suas vertentes ortodoxas ou críticas. Precisamos, talvez, concentrar nossos esforços na construção de uma outra psicologia social, esta vez entendida como disciplina acadêmica ; posição também compartilhada por outros e reforçada por ninguém menos do que Serge Moscovici poucas semanas atrás em São Paulo. . Desigualdade, exclusão social e pobreza Espero, honestamente, que ninguém aqui precisa ser informado sobre a situação no país, mas também penso que é sempre bom lembrar algumas das características das múltiplas desigualdades e pobrezas dentro de um pano de fundo geral de exclusão social. Em outras palavras, o tamanho do desafio. Em termos de distribuição de renda, os 10% mais ricos da população Brasileira concentram quase 50% de toda a renda do país; ficando o noventa porcento restante com a outra metade. Na outra extremidade, os 10% mais pobres são donos de somente 1% da renda. Há entre nós, pelo menos 50 milhões de pessoas vivendo com renda familiar per capita de menos de 80 reais por mês; quer dizer pelo menos 30% da população. São somente 15% das famílias brasileiras que tem uma renda familiar de

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mais de quatro mil reais – suficiente para entrar no mercado de bens de consumo e interessar o capitalismo internacional. A taxa de desemprego nas grandes cidades brasileiras está atualmente variando entre 15 e 20% em cidades como Porto Alegre, São Paulo, Belo horizonte, chegando até quase 30% em Salvador. Entretanto estas porcentagens são médias. Se as abrimos em relação a gênero, descobrimos que a taxa de desemprego das mulheres é maior do que dos homens e se abrimos em termos de etnicidade, descobrimos que os níveis de desemprego entre a população negra são maiores do que entre a população branca. Alias é necessário – até obrigatório – num país com tal grau de desigualdade como o Brasil, olhar com bastante suspeita qualquer estatística apresentada em termos de uma média populacional geral. Por exemplo, não há duvida que a mortalidade infantil para menores de cinco anos tem diminuído no país. Mas não podemos esquecer, que as crianças que nascem nos 20 porcento das famílias mais ricas, têm entre três a cinco vezes mais possibilidade de sobrevivência nos seus primeiros cinco anos, do que as crianças que nascem nos vinte porcento de famílias mais pobres. Alfabetização é um outro grande jogo de esconde-esconde, culpado por tudo e constantemente refém do jogo dos indicadores. Pergunto: o que adianta dizer que a taxa de analfabetismo tanto para homens quanto para mulheres já baixou para 13% quando a variação entre a zona urbana e a zona rural é de três vezes e a variação geral entre as regiões e de quatro vezes; ou seja, de 7% até 26% na média geral. Igualmente pergunto, o que adianta falar em alfabetização sem lembrar os argumentos de Paulo Freire (2001) que aprender a ler e escrever era somente necessário porque o acesso ao poder, às oportunidades e aos processos de transformação no nosso tipo de sociedade tornou tais competências essenciais. A habilidade de por em prática a leitura e a escrita para melhorar suas condições de vida é chamado pela UNESCO de analfabetismo funcional. Não poder agir efetivamente num mundo de formulários e documentos é o dia a dia de 30% de brasileiros; vinte quatro porcento na zona urbana e cinqüenta e quatro porcento na zona rural. Em termos regionais estas porcentagens chegam até quase 90% em algumas áreas rurais; condições perfeitas para a atuação dos gatos do trabalho escravo. Podemos continuar com mais e mais estatísticas, sobre a segurança pública, sobre a habitação, mas prefiro terminar com somente duas. O primeiro vem de um excelente estudo recente da Fase no Rio de Janeiro sobre Novos Marcos para Relações Raciais (FASE 2003). Utilizando os dados do censo e outras fontes, buscaram recalcular o IDH para três Brasis. O primeiro é o Brasil geral, o Brasil da média, que ocupa o septuagésimo nono lugar no mundo. O segundo é o Brasil Branco, que ocupa o quadragésimo nono lugar e o terceiro é o Brasil negro que ocupa o centésimo oitavo lugar (quase sessenta lugares mais para baixo). O segundo vem de nosso trabalho no programa Gestão Pública e Cidadania na Fundação Getulio Vargas de São Paulo onde desde 1996 estamos trabalhando na identificação e disseminação de iniciativas de governos subnacionais brasileiros (estados, municípios e os governos próprios dos povos indígenas), que não somente melhoram os serviços públicos mas geram um impacto positivo na construção da cidadania. Até hoje temos mais de seis mil experiências registradas oriundas de quase 800 municípios, além de estados e muitos dos povos originários. Ao olhar estas

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experiências, vemos que são provenientes de municípios de todos os tamanhos, de todas as partes do País; de partidos políticos os mais variados e sobre tópicos e questões que se colocam no dia a dia da vida local. Podemos falar de municípios onde entre 75% - 90% da população está sendo atendida nos seus domicílios pelas equipes de saúde local; onde questões complicadas como violência contra a mulher, geração de emprego e renda, recuperação ambiental e muitas outras estão sendo trabalhadas com bastante criatividade. Há trabalhos que interconectam gerações; outros que interconectam saberes e muitos que simplesmente conectam pessoas e começam a resolver os problemas do dia a dia. A psicologia social e os psicólogos sociais Sem dúvida há psicólogos e psicólogos sociais que entendem as implicações destes dados e há também psicólogos e psicólogos sociais participando numa parte das mais de 6,000 experiências diferentes. O problema do desafio não é falta de ativismo, como as presenças em dois eventos bem demonstram. O primeiro foi o I Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão organizado em São Paulo pelo Fórum das Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira, que contou com dez mil pessoas entre psicólogos atuantes, professores e estudantes e mais de 2500 trabalhos apresentados e discutidos. O segundo é este nosso encontro da ABRAPSO, que não para de crescer com mais de 2,000 trabalhos diretamente relacionados às questões sociais da atualidade. Então, por que eu devo ficar preocupado? Estou preocupado porque tenho dúvida se as ações sendo elaboradas como reação ao desafio que as estatísticas delineiam, estão acontecendo porque os psicólogos e psicólogas sociais estão desenvolvendo conceitos, idéias e práticas que aumentam coletivamente a sua capacidade contributiva; ou porque eles e elas são pessoas – como qualquer outra – que são capazes de se envolver nos problemas do cotidiano, utilizando para isso nada mais do que os saberes do dia a dia e um senso forte de “solidariedade”. A segunda possibilidade não é, a priori, um problema. Milhares de pessoas fazem isso todos os dias ao redor do mundo sem nenhuma preparação ou titulação acadêmica. A prática de solidariedade é uma conseqüência da vida em comunidade. Entretanto esperamos, imagino, que os campos de conhecimento acadêmico servem para uma contribuição adicional, agregando mais saberes aos saberes existentes, ajudando a ampliar as possibilidades de uma vida digna. Se não, o que estamos fazendo aqui? No caso de um campo de conhecimento, podemos até escolher agir propositadamente a partir da prática porque assumimos uma postura específica de pesquisa-ação participativa em relação à construção de saberes e conhecimentos. Mas mesmo assim, haverá momentos de debate, de consolidação de idéias sobre ação com um retorno para as múltiplas comunidades envolvidas. Temo, entretanto, que os “psicólogos enquanto pessoas” estão utilizando suas habilidades práticas mundanas, fazendo “o que bem entendem de maneira sincera” porque a psicologia e a psicologia social são incapazes de fazer uma contribuição efetiva. Sem dúvida, alguém pode argüir que, tanto faz, tudo acaba sendo útil de alguma maneira. Entretanto não estamos tratando dos processos aleatórios de partículas subatômicas ou do caos criativo do universo, mas de pessoas. Me parece que, enquanto

