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Animismo ou espiritismo ernesto bozzano

Jul 05, 2015

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Helio Cruz
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Page 1: Animismo ou espiritismo   ernesto bozzano

WWW.AUTORESESPIRITASCLASSICOS.COM

LIVRODE

ERNESTO BOZZANO

ANIMISMO OU ESPIRITISMO????

PREFAÇÃO

CAPITULO IAnimismo ou Espiritismo?

CAPITULO IIOs poderes supranormais da subconsciência podem

circunscrever-se dentro de limites definidos

CAPITULO IIIAs comunicações mediúnicas entre vivos provam a

realidade das comunicações mediúnicas com defuntos

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CAPITULO IVDos fenômenos de bilocação

CAPITULO VNão é verdade que o Animismo utiliza, as provas em favor

do Espiritismo

CONCLUSÕES

PREFAÇÃO

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Devo, antes de tudo, informar o leitor acerca das origens eda natureza do presente Livro, que não é uma obra nova, noverdadeiro sentido do termo, e que jamais tive idéia de escrever.

Eis como se passaram as coisas.O Conselho Diretor do Congresso Espírita Internacional, de

Glasgow, que se reuniu na primeira semana de Setembro docorrente ano (1937), me escreveu, convidando-me a deleparticipar pessoalmente, oferecendo-me o cargo honorífico device-presidente do mesmo Congresso e pedindo que eu enviasseum resumo da minha obra, em torno do tema: Animism orSpiritualism: Which explains the facts? (Animismo ouEspiritismo! Qual dos dois explica o conjunto dos fatos)Formidável encargo, pois que se tratava de resumir a maior parteda minha obra de quarenta anos. Mas, de súbito, o tema se meapresentou teoricamente muito importante. Aceitei então, semhesitar, o convite e, como escasso era o tempo e vasta a tarefa,pus-me a reunir todas as minhas publicações sobre o assunto:livros, monografias, opúsculos, artigos lançando-me semdemora ao trabalho.

Do resumo ficou excluída uma importante seção da minhaobra, porque o desenvolvimento do tema exigia que euconfutasse, baseando-me em fatos, a inefável objeção anti-espirítica segundo a qual, não se podendo assinar limites àsfaculdades supranormais da telepatia, da telemnesia, datelestesia, também nunca será possível demonstrar-seexperimentalmente, portanto, cientificamente, a existência e asobrevivência do espírito humano. Como se sabe, essa gratuitaobjeção se refere exclusivamente aos casos de identificaçãoespirítica, baseada nos informes pessoais fornecidos pelosdefuntos que se, comunicam, casos que perderiam todo o valordemonstrativo, desde que resultasse fundada a referida objeção,porquanto, então, seriam explicáveis em massa, com os poderesda subconsciência, os quais chegariam a extrair os...aludidos

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informes das subconsciências dos vivos que, embora distantes,houvessem conhecido os mencionados defuntos (telemnesia).Nessas condições, se eu quisesse eliminar preventivamente todapossibilidade de crítica às conclusões expostas no presentetrabalho, necessário se fazia não levar em conta as minhaspesquisas sobre casos de identificação espirítica, da naturezaindicado, e não levar em conta, tão-pouco, os meus laboriososesforços de análise comparada acerca das mensagens em que osdefuntos descrevem o ambiente em que se encontram.

Assim foi que procedi, chegando desse modo afazeremergir, baseada nos fatos, uma verdade metapsíquica que,conquanto evidentissima, era miseramente esquecida pelospropugnadores da objeção em causa. Aludo ao fato de que asprovas de identificação espirítica, fundadas nas informaçõespessoais fornecidas pelos defuntos que se comunicam, longe deserem as únicas que se podem conseguir para a demonstraçãoexperimental da sobrevivência, mais não são do que simplesunidade de prova, entre as múltiplas provas que se podem extrairdo conjunto dos fenômenos metapsíquicos, mas, sobretudo, dasmanifestações supranormais de ordem extrínseca, as quais, deninguém dependendo, resultam independentes dos poderes dasubconsciência. Tais, por exemplo, os casos das aparições dosdefuntos quando ainda no leito de morte e os das aparições dosdefuntos pouco depois da morte, assim como outras importantescategorias de fenômenos metapsíquica, que reuni e comentei noextensíssimo e resolutivo Capítulo V do presente trabalho:

Noutros termos: procedendo desse modo, logrei demolir aúnica hipótese de que dispunham os opositores para, de certaforma, neutralizarem a interpretação do alto mediunismo,hipótese que, embora absurda e insustentável, pareciaembaraçosa, visto que, por ser indemonstrável, se tornavairrefutável. Ver-se-á, porém, que, ao contrário disso, chegueiigualmente a demoli-la, estribando-me nos fatos, de sorte que, à

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questão que me foi proposta: Animismo ou Espiritismo, qualdos dois explica o conjunto dos fatos fácil se me tornouresponder, nos termos seguintes:

Nem um nem outro logra, separadamente, explicar oconjunto dos fenômenos supranormais. Ambos sãoindispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois que sãoefeitos da uma causa única e esta causa é o espírito humano que,quando se manifesta, em momentos fugazes, durante aencarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando semanifesta mediunicamente, durante á existência desencarnada,determina os fenômenos espirítico .

Esta e unicamente esta a solução legítima do grandeproblema, dado que ela se apresenta como resultante matemáticada convergência de todas as provas que advêm da coletâneametapsíquica, considerada em seu conjunto.

Acredito, portanto, haver produzido um labor profícuo, aserviço da causa da Verdade, labor cujo desenvolvimento serevela praticamente mais formidável do que tudo quanto euimaginara, pois não tardei a me aperceber de que asargumentações e os comentários sobre os casos, na formaespecial que lhes eu dera, não se adaptaram a um trabalho desíntese geral. De sorte que tive de remanusear, de remanusearum pouco por toda parte. Ora, refazer é mais difícil do quefazem.

Como quer que seja, ,agora que concluí, muito me alegraque o Conselho Diretor do Congresso de Glasgow me hajalevada a resumir-me a mim mesmo, porquanto da síntese demuitas publicações minhas, longas, breves, de ocasião,condensadas num livro, de pequeno porte, some incontestável asolução espírita do mistério do ser.

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CAPITULO I

Animismo ou Espiritismo?

As faculdades supranormais subconscientes independem dalei de evolução biológica

Foi no ano de 1891 - data para mim memorável - que pelavez primeira me pus em contacto com as pesquisas psíquicas eisso se deu por obra do professor Ribot, diretor dá RevuePhilosophique, o qual espontaneamente me enviou o primeironúmero dos Annales des Sciences Psychiquea, em que se falavade telepatia. Essa fortuita coincidência decidiu para sempre domeu futuro de escritor e de pensador. Uma vocaçãopredominante me havia, ao invés, conduzido a ocupar-me,exclusiva e apaixonadamente, de filósofa científica e HerbertSpencer era, naquele tempo, o meu ídolo. Durante dois anos, euestudara, ininterruptamente, anotara, classificara com imensoamor todo o conteúdo do seu imponente e enciclopédico sistemafilosófico, para, em seguida, lançar-me de corpo e alma nas lutasdo pensamento, empenhando-me em polêmicas com quemousasse criticar os argumentos e as hipóteses que o meuvenerado Mestre formulara. Transformara-me em apóstolo domeu ídolo, o que significa que em tudo pensava e sentia comoHerbert Spencer e a concepção mecânica positivista do Universoera a minha profissão de fé. Acrescente-se que, ao passo queadmirava a suprema sabedoria do grande filósofo, queintencionalmente se apartara do grosseiro materialismoimperaste no seu tempo, dedicando a primeira parte dos seusFirst Principies à teoria do Incognoscível e afirmando com issoo próprio agnosticismo em presença do enorme mistério do ser;

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ao passo - digo - que admirava a suprema sabedoria daquele queassim se comportava, a síntese conclusiva das minhasconcepções filosóficas gravitava decisivamente, nada obstante,nas órbitas dos Buchner, dos Maleschott, dos Haeckel, quenegavam a existência de um Ente Supremo e a sobrevivênciahumana. Nessa conformidade, defendia eu, nas revistasfilosóficas, esse ponto de vista com apaixonado ardor,correspondente, em tudo, ao que mais tarde viria a demonstrarem defesa de uma causa diametralmente oposta, poréminfinitamente mais reconfortante.

Pareceu-me oportuno começar lembrando esse período domeu passado filosófico, porque o vigor com que agora defendo acausa espiritista a alguns se afigura indício manifesto de que afirmeza das minhas convicções, longe de exprimir a síntese deprofundas pesquisas em torno dos fenômenos supranormais, édevida à invasão de um misticismo congênito, perturbador detodo juízo sereno. Nada mais distante da verdade: não existe,nem nunca existiu em mim indício de misticismo e o fervor comque defendo as minhas presentes convicções filosóficas é apenasexpressão do meu temperamento de escritor. Tanto assim que,quando militava nas fileiras dos pensadores positivista-materialistas, sustentava com igual ardor apaixonadas as minhasconvicções filosóficas de então.

Dito isto, entro, sem mais, no assunto.Como já disse, há quarenta anos que me dedico a pesquisas

psíquicas; mas, nos primeiros nove anos, nada escrevi a respeito,porque de pronto medira a formidável complexidade da novaCiência da Alma e, conseguintemente, compreendera anecessidade de penetrar nela a fundo, remontando-lhe àsorigens, investigando-a na história dos povos civis, bárbaros;selvagens, bem como experimentando a todo custo.

Por essa misteriosa lei que casualmente aproxima um dooutro indivíduos que têm fortes afinidades intelectuais e

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aspirações científicas do mesmo sentido, cheguei presto aconstituir em Gênova um grupo escolhido de estudiosos damatéria, entre os quais o professor Henrique Morselli, oprofessor Francisco Porro, Luiz Arnaldo Vassallo, grandejornalista e escritor, e o doutor José Venzano, conhecidíssimoprofissional. Cheguei, outrossim, a descobrir e desenvolverótimos médiuns particulares e, mais tarde, a fazer experiências,durante anos, com a célebre Eusápia Paladino, Fica, pois,entendido que, se deixei passassem nove anos antes demergulhar a pena no assunto metapsíquicos, não menos certo éque gastei muito bem o meu tempo, uma vez que então mesentia senhor de fortíssima preparação e conquistara o direito deexternar publicamente a minha opinião sobre o formidável tema. Quando me decidi a entrar na liça, é de assinalar-se que oprimeiro artigo que publiquei na Revista de Estudos Psíquicos,então dirigida por César de Vesme, foi precisamente um artigoem que demonstrava que o Animismo prova o Espiritismo. Daíem diante, não mais pude deixar de eviscerar, sob todos osaspectos, essa questão, que é fundamental para a corretainterpretação da fenomenologia metapsíquica e cuja solução, emsentido espirítico, se apresenta como a única apta a explicar oconjunto inteiro dos fenômenos supranormais .

Mas, se do ponto de vista deste trabalho - cujo tema me foisugerido pela Comissão Diretora do Congresso EspíritaInternacional de Glasgow (1937) - me apresso a ponderar que ofato de haver explanado, por trinta e seis anos, a grande questão,submetendo-a a todas as provas e contemplando-a sob todos osaspectos, forçoso torna concluir-se que nada de novo podereiaditar ao que já publiquei, patente se faz, ao mesmo tempo, quedeverei limitar-me a resumir, em parte mínima, a imensa molede trabalho realizado .

O artigo a que aludi tinha por título - Espiritualismo e críticacientífica . Apareceu em o número de Dezembro de 1899 da

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Revista de Estudos Psíquicos e nele eu refutava, apoiando-meem fatos, a hipótese formulada pelos opositores contra ainterpretação espirítico das manifestações dos defuntos. Emseguida, reforçava a confutação, invadindo o campo adversário edemonstrando que, mesmo quando se excluíssem os casos deidentificação espiritista, bastaria sempre o fato da existência defaculdades supranormais subconscientes para fornecer a provaincontestável da sobrevivência humana. Abstenho-me deresumir a substância do ponto debatido, porque, tendo depoisvolvido muitas vezes ao assunto, sempre com maior eficiênciade dados e argumentos, não é necessário citar essa primeirareferência ao tema controvertido, referência que terminava comuma espécie de desafio concebido nestes termos:

Poderá alguém se mostrar duvidoso ou céptico com relaçãoaos fenômenos sobre que se fundam as minhas conclusões;desses, porém, me desembaraçarei com uma pergunta: Estaríeisdispostos a reconhecer por incontestáveis os meus argumentos,desde que os fatos se revelassem conformes em tudo à verdade?Se sim (e não pode ser diversamente), nada mais peço, nem deoutra coisa pretendo cuidar. Os fatos são fatos e saberão impor-se, pela sua própria força, pouco a pouco, mal grado a tudo e atodos. A mim me basta se reconheça verdadeira a observaçãoseguinte: As conclusões podem ter-se por incontestáveis, sob acondição de que os fatos sejam verdadeiros. Quanto aos fatos,repito, abrirão caminho por si mesmos e os espiritistas se sentemplenamente seguros e tranqüilos com respeito a esse ponto.

Os casos a que me referia não eram fatos de identificaçãoespirítica, mas episódios escolhidos de fenômenos anímicos,quais a leitura do pensamento, a telepatia, a visão através decorpos opacos, a clarividência no presente, no passado e nofuturo, fenomenologia que me bastava para chegar às conclusõesa que me propunha, ou, seja, à demonstração de que oAnimismo prova o Espiritismo . De todo modo, repito que, não

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podendo eximir-me de voltar ao tema com mais amplodesenvolvimento, me reservo o direito de recorrer a outrostrabalhos, a fim de ilustrar o importantíssimo tema, que éfundamental para a defesa da tese espirítica, sobretudo, seconsiderar que o sistema de luta de que se valem os opositores éo de esforçarem-se, primeiramente, por demonstrar que a gênesedas faculdades supranormais subconscientes se inclui na órbitada evolução biológica da espécie. Em seguida, tendo-selibertado de grandíssimo obstáculo inicial, eles se julgamautorizados a ampliar, à vontade, os poderes supranormais dasfaculdades em apreço, à medida que se produzem incidentes deidentificação de defuntos, incidentes cada vez mais inexplicáveispar meio de hipóteses naturalísticas. Essas ampliações jáchegaram aos portentosos extremos de conferirem àsubconsciência humana os atributos divinos da onisciência e daonisciência.

Do que fica exposto decorre que a primeira objeção a serrefutada, ou, se o preferirem, o primeiro erro a ser corrigido nasopiniões dos opositores gira em torno do fato de que eles, paraalcançarem seu escopo, se servem das faculdades normaissubconscientes, no pressuposto de que o perturbador enigma deexistirem, na subconsciência humana, portentosas faculdadespraticamente inúteis, se pode elucidar em sentido naturalístico e- no pressuposto também de terem alcançado seu objetivo com oformularem diversas hipóteses que, embora contrastando umascom outras, concordam todas em constranger - assim direi - asfaculdades supranormais subconscientes a entrar na órbita da leide evolução biológica, condição indispensável, esta última, alhes legitimar cientificamente a origem naturalística. Porque, se,ao contrário, as faculdades de que se trata independessem da leide evolução biológica, tal fato, então, provaria a gêneseespiritual das aludidas faculdades, com as conseqüênciasteóricas daí decorrentes.

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São as seguintes às hipóteses formuladas a esse propósito:1.° - As faculdades supranormais subconscientes São

resíduos de faculdades atávicas que se foram atrofiando por abrada seleção natural, visto se haverem tornado inúteis à ulteriorevolução biológica da espécie.

2.° - As faculdades supranormais subconscientes sãorudimentos abortivos de sentidos que nunca evolveram e jamaisevolverão, por inúteis à espécie na luta pela vida .

3.° - As faculdades supranormais subconscientesrepresentam outros tantos germens de sentidos novos destinadosa evolver nos séculos, até emergirem e ai fixarem estavelmentena espécie.

4.° - O fato de se manifestarem nalguns indivíduos, emlampejos fugazes, faculdades sensórias de ordem supranormalnão implica que as mesmas faculdades hajam de existir, emestado latente, nas subconsciências de todos.

Tais as hipóteses com que os opositores ganham a ilusão dehaverem constrangido as faculdades supranormaissubconscientes a encaixar-se na órbita da lei de evoluçãobiológica.

Postas as coisas nestes termos, faz-se mister demonstrar aosopositores que tudo concorre para provar o contrário, isto é, queas faculdades supranormais subconscientes não são e não podemser levadas a cargo da evolução da espécie e que, ao demais,semelhantes conclusões resultam validíssimas, mesmo nahipótese de que as aludidas faculdades se destinassem a emergire fixar-se na espécie em afastadíssimo porvir, hipótese que,entretanto, se revela insustentável em face da análise comparadados fatos, assim como insustentáveis se revelam as outrashipóteses menores acima enumeradas.

Dito isto, entro no assunto, cuidando, antes de tudo, deeliminar rapidamente três das mencionadas hipóteses, as quais

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tão inconsistentes se mostram, que não apresentam valor teóricode espécie alguma.

Para clareza da discussão, importa começar lembrando quenos eixos da teoria evolucionista se encaixam duas leisbiológicas indissoluvelmente conjugadas entre si : a dasvariações espontâneos nos organismos vivos, variações que, porserem úteis aos indivíduos na diuturna luta pela vida, chegamgradativamente a fixar-se e a evolver na descendência, emvirtude de outra lei, a da seleção natural, que se compendia nofato da progressiva extinção dos indivíduos menos aptos àquelaluta e na sobrevivência dos mais aptos, o que, necessariamente,leva à elaboração de organismos estavelmente providos dossentidos e das faculdades mais adequadas ao ambiente em queeles vivem.

Aplicando essas leis biológicas à primeira das hipótesesacima citadas, em que se afirma que as faculdades supranormaissubconscientes são resíduos de faculdades atávicas que se foramatrofiando por obra da seleção natural, porque se haviam tornadoinúteis à ulterior evolução biológica da espécie, logo seevidencia que a própria hipótese se acha em flagrantecontradição com os fatos. Para que disso se convença quem querque seja, bastará considere o modo por que praticamente sedesenvolve a luta pela vida, na espécie humana. Do chefe deuma tribo selvagem, que procura penetrar com astúcia opensamento douto chefe seu antagonista, até ao generalíssimo deum exército moderno, aplicado a prever, para preveni-los, osmovimentos do inimigo; do tirano da antiguidade, que vigiadesconfiado os seus cortesãos aduladores, ao juiz de instruçãodo nosso tempo, a estudar o meio de colher do delinqüente o seusegredo ; do homem de governo que se esforça por descobrir ospropósitos de um chefe de partido contrário, ao ávidocomerciante que espreita o seu concorrente para sobrepujá-lo; doamante infortunado que vela sobre os passos do odiado rival, ao

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marido ciumento, que esquadrinha no olhar da esposa a prova dasua culpa, entre os homens, reinou sempre um afanosoenfurecimento recíproco e sem trégua, com o fim, da parte decada um, de penetrar no ânimo dos outros e tudo isso,necessariamente, fatalmente, pois que, em tal sentido é que urgea luta pela vida. Segue-se daí que se a espécie, nalgum tempo, sehouvesse achado provida normalmente dos sentidos telepáticos eclarividentes, estes, longe de se atrofiarem pelo desuso, deveramafinar-se e evolver rapidamente na descendência, em virtude dalei de seleção, que houvera conduzido fatalmente à gradualextinção dos indivíduos imperfeitamente aparelhados dosmesmos sentidos e à sobrevivência dos melhormente dotadosdeles.

Tudo isto parece, com efeito, tão manifesto, que não se meafigura necessário estender-me mais sobre o tema.

Por idênticas considerações, igualmente insustentávelconsidero a segunda das hipóteses em exame, que o professor A.J. Balfour expõe da seguinte maneira: Não será, porventura,lícito supor-se nos achemos aqui em presença de rudimentaresgermens de sentidos que nunca se desenvolveram e que,provável mente, jamais se desenvolverão por obra da seleçãonatural, visto serem simples produtos de refugo da grande tramaevolucionista, isto é, produtos que de maneira nenhumapoderiam utilizar-se ? E pode dar-se (aventuro uma merahipótese inverificável), pode dar-se, digo, que, nos casos deindivíduos assim dotados normalmente, venhamos a encontrar-nos em face de faculdades que não teriam deixado de evolver ede tornar-se patrimônio comum da espécie, se houvessemdemonstrado merecedoras de que com elas se ocupasse aNatureza, ou, seja, se houvessem mostrado propícias, dequalquer modo, à luta pela vida. (Proceedings of the S . P . R . ,vol .X, pág.7) .

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Temos visto, ao contrário, que a grandíssima utilidade detais faculdades teria coincidido, de forma incontestável, com asdiretivas que a luta pela vida impõe à espécie humana.Estabelecido este ponto, torna-se ocioso recorrer a outrosargumentos para demonstrar que a referida hipótese resultaerrada nas premissas e não resiste à prova dos fatos .

Passo, portanto, ã terceira das hipóteses a serem eliminadas.Segundo esta, o fato de se manifestarem faculdadessupranormais em alguns indivíduos não implica que taisfaculdades hajam de existir, em estado latente, nassubconsciências de todos. E uma hipótese indispensável aospropugnadores da tese naturalística, porquanto necessária acorroborar o asserto de que as faculdades supranormaissubconscientes, à guisa das faculdades sensórias normais, seoriginam de uma única lei biológica: a das variaçõesespontâneas, variações que, em virtude de outra leicomplementar, a da seleção natural, viriam a generalizar-segradualmente na espécie.

Nada de mais racional, à primeira vista, do que semelhantehipótese e ninguém pensaria em contradizer o Sr. MarceloMangin, quando observa: Poderei desejar, durante vinte anos,com todas as forças de minha alma, adquirir esses donsmaravilhosos, sem que ao cabo do vigésimo ano perceba emmim o mais insignificante indício de tais dons . (Annales desSciences Psychiques, 1903, pág. 241) . Apresentada sob essaforma, a argumentação parece incontestável, o que não impedeque, tomando por base a análise comparada dos fatos, se tenhade concluir resolutivamente no sentido da universalidade dosaludidos dons . Para verificar-se que assim é, bastará se pondereque a grande maioria dos indivíduos com os quais se dãomanifestações da natureza das de que tratamos se conservam nascondições negativas do Sr. Marcelo Mangin, enquanto não lhessobrevém alguma enfermidade grave, ou não lhes chega à hora

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da agonia, ou não lhes sucede algum sério acidente traumático-cerebral, ou não lhes acontece cair em delíquio, ou submeter-sea experiências sonambúlico-hipnóticas, ou fazer inalações deéter e assim por diante.

Para esclarecimento do tema, resumirei alguns casos dogênero.

Em o número de Novembro-Dezembro de 1904, do Bulletinde Institut Général Psychologique, o Doutor Sollier . narra queum indivíduo, tendo caído de um trem em marcha, apresentarasérias perturbações nervosas de origem traumática e que,simultaneamente, se revelaram nele faculdades telestésicas.Através da espessura de uma parede de 40 centímetros delargura, percebia os acenos que o doutor lhe fazia, chamando-o eacorria, precipitando-se com fúria para a porta. No caso, nãopodia tratar-se de transmissão do pensamento, porquanto oDoutor Sollier nunca chegou a transmitir ao paciente ordem parair ter com ele e, na entanto, aquele se precipitava infalivelmentepara a porta, com o costumado ímpeto, a um aceno que o doutorlhe fazia com a mão, chamando-o . Aí está, pois, um indivíduoque certamente não imaginara possuir o dom da visão através decorpos opacos, antes que, atingido por sério acidente traumático,este lho houvesse revelado.

Nos Annales des Sciences Psychiques, ano de 1899, pág.257, é narrado o caso do engenheiro E. Lacoste que, atacado degrave congestão cerebral, complicada de febre tifóide,permaneceu em estado de inconsciência e de delírio por mais deum mês, dando, durante este tempo, prova de possuir faculdadestelepáticas e telestésicas. Entre outros fenômenos que produziu,anunciaram um dia a chegada a Marselha (ele residia em Tolosa)de seis caixas com alfaias, esperadas, de há muito, do Brasil eacrescentou que era preciso recusá-las ou apresentar umareclamação, porquanto uma delas fora substituída, precisamentea que continha os retratos, as capas, os vestuários, assim como

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diversos outros objetos de valor. Verificou-se que tudocorrespondia plenamente à verdade e que na caixa quesubstituíra a outra apenas havia coisas que nada valiam. Ora,indubitavelmente, o engenheiro Lacoste não se creria depositárioinconsciente de faculdades supranormais, se, para testificar nãolhe houvesse sobrevindo uma enfermidade grave.

Nas Memórias, de Sir Almeric Fitzroy, se descreve a mortede Lord Hampden, que jazeu inconsciente 48 horas, assistidopor seu filho Tom. Este, não notando indícios de que o enfermorecuperasse os sentidos, resolveu ir a casa jantar, tomando-lhe oposto Lady Hampden. De improviso o agonizante abriu os olhose exclamou: Que aconteceu a Tom? Surpreendida, LadyHampden respondeu: Tom foi jantar e está perfeitamente bem.Não - replicou o enfermo, acrescentando com grande ansiedade -ele se acha em grave perigo . E, tendo-o dito, recaiu em estadode inconsciência e pouco depois morria. E que Tom, indo paracasa numa caleça, esta colidiu com um ciclista, colisão de quelhe resultaram graves conseqüências. (Light, 1925, pág. 433).Sem dúvida, Lord Hampden, à maneira de Marcelo Mangin teriatido o pleno direito de observar, a quem quer que o interrogue arespeito, que estava bem certo de não possuir faculdades declarividência e, nesse caso, a hora da agonia interviera paradesmenti-lo, revelando a existência daquelas faculdades na suasubconsciência.

