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Apostila de Genética Forense

Jan 07, 2016

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Apostila de Genética Forense
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  • Curso de Especializao em Biologia Forense

    Fundamentos de Gentica Forense

    Marcelo Andr de Souza Baptista

    Rio de Janeiro, Setembro de 2008

  • 2

    ndice 1. Conceitos Bsicos de Gentica e Biologia Molecular 03

    1.1. Estrutura do DNA 03

    1.2. Organizao Cromossmica do DNA 04

    1.3. Organizao dos Cromossomos Humanos 04

    1.4. Organizao do Genoma Humano 06

    1.4.1. Classes de DNA no Genoma Humano 07

    1.4.1.a. Seqncias de DNA de Cpia nica 07 1.4.1.b. Famlias de DNA Satlite 07 1.4.1.c. Famlias de DNA Repetitivo Disperso 08

    2. Variao Individual no DNA 09

    2.1. Polimorfismos de DNA de Interesse Forense 10

    2.2. Deteco e Medida da Variao Gentica ao Nvel de DNA 11

    2.3. Polimorfismos de Tamanho de Fragmento de Restrio (RFLPs) 12

    2.4. Polimorfismos de Nmero de Repeties em Tandem (VNTRs e STRs) 13

    2.4.1. Amplificao de DNA pela Reao em Cadeia da Polimerase 14

    2.5. Polimorfismos de Nucleotdeos Individuais (SNPs) 17

    2.5.1. Seqenciamento de DNA 17

    3. Base Estatstica e Populacional para Anlise de Perfis de DNA 19

    3.1. Gentica de Populaes e a Teoria das Freqncias Allicas 19

    3.1.1. Estimativa das Freqncias Allicas 19

    3.1.2. O Princpio de Hardy-Weinberg 20

    3.1.3. Aplicaes do Princpio de Hardy-Weinberg 22

    4. Bibliografia 24

    5. Anexo I: Figuras 25

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    1. Conceitos Bsicos de Gentica e Biologia Molecular

    O texto a seguir tem como propsito fornecer ao aluno uma viso geral sobre os conceitos de gentica e biologia molecular aplicados identificao humana. Os temas especficos, inovaes tecnolgicas e estudos de casos em Gentica Forense sero apresentados em sala de aula.

    1. 1. Estrutura do DNA

    A informao gentica dos organismos vivos, que determina suas caractersticas orgnicas hereditrias, est estocada em grandes macromolculas chamadas cidos nucleicos. Estes cidos nucleicos podem ser de dois tipos: o DNA (cido desoxirribonucleico) e o RNA (cido ribonucleico). Em todos os organismos celulares, inclusive ns, o material gentico o DNA que permanece estocado no ncleo (ou nucleide) na forma de cromossomos. O DNA uma molcula linear na forma de uma dupla hlice, similar a uma escada em caracol. A dupla hlice composta de duas cadeias (ou fitas) intercaladas de unidades menores chamadas nucleotdeos (Figuras 1 e 2). Cada nucleotdeo consiste em um grupamento fosfato, um acar desoxirribose e uma das quatro bases nitrogenadas diferentes, adenina, citosina, guanina, ou timina. Cada um dos quatro nucleotdeos geralmente designado pela primeira letra da base que contm: A, C, G ou T. Os quatro nucleotdeos so mostrados na Figura 1. Os carbonos da desoxirribose recebem nmeros seguidos de apstrofo (1, 2, e assim por diante) para distingu-los na numerao dos tomos das bases. No DNA, os nucleotdeos so conectados uns aos outros nas posies 3 e 5, como mostrado na Figura 2. Assim, cada cadeia dita como tendo uma polaridade, com uma ponta apresentando um grupo fosfato (PO42) 5 e a outra um grupo hidroxila (OH) 3. As ligaes covalentes entre os grupos repetidos de fosfato e acar so chamadas ligaes fosfodister.

    As polaridades das duas cadeias de nucleotdeos entrelaadas esto em sentidos opostos (Figura 2). As duas cadeias de nucleotdeos so mantidas juntas por ligaes fracas chamadas pontes de hidrognio. As pontes de hidrognio so muito especficas devido a um ajuste tipo chave-e-fechadura entre a forma e a carga atmica das bases (Figura 2). A adenina pareia-se apenas com timina, e a guanina apenas com citosina. As bases que formam os pares so ditas complementares.

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    Embora as pontes de hidrognio sejam fracas individualmente, suas ligaes combinadas mantm as duas cadeias juntas de modo estvel. Alm disso, importante que as ligaes entre as bases sejam relativamente fracas porque as duas cadeias tm que ser separadas para que o processo de replicao da molcula ocorra. Os pares de bases, que se posicionam no interior da dupla hlice, so estruturas hidrofbicas achatadas que tm uma tendncia a se empilhar devido excluso de molculas de gua. Este empilhamento confere aos dois filamentos entrelaados do DNA sua estrutura helicoidal.

    1.2. Organizao Cromossmica do DNA

    Quando uma clula divide, seu material nuclear (cromatina) perde a aparncia relativamente homognea tpica das clulas que esto em diviso e condensa-se numa srie de organelas em forma de basto, denominadas cromossomos (Figura 3). Embora os cromossomos sejam visveis como estruturas distintas apenas nas clulas em diviso, eles conservam sua integridade entre divises celulares. A cromatina compe-se de acido desoxirribonucleico (DNA) e uma classe complexa de protenas cromossmicas. Os genes, neste ponto, definimos simplesmente como unidades de informaes genticas, esto localizados no DNA cromossmico.

    Cada espcie tem um conjunto cromossmico tpico (caritipo) em termos do nmero e da morfologia dos cromossomos, cada gene possuindo uma posio precisa ou locus. O mapa gnico, grfico da localizao cromossmica dos genes, tambm tpico de cada espcie, sendo, at onde sabemos, idntico em todos os indivduos de uma mesma espcie. A posio relativa de alguns genes parece ter sido altamente conservada na evoluo recente, at mesmo entre espcies to diversas quanto homem e camundongo.

    1.3. Organizao dos Cromossomos Humanos

    Os 46 cromossomos das clulas somticas humanas constituem 23 pares. Destes, 22 so semelhantes em ambos os sexos e denominados autossomos. O par restante compreende os cromossomos sexuais XX no sexo feminino e XY no masculino. Os membros de um par (descrito como cromossomos homlogos ou apenas homlogos) possuem informaes genticas equivalentes; isto , possuem os mesmos loci gnicos na mesma seqncia, mas em qualquer locus especfico eles podem ter formas idnticas ou um pouco diferentes, quais so denominadas alelos. Um membro de cada par dos

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    cromossomos herdado do pai, o outro da me. Normalmente, os membros de um par de autossomos so microscopicamente indistinguveis um do outro. Nas mulheres, os cromossomos sexuais, os dois cromossomos X, tambm so indistinguveis. Nos homens, contudo, os cromossomos sexuais diferem. Um um X, idntico aos Xs da mulher, herdado de sua me por um homem transmitido s suas filhas; o outro, o cromossomo Y, herdado do pai e transmitido aos filhos.