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grupo acadêmico-profissional, temos uma obrigação moral de sermos muito claros sobre o que fazemos e como fazemos diante do desafio que eu deliniei no início, porque se não tomamos muito cuidado há uma grande probabilidade que acabaremos por reproduzir as próprias práticas de desigualdade e de exclusão. O mundo não se divide facilmente entre o bem e o mal e se somos parte da solução podemos facilmente virar parte do problema também. A mais valia da pobreza Gostaria de aprofundar este ponto, voltando no tempo para o ano 1965 quando Saul Alinsky foi convidado a escrever um artigo na revista Norte Americana “Social Issues” da Society for the Psychological Study of Social Issues – a ABRAPSO de lá. Alinsky foi um ativista que iniciou seu trabalho em Chicago durante a década de 1930 e criou a expressão “organizações de base popular”(peoples organizations) para se referir às organizações autóctones e independentes cuja capacidade de pressão era essencial para tornar a democracia mais substantiva. Mestre das táticas de pressão, Alinsky foi mentor, entre outras, de pessoas como Cesar Chaves – o líder dos trabalhadores migrantes na Califórnia (Horwitt, 1989). O convite foi para comentar sobre o principal programa de política social da época nos Estados Unidos : a guerra contra pobreza do partido democrata. Cito parte da introdução, que não é nada gentil:

Ouvi uma voz alta que proclamava da Casa Branca. ‘Enfim a Grande Sociedade chegou aos homens. Eles passarão a viver decentemente e com dignidade. A Grande Sociedade apagará a pobreza; haverá um fim à guerra, e à discriminação e falta de cuidado médico e desemprego; pois a velha ordem chegou ao fim [...] O programa de combate à pobreza foi lançado publicamente embrulhado com uma nobreza de propósito embora com uma certa dedicação que cheirava a falsa piedade. A não ser que ocorram mudanças drásticas quanto à direção, razão e administração, o programa de combate à pobreza pode muito bem vir a ser o pior erro político e bumerangue da presente administração. Se alguma vez existiu um programa que demandasse uma administração agressiva, partidária e sem medo de controvérsias, este programa é o da pobreza. É necessário que um programa do tipo tenha como argumento que pobreza inclui pobreza de poder, além de pobreza econômica. Já vimos isto na luta por direitos cívicos, além da luta por empregos.[...] [....]Hoje, o programa de combate à pobreza emerge como uma enorme oportunidade de enriquecimento político [......] Em cidade após cidade, encontramos a Prefeitura sentada em cima da pilha de fundos destinados à pobreza. Seus Comitês para a Oportunidade Econômica têm uma maioria de funcionários pagos ou fiéis ao partido. Estes seguem uma política de identificação para definir programas positivos e negativos, e líderes comunitários positivos e negativos. A distinção é simples. Positivo significa fazer o que a Prefeitura manda, manter-se na linha, ser “responsável” (à Prefeitura, é claro). Negativo significa ter um comportamento não-ortodoxo; ser tão subversivo a ponto de pensar por conta própria, colocar como prioridade primária os moradores de sua comunidade, ser independente e irreverente em relação à Prefeitura [...] [....] Estes fundos para a pobreza são usados então para sufocar lideranças militantes independentes e organizações de ação que têm surgido para dar aos pobres a sua cota de poder. Isto é, a organização dos próprios pobres para que possam tomar o seu lugar correto e legítimo na cena pública...

Espero que ninguém aqui seja tão anti-americano ou igualmente tão ufanista para imaginar que isso não pode acontecer aqui. Pode e acontece.

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A reprodução da desigualdade O problema para o qual Alinsky aponta não pare somente no lado político mas continua em relação aos gastos em si, é o que alguns de nós temos chamado a “mais valia” da pobreza; o equivalente no campo social da indústria da seca. Se você ainda tem dúvida se pode acontecer aqui, é só lembrar os muitos artigos que saem nos cadernos de emprego e nas revistas semanais sobre as grandes oportunidades de emprego no terceiro setor; ou refletir sobre as somas de dinheiro gastos em programas de capacitação. “Gastos”, quer dizer, pagas para os professores e agentes profissionais de desenvolvimento. Nem a boa vontade, e muita menos a cultura acadêmica, são garantias de uma ação moralmente coerente; não há um ISO 9000 de contribuições sociais. Precisamos perguntar, de maneira simples e honesta, se estamos usando ao máximo a potencialidade deste matrix social que é uma disciplina acadêmica, na busca das idéias, práticas, conceitos e, quem sabe, até de teorias que aumentam a nossa capacidade de ajuda; que ampliam as possibilidades de transformação. A centralidade da comunidade Podemos olhar isso a partir de uma das questões subjacente ao tema desta mesa – a discussão sobre comunidade feita na filosofia moral. Presente entre os gregos, a temática volta com força no final do período medieval onde aparece na discussão sobre liberdade, governo e estado quando, como argumenta o historiador de ideais Quentin Skinner (1998), a liberdade vai perder terreno para o liberalismo e a discussão sobre autogoverno vai perder lugar para o Estado-Nação. Ainda hoje é uma asserção fundamental do liberalismo que a comunidade é o produto da associação de indivíduos independentes, e que o valor dessa comunidade deve ser estimado pela justiça dos termos segundo os quais esses indivíduos se associam (esta, por exemplo, é a posição de John Rawls no livro intitulado Uma Teoria de Justiça, 1997). Em contra argumento, a filosofia moral comunitária atual expressa por autores como Michael Sandel (1998) e Alasdair MacIntyre (1984) sustenta que não faz sentido pensar numa comunidade dessa forma, porque a própria existência de indivíduos capazes de estabelecer acordos para formarem associações, ou de concordarem quanto aos termos dos acordos, pressupõe a existência de uma comunidade. Portanto qualquer explicação da comunidade que tente mostrá-la como o produto do acordo de indivíduos pré-sociais acabará por ser incoerente, porque a tais pessoas acabará por faltar a capacidade para deliberar, refletir, escolher (ver também Habermas, 1998). Mesmo este resumo bastante simples dos argumentos demonstra o problema da relação entre a psicologia e a psicologia social. Ora, se você acredita que a comunidade é produto da associação de indivíduos independentes, um número de conseqüências segue, entre estas: o próprio indivíduo independente com a sua subjetividade autônoma e distinta, a necessidade de pessoas aprenderem a viver em comunidade e de ter um Estado que garanta as regras e contratos.

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Se é assim que você pensa, é também provável que você aceita a incapacidade das pessoas se retirarem da mundianidade do cotidiano, a não ser quando lideradas por um partido ou um agente externo que as “conscientiza”. Portanto, torna-se natural, nesta perspectiva, que as pessoas devem receber aulas sobre a cidadania, que sejam informadas sobre o que é a “verdadeira” autogestão ou o cooperativismo “autentico” e que sejam ensinadas a se organizar. Esta é a perspectiva liberal, que pode ser também tanto na psicologia ortodoxa quanto numa boa parte da psicologia crítica. É uma conseqüência daquilo que Adorno (1967) ha muito tempo apontou: a alienação mutua da psicologia e da sociologia cada um em relação à outra e, em conseqüência, consigo mesmo. Pior ainda, se só há indivíduos, você vai precisar de um Estado ou pelo menos um governo suficientemente forte para manter a ordem.. Entretanto, esta perspectiva é incapaz de explicar porque no Brasil, há mais de 10 milhões de trabalhadores já identificados como sendo associados e auto-organizados de alguma maneira na informalidade e na autogestão, incluído aí: pescadores, catadores de papel, agricultores familiares, caminhoneiros, profissionais do sexo e muitos outros. Estes 10 milhões são a ponta do iceberg dos milhares de postos de trabalho que compõem o trabalho dito informal. Igualmente, esta perspectiva é incapaz de explicar processos sociais como o da ANTEAG aonde a discussão teórica sobre autogestão veio muito depois da ação; ou de muitos outros exemplos de processos autóctones em partes diferentes do país onde pessoas agem coletivamente na busca de soluções. Para explica-los é necessário reconhecer a validade do pressuposto que nascemos em comunidade, nas socialidades e materialidades do dia a dia cujas linguagens de ação são repletas de palavras organizativas de uso constante; formando uma referência contínua a nossa competência coletiva. Há inúmeras lutas pela hegemonia sobre estas noções organizativas, mas elas fazem parte da competência coletiva – não há dúvida. Nascer em comunidade é presumir uma capacidade coletiva de autogestão, que antecede e prescinde de um governo ou um Estado. Mas não é esta a perspectiva que encontramos nos livros de texto da psicologia e da psicologia social. Ao contrário, desde que Floyd Allport, no seu famoso livro de texto de Psicologia Social de 1924, agradeceu à Sociologia por suas contribuições mas avisou que a psicologia social já poderia ficar com os psicólogos, o que encontramos é um afunilamento cada vez maior na direção de uma psicologia de um individuo, que vive num contexto social cada vez mais amorfo. Os dois (o indivíduo e o contexto) tem muito pouco a ver um com outro, assim justificando os comentários Foucaultianos de Nicholas Rose (1998) sobre as ciências “psi”, enquanto fenômenos sociais de governamentalidade; uma ciência que ao enfatizar o indivíduo que age calculativamente de acordo com seus interesses próprio, acaba por desassociar nos de nós-mesmos. Espero que agora a minha preocupação comece a ficar mais claro. Redes solidárias, autogestão e solidariedade podem formar parte de uma frente libertária de pensamento transformadora, mas podem igualmente formar parte de uma frente liberal de desublimação repressiva e reprodutiva que ao mesmo tempo em que aparentemente abre, reprime e aliena.