Não apresentarei outros exemplos. Cingir-me-ei a lembrarque se contam por centenas os casos desse gênero, nos quais senota uma variedade altamente sugestiva de situações episódicas,conducentes, de modo irresistível, às seguintes conclusõesgerais:

Tendo-se em conta que se manifestarem de súbito nohomem faculdades supranormais, muitíssimo superiores,àsnormais, não pode ser atribuído ao fato de que um trauma nacabeça, um delírio febril, um estado comatoso, ou uma inalação

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de éter as tenham criado do nada, forçoso será se deduza que taisfaculdades existem, em estado latente, nas subconsciências detodos e que os estados traumáticos, febris, comatosos,determinando no indivíduo um enfraquecimento ou uma paradatemporária das funções da vida de relação, chegam a criar umacondição favorável a que as ditas faculdades surjam, tambémtemporariamente. Por outras palavras: as faculdades dasubconsciência, em virtude da sobrevinda parada, teriam meio -por assim dizer - de infiltrar-se pelas comissuras que se abriramno diafragma que as separa das faculdades psíquicas conscientese de irromper no campo da consciência normal.

Segue-se que, baseado nas provas de fato acima expostas enas considerações daí decorrentes, a ninguém será lícitopretender que na sua própria subconsciência não existamfaculdades supranormais. Ninguém poderá afirmar comsegurança senão que não é sujeito a irrupções espontâneas dasfaculdades subconscientes no plano consciente e normal dapsique, irrupções que constituem a diferença que existe entre oschamados sensitivos e os que não o são.

Com isto, considero respondida exaustivamente a questãoimplícita na hipótese acima reproduzida. Resta discutir a últimadas quatro formuladas pelos opositores, hipótese esta que, maisdo que qualquer outra, se mostra verossímil e racional, porquepressupõe que as faculdades supranormais subconscientes sãogermens fecundos de sentidos novos, destinados a emergir eficar-se na espécie, em remoto futuro. Nada obstante, resultaráfácil demonstrar que também esta hipótese não resiste à análisedos fatos . Advirto que, ao discutir a tese em apreço, tereinecessidade de explanar a fundo outra ,tese importantíssima efundamental no presente debate: a em que se afirma que asfaculdades supranormais subconscientes não são e não podemser fruto da evolução biológica da espécie.

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Também nesta circunstância importa começar lembrandoque a atividade organizadora da evolução biológica se exercitapor meio de uma lei grandiosa e ao mesmo tempo simplíssima: ada seleção natural. Isto posta, ser-me-á fácil demonstrar que asfaculdades supranormais subconscientes não são produto daseleção natural, porque são estranhas ao ambiente em que estaúltima se processa, o que equivale a afirmar que as referidasfaculdades não se destinam a emergir e fixar-sePermanentemente na espécie, como sentidos normais.Acrescente-se que, se as faculdades supranormais não sãoproduto da seleção natural, por serem estranhas ao ambiente emque esta última se processa, igualmente se deve excluir a idéiade que a outra lei biológica, das variações espontâneas, chegue alhes explicar a gênese. Deve-se afastar esta idéia, pelaconsideração de que o fato biológico das variações espontâneasnão pode deixar de originar-se da soma dos estímulos que domundo exterior chegam aos centros nervosos, ou, em outrostermos, não pode deixar de ser gerado pelas relaçõesindissolúveis que unem os centros nervosos ao plano da vida derelação. Se assim não fosse, então a gênese das variaçõesespontâneas seria de ordem espiritual, o que os modernosbiologistas não admitem e, se o admitissem, razão não maishaveria para discutirmos a questão em apreço. Partindo de tudoo que fica dito, deve-se concluir que, para provar a validez datese que propugnamos, basta esta só capitalíssima circunstânciade fato: que as condições requeridas para que as faculdadessensórias normais cheguem a despontar e evolver são diametrale irredutivelmente contrárias às que se exigem para que asfaculdades supranormais subconscientes cheguem a surgir eexplicar-se.

Vejamos .As pesquisas biológicas e morfológicas hão demonstrado

que os órgãos dos sentidos não eram, na origem, senão centros

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rudimentares de sensibilidade diferenciada, que se localizaramna periferia, sob a ação de estímulos exteriores e isso nos pontosque correspondiam aos filamentos terminais de fibras nervosasreceptoras, servindo de cabeça aos gânglios centrais, sede dereações psíquicas. Assim, as pesquisas psicofisiológicasevidenciaram que a gênese e a evolução das faculdades normaisda psique dependem da complexidade e da natureza dassensações e percepções que os órgãos da vida de relaçãotransmitem do mundo exterior aos centros de elaboraçãopsíquica. Cumpre, portanto, se tenha bem em mente que a obrados fatores da evolução, nas suas relações com a gênese e aevolução dos órgãos dos sentidos e das faculdades psíquicasnormais, se executa necessária e exclusivamente nó plano davida de relação, sob a forma de uma reação contínua ecomplexa. contra os estímulos exteriores. Quer isso dizer que seexecuta no plano da consciência normal, que é aquele em que sedesenvolve, para os seres sensíveis e animados, a luta pela vida.

Firmado este ponto e passando a analisar as modalidadessob que se manifestam as faculdades supranormaissubconscientes, é de assinalar-se que estas, em vez de seexercitarem no plano da consciência normal, somente surgemsob a condição de que as funções da vida de relação se achemtemporariamente abolidas ou apagadas, dependendo do grau,mais ou menos profundo, de inconsciência em que jaza osensitivo, o grau de maior ou menor perfeição com que elas seexteriorizam. Ora,, não se podendo negar que, imerso no estadode inconsciência, um organismo sensiente é um organismotemporariamente privada de qualquer relação com o mundoexterior - portanto, impotente para a luta pela vida - logicamentese segue que os fatores biológicos não podem, não puderam enão poderão nunca nenhuma influência exercer, por mínima, queseja, sobre a gênese e a evolução das faculdades psicosensóriassubconscientes, o que equivale a reconhecer-se que essas

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faculdades pertencem a um plano qualitativamente diverso e emabsoluto independente daquele em que agem os fatores daevolução biológica.

Isto posta, apresentam-se e se impõem as seguintes questões: Se não existem relações de causa e efeito entre os fatores daevolução biológica e as faculdades supranormaissubconscientes, qual então será a gênese dessas faculdades?Porque permanecem elas inoperantes, em estado latente, nosrecessos da subconsciência, ao invés de se exercitarem a bem daHumanidade ? Porque se limitam a aparecer, em momentosfugazes e somente em razão do estado de inconsciência em quejaz o sensitivo? Que finalidades terão, sendo tão misteriosas eanormais as características das suas manifestações? Tantoquanto as outras, esta última pergunta se impõe, visto quequalquer coisa, em a Natureza, pelo só fato de existir, éfinalidade que se revela. Parece indubitável, pois, que a únicasolução racional dos formidáveis enigmas enunciados consisteem reconhecer-se que as faculdades subconscientes não sedestinam a exercitar-se em ambiente terreno, por seremfaculdades de sentido da existência espiritual, aguardando, paraemergir e exercitar-se, o ambiente espiritual que sucede à criseda morte.

E tais conclusões, rigorosamente deduzidas dos fatos, têm acorroborá-las admiravelmente as modalidades sob que seexercitam as faculdades psicosensórias supranormais,modalidades que, a seu turno, são diametral e irredutivelmentecontrárias àquelas sob as quais se exercitam as faculdadespsicosensórias normais. Assim, por exemplo, quando umindivíduo vê com os olhos do corpo, isso significa que umobjeta qualquer reflete a sua imagem na retina dos própriosolhos e que a imagem aí impressa, por intermédio do nervoóptico, é transmitida aos centros cerebrais correspondentes, emvirtude dos quais a impressão se transforma em visão . Ora,

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precisamente o oposto se dá no que concerne à visãosupranormal, em que o sensitivo percebe fantasmas ou cenas dopassado, do presente e do futuro, não com os olhos do corpo,mas com a visto espiritual interior. E, como o espírito se achaem relação com o cérebro, produz-se um fenômeno detransmissão inversa, pelo qual a imagem espiritual, vindo doscentros ópticos, por intermédio do nervo óptico, chega à retina,donde é projetada no exterior em forma alucinatória, produzindono sensitivo a ilusão de estar assistindo a uma manifestaçãoobjetiva. Outra tanto é de dizer-se das impressões auditivas que,em realidade, consistem num fato de audição espiritual que,influenciando, do interior, os centros acústicos cerebrais, dá aosensitivo a ilusão de ouvir sons e palavras provenientes doexterior.

Tais modalidades de exteriorização, em antítese absolutacom as modalidades sob que operam os sentidos terrenos, se, deum lado, são explicabilíssimas, uma vez se reconheça que asfaculdades supranormais subconscientes representam asfaculdades psicosensórias do espírito, as quais se utilizam paraseus fins dos sentidos terrenos, por outro lado se tornam, aocontrário, literalmente inexplicáveis, desde que se pretenda queas ditas faculdades são produtos da seleção natural e daadaptação ao ambiente . Com efeito, em tal caso, não deveriaocorrer o fato de elas se exteriorizarem em sentido inverso aodas faculdades psicosensórias terrenas, visto que as leis daseleção natural e da adaptação ao ambiente não poderiamexercitar seus poderes sobre impressão-sensações que nãofossem reais, objetivas, provenientes do mundo exterior,porquanto o mundo exterior é constituído de força e matéria,coisa tão manifesta, que não vale a pena alongar-me emdemonstrá-lo. Considerando, portanto, que as faculdadespsicosensórias subconscientes não recolhem percepçõesobjetivas, provindas do ambiente terreno, mas, sim, percepções

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subjetivas, provenientes de um plano espiritual de percepção, éde inferir-se, logicamente, que aquelas faculdades nãopertencem ao plano de evolução biológica da espécie e nãopodem, conseguintemente, ser produto dessa evolução. De novo,pois: há-se, necessariamente, de concluir que elas são ossentidos espirituais da personalidade humana, aguardandooportunidade de surgirem e exercitarem-se em ambienteapropriado, depois da crise da morte

A fim de prevenir qualquer presumível contestação àsconsiderações expendidas, adiantarei que duas objeções se lhespoderiam contrapor. A primeira consistiria em dizer-se que asfaculdades supranormais subconscientes se desenvolvem pormeio do exercício, o que valeria por demonstrar que,efetivamente, elas são suscetíveis de evolver no plano daconsciência normal e que, então, em realidade, não independemdas leis biológicas que regem a evolução da espécie. Respondo,antes de tudo, que a circunstância de que se trata apenassignifica que as faculdades supranormais subconscientes, emvirtude do exercício, adquirem maior facilidade de insinuar-seatravés do metafórico diafragma que as separa do plano daconsciência normal, o que parece óbvio e não poderia deixar deverificar-se, qualquer que houvesse de ser a solução doproblema ; nada, porém, tem isso de comum com a natureza daquestão a resolver, que se conjuga com o fato de que asfaculdades em exame são independentes de toda lei biológica,porquanto não se conectam com o plano da vida de relação. Emsegundo lugar, respondo não ser exata a afirmação de que asfaculdades supranormais se desenvolvem com o exercício noplano da consciência normal, dado que, quando se manifestam,elas continuam a ser subconscientes com referência ao sensitivo,que se encontra em condições de inconsciência mais ou menosprofunda, em razão do grau de perfeição maior ou menor comque as mesmas faculdades se exteriorizam, o que demonstra,

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ainda uma vez, e de um ponto de vista diverso, que as aludidasfaculdades independem das leis que regem a evolução biológicada espécie. Nada mais acrescento, porque terei de voltar aoassunto, quando discutir diretamente a hipótese segundo a qualse presume que as faculdades supranormais terão um dia deemergir e fixar-se no plano da consciência normal, em função desentidos terrestres.

A segunda objeção, que se poderia formular a propósito dasconsiderações acima expendidas, consistiria em dizer-se que,contrariamente ao que nelas se afirma, é manifesto que umsensitivo, ao ler um escrito através de uma caixa fechada,receberá impressões vindas do mundo exterior, o que significaque percebe por via direta, não mais inversa, donde se seguiriajá não ser exato afirmar que a lei de seleção natural e a deadaptação ao ambiente não podem exercer seus poderes sobrefaculdades psicosensórias supranormais. Respondo que tambémpoderei desinteressar-me dos fenômenos da visão através doscorpos opacos, por ser incerto o valor teórico que elesapresentam, uma vez que se pode reduzir a fenômenos dehiperacuidade visual dos olhos do corpo, que, então, semostrariam sensíveis aos raios X.

Não obstante, como considero errônea semelhanteinterpretação, atendo à objeção a que me refiro, ponderando quetudo concorre para demonstrar que também tais manifestaçõesincipientes da visão espiritual são de natureza inversa e não maisdireta, ou, por outras palavras, que, em tais circunstâncias, quemvê é também o espírito, que transmite à sua personalidadeconsciente, sob a forma de objetivação alucinatória, a mensagemcuja leitura se lhe reclama. A validez desta explicação sedemonstra pelo fato (que já discuti na monografia sobre osfenômenos de telestesia) de que, nas circunstâncias figuradas, avisualização do sensitivo assume forma simbólica. Assim, porexemplo, quando o major Buckle apresentava às suas sensitivas

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sentenças encerradas em conchas de nozes, extraídas por acasode um certinho, os sensitivos percebiam diante de si uma folhade carta inteiramente aberta, onde estava escrita a sentença queeles tinham de ler, folha de carta essa que se encontrar emrealidade, dobrada dentro da casca de noz, indício evidente deque não podia tratar-se de visão direta, mas de representaçãosimbólica., de que se servia a personalidade subconsciente, paralevar ao conhecimento da sua própria personalidade consciente ocontexto do escrito a ser interpretado.

Ressalta, pois, evidente que as objeções acima figuradas jánão têm razão de ser, e, em conseqüência, que as conclusões aque cheguei com relação ao fato de que as faculdadespsicosensórias supranormais exercem suas funções de maneirainversa e nunca direta, conservam íntegro seu valor teórico, queé grande, tanto mais se for considerado de par com o valorteórico resultante das conclusões a que chegáramos com adiscussão precedente. Daí decorre que, tendo por base ambas asconclusões alcançadas, deverá inferir-se que, se as faculdadespsicosensórias subconscientes se exteriorizam de modo inversoou espiritual e nunca de modo direto ou fisiológico e só seexteriorizam sob a condição de que as faculdades psicosensóriasconscientes estejam temporariamente abolidas ou apagadas, ficacientificamente demonstrado que as aludidas faculdadespertencem a um plano fundamentalmente diverso e em absolutoindependente do em que atuam os fatores da evolução biológica.Isto, em conexão com o fato da maravilhosa potencialidade, queelas possuem, de exteriorização através do Espaço e do Tempo,leva necessariamente a concluir-se que nos achamos empresença das faculdades psiconsensória espirituais, que jáexistem, em estado latente, nos recessos da subconsciência,aguardando, para surgir e exercitar-se, o ambiente apropriado,após a crise da morte.

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Com tudo quanto acabo de expor, penso haver respondidode modo exaustivo à questão principal, a de saber-se se asfaculdades supranormais subconscientes são ou não são produtoda lei de evolução biológica. Mediante inferências tiradas comrigor dos fatos, fácil me foi demonstrar que as condições sob quese exteriorizam aquelas faculdades provam que, na realidade,elas pertencem a outro ciclo de evolução espiritual humana,qualitativamente diverso e muitíssimo mais elevado do que ociclo dos fatores da evolução biológica.

Resta examinar mais a fundo a outra questão, já tratada emparte, a de saber se as faculdades supranormais subconscientesse destinam ou não a surgir e fixar-se permanentemente naespécie como sentidos terrenos. Numa polêmica que sustenteicom opositor de opinião favorável à emergência, na espécie, dasfaculdades supranormais em apreço, argumentava ele assim:

E certo que tudo concorre a demonstrar que as faculdadessubconscientes existem plenamente evolvidas, em estado latente,nos recessos da subconsciência, prontas a manifestam-se, desdeque se produza uma fenda nas paredes do cárcere onde se achammetidas . E certo que tudo concorre a demonstrar que a gênesedas aludidas faculdades não pode depender dos fatores daevolução biológica . Mas, isso não impede que, com o.progresso e a elevação ulterior da espécie humana através dosséculos, as haja, a seu turno, de surgir e firmar-se em função desentidos organicamente constituídos na Humanidade futura.Quem contestará semelhante possibilidade?

Respondo: Ninguém, mesmo porque semelhantepossibilidade se apresenta logicamente presumível. Quando,porém, se analisam as condições de fato em que se manifestam esempre se manifestarão tais faculdades, é-se levado a concluirque aquela possibilidade se torna sobremodo improvável einverossímil.

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Antes de expor as condições que a tais conclusõesconduzem, importa estabelecer de antemão que a solução, emsentido afirmativo, da questão em foco, não infirmaria demaneira nenhuma a conclusão a que chegamos, com relação aosignificado espiritualístico que se acha implícito no fato deexistirem, na subconsciência humana, faculdades psicosensóriassupranormais. Assim é, pela consideração de que, mesmoquando fosse demonstrado que as faculdades em apreço sedestinam a emergir e fixar-se organicamente na espécie, essademonstração não impediria que a circunstância da preexistênciadelas, em estado latente, na subconsciência humana, combinadacom as outras circunstâncias delas emergirem quando osensitivo se acha em condições de inconsciência e de seexteriorizarem em sentido inverso ou espiritual e nunca emsentido direto ou fisiológico, significaria, ainda e sempre, que asfaculdades de que se trata independem dos fatores da evolução,com as conseqüências teóricas que daí decorrem, sem mesmolevar em conta que, se as ditas faculdades houvessem de emergire fixar-se organicamente na espécie, isso, do ponto de vistabiológico, significaria que as faculdades psicosensórias geram osseus órgãos e não que os órgãos as geram, como asseveram osbiologistas. Tornar-se-ia, portanto, necessário retificar, emsentido espiritualista, as opiniões vigentes acerca da teoria daevolução, que se manteria fundamentalmente verdadeira, massubordinada às faculdades psíquicas, nas relações doinstrumento com o artífice. Por outras palavras: com isso sedemonstraria que as faculdades supranormais subconscientes semanifestam no plano da existência terrena em virtude da lutapela vida, mas que não derivam da luta pela vida .

Dito isto, a fim de prevenir possíveis objeções, passo aformular algumas considerações contrárias à possibilidade deque as faculdades em questão surjam um dia e se fixemorganicamente no plano da existência terrena. A primeira e a

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mais importante dessas considerações consiste nas condições defato, precedentemente assinaladas, de que os fatores biológicosnão podem exercer influência, ainda que mínima, sobrefaculdades psicosensórias que, para emergirem e semanifestarem, exigem que o indivíduo se ache em estado deinconsciência parcial ou total ou, por outra, que se achetemporariamente desligado do plano da existência terrena, que éo em que atuam os fatores biológicos. Parece-me que essaconsideração devera bastar, por si só, para tornar insustentável ahipótese em exame, tanto mais que a aludida consideração éadmiravelmente corroborada pela contraprova histórica, pormeio da qual se demonstra que as faculdades supranormais, comefeito, não evolveram através dos séculos . O tema é vasto e aquinão me será possível explaná-lo, senão em forma genérica.

Acentuarei, portanto, que, da análise comparada dos fatos,ressaltam, antes de tudo, duas relevantes característicaspeculiares às manifestações supranormais da subconsciência: aancianidade e a universalidade delas. Remonte-se tão longequanto for possível na história dos povos ; analisem-se oscostumes e os ritos das raças aborígines européias; consultem-seas primeiras narrativas da antiguidade clássica, da antiguidadebíblica, da egípcia, da babilônica; penetre-se ainda mais adentrono curso dos séculos, acompanhando as crônicas sacras dospovos do Extremo Oriente, e por toda parte se encontrarãoprovas positivas ou traços evidentes de que no seio de todos ospovos se deram manifestações supranormais. Proceda-se apesquisas análogas entre as hodiernas raças atrasadas eselvagens e em toda parte se descobrirão costumes e ritosfundados nas referidas manifestações . Assim sendo, cumprerelevemos, tendo em vista os nossos objetivos, que umacaracterística, teoricamente muito importante, dessasmanifestações consiste exatamente na condição que elasapresentam de absoluto estacionamento através dos séculos, mal

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grado às civilizações e às raças. Com efeito, desde que seconfrontem as manifestações congêneres, trazidas até nós pelashistórias e tradições dos povos, com as que hojeexperimentalmente se conseguem, para em seguida compararumas e outras com as que se produzem no seio das raçasselvagens contemporâneas, comprovar-se-á que nada desubstancialmente diverso elas denotam nas modalidades comque se realizam e que não existem povos entre os quais sedescubram ou se hajam descoberto indícios de progressivageneralização e aperfeiçoamento das aludidas faculdades, naraça, nem, sobretudo, indícios de progressiva tendência aproduzir-se em condições de perfeita vigília (e é quanto importado ponto de vista biológico) . Tudo isso se verifica em presençade uma série de séculos mais que apropriada a servir comolegítima medida de confronto, acrescendo que no mesmoperíodo outras faculdades muitíssimas menos importantes noque concerne à luta pela vida - qual, por exemplo, o sensomusical - evolveram rapidamente e se generalizaram só porserem inerentes ao plano consciente do Eu. Em reforço de taisconclusões, farei notar que os povos hindus, que por váriosmilênios se aplicaram com fervor a desenvolver essa espécie demanifestações, não lograram mais do que conhecer melhor osmétodos empíricos adequados a lhes favorecer a exteriorizaçãonaqueles que se revelavam sensitivos . Nenhum vestígio sedescobre entre eles de que o número de indivíduos dotados defaculdades supranormais haja aumentado e, ainda menos,qualquer indício que denuncie entre eles uma tendência aconseguir manifestações supranormais em condições de perfeitavigília. Quanto ao valor intrínseco dos fenômenos que se dãocom os faquires, nenhuma dúvida pode prevalecer quanto aofato de que são substancialmente análogos aos que se obtêmcom os médiuns do Ocidente.

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Outra circunstância digna de ser posta em relevo é a de que,segundo as conclusões da Paleontologia e da Antropologia, ashodiernas raças selvagens são autênticas representantes do queforam, em épocas pré-históricas, os progenitores das raçascivilizadas. Isto posta, dever-se-á, por lei de analogia, inferirque, se atualmente se produzem fenômenos supranormais noseio das raças selvagens, eles se hão de ter produzido, de formaidêntica, milhares de séculos antes, no seio das raças aboríginesque deram origem às atuais raças civilizadas . Com essainferência, chegar-se-á a penetrar tanto pelos séculos adentro,que se terão de considerar demonstradas as condições deestacionamento peculiares às faculdades supranormaissubconscientes.

De todo modo, mesmo deixando de lado esta últimaindução, as anteriores considerações já autorizam a afirmar-seque, desde tempos imemoriais, as faculdades em apreço se vãorevelando em a espécie humana no estado de simplesmanifestações anormais, ou esporádicas, da subconsciência,assim como que nunca nelas se perceberam indícios queautorizem supor-se que a lei de seleção natural haja exercido, ouesteja exercendo seus poderes sobre as referidas faculdades.Isso, aliás, era de inferir-se, mesmo a priori, ponderando-se quea seleção natural não criou as faculdades subconscientes, o quesignifica que estas faculdades pertencem a um planoqualitativamente diverso daquele em que a seleção natural operae que, por conseguinte, não podem existir ciclos de tempo emque esta última chegue a exercitar seus poderes num plano deexistência que lhes é estranho e superior. Em resumo: se asfaculdades subconscientes não promanam da seleção natural,claro é que não podem evolver por virtude da seleção natural

Cumpre ainda se considere a questão de um último ponto devista: o da existência prática. Quer dizer: cumpre indagar se asfaculdades da telepatia, da telestesia, da clarividência no

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passado, no presente e no futuro se podem conciliar com odesenvolvimento regular e natural da existência terrena. Bastauma ligeira reflexão sobre o tema, para evidenciar ainconciliabilidade das duas séries de percepções sensórias. Aqui,porém, cedo a palavra ao Dr. Gustavo Geley, que, na sua obraintitulada Do Inconsciente ao Consciente, explanoumagistralmente o assunto. Escreveu ele

Suponhamos que um homem disponha, na existênciaterrena, das faculdades supranormais e as empregue, a seu bel-prazer, na leitura do pensamento, na visão à distância, naclarividência no passado e no futuro. Que necessidade teria essehomem de refletir antes de agir, de ponderar as conseqüênciasde seus atos, de lutar contra a adversidade? Não haveria para elepossibilidade de cair em erro ; mas, em contraposição, nãoexistiria, para ele, o fator espiritual do esforço, sem o qual nãolhe seria possível qualquer evolução da sua consciência einteligência. A maneira do inseto, esse homem não seria mais doque um maravilhoso mecanismo. Seguindo essa estrada, aevolução biológica nunca chegaria a criar a superior consciênciahumana, porquanto se estabilizaria numa forma desonambulismo hipersensível, que permitiria tudo conhecer semnada compreender : o super-homem resultaria um autômatotranscendental. Daí decorre que constitui um bem, ou melhor,uma necessidade imprescindível que as faculdades supranormaisdo espírito, juntamente com todo o tesouro psicológicoacumulado pelo Ser na sua evolução se conservempermanentemente nas condições em que atualmente asobservamos, o que quer dizer: latentes, em sua maior parte nosrecessos da subconsciência. (Ob. cit., pág. 317).