    H dois tipos de diviso celular: mitose e meiose. A mitose a diviso habitual das clulas somticas, pela qual o corpo cresce, se diferencia e realiza reparos. A diviso mittica resulta normalmente em duas clulas-filhas, cada uma com cromossomos e genes idnticos aos da clula-me. Pode haver dzias ou mesmo centenas de mitoses sucessivas numa linhagem de clulas somticas. A meiose ocorre somente nas clulas da linhagem germinativa e apenas uma vez numa gerao. Resulta na formao de clulas reprodutivas (gametas), cada uma das quais tem apenas 23 cromossomos: um de cada tipo de autossomo e um X ou Y. As clulas somticas tm o complemento cromossmico diplide ou 2n (isto , 46 cromossomos), enquanto os gametas possuem o complemento haplide ou n (isto , 23 cromossomos). As anormalidades do nmero ou estrutura dos cromossomos, que em geral so clinicamente significativas, podem surgir nas clulas somticas e gametas por erros na diviso celular.

    A variao hereditria do genoma a base da gentica humana e mdica. As formas alternativas de informaes genticas num determinado locus denominam-se alelos. Muitos genes possuem apenas uma verso normal, que chamamos de alelo do tipo selvagem. Outros loci genticos exibem polimorfismo (literalmente, muitas formas), o que significa que na populao existe pelo menos dois alelos normais relativamente comuns no locus. Alm do alelo ou alelo normais, a maioria dos loci identificados tambm tem um ou mais alelos raros; de fato, muitos loci humanos foram identificados atravs de um distrbio clinicamente significativo causado alelo mutante raro.

    O gentipo de uma pessoa a sua constituio gentica, seja coletivamente em todos os loci ou, mais tipicamente, em um locus isolado. O fentipo a expresso observvel de um gentipo como um carter morfolgico, bioqumico ou molecular. Um fentipo pode ser normal ou anormal num dado indivduo.

    Um carter monognico aquele determinado por um alelo especfico num nico locus em um ambos os membros de um par de cromossomos. O alelo variante,

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    que surgiu por mutao em alguma poca do passado recente ou remoto, e em geral relativamente raro, substitui um alelo do tipo selvagem normal em um ou ambos os cromossomos. Quando uma pessoa tem um par de alelos idnticos diz-se que homozigtica (um homozigoto); quando os alelos so diferentes, ela heterozigtica (um heterozigoto). Esses termos (homozigtico, heterozigtico) podem ser aplicados a uma pessoa ou a um gentipo. Usa-se o termo mutao em gentica com dois sentidos: para indicar uma nova alterao gentica que no era previamente conhecida numa famlia e, s vezes, meramente para indicar um alelo alternativo.

    1.4. Organizao do Genoma Humano

    O genoma humano, na sua forma diplide consiste em aproximadamente 6 a 7 bilhes de pares bases (ou 6 a 7 milhes de quilobases [kb]) de DNA organizados linearmente em 23 pares de cromossomos. Pelas estimativas atuais, o genoma contm 30.000 a 70.000 genes que controlam todos os aspectos da embriognese, desenvolvimento, crescimento, reproduo e metabolismo essencialmente todos os aspectos do que faz o ser humano um organismo funcional. Assim a influncia dos genes e da gentica nos estados de sade e doena ampla e suas razes so as informaes codificadas no DNA encontrado no genoma humano. Conhecemos o papel de apenas uma pequena percentagem do nmero total de genes. No entanto, o projeto molecular e estrutural geral do genoma, de seus cromossomos e de seus genes est sendo esclarecido. A anlise da organizao do genoma humano uma rea de considervel entusiasmo na gentica humana e mdica atual; espera-se que muitas (se no todas) informaes genticas no genoma sero num futuro prximo identificadas e examinadas a nvel molecular como parte do que foi denominado Projeto Genoma Humano, um esforo internacional para mapear e estabelecer a seqncia de todo o genoma humano.

    Embora a grande maioria dos genes se localize no ncleo, um subgrupo pequeno reside no citoplasma, nas mitocndrias. Os genes mitocondriais exibem herana exclusivamente materna. Todas as clulas humanas possuem centenas de mitocndrias, cada uma contendo vrias cpias de uma pequena molcula circular, o cromossomo mitocondrial. A molcula de DNA mitocondrial mede apenas 16 kb de comprimento (menos de 0,03% do comprimento do menor cromossomo nuclear) e codifica 13 genes estruturais-chave, bem como vrios genes de cido ribonucleico (RNA) estruturais.

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    1.4.1. Classes de DNA no Genoma Humano

    A organizao do DNA no genoma humano bem mais complexa do que se imaginava at pouco tempo atrs. Apenas trs quartos de comprimento linear total do genoma consistem no denominado DNA singular ou de cpia nica, isto , o DNA cuja seqncia de nucleotdeos representada apenas uma vez (ou no mximo algumas vezes) por genoma haplide. O resto do genoma consiste em diversas classes de DNA repetitivo e abrange o DNA cuja seqncia de nucleotdeos se repete, seja perfeitamente ou com alguma variao, centenas a milhes de vezes no genoma. Embora a maioria dos (mas no todos os) 30.000 a 70.000 genes estimados no genoma seja representada em DNA de cpia nica, acredita-se que a frao de DNA repetitivo desempenhe um papel na manuteno da estrutura do cromossomo, mas talvez no desempenhe um papel essencial.

    1.4.1.a. Seqncias de DNA de Cpia nica Embora o DNA de cpia nica constitua a maior parte do DNA no genoma, sua funo ainda um mistrio porque as seqncias que codificam protenas (isto , a poro codificadora dos genes) compreendem apenas uma pequena proporo do DNA de cpia nica. Longas extenses de seqncias de DNA singular (>25kb) so bastante raras no genoma. A maior parte do DNA de cpia nica encontra-se em extenses curtas (vrios kb ou menos), entremeadas com diversas famlias de DNA repetitivo.

    1.4.1.b. Famlias de DNA Satlite

    So conhecidas vrias categorias diferentes de DNA repetitivo. Uma caracterstica distintiva til se as seqncias repetidas (repeties) esto agrupadas em um ou em alguns locais, ou se esto espalhadas por todo o genoma, intercaladas com seqncias repetidas agrupadas de cpia nica ao longo do cromossomo. Estima-se que as seqncias repetidas agrupadas constituem 10 a 15% do genoma e consistem em sries de vrias repeties curtas organizadas em tandem direto. Os diferentes tipos dessas repeties em tandem so denominados coletivamente DNAs satlites, assim chamados porque muitas das famlias de repeties em tandem originais podem ser purificadas do resto do genoma via centrifugao por gradiente de densidade como fraes satlites do DNA. O uso do termo satlite est atualmente disseminado na gentica humana e deve-se ter cuidado para no confundir DNAs satlites como os satlites citolgicos vistos nos cromossomos acrocntricos.