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Por exemplo, por que as elites podem ter empresas e os pobres têm que ter cooperativas? Por que as elites podem ter contratos milionários de coleta de resíduos sólidos e o pobre tem que se contentar com o lixo seletivo e a reciclagem? Por que as elites têm acesso aos processos de licitação pública e os pobres têm que aceitar a sobrevivência marginal de costurar roupa para o bazar da esquina? Por que as elites têm acesso ao sistema de financiamento habitacional sem pegar na enxada, quando os pobres, para ter o mesmo privilégio, precisam trabalhar em mutirão. Palavras duras – sim – mas não por acaso. Nos estudos que fizemos sobre um número significativo de experiências de ação local na redução da pobreza, foram poucos os governos encontrados que entenderem a necessidade de intervir nas cadeias produtivas, ou criar mecanismos favoráveis às oportunidades de comercialização; de assumir uma ação afirmativa e de intervir nos processos de reprodução da desigualdade. Construir uma economia solidária não é constituir uma organização e deixa-la sozinha para tentar sobreviver num mercado hostil. Ao contrário, a economia solidária se refere a relações e ao fortalecimento de múltipla interconexões entre organizações diferentes; interconexões de produção, de consumo, de escoamento, de crédito, de conhecimento. É a busca do adensamento gradativo de uma malha de possibilidades solidárias, forte o suficiente para impor seus interesses e defende-los. Muitas vezes encontramos investimentos substanciais na capacitação individual e na criação de novas organizações, diagnósticos e planos incluindo aulas expositivas sobre a “verdadeira autogestão” ou o “cooperativismo correto”, sem que em nenhum momento, alguém pergunte – “quando vocês querem fazer algo, como vocês fazem? Como vocês se organizem por aqui?” A questão do “cooperativismo autêntico” é um clássico exemplo do problema que estamos discutindo. Não há nada num mundo socialmente construído que seja “autêntico” ou “correto”; isso é simples manipulação ideológica na busca da hegemonia sobre o dia a dia. A cidade têxtil de Rochdale, lugar dos pioneiros do cooperativismo, é hoje parte da área metropolitana de Manchester na norte de Inglaterra e foi um dos berços de vários movimentos de auto-ajuda provenientes do socialismo utópico. Para os trabalhadores de Rochdale o cooperativismo incluiu o consumo, a produção, o emprego e o crédito. Não havia nada de “mágico” na sua organização. Está resultara de um processo já aprofundado no movimento trabalhista e seu modelo de associação foi copiado e ampliado a partir das sociedades mútuas para apoio em casos de doença ou morte. Uma das primeiras descrições da Sociedade dos Pioneiros Eqüitativos de Rochdale (Rochdale Society of Equitable Pioneers) foi escrita em 1844, o ano da fundação da sociedade e da abertura da famosa Loja (Cooperative Provision Store), por George Holyoake. Seu título: “Auto-ajuda pelo povo” (self help by the people). Comentando os documentos produzidos pelos membros da associação, Holyoake anota que seus planos eram de não somente estabelecer um loja, mas de construir casas, de abrir fabricas, de ter terras produtivas, de manter um hotel para as pessoas que não tomaram álcool e:

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“Tão cedo quanto é praticável, este Sociedade deve proceder para organizar os poderes de produção, distribuição, educação e governo; ou, em outras palavras, de estabelecer uma colônia no país [uma comuna, como diríamos hoje] de interesses unidos, ou ajudar outras sociedades a estabelecer tais colônias”

Não é difícil ver que se tratou de um processo contra-hegemónico e emancipatório; de um confronto claro com os modelos existentes através da construção de novas materialidades e socialidades (Law & Mol, 1995). Um contraste considerável com os debates que assistimos sobre por que as cooperativas de consumo não são “verdadeiras cooperativas”, ou por que “cooperativas de produção somente são validas quando utilizam a autogestão”. Se olharmos cada uma das palavras do título de nossa mesa, encontramos os mesmos processos e conflitos. As redes solidárias, por exemplo, podem servir para transformar desigualdades, quebrar barreiras de escoamento comercial e garantir acesso às informações como também podem servir para reproduzir relações desiguais. Por exemplo, as redes de troca em Buenos Aires tiveram grande êxito até o momento em que atraíram a atenção da classe média, cujos bens de troca valiam mais do que os outros. Agora se buscamos entender a noção de rede na psicologia social, pouco encontraremos. Entretanto, o termo foi e continua sendo uma peça fundamental na construção de uma antropologia da ação que buscou explicar não como o mundo é e se reproduz a partir das instituições, mas como o mundo está e, portanto, pode ser mudado alterado e negociado. Cooperativismo é muito mais “cooperativismos”. Podemos encontrar o termo nos lugares mais variados e contraditórios, ora de maneira doutrinária, ora de maneira organizativa e, infelizmente, de maneira também corrupta (Ide, 2003). O mesmo acontece com a autogestão – palavra que nasce na França para se referir a experiência na Yugoslavia após a Segunda guerra mundial, mas que tem ecos dos muitos acontecimentos e momentos libertários dos últimos dois séculos (Cedeno, 1999). O curioso, entretanto não são estes momentos – que são bem conhecidos na história coletiva operária (a Comuna de Paris, as Comissões de Fabrica em Torino, os Soviéticos nos primeiros dias da revolução Russa, a organização da agricultura e da industria pelas anarquistas na Catalunia durante a Guerra Civil) – o curioso é a maneira em que a psicologia social os transformou, via Le Bom, em exemplos da histeria das massas (van Ginneken, 1992). Se você tem dúvida, basta olhar os livros de texto para ver que, em geral, a psicologia de grupos de mais de sete a dez pessoas se reduz à discussão sobre o que acontece quando o individuo perde sua autonomia e assume a personalidade selvagem da multidão, agindo fora de si. Nada sobre a capacidade de grupos grandes de se autogestionar, de criar mecanismos horizontais de consulta e de debate, de operar sem o Estado. Solidariedade se refere ao ato de juntar-se aos outros de maneira “sólida”. Quer dizer, lado ao lado, dividindo as mesmas responsabilidades e conseqüências. É uma referencia a uma relação horizontal e não vertical; ou melhor, de horizontalização enquanto processo social. Não é, portanto, uma relação de ajuda ou de caridade; ao contrário, é uma relação de ação, de compartilhamento. Bem, sobre a solidariedade podemos ser um pouco mais otimista – afinal aqui temos algo que pelo menos aparece em um dos