A estas considerações do Doutor Geley, outrasadequadíssimas se poderiam aditar, com referência às gravesperturbações que às relações familiares e sociais acarretariam asfaculdades supranormais, se estendessem à Humanidade toda,

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em função de um sexto sentido . É, com efeito, evidente, que, sea clarividência no presente e no passado, combinada com aleitura nas subconsciências dos outros, se tornasse um sentidobiológico, violada estaria para sempre e demolida a condiçãoprecípua de toda convivência social, porquanto os segredos maisíntimos e mais cuidadosamente guardados, que formam a tramada vida privada do indivíduo, das vidas conjugais, familiares,estariam à mercê de todas as comadres linguarudas e de todos osmadraços da vizinhança. Se, a seu turno, a clarividência nofuturo se tornasse um sétimo sentido, paralisada ficaria toda ainiciativa humana e a cada indivíduo nada mais restaria, senãocruzar os braços, aguardando fatalìsticamente que o seu destino,tão matematicamente previsto quão inevitável, se desdobrasse ecumprisse.... Parece-me que basta.

De tudo o que fica exposto se segue que, contraditada pelosdados biológicos, históricos, paleontológicos e antropológicos,bem como por considerações resolutórias de ordem psicológico-social, deve considerar-se absurda e inverossímil a hipótese daemergência futura das faculdades supranormais subconscientes.E diga-se isto em homenagem à Verdade pela Verdade, uma vezque, do ponto de vista da tese propugnada, a de independerem,como já foi dito, as faculdades supranormais subconscientes dasleis que governam a evolução biológica, a solução afirmativa daquestão em apreço com ela igualmente se conciliaria. Comoquer que seja, não é menos certo que a demonstração de que asfaculdades de que se trata não se destinam a surgir e fixar-se noplano da consciência normal veio juntar às outras uma última eimportante prova complementar em favor da tese sustentada.

*

Com o que acabo de expender, penso haver demonstradoexaustivamente que as faculdades supranormais subconscientes

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não são resíduas de faculdades atávicas; não são rudimentosabortivos de sentidos que nunca evolveram e nunca evolverão;não são patrimônios fortuitos de algumas subconsciênciasprivilegiadas ; não estão destinadas a surgir na qualidade desentidos periféricos da Humanidade futura; não são, enfim, frutoda. evolução biológica da espécie . Ora, todas estasdemonstrações negativas conduzem inevitavelmente a umademonstração afirmativa: a de que as faculdades supranormaissubconscientes constituem os sentidos espirituais dapersonalidade integral subconsciente, sentidos que terão deaparecer e de exercitar-se em ambiente apropriado, depois dacrise da morte. Estaria, pois, concluída a minha tarefa; emhomenagem, porém, ao método científico da convergência dasprovas, disponho-me a fazer uma observação de fato, queconverge para a mesma demonstração. Tal prova ressalta de umacircunstância precedentemente discutida e é que, em regra, ascognições supranormais chegam à consciência normal em formade representações simbólicas. Pois bem: a natureza simbólica dequase todas as percepções supranormais adquire alto valorteórico, porque demonstra que elas não são apenasindependentes dos sentidos periféricos, mas também doscorrespondentes centros cerebrais e isso pela razão de que osimbolismo das percepções prova que os centros cerebrais nãopercebem ativamente e sim recolhem passivamente o que lhestransmite um terceiro agente extrínseco, que é o único aperceber diretamente, para depois transmitir as suas cogniçõesao sensitivo, sob a forma de representações simbólicas.Evidentemente, isto se dá porque, sendo as percepções da agentediversas em qualidade das que os centros cerebrais do sensitivoassimilam, o primeiro é obrigado a transmiti-las sob a forma deobjetivações alucinatórias, de fácil interpretação por parte dosensitivo ou dos interessados. Ora, como esse terceiro agenteextrínseco não pode ser outro senão a personalidade integral

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subconsciente do sensitivo, segue-se que, dadas ascircunstâncias invocadas, evidente se torna e inconfutável acontraprova de que a personalidade integral subconsciente é umaentidade espiritual independente de qualquer ingerênciafuncional, direta ou indireta, do órgão cerebral.

Para apreciar todo o valor teórico das conclusõesformuladas, convém lembrar em que consiste a objeção de quese valem os opositores para negar qualquer significadoespiritualístico aos fenômenos do Animismo. Dizem eles :Afirmam os espiritistas que, se pode ver sem os olhos e ouvirsem ser pelos ouvidos, demonstrado se acha que as faculdadesda visão e da audição, em sua forma substancial deexteriorização, independem dos órgãos específicos periféricos,de sorte que se deve deduzir que, quando esses órgãos foremdestruídos pela morte do corpo, as faculdades da visão e daaudição sobreviverão a essa destruição. Ora, é errôneasemelhante maneira de argumentar e os espiritistas só teriamrazão se conseguisse demonstrar que a visão e a audiçãosonambúlicas independem dos sentidos cerebrais que governamos órgãos periféricos. Mas, a verdade, ao contrário, é que, se oclarividente não vê e não ouve por meio dos órgãos periféricos,ele vê e ouve por meio do cérebro. Assim senda, a questão dasobrevivência nada, de fato, aproveita da existênciasubconsciente de faculdades supranormais .

Estes os argumentos dos opositores. Ora, como já ficouvisto, se é verdade que o clarividente ainda percebe per meio doscentros cerebrais, não é menos verdade que o simbolismo daspercepções demonstra que estas não podem ser consideradaspercepções originais ou diretas, mas, apenas, percepçõesderivadas ou indiretas, ou com trais exatidão, percepçõestransmitidas aos centros cerebrais por um terceiro agenteextrínseco, que não pode deixar de independer dos centroscerebrais, aos quais ele transmite, sob forma simbólica, as suas

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cognições. Em outros termos: não pode deixar de ser um agenteespiritual . E, como esse terceiro agente extrínseco se identificacom a personalidade integral subconsciente do sensitivo, é deconcluir-se que esta última se tem de considerar uma entidadeespiritual em si, independente do órgão cerebral, independentedo corpo somático, que é, para a mesma entidade, instrumentoindispensável, enquanto persistem suas relações com o ambienteterreno.

*

Agora, em reforço das conclusões a que chegamos, importarelevar outra circunstância de fato que, embora de ordemdiferente, se conjuga ao tema tratado e concorre, por sua vez, acorroborar as aludidas conclusões. Quero referir-me ao fato deque as mentalidades mais eminentes, que ilustraram o campo daspesquisas metapsíquica, foram concordes em afirmar que aexistência subconsciente de faculdades supranormais levalogicamente à dedução da sobrevivência do espírito humano .Não há quem não perceba o alto significado teórico que secontém nessa concordância de afirmações. Numa monografiaque escrevi sobre o tema ora considerado, expus longa série deeloqüentes opiniões nesse sentido ; aqui, por amor à brevidade,me limitarei a reproduzir a do mais irredutível adversário dahipótese espirítica, opinião que, precisamente por isso, assumeimportância muito especial. Tiro-a da obra de Frank Podmore:Modera Spiritualism (vol. II, pág. 359). Pondera ele:

Seja ou não verdade que as condições do Além permitem aquem lá se encontre entrar por vezes em comunicação com osvivos, é evidente que essa questão se tornaria de secundáriaimportância, desde que se chegasse a demonstrar, baseado em

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faculdades inerentes ao nosso espírito, que a vida da alma não seacha vinculada à do corpo. Ou, por outras palavras: não se podedeixar de conceder que, se é verdade que no sono mediúnico ouextático o Espírito conhece o que ocorre à distância, descobrecoisas ocultas, prevê o futuro e lê no passado como em livroaberto, então - atendendo-se a que tais faculdades não foramcertamente adquiridas no curso da evolução terrena, cujoambiente é inadequado ao exercício delas e não lhes justifica aemergência - então, digo, parece legítimo concluir-se que taisfaculdades demonstram a existência de outro mundo maiselevado, em que elas terão de exercitar-se livremente, deharmonia com outro ciclo evolutivo, não mais condicionada pelonosso ambiente terreno. Em suma, ter-se-iam de considerar taisfaculdades não mais como resíduos, porém como rudimentos,isto é, no sentido de uma promessa para o futuro e não no deuma inútil herança do passado.

E importa acrescentar que a teoria que aqui se apresenta emesboço não é absolutamente uma especulação filosófica fundadaem suposições inverificáveis, mas uma hipótese científicabaseada na interpretação de determinada classe de fatos.Tratando-se, porém, de fatos, julgamo-nos obrigado a considerarnão apenas a validade das inferências que se possam deles tirar,mas, sobretudo, a autenticidade dos próprios fatos. Ora, é desseponto de vista que parece vulnerável a posição de Myers. Sãoestas as condições do debate: foras vão contestar que, sepudesse provar a autenticidade dos fenômenos de precognição,de retrocognição, de clarividência e todos os outros quetestificam o surto, em nosso espírito, de faculdadespsicosensórias transcendentais, o fato de independer do corpo oespírito se tornaria manifesto. Mas, as provas dessa espécie senos afiguram, por ora, longe de mostrarem-se aptas a esse efeito,sendo talvez suficientes apenas a justificar a inferência.

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A respeito destas observações de Podmore, emboraafirmativas em condição, assumem elas particular importânciapor ter sido quem assim se expressa o mais tenaz adversário dahipótese espirítica. Como se vê, colocado em presença de umaclasse de manifestações cujo significado, contrário à teoria daevolução biológica da espécie, não lhe era possível negar, lançaele mão do último recurso a que se apegam os negadoressistemáticos, o de pôr em dúvida a existência mesma dos fatos,dúvida que não me demorarei em refutar, porque,hodiernamente, se ainda se discute a autenticidade de algumascategorias de fenômenos físicos do mediunismo, já se nãodiscute a existência de faculdades supranormais subconscientes,existência que todos reconhecem, a que, sobretudo, se deve àobra admirável de dois pesquisadores geniais: o professor Richete o doutor Osty.

Faço também notar que no trecho citado, Podmore concordaadmiravelmente comigo, ao afirmar que, do ponto de vista dademonstração científica da existência e sobrevivência da alma,os fenômenos anímicos são os que importam, não cabendo aosfenômenos espirítico senão aduzirem a prova complementar,aliás importante, da mesma demonstração. Também a essepropósito, deve-se convir em que, se Podmore afirma tudo isso,quer dizer que aquela verdade é incontestável. Portanto, nadamais me cabe senão assinalar aos leitores a imensa importânciateórica de tal fato, com que se tira das mãos dos adversários aúnica arma de que eles dispunham para combater a hipóteseespirítica.

Isto posto, lisonjeio-me de que os opositores que me leremhão de recordar-se, no futuro, de que toda vez que se aventurama combater a hipótese espirítica, recorrendo aos poderes dacriptestesia onisciente, nada mais fazem, realmente, do quedemonstrar a existência e a sobrevivência da alma, com o se

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colocarem no ponto de vista do Animismo, antes que no doEspiritismo, o que, precisamente, vem a dar no mesmo.

Faço igualmente notar que, pelo exposto, cheguei a umaprimeira conclusão teórica, importantíssima, em demonstraçãoda tese propugnada, conclusão a que se seguirão outras, nãomenos incontestáveis, que se revelarão cumulativamenteresolutivas.

CAPITULO II

Os poderes supranormais da subconsciência podemcircunscrever-se dentro de limites definidos

Este segundo capítulo se conjuga indissoluvelmente aoprimeiro, completando-o e reforçando-lhe as conclusões . Mas,ao mesmo tempo, cumpre observar que, ainda quando, por ora,não fosse possível traçar os limites em que se exercitam asfaculdades supranormais subconscientes e que, por conseguinte,houvesse quem se arrogasse o direito de lhes concederteoricamente a onisciência divina, as conclusões promanantes daanálise aprofundada dos fenômenos anímicos se conservariamsempre invulneráveis, pela boa razão de que, quanto mais sedivinize a personalidade integral subconsciente, tanto mais sereforçará a tese aqui propugnada, segundo a qual o Animismoprova o Espiritismo .

De todo modo, porém, como se conferir a onisciência divinaà subconsciência humana constitui uma pretensão fantástica efilosoficamente absurda, importa demonstrar, baseado nos fatos,que os opositores caem em erro, quando afirmam que não se

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podem estabelecer limites à potencialidade investigadora dasfaculdades supranormais e, portanto, que é teoricamentelegítimo atribuir-se cada vez maior latitude a essas faculdades, àmedida que ocorram casos de elucidação cada vez maiscomplexa. Argumento é este supremamente cômodo, por meiodo qual os opositores engendram outro, o de que, como quer queseja, a simples existência de semelhante possibilidade teóricabasta, por si só, para neutralizar a interpretação espiritualista dosfenômenos mediúnicos. Repito que, ao contrário, assimargumentando, incidem eles em grave erro, pois tudo concorre ademonstrar que possível já é circunscrever, dentro de limitesdefinidos, a potencialidade das faculdades supranormais.

Esta possibilidade se deduz, antes de tudo, de uma grande leicósmica, que governa o universo físico e o psíquico, a lei deafinidade que, naquele, se manifesta pelas forças de atração erepulsão, das quais derivam a organização dos sóis e dosmundos e todas as combinações químicas da matéria cósmica,ao passo que, em ambiente psíquico, se expressa sob a forma ciarelação psíquica que, do ponto de vista que nos diz respeito,circunscreve em limites relativamente estreitos os poderesinvestigadores das faculdades supranormais, o que se podedemonstrar com apoio nas provas por analogia, coligíveis dasmodalidades sob que se apresentam algumas variedades devibrações físicas. Haja vista, por exemplo, as modalidades sobque se exerce a energia cósmica na telegrafia sem fio e no rádio .Esta última aplicação da Ciência demonstra, de modos exatos,que existimos imersos num turbilhão inextricável de vibraçõesde toda espécie, as quais, à nossa revelia, atravessamfulminantemente o ambiente em que vivemos e os nossospróprios organismos. Pois bem: que e o que se observa naaplicação do rádio ? Isto, principalmente : que, se quiser colheralguma das infinitas séries de vibrações que de todas as partesnos assaltam, temos que estar de harmonia com a lei de

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afinidade universal, segundo a qual se vem a saber que todosemelhante atrai o seu semelhante e repele o seu dessemelhante.Ora, no nosso caso, em que se trataria de um universo devibrações, a aplicação da lei de afinidade consiste em regular omecanismo do rádio com o comprimento de onda que sepretenda captar, Fazendo assim, chegamos a apanhar a precisagraduação de onda correspondente à desejada manifestaçãoauditiva e nada mais.

Estes os fatos. Agora, aplicando-se à correspondente secçãodas vibrações psíquicas aqui consideradas os ensinos extraídosde tão eloqüente analogia, dever-se-á inferir que, se é certo queas subconsciências humanas recebem e registram as vibraçõespsíquicas de pessoas distantes, esse recebimento deveráconsiderar-se circunscrito às pessoas vinculadas, ouafetivamente, ou de outras maneiras, à subconsciência receptora.Equivale isto a dizer que esta última - como se dá com o rádio -precisa estar regulada pelo comprimento de onda correspondenteà tonalidade vibratória que diferencia de outra qualquer a pessoaausente que se procura. Isto que, em termos metapsíquicos, sedenomina relação psíquica, ensina que os médiuns só chegam acolher informações das subconsciências de pessoas distantes soba condição de que ocorram as seguintes modalidadesexperimentais : quando o sensitivo ou o médium conhecem apessoa ausente, ou, se tal não se dá, quando o experimentador aconheça e, ainda, em falta desta circunstância, quando sejaentregue ao , sensitivo ou ao médium um objeto que a pessoabuscada tenha usado por muito tempo (psicometria) .

Tudo isto significa que a subconsciência humana,singularmente considerada, não poderá nunca apanhar ospensamentos de pessoas desconhecidas (nos três sentidosindicados) das próprias personalidades conscientes, porque, nãoas conhecendo, ignoram a tonalidade vibratória que ascaracteriza e não podem, portanto, descobri-las . Tenha-se, pois,

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em mente que, na falta das três modalidades experimentaisacima enumeradas, não é possível que um sensitivo ou ummédium consiga pôr-se em relação com a subconsciência depessoas distantes, como não é possível que o rádio entre emrelação com uma estação receptora que não esteja regulada pelomesmo comprimento de onda . Ora, todas estas coisassignificam que os casos de identificação pessoal de defuntosdesconhecidos de todas os presentes, quando se dão sem oconcurso de objetos psicometrizáveis, levam racionalmente aadmitir-se a presença, na outra extremidade do fio, do defuntoque se comunica. Torna-se, então, evidente, que a lei de relaçãopsíquica serve para circunscrever, em limites bem definidos, asfaculdades supranormais investigadoras da subconsciênciahumana.

Chegamos assim a uma segunda conclusão teórica,rigorosamente fundada nos fatos, complementar da primeira etão importante que confere a invulnerabilidade a esta. Comefeito, se fenômenos de comunicações telepáticas não podemproduzir-se à distância, sem prévio estabelecimento da relaçãopsíquica e se esta só se pode obter dentro das três modalidadesexperimentais indicadas, feitas está, desde já, as provascientíficas da sobrevivência, tendo por base a categoria doscasos de identificação pessoal de defuntos conhecidos de todos eque se manifestam de modo independente de qualquer forma derelação psíquica terrena.

A tal propósito, é ainda uma vez de assinalar-se que asconclusões de que se trata permanecem invulneráveis, mesmoquando fosse exato que a telepatia confina amiúde com atelemnesia onisciente, segundo .a qual as faculdadesperquiridoras dos médiuns teriam o poder de insinuar-se nassubconsciências de pessoas distantes, a fim de aí selecionar osinformes de que necessitam para mistificar o próximo, informesesses - note-se bem - que quase nunca dizem respeito à pessoa

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selecionada, mas a terceiras pessoas que ela conheceu em épocasfreqüentemente muito remotas, o que torna sobremaneirafantástica e insustentável semelhante hipótese.

Pois bem: mal grado a essa absurda extensão conferida pelosopositores a uma faculdade que existe, é certo, mas em limitesmuitíssimo mais restritos e que se manifesta sob modalidadesperceptivas diversas das que eles supõem, modalidades quetiram todo valor à objeção em apreço; mal grado a isso, ela nãoinfirmaria as conclusões a que chegamos, visto que o médiumnão poderia alcançar o seu objetivo, toda vez que se nãoverificassem as três modalidades experimentais exigidas paraestabelecer-se a relação psíquica com umas pessoas ausente oudistante .

Daí decorre que estaríamos habilitados desde já a proclamara grande nova de que a demonstração científica da sobrevivênciahumana se acha conseguida pela Ciência. E, naturalmente, seassim é, pelo que respeita à especial categoria dos casos deidentificação pessoal de defuntos que todos desconhecem,dever-se-á deduzir que não mais vem a pêlo acumular sofismaspara negar valor probante aos casos de defuntos que ministraminformações pessoais que todos os presentes ignoram, massabidas de pessoas ausentes que um dos experimentadoresconhece.

Ao demais,, a última modalidade de manifestação atribuídaa telemnesia não existe e é fácil demonstrá-lo, mediante aanálise comparada dos casos dessa natureza. Entretanto, para talefeito, ser-nos-ia preciso desenvolver convenientemente o temarelativo aos poderes da telemnesia, evidenciando que ela emrealidade se exterioriza sob modalidades bem diversas dasimaginadas e que a tornam praticamente inaplicável ao nossocaso. Mas, para fazê-lo, não poderei deixar de citar e comentaruma série apropriada de casos desse gênero, o que seria fora depropósito num trabalho de síntese, qual o presente. Advirto, no

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entanto, que tal demonstração já a fiz, numa extensa monografiaintitulada: Telepatia, Telemnesia e a lei da relação psíquica, àqual remeto quem quer que deseje aprofundar o assunto. Aqui,deverei limitar-me a mencionar as conclusões a que chegueinesse meu laborioso esforço de análise comparada, da qualresulta que a hipótese da telemnesia só se patenteiasuficientemente provada nos limites de um recebimento deinformações estritamente pessoais com relação a um indivíduoausente, que se ache em relação psíquica com o médium. E istoocorre - note-se bem - unicamente quando se trate deinformações ou dados que se conservem ainda vivazes noliminar da consciência do médium, pois que, de fato, nãoexistem provas a favor do recebimento de informaçõesreferentes a terceiras pessoas que aquele indivíduo conheça. Etambém de notar-se que, querendo igualmente propugnar aexistência desta última forma de telemnesia, se teria da admitirque as faculdades perquirentes da subconsciência possuem apotencialidade prodigiosa de selecionar os mais insignificantesdados mnemônicos referentes a terceiras pessoas, colhendo-osinfalivelmente no meio do emaranhado inextricável de análogosregistros mnemônicos latentes nos recessos da subconsciênciado indivíduo selecionado .

Fica, pois, evidente que, antes de conferir às faculdadessubconscientes uma virtude selecionadora tão portentosa, seriamnecessárias boas provas de fato nesse sentido, provas essas que,entretanto, não existem, como não existem incidentesexperimentais afins, que sugiram vagamente semelhantepossibilidade. Em contraposição, conhecem-se, repito boasprovas a favor de uma telemnesia unicamente receptora dedados estritamente pessoais, acerca do indivíduo ausente queentra em relação subconsciente com o médium, mas, issomesmo sob a condição de que os referidos dados ainda existamvivazes no limiar da sua consciência. Postas as coisas nestes

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termos, segue-se que as deduções teóricas que se formulem comfundamento em tal modalidade de telemnesia terão alcanceteórico muito diverso do que presumem os opositores, visto que,em semelhantes contingências, a telemnesia não se exercitariaativamente, selecionando, mas passivamente, recebendoimpressões, o que restringe em limites muito apertados apotencialidade da mesma telemnesia. Este último reparo assumegrandíssima importância teórica, conforme adiantedemonstraremos.

Neste ponto, sinto-me no dever de informar que com acélebre médium Senhora Osborne Leonard se verificam às vezesaparentes exceções à regra implícita aa assertiva de que, noscasos de telemnesia, a análise comparada demonstra que osdados pessoais que a médium obtém nunca dizem respeito aterceiras pessoas conhecidas do indivíduo ausente que éselecionado, mas apenas informes estritamente pessoais,concernentes ao referido indivíduo. Ora, ao contrário, nos casosde identificação espirítica conseguidas com aquela médium,verifica-se que os defuntos que se comunicam ministram, porvezes, pormenores concernentes a terceiras pessoas conhecidasdo mencionado indivíduo ausente, pormenores que não podemser tomados à consciência do experimentador, pela razão de queeste os não conhecia. E verdade que, na hipótese da presençaespiritual do defunto que se comunica no lugar da experiência,não haveria á, perplexidade teórica que apreciamos, uma vezque os pormenores de que se trata concernem sempre aosfamiliares e aos amigos do defunto; mas, do ponto de vista dadiscussão em curso, cumpre não se leve em conta essa lógicainterpretação dos fatos. Cinjo-me, portanto, a reproduzir osinstrutivos diálogos que travaram o Rev. Drayton Thomas e apersonalidade mediúnica de seu pai e de sua irmã Etta, porocasião de alguns incidentes do gênero .

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Observa este último o que se segue, a propósito de umabolsa recamada com que uma pessoa amiga pensara presentear amãe, viva, do Rev. Thomas, pensamento que a entidadeespiritual do pai defunto interceptara e confiara ao filho:

Suponhamos que o pensamento em questão haja chegado àtua mãe. Ele foi interceptado pela sua aura, conforme nosso paite explicou. Ora, se eu me achasse com tua mãe, teria podidocolhê-lo na sua aura e talvez houvesse podido apanhar-vos umpensamento dessa natureza, mesmo que vos houvesse ocorridono dia precedente, dado que há indivíduos cuja aura guarda ospensamentos durante certo tempo, ao passo que outros não osconservam. Daí vem que conseguimos colher informações, dogênero das de que se trata, de uma pessoa e não o conseguimosde outra. (Pág. 100-101) .

Assim falou Etta é o pai do Rev. Thomas afirma a mesmacoisa, referindo-se à aura daquele que faz de experimentador.Informa ele:

Quando me acho contigo, apanho, muito freqüentemente, ospensamentos que pessoas afastadas te dirigem no momento. Ospensamentos que te são dirigidos permanecem presos à tua aurae eu consigo distingui-los e interpretá-los. (Página 96).

Pouco mais adiante, acrescenta:Sim, a tua aura é sensibilíssima aos pensamentos que te são

dirigidos. Servindo-me de uma comparação fotográfica, direique a tua aura se assemelha a uma chapa sensível, que recebeimpressões e pensamentos. Pode dar-se não te apercebas daexistência dessas impressões e desses pensamentos, porque nãotens meio de revelar a chapa, ao passo que eu me acho emcondições de revelá-la. (Pág. 98) .