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    As famlias de DNA satlite variam quanto localizao no genoma, tamanho total da srie de tandem, e tamanho das unidades repetidas que constituem a srie. Algumas seqncias satlites humanas baseiam-se em repeties ou variaes, ou ambas, de uma curta seqncia como um pentanucleotdeo. Longas sries dessas repeties so encontradas nas regies de heterocromatina nos braos curtos proximais dos cromossomos 1, 9 e 16 e em quase todo o brao longo do cromossomo Y. Outros DNAs satlites baseiam-se em repeties bsicas um pouco mais longas. Por exemplo, a famlia satlite de DNA compe-se de sries em tandem de diferentes cpias de uma unidade de aproximadamente 171 pares bases, encontradas na regio centromdia de cada cromossomo humano. Em geral, as sries satlites estendem-se por vrios milhes de pares de bases ou mais e constituem at uma alta frao do contedo de DNA de um cromossomo humano.

    Um subgrupo particular de DNAs satlites no genoma humano compreende as seqncias designadas minissatlites porque o tamanho total da srie parece ser bem mais limitado. Cada minissatlite baseia-se em repeties cabea-para-cauda de um monmero de tamanho intermedirio (15 a 65 pares de bases) e geralmente abrange apenas alguns quilobases (at 20kb) no total. diferena das sries satlites altamente localizadas, acima descritas, os minissatlites distribuem-se mais ou menos ao longo da extenso de cada cromossomo. Muitas seqncias de minissatlites so importantes como instrumentos moleculares para examinar a variao acentuada que existe entre genomas de indivduos diferentes. Como uma classe, esses marcadores do DNA , como so chamados, esto revolucionando muitas reas de gentica: mapeamento do genoma humano, anlise dos cromossomos, medicina forense e diagnstico de doenas hereditrias atravs de tcnicas moleculares.

    1.4.1.c. Famlias de DNA Repetitivo Disperso

    Alm dos DNAs satlites repetitivos em tandem, outra classe importante de DNA repetitivo no genoma consiste em seqncias relacionadas que se espalham por todo o genoma, e vez de ficarem localizadas. Embora muitas famlias pequenas de DNA satisfaam esta descrio genrica, duas em particular merecem destaque porque juntas perfazem uma proporo significativa do genoma e porque foram implicadas em doenas genticas.

    Os elementos repetidos dispersos mais extensamente estudados pertencem famlia Alu, assim denominada porque a maioria dos seus membros clivada por uma

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    endonuclease de restrio bacteriana designada AluI, que era usada na purificao inicial deste DNA. (vide descrio sobre endonucleases de restrio no item 2.3). Os membros dessa famlia tm um comprimento de cerca de 300 pares de bases e so relacionados uns aos outros, mas no exibem uma seqncia idntica. No total, existem cerca de 500.000 membros da famlia Alu no genoma, estimando-se que constituam 3% do DNA humano. A segunda famlia importante de DNA repetitivo disperso a famlia L1. Os elementos L1 so seqncias repetitivas longas (com comprimento de at 6kb) encontradas em cerca de 10.000 cpias por genoma

    Num genoma to complexo e sofisticado quanto o nosso interessante que uma proporo to grande do DNA cromossmico (incluindo os DNAs satlites e repetitivos dispersos e parte do DNA de cpia nica) no tenha nenhuma funo bvia ou identificada. De fato, embora a idia seja execrvel para alguns, props-se que muitas destas seqncias (s vezes denominadas DNA egostas ou sucata) no tem absolutamente nenhuma funo, mantendo-se no genoma apenas porque exploram processos celulares para garantir a prpria propagao.

    2. Variao Individual no DNA.

    O genoma humano mais ou menos o mesmo em todas as pessoas, os mesmos genes estaro na mesma ordem com as mesmas regies intergnicas os separando. Mas o genoma humano, bem como o dos demais organismos contm muitos polimorfismos, posies onde a seqncia de nucleotdeos no a mesma em cada membro da populao. Dentre os polimorfismos (ou marcadores genticos) conhecidos, incluem-se como os mais importantes: polimorfismos de tamanho de fragmento de restrio (RFLP), nmero varivel de repeties em tandem (VNTR), repeties curtas em tandem (STR) e polimorfismos de nucleotdeos individuais (SNP) vide abaixo, para um descrio detalhada. Cada um desses polimorfismos pode ser analisado como uma regio gentica em si mesma e, em virtude da variabilidade observada, podem existir em duas ou mais formas allicas, em geral vrios alelos alternativos so descritos para um determinado locus. No devemos esquecer que para cada locus, seja de um gene ou de um marcador gentico, possvel encontrar um ou dois alelos (no mximo) por indivduo, identificado respectivamente como homozigoto ou heterozigoto para esse locus.

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    2.1. Polimorfismos de DNA de Interesse Forense

    Devido ao grande nmero de polimorfismos observados em seres humanos, virtualmente certo que cada um de ns geneticamente nico (com exceo de gmeos idnticos, vide Figura 4). Esta mesma variao gentica pode ser usada para identificar pessoas, como a impresso digital o faz. Tendo em vista que o DNA pode ser encontrado em qualquer amostra de tecido, incluindo sangue, smen, e at mesmo em saliva e cabelo, a anlise da variao gentica pode contribuir de maneira substancial na elucidao de casos forenses (casos criminais, disputas de paternidade, identificao de vtimas de acidentes, pessoas desaparecidas, e assim por diante, vide Figura 5).

    O princpio subjacente a um perfil de DNA bem simples. Se forem examinados polimorfismos suficientes em uma determinada pessoa, a probabilidade de que qualquer pessoa da populao tenha os mesmos alelos em cada locus, torna-se extremamente reduzida (Figura 5). O DNA deixado na cena de um crime sob a forma de sangue ou smen, por exemplo, pode ser tipificado quanto a uma srie de polimorfismos genticos. Devido a extrema sensibilidade da tcnica de PCR, at mesmo uma amostra residual de muitos anos pode conter DNA suficiente para uma anlise de laboratrio (Figura 6). O perfil gentico obtido a partir da anlise de laboratrio ento comparado com o de um suspeito. Se os alelos que compem estes perfis forem correspondentes ento o suspeito implicado.