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livro de texto que usamos na América Latina, a de Ignacio Martín-Baró (1983) que discute a solidariedade junto com a ação pro-social. Entretanto, de novo podemos perguntar quantas pessoas que utilizam o termo, se posicionam no sentido de ser efetivamente solidário, lado ao lado e de maneira indissociável. Por que será que encontramos tão pouco na psicologia e na psicologia social a respeito destas palavras que parecem ser chaves para a compreensão de processos de mudança. Colocado de maneira simples, são conceitos que assumem como ponto de partida a interação, a intersubjetividade e a coletividade. Não são idéias que podem ser reduzidas ao nível individual e, conseqüentemente, não são idéias que podem ser construídas a partir do individual. Pertencem ao terreno de meio alcance da ação comunicativa (Habermas, 1989), da produção coletiva de sentidos, das materialidades e das socialidades. Pertencem a uma psicologia social não reducionista e distinta da psicologia. Uma psicologia social independente já existe Esta psicologia social autônoma e independente já me parece existe; o que é necessário é reconhece-la. Existe em teses e dissertações produzidas em volta da temática de relações econômicas alternativas onde, de maneira tentativa, novas idéias estão sendo apresentadas para debate. Existe nas experiências comunitárias, onde pessoas estão reconhecendo que a atuação da psicologia social precisa ir muito além da formação de grupos de discussão e se engajar com os processos de luta para a melhoria e a dignidade. Existe no respeito para com as formas organizativas existentes, e na capacidade de reconhecer a sua centralidade enquanto recursos de mobilização e ação. Existe no reconhecimento que os processos de ação social andam passo a passo porque não ha um caminho pré-estabelecido, capaz de ser pré-planejado. Ao contrário, é um processo que busca compreender as possibilidades, identificar os bloqueios e discutir as alternativas. Haverá muito a ser aprendido sobre poder enquanto ação, sobre como confrontar e pressionar, porque o terreno de médio alcance é onde as necessidades se transformam em interesses. Haverá muito a ser aprendido também sobre tempo, porque processos de mobilização e mudança raramente se encaixam dentro do semestre escolar. Uma psicologia social independente exigirá a recuperação de outros tipos de relação entre a universidade e a sociedade, entre as diversas comunidades de saberes; outras mecanismos democráticos e compartilhados de análise e de uma outra relação com o campo. Eu sugiro que já demos à psicologia tempo suficiente de romper com suas raízes, e vimos que não é capaz de abrir mão de sua ontologia liberal e individual. Precisamos de uma psicologia social capaz de respeitar as capacidades coletivas expressas em saberes, práticas e ações organizativas, com a disposição e a competência de entrar na luta para as utopias, capaz de compreender as redes solidárias, a autogestão e a solidariedade.... talvez está na hora de achamos o nosso próprio caminho.

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A PERDA, REDESCOBERTA E TRANSFORMAÇÃO DE UMA TRADIÇÃO DE TRABALHO: A TEORIA SOCIOTÉCNICA NOS DIAS DE HOJE (Publicado na edição comemorativa de dez anos da revista Organizações e Sociedade, 10, 28, 117-130, Dezembro 2003) No início da década de 1950, pesquisadores do Tavistock Institute of Human Relations, de Londres, foram convidados a participar da implantação de uma estrutura representativa e consultiva para todos os funcionários da empresa metalúrgica Glacier Metal. Durante o processo, em grande parte exitoso, um problema constante foi a dificuldade de fortalecer os vínculos representativos com os trabalhadores do “chão de fábrica”. Não havia explicação óbvia; todos estavam empenhados em fazer do modelo representativo um sucesso exemplar, mas, mesmo assim, os vínculos se desfaziam (Trist, 1981). Para os pesquisadores ficou a pergunta: por quê? A resposta viria mais tarde, nos estudos do Tavistock Institute sobre a organização do trabalho na mineração de carvão inglesa, que resultaram na teoria sociotécnica de desenho organizacional (Trist, Higgin, Murray and Pollock, 1963). Nessa abordagem, a organização do trabalho foi considerada um produto de dois conjuntos de fatores, sociais e técnicos, que podem ser combinados em muitas maneiras diferentes. Cada combinação trazia suas próprias implicações psicológicas, sociais e econômicas diferentes. Não havia uma melhor maneira de organizar o conjunto de tarefas, havia somente opções e conseqüências. Dada a impossibilidade de se criar um modelo normativo sobre o que seria um posto de trabalho perfeito, a proposta era que o desenho dos processos de trabalho fosse abordado de maneira colaborativa entre trabalhadores e engenheiros e que, nessas discussões, as opções técnicas e as possibilidades de organização social fossem discutidas conjuntamente na busca de uma solução mutuamente viável. A teoria sociotécnica foi associada também com uma série de observações sobre a democracia no local de trabalho, entre elas a de que quando as pessoas têm a liberdade de se organizarem em torno das tarefas produtivas, elas tendem a criar modelos de organização flexível, nos quais as tarefas são compartilhadas e se desenvolvem habilidades múltiplas (os chamados agrupamentos semi-autônomos). Esse tipo de organização tem uma capacidade adaptativa em relação às flutuações do processo produtivo e propicia melhorias na qualidade de vida dos trabalhadores. Quando, ao contrário, a parte técnica é projetada de maneira independente (obedecendo a lógica da máquina), o resultado é uma série de restrições às possibilidades de organização social. Esse foi o problema na Glacier Metal. Em nada ajudava criar comissões de fábrica com representantes dos trabalhadores se a configuração do dia-a-dia, incluindo a maneira de operacionalizar o processo produtivo, não permitia sua efetiva interação. Os

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mecanismos abertos e relativamente democráticos de discussões entre os gerentes e os representantes tinham muito pouco a ver com o dia-a-dia fragmentado pela organização das tarefas, a distribuição das máquinas no processo produtivo e o trabalho supervisionado no chão da fábrica. A abordagem sociotécnica nunca chegou a estar “na moda” em termos administrativos; mesmo que sua influência entre pessoas preocupadas com a qualidade de vida no trabalho tenha sido razoável, a ponto de ser adotada no processo de projeção de fábricas na Suécia (Volvo) e na Canada (Shell). Em parte sua dificuldade foi intrínseca. Não sendo uma teoria normativa, as suas respostas eram sempre abertas. Por outro lado, a expressão “grupos semi-autônomos” levou muitas pessoas a achar que se tratava simplesmente de uma proposta normativa de trabalho em equipe. A proposta de “escolha organizacional” era radical, inclusive pela utilização de pesquisa-ação participativa como método de análise e debate (Spink, 1979). Não ajudaram, numa época em que se valorizava cada vez mais a competência dos executivos e gerentes, as observações sobre a validade de métodos auto-gerenciados e sobre a capacidade dos trabalhadores de controlar processos produtivos complexos, sem supervisão. A abordagem sociotécnica chegou ao Brasil entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980; quando o processo de abertura democrática ensaiava seus primeiros passos. Entretanto, para a grande maioria das lideranças empresariais, a democracia da sociedade e o mundo dentro dos portões das fábricas eram terrenos bastante diferentes. Com algumas poucas exceções, as agendas empresariais e sindicais se voltaram a outras questões. Para todos os efeitos, a teoria sociotécnica virou mais um capítulo na história da administração do trabalho, arquivado junto com outros modelos e teorias do mundo pré-globalizado. A perda, redescoberta e transformação de uma tradição de trabalho (I) Esse foi o subtítulo do livro que Eric Trist e seus colegas escreveram em 1963; o título era “Escolha Organizacional”. Em foco estavam as variações nos métodos de organização do trabalho encontradas na mineração de carvão no Norte de Inglaterra e, especificamente, as mudanças introduzidos pelos mineiros na mina da aldeia de Chopwell, no Condado de Durham, parte da companhia estatal de carvão britânica (National Coal Board – NCB). O envolvimento do Tavistock Institute com a mineração de carvão tinha se iniciado antes e um passo importante foi tomado quando Ken Bamforth, mineiro e líder sindical antes de entrar na universidade, passou um ano no Instituto no final da década de 1940. Na época, havia muita discussão sobre os avanços da mecanização na indústria e sobre a fragmentação crescente dos postos de trabalho, já consolidada na manufatura. Nas pesquisas da sociologia indústrial, a tendência era apontar para a inevitabilidade desse processo, parte também do chamado “determinismo tecnológico”, e para as conseqüências tais como encontradas na Glacier Metal . Bamforth trouxe para essa discussão a situação específica das minas de carvão nas quais, até pouco tempo antes, pequenas equipes de mineiros com múltiplas habilidades trabalhavam de maneira autônoma nas frentes de extração de entre 10 e 20 metros de largura. Em inglês este