Comenta assim o Rev. Drayton Thomas:Normalmente, não temos consciência de sermos atingidos

pelos pensamentos que nos dirigem pessoas distantes.Entretanto, a telepatia experimental há mostrado que tais

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pensamentos podem efetivamente alcançar-nos com a telegrafiasem fio a com o rádio parece muito sugestiva a esse propósito,porque demonstra que tais aparelhos, postos a funcionar,determinam uma ação formidável no meio etéreo, ação de quenos conservamos inconscientes, enquanto não temos à nossadisposição um instrumento receptor, que intercepta e interprete,para nós, as vibrações etéreas que passam. Analogamente, aoque parece, meu pai é capaz de interpretar um pensamento quevibre ativamente próximo de mim. (Life Beyond Death, págs.95-96) .

Em face do exposto, faz-se notório que os episódios de talnatureza são radicalmente diversos dos aqui considerados e,portanto, não constituem, verdadeiramente, exceções à regraformulada antes, visto que, no caso do Rev. Drayton Thomas,não se tratava de informes mnemônicos concernentes a terceiraspessoas conhecidos do indivíduo ausente e apanhadosativamente na sua subconsciência, mas de pensamentos queterceiras pessoas lhe dirigiram e percebidos passivamente pelomédium, por permanecerem durante algum tempo presos à auradas pessoas a quem eram dirigidos. Noutros termos : achamo-nos em presença de um fenômeno ordinário de transmissãotelepática do pensamento, com a diferença de que o impulsotelepático, por fraco, não surgiria na consciência normal dopaciente, enquanto que por intermédio de um Espíritocomunicante o dito pensamento seria perceptível na aura doindivíduo que o recebera.

Ora, se bem tudo isto se revele muito interessante einstrutivo sob outros aspectos teóricos, nada tem de comum coma questão aqui considerada, em que se trata de invasõesselecionadoras nas subconsciências de terceiros e não depercepções passivas na aura de outrem.

Eliminada esta primeira dúvida teórica, restam poresclarecer uma segunda, consistente no fato de haver episódios

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que aparentemente contradizem uma das proposições maiores,contidas na tese propugnada, proposição segundo a qual,também no caso de informes estritamente pessoais e referentesao indivíduo com quem os sensitivos ou os médiuns se achamem relação, se notaria que os informes percebidos dizemrespeito sempre ao pensamento atual do mesmo indivíduo, ou avibrantes recordações ainda vivazes no limiar da suaconsciência. Quer dizer que uma relativa vivacidade latente naslembranças é condição indispensável para que elas sejampercebidas pelos sensitivos e pelos médiuns, de acordo com oasserto de que as suas faculdades supranormais não agemativamente, selecionando acontecimentos nas subconsciênciasde outros, mas passivamente recolhendo e interpretando asvibrações do pensamento. Pois bem: conquanto fundado semostre este último asserto, não deixam de haver episódios queaparentemente o contradizem e que consistem em seremcolhidos acontecimentos mais ou menos antigos do passado deoutrem. Eis aqui um exemplo desse gênero que tomo ao vol. XI,pág. 124 dos Proceedings of the S. P. R..

Miss Goodrich Freer, a conhecida sensitiva a quem se devemagistral estuda sobre as suas próprias experiências de visãopelo cristal, refere numerosos casos de leitura do pensamento,entre os quais o seguinte

Decidira-me a visitar, pela primeira vez, uma amiga que secasara, havia pouco. Não lhe conhecia o marido, mas, pelo queouvira a seu respeito, esperava encontrar nele um perfeito gentil-homem, de caráter nobre e elevada posição social. Quando mefoi apresentado, notei que se esforçava por ser agradável efinamente hospitaleira para com os que iam a sua casa. Contudo,passado o primeiro momento que tive para observá-lo com certaatenção, fui turbada por uma alucinação de forma curiosa, queme pôs perplexa com relação a ele. Qualquer que fosse asituação em que se encontrasse à mesa, como no salão ou ao

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piano - desaparecia dos meus olhos o fundo que o circundava,substituído por uma visão em que ele se me apresentava menino,a me olhar com uma expressão do mais abjeto terror, cabeçabaixa, ombros alçados e os braços estendidos, como paradefender-se de uma tempestade de socos prestes a desabar-lheem cima.

Fui levada, naturalmente, a proceder a investigações acercado caso e cheguei a saber que a cena com que eu me defrontavalhe sucedera na meninice, numa escola cívica, em conseqüênciade um ato vil de fraude, pela qual fora ele ignominiosamenteexpulso e tivera de sofrer uma severa sanção de pugilato, porparte dos seus camaradas.

Como explicar semelhante forma de visualização verídica?Penso que era simbólica e que figurava uma espécie deadvertência com relação à atmosfera moral que circunvolvia ohomem que eu tinha diante de mim - uma amostra das suasqualidades de gentil-homem. E essa minha impressão veio ajustificar-se pelo fato de que as desconfianças que se geraramem mim por efeito daquela visão foram amplamenteconfirmadas pelos sucessos desastrosos que se seguiram. Taisvisualizações me parecem análogas às que se produzem pormeio da psicometria e não são visões telepáticas, masimpressões psíquicas . Afigura-se-me absurdo que a cena pormim visualizada, ocorrida dez anos antes, estivesse, naquelaocasião, presente à mentalidade do protagonista.

Este o interessante episódio narrado por Miss GoodrichFreer, que com toda a razão exclui a possibilidade de que a suavisão se originasse do pensamento consciente do protagonista,por se haver este, no momento, lembrado do fato vergonhosoque lhe sucedera na meninice. Eliminada essa hipótese, eis emface de um exemplo, acorde com tudo quanto temos feitoobservar, em que uma sensitiva percebe, nas subconsciências deoutros, informes pessoais de data muito antiga. Para as

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conclusões teóricas a serem formuladas, ainda uma vez importaevidenciar, em primeiro lugar, que, no episódio em questão, oincidente ocorrido concernia à existência pessoal doprotagonista e não a sucessos referentes a um terceiro que eledesconhecesse. Em segundo lugar e do ponto de vista em quenos colocamos, cumpre notar que o incidente visualizado,embora afastado no tempo, era de natureza a imprimir-seindelevelmente no ânimo daquele que o sofrera, de modo a ficarvibrando permanentemente - por assim dizer - no limiar daconsciência de quem fora nele protagonista e tornando-se dessamaneira perceptível, sob a forma objetivada de uma visão, pelasensitiva a que nos referimos. Penso haver, assim, dissipado acontradição que parecia existir entre os casos do gênero desse deque falamos e a assertiva de que as faculdades supranormais dosmédiuns recolhem passivamente o pensamento de outrem, casoem que se faz evidente que apenas devem eles perceber ospensamentos atuais, ou os pensamentos que ainda vibramvivazes no limiar da consciência do indivíduo com que osaludidos médiuns se acham em relação. Daí decorre que oscasos da natureza desse que acabamos de apreciar provamsomente que se dão na vida dos indivíduos acontecimentos maisou menos dramáticos que, pelas tempestades emocionais quesuscitam no ânimo de quem neles foi protagonista, conservamuma gradação vibratória que os mantém permanentementevivazes no limiar da consciência do mesmo protagonista.

Enfim, de outro ponto de vista, importa notar a diferençaradical que há entre a natureza importante da informação emapreço, reveladora de um caráter, e as informações, literalmenteinsignificantes em si mesmas, mas indispensáveis à identificaçãopessoal, que os defuntos que se comunicam fornecem, quandosolicitados ; e importa notar também que a naturezainsignificante deste último ainda mais absurdo torna o presumir-se que os médiuns chegam a descobri-Ias, selecionar, extrair das

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subconsciências de indivíduos que não cogitaram de fazer talexperiência.

Eliminada também esta segunda dúvida teórica, volto aoassunto, começando por assinalar de novo a circunstância defato que, mais do que qualquer outra, se deve ter presente: a deque a análise comparada dos casos de telemnesia demonstra queas dados pessoais que os médiuns colhem jamais dizem respeitoa terceiras pessoas conhecidas do indivíduo que lhes sofre, àdistância, o influxo. Insisto nesta circunstância, porque, parachegar-se a explicar, por meia da telemnesia, certos casosimportantes de identificação espirítica, fora preciso presumir-seconstantemente o fenômeno da seleção, nas subconsciências deoutrem, de indicações referentes a terceiras pessoas que oindivíduo ausente haja conhecido no passado. Este último pontoassume altíssimo valor teórico, não só porque encerra a hipóteseem exame nos modestos limites que lhe competem, comoporque leva a concluir-se que, se a telemnesia existe, ela seexterioriza sob modalidades perceptivas diversas dasimaginadas, modalidades que lhe tiram todo valor de objeçãoneutralizante da interpretação espiritualista dos fatos. Assim é,porque, excluída a possibilidade de ela se manifestar em sentidoativo, selecionando, a telemnesia se apresenta redutível a umfenômeno de percepção passiva do pensamento atual, àdistância, ou do pensamento que ainda vibra no limiar daconsciência da pessoa que se ache em relação psíquica com omédium, caso em que ela se identifica com os fenômenos daclarividência telepática, o que equivale a admitir-se que a suacapacidade elucidativa, nas manifestações mediúnicas dosdefuntos, se conteria em limites tão modestos, que se tornariainaplicável aos casos importantes de identificação espirítica.

Fica entendido, portanto, que os poderes das faculdadessupranormais subconscientes já se podem circunscrever dentrode limites definidos, com o que cai das mãos dos opositores o

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único engenho ofensivo que lhes restava, engenhoexuberantemente posto em ação, toda vez que lhes surgemdúvidas teóricas intransponíveis com o auxílio de hipótesesnaturalísticas, tudo de perfeita boa fé.

Nessa conformidade, também mais uma vez acentuo que,com o que deixo expendida, chego a uma terceiraimportantíssima conclusão teórica, em favor da existência esobrevivência do espírito humano, conclusão a que seguirãooutras análogas, igualmente incontestáveis, e que se mostrarãoao mesmo tempo resolutivas .

CAPITULO III

As comunicações mediúnicas entre vivos provam arealidade das comunicações mediúnicas com defuntos

Não esqueçamos que a denominação de fenômenosmediúnicas propriamente ditos designa um conjunto demanifestações supranormais, de ordem física e psíquica, que seproduzem por meio de um sensitivo a quem é dado o nome demédium, por se revelar qual instrumento a serviço de umavontade que não é a sua. Ora, essa vontade tanto pode ser a deum defunto, coma a de um vivo. Quando a de um vivo atuadesse modo, à distância, somente o pode fazer em virtude dasmesmas faculdades espirituais que um defunto põe em jogo.Segue-se que as duas classes de manifestações resultam denaturezas idênticas, com a diferença, puramente formal, de que,quando elas se dão por obra de uns vivos, entram na órbita dos

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fenômenos anímicos propriamente ditos, e de que, quando severificam por obra de um defunto, entram na categoria,verdadeira e própria, dos fenômenos espíritas. Evidencia-se,portanto, que as duas classes de manifestações sãocomplementares uma da outra, a tal ponto que o Espiritismocareceria de base, dado não existisse o Animismo .

E de suprema importância este tema, que já explanei a fundonuma monografia em que foram colecionados e comentadosnumerosos e variados casos do gênero. A grande importância dotema consiste em que os casos de comunicações mediúnicasentre vivos, com o se realizarem por processos idênticos àquelespelos quais se operam as comunicações mediúnicas comdefuntos, oferece a possibilidade de apreender-se melhor àgênese destas últimas, por projetarem luz nova sobre as causasdos erros, das interferências, das mistificações subconscientesque nelas ocorrem; mas, sobretudo, por contribuírem a provar,com rara eficácia, a realidade das comunicações mediúnicascom defuntos, uma vez se considere que, nas comunicaçõesmediúnicas entre vivos, é possível- verificar-se a realidadeintegral do fenômeno, interrogando-se as pessoas colocadas nasduas extremidades do fio . Daí, a sugestiva inferência de que,quando no outro extremo do fio se encontra uma entidademediúnica que afirme ser um espírito de defunto e o proveministrando informações pessoais que todos os presentesignoram, racionalmente se deveria concluir que na outra pontado fio há de estar a entidade do defunto que se declara presente,do mesmo modo que nas comunicações entre vivos se verificapositivamente que na outra extremidade do fio se acha o vivoque se manifesta mediúnicamente.

Na minha monografia, eu subdividira em sete categorias osfenômenos das comunicações mediúnicas . Na primeira,considerei os episódios de gêneros inteiramente afins com atransmissão do pensamento, salva a circunstância de se

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produzirem mediúnicamente. Nas outras, considereisucessivamente as mensagens inconscientemente transmitidas aomédium por pessoas mergulhadas em sono e por pessoas emcondições de aparente vigília; em seguida, a que foram obtidaspor vontade expressa do médium, que a isso chegara pensandointensamente na pessoa distante com quem desejava comunicar-se; depois, a transmitida ao médium por vontade expressa depessoas ausentes; a seguir, os casos de transição, em que o vivoque se comunicara era um moribundo; finalmente, as mensagensmediúnicas, entre vivos, transmitidas com o auxílio de umaentidade espiritual.

Na primeira categoria, em que se tratava de episódios afinscom a transmissão do pensamento, salva a circunstância de seproduzirem mediúnicamente pela escrita automática, osepisódios referidos me ofereceram ensejo de assinalar que asmistificações subconscientes, quais se davam nas comunicaçõesdos defuntos, ocorriam de maneira idêntica nas comunicaçõesentre vivos e, como nestas últimas possível se tornava indagar-lhes as causas, instrutivo ensinamento resultava daí, a dissipar asdúvidas inerentes às mistificações análogas nas comunicaçõesdos defuntos.

Na segunda categoria, em que foram consideradas asmensagens inconscientemente transmitidas ao médium porpessoas ausentes mergulhadas em sono, tive ocasião de acentuaro valor de uma das maiores aquisições teóricas postas em focopela minha monografia, isto é, que a característica dascomunicações mediúnicas entre vivos consistia no fato de que,entre o agente e o percipientes, se desenvolviam de ordináriolongos diálogos, demonstrativos de que já não se tratava de umfenômeno de transmissão telepática do pensamento, mas deverdadeira conversação entre duas personalidades integraissubconscientes, com as conseqüências teóricas daí decorrentes.

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Na terceira categoria, em que considerei as mensagensinvoluntariamente transmitidas ao médium por pessoas emcondições de aparente vigília, ofereceu oportunidade dedemonstrar a presumível inexistência de tal forma decomunicações mediúnicas entre vivos, por falta de exemplosconvenientemente circunstanciados, que valessem parademonstrar que uma pessoa em condições de vigília possa entrarinvoluntariamente em comunicação mediúnica com um sensitivodistante, ainda que nele não pense. Ponderando-se os resultadosefetivos, dever-se-ia, ao contrário, dizer que, para se produziremepisódios semelhantes, seria indispensável, pelo menos, que apessoa em condições de vigília caísse em sonolência, por breveespaço de tempo, ou em sonambulismo vígil, ou em estado deausência psíquica, ou, ainda, que pensasse mais ou menosvivamente na pessoa distante .

Na quarta categoria, em que considerei as mensagensobtidas por expressa vontade do médium, incluí casos revestidosde grande valor teórico, do mesmo passo que a maneira de osinterpretar se revestia de eficácia resolutiva, quanto ao modo dese interpretarem os casos de identificação espirítica, fundadosem informações fornecidas pelos defuntos que se comunicam,eficácia que ressaltava da circunstância de fornecerem os casosde comunicações mediúnicas entre vivos a mala preciosa dasreconfirmações do fato de que as comunicações mediúnicas dosdefuntos, longe de consistirem num absurdo processo de seleçãodas informações pessoais colhidas nas subconsciências dos queconheceram em vida o pretenso defunto que se comunica,consistiam, ao contrário, positivamente, numa verdadeira elegítima conversação com o próprio defunto, visto que, se issoera o que se dava nas comunicações mediúnicas entre vivos,racionalmente se havia de dar no tocante às comunicaçõesmediúnicas dos defuntos, conclusões estas que anulavam a única

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objeção de que dispunham os opositores, para não admitirem ainterpretação espiritualista das manifestações em apreço.

Na quinta categoria, referente às mensagens transmitidas aomédium por expressa vontade de uma pessoa ausente, ressaltava,antes de tudo, a raridade das mensagens dessa natureza, quando,ao contrário, as mesmas mensagens, com caráter deespontaneidade, eram muito freqüentes, nas condições de sonoreal ou aparente do agente, revelando-se estes últimos maisimportantes do que os primeiros, dado que, no caso demensagem transmitida ao médium por vontade expressa de umapessoa ausente, se tratava estritamente de um fenômeno detransmissão telepático-mediúnica e, portanto, de uma mensagempura e simples, que jamais tomava o desenvolvimento de umdiálogo, enquanto que, no caso de uma pessoa em sono real oularvado, as manifestações assumiam com freqüência essecaráter. E, quando o assumiam, isso queria dizer que já não setratava de um fenômeno de transmissão telepático-mediúnica,mas, sim, de uma vera conversação entre duas personalidadesespirituais subconscientes, a menos que se tratasse de umamensagem de vivo transmitida com o auxílio de uma entidadeespiritual .

Como quer que seja, o significado dos casos pertencentes aesta quinta categoria não deixava, a seu turno, de confirmar ahipótese espirítica, pois que, se a vontade consciente do espíritode um vivo podia atuar a distância, sobre a mão de um médiumpsicógrafo, de modo a ditar-lhe o seu pensamento, nada impediase inferisse que a vontade consciente de um espíritodesencarnado chegasse a agir analogamente ; que, se, pelascomunicações mediúnicas entre vivos, nas quais era dadoverificar-se a autenticidade dos fenômenos interrogando-se aspessoas colocadas nos dois extremos do fio, ficavapositivamente demonstrado que a mensagem mediúnicaprovinha do vivo que, distante, se declarava presente, então,

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quando na outra extremidade do fio se achava urna entidademediúnica afirmando ser um espírito de defunto e provando-opor meio de informações pessoais ignoradas dos consulentes edo médium, legítimo teoricamente se tornava inferir-se que naoutra ponta do fio devia achar-se, com efeito, a entidade dodefunto que se declarava presente. Noutros termos: para ambasas categorias indicadas se haveria de excluir a hipótese daspersonificações subconscientes, de que tanto se tem abusado atéhoje. Nada, pois, de personificações efêmeras de ordem onírico-sonambúlica em relação com as comunicações mediúnicas entrevivos e, em conseqüência, nada também de semelhante emrelação às comunicações com entidades de defuntos queforneçam as reclamadas provas de identificação pessoal.

Na sexta categoria eu considerava os casos, por sua vezbastante raros, em que a pessoa que se comunicavamediúnicamente morrera naquele momento mesmo, ou estavamoribunda, casos esses que representavam a senda de transiçãoentre os fenômenos anímicos e os espirítico, tudo istoconsiderando que, por se tratar de vivos no leito de morte, ficavapatente que a telepatia entre vivos para manifestação mediúnicaaparecia, em tais circunstâncias, como o último degrau de umalonga escala de manifestações anímicas, que levava ao limiar dagrande fronteira além da qual somente podem havermanifestações telepáticas de defuntos., Demonstrava-se uma vezmais não existir solução de continuidade entre as modalidadessob que se produziam as comunicações mediúnicas entre vivos eas dos defuntos . Por outras palavras: uma vez mais, era-seconduzido a reconhecer que o Animismo prova o Espiritismo.

Finalmente, na sétima categoria, em que se contemplavamas mensagens entre vivos transmitidas com o auxílio de umaentidade espiritual, entrava-se de velas enfunadas no grandeoceano das manifestações transcendentais; chegara-se ademonstrar que a existência de mensagens mediúnicas, entre

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vivos, obtidas por meio de mensagens espirituais, já não podiaser contestada, conhecidas que eram longas séries deexperiências que se não podiam explicar nem pela telepatia, nempela clarividência telepática, nem pela telemnesia .

Do ponto de vista, porém, do presente trabalho, em quetenho de sintetizar os numerosos argumentos especiais queencaminham a conclusões nitidamente afirmativas no tocante àgrande verdade aqui considerada, defronto-me com umadificuldade técnica intransponível: a de que, tratando-se de umaordem de manifestações cujo profundo significado espiritualistanem sempre é fácil de apreender-se, devido às intrincadasmodalidades sob que se produzem, não poderei furtar-me afortalecer todo argumento especial enunciado, citando os casosque o sugerem, sem o que as conclusões gerais perderiam muitoda sua eficácia demonstrativa. Mas, isso não é possível e, não osendo, só me resta relatar um número conveniente de episódioselucidativos, respeitantes à maior das proposições teóricasconseguidas com a análise comparada dos fatos e aconvergência das provas, proposição que também pode bastarpor si só para robustecer a tese ora considerada: que ascomunicações mediúnicas entre vivos provam a realidade dascomunicações mediúnicas com os defuntos . Para tal fim, nadade melhor do que relatar alguns episódios da longa série obtida,com a sua própria mediunidade, pelo célebre jornalista e escritorespírita William Stead.

Como é sabido, William Stead possuía, em graunotabilíssimo a faculdade mediúnica da escrita automática(psicografia), por meio da qual lhe foi ditado o áureo livrinho derevelações transcendentais intitulado: Letters from dulia (Cartasde Júlio) . Além disso, chegou sistematicamente a entrar emrelação mediúnica e a conversar livremente, à distância, compersonalidades vivas, obtendo muito amiúde confissões einformações que as personagens vivas jamais lhe teriam

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confiado em condições normais. Nunca ele pensara napossibilidade de conversações supranormais de tal natureza e foià personalidade mediúnica Júlio que lho sugeriu, a título deexperimentação. Numa famosa conferência que fez na LondonSpiritualist Alliance, no ano de 1893, narrou nestes termos comoenveredara por essa ordem de pesquisas

Um dia, escreveu Júlio : Porque te surpreenda que eu possaservir-me da tua mão para me corresponder com uma amigaminha? Qualquer um pode fazê-lo. - Perguntei-lhe: Que queresdizer com esse qualquer um? - Respondeu: Qualquer um, isto é,qualquer pessoa pode escrever com a tua mão. - Perguntei mais:Queres dizer qualquer pessoa viva? - Ela replicou: Qualqueramigo teu pode escrever com a tua mão. - Ao que observei:Queres dizer que, se eu pusesse a minha mão à disposição dosmeus amigos distantes, eles poderiam servir-se dela do mesmomodo por que o fazes? - Sim; experimenta e verás. - Pareceu-meque ia tomar sobre mim uma árdua tarefa; mas, decidi tentar aexperiência. Os resultados foram imediatos e espantosos...

Coloquei, pois, minha mão às ordens de amigos queresidiam em diversos lugares distantes e verifiquei que eles, emsua maioria, estavam em condições de comunicar-se, emboravariasse muito a capacidade, que tinham, de fazê-lo. Algunsescreviam de súbito e correntemente, com as suas característicasde estilo, de forma, de caligrafia, às primeiras palavrastransmitidas, para depois prosseguirem com intermitência, comose escrevesse normalmente uma carta.. Confiavam-me seuspensamentos, informavam-me de que tinham a intenção de mevir consultar, ou me contavam como haviam empregado o dia. Oque, porém, mais me surpreendia nessas conversações, já de simesmas surpreendentes, era a inconcebível franqueza com quevários de meus amigos, que eu, estava certo, tão bem lhesconhecia a sensibilidade, a moderação e a reserva, jamais meteriam confiado alguns de seus segredos pessoais, ou alguns de

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seus embaraços econômicos, me declaravam com a maiorfranqueza achar-se em dificuldades financeiras, ou me falavamsem reservas de outros vários reveses íntimos.

Essa circunstância me pareceu tão séria, do ponto de vistasocial que, um dia, pedi a respeito explicações a Júlia, nestestermos : Preocupam-me seriamente os resultados que tenhoobtido neste novo campo de pesquisas, por se me afigurar que,se os outros fizessem como eu, não haveria mais segredos nestemundo. - Ela respondeu: Oh! não. Tu exageras. - Ao que lheretruquei: Então, como se explica que pela minha mão umamigo me revele segredos pessoais que, normalmente, teria ocuidado de me não revelar?

Foi-me dada uma explicação, que não apresento comodefinitiva, mas unicamente como a explicação de Júlio, escritacom a minha mão, e que, sem dúvida, não é produto da minhasubconsciência, visto que ela nunca me passou pela mente.Disse Júlia: A vossa personalidade real, ou espiritual, jamaisconfiará a ninguém, por via mediúnica, coisas que se considereno dever de guardar em segredo e, se às vezes confia incidentesmais ou menos íntimos, fá-lo com plena consciência do que faz.A diferença está em que a vossa personalidade real, ouespiritual, pensa e julga de um fato pelo seu valor intrínseco,muito diversamente do modo por que procede a vossapersonalidade normal. - Perguntei Que é o que entendes porpersonalidade real, ou espiritual? - Respondeu: A vossapersonalidade real, ou espiritual, isso a que chamais o vosso Eu,vigia e governa tanto a vossa mentalidade consciente, quanto asubconsciente, usando de uma e de outra à sua vontade, A vossamentalidade consciente se serve das faculdades sensórias paracomunicar-se com os seus semelhantes, quando estes se achamao alcance daquelas faculdades, que, contudo, são muitorudimentares na sua potencialidade. O mesmo já não se dá comrelação às faculdades sensórias da mentalidade subconsciente,

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que são um instrumento de comunicação muito mais sutil,apurado e eficiente, porque se conservam sempre a serviço davossa personalidade espiritual que, quando deseja comunicar-secom alguma pessoa distante, se serve da mentalidadesubconsciente que, entretanto, nunca se presta ao fim absurdo derevelar a outros aquilo que, verdadeiramente, deva conservar-seem segredo, da mesma maneira que não revelaria normalmentecom a língua. Em suma, a vossa personalidade real, ouespiritual, é senhora absoluta dos seus instrumentos decomunicação

Perguntei ainda: De que modos se realizam taiscomunicações ? - Resposta: Como ? Não o compreendes ? OsEspíritos de todo o Universo se acham em contacto uns com osoutros, de sorte que podes falar com a personalidade espiritualde qualquer pessoa no mundo, sem limites de distancia, com aúnica condição de que a tenhas conhecido pessoalmente. Sepodes falar a uma pessoa que encontres, porque já a conheces,também podes conversar com ela, em qualquer parte do mundoonde esteja, convidando-a a escrever com a tua mão.