    Uma questo importante se outra pessoa na populao geral poderia ter os mesmos alelos que o suspeito. O perfil do DNA poderia ento implicar falsamente a pessoa errada? Nos casos criminais, a probabilidade de se obter uma correspondncia de alelos com um membro aleatrio na populao calculada. Em funo do alto grau de variao gentica nos polimorfismos mais utilizados para finalidades forenses (mini- e microssatlites, vide abaixo), estas probabilidades so, via de regra, desprezveis. Um conjunto de apenas quatro loci de VNTR tipicamente fornecer a probabilidade de correspondncia aleatria de um em um milho. O uso de loci adicionais tornar esta probabilidade muito menor. Portanto, que um nmero suficiente de loci seja usado sob condies laboratoriais bem definidas e que os dados sejam coletados e avaliados cuidadosamente, estes perfis de DNA fornecero uma evidncia forense altamente til.

    Embora tenhamos a tendncia de pensar em tal evidncia em termos de identificao do culpado, devemos ter em mente que quando no obtida a correspondncia, um suspeito pode ser libertado. Foi relatado que aproximadamente um

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    tero dos casos de estupro nos quais foi usado o perfil de DNA, o suspeito foi libertado porque o seu DNA no correspondia amostra de evidncia. Assim, os perfis de DNA podem beneficiar os que so falsamente acusados.

    2.2. Deteco e Medida da Variao Gentica ao Nvel de DNA

    Durante sculos, ficamos intrigados com as diferenas existentes entre as pessoas. A ateno era enfocada nas diferenas observveis, como a colorao da pele e a forma e o tamanho do corpo. Apenas no sculo XX tornou-se possvel examinar as variaes dos genes, conseqncia de mutaes que se acumularam com o tempo. A avaliao da variao gentica ao nvel dos genes foi levada a cabo pela anlise direta dos polimorfismos de seus produtos, as protenas. Contudo, esta abordagem mostrou-se insuficiente para finalidades forenses.

    As diferenas genticas identificveis via polimorfismos de protenas tm sido usada em laboratrios forenses desde o final da dcada de 1960. Inicialmente, os marcadores proteicos baseavam-se nos grupos sangneos do sistema ABO. Posteriormente, outros grupos sanguineos, protenas do soro, e, mais recentemente, antgenos de histocompatibilidade (HLA) foram tipados por reao imunolgica ou eletroforese. Como os genes, em sua maioria, representam regies do DNA codificadoras de protenas e, portanto, sujeitas a rgidas presses seletivas, uma desvantagem do uso de polimorfismos de protenas o limitado grau de variao associado com esses marcadores. Assim, a identificao de alelos com alta freqncia na populao entre duas amostras de menor valor se a probabilidade de ocorrncia alta simplesmente por mero acaso. Portanto, a nfase na aplicao legal tem sido para a excluso em vez da identificao positiva quando duas amostras so comparadas.

    Outros problemas inerentes analise de protenas relacionam-se quantidade de tecido necessrio para o teste e relativa facilidade com que as protenas se degradam. Essas consideraes so particularmente relevantes quando se tem em mente a cena de um crime onde freqentemente as condies de anlise da amostra esto longe da ideal.

    Por fim, as regies codificadoras de protenas correspondem a apenas 3% do genoma humano. E o que dizer sobre a diversidade gentica nos demais 97% de DNA? Avalia-se que os seres humanos difiram em aproximadamente 1/300 a 1/500 pb. Assim, aproximadamente 10 milhes de polimorfismos podem existir entre os 3 bilhes de pares de bases que compem o genoma humano. Como existem apenas uns 100 grupos

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    sangneos e polimorfismos eletroforticos de protenas, estes enfoques detectam apenas uma pequena frao de nossa variao de DNA. E como acessar ento a enorme variabilidade gentica humana? Felizmente novas tcnicas moleculares foram desenvolvidas nos ltimos 20 anos, possibilitando a deteco direta de milhares de novos polimorfismos a nvel de DNA. Estas anlises que revolucionaram tanto a prtica quanto o potencial da gentica mdica e forense, sero discutidas a seguir.

    2.3. Polimorfismos de Tamanho de Fragmento de Restrio (RFLPs)

    O primeiro enfoque importante para a deteco da variao gentica em nvel de DNA tirou proveito da existncia de enzimas bacterianas conhecidas como endonucleases de restrio ou enzimas de restrio. Essas enzimas so produzidas por vrias espcies de bactrias para restringir a entrada de DNA exgeno na clula bacteriana, cortando o DNA em seqncias especficas feito verdadeiras tesouras moleculares. As seqncias reconhecidas pelas enzimas de restrio so chamadas stios de restrio. Por exemplo, a bactria intestinal Escherichia coli produz uma enzima de restrio, a EcoRI, que reconhece a seqncia de DNA 5GAATTC3. Cada vez que este stio encontrado, a enzima cliva a seqncia entre G e A em ambas as fitas do DNA. Isto resulta em fragmentos de restrio de DNA.

    Imagine agora uma regio do DNA que tem milhares de pares de bases de comprimento e inclua trs stios de restrio para EcoRI. Suponha que exista um polimorfismo no meio do stio de restrio (por exemplo, algumas pessoas podem ter a seqncia 5GAATTT3 em vez de 5GAATTC3 reconhecida pela EcoRI. A enzima no cortar a seqncia 5GAATTT3, embora corte os stios de restrio normais que estejam situados em ambos os lados da seqncia polimrfica. Este fragmento de DNA ser maior na pessoa que no tem o stio do que nas que o tm (Figura 7). Se estes tamanhos diferentes puderem ser diretamente visualizados, ser possvel observar diferenas de seqncias de DNA entre as pessoas (polimorfismo de DNA).

    Foram criadas vrias etapas que permitem esta visualizao. Primeiro, o DNA genmico total extrado de uma amostra de tecido, geralmente sangue. Ento o DNA exposto a uma enzima de restrio tal como a EcoRI. Este processo chamado de digesto enzimtica. A digesto produz mais de um milho de fragmentos de DNA. Para avaliar a variao de tamanho, estes fragmentos so submetidos eletroforese em gel, onde os fragmentos menores migram mais rapidamente que os maiores. O DNA desnaturado (convertido de bifilamentar para a forma unifilamentar) por exposio a

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    solues alcalinas. Para fixar permanentemente as posies dos fragmentos de DNA, eles so transferidos por capilaridade para uma membrana slida, tal como nitrocelulose, o que conhecido como transferncia de Southern, em homenagem ao inventor do processo, em meados da dcada de 1970. Neste ponto, a membrana slida contm muitos milhares de fragmentos dispostos de acordo com o seu tamanho. Diante de tantos fragmentos de DNA seria impossvel distinguir um do outro devido a sua abundncia. Como obter fragmentos especficos de DNA?