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tipo de frente era chamada de shortwall (literalmente, muro ou parede curto) e um dos termos usados para descrever sua forma de organização foi “tudo incluído” (all in ); referência tanto ao fato de que todos trabalhavam juntos quanto ao fato de que recebiam um pagamento também conjunto e depois dividido igualmente. Na época, com os métodos das frentes curtas sendo trocados para as novas frentes compridas (longwall) de 80 - 100 metros, iniciou-se a adoção de um modelo com múltiplas equipes distintas, cada um com sua tarefa básica e pagamento específico, coordenadas por supervisores. Mesmo levando em consideração que, por razões de segurança, não há papeis isolados numa mina, o resultado era, mais uma vez, um aumento da fragmentação do trabalho. As conseqüências psicológicas e sociais que resultaram (incluindo absenteísmo, acidentes, doença e moral baixa) foram descritas por Bamforth e Eric Trist numa publicação pioneira (Trist & Bamforth, 1951). Nos contatos com parentes e amigos trabalhando na indústria de carvão (na época a fonte principal de energia disponível no país) os comentários foram os mesmos. Mas, de vez em quando, havia exemplos ocasionais de um retorno temporário aos métodos anteriores (por exemplo, como preparação para a introdução da mecanização) e com resultados muito positivos em termos sociais e técnicos. Uma dessas experiências, em Bolsover, no centro de Inglaterra, foi introduzida por engenheiros a partir de discussões com os mineiros e a gerência, tendo como objetivo preparar um novo processo de corte mecanizado de carvão. Havia um agrupamento de trabalho de 25-30 mineiros por turno e cada turno avançava a produção de maneira contínua e flexível. As tarefas eram intercambiáveis, todos os mineiros eram multi-habilitados, com igual status e pagamento, e a liderança era interno ao agrupamento(Wilson & Trist, 1951). O resultado foi uma redução grande em absenteísmo, doença e acidentes, um aumento em solidariedade e moral entre os mineiros e um bom nível de produção com bastante regularidade e poucos problemas técnicos. Durante 1977 e 1978, um outro grupo de pesquisadores do Tavistock Institute, liderado por um membro do grupo original (Hugh Murray com o apoio de Gurth Higgin), retornou ao campo dos estudos da década de 1950 e, em Bolsover, ainda foi possível encontrar pessoas com memórias positivas sobre o “experimento” (Murray, Spink, Higgin & Wade, 1979). Em 1955, o Tavistock recebeu a permissão do NCB para analisar os diferentes métodos de trabalho encontrados na região geológica e geográfica de Durham, onde as condições nas camadas de carvão eram mais ou menos iguais. Na medida em que os estudos progrediam, os pesquisadores encontravam em mina após mina a mesma situação de fragmentação: pequenas células de trabalho voltadas a uma única tarefa, com ciclos curtos e repetitivos, com supervisão constante e com problemas produtivos e sociais. Os engenheiros entrevistados eram conscientes dos problemas, mas acharam que isso só melhoraria com um aumento na mecanização e uma simplificação na estrutura de cargos e salários; em suma, com a modernização do processo produtivo de carvão e sua inserção no modelo indústrial vigente. A mina de Chopwell, que era muito similar às demais minas da área, não fazia parte da amostra original mas, enquanto esperavam a permissão para iniciar numa outra mina, seguiram a sugestão de um dos técnicos do NCB para visitá-la porque “lá se fazia algo diferente”. Em Chopwell, seguindo a decisão da gerência da mina de introduzir o método de longwall, a representação local do sindicato tinha negociado a aplicação de algumas idéias de organização do trabalho derivadas das suas experiências com as equipes “all in” ou “composite” (composto) da parede curta.

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Os detalhes operacionais da proposta de organização em agrupamentos de 41 pessoas autogerenciadas cobrindo os três turnos do ciclo de extração foram elaboradas pelos mineiros com incrível sucesso. Não havia supervisão na área de trabalho e os engenheiros de produção se voltavam às atividades de segurança. No dia-a-dia, durante mais de um ano e meio, mineiros multi-habilitados intercambiavam tarefas e turnos com um sistema de pagamento único e igual para todos, coletivizando e compartilhando suas habilidades e conhecimentos. A partir daquele momento, todos as novas frentes de carvão que abriram em Chopwell foram organizadas dessa maneira e a mina continuou assim até o final da sua vida útil, em 1966. Foram as experiências dessas equipes “compostas” que constituíram a prova fundamental contra o determinismo tecnológico e a tese da inevitabilidade da fragmentação do trabalho. No retorno à aldeia de Chopwell durante 1977 - 1978 (Murray, Spink, Higgin & Wade 1979), foi possível restabelecer contato com muitos dos atores-chaves do período inicial, incluindo o gerente, representantes sindicais e membros-chaves das equipes originais, a grande maioria aposentados. Suas memórias dos eventos, as atas das reuniões formais de negociação, os registros dos arquivos da representação do sindicato e um questionário enviado para todos os membros das equipes originais que estavam ainda em boa saúde, serviram para criar uma imagem dos acontecimentos e de seus resultados. Paralelamente, foram feitas buscas extensas nos arquivos locais, regionais e nacionais da companhia estatal de carvão (NCB) e dados extremamente preciosos foram encontrados para o período de 1956, quando um estudo oficial foi feito sobre sistemas de pagamento na indústria, o que permitiu o rastreamento da presença de métodos do tipo “composite” ou “all in” no país inteiro (Spink, 1999). Na época dos estudos originais, o método ortodoxo do “longwall” era o dominante no Condado, sendo utilizado em pelo menos 100 minas, ou 74% das minas de Durham. Destas, a grande maioria, incluindo Chopwell, utilizaram a mesma tecnologia básica de extração. Entretanto, no mesmo período em que todos os 17 frentes de extração de Chopwell foram organizados a partir do modelo “composite”, havia somente uma outra mina vizinha de Chopwell (Wheatley Hill) com alguma aplicação mais consistente. Em um quinto das minas do Condado havia algum tipo de contrato “all in” ou “composite” , mas sempre se restringindo a uma área específica ou tipo específico de trabalho. Na indústria de carvão como um todo havia algumas outras menções, mas bastante esporádicas e somente em relação a algumas tarefas. Havia diversas circunstâncias que poderiam justificar por que a experiência de Chopwell não foi mais amplamente divulgada e utilizada na indústria de carvão. Uma era a dificuldade de comunicação na época, especialmente com as áreas geográficas mais distantes. Outra era a tendência dos planejadores de produção de conceber inovação como sendo um processo que se iniciava nos laboratórios tecnológicos do NCB para depois ser transferido para os campos de mineração – e não vice-versa. Também, o NCB e o sindicato nacional de mineiros (NUM) buscavam os meios de integrar um contingente imenso de minas do norte ao sul do país, com todas as suas associações sindicais distritais. (Antes do processo de estatização, a organização da mineração de carvão, tanto em termos de produção quanto de representação, era basicamente local). Havia no ar uma preocupação com a produção, tendo em vista a importância do carvão e a possibilidade de outras fontes energéticas. Com essas pressões, os diferentes nomes usados nas diversas regiões para descrever diferentes