. . . Talvez por se achar ainda imperfeitamente desenvolvidaa minha mediunidade, o fato é que não consigo entrar emrelação com todos os meus amigos e que noto grande diferençano valor intrínseco das suas comunicações. Assim, por exemplo,alguns há que me comunicam coisas de caráter pessoal comextraordinário cuidado, de maneira que, em cem afirmaçõessuas, não surge uma só inexata. Eis compensação, outros há queaparentemente se manifestam com suas características pessoais eassinam com seus nomes as comunicações, mas que transmiteminformações completamente falsas. Nada obstante, a maioriadeles demonstra o maior cuidado em transmitir suas notícias;mesmo, porém, nessas circunstâncias, ressalta um fato curioso eé que, se peço - figuremos um caso - a um amigo de Glasgownotícias da sua inflamação facial, ele me responde com

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escrupulosa exatidão, ou que vai piorando, ou que seusfurúnculos se abriram e que tem o rosto coberto com umcataplasma subscrevendo as mensagens com sua firma.Entretanto quando me encontro com o amigo em carne e osso elhe apresento o seu escrito, ele absolutamente não se recorda dehaver conversado comigo . Pedi a Júlio que me elucidasse a esserespeito, formulando nestes termos a minha pergunta: Como seexplica que, quando perguntei ao meu amigo como estava da suainflamação facial, ele me informou do seu estado e não serecorda de se haver comunicado comigo ? Desde que a nossapersonalidade espiritual nunca transmite informações sem terplena consciência do que faz, como se explica que os amigos meforneçam informações e depois ignorem que mas deram? - Elarespondeu: Quando te diriges mediúnicamente a um amigo teu, asua personalidade espiritual responde por meio das faculdadesmentais subconscientes, não mais por meio das faculdadesconscientes ou cerebrais, e, naturalmente, não cuida de dar asaber à sua mentalidade consciente ou cerebral que elatransmitiu uma informação a quem lha pedira, servindo-se dasfaculdades mentais subconscientes, uma vez que não énecessário que o faça. Se, porém, julgasse conveniente fazê-lo,então o teu amigo se recordaria. (Light, 1893, págs. 134-143) .

Estes os trechos essenciais da interessantíssima conferênciade William Stead, a cujo propósito faço notar, antes de tudo, quea personalidade mediúnica Júlio, quando informa a Stead que épossível a um médium entrar em relação com um vivo distante,mas unicamente sob a condição de que aquele conheça.pessoalmente o outro, nada mais faz do que reforçar a tese quedesenvolvi no capítulo precedente, segundo a qual não podemefetuar-se comunicações entre vivos, em falta da relaçãopsíquica, que só se pode estabelecer com pessoas conhecidas domédium ou dos presentes, ou por meio de um objetopsicometrizável.

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Faço, além disso, ressaltar esta outra afirmação de JúliaQuando te diriges a um amigo distante, a sua personalidade

espiritual responde exercendo suas faculdades mentaissubconscientes, não as faculdades conscientes ou cerebrais.

Ora, nessa afirmação se contém o núcleo substancial da teseque me disponho a desenvolver e segundo a qual ascomunicações mediúnicas entre vivos são verdadeiras e reaisconversações entre duas personalidades integraissubconscientes, que estabeleceram relação psíquica entre si. Eesta uma conclusão teoricamente importantíssima, porqueelimina a absurda hipótese em que se imagina que as faculdadessupranormais dos médiuns têm o poder de insinuar-se nassubconsciências de outros para aí selecionar os dados de quenecessitem com o nobre escopo de mistificar o próximo.

Nada mais acrescento, pois que terei de voltar repetidamentea este assunto na exposição dos casos.

*

Começo pelo episódio com que se iniciaram as novasexperiências em foco. O paciente distante, que Stead escolheu,era uma distinta escritora que colaborava na Review of Reviewse que se tornou, em pouco, uma das melhores colaboradorasespirituais daquele publicista. Ela lhe respondia imediatamenteaos convites mentais, de onde quer que esteja, assim de diacomo de noite, travando conversações interessantíssimas, poisque exuberantes de provas de identificação pessoal. Tomo oincidente registrado por Myers, no vol. IX, pág. 53, dosProceedings of the S. P. P. O relato foi escrito por Stead e diz

Embora eu me conservasse mais ou menos incrédulo,comecei a experimentar pensando numa senhora de Londres,que escolhi por existirem entre mim e ela vínculos de recíprocasimpatia. A experiência resultou maravilhosa. Quer dizer:

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verifiquei que a minha amiga nenhuma dificuldade encontravapara servir-se da minha mão, a fim de me transmitir noticiassuas, exprimindo-se com o humor de que no momento se achavapossuída.

Certa vez, estando ela - a quem chamarei Miss Summers - aditar uma mensagem, eu a interrompi bruscamente com estapergunta: E você mesma quem escreve com a minha mão, ousou eu que converso com a minha subconsciência? - A minhamão escreveu: Provar-lhe-ei que sou realmente eu quem escreve.Neste momento estou sentada diante da minha secretária e tenhonas mãos um objeto que amanhã lhe levarei ao escritório. Seráum como presente que terá de aceitar de mim. E a figura de umavelha carda. - Respondi: Como ? Uma velha carda ? - Sim, umavelha carda, com efeito. Representa uma grata recordação daminha vida e é por isso que a tenho em muita estima. Levar-lhe-ei amanhã, e lhe explicarei melhor tudo isso de viva voz, Contoque a aceitará.

No dia seguinte, a minha amiga veio ao meu escritório e eulogo lhe perguntei se me trouxera algum presente. Respondeuque não; que realmente pensara em trazê-lo, mas que acabaradeixando-o em casa. Perguntei então o que era e ela disse que setratava de um presente tão absurdo que não queria dizer-lhe onome. Como eu insistisse, explicou que se tratava de um pedaçode sabão! Fiquei profundamente desiludido com o supostoinsucesso e lho disse. Ela, porém, surpreendida, replicou: Edeveras singular! Tudo se passa como você o escreveu nestafolha de papel. Trata-se efetivamente de uma carda e, ao demais,de uma velha carda, que, entretanto, se acha insculpidas numpedaço de sabão. Tra-la-ei amanhã. Não sei se sabe que a cardaocupa uma importante parte das recordações da minha vida. Epassou a narrar o incidente pessoal que correspondia a essaafirmativa. No dia seguinte, levou-me o pedaço de sabão, sobre

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o qual se percebe impressa, de fato, a imagem de uma velhacarda.

Myers confirma assim o exposto:Foi-me narrado o incidente pessoal a que diz respeito à

imagem de uma velha carda, narrativa donde ressalta que areferida imagem gravada no pedaço de sabão é que conferia aoobjeto todo o seu significado. Miss Summers pensara am levá-lode presente a Stead, antes que a mão deste último escrevesse talpormenor e provavelmente o pensou no instante exato em queStead o escreveu.

No caso, o incidente de identificação, tentada para provar aStead que não se tratava de uma mistificação da suasubconsciência, mas de uma conversação real com apersonalidade espiritual de Miss Summers, parece apropriado aoobjetivado fim, porquanto o presente prometido a título de provaconsistia numa coisa efetivamente excepcional, de modo a nãose poder explicar o fato com a hipótese habitual dascoincidências fortuitas. Manifesto, com efeito, se faz que aimagem de uma antiga carda gravada num pedaço de sabão nãoé decerto um objeto que se costume dar de presente.

Observo ao demais que, no incidente com que me ocupo -como noutros ocorridos com a mesma sensitiva - esta teriaaparentemente entrado em relação mediúnica com Stead,durante o estado de vigília, o que, porém, não significa que oincidente se haja desenvolvido exatamente assim. Não significa,antes de tudo, porque, em nenhuma das experiências em questãohavia testemunhas que pudessem afirmar que a sensitiva, nomomento. não se achasse adormecida; depois, porque, aindaquando existissem tais testemunhas, não teriam grande valor,visto que uma pessoa pode muito bem passar e permaneceralgum tempo em condições de sonambulismo vígil, sem que ospresentes se apercebam do fato e sena que a própria pessoa operceba. Tudo isto é teoricamente importante e voltarei ao tema

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quando tiver ensejo de aludir a um caso recente do mesmogênero, em que o paciente, à distância e inconsciente, se achava,na aparência, em estado de vigília, caso continuamente citadopelos opositores, para demonstrarem que os médiuns tiram tudoo que queiram das subconsciências de outros e chegam dessemodo a mistificar o próximo, como se personificassem entidadesde defuntos (caso Soal-Gordon Davis) .

Repito, pois, mais uma vez, que o ensinamento teórico aextrair-se do episódio exposto e que será amplamentecorroborado pelos que se seguirão, consiste na prova manifesta eindubitável de que, nas comunicações mediúnicas entre vivos, setrata de verdadeiras e legitimas conversações entre duaspersonalidades integrais subconscientes, transmitidas àpersonalidade consciente da médium, por meio da escritaautomática. Do mesmo passo, evidente também resulta que osmédiuns nada tiram, nem selecionam e que, por conseguinte, ahipótese tão cara aos opositores é destituída de qualquerfundamento experimental.

Cumpre se tenha muito em vista o ensinamento acimaapontado, pois que, do fato positivamente averiguado de que ascomunicações mediúnicas entre vivos são verdadeirasconversações entre duas personalidades integraissubconscientes, decorre que essas comunicações se transformamem provas resolutivas de identificação pessoal dos vivos que secomunicam e, por sua vez, corroboram, com igual eficácia, asmanifestações análogas por meio das quais se obtêm as provasde identificação pessoal dos defuntos. Entretanto, se, aocontrário, se fantasiar, com os opositores, que, nascomunicações mediúnicas entre vivos, os médiuns tiram dassubconsciências dos mesmos vivos todas as informações quefornecem sobre a existência privada deles, dever-se-ia, em talcaso, argumentar no mesmo sentido com relação a grande partedas comunicações mediúnicas com os defuntos, considerando-as

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um noticiário de fatos tomados pelos médiuns àssubconsciências de terceiros, o que tornaria teoricamente maisdifícil a demonstração rigorosamente científica das provas deidentificação espirítica. Assinalado esse ponto, apresso-me aacrescentar que a hipótese em apreço tem que ser eliminada, nãoapenas em face dos processos científicos da análise comparada eda convergência das provas, mas, igualmente, em face daconsideração de que com ela não se explicaria a característicafundamental das comunicações entre vivos, característica que éa da conversação que se desenvolve entre o médium e apersonalidade subconsciente do vivo distante daquele,conversação que assume aspectos sempre novos e imprevistos,que nada de comam apresentam com as lembranças latentes nassubconsciências de terceiros, porquanto as informaçõesfornecidas, os manifestados estados de ânimo, as característicasmorais, as idiossincrasias pessoais brotam das perguntas que oautomatista dirige à personalidade do vivo que se comunica.Assim sendo, só resta concluir formulando uma proposição tãosimples, que parece ingênua, e é que, quando uma hipótese serevela impotente para explicar a característica maior de umadada classe de manifestações, isso significa que ela é inaplicávelàs mesmas manifestações. E me parece que basta.

*

Este outro episódio, também ocorrido com Miss Summers,servirá para corroborar tudo quanto ficou dito acerca dasinceridade sem reservas com que as personalidades integraissubconscientes confiam suas angústias íntimas a terceiros. Emdata de 20 de Setembro de 1893, William Stead, como decostume, encaminhou seu pensamento para Miss Summers,pedindo-lhe notícias. Imediatamente sua mão escreveu:

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Hoje, para mim, é um dia de tristes desilusões. Empagamento de um trabalho que fiz, recebi soma muito inferior aque eu esperava e com que contava, de modo que me encontroem aperturas econômicas assaz penosas. Não quis pô-lo aocorrente de tudo isto, porque bem sabia que me proveria dodinheiro necessário, o que não quero. Tenho, entre outros; umdébito de três libras esterlinas com o proprietário da casa. Nãoimporta: hei de consegui-las.

Disse eu: Mandar-lhe-ei a soma de que necessita. Respostaimediata: Não, não aceitarei e lha devolverei. Tenho a minhaaltivez e não quero parecer uma colaboradora mercenária.

No dia seguinte mandei a Miss Summers uma pessoa quegozava de toda a sua confiança e vim a saber que ela,efetivamente, ai achava nas dificuldades econômicas de que meinformara mediúnicamente. Quando, porém, soube por que meioeu fora informado de seus embaraços econômicos, ficouextremamente desgostosa. (Proceedings, vol. IX, pág. 54) .

Deste incidente, ressalta mais que notório que nasexperiências em questão não há cabimento para a telemnesia ;que se trata, ao contrário, de verdadeiros e legítimos diálogostravados entre duas personalidades espirituais subconscientes.Note-se, com efeito, que, quando Stead declara : Mandar-lhe-eia quantia de que necessita, Miss Summers responde : Não, nãoaceitarei e lha devolverei, resposta que implica uma açãodialogada que se desenvolve no presente e não um processo deseleção das lembranças latentes nas subconsciências deterceiros. E, pois que o diálogo foi reconhecido verídico, não é ocaso de invocar-se a sólida hipótese dos chamados romancessubliminais com relativa dramatização subconsciente.

*

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O incidente que segue ocorreu entre William Stead e seupróprio filho, que andava pelo Reno, em viagem de recreio .Escreve a pai

Meu filho levava consigo uma Kodac e, como sói acontecer,veio a ficar sem chapas fotográficas, pelo que escreveu paracasa, a fim de lhe enviarem algumas. Dei-me pressa em remeter-lhes e, passados os dias necessários a que elas lhe chegassem,perguntei-lhe mediünicamente se as recebera. Ele respondeu queas esperava impaciente, mas que não chegavam, razão por quenão podia fotografar os sítios pitorescos que ia atravessando.Tratei, logo, de informar-me a respeito e verifiquei que aschapas tinham sido expedidas. Eis, no entanto, que, dois diasdepois, meu filho escreveu novamente com a minha mão:Porque não me mandas as chapas? - Cuidei de informar-menovamente sobre o caso, obtendo a certeza de que a expediçãofora feita, havia uma semana. Conclui que minha mão erainfluenciada por interferências subconscientes e não maisconsenti que me fossem ditadas mensagens da parte de meufilho . Quando, porém, ele regressou, vim a saber, com vivasurpresa, que as chapas enviadas não tinham chegado a seudestino, e que os dois pedidos impacientes, escritos em seunome, pela minha mão, em Wimbledon, correspondiamexatamente ao seu estado de animo, quando se encontrava emBoppard . (Light, 1893, pagina 63) .

Neste caso e do ponto de vista da autenticidade do fenômenode comunicação mediúnica entre vivos, é interessante acircunstância de ter Stead a certeza de que as chapas fotográficashaviam sido enviadas, certeza inconciliável com a hipótese deuma mistificação subconsciente, pois que, então, ele devera ter-se auto sugestionado, no sentido de suas convicções, de maneiraa provocar uma resposta em que se anunciasse a chegada das tãoesperadas chapas fotográficas . Ao contrário, o filho responde,protestando segunda vez que as chapas não lhe chegavam .

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Forçoso, portanto, concluir-se que o diálogo em questão era deordem telepático-mediúnico .

*

No exemplo a seguir, ainda se trata de uma pessoa que,depois de se haver mostrado reticente com Stead ao confiar-lhesuas aflições econômicas, lhe fala sem reservas, por viamediúnica. Refere William Stead:

No mês de Fevereiro transato (1893) , encontrei-me no tremde ferro com um senhor a quem conhecera casualmente haviapouco. Sabia eu de modo geral que ele desde algum tempo semostrava presa de graves preocupações, de sorte que a nossapalestra tomou um aspecto confidencial, por onde vim a saberque as suas preocupações eram de ordem financeira. Disse-lheque ignorava se poderia ou não lhe ser útil, mas que, fosse comofosse, lhe pedia me confiasse francamente às condições em quese encontrava, quais os seus débitos e os créditos ou a soma deque podia dispor. Respondeu que não se sentia com ânimo deentrar nessas particularidades. Abstive-me de insistir. Naprimeira estação, separamo-nos. Naquela mesma noite, recebidele uma carta em que pedia desculpas de se haver mostradoreticente para comigo, talvez desatencioso, e explicava que, emrealidade, não se sentia com ânimo de me confiar o que eu lheperguntara . Recebi a carta às dez horas e por volta das duas damanhã, antes de meter-me na cama, sentei-me à mesa e,dirigindo o pensamento à pessoa em questão, ponderei-lhe : Nãotivestes a força moral de declarar-me face a face quais eram àsvossas condições financeiras; mas, agora, podeis confiar-metudo, escrevendo com a minha mão. Dizei-me, pois, como vosencontrais. Quantos devem? - Veio a resposta: Os meus débitosmontam a 90 libras esterlinas . - Havendo perguntado se era

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exata a soma escrita, repetiu com todas as letras : Noventa librasesterlinas . - Perguntei

- E tudo?- Sim e, em verdade, não sei o que poderei fazer para pagá-

las.- Quanto pensa que podeis obter pela pequena propriedade

de que me falastes?- Conto obter 100 libras esterlinas; mas, talvez, seja muito.

Em todo caso, preciso vendê-la por qualquer preço. Oh! Sepudesse achar com que ganhar a vida! Estou disposto aempregar-me seja no que for.

- De quanto necessitais para viver?- Não creio que possa viver com menos de 200 libras

esterlinas por ano, pois não sou só : tenho os meus velhos parasustentar. Se fosse só, poderia viver com 50 esterlinas; mas, há oaluguel da casa e o vestuário . Nunca chegarei a ganhai tal soma.Não sei o que pensar.

No dia imediato, fui à procura do meu amigo . Mal me viu,disse: Espero que não vos tenhais ofendido por me ter eurecusado a confiar-vos as circunstâncias em que me acho. Naverdade, o meu sentimento era o de não vos aborrecer com osmeus queixumes. - Respondi: Absolutamente não me ofendi e, ameu turno, espero não vos ofendereis, quando souberdes o quefiz. E expliquei-lhe então sumariamente os métodos decomunicação telepático-mediúnica e acrescentei: Não sei sealguma palavra de verdade há em tudo o que a minha mãoescreveu e hesito em vo-lo comunicar, sobretudo porque pensoque a cifra por mim grafada como .montante das vossas dívidas,é extremamente exígua para ser verdadeira, tanto maisconsiderando a depressão moral em que estais, Assim, antes detudo, vou ler-vos a cifra em questão. Se for exata, darei aconhecer o resto; se estiver errada, Considerarei tudo como frutode uma mistificação subconsciente, em que a vossa

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personalidade não entrou por coisa alguma. - Ele pareciainteressado, embora incrédulo . Prossegui assim: Antes que euleia a mensagem, é preciso que façais mentalmente o cálculo domontante total das vossas dividas, bem como da soma queesperais obter da venda da vossa propriedade, depois, o da somaque vos é necessária anualmente para vos manterdes com avossa família e, por fim, o da soma com que poderíeis viver sefôsseis só. - Ele se concentrou um momento e disse: Já penseiem tudo isso. - Saquei então da mensagem e li: O montante dasvossas dívidas é de 90 libras esterlinas. - Ele deu um salto eexclamou: Exato! Entretanto, 100 esterlinas foi à quantia. emque pensei, porque incluí o dinheiro necessário das despesascorrentes.

Continuei : Uma vez que esta exato o montante do quedeveis, prossigo na minha leitura. Esperais obter 100 librasesterlinas pela vossa propriedade. - Sim - respondeu - éprecisamente essa a cifra em que pensei, se bem haja hesitadoem declará-la, por me parecer exagerada. haveis-me informadode que, com os vossos encargos atuais, não podereis viver commenos de 200 libras esterlinas por ano . - Exatíssima - o disse -assim é, de fato . Acrescentastes, porém, que, se fôsseis sópoderíeis viver com 50 libras . - Ora bem : eu pensara nestemomento em uma libra por semana.

Segue-se, portanto, que a minha mão transcreveu comexatidão o pensamento de uma pessoa do meu conhecimento,distante de mim muitas milhas, poucas horas depois de me haveressa mesma pessoa escrito, desculpando-se de não ter tido acoragem de me confiar às informações que lhe eu solicitara .

Myers pediu a Stead que lhe obtivesse o testemunho do seuamigo, a fim de depô-lo nos arquivos da Society for PsychicalResearches, no interesse das pesquisas psíquicas e Stead lhoproporcionou. Myers o publicou em os Proceedings (Vol IX,

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pág. 57), suprimindo a nome da testemunha, mas declarando queo mostraria particularmente a quem o desejasse.

E esta a carta do amigo de Stead:Egrégio Senhor Stead,Recebi a vossa exposição e nada tenho que opor a que seja

enviada a Society F. P. R. . Tudo quanto nela ai contém éescrupulosamente verdadeiro. Eu ignorava absolutamente avossa experiência é dela ab fui sabedor no dia seguinte, porvosso intermédio. O resultado da dita experiência produziu emmim grande impressão, porquanto eu sabia perfeitamente quenão podíeis ter conhecimento algum dos meus negócios, nem domontante das minhas dividas, nem do valor da minhapropriedade e dos meus projetos de vida. (Assinado): E. J.

Este caso não difere substancialmente dos outros; revela-se,porém, mais importante, do ponto de vista teórico, pela maioreficácia demonstrativa, levadas em conta à duração invulgar dodiálogo mediúnico e as minuciosas informações de naturezaprivada, obtidas de uma pessoa que poucas horas antes declararaverbalmente a Stead que não queria descer a confidências sobreo tema delicado da,s suas angústias econômicas.

Entre as informações que Stead obteve mediúnicamente e asque conseguiram verbalmente notam-se ligeiras diferenças na,forma em que foram concebidas pelas duas personalidades : asubconsciente e o consciente, do mesmo indivíduo. Outro tanto,porém, não se dá relativamente à substância, que é idêntica numcaso e noutro:

Diante de um diálogo verídico tão prolongado e tãocircunstanciado, quem ainda ousaria sustentar que ascomunicações mediúnicas entre vivos se dão por meio de umasuposta faculdade de clarividência telepática, ou telemnesia,capaz de insinuar-se nos mais recôndito:. recessos dassubconsciências de outros, com o fim de extrair daí os elementosnecessários a figurar uma falsa personalidade de vivo, com

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relativo desenvolvimento dialogado, que resultaria umadramatização espúria de particularidades percebidastelepaticamente? Sem dúvida, não se podem definir comopercepções telepáticas dramatizadas as que se acham nos trechosde diálogo em que Stead pergunta: De que soma necessitais? eobtém como resposta: Não creio que possa viver com menos de200 libras esterlinas por ano, pois que não sou só: tenho os meusvelhos para sustentar. Se eu fosse só, poderia viver com 50libras esterlinas... Achamo-nos aqui em presença de umaresposta que implica haver feito aquele que a deu cálculosmentais antes de formulá-la. Assim sendo, é claro que essescálculos não podiam ser extraídos da sua subconsciência, vistoque se originaram de uma pergunta. especial que lhe foi dirigidanaquele instante, mesmo . Creio que não se me faz misteracrescentar coisa alguma: é positivo que a explicação racionaldos diálogos em apreço ressalta evidente das modalidades sobque eles se desenvolvem e essa explicação consiste em que setrata de duas personalidades espirituais conversando entre si.

Segue-se que, se têm de excluir as hipóteses da clarividênciatelepática e da telemnesia, por impotentes para explicar asmanifestações dos vivos, com mais forte razão deverão serexcluídas quando se cogite de explicar as manifestações dosdefuntos, desde que as informações necessárias a representar afalsa personalidade de um trespassado teriam de extrair-se dassubconsciências de indivíduos desconhecidos do médium e seachariam, ao demais, espalhados um pouco por toda parte domundo .

Em outros temas: surge logicamente inevitável que, paraexplicar as manifestações dos defuntos, se tem de preferir ahipótese que se harmonize perfeitamente com as modalidadessob que se produzem as manifestações dos vivos, posto queestas se apresentam como a única base sólida de toda inferênciacientífica, em semelhante ordem de pesquisas . Nessas

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condições, dever-se-á dizer que, assim como nas manifestaçõesdos vivos são os próprios vivos que comunicam aos médiuns, oupor meio destes, os dados pessoais adequados a identificá-los,também, nos casos das manifestações dos defuntos, são ospróprios defuntos que comunicam aos médiuns, ou por meiodestes, as informações pessoais apropriadas a identificá-los. Emsuma, o argumento essencial no presente debate consiste em quea característica de uma conversação entre duas personalidadesespirituais se apresenta como fundamental em ambas ascategorias de manifestações em foca. Ora, se essa característicacorresponde a um fato cientificamente averiguado, no caso dasmanifestações dos vivos, não é possível se deixe de concluir quetambém corresponde a um fato igualmente real e verificado, nocaso das manifestações dos defuntos. Isto, bem entendido,sempre sob a condição de que as informações obtidas em ambosos casos sejam verídicas, assim como ignoradas de todos ospresentes.