    Aqui, possvel explorar o princpio do pareamento complementar de bases do DNA. Para identificar um ou mais fragmentos relevantes dentre os milhes de fragmentos na membrana, utiliza-se uma sonda radiomarcada. A sonda consiste em um pequeno fragmento de DNA humano purificado que foi marcado, em geral com um istopo radioativo, e desnaturado at a condio de filamento nico. A membrana exposta a milhares de cpias da sonda que, em condies que favorecem a formao de DNA bifilamentar, ir ento hibridizar, isto , formar um pareamento complementar de bases, apenas com os fragmentos unifilamentares de DNA apropriados. Para visualizar a posio da sonda hibridizada, a membrana exposta a um filme de raios X, que escurece na posio da sonda devido emisso de partculas radioativas dela emanadas, formando as bandas de DNA.

    Ao final desta descrio metodolgica, cujas etapas podem ser vistas esquematizadas na Figura 8, o termo polimorfismos de tamanho de fragmentos de restrio (abreviados como RFLP, pronuncia-se riflip) agora deve ser auto-explicativo. Os RFLPs so polimorfismos revelados pela variao nos tamanhos de fragmentos de restrio.

    2.4. Polimorfismos de Nmero de Repeties em Tandem (VNTRs e STRs)

    O enfoque descrito acima geralmente detecta a presena ou ausncia de um stio de restrio. Estes polimorfismos so em geral chamados de polimorfismos de stios de restrio (RSPs). Neste caso, um polimorfismo s tem dois alelos possveis, estabelecendo um limite na quantidade de diversidade gentica que pode ser vista. Mais diversidade pode ser observada se um sistema polimrfico tiver muitos alelos e no apenas dois. Uma variao no enfoque de RFLP forneceu tal sistema. Esta variao em particular explora os minissatlites que existem pelo genoma. Os minissatlites so

    regies nas quais a mesma seqncia de DNA repetida vrias vezes, em tandem. A variao gentica medidas aqui est no nmero de repeties em uma determinada

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    regio, que varia substancialmente de indivduo para indivduo (origem do termo nmero varivel de repeties em tandem ou VNTRs).

    Os VNTRs so detectados usando-se um enfoque similar ao usado para os RFLPs convencionais. O DNA digerido com uma enzima de restrio, e os fragmentos so submetidos a eletroforese, desnaturados e transferidos para o meio slido. A diferena principal que as sondas especiais so usadas para se hibridizar apenas com uma determinada regio de minissatlite (Figura 9). Enquanto os RSPs revelam polimorfismo devido a presena ou ausncia de um stio de restrio, os VNTRs revelam polimorfismos devido a nmeros diferentes de repeties situadas entre dos stios de restrio (compare os enfoques analisando a Figura 10). O nmero dessas repeties pode variar consideravelmente nas populaes: uma regio de minissatlite pode ter apenas duas ou trs repeties, ou at 20 ou mais. Estes polimorfismos podem, portanto, revelar um alto grau de variao gentica.

    Do mesmo modo que as regies de minissatlites podem variar de tamanho, os microssatlites tambm pode variar em comprimento como resultado de nmeros diferentes de repeties. Cada repetio de microssatlite substancialmente menor que uma repetio de minissatlite (2, 3, 4 ou 5 pb de comprimento). Elas so chamadas de repeties de dinucleotdeos, trinucleotdeos, tetranucleotdeos e pentanucleotdeos, respectivamente, que em conjunto recebem a denominao de repeties curtas em tandem (STR). Uma repetio de microssatlite pode ocorrer em tandem at vrias centenas de vezes, e este nmero varia consideravelmente entre as pessoas (e geralmente entre os dois cromossomos homlogos de uma pessoa). Estes polimorfismos de repetio de microssatlites diferem dos VNTRs j discutidos, em termos de seus tamanhos, e tambm porque no so definidos por stios de restrio que flanqueiam a regio de repetio. A tcnica da reao em cadeia de polimerase (PCR), discutida a seguir, usada para isol-las (Figura 11). Os STRs so mais abundantes que os VNTRs, mais uniformemente distribudos no genoma, e mais fceis de se avaliar no laboratrio. Assim, eles se tornaram o polimorfismo de escolha da maioria dos estudos de tipagem gentica individual. Ambos os tipos de polimorfismos so teis em aplicaes forenses, como os testes de paternidade e a identificao de suspeitos de crimes.

    2.4.1. Amplificao de DNA pela Reao em Cadeia da Polimerase

    As anlises de RFLP e VNTR, que foram teis em muitas aplicaes, originalmente dependiam da transferncia de Southern e dos procedimentos de

  • 15

    clonagem. Estas tcnicas apresentam algumas limitaes. A clonagem consome muito

    tempo, em geral precisando de uma semana ou de mais de tempo de laboratrio. Alm disso, o enfoque padro da transferncia de Southern requer quantidades relativamente grandes de DNA purificado, em geral vrios microgramas (at 1 ml de sangue fresco seria necessrio para produzir esse DNA). Um enfoque mais novo para se fazer cpias do DNA, a reao em cadeia da polimerase (PCR), tornou a deteco da variao gentica ao nvel de DNA muito mais eficiente. Essencialmente, a PCR um meio artificial de replicar uma seqncia curta especfica de DNA (vrios kb pelo menos) muito rapidamente, de modo que so feitas milhes de cpias da seqncia.

    O processo da PCR exige quatro componentes principais:

    I) Dois iniciadores (ou primers), consistindo de 15 a 20 bases de DNA cada. Estas pequenas seqncias de DNA so chamadas de oligonucleotdeos, oligo indicando poucos. Os iniciadores correspondem a seqncia de DNA imediatamente adjacentes seqncia de interesse (esta seqncia pode conter uma mutao que cause doena, pode conter um polimorfismo de repetio de microssatlite). Estes iniciadores oligonucleotdeos so sintetizados usando-se um instrumental de laboratrio;

    II) DNA polimerase. Uma forma termicamente estvel desta enzima, inicialmente derivada da bactria Thermus aquaticus, efetua o processo vital de replicao do DNA (aqui chamado de amplificao);

    III) Nucleotdeos livres: dATP, dCTP, dGTP, dTTP;

    IV) DNA genmico humano. Devido extrema sensibilidade da PCR, a quantidade deste DNA pode ser muito pequena (aproximadamente 20ng);

    O DNA genmico inicialmente aquecido a uma temperatura relativamente alta (95C mais ou menos) de modo que a molcula se desnatura e fica uniflamentar. Este DNA ento exposto a grandes quantidades de iniciadores, com os quais se hibridiza por meio das bases complementares do DNA, medida que resfriado a uma temperatura de helicoidizao de aproximadamente 35 a 65C. O DNA ento aquecido a uma temperatura intermediria (70 a 75C). Na presena de um grande nmero de nucleotdeos livres, um novo filamento de DNA sintetizado pela DNA polimerase a esta temperatura, estendendo a seqncia do iniciador. O DNA recm-sintetizado consiste em um duplo filamento que tem a ponta 5 do iniciador em uma extremidade,