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papéis e contratos de trabalho foram vistos como empecilhos à negociação de uma estrutura salarial nacional, em vez de pistas para a identificação da inovação periférica. Havia também a aldeia de Chopwell, por muito tempo uma voz independente em questões sindicais. Cada representação local da Associação de Mineiros do condado de Durham tinha sua bandeira ornamental, levada em passeatas e momentos de gala. Eram bandeiras grandes, que precisavam de pelo menos quatro pessoas para serem carregadas e cujo desenho e imagens representadas eram objetos de muita discussão e decisão local. A bandeira de Chopwell tinha três figuras: Lenin, Kier Hardy (fundador do partido trabalhista) e Marx. Lenin e Kier Hardy apareceram em outras bandeiras, mas a de Chopwell foi a única com a figura de Marx. Chopwell era considerada como uma das aldeias “vermelhas” de Durham, título que recebeu de um periódico regional em 1926 em conseqüência de seu total envolvimento na greve geral (Turnbull, 1979). O lema na bandeira era uma frase do escritor e poeta radical norte-americano, Walt Whitman: “We take up the task eternal, the burden and the lesson, Pioneers O Pioneers” (Aceitamos a tarefa eterna, o encargo e a lição, pioneiros, ó pioneiros) (Moyes, 1974). Chopwell produziu membros de parlamento e um presidente do sindicato e até hoje é uma das áreas que sempre elege candidatos de esquerda. Os homens e mulheres que lideravam os movimentos políticos e sindicais da aldeia na década de 1920 eram, de acordo com um historiador local (Turnbull, 1979), diferentes um do outro em termos de personalidade, crenças religiosas e lugares de nascimento, mas todos compartilhavam o ponto de vista de que se as pessoas se preocupassem suficientemente e cooperassem umas com as outras, a sociedade poderia ser mudada rapidamente. Um de seus informantes dizia: “A idéia de cooperação, de estar juntos, de solidariedade, de lutar por aquilo que você julga que é seu direito e não aceitar nada menos....teve o efeito de juntar os membros da comunidade...de fazer o pessoal de Chopwell diferente”. Já na década de 1950, as posições políticas eram mais variadas, mas, mesmo assim, a representação sindical de Chopwell permaneceu comprometida com a luta dos mineiros por melhores condições de trabalho. Vários dos líderes sindicais aposentados entrevistados no estudo de 1977-78 fizeram questão de frisar que Chopwell nunca foi uma aldeia comunista. “Colocamos Lenin e Marx na bandeira e os mantivemos lá em respeito a seu pioneirismo, em respeito ao que buscaram fazer”. Alguns dos residentes de Chopwell foram membros do partido comunista, mas também o anarquista George Davidson ajudou a criar um clube de debate político na aldeia em 1913, o grupo das mulheres tinha discutido o sufrágio feminino e o controle da natalidade com algumas das figuras nacionais notáveis da época, como Dora Russel, e ainda em 1977-78 havia muitos e muitas socialistas morando nas pequenas casas trabalhadoras da Travessa Lenin. Entretanto, o importante para todos e todas era a herança coletiva de melhoria através da solidariedade e da ação social. A resposta à pergunta sobre por que negociar um método alternativo de produção, de recuperar e transformar uma tradição num processo que não foi muito fácil, resumia-se numa palavra: “harmonia”. A palavra não se referia à relação entre mineiros e gerentes ou entre mineiros e a companhia estatal, porque esta era uma área de conflito permanente; a companhia era estatal, mas as placas na entrada das instalações anunciavam: “Propriedade Privada – NCB – Entrada Proibida”. Ao contrário, a harmonia buscada foi a harmonia entre homens na dupla condição de membros de uma

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comunidade e de mineiros; a harmonia necessária para manter a solidariedade para se juntar e lutar por uma vida digna, contra os métodos fragmentados, as escalas de pagamento individuais, as horas incertas e a supervisão constante que colocou homem contra homem e, eventualmente, esposa contra esposa. Contra um sistema de trabalho que forçava as pessoas a desempenhar a mesma tarefa, no mesmo turno, por meses a fio e que, dependendo das horas alocadas, poderia destruir casamentos e colocar vizinho contra vizinho. Mesmo as práticas de rodízio de posição ou turno no início de um novo frente de extração não eram suficientes para garantir algum alívio, porque as próprias condições de trabalho nas frentes de extração com somente um metro de altura eram uma fonte constante de atrasos e problemas. Um dos informantes de Turnbull descreveu cronologicamente a rotina nas pequenas casas:

“A vida diária da minha mãe era típica da mulher do mineiro do condado de Durham. Ela se levantava às três horas da madrugada para preparar o café da manhã e o almoço (frio) para meu irmão, um trabalhador de frente, que iniciava às quatro horas. Quando ele saía, ela tentava dormir mais uma hora antes de iniciar a mesma rotina para um dos meus irmãos menores, que trabalhava na parte de acabamento, cujo turno se iniciava às seis. Nesse meio tempo, meu pai, que iniciara seu turno na noite anterior às dez, saía da mina às seis e retornava à nossa casa para seu café de manhã... .era sempre meia-noite antes que a minha mãe fosse para a cama ao final de um dia normal – e o despertador estaria tocando de novo às três horas para iniciar o próximo.”

Era necessário, eles argumentavam, mudar as práticas que colocavam homem contra homem, e criar práticas em que as pessoas pudessem se erguer, ficar de igual para igual com as demais, aprender e ensinar junto e manter a comunidade consolidada. Nessas discussões, já tendo em vista a ampliação do “longwall”, algumas pessoas lembravam as práticas anteriores com os pequenos conjuntos de oito pessoas no “shortwall” e começavam a elaborar a proposta do modelo composite: um agrupamento de 40 - 50 mineiros que tomariam conta de três turnos, fazendo sua própria alocação de pessoas em tarefas de acordo com a necessidade, criando mecanismos para aprendizagem e oportunidades para fazer o rodízio de tarefas e turnos. A luta dos mineiros de Chopwell estava focalizada no horizonte da comunidade, no horizonte da aldeia. Não queriam mudar o NCB e nem a organização sindical do seu condado. Queriam uma prática alternativa de trabalho cotidiano que garantisse a solidariedade, que era um dos valores-chaves da aldeia; enfim, que mantivesse a comunidade unida. Para os mineiros, parecia algo óbvio de fazer: mudar as configurações do dia-a-dia para poder trabalhar junto, construir um outro cotidiano. Brasil 2003 - 2004 O PIB per capita do Brasil, de acordo com os dados comparativos do Banco Mundial, é suficiente para incluí-lo na categoria mediana de países, junto com México, Venezuela e Chile (aproximadamente R$ 10.000 por ano). Entretanto, em termos de distribuição de renda, o país é o quarto mais desigual do planeta. A constância dessa desigualdade, com os 10% mais ricos tendo quase a metade de toda a renda do país e os 10% mais