De tudo quanto acabo de expor, decorre que a hipóteseadversa tem de ser excluída, porque não corresponde àsmodalidades sob que os fatos se produzem.

Outras importantes circunstâncias existem, a ser aduzida emreforço das considerações expostas. Dessas circunstânciasfalarei na síntese conclusiva do presente capítulo, por serem deordem geral.

*

De um longo artigo que William Stead publicou em onúmero de Janeiro de 1909, da citada The Review of Reviews,transcrevo o episódio seguinte

Uma senhora de minha amizade: (tratava-se de MissSummers) que, longe de mim, escreve com a minha mão aindamais facilmente do que com a sua própria mão, passara o fim da

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semana em Halsmere, aldeia situada a trinta milhas de Londres.Ficara de almoçar comigo numa quarta-feira, desde quehouvesse regressado à capital. Na tarde da segunda-feira, quisinformar-me a esse respeito e, pousando a pena sobre o papel,perguntei mentalmente à senhora em questão se regressara à suacasa. Minha mão escreveu o que segue:

Muito me desgosta ter de informá-lo de que um incidentetão lamentável se deu comigo, que quase tenho vergonha denarrar . Eu partira de Halsmere às 2,27 da tarde, num vagão desegunda classe, onde se achavam outras duas senhoras e umhomem. Chegados à estação de Godalming, as senhorasdesceram e fiquei a sós com o viajante. Ele se levantou e veiosentar-se a meu lado. Espantei-me e o repeli. Ele, porém, nãoquis retirar-se dali e, em dado momento, tentou beijar-me.Enfureci-me e atracamo-nos. Durante a luta apoderei-me do seuguarda-chuva e lhe apliquei com estes repetidos golpes. Oguarda-chuva, porém, se quebrou e eu começava a temer quelevaria a pior, quando o trem passou a certa distancia da estaçãode Guildford. O homem assustou-se, soltou-me e, antes quechegássemos à estação, desceu e pôs-se em fuga. Eu me achavaagitá-lo em extremo, mas conservei o guarda-chuva

Imediatamente, mandei o meu secretário a casa da senhora aquem me refiro, com um bilhete em que lhe expressava o meupesar pela agressão que ela sofrera e d ia, ao terminar: Acalme-se e na quarta-feira traga-me o guarda-chuva pertencente aohomem.

Ela me respondeu: desgosta-me sabê-lo informado o que mesucedeu, pois decidirão falar do caso a ninguém; mas, o guarda-chuva era meu e não do homem .

Quando, na quarta-feira, ela veio almoçar comigo,confirmou a exatidão absoluta de todas as informações queminha mão escrevera sobre a aventura ocorrida e me mostrou oguarda-chuva, que era, de fato, seu e não do agressor. Como se

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teria produzido aquele erro de transmissão? Ignoro-o; mas,talvez tivesse sofrido uma retificação, se eu me houvesselembrado de pedir a revisão de todos os pormenores que a minhamão grafara.

E quase supérfluo advertir que eu nenhuma idéia tinhaacerca da hora e do dia em que a, minha amiga partiria, nem,tão-pouco, a sombra de uma suspeita com relação ao deplorávelincidente de que foi vitima.

O episódio cuja narrativa se acaba de ler não cede, quanto aovalor teórico, ao precedente, dado que na descrição minuciosa ecompleta da aventura sucedida à correspondente espiritual deStead, ressalta sobremaneira evidente que em tais circunstânciasnão se podia tratar de informações apanhadas por Stead nasubconsciência de Miss Summers e depois organizadas de modoa figurar uma falsa personificação sua, a referirmediúnicamente; mas, que se tratava, ao contrário, de umaconversação como qualquer outra, entre duas personalidadesintegrais subconscientes.

O erro de transmissão que curiosamente se interpolou atantos pormenores verídicos, em nada diminui a importânciateórica do fato e é, provavelmente, resultado de uma fugazinterferência subconsciente. Faz-se mister não esquecer que oestado de receptividade mediúnica é uma condição passiva eeminentemente instável do espírito, condição essa afia, por suanatureza, com outra condição também passiva e eminentementeinstável do mesmo espírita: o estado onírico, ou, seja, o reinodos sonhos. Dai a extrema facilidade com que, nascomunicações mediúnicas, quer de vivos, quer de defuntos, seinterpõem elementos de sonho. Quando se trata decomunicações com defuntos, esses elementos de sonho, que sevêm interpor às informações verídicas, constituíram sempre ogrande obstáculo a que numerosos pesquisadores aderissem àhipótese espirítica. E que, para muitos deles, uma autêntica

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personalidade de defunto não deveria nunca se enganar, aoreferir algumas particularidades de destaque da sua existênciaterrena. Essa afirmação, aparentemente racional e incontestável,é, na realidade, completamente errada, por não levar em conta asimperfeições inerentes ao instrumento onírico-subconsciente deque se servem os defuntos para comunicar-se com os vivos,instrumento que exige uma passividade absoluta da mentalidadedo médium, passividade em perpétua condição de equilíbrioinstável, com freqüentes infrações e irrupções, ora oníricas, orasonambúlicas, ora auto-sugestivas, às quais se devem imputar oserros, as contradições e as imperfeições que se notam em muitascomunicações dos defuntos.

Deste ponto de vista, os erros, idênticos em tudo, que seencontram nas comunicações com os vivos se revelamliteralmente preciosos pela sua eloqüência demonstrativa da tesesustentada. De sorte que, tendo-se em vista o caso exposto, sedevera inferir que, assim como o erro interposto a tantospormenores verídicos não impede que o conjunto orgânico dosmesmos pormenores lhe demonstre a origem extrínseca, ou,mais precisamente, a natureza de manifestação mediúnica de umvivo, também os ditos erros, quando ocorrem nos casos deidentificação espirítica, não podem impedir que o conjuntoorgânico das informações verídicas que sejam ministradasdemonstre a origem extrínseca das mesmas informações, ou,com maior precisão, a sua natureza de manifestações mediúnicasde defuntos.

O tema se mostra teoricamente muito importante e faznecessário se considerem outros erros de transmissão ocorridosnas experiências em questão. Stead os refere na sua revista eMyers os colecionou num trabalho que inseriu nos Proceedingsof the S , P . R . (vol . IX, páginas 56-57). Narra Stead:

Contudo, houve duas ou três circunstâncias em que, nascomunicações, se interpolaram curiosos erros, com referência

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aos pormenores. Tão importantes são eles, quanto às mensagenstransmitidas corretamente. Um, que se deu com Miss Summers,foi o de ter afirmado que estivera a passear em Regents Park,quando, em realidade, não saíra de casa. Não sei explicar comose há podido produzir essa falsa transmissão. Penso, no entanto,que tenha havido de minha parte a suposição de que ela tivesseido àquele parque. Mas, mesmo que assim fosse, restaria semprepositivado que se dera uma transmissão falsa.

Noutra ocasião, um erro muito mais relevante se produziu.Achava-me eu em Redcar e minha mão transcrevemos umaconversação que Miss Summers teria tido com uma pessoa queela nomeava. Tratar-se-ia de uma entrevista que degenerara emdisputa e me foi transmitida parte do diálogo vivíssimo que setravara. Quando me encontrei com Miss Summers, comparamosas notas que ambos tomáramos e eu com surpresa verifiquei que,conquanto Miss Summers se tivesse avistado naquele dia com apessoa cujo nome ela declinara, a entrevista que degenerara emdisputa absolutamente não lhe dizia respeito, nem â pessoa porela visitada, mas a uma amiga sua e a outro interlocutor.Acontece, porém, que a amiga de Miss Summers a procurarapara lhe contar com viva emoção o doloroso incidente que sedera e minha mão transcrevera a narrativa, exagerando-lhe aimportância e isso a uma distância de 350 milhas. Eu nãoconhecia pessoalmente à amiga de Miss Summers, de sorte queesta última ficou profundamente estupefata ao ver que a disputade sua amiga fora transmitida em seu próprio nome, interpoladano relato genuíno de uma conversação sua com outra pessoa denegócio.

Esta a exposição de Stead quanto ao primeiro erro detransmissão que ele aponta, não vem ao caso discuti-lo, porque,muito, presumivelmente, a razão que lhe atribui Stead éverdadeira. Quanto ao segundo, esse é sem dúvida singular,incomum e enigmática. De todo modo, lembra muito de perto

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um outro verificado nas experiências do príncipe Wittgenstein,referido no caso X da minha monografia sobre Comunicaçõesmediúnicas entre vivos, onde se assinala que esse príncipe,desejando entrar em relação com a sua correspondente espiritualdo costume, orientara o pensamento para o domicílio dela ; mas,como à senhora estivesse ausente e na sua casa dormia uma suairmã, aconteceu que o príncipe, por efeito da afinidade fluídicaexistente entre as duas irmãs, se pôs em relação psíquica com -aque coabitava no mesmo ambiente . Daí vem que esta últimanarrou ao príncipe um incidente que com ela se dera num baile .Como, porém, o príncipe cria estar em relação com a pessoa quelhe era conhecida, produziu-se uma interferência por autosugestão, que levou a mão do sensitivo a firmar erroneamente amensagem com o nome daquela que se achava ausente.

Ora bem, tudo leva a presumir que análoga interferênciahavia ocorrido no caso de Stead e, nessa conformidade, sedeveria inferir que o seu pensamento, orientado para a residênciada sua correspondente espiritual, no momento em que elaconversava com uma amiga que lhe narrava com emoção viva ospormenores de uma disputa em que se empenhara, deu emresultado que o estado emocional da amiga de Miss Summersrepercutisse nas condições de relação psíquica existentes, naocasião, entre ele e essa senhora, determinando uma perturbaçãocorrespondente na transmissão da mensagem, a qual, depois deiniciar-se com uma informação de Miss Summers acerca doresultado de uma entrevista sua, sobre negócios, com um senhorcujo nome ela mencionava, improvisamente se ,alterou, desdeque as ondas hertzianas da telegrafia sem fio, mediante as quaisas duas personalidades espirituais conversavam, foramsobrepujadas por outras ondas hertzianas mais potentes, quechegaram a sintonizar-se com as primeiras, em virtude - dacoexistência, na mesmo ambiente, das duas amigas queconversavam. Assim, esse segundo sistema de ondas hertzianas,

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apanhando notícias da disputa havida, se sobrepôs ao primeirosistema, com este se amalgamando e confundindo .

Por ocasião da conferência de William Stead na sede daLondon Spiritual Alliance, empenhou-se entre ele e os ouvintesuma interessante discussão sabre o tema dos erros intercaladosnas suas experiências de comunicações mediúnicas com osvivos, o que lhe forneceu ensejo de referir outros dais casos domesmo gênero. Disse ele

Agora, consenti que eu voltasse ao problema dos erros. Podedar-se que se trate de uma imperfeição do que defino como omeu automático receptor telepático, ou de um defeito dos nervosmotores do meu cérebro. Pode dar-se que lhes caiba a culpa,mas julgo bem difícil arquitetar-se uma hipótese de trabalho quese mostre satisfatória. Quando meu filho se achava na Germânia,transmitia, servindo-se da minha mão, muitas informaçõesverídicas, dizendo que partia para determinado país, oupormenorizando o que fazia no momento. Mas, em meio damensagem me falava, por exemplo, de um domingohorrivelmente chuvoso durante o qual, obrigado a permanecerem casa, nada tinha para ler,- afora uma Bíblia tedesca, o que olevava a lamentar não haver levado bons livros consigo. Eis,porém, que, há seu tempo, vinha a verificar-se que nada dissoera exato. O domingo em questão não fora horrivelmentechuvoso, os dois viajantes nenhum desejo, com efeito, tinhamtido de ler e não possuíam nenhuma Bíblia tedesca.

Neste incidente, dir-se-ia que a interferência do elementoonírico-subconsciente se tenha produzido em conseqüência deum autêntico domingo horrivelmente chuvoso na localidade emque Stead se encontrava, circunstância agravada por achar-se eleem lugar desprovido de livros com que distraísse o seu tédio .

Este o segundo caso por ele referido:Uma senhora de minha amizade, tendo deliberado visitar, no

dia de Natal, o túmulo do poeta Matthew Arnold, escreveu, pela

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minha mão, naquela mesma noite, informando-me dasocorrências da viagem. Começou por dizer que se dirigira àestação de Paddington, que tomara o trem de tal hora e que lhecoubera um compartimento para si só durante a viagem toda;depois, que comprara outra passagem para a estação deLaleham. Nesse ponto observei: Não pode ser; não existesemelhante estação ferroviária. - Ela continuou: Tomei umapassagem para Laleham e, lá chegando, rumei para o cemitério,que estava deserto, encaminhei-me para o túmulo do poeta, noqual depositei um ramo de flores de cor branca.. Daí, voltoudiretamente para a estação. De novo me coube umcompartimento para mim só . - Como se vê, essa mensagemcontinha uma observação minuciosa de circunstâncias que euignorava totalmente. Consideremos, agora, os erros que ai seintercalaram, pois que os erros, a meu ver, interessam mais doque os pormenores verídicos. Estes últimos são naturais, pois énatural que a minha amiga diga sempre a verdade, visto sercontrário a sua natureza dizer falsidades. Na sua maior parte, amensagem é verdadeira: mas, quando com ela estive e lheponderei : Não sabia que em Laleham - houvesse uma estaçãoferroviária - ela respondeu : De fato, não há; tomei o trem emStaines . -

Perguntei: Mas, então, porque escreveu com a minha mãoque havia tomado passagem para a estação de Laleham? -Retrucou: Pedi, com efeito, uma passagem para Laleham, mas oempregado me deu um bilhete para Staines, dizendo que essa eraa estação em que devia saltar para ir a Laleham. - Estes os fatos.Agora, analisemos os erros cometidos. A minha amiga não foraà estação de Paddington, porém a de Waterloo; não depositaraum ramo de flores de cor branca no túmulo do poeta e sim umramo de flores azuis. Como explicar esses dois pequeninoserros? - Trata-se de um gênero de incidentes que embaraçam omeu critério, levando-me a concluir que ainda teremos de

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pesquisar e ponderar longamente a questão antes deformularmos teorias em torno das modalidades sob que os fatosse produzem. . . (Light, 1893, pág. 143) .

Neste último caso, os dois leves erros cometidos não dizemrespeito à veracidade dos incidentes narrados, mas a pormenoressecundários em que aqueles incidentes se desdobraram. Comoquer que seja, não resta senão imputá-los à mesma causa dasperturbações mais ou menos notáveis, porém inseparáveis dascondições de equilíbrio instável da camada onírico-subconsciente, receptora das mensagens supranormais. Esse eratambém o parecer do Rev. Allen que, ao terminar Stead a suaconferencia, pediu a palavra para observar:

Desejo externar o meu pensamento acerca das comunicaçõeserradas, transmitidas por entidades espirituais. Pessoalmente,não estou certo, com efeito, de que haja razão para se porem departe tais comunicações, qualificando-as de falsas.Conseguintemente, ouvi com grande interesse, do Senhor Stead,que também nas comunicações entre vivos se obtêm. algumasvezes, informações fantasiosas. Ora, parece-me que, se assim é,tal fato aconselha que, por enquanto, se deve considerar aberta enão resolvida à questão vertente, sobre as chamadascomunicações mentirosas dos defuntos . E provável que asaparentes mentiras sejam conseqüentes a alguma imperfeição doorganismo através do qual as mensagens são transmitidas oudeterminadas por algum obstáculo no processo de transmissão...

Não há dúvida de que as observações do Rev. Allen sãoracionalíssimas, embora não resolvam a questão, especificando-lhe às causas .

Com relação a este ponto, não será ocioso lembrar que,também nas clássicas experiências de transmissão dopensamento por via mediúnica,, realizadas com severo critériocientífico pelo Rev. Newnham (Proceedings, vol. III, págs. 3-23), e em que a médium era sua própria mulher, se davam às

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vezes análogas interferências subconscientes, porém de ordemmais que embaraçosa, pois não se tratava de simples erros e simde verdadeiras e positivas mistificações, análogas em tudo àsque se registram nas comunicações com os defuntos,circunstância altamente interessante e instrutiva, que merece serrecordada.

O Rev. Newnham experimentava com sua própria esposa,sentados ambos no mesmo aposento, ele a oito pés de distânciadela, dando-se as costas um ao outro . Ele escrevia uma a uma asperguntas que resolvia transmitir mentalmente à sensitiva, quepousava a mão sobre uma prancheta, por meio da qual respondiainstantaneamente a cada pergunta, antes mesmo que ele tivessetempo de escrevê-la . As respostas correspondiam sempre àsperguntas e se referiam, as mais das vezes, a coisas e assuntosque a sensitiva desconhecia, mas conhecidas do experimentador,exceto uma vez em que a resposta dava uma informação quetambém ele ignorava. Nesse caso, porém, era conhecida de outrapessoa presente, que escrevera a pergunta e a dera a ler aoreverendo Newnham.

Importante ensinamento a tirar-se das experiências emapreço reside na circunstância de que, quando o experimentadorse mostrava demasiado exigente, insistindo por obter respostasmuito complexas para a capacidade de percepção subconscienteda sensitiva, surgiam respostas que, conquanto de perfeitoacordo com as perguntas, eram de pura invenção. Assim, porexemplo, havendo Newnham, que fazia parte da Maçonaria,pedido à sensitiva que escrevesse a prece maçônica de uso paraa promoção a Grão-Mestre, a prancheta escreveuinstantaneamente uma longa prece nesse sentido, que continhareminiscências maçônicas, mas que no conjunto era umafantástica invenção. Ora, essa espécie de mistificações, emexperiências de transmissão mediúnica do pensamento, sãomuito sugestivas e interessantes, pela analogia que apresentam

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com as correspondentes interferências mistificadoras quefreqüentemente se dão nas comunicações mediúnicasgenuinamente espirítica. Dir-se-ia que as excessivas insistênciasdo pesquisador, tendo por efeito determinar, nas personalidadesmediúnicas, uma demasiada tensão da vontade, com relativadispersão de fluido mediúnico e consecutivo enfraquecimentodo controle psíquico abrem passagem à camada onírica asubconsciência, a qual, emergindo, continua a seu modo acomunicação em curso, desenvolvendo uma ação de sonho.

De toda maneira, importa tomar nota de que as mistificaçõesespirítica guardam analogia com as mistificações que severificam nas comunicações mediúnicas entre vivos, do queresulta um ensinamento teórico notabilíssimo, porque fundadoem processos de análise comparada, aplicada às duas classes demanifestações em foco.

E de tal modo importante o assunto das mistificaçõesmediúnicas desse gênero, que sou levado a sair, por exceção,dos limites do tema das comunicações mediúnicas entre vivos,para pesquisá-lo ulteriormente é completá-lo com citaçõestiradas das comunicações mediúnicas entre vivos conseguidaspor intermédio de entidades de defuntos, pois importa assinalarque, se é certo que muitos erros e numerosas mistificaçõesmediúnicas se dão em conseqüência da imperfeição doinstrumento receptor das mensagens, ou, seja, do médium, issonão significa que se haja exaurido o árduo tema vertente sobre agênese das manifestações mediúnicas. Quer dizer que tambémse deve ter muito em conta a circunstância de que podem dar-se,como de fato se dão, erros e mistificações de toda espécie,dependentes das condições precárias em que se produzem ascomunicações mediúnicas, mesmo pelo lado extrínseco dosdefuntos que se comunicam. Limito-me, portanto, a demonstrá-lo, baseado numa série de experiências recentes, conduzidascom critério rigorosamente científico pelo Senhor Frederick

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James Crawley, Chief Constable of the Newcastle-upon-TkneCity Pouca, função que o torna sobremodo consciente daimportância que revestem os mais minuciosos pormenores nasexperiências desta natureza, com respeito às quais ele expõe osfatos revelando o máximo cuidado em corroborá-los mediantetão abundante quão exaustiva documentação, constituída detrechos de cartas pertencentes ao acervo da correspondênciatrocada pelos dois círculos de experimentação, assim coma dacitação das datas referentes a todas as mínimas circunstâncias defato e, ainda, de esclarecimentos e comentários que nada deixama desejar . Dessa maneira, chegou a realizar uma obracientificamente importante e teoricamente preciosa.

Cumpre, pois, se reconheça que esta série de experiênciasmerece o título que o autor lhe apôs : - Survival Iìdy Quot.Trata-se, com efeito, de uma contribuição verdadeiramenteeficaz, para a demonstração da sobrevivência do espíritohumano .

Da leitura do relato, apreende-se ,que a idéia de iniciarexperiências de tal natureza não germinou espontaneamente nocérebro de alguém. Foram às circunstâncias, combinadas comalgumas manifestações espontâneas das personalidadesmediúnicas que se comunicavam, que levaram osexperimentadores a empreendê-las.

Refere o Senhor Crawley que desde muitos anos seinteressava, em caráter privado, pelas experiências mediúnicas,dado que sua esposa possuía a faculdade da escrita automática euma amiga da família, a seu turno, escrevia mediúnicamentecom o aparelho denominado Ouijà e possuía a faculdade devidência .

Aconteceu que no Outono de 1922, a Senhora Crawley tevede ir passar algum tempo na cidadezinha de Woolastone, noGloucestershire, permanecendo o Senhor Crawley em sua

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residência, em Sunderland. Entre as duas localidades medeiauma distância de cerca de 300 milhas.

A 1 de Setembro de 1922, recebeu o Senhor Crawley, de suamulher, uma carta em que havia o seguinte parágrafo:

Ontem à noite, quando me fui deitar, ouvi sonoras pancadasna madeira do peitoril da janela. Reconheci nelas a tonalidadecaracterística das pancadas de Lutero (falecido irmão da SenhoraCrawley) . Perguntei se era mesmo ele e recebi respostaafirmativa, por meio de três fortes pancadas . Depois disso, estascontinuaram . Como, porém, ressoavam muito fortemente e eume acho em casa alheia, pedi a Lutero que cessasse com aquilo eele de pronto me atendeu. Eram 11 horas . Pedi-lhe então quefosse bater as suas pancadas no teu quarto em Sunderland . Estamanhã, escrevendo automaticamente, manifestou-se Ourio(falecido filho do casal Crawley), o qual me disse que ele eLutero tinham ido ao teu quarto e executado a minha ordem .

Estas as informações que a Senhora Crawley enviou a seumarido .

Ora, o fenômeno se dera tal qual. Em Sunderland, pelas 11horas da noite, o Senhor Crawley ouvira pancadas mediúnicasno seu próprio quarto de dormir.

Era natural que esse primeiro episódio espontâneo sugerisseulteriores experiências, no mesmo sentido, tanta mais que oSenhor Crawley continuava, em Sunderland, a fazerexperiências com a Sra . Low que, como já se disse, possuía afaculdade de médium vidente e bem assim a da escritaautomática com o instrumento mediúnico chamado Ouijà . Porseu lado, a Senhora Crawley, em Woolastone, continuava aexperimentar sozinha, com o objetivo de manter-se em relaçõescom o filho e o irmão falecidos. E foi a Senhora Crawley quem,animada pelo bom êxito no episódio exposto, teve primeira aidéia de tentar novamente a prova sob outra forma, encarregando

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os Espíritos que se comunicavam de uma breve mensagem a seumarido em Sunderland.

Essa primeira mensagem não foi transmitida; mas apersonalidade mediúnica de Lutero, a quem o encargo fora dado,se justificou plenamente, afirmando que não conseguiratransmiti-la porque encontrara o Espírito Frank a ditar para o Sr .Crawley uma longa comunicação ao médium Senhora Low. Ora,essa informação de Lutero foi confirmada numa carta do SenhorCrawley, acompanhada de extensa comunicação do EspíritoFrank, obtida na noite de 14 de Setembro ou seja, na mesmanoite em que a Sra . Crawley incumbira Lutero de transmitir asua mensagem. Ressalta, pois, que o fenômeno das mensagensmediúnicas entre vivos, transmiti as com o auxílio depersonalidades mediúnicas, efetivamente se produzira,conquanto em sentido op to ao que se esperava. Quer dizer: emvez de ter o Cr. Crawley recebido uma mensagem mediúnica daparte de sua mulher, fora esta quem recebera uma mensagemverídica acerca do que naquele momento preciso se passava napresença do marido.

Seguem-se outras mensagens da mesma natureza, que nãovem ao caso transcrever aqui.

Antes de avançar mais no assunto, importa acentuar umacircunstância de fato, que caracteriza esta ordem de experiências: a de que quase todas as mensagens mediúnicas enviadas de umcírculo ao outro, sob os auspícios de Espíritos mensageiros, aopasso que, pela essência do conteúdo, correspondam exatamenteao que devia ser transmitido, se mostram mais ou menoslacunosas ou imperfeitas, não sendo, quase nunca, reproduzidasliteralmente. Ora, esta circunstância de fato apresenta grandeimportância teórica, por esclarecer muitas dúvidas inerentes àscomunicações mediúnicas desse gênero, conformeoportunamente veremos .

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Em data de 20 de Setembro de 1922, o Senhor Çrawleyperguntou ao Espírito comunicante Lutero Queres incumbir-tede transmitir uma mensagem à minha mulher?