  • 16

    seguido das bases adicionadas por meio da extenso do iniciador pela DNA polimerase. O DNA bifilamentar ento aquecido novamente a uma alta temperatura, fazendo com que ele se desnature. O ciclo de aquecimento-resfriamento ento repetido. Agora, o DNA recm-sintetizado serve como molde para outras snteses. medida que os ciclos de aquecimento-resfriamento so repetidos, o DNA ligado ao iniciador amplificado geometricamente: o nmero de cpias dobra a cada ciclo (2,4,8,16, e assim por diante). Da o processo ser chamado reao em cadeia. Tipicamente os ciclos so repetidos a cada 20 a 30 vezes, produzindo milhes de cpias do DNA original. Em resumo, o processo de PCR consiste em trs etapas bsicas: desnaturao do DNA em alta temperatura, hibridizao do iniciador a uma temperatura intermediria e polimerizao. O resultado um produto que consiste quase que inteiramente de uma seqncia de DNA especfica. A Figura 12 resume todo o processo.

    Como cada ciclo de aquecimento-resfriamento requer apenas alguns minutos ou menos, uma tpica molcula de DNA pode ser amplificada para fazer milhes de cpias em poucas horas. Sendo o procedimento simples e autocontido, foram desenvolvidos aparelhos para automatiz-lo totalmente. Uma vez que o DNA tenha sido amplificado, ele pode ser analisado de vrios modos.

    A PCR tem vrias vantagens em relao s tcnicas anteriores. Primeiro, pode ser usada com quantidades extremamente pequenas de DNA (nanogramas ou mesmo picogramas, em oposio aos microgramas necessrios para clonagem). A quantidade de DNA em uma mancha de sangue de vrios anos, um nico fio de cabelo ou mesmo a parte de uma goma de um selo lambido so em geral suficientes para anlise. Segundo, como no requer clonagem gnica, o procedimento portanto muito mais rpido. Um exame de DNA, que requeria uma semana ou mais usando tcnicas antigas pode ser feito em um nico dia com PCR. Finalmente, como a PCR pode produzir grandes quantidades de DNA purificado, menos freqentemente necessrio usar sondas radioativas para detectar seqncias ou polimorfismos especficos. Ao invs disso, compostos marcadores no radioativos, como biotina, podem ser usados.

    A PCR tem algumas desvantagens. Primeira, a sntese dos iniciadores obviamente requer o conhecimento das seqncias de DNA que flanqueiam o DNA de interesse. Quando no h nenhuma informao disponvel sobre a seqncia, outras tcnicas devem ser usadas. Segunda, a extrema sensibilidade da PCR a torna suscetvel contaminao no laboratrio. Vrias preocupaes so comumente tomadas de modo a

  • 17

    se proteger contra contaminao. Finalmente, difcil aplicar a PCR para seqncias maiores que um ou alguns kb. Assim, ela no poder ser usada para detectar regies maiores que isso. Nestes casos, so usadas tcnicas tpicas, como a transferncia de Southern.

    Como a PCR uma tcnica poderosa e verstil, ela hoje amplamente usada no diagnstico de doenas genticas, medicina forense e gentica evolutiva. Ela suplantou a transferncia de Southern em muitas aplicaes, e hoje freqentemente usada para avaliar RFLPs e VNTRs, e principalmente STRs. A PCR to sensvel que tem sido usada para estudar o DNA de mmias, e mesmo de um neandertal com 30.000 anos. A anlise deste material mostrou que os seres humanos modernos so geneticamente bem diferentes dos neandertais, e portanto improvvel que descendam deles.

    2.5. Polimorfismos de Nucleotdeos Individuais (SNPs)

    Os polimorfismos de nucleotdeos individuais (SNPs) so os polimorfismos mais comuns no genoma humano e consistem em posies de um genoma em que qualquer um de dois ou mais nucleotdeos pode ocorrer (Figura 13). Tais mutaes pontuais podem ser tipificadas por RFLP, caso o polimorfismo recaia dentro de um stio de restrio; anlise com sondas de oligonucleotdeos especficos (tcnica abreviada como ASO, de Allele Specific Oligonucleotides), as quais se hibridizam com formas alternativas de SNP; e mais diretamente por seqenciamento de DNA.

    2.5.1. Seqenciamento de DNA

    O mtodo didesoxi de seqenciamento por terminao de cadeia do DNA inventado por Frederick Sanger que faz uso de didesoxinucleotdeos terminadores de cadeia. Eles so quimicamente muito similares aos desoxinucleotdeos comuns, a no ser por falta do grupo hidroxila na posio 2 (Figura 14). Isto impede a formao subseqente de ligaes fosfodister com bases livres de DNA. Assim, embora os didesoxinucleotdeos passam a ser incorporados hlice crescente de DNA, nenhum nucleotdeo adicional pode ser acrescentado aps terem sido includos. So usados quatro didesoxinucleotdeos diferentes, cada um correspondendo a um dos quatro nucleotdeos (A, C, G e T). O DNA unifilamentar cuja seqncia desejamos determinar misturado a iniciadores marcados com radiao, DNA polimerase, nucleotdeos comuns e um tipo de didesoxinucleotdeos. O iniciador se hibridiza posio complementar apropriada no DNA unifilamentar, e a DNA polimerase adiciona bases

  • 18

    livres molcula crescente de DNA, similar etapa de extenso de iniciador no processo de PCR. Os didesoxinucleotdeos so incorporados s cadeias do mesmo modo que o nucleotdeo correspondente. Entretanto, uma vez que o didesoxinucleotdeo se incorpore, a polimerizao interrompida e a cadeia terminada. Em qualquer posio pode ser incorporado ou o nucleotdeo comum ou o didesoxinucleotdeo correspondente. Este um processo aleatrio. O procedimento produz fragmentos de DNA de tamanhos variados, cada um terminado com um dos quatro didesoxinucleotdeos. Os fragmentos de DNA podem ser separados de acordo com o seu tamanho pela eletroforese (Figura 15). Assim, so efetuadas quatro reaes diferentes de seqenciamento, uma para cada base. Os fragmentos obtidos de cada reao so submetidos a eletroforese lado a lado no mesmo gel, de modo que a posio de cada fragmento pode ser comparada. Como cada banda corresponde a uma terminao de cadeia de DNA com uma nica base, a seqncia de DNA pode ser lida observando-se a ordem das bandas no gel aps a auto-radiografia (o iniciador radioativo indica a posio dos fragmentos no filme de raio X). Vrias centenas de pares de bases podem em geral ser seqenciadas em uma srie de reaes (Figuras 14 e 15).