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pobres compartilhando somente 1%, é um indicador mais de que suficiente tanto da necessidade de mudança quanto de sua dificuldade. Enquanto há por volta de 50 milhões de brasileiros (30% da população) buscando sobreviver com menos do que o equivalente a R$ 80,00 per capita ao mês, os estudos feitos sobre as tentativas de distribuição demonstram que a maior parte dos benefícios e gastos sociais se destinam à classe média e aos ricos (PNUD, 2000). A essa situação, que já é por si crônica, adiciona-se nos últimos anos o aumento do desemprego – chegando nas principais regiões metropolitanas a cifras de mais de 20% – e as transformações na estrutura do emprego que produziram uma inversão total na relação entre emprego formal e informal, com a maioria dos postos de trabalho sendo criada de maneira informal ou “flexibilizada” (sem a cobertura de benefícios sociais). Entre as muitas análises feitas, há sinais de um consenso de que a mudança desse quadro triste e moralmente desafiador implicará em ações não somente no nível da macroeconomia e das políticas públicas mais gerais, mas também na construção de práticas mais focadas e de estímulos múltiplos às pequenas transformações locais (por exemplo, Camarotti & Spink, 2000, CEPAL/DFID, 2003). Não é por acaso que aumenta o número de dissertações, teses e monografias de conclusão de cursos de graduação voltados para o estudo in loco de possibilidades de ação; como também aumenta o número de incubadoras de empreendimentos populares sendo construídos nas principais universidades dentro da rede de apoio da Unitrabalho. São um indicador da consciência coletiva das novas gerações sobre a importância de mudança no quadro geral de pobreza e desigualdade e no papel das ações locais nesse processo. No âmbito da discussão sobre a economia solidária ou popular (Bocayuva Cunha, 2003; Singer, 2002), como também na liderança prática exercida pelo movimento sindical com suas agências alternativas de desenvolvimento e nas políticas de geração de emprego e renda implantadas por muitos governos locais, são comuns as propostas que vinculam ações de apoio, capacitação e microcrédito aos métodos organizacionais cooperativos como também aos processos de autogestão. Há, inevitavelmente, uma série de indagações que circulam nesse campo: sobre as diferentes concepções de cooperativismo, sobre a autogestão e a co-gestão, sobre as diferentes territorialidades da ação urbana e rural, e sobre os horizontes possíveis dessas intervenções (ver Unitrabalho, 2000). Entretanto, há um consenso mínimo sobre as possibilidades de construir relações econômicas mais solidárias, de criar emprego e renda a partir de outros princípios e de recuperar o sonho da dignidade e da igualdade. O problema levantado por aquelas indagações, como também pelas muitas experiências em curso que não são necessariamente exitosas, é o “como”? Organização, como os dez anos da Revista Organizações & Sociedade podem testemunhar, é um fenômeno complexo e está longe de ser uma ferramenta neutra. Os modelos de organização que dominam as prateleiras das livrarias comerciais e as noções de “bem organizado” presente no imaginário social têm uma forte influência do meio empresarial, inclusive das grandes empresas internacionais. No nível teórico, tanto na teoria organizacional quanto na teoria social, foram muitos os autores – e no Brasil o lugar de destaque é sem dúvida de Guerreiro Ramos (1981) – que entraram no corpo-a-corpo contra a hegemonia de um modelo de ordem hierárquica, fragmentada e de razão instrumental. Para alguns, como Guerreiro Ramos, a solução era buscar espaços alternativos e independentes, onde a razão substantiva poderia assumir um papel paradigmático. Para outros, como Habermas (1984), era importante buscar

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compreender as possibilidades de ação que emergem nos espaços de justaposição entre o mundo dos grandes sistemas orientadores da modernidade (direito, administração e economia) e o mundo vivido, o life-world . Ninguém tinha dúvida quanto aos perigos da adoção ingênua das formas e ferramentas que compõem a linguagem empresarial (Spink,1997). Nos movimentos, nos acampamentos, nas cooperativas, nas incubadoras e nos programas e projetos de desenvolvimento local, esses temas também estão presentes, cada um à sua maneira. Por exemplo, a ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária), fundada formalmente em 1994, além de apoiar as empresas na sua constituição e desenvolvimento, busca contribuir para “a construção de um modelo autogestionário (autogestão/co-gestão de empresas de produção indústrial) através da ‘inteligência coletiva’, a capacidade dos trabalhadores produzirem uma empresa de produção industrial, que mesmo inserida num mercado competitivo, consiga ter no seu interior relações mais fraternas e solidárias” (ANTEAG, 1998 p . X). É neste momento que precisamos retornar em espaço e tempo para a aldeia de Chopwell e fazer do subtítulo original do livro de Trist, et.al, uma série de apontamentos para novos caminhos que, diante de questões novas, são capazes de recuperar e transformar tradições perdidas. Ao fazer isso, precisamos reconhecer que o conhecimento cresce onde é necessário, ou como George Herbert Mead argumentou: “conhecimento... é a descoberta, através da implicação de coisas e eventos, de algo... que permite que continuemos quando um problema nos prende. É o fato de podermos continuar que garante o conhecimento” (1956 p.322). Nesse sentido, conhecimento é sempre autóctone, acontece porque é necessário; conseqüentemente, precisamos aceitar que os saberes têm múltiplas origens e que a academia é somente um deles (Burke 2003). Precisamos também aprender a olhar para outros espaços e tempos, e a buscar o diálogo com conhecimentos que podem ter muito a contribuir, desde que adaptados a um novo contexto histórico e social. Torna-se vital, na situação atual do país, assumir o esforço investigativo de procurar os lugares onde as pessoas em situação de pobreza estão buscando suas próprias saídas dentro de seus horizontes com ou sem o apoio das agências e organizações estatais; procurar os conhecimentos que estão sendo construídos para poder transferi-los para outros. No Programa Gestão Pública e Cidadania, por exemplo, há registros de mais de 6 mil experiências subnacionais de ações de melhoria de serviços públicos com um impacto positivo na construção da cidadania (http://inovando.fgvsp.br ). Destas, uma porcentagem crescente é voltada para a temática de geração de emprego e renda e de desenvolvimento local, freqüentemente dentro de uma postura solidária. Na área não-governamental, há também muitas experiências, que contêm lições importantes e consolidam novas práticas. Por exemplo, na área da pequena produção familiar agrícola e do vinculo rural-urbano, uma das mais importantes experiências no país é, sem dúvida, a da Associação dos Pequenos Agricultores do Estado da Bahia (APAEB), em Valente. O trabalho da APAEB, um processo contínuo de mais de trinta anos de discussão e mobilização comunitária e da busca local de possibilidades de expansão de horizontes com resultados concretos e de grande impacto, é uma universidade viva de exemplos e conceitos a serem seguidos ou transferidos para outros campos. (Almeida, 2000; APAEB, 2003; Ferreira de Oliveira, 2002 e Teixeira, 2001).

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Entre as muitas lições chaves do trabalho da APAEB, há uma de importância específica para a discussão dos empreendimentos solidários. A Associação utiliza diferentes modelos organizacionais e institucionais para suas atividades, mas independentemente da escolha específica adotada para este ou aquele empreendimento, escola, loja, banco, clube ou fábrica, entre outros, há sempre a presença forte de seus associados, numa prática de gestão aberta e de debate coletivo, mantendo sempre atualizados e concretos os avanços realizados. Outra lição importante é de sua territorialidade. A APAEB-Valente é do “lugar” (Spink, 2001) e a sua territorialidade é sempre presente nas conversas e nos documentos. As iniciativas e melhorias introduzidas são feitas para o lugar e tem como conseqüência a transformação do lugar; seja no trabalho de extensão agrícola no semi-árido, seja de desenvolvimento local, de educação, esporte e lazer, ou de estimulo à transparência política. Sua materialidade é também sua “socialidade”. A perda, redescoberta e transformação de uma tradição de trabalho (II) Esta segunda lição remete também para a contribuição potencial das práticas dos mineiros de Chopwell e os conceitos elaborados a partir delas para a atualidade do terreno da economia solidária. Dialogar com espaços e tempos diferentes requer a construção de pontes delicadas entre idéias e práticas como processos sociais e históricos. O estudo de organizações e de processos organizacionais não é o estudo de um conjunto de fenômenos que se mantêm estáticos no tempo mas, antes de mais nada, é o estudo de fenômenos sociais em tempo. Retomar a abordagem sociotécnica em busca de sua contribuição para as questões do presente tem muito do mesmo processo de repensar a partir do shortwall para o longwall. Há vínculos, mas também há diferenças; em alguns casos o tempo e as circunstâncias ajudam – por exemplo, ao tornar mais explicito a dimensão moral da solidariedade – em outros casos – como o uso da teoria de sistemas abertos – não. Como pesquisa, a experiência de Chopwell demonstrou a importância de se buscarem soluções onde os problemas estão sendo enfrentados e de criar diferentes diálogos em espaço e tempo. Mas como exemplo, ela demonstrou a vulnerabilidade das idéias e das experiências à linguagem em que são formuladas. Da mesma maneira em que, para muitos, as experiências dos “shortwalls” tinham pouco ou nada a contribuir para o mundo dos “longwalls” e a mecanização crescente do processo de mineiração, também as proposições da teoria sociotécnica e a experiência dos agrupamentos autogerenciados foram vistas como restritas à arena da organização do trabalho industrial em países como o Reino Unido, Holanda e Suécia e, mesmo assim, consideradas utopicamente impraticáveis. Não há dúvida que o tempo ajuda ao permitir com que a densidade e a complexidade do caso de Chopwell sejam compreendidas em termos culturais e políticos. Na época dos estudos de campo, as ciências sociais estavam em plena lua-de-mel com a valorização da teoria como produto independente de suas circunstâncias e, conseqüentemente, com a importância dos métodos quantitativos na argumentação racional entre alternativas e com a obrigação aristotélica da replicabilidade na justificação de um fato. Para os pesquisadores do Tavistock, muito mais acostumados aos métodos de estudo de caso e da discussão psicossocial, foi uma escolha difícil mas necessária optar por uma