- Lutero: De muito boa vontade. Faze, no entanto, por serclaro e conciso .

- O Senhor Crawley: Aqui está a mensagem: Fred te informaque o cãozinho Jim deseja ardentemente ver a sua mamãe.

- Lutero: Tentarei transmitir apenas isto: O cãozinho Jimdeseja a mamãe.

No dia seguinte, 21 de Setembro, ao meio-dia, a SenhoraCraley se dispõe a escrever automaticamente e Lutero se lhemanifesta, ditando isto

- Querida Emmie, quero informar-te acerca do cãozinho Jim.- Senhora Crawley: Terá morrido?- Lutero: Não ; está bom ; eu tinha de te participar que ele

goza boa saúde .- Senhora. Crawley: estás bem certo do que afirmas?- Lutero: Sim, Emmie, tenho a certeza.Como se vê, a mensagem foi, de fato, transmitida. mas de

modo parcial e imperfeito . Realmente, não era exato que oEspírito Lutero estivesse incumbido de informar a Emmie que ocãozinho Jim gozava boa saúde. Essa inexatidão, porém, éteoricamente muito interessante, pois que do contexto dodiálogo se evidencia claramente que ela deve atribuir-se a umfenômeno de interferência sugestiva provocada pela pergunta daSenhora Crawley Terá morrido? Isto vem confirmar tudo o que,desde largo tempo, já se havia assinalado com relação àscomunicações mediúnicas, isto é, que os Espíritos que secomunicam acham imersos na aura dos médiuns, ficam emcondições análogas às dos pacientes hipnóticos e se tornam, emconseqüência, sugestionáveis, sofrendo notável diminuição suasfaculdades mnemônicas, o que dissipa muitas dúvidas teóricas .

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A propósito, é também de assinalar-se o incidente de oEspírito pedir ao Senhor Crawley que a sua mensagem fosseclara e concisa e de a modificar por conta própria, logo que arecebeu, condensando-a numa forma mais clara e sintética. Esteincidente corrobora a afirmação anterior, porquanto demonstraque o encargo de transmitir mensagens desse gênero não é tãosimples como à primeira vista se poderia imaginar, o quemanifestamente se deve imputar às condições sonambúlico-hipnóticas em que vêm a ficar os Espíritos dos defuntos, quandoimergem na aura dos médiuns, condições que influempassageiramente e negativamente sobre as suas faculdadesmnemônicas . Só sé tendo isto em conta é que se apreende omotivo por que o Espírito que se comunica reclama sejamsimples, claras e concisas as mensagens .

A 22 de Setembro, Lutero se manifestou novamente aoSenhor Crawley para lhe comunicar que se desobrigara doencargo recebido:

- Lutero: Fred, transmitia Emmie a tua mensagem. - OSenhor Crawley Lembras-te ainda da mensagem ? - LuteroCreio que sim: foi qualquer coisa a respeito de um cãozinho

Também neste incidente, deve-se notar a circunstância deque o Espírito, cuja resposta dá a ver que ele esquecera todos ospormenores da mensagem que lhe fora confiada dois dias antes,apenas guardara dela uma lembrança genérica.

No dia 23 de Setembro, às 7 horas da tarde, o SenhorCrawley inicia a costumada sessão com a médium Senhora Low.

Manifesta-se Willie Low, falecido filho da médium .Pergunta o experimentador:

- Quererias encarregar-te de dizer à minha mulher que aSenhora Annie Brown está doente?

- Willie Law: De boamente.

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(O Senhor Crawley faz notar que a Sra . Annie Brown,objeto da mensagem, era amiga da médium, mas inteiramentedesconhecida do casal Crawley) .

A 26 de Setembro, às 2,30 da tarde, a Sra . Crawley sedispõe a escrever automaticamente e de súbito se manifesta oEspírito de Willie Low, que lhe dita:

- Vim para te informar que a Senhora Annie Brown estádoente.

- Senhora Crawley: Quem é essa senhora Brown?- Willie Larv: Uma amiga de minha mãe.- Senhora Crawley: E ou não amiga nossa?- Willie Low: Não é amiga de vocês.- Senhora Crawley: Então, porque me vens informar de que

ela está doente ?- Willie Low: Unicamente a título de experiência de

identificação pessoal. Minha mãe falou disso com teu marido,em Sunderland.

Neste episódio a mensagem mediúnica foi transmitida comfidelidade, presumivelmente devido ao fato de ser simplíssima aprópria mensagem, que se compõe de um único assunto, semacessórios e adjetivos qualificativos. Notável a últimaobservação de Willie Low, que assim demonstrou terconsciência da importância e do escopo das experiências a quese prestava.

Citarei três outros episódios, dos quais ressalta em toda aevidência a grande verdade aqui propugnada.

A 1 de Outubro, pelas 16,30 da tarde, o Espírito de Frank semanifesta em Sunderland ao Senhor Crawley, que lhe pergunta:

- Poderias transmitir uma mensagem à minha mulher ?- Frank: Posso e mesmo desejo muito experimentá-lo .- Senhor Crawley Ouve: proponho três à tua escolha. Podes

transmitir que esta tarde ouviu Doroty e Gwen cantarem ; ou que

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esta tarde me falaste da existência espiritual; ou que o SenhorTodd está doente.

- Frank: Muito bem: Todd doente; comunicação sobre aexistência espiritual;. Doroty e Gwen cantaram.

No dia 3 de Outubro, às 9 horas da manhã, em Woolastone,manifesta-se a Senhora Crawley o falecido pai de seu marido,que lhe dita o que se segue

- Temos de participar-te que alguém está doente.- Senhora Crawley: Não me podes dizer o nome?- Espírito: Não me recordo.- Senhora Crawley Alguém que eu conheço?- Espírito: Sim, alguém que conheces muito bem, que é

mesmo freqüentador assíduo do teu pequenino círculoexperimental.

(O Senhor Crawley confirma que o doente, Senhor Todd,era seu amigo íntimo e membro do seu pequeno círculoexperimental para desenvolvimento dos médiuns) .

- Sra Crawley: Tens mais alguma coisa a me comunicar ?- Espírito: Tenho.. . Conversamos com teu marido sobre a

existência espiritual. Vim eu transmitir a mensagem, porqueFrank não o conseguia. A empresa é muito difícil.

Neste episódio é muito sugestivo o incidente da substituiçãodo Espírito mensageiro, substituição que ulteriormente servirápara mostrar as grandes dificuldades que encontram aspersonalidades espirituais para desempenharem a sua tarefa. Porisso mesmo, adquire não pequeno valor teórico, no sentido dagênese extrínseca dos fatos, o outro incidente, o de o Espíritonão só informar a Senhora Crawley da substituição havida,como declinar corretamente o nome do Espírito que recebera aincumbência de transmitir aquela mesma mensagem que ele, emlugar do outro, acabara de reproduzir .

Pode-se perguntar: Porque Frank não logrou sair-se bem datarefa? - Evidentemente, um só motivo se pode encontrar para o

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insucesso de que se trata e é que o Espírito, depois de haverimergido na aura do médium, se haja apercebido de queesquecera tudo.

Pelo que concerne à transmissão das mensagens, faço notarque, na primeira delas, se observou às costumadas lacunasmnemônicas. Com efeito, o Espírito refere corretamente quetinha a informar a Senhora Crawley acerca de alguém que estavadoente, mas de cujo nome não se lembra. Ao mesmo tempo,demonstra saber quem era o doente, pois acrescenta que se tratade alguém que a Sra;. Crawley conhece muito bem, por serfreqüentador assíduo do pequeno círculo experimental fundadopelo casal Crawley. Tem-se, portanto, de concluir que, noepisódio referido, o inconveniente da amnésia mediúnica selimitava ao nome da pessoa designada, conservando-se íntegra alembrança acerca da própria pessoa. A segunda mensagem, aocontrário, foi transmitida fielmente.

Em data de 5 de Outubro, às 16:30 da tarde, o SenhorCrawley, em Sunderland, dirige ao Espírito Lutero a perguntahabitual:

- Queres tentar a transmissão de uma mensagem à minhamulher?

- Lutero: A empresa é bastante árdua; mas, tentarei .- Senhor Crawley: E esta a mensagem: A fotografia de

Lutero está em cima da mesa, defronte da de Fred . Repete-me amensagem.

- Lutero: A minha fotografia está sobre a mesa dasexperiências.

No dia seguinte, 6 de Outubro, às 8 horas da noite, Lutero semanifestou a Senhora Crawley, em Woolastane, mas se limitoua dizer:

- Eu tinha de te comunicar qualquer coisa, mas esquecicompletamente.

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A 11 de Outubro, o mesmo Espírito se manifestounovamente a Senhora Crawley, que lhe perguntou:

- Lutero, não mais te voltou à mente a mensagem querecebeste para me transmitir?

- Minha querida Emmie, vou ver se me recordo. ..Parece-me que é isto: Informa a Emmie que tenho uma

fotografia de Lutero .Também este episódio é teoricamente muito instrutivo,

porquanto as modalidades sempre diversas sob que se produzemas de transmissão de mensagens mediúnicas de um círculo aooutro tendem cumulativamente a provar, de maneiraincontestável, que a causa das lacunas que se notam, em bomnúmero delas, depende quase sempre da amnésia parcial ou totalque se apodera das personalidades mediúnicas, no ato de secomunicarem. No incidente acima, apresenta-se uma varianteigualmente demonstrativa e é que o Espírito, que se manifestarauma primeira vez com o escopo de transmitir a mensagem quelhe fora confiada, se apercebe de que a esquecera e teve delimitar-se a informar que recebera o encargo de transmitir umamensagem e que a olvidara . Entretanto, depois de transcorridosalguns dias, ele se mostra em condições de transmitir a partesubstancial da referida mensagem. Daí, portanto, inferir-se que oEspírito comunicante, depois de haver esquecido a mensagem,consegue recordar-se dela cinco dias mais tarde, o quedemonstra que a amnésia total da primeira vez fora meramentepassageira. Quer isto dizer que, sendo consecutivo ao ato dacomunicação, ela se dissipara com o libertar-se o Espírito daaura perturbadora, para, em seguida, renovar-se parcialmentequando o mesmo Espírito tentou de novo a prova . Mas, se dásegunda vez a amnésia foi apenas parcial, esse fato põe demanifesto que as condições perturbadoras da aura mediúnicaeram menos desfavoráveis.

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Observo que a justeza das considerações expendidas éconfirmada por uma declaração importante que o Espírito Ourio- um das falecidos filhos do casal Crawley - deu à sua mãeTendo-lhe esta pedido que transmitisse a seu marido uma dascostumadas mensagens, Ourio ponderou

Querida mamãe, estou certo de que a esquecerei. Quandonas afastamos da vossa presença, a mensagem que nos confiaisse apaga da nossa memória. Além disso, para mim, atransmissão dessas mensagens é mais difícil do que para outros.

(Segundo seu irmão Frank, a dificuldade em transmitirmensagens dessa natureza era maior para o Espírito Ourio pelofato de haver este morrido ao nascer. Não tendo vivido, saía-semal em tudo o que se referia a experiências práticas no mundodos vivos, ao passo que conseguia transmitir mensagenstranscendentais muito mais facilmente do que outros) .

E teoricamente preciosa esta última mensagem porqueesclarece em poucas palavras o que eu tive de demonstrarafanosamente, recorrendo à minuciosa pesquisa analítica dosepisódios considerados . Por conseguinte, firmado em tudoquanto tenho expendido, dever-se-á deduzir que, se os Espíritosque se comunicam esquecem em grande parte, quando saem daaura dos médiuns, a incumbência dos experimentadores, éracional se presuma que, nas circunstâncias em que se colocamao imergirem na referida aura, com o objetivo de provarem suaidentidade, citando avultado número de pormenores pessoais,hajam de esquecer a maioria destoes pormenores, mal se dê àimersão deles na aura inibidora . Pondero que tudo isto éanálogo ao que se verifica nos pacientes hipnotizados, quandocaem em sono provocado e, inversamente, quando despertamdesse sono .

O Doutor Hodgson e o Professor Hyslop, experimentandocom a médium Senhora Piper, salientaram um fato muitosugestivo, no mesmo sentido . Observaram freqüentes casos em

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que ás personalidades que se comunicavam, depois de haveremfornecido espontaneamente ótimas provas de identificaçãopessoal, com pormenores que todos as presentes ignoravam, seconfundiam de modo inexplicável e ficavam sem saberemresponder, desde que se lhes pediam outros pormenoresparticulares, ou nomes, que não podiam ignorar, de pessoas desuas famílias. Eis, porém, que, quando a médium passava peloperíodo transitório do despertar; quando deixava de estar imersaem ti asse profundo, sem, contudo, achar-se ainda no estado devigília, mas, apenas, no período de torpor, notavam osexperimentadores que ela pronunciava palavras sumidas . Se,então, lhe aproximavam dos lábios os ouvidos, verificavam comsurpresa que aqueles murmuravam o nome e as informações queinutilmente haviam solicitado ao Espírito comunicaste .

Ora, não há quem não veja que de semelhante circunstânciaum grande ensinamento reponta e é que Podmore estava em erroquando se referia ironicamente aos Espíritos que se comunicam,por ignorarem os nomes dos seus familiares . Estava em erro,porque devia considerar que, se os referidos Espíritos chegavamcom muita freqüência a transmitir, achando-se a médium noperíodo do despertar, os nomes pedidos e não declinados antes,era, manifestamente, que as lacunas mnemônicas de que se tratatinham de imputar-se exclusivamente às condições de imersãona aura mediúnica em que os aludidos Espíritos se encontravam,condição que lhes ocasiona um estado transitório de amnésiamais ou menos acentuado e que se vai gradualmente dissipando,à medida que eles se libertam das condições de imersão na aurainibitória. Esta interferência explicava admiravelmente. o fato deque o Espírito comunicou, apenas chegado a uma condição deliberação, suficiente a lhe permitir recordar-se, embora ainda seencontrasse fracamente vinculado à médium, logo seaproveitava dessa circunstância para transmitir aosexperimentadores os nomes e pormenores pedidos .

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Observarei a esse propósito que os Espíritos que secomunicavam por intermédio da Senhora Piper repetidamenteexplicavam que as lacunas em suas comunicações provinhamdas condições em que ficavam no ato de se comunicarem,condições que os punham num estado mais ou menos acentuadode perturbação e apoucamento psíquico . Os opositores, porém,não estavam, em verdade, dispostos a acolher como boas àsrazões dos Espíritos e, por isso, ao contrário, concluíam queessas presumidas explicações não passavam das costumadasdesculpas chochas, preparadas pelas personalidadessubconscientes para, de qualquer modo, justificarem asflagrantes deficiências das suas insulsas personificaçõesmistificadoras.

Ora, precisamente do ponto de vista desta objeção, queressurge sem cessar - objeção quase sempre gratuita einsustentável, mas praticamente irrefutável, como o são todas ashipóteses que se erguem no vácuo - precisamente por isso é queas experiências aqui consideradas adquirem notabilíssimo valorteórico, porquanto, desta vez, a dita objeção não se lhes podeaplicar, atento que, havendo sempre os Espíritos, no nosso caso,conseguido desempenhar suas funções de mensageiros, nãoprecisaram recorrer às chochas desculpas, para justificar-se denão nas terem desempenhado . Recorreram, sim, à mesmaexplicação, mas limitando-a a circunstância secundária daslacunas e inexatidões com que eram transmitidas as referidasmensagens. Ora, não há quem não veja que a questão se tornaassim muitíssima diversa: no primeiro caso, semelhanteexplicação podia passar por uma desculpa chocha, visto faltaremdados que a justificassem; no segundo caso, ao contrário, osdados incontestavelmente existem, ou, melhor, trata-se, pura esimplesmente, de uma comprovação de fato, porquanto, se asmensagens eram transmitidas, apresentando-se, porém, muitasvezes, inexatas, o que se seguia era que, existindo as

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inexatidões, cumpria fossem explicadas e que a explicação nãopodia ser dada, senão do modo indicado pelas personalidadesque se comunicavam . Quer dizer: elas esqueciam, em parte, otexto exato das mensagens que lhes eram confiadas, logo quesaíam da aura dos médiuns, ou, inversamente, ficavam sujeitos auma amnésia parcial das suas lembranças pessoais, malimergiam na aura inibitória dos aludidos médiuns . Porconseguinte, aqui, agora, longe de se ter de considerar aexplicação ministrada pelas personalidades mediúnicas, comochocha escusa, ela é a única que se pode formular emsemelhantes contingências. Repito: é a única explicação que sepode formular e não pode haver outras e o repito, porque talcircunstância de fato assume valor resolutivo, no sentido daexplicação espirítica dos fatos.

Resta considerar uma última objeção possível, emborainaplicável à série de experiências em apreço, porque nãoenfrenta as modalidades que essas experiências revestem. Nadaobstante, não será ocioso discuti-la sumariamente, visto quepode parecer justa ao critério de alguns

A ninguém escapará que, nas mensagens mediúnicas acimaapreciadas, se observa à particularidade, teoricamenteimportantíssima, de mediarem largos espaços de tempo entre omomento em que eram formuladas e o em que chegava a seudestino, o que desde logo exclui a interpretação telepática dosfatos: Poder-se-ia, entretanto, objetar que as referidas mensagensainda são suscetíveis de explicar-se mediante a hipótesesuplementar da telepatia retardada, segundo a qual a mensagemtransmitida de um a outro dos grupos de experimentadoreschegaria regularmente ao seu destino, no momento mesmo emque era formulada; mas, permaneceria latente nassubconsciências dos médiuns, para daí emergirem na primeiraocasião .

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Não é caso de me demorar a discutir e analisar uma hipóteseque se mostra literalmente gratuita e fantástica, desde que ointervalo de tempo transcorrido entre a emissão e a recepção deum impulso telepático exceda de uma hora.. Limitar-me-ei,portanto, a demoli-la valendo-me dos fatos e, para consegui-lo,bastar-me-á comentar o último episódio relatado acima, do qualressalta que o Espírito comunicante se manifesta, uma primeiravez, vinte quatro horas depois de formulada a mensagem,declarando que recebera a incumbência de transmitir umamensagem, mas que a esquecera, mensagem que cinco diasdepois ele consegue transmitir. Pondero a propósito, que, se coma hipótese de uma amnésia transitória, consecutiva ao ato dacomunicação, se explicam exaustivamente essas circunstânciasde fato - conforme em tempo demonstrei - recorrendo-se, aoinvés, à hipótese da telepatia retardada, não se lograria, comefeito, compreender que a subconsciência da médium,presumida receptora da mensagem que permaneceu latente, nãoa tenha, logo da primeira vez, vertido de pronto aoexperimentador, em lugar de esperar, para revelá-lo, quetranscorressem cinco dias . Mas, não é tudo, dado que, para ospropugnadores da telepatia retardada, o episódio em focooferece outro obstáculo formidável. Quem, de fato, entre osopositores, ousaria sustentar que a telepatia retardada hajapodido manifestar-se, numa primeira ocasião, ditando : Eutinha de comunicar-te alguma coisa, mas esqueci. E claro queuma mensagem telepática chega, ou não chega; mas... não sedesculpa por não haver chegado!

Concluindo: como já evidenciamos, a única hipótesenaturalística que se poderia invocar para dar explicação àsexperiências acima referidas é a hipótese telepática, consideradaá telepatia nas suas várias modalidades de manifestação,modalidades que no nosso caso teriam tomado a semelhança decomunicações mediúnicas entre vivos . Contudo, vimos que a

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análise cuidadosa dos fatos patenteou luminosamente quenenhuma das modalidades pelas quais se manifesta à telepatiachega a explicá-las.

Deve-se, pois, convir em que a série , de experiênciasexaminadas constitui outra memorável prova da independênciaespiritual das personalidades mediúnicas, com relação aosmédiuns de que elas se servem. Assim, também, esta série deexperiências adquire o valor de ótima prova cumulativa, aacrescentar-se às outras que convergem, como para um centro,porá a demonstração da existência e da sobrevivência do espíritohumano e, já agora, com exclusão dos casos de identificaçãoespirítica, dependentes dos pormenores que forneçam osdefuntos que se comunicam. Sublinhei este último período,porque devo advertir, a propósito, que o presente trabalho desíntese, empreendido para demonstrar a Grande Verdade contidana fórmula,- o Animismo prova o Espiritismo, tem por objetivofinal preparar o terreno para chegar à demonstração, baseada nosfatos, de que a prova científica da sobrevivência também sepode conseguir com exclusão dos ossos de identificaçãoespirítica fundados nas informações pessoais fornecidas pelosdefuntos que se comunicam. Essa demonstração começa a surgirprematuramente da série de experiências em apreço e o cabedalde fatos que ainda me restam para discutir a elas vos conduzirálentamente, diretamente, necessariamente,, como se verá noúltimo capítulo deste livro.

Isto posta, faço notar, de outro ponto de vista, que tudoconcorre para demonstrar que as experiências a que me refiro,consideradas paralelamente a outras da mesma natureza., assimcomo a muitas de categoria diversa, mas que convergem para amesma conclusão, levam a considerar-se cientificamentedissipada, com fundamento nos resultados da análise comparadae da convergência das provas, uma das maiores dúvidas teóricasinerentes à questão fundamental que defronta as provas de

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identificação espirítica, dúvida que consiste no fato da existênciade lacunas inexplicáveis nos pormenores que os Espíritos que secomunicam fornecem, lacunas essas cujas causas, já agoradescobertas e escalpeladas, conduzem à certeza científica.Assim é porque, nas experiências aqui consideradas, pusemo-nos na condição de comparar as mensagens confiadas pelomandante às personalidades mediúnicas com as ditadas aodestinatário pelas mesmas personalidades . Tinha eu, portanto,razão para afirmar que na série de experiências relatadassobressaíam especiais particularidades de manifestação querevestiam um valor teórico de primeira ordem.

*

Para exaurir o tema, falta-me mostrar que há casos demistificações espirítica que, embora explicáveis pela emergênciada camada onírica subconsciente, poderiam ter, na realidade,uma origem diversa, observação esta que encontra curiosailustração no seguinte trecho de diálogo mediúnico, que extraiodas clássicas experiências do Prof . Ochorowicz com a médiumsenhorita Stanislawa Tomczick. O professor iniciara um dosinterrogatórios que costumava dirigir à personalidade mediúnicoda Pequena Stásia com o propósito de obter esclarecimentosacerca dos fenômenos produzidos. Dessa vez a Pequena Stásiase havia materializado e se fotografara a si mesma, colocando-sediante da objetiva e provocando um vivíssimo relâmpagomediúnico. Em dado momento, o professor, que persistia naopinião de que a Pequena Stásia era o duplo da médium, semembargo do testemunho fotográfico que contradizia semelhanteopinião, perguntou-lhe:

- Tu existias antes do nascimento da Grande Stásià (amédium) ?

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- Existia; mas, não me deves fazer tais perguntas, se nãoqueres que te responda com mentiras. Bem que eu gostaria derevelar-vos tudo ; mas, não me é permitido fazê-lo.

- Porquê?- Não o perguntes . Provavelmente, porque, se revelássemos

tudo, provocaríamos no mundo um revolvimento social pordemais violento .

- Diga-me ao menos quem te proíbe que fales.- Vão o perguntes . (Anaales dos Sciences Psychiques, 1909,

pág. 201) .Como esclarecimento desse diálogo, cumpre informar que o

Prof . Ochorowicz chegara a arrancar à Pequena Stásia algumasinformações vagas acerca do seu ser, segundo as quais ela seriaum Espírito que nunca encarnara na Terra e que aguardava a suavez, se bem que pouco desejosa de renunciar à livre existênciade espírito.

Dito isto, assinala a circunstância nada comum de umapersonalidade mediúnica declarar explicitamente que, seinsistissem em saber demais, acabaria pregando mentiras,resposta curiosa e perturbadora, mal grado à manifestacircunspeção das personalidades em jogo, e que põe deprevenção o interrogante tudo que o espera se não desistir dosseus propósitos excessivamente indagadores. Muitas coisas essaresposta explicaria e dissiparia muitas dúvidas do mediunismoteórico porquanto reclamaria a seu turno uma explicação, vistoque não compreenderia a necessidade de recorrer a mentirasquando em tais circunstâncias bastaria replicar to modo que ofez a Pequena Stasia, isto é ponderado não lhe ser permitidoresponder a perguntas indiscretas Ao mesmo tempo, aexpressão usada pela personalidade mediúnica, de que não lheera permitido fazê-lo, implicaria a existência de entidadesespirituais superiores, reguladoras dos destinos humanos, a cujos

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decretos se submeteriam os Espíritos de grau inferior, aindacapazes de se comunicarem mediúnicamente com os vivos.

Quantos mistérios a desvendar! Dentre eles, destaco este: háentidades espirituais superiores que interditem aos Espíritos quese comunicam a revelação de certos segredos do Além, para osquais a Humanidade não está preparada, ficando subentendidoque as mesmas entidades permitem a esses Espíritos que supramcom mentiras a curiosidade dos vivos . Assim senda, ter deinferir que, em certas contingências, também as mentiras sejustificam, no sentido, talvez, de que resultem propícias àevolução ordenada e regular das disciplinas metapsíquica, porexercerem uma benéfica influencia moderadora sobre a difusãodessas disciplinas no seio das massas, influência que de outraforma se não conseguiria, do mesmo modo que a evoluçãobiológico-psíquica das espécies não pode ser conseguida, senãocom a intervenção do fator Mal, em perpétuo contraste com ofator Bem.