    Seqenciar o DNA deste modo um processo relativamente lento, trabalhoso e sujeito a erro. Mais recentemente, foram desenvolvidas estratgias para seqenciamento automatizado de DNA usando-se sistemas de deteco fluorescente, quimioluminescente ou colorimtrico. O uso de iniciadores ou didesoxinucleotdeos marcados com fluorocromos tornou-se o mais popular destes mtodos, em parte, porque pode ser facilmente adaptado rpida automao.

    Tipicamente, um molde de DNA seqenciado usando-se um mtodo similar etapa de extenso de iniciador da PCR. Cada um dos quatro nucleotdeos diferentes pode ser marcado com um fluorocromo que emite um espectro diferente de luz. Os produtos de reao marcados com o fluorocromo so submetidos a eletroforese em um gel fino de poliacrilamida, e medida que migram, so excitados por um feixe de luz de um laser. A luz emitida capturada por uma cmera digital para a traduo em um sinal eletrnico, sendo, gerada uma imagem composta do gel. Esta imagem do gel estudada para produzir um grfico, no qual cada um dos quatro nucleotdeos diferentes representado por um pico de luz diferente. Atualmente o sistema de separao em gel em placa foi otimizado para capilares. Seqenciadores automatizados tambm podem

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    ser adaptados para triar polimorfismos de microssatlites (STRs) e polimorfismos de nucleotdeos nicos (SNPs).

    Usando-se computadores e tcnicas de automao avanadas, enfoques como esses tm aumentado muito a velocidade potencial de seqenciamento do DNA. Estas tcnicas permitiram o seqenciamento de todos os trs bilhes de pares bases do genoma humano.

    3. Base Estatstica e Populacional para Anlise de Perfis de DNA

    3.1. Gentica de Populaes e a Teoria das Freqncias Allicas

    A teoria da gentica de populaes uma teoria de freqncias allicas. Cada gene no genoma existe em diferentes estados allicos, e se for enfocado um determinado gene, um indivduo diplide um homozigoto ou heterozigoto. Em uma populao de indivduos, podemos calcular as freqncias dos diferentes tipos de homozigotos e heterozigotos de um gene, e por estas freqncias podemos avaliar a freqncia de cada um dos alelos dos genes. Estes clculos so a fundao da teoria da gentica de populaes.

    3.1.1. Estimativa das Freqncias Allicas

    Como uma populao inteira em geral muito grande para ser estudada, analisamos uma amostra representativa de indivduos dela apresentando dados de uma amostra de pessoas que foram testadas quanto aos tipos sangneos M-N. Estes tipos sangneos so determinados por dois alelos de um gene no cromossomo 4: LM, que produz o tipo sangneo M e LN , que produz o tipo sangneo N. As pessoas que so heterozigotas LMLN tm o tipo sangneo MN.

    Freqncia de Tipo Sangneos M-N em uma Amostra de 6.129 Pessoas

    Tipo Sangneo Gentipo Nmero de Pessoas

    M LMLM 1.787

    MN LMLN 3.039

    N LNLN 1.303

  • 20

    Para estimar as freqncias dos alelos LM e LN, simplesmente calculamos a incidncia de cada alelo entre todos os alelos demonstrados.

    1- O nmero total de alelos na amostra duas vezes o tamanho da amostra: 2 x 6.129 = 12.258.

    2- A freqncia de alelo LM duas vezes o nmero de homozigotos LMLM mais o nmero de heterozigotos LMLN e o total dividido pelo nmero total de alelos amostrados: [(2 x 1.787) + 3.039]/12.258 = 0,5395.

    3- A freqncia do alelo LN duas vezes o nmero de homozigotos LNLN mais o nmero de heterozigotos LMLN e o total dividido pelo nmero total de alelos amostrados: [(2 x 1.303) + 3.039]/12.258 = 0,4605.

    Assim se p representar a freqncia do alelo LM e q representar a freqncia do alelo LN, avaliamos que na populao onde a amostra foi obtida p = 0,5395 e q = 0,4605. Alem disso, como LM e LN so nicos dois alelos deste gene em particular, p + q = 1. Quando a contagem direta do nmero de alelos em uma amostra no possvel porque um dos alelos fenotipicamente dominante, no podemos estimar as freqncias allicas. Entretanto, outro mtodo, discutido na sesso seguinte, fornece estas estimativas.

    Neste exemplo, cada um dos alelos tem uma freqncia razoavelmente alta, uma que pode ser avaliada confiavelmente com uma amostra de tamanho moderado. Entretanto, alguns alelos tm freqncias de 0,01 ou menos, e a avaliao de suas freqncias, ou mesmo a sua deteco, requer uma grande amostra. Sempre que o segundo alelo mais freqente de um gene tem uma freqncia maior que 0,01, nos referimos situao como um polimorfismo gentico.

    3.1.2. O Princpio de Hardy-Weinberg

    As freqncias allicas avaliadas tm algum valor preditivo? Podemos us-las para prever as freqncias genotpicas? Na primeira dcada do sculo XX, estas perguntas foram feitas independentemente por G. H. Hardy, um matemtico britnico, e por Wilhelm Weinberg, um mdico alemo. Em 1908, Hardy e Weinberg publicaram, cada um, trabalhos descrevendo uma relao matemtica entre freqncias allicas e freqncias genotpicas de uma populao por suas freqncias allicas.

  • 21

    Suponhamos que em uma populao um determinado gene est segregando dois alelos, A e a, e que a freqncia A p e a de a q. Se considerarmos que os membros da populao se reproduzem aleatoriamente, ento os gentipos diplides da gerao seguinte sero formados pela unio aleatria de ovcito (ou espermatozide). A probabilidade que o gameta carregue o alelo A p, e a probabilidade que carregue o alelo a q. Assim, a probabilidade de produzir um homozigoto AA na populao simplesmente p x p = p2, e a probabilidade de produzir um homozigoto aa q x q = q2. Para os heterozigotos Aa existem duas possibilidades. Um espermatozide A pode se juntar a um ovcito a, ou um espermatozide a pode se unir a um ovcito a. Cada um destes eventos ocorre com a probabilidade p x q , e como so igualmente provveis, a probabilidade total de formar um zigoto Aa 2pq. Assim, supondo um casamento aleatrio, as freqncias previstas para os trs gentipos na populao so:

    Gentipo Freqncia

    AA p2

    Aa 2pq

    aa q2

    Estas freqncias previstas so os termos na expanso binomial (p + q)2 = p2 + 2pq + q2. Os geneticistas de populao referem-se a elas como freqncias genotpicas de Hardy-Weinberg. A suposio final adjacente ao Princpio de Hardy-Weinberg que os membros da populao se reproduzem aleatoriamente com relao ao gene em estudo. Esta suposio significa que os adultos na populao essencialmente formam um pool de gametas, que na fertilizao, combinam-se aleatoriamente para produzir os zigotos da gerao seguinte. Se estes zigotos tm chances iguais de sobreviver at o estgio adulto, ento as freqncias genotpicas no momento da fertilizao sero preservadas, e quando a gerao seguinte se reproduzir, estas freqncias novamente aparecero na prole. Assim com a reproduo aleatria sem sobrevida e reproduo diferencial entre os membros da populao, as freqncias genotpicas de Hardy-Weinberg e, logicamente, as freqncias allicas subjacentes persistem gerao aps gerao. Esta condio chamada de Equilbrio de Hardy-Weinberg. O equilbrio de Hardy-Weinberg muitas vezes no observado em populaes naturais devido

  • 22

    interferncia de foras que perturbam este equilbrio alterando freqncias allicas. Estas foras mutao, migrao, seleo natural e deriva gentica aleatria tm papis importantes no processo evolutivo.