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apresentação mais técnica. Afinal, ainda nutriam esperanças de que as lições aprendidas pudessem ser aplicadas na própria companhia estatal de carvão. As esperanças foram em vão e o imaginário hegemônico do determinismo tecnológico, bem como os valores da modernização, da hierarquização e fragmentação, apagaram qualquer argumento ao contrário. Outros apoios possíveis, por exemplo em relação à autogestão, só viriam mais tarde, com os resultados das experiências em Israel e, na época, Iugoslávia, ou com os estudos sobre democracia industrial na Noruega. Aqui, sem dúvida, o tempo ajuda a abrir esse lado dos estudos e demonstrar uma importância que talvez muitos nunca teriam condições de imaginar. Em relação à moldura utilizada para construir a teoria sociotécnica, o tempo foi menos gentil. A teoria avançou ao demonstrar os limites do determinismo tecnológico e do “one best way” de Taylor (Trist, 1970), mas manteve o dualismo entre as dimensões sociais e técnicas; cada uma com suas origens independentes. O resultado, ao mesmo tempo em que se buscou reduzir a hegemonia do “técnico”, foi a sua reificação como universo separado. Hoje, vendo pela ótica pós-construcionista e tendo como apoio analítico a teoria de ator-rede elaborada por Latour e colegas ( Latour, 1987; Law & Hassard, 1999), e sua discussão sobre materialidades e socialidades, é possível olhar para o confronto entre o social e o técnico como um confronto entre dimensões “sociais”: as vinculadas aos temas da cultura, dos valores coletivos e da vida em comunidade, dos valores sobre trabalho, de aprendizagem e de solidariedade e as dimensões vinculadas à construção de equipamentos, às noções de efetividade e produtividade, de territorialidades e de materialidades. Para usar o argumento de Law & Mol (1995): “Talvez materialidade e socialidade se produzam mutuamente. Talvez ‘associação’ não seja somente um assunto para os seres sociais, mas também um assunto de materiais. Talvez, portanto, quando olhamos o social, estamos também olhando a produção de materialidade. E quando olhamos os materiais, estamos testemunhando a produção do social” (p. 274). Na época dos estudos na mina de Chopwell, reinavam na área organizacional as investigações sobre a burocracia, e a tecnologia só seria introduzida como uma variável mais tarde; por exemplo, com o trabalho de Woodward (1965). Na área epistemológica, a ciência era ciência – sem as dúvidas que seriam lançadas na década de 1960 e 1970 no debate entre Kuhn e Popper (Lakatos & Musgrave, 1970). No campo da teoria social, o impacto do giro lingüístico (Wittgenstein, 1953) e a construção social da realidade (Berger & Luckmann, 1966) ainda estavam por vir. Quase o único modelo mais dinâmico e analítico para questões sociais e organizacionais que existia foi o modelo marxista que, enquanto trazia novos e importantes insumos para o terreno da sociedade e do trabalho (Polanyi, 1944), tinha pouco a contribuir – a não ser de maneira contextual – para os estudos organizacionais de micro e médio alcance. O desmonte da noção de uma realidade material e independente das pessoas, foi um processo lento, como também foi lento o reconhecimento de que as coisas são tanto produtos sociais quanto as organizações e que, de maneira igual, são capazes de também produzir socialidades. Hannah Arendt, em 1958, comentou: “O mundo no qual transcorre a vita ativa consiste em coisas produzidas pelas atividades humanas; mas, constantemente, as coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens também condicionam os seus autores humanos. [.......] A objetividade do mundo – o seu caráter de coisa ou objeto – e a condição humana complementam-se uma à outra; por ser uma existência condicionada, a existência humana seria impossível sem as coisas, e

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estas seriam um amontoado de artigos incoerentes, um não-mundo, se esses artigos não fossem condicionantes da existência humana” (Arendt 2001, p.17). As máquinas, as paredes e os outros pedaços da vida diária não são objetos físicos independentes, mas produtos de processos sociais e históricos densos. Algumas matérias são encontradas naturalmente; por exemplo, carvão ou mármore; mas o mármore não pediu para ser mármore ou para ser o chão de uma casa. A materialidade do material chamado de mármore é um produto social, e o mármore da pia na cozinha é parte constitutiva de um processo social que também o constrói como parte da pia – mesmo que se sinta dor quando se bate o cotovelo contra seu canto! Hacking (1999), na sua discussão recente de construcionismo social forneceu um excelente exemplo desse processo de múltipla constituição, a partir de uma análise da noção da mulher refugiada:

As idéias não existem no vácuo, habitam situações sociais. Vamos chamar isto a matriz dentro da qual uma idéia ou conceito são criados... A matriz dentro da qual a idéia de mulher refugiada é formada é um complexo de instituições, ativistas, artigos de revista, advogados, decisões jurídicas, procedimentos imigratórios. Para não falar da infra-estrutura material, barreiras, passaportes, uniformes, balcões de aeroporto, centros de detenção, tribunais e os campos para crianças refugiadas. Você pode querer considerar estes como sociais porque são seus sentidos que são importantes para nós, mas são materiais e sua materialidade faz uma diferença substantiva para as pessoas. Igualmente, as idéias sobre mulheres refugiadas afetam o ambiente material (porque mulheres refugiadas não são violentas e não há necessidade de armas, mas há uma grande necessidade de papel, papel, papel)... (Hacking, 1999, p.10)

A abordagem sociotécnica é talvez melhor considerada como uma abordagem de socialidades e materialidades; da constituição conjunta de um mundo social e material onde todos os elementos falam à sua maneira, em seu tempo e constantemente. Entendido dessa forma, o argumento pós-moderno de que tudo é texto não soa tão estranho assim e serve como um alerta bastante importante para a busca de relações econômicas alternativas e a construção de novas intersubjetividades solidárias e coletivamente autogestionadas. É por isso que é necessário redescobrir e transformar uma tradição que foi perdida, buscar insumos para a construção de uma vida cotidiana digna. A economia solidária, as cooperativas, as experiências como a da APAEB, tal como a noção de mulher refugiada, têm suas materialidades e socialidades; como também as têm a economia capitalista, a organização hierárquica, a fragmentação, a desigualdade e a pobreza. Num estudo recente sobre mulheres trabalhadoras do sertão pernambucano, Cordeiro (2004) anotou como, para poder ter acesso aos benefícios que são direitos de todos os trabalhadores rurais, elas precisam se apresentar na repartição da Previdência para mostrar fisicamente que são trabalhadoras rurais; ou seja com unhas sujas e quebradas, com chinelos de dedo e com roupa rasgada de trabalho. É assim, ao negar às trabalhadoras a dignidade de se vestir bem para “ir na cidade”, que se materializa a agressão que é o apartheid social. Os macroprocessos e os microprocessos não são distintos, os processos sociais e a ação social formam uma figura só, de duplo rosto. Sem dúvida, muitos seriam capazes de dizer – uma vez chamada a atenção – que tais práticas são inaceitáveis; mas poucos seriam capazes de identificar e compreender tais práticas espontaneamente e muito menos discutir sobre como mudá-las. Por isso

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precisamos, mais de que nunca, de Chopwells e de Valentes capazes não somente de dar visibilidade aos problemas mas de criar caminhos para que outros possam aprender e transferir essas lições. Não há dúvida que, às vezes, é necessário ter um conjunto de circunstâncias especiais, culturais e sócio-históricas, para que esses caminhos emerjam; mas, igualmente, não há dúvida que tais lições desafiadoras, uma vez identificadas, podem ser aplicadas por todos..............

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