    3.1.3. Aplicaes do Princpio de Hardy-Weinberg

    O Princpio de Hardy-Weinberg se aplica ao exemplo do tipo sangneo M-N em populao real. A partir dos dados do quadro a seguir, a freqncia do alelo LM foi estimada como sendo p = 0,5395 e a freqncia do alelo LN foi estimada como sendo q = 0,4605. Com o Princpio Hardy-Weinberg, agora podemos usar freqncias allicas para prever as freqncias genotpicas dos genes para o tipo sangneo M-N:

    Gentipo Freqncia de Hardy-Weinberg

    LMLM p2 = (0,5395)2 = 0,2911

    LMLN 2pq = 2 (0,5395) (0,4605) = 0,4968

    LNLN q2 = (0,4605)2 = 0,2121

    Estas previses correspondem aos dados originais dos quais as duas freqncias allicas foram estimadas? Para responder a esta pergunta, devemos comparar os nmeros de gentipos observados com os nmeros previsto pelo Princpio de Hardy-Weinberg. Obtemos estes nmeros previstos multiplicando as freqncias de Hardy-Weinberg pelo tamanho da amostra obtida da populao.

    Gentipo Nmero Previsto

    LMLM 0,2911 X 6.129 = 1.784,2

    LMLN 0,4968 X 6.129 = 3.044,8

    LNLN 0,2121 X 6.129 = 1.300,0

    Assim, os resultados so extraordinariamente prximos aos dados da amostra original apresentados e os desvios observados foram obtidos por obra do acaso. Podemos verificar a concordncia entre os nmeros observados e os previstos

  • 23

    calculando uma estatstica apropriada como a do teste do qui-quadrado. No entanto, o desenvolvimento da estatstica do qui-quadrado est alm do objetivo deste texto.

    Conclumos ento que as freqncias genotpicas previstas esto de acordo com as freqncias observadas na amostra, e mais ainda, deduzimos que na populao da qual a amostra foi obtida dos gentipos M-N esto nas propores de Hardy-Weinberg, um achado que no surpreendente tendo em vista que o casamento em geral no baseado no tipo sangneo.

    Para os genes alelos mltiplos, as propores genotpicas de Hardy-Weinberg so obtidas expandindo-se a expresso multinomial. Por exemplo, os tipos sangneos ABO so determinados pelos trs alelos IA, IB e IO . Se as freqncias deles so p, q, r, respectivamente, ento as freqncias dos seis gentipos diferentes no sistema de tipo sangneo ABO so obtidas pela expanso trinomial (p + q + r)2 = p2 + q2 + r2 + 2pq + 2qr + 2pr:

    Tipo Sangneo Gentipo Freqncia

    A IAIA p2

    IAIO 2pr

    B IBIB q2

    IBIO 2qr

    AB IAIB 2pq

    O IOIO r2

    Existem muitos motivos pelos quais o Princpio de Hardy-Weinberg no pode ser aplicado a uma populao particular. A reproduo pode no ser aleatria, os membros da populao portadores de alelos diferentes podem no ter chances iguais de sobrevida e reproduo, a populao pode ser dividida em unidades parcialmente isoladas ou pode ser um amlgama de populaes diferentes que se juntaram recentemente por migrao.

  • 24

    4. Bibliografia

    Brown, T. A. (2003). Clonagem Gnica e Anlise de DNA: Uma Introduo. 4 Ed. ARTMED.

    Comit sobre a Tecnologia do DNA na Cincia Forense. (1999). A Tecnologia do DNA na Cincia Forense. FUNPEC, Ribeiro Preto.

    Jeffreys, A. J., Wilson, V., & Thein, L. S. (1985). Individual-specific fingerprints of human DNA. Nature. 314: 67-73.

    Krawczak, M. & Schmidtke, J. (1998). DNA Fingerprinting. 2nd edn. BIOS. Scientific Publishers, Oxford.

  • 25

    5. Anexo: Figuras

    Figura 1. Estrutura qumica dos quatro nucleotdeos que so os blocos de construo fundamentais do DNA.

  • 26

    Figura 2. A dupla hlice do DNA desenrolada para mostrar as ligaes desoxirribose-fosfato e os degraus de pares de bases.

  • 27

    Figura 3. Organizao cromossmica do DNA.

    Figura 4. Perfis de DNA de dois pares de gmeos monozigticos (ou idnticos) e um par de gmeos dizigticos (ou fraternos).

  • 28

    (A) (B)

    Figura 5. Perfis de DNA de interesse forense utilizando sondas multilocal (A) e unilocal (B) de VNTR.

    Figura 6. Perfis de DNA de interesse forense utilizando sistema de PCR multiplex para oito loci de STR.

    VNTR

  • 29

    Figura 7. Polimorfismo de Tamanho de Fragmento de Restrio (RFLP). Heterozigosidade no stio de restrio da enzima HpaII (isolada de Haemophilus parainfluenzae) que reconhece a seqncia 5CCGG 3.

  • 30

    Figura 8. Transferncia e Hibridizao de Southern.

  • 31

    Figura 9. Deteco de polimorfismos de minissatlites (VNTR) por hibridizao de Southern.

    Figura 10. Comparao entre dois tipos de polimorfismo detectados por hibridizao de Southern: (A) RFLP diallico e (B) VNTR multiallico.

  • 32

    Figura 11. Deteco de polimorfismos de microssatlites (STR) por PCR.

    Figura 12. A Reao em Cadeia da Polimerase (PCR).

    Oligo A Oligo B

    Oligo A Oligo B

    Alelo 1

    Alelo 2

    1 STR

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    . . . A T A G A C C A C A T G G C A A . . .

    . . . A T A G A C T A C A T G G C A A . . .

    Figura 13. Polimorfismo de Nucleotdeos Individuais (SNP).

    Figura 14. Seqenciamento de DNA pelo mtodo didesoxi de Sanger.

  • 34

    Figura 15. Interpretao da auto-radiografia de um seqenciamento de DNA pelo mtodo didesoxi.