Quando assim fosse, dever-se-ia dizer que, para asvicissitudes evolutivas da nova Ciência da Alma, também teriamsua razão de ser as mentiras proferidas pelas entidadesespirituais inferiores, em circunstâncias especiais, porquantodesorientariam os experimentadores demasiado crédulos,obrigando-os a meditar e a aprofundar ulteriormente o tema,determinando paradas providenciais no progresso das pesquisaspsíquicas, obstando às convicções intempestivas, baseadas em fécega, com grande vantagem para os métodos de pesquisacientifica, e, sobretudo, esconjurando o perigo de umrevolvimento social muito violento, como infalivelmente sedaria, se a nova orientação do pensamento ético-religiosohouvesse de impor-se com perniciosa rapidez às massas nãopreparadas Bem vindas são, por conseguinte, as mistificaçõesespirítica e as fraudes inconscientes e conscientes dos médiuns,quando atuam como freios moderadores sobre a rápida e

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imprudente corrida a que facilmente se entregariam algunsnúcleos, excessivamente impulsivos, do novo exército do Ideal.

Como quer que seja, o fato é que as mistificações e asmentiras da natureza indicada se dão freqüentemente nasmanifestações mediúnicas e, assim sendo, nada obsta a que seatribuiu a gênese de umas e outras às causas assinaladas, isto é,de uma parte aos surtos freqüentes do elemento onírico-subconsciente nos sensitivos e, de outra parte, a mas a m, àsvezes produzidas voluntariamente pelas personalidadesmediúnicas, com objetivo de disciplina espiritual e parasalvaguarda da ordenada evolução espiritual humana, afastandoo perigo de uma reforma excessivamente precipitada deinstituições religiosas milenares, reforma que, ao contrário, deveoperar-se com muita lentidão, com muita prudência, de formamuito conciliatória, de sorte a preparar-se simultaneamente areconstrução do novo Templo de Deus .

Assim, não será ocioso tomar nota deste outro ensinamentoextraído da análise comparada dos fenômenos Anímicas com osfenômenos Espirítico.

*

Depois desta longa, mas oportuna digressão, volto aoassunto, para referir um último episódio tomado às experiênciasde William Stead, episódio que ocorreu com uma pessoa queignorava fizesse ele experiências de comunicações mediúnicasentre vivos e que não lhe estava vinculada por especiais relaçõesde parentesco ou de simpatia. Escreveu ele:

Alguns meses há, achava-me eu em Redcar, no norte daInglaterra, e tinha de ir à estação para receber uma senhoraestrangeira, colaboradora da Review of Reviews e que meescrevera dizendo chegaria pelas três horas da tarde. Eu erahóspede de meu irmão, cuja casa ficava a cerca de dez minutos

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da estação. Quando faltavam 20 minutos para as três, veio-me àmente que, com a expressão pelas três horas, a senhora emquestão houvesse querido indicar algum tempo antes daquelahora e, como não dispunha de horário da estrada de ferro, dirigio pensamento para a mencionada senhora, pedindo-lhe meinformasse, por intermédio da minha mão, qual a hora exata emque devia chegar o trem . Faço notar que semelhante experiênciase realizou sem que tivesse havido entre nós qualquerentendimento, a respeito. Ela imediatamente respondeu à minhapergunta mental, escrevendo, antes de tudo, o seu próprio nomee informando, em seguida, de que o trem devia chegar dezminutos antes das três . Não havia tempo a perder; mas, primeiroque saísse para recebê-la, deliberei perguntar em que estação elase encontrava naquele momento. Minha mão escreveu: Estamosparados na estação de Middlesborough e viemos da deHartlepool.

Saí à pressa e, chegando à estação, fui ver a tabela doshorários, para me certificai da hora precisa em que chegaria otrem esperado. Vi assinalado: 2,52 horas. Mas, o trem vinha comatraso e, quando deram 3 horas, ainda não chegara.Transcorreram mais cinco minutos sem nenhum indício de que otrem se aproximava. Tomei então de uma folha de papel e de umlápis e perguntei mentalmente à viajante em que ponto da linhase achava. Ela para logo escreveu o próprio nome e informou:Neste momento o trem faz a curva que precede a estação deRedcar. Dentro de um minuto aí estaremos. - Perguntei: Comose explica tão grande atraso? - Respondeu: Fomos detidoslongamente na estação de Middlesborough, sem que eu saiba omotivo. - Meti a folha de papel no bolso e encaminhei-me para aplataforma; o trem surgia, a distancia. Quando a senhora desceu,fui-lhe ao encontro, perguntando: Porque tanto atraso? Queaconteceu? - Respondeu ela: Não sei por que motivo, mas o tremesteve parado longo tempo na estação de Middlesborough.

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Parecia não querer mais sair. - Dei-lhe então a ler a folha depapel que trazia no meu bolso.

(Segue-se o testemunho da senhora de quem se trata,assinado com o seu próprio nome de Gorda Grass. Proceedingsof the S. P. R., vol. IX, pág. 59) .

No episódio acima, é patente a autenticidade do fenômenode comunicação mediúnica entre vivos, como é também patenteo fato de desenvolver-se nele uma verdadeira e real conversação,que não poderia, de certo, explicar-se pela hipótese dasdramatizações subconscientes, tendo-se em vista asconsiderações precedentemente formuladas. Antes, o próprioepisódio torna oportuna uma ulterior discussão paraesclarecimento do asserto de que, quando uma pessoa entra emrelação psíquica e em conversação mediúnica com outra que seacha distante, tem de pôr-se em condições de fugaz modorra, oude ausência psíquica, manifesta ou larvada, o que pareceriaconciliar-se pouco com o fato de ter tido, a conhecida deWilliam Stead, de responder em dois tempos diversos àsperguntas deste, e de havê-lo feito imediatamente em ambas àscircunstâncias . Daí decorrem as seguintes questões: Será licitoadmitir-se tanta presteza na passagem do estado normal àcondição de inconsciência e vice-versa? Será lícito admitir-seque a pessoa com quem isso se dê não tenha conhecimento doque – lhe sucede? - Pareceria que sim. Durante a conferência deWilliam Stead na sede da London Spiritualist Alliance, essaquestão veio à baila e o Rev. G. W. Allen narrou, a propósito, oseguinte incidente pessoal, que tende a demonstrar aquelaspossibilidades. Disse ele:

Tendo de sujeitar-me à extração de dois molares,aconselharam-me que me submetesse a ação do clorofórmio.Como me achasse convalescente de uma enfermidade grave, adúvida sobre se, em tais condições de saúde, o clorofórmio nãome seria prejudicial, fazia-me hesitar. Quando começaram a

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administrar-me o narcótico, fui presa de penosa aflição, pelo quearranquei a máscara, exclamando: Não resisto; não quero aspirá-lo. O doutor encarregado da anestesia ponderou: O senhor fezmuito mal em tirar a máscara, pois estava quase a adormecer.Experimente de novo e lhe asseguro que tudo correra bem.Também a enfermeira a seu turno me animava. Decidi então mesubmeter à prova, embora houvesse de sucumbir. Ajustaram-menovamente as máscaras. e respirei profundamente várias vezes.Logo, porém, ergui-me de um salto e me sentei na cama,declarando: E inútil insistirem; não posso adormecer. - Disse odoutor: Peço-lhe, lave a boca com esta solução . - Perguntei :Porquê ? - Respondeu ele: Porque os dentes já lhe foramextraídos. - Pois bem: eu juraria, perante qualquer Tribunal deJustiça, que nem por um só memento estivera inconsciente.Entretanto, permanecera inconsciente todo o tempo que foranecessário ã extração dos dois dentes! - Isto posta, não éperfeitamente admissível que possamos de fato achar-nos noutracondição de existência por tempo mais ou menos breve, sem quedisse nos apercebamos? (Light, 1893, pág. 142) .

Este incidente pessoal, narrado pelo Rev.G .W . Allen, émuito instrutivo e me parece bastante a demonstrar apossibilidade de uma pessoa passar a condições desonambulismo, mais ou menos vígil, durante o período de umacomunicação mediúnica entre vivos, sem absolutamente serecordar do acontecido . Dever-se-ia acrescentar: e sem quedêem por isso as pessoas presentes, uma vez que, mesmoquando um interlocutor percebesse no seu companheiro umestado fugaz de ausência psíquica, não lhe poderia atribuirimportância especial, porquanto isso normalmente ocorre emperíodos momentâneos de concentração do pensamento, estadoeste confundível em tudo com os casos de outra natureza aquiconsiderados.

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Teoricamente, são muito importantes as consideraçõesexpendidas, porquanto se prestam a elucidar um casorecentemente sucedido de comunicações mediúnicas entre vivos,caso a que precedentemente aludi e do qual quiseram fazer umaespécie de espantalho a agitar-se com insistência diante dospropugnadores da hipótese espirítica. Isso apenas demonstra queos que assim se comportam conhecem muito pouco o assuntosobre que discutem, visto que os casos de manifestações devivos, análogos ao a que nos referimos, se contam por centenasna coletânea metapsíquica, já tendo eu publicado uma longasérie dos mais escolhidos, numa como monografia, tirando delesconclusões diametralmente opostas às conclusões fantásticas dosantiespíritas.

Cingir-me-ei, portanto, a discutir rapidamente o famoso casoGordon Davis, obtido pelo professor Soal com a médium de vozdireta Senhora Blanche Cooper e publicado nos Proceedings ofthe S . P . R . , vol . XXXV, págs. 560-580.

O próprio professor o resume nestes termosTrata-se de um caso em que, pela voz direta, se comunicou

espontaneamente uma personagem julgada morta peloexperimentador. Essa personagem reproduziu de maneira maisou menos exata a tonalidade da sua voz, a acentuação daspalavras, o seu modo característico de exprimir-se. Além disso,descreveu episódios da sua meninice, conhecidos doexperimentador, acrescentando dois ou três incidentes que esteúltimo ignorava. E, mais do que tudo, interessante é o fato dehaver feito uma descrição precisa das circunvizinhanças e daarrumação interior de um apartamento em que iria habitar umano depois. Mais ainda: remontando ao passado, referiu-se comexatidão ao ambiente em que pela última vez se encontrara como experimentador, repetindo, em substância, a conversação emque então se empenharam . Finalmente, conduziu-se como sefora um defunto desejoso de mandar uma mensagem de conforto

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ã esposa e ao filho . Há seu tempo, porém, o experimentadorveio a descobrir que a dita personagem ainda era viva e, pormeio de um diário de negócios que esta última possuía, chegou asaber também, com precisão, o que ela fazia quando serealizaram as duas sessões mediúnicas em que se manifestara.

Este último pormenor acerca do caso em apreço o de achar-se Górdon Davis, de ambas às vezes em que se manifestaramediünicamente, no seu próprio gabinete a falar de negócioscom alguns clientes, é o a que atribuem grande valor teórico osopositores, dizendo que, se assim era, não podia tratar-se deautêntica manifestação de vivos, inferência que;. por lei deanalogia, se deveria ter aplicado a manifestações análogas dosdefuntos. Apresso-me, portanto, a observar que os diálogosverificados no caso do vivo Górdon Davis, sendo de brevíssimaduração - que de certo não excedeu de um minuto - autorizam aaplicar-se a esse mesmo caso as considerações sugeridas peloincidente ocorrido com o Rev. Allen, isto é, que, se naquelebreve lapso de tempo o vivo Gordon Davis houvesse estado nascondições de ausência psíquica, não só ele próprio não houveradado por isso, como também não o teriam percebido os clientescom quem tratava de negócios, porquanto estes considerariamaquele seu estado como de recolhimento, para refletir antes depronunciar-se sobre o assunto que se debatia.

Quanto às outras circunstâncias enumeradas pelo Prof . Soalno resumo acima reproduzido, nenhum valor teórico apresentamem sentido negativo e ninguém manifestou o propósito deutilizá-lo nesse sentido. Importa, no entanto, esclarecer algunspontos de tais circunstâncias. O primeiro a elucidar-se é que,manifestando-se pela voz direta, o comunicante demonstroupositivamente que se cria defunto. Explica o Professor Soal queele próprio acreditava que Górdon Davis morrera na guerra eacrescenta:

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Semelhante dramatização mediúnica de um vivo; em queeste, preciso e exato nos pormenores pessoais que forneceu, criaestar defunto, se poderia explicar supondo que tal idéia lhe forasugerida pelas convicções espíritas da médium que, a seu turno,teria recebido falsas informações acerca da mentalidade doexperimentador.. Mas, será esta a verdadeira interpretação dosfatos ? A esse propósito, compre se leve em conta acircunstancia de não haver o comunicante fornecido detalheespecial sobre o fato da sua morte...

Por minha conta, acho que a hipótese do Professor Soal,conquanto legítima, não se adapta perfeitamente ao caso emexame, porquanto, se analisam e comparam outros casos domesmo gênero, em que se depara com o mesmo erro de supor-séque são defuntos os comunicantes, é-se levado a deduzir que,mais de acordo com as modalidades sob que os fatos seproduzem, seria o presumir-se que são os próprios comunicantesque se julgam colhidos de improviso pela morte, visto que,achando-se em condições mais ou menos incipientes debilocação, com relativa desorientação psíquica, não podem elesdeixar de crer que desencarnaram subitamente. São em bomnúmero os casos que autorizam essa interpretação; aqui, porém,citarei um só, relatado pelo Professor Schiller, no Journal of theS . P . R . (1910, pág . 87) e obtido com a Senhora Piper. Trata-se de uma anciã, enferma ,de demência senil, sujeita a brevescrises de transe, durante as quais se manifestavamediünicamente, à distância, discorrendo sobre interessesfamiliares, demonstrada se na plena posse das faculdadesmentais, excetuada a circunstância de supor-se morta, quando,entretanto, os experimentadores a sabiam viva e demente. Daíse segue que, neste caso, é mais verossímil presumir-se que acomunicante, por se achar temporariamente em ambienteespiritual e, aí, de posse da razão, lembrando-se de haver estado

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enferma e demente, haja racionalmente concluído quedesencanara . A esse propósito, observa o professor Schiller:

. .. Este caso suscita induções teóricas de natureza muitoimportante. Dir-se-ia que a nossa consciência pessoal, ou, maisprecisamente, o que se denomina a alma, não se acha tãoestreitamente vinculada ao corpo nas suas manifestações -conforme se há sempre suposto - e que também não éinteiramente uma representação das funções do corpo, comopareceria não só racional, mas cientificamente ortodoxo supor-se. Em outros termos: o órgão cerebral poderia funcionar demodo tão incoerente que irresistivelmente sugerisse.a anulaçãoda alma, quando, ao contrário, poderia dar-se que a alma, em talmomento, leve uma vida independente, noutra esfera, ou planode existência, embora não cheguem a exprimir essas suas novascondições de vida por meio de um órgão cerebral, cuja posse,em sentido prático, já ela não tem. . . (Loc. cit., pag, 91) ,

Faço notar que as considerações racionais do professorSchiller, baseadas no fato de não se achar a alma, em suasmanifestações, tão estreitamente vinculada ao corpo, conformesempre se supôs, não só subentendem tudo quanto tive de exporcom relação ao caso em apreço, como se revelam conformes amais provável interpretação do mesmo caso, em que tudoconcorre para demonstrar que, fundamentalmente, se tratava deum episódio mais ou menos incipiente de bilocação, ou, se opreferirem, de psicorragia - para usar o neologismo proposto porMyers - segundo o qual nos acharíamos por vezes em presençade um elemento psíquico posto de súbito em liberdade, o queimplicaria uma excursão psíquica, ou uma invasão de qualquercoisa de psiquicamente substancial que tem alguma relação como espaço . No caso Górdon Davis, dever-se-ia dizer que essainvasão psíquica se revelara suficientemente para combinar-secom os fluidos que a médium exteriorizara, manifestando-seindividuada na voz direta .

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Assim sendo, tudo isso serviria para explicar a circunstânciade haver Nada - o Espírito-guia da médium - interrompido duasvezes a comunicação mediúnica, para observar que o Espíritoque se comunicava era farte demais para o médium e que, porconseguinte, esta sofria fisicamente com a manifestação: Defato, ao fim da sessão a médium acusou delíquio e cefalalgia,sintomas que antes jamais experimentara. Resultou daí que, nasegunda sessão. Nada não permitiu mais que o Espírito deGórdon Davis se comunicasse diretamente, encarregando-se elepróprio de interrogá-lo (ouviam-se os sussurros da conversaçãoentre Espíritos), para, em seguida, transmitir as respostas aoexperimentador. Ora, o fato de ser o Espírito Górdon Davis fortedemais para o médium dá lugar a supor-se que isso aconteciadevido à invasão psíquica de um Espírito encarnado, levandoconsigo elementos psíquicos fortemente impregnados de fluidosterrenos. Note-se que Nada não percebera que se tratava de umvivo, erro com que se depara em outros casos do mesmo gênero; mas, nem sempre é assim, pois que, ao contrário, o Espírito-guias distinguem quase sempre o vivo do defunto, por causa dadensidade do corpo etérea do primeiro .

Um segundo ponto a esclarecer é o que se refere aoincidente de ordem precognitiva em que a comunicante descrevenão só a casa que iria habitar um ano depois, como também adisposição dos móveis nos aposentos e os objetos colocadossobre os móveis, coisas todas essas não apenas inexistentes, defato, no momento das suas manifestações, mas inexistentestambém no pensamento daquele que se .comunicava. Trata-se,pois, de interessante fenômeno pré-cognitivo, igualmenteembaraçoso, não tanto, porém, do ponto de vista espiritualista,como do ponto de vista genérico da inconceptibilidade dosfenômenos de precognição, os quais, entretanto, são os quemelhor se têm averiguado experimentalmente, em toda afenomenologia metapsíquica . Do ponto de vista aqui

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considerado, observo que os fenômenos dessa natureza seproduzem com discreta freqüência nas comunicações dos vivos,o que não é de causar espanto, dado que, depois das magistraispesquisas do Doutor Osty nesse campo, pode considerar-sedemonstrado cientificamente que a personalidade integralsubconsciente tem conhecimento das vicissitudes futuras a cujoencontro vai a personalidade consciente, se bem que,normalmente, aquela não possa ou não queira prevenir dessasvicissitudes a segunda . Formidável mistério, perturbadorasconclusões filosóficas é cientificamente absurdas, o que,entretanto, repito, não impede sejam verdadeiras. Mas, não ëeste o momento de discutir tão árduo tema.

A título de corroboração, passo a relatar, em resumo, outrocaso do mesmo gênero .

A Senhora Florence Marryat, no livro There is no death(Não há morte) , narra que um círculo experimental de amigosseus, o Espírito-guia afirmara que se podia levar a sessõesEspíritos de vivos, em condições de sono. Como fosse noite alta,pediram ao Espírito-guia que levasse à sessão a Senhora Marryate o fenômeno se operou em menos de um quarto de hora. SeuEspírito, porém, se mostrava presa de grande agitação e nãocessava de repetir: Deixai que me vá embora. Grande perigopaira sobre meus filhinhos! Preciso voltar para junto deles. -Ora, aconteceu que, no dia seguinte, um cunhado da SenhoraMarryat, voltando do tiro ao alvo, deixou que um filhinhodaquela senhora lhe apanhasse o fuzil, do qual partiu deimproviso um tiro, indo a bala cravar-se na parede a dois dedosacima da cabeça de sua irmã mais velha, que ali se adiavasentada. Marryat, estupefata, pergunta a si mesma : Mas, comopude conhecer o acontecimento na noite precedente à suarealização? - Mistério impenetrável, certamente, tanto mais quedessa vez se tratava de um fato acidental, ainda maisinconcebível portanto, do que o episódio referente à casa futura

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de Górdon Davis. Entretanto, a personalidade integralsubconsciente de Marryat estava dele informada. - Porquê?Porquê? De que modo? Quem o sabe!

De outro ponto de vista, observo que o episódio citadoguarda afinidade com outro aqui considerado, também pelacircunstância de que em ambos os casos teriam sido o Espírito-guia os condutores do Espírito de um , vivo à sessão. Ressalta,com efeito, que, no caso de Górdon Davis, se manifestou, antesde tudo, o irmão defunto do experimentador, a expressar-senestes termos: Sam, eu trouxe aqui alguém que tu conheces. -Ora, esta circunstância, no caso especial, se revela importantetambém no sentido de prestar-se a elucidar a questão implícitano fato de manifestar-se um vivo que, não sendo amigo intimodo experimentador, dificilmente poderia explicar-se por meio davontade subconsciente deste último a se fazer sentir sobreaquele, como acontecia nas experiências de William Stead, nasquais a sua vontade consciente era que determinava oestabelecimento da relação psíquica com as pessoas convidadasa conversar com ele por intermédio de sua mão. Assim, não hádúvida de que tenha sido por iniciativa do Espírito do irmão doexperimentador que o do vivo Górdon Davis se manifestou e,em tal caso, a questão em apreço estaria resolvida, porquantodeveria inferir-se que a relação psíquica se estabelecera porintermédio de um defunto.

A este propósito, não será ocioso acrescentar que o irmãodefunto do Professor Soal ministrara admiráveis provas deidentificação pessoal, indicando, entre outros, o fato preciso dehaver, quando menino, enterrado uma medalha, que foiefetivamente encontrada, mediante escavações, no pontoindicado. Aliás, também o Professor Soal admite o valorprobante dos dados fornecidos por seu irmão defunto e aSenhora Sidgwick, à sua vez, escreveu sobre isso àqueleprofessor: Não me recordo se lhe disse quão impressionantes são

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as provas em favor da sobrevivência da memória de seu irmão e,acrescento, mesmo prescindindo-se dos episódios da medalhaenterrada e do panorama visto de River Church. .. (Light, 1926,pág. 80) .

Tais declarações aumentam a eficácia da solução propostapara o incidente em foco, no sentido de que, se admitir apresença real do irmão defunto do Professor Soal no local dareunião, a afirmação, por ele feito, de ter levado ali alguém queo irmão vivo conhecia adquire equivalente valor probante.

E a circunstância da vivo que se comunicava haverreproduzido, mais ou menos exatamente, a tonalidade da suavoz, a acentuação que costumava dar às palavras e o seu modocaracterístico de exprimir-se . . . , essas circunstânciasnotabilíssimas, combinadas com o fato de estar o vivo, naquelemomento, em estada de vigília, ignorando o que se passava àdistância, tende a reforçar a hipótese de Myers, segundo a qual,nas comunicações dos vivos, nos acharíamos às vezes empresença da irrupção de um elemento psíquico posto emliberdade, o que implicaria uma excursão, ou invasão psíquicade qualquer coisa de psíquico e fluídica, que tem relação com oespaço. De fato, as circunstâncias expostas tendem a demonstrara presença real, no local da sessão, de elementos mais ou menosindividuados da personalidade integral subconsciente docomunicaste, tanto mais se ele se revela capaz de vaticinarincidentes do seu próprio futuro

Nessas condições, dever-se-ia inferir também que ofenômeno das comunicações mediúnicas entre vivos se produzsempre, é certo, em forma de uma conversação entre duaspersonalidades integrais subconscientes, mas que é suscetível deproduzir-se sob duas modalidades diversas, uma das quais, amais freqüente, consistiria numa conversação, a, distância, entreas personalidades subconscientes em questão ; a outra, maisrara, consistiria, ao contrário, numa conversação das ditas

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personalidades, achando-se ambas no mesmo local, emconseqüência da manifestação e da intervenção, na própriasessão, de elementos psíquicos são fluídicos suficientementeindividuados do corpo etéreo do vivo ausente dali. Tratar-se-ia,portanto, de um fenômeno incipiente de bilocação .

Com o que acabo de expor, creio haver passado em revistatodas as modalidades teoricamente importantes sob que sedesenvolveu o muito famoso caso Górdon Davis, o qual, longede constituir exceção é ao contrário, análogo a muitos outros quese têm produzido um pouco por toda parte, salvo aparticularidade, com que se fizeram fortes os opositores dahipótese espírita, de que, quando o suposto Górdon Davis secomunicava mediünicamente, o Górdon Davis autêntico seachava no seu escritório, em condição de vigília, a conversarsobre negócios com alguns clientes. A este propósito se há vistoque o incidente de inconsciência ocorrido com o Rev. A1lendemonstra que uma pessoa pode ficar nesse estado sem de tal seaperceber e sem que de tal se apercebam aa pessoas presentes,de modo a poder-se concluir nesse sentido também com relaçãoa.o caso Górdon Davis.

Estabelecido este ponto, pondero que bem longe se acha deestar provado que Górdon Davis se encontrasse em estado decompleta vigília nos dois brevíssimos espaços de tempo em quese comunicou mediúnicamente, à distância. Em realidade,apenas se chegou a reconhecer que assim podia ser, pelaexistência de um canhenho em que Górdon Davis anotavadiariamente as suas transações ; mas, ninguém seria capaz dedizer de que modo se desenvolveram as duas transações emapreço.

Não há quem não veja que, numa longa consultação de talgênero, podem dar-se ligeiros incidentes de toda espécie, queimpeçam o cliente de perceber um estado passageiro de ausênciapsíquica do interlocutor que, ao demais, poderia ter saído e

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entrado de novo, para uma consulta ao seu arquivo, ou para uma,necessidade de outra natureza, ou que o cliente poderia terestado, durante algum tempo, absorvido pela leitura de umdocumento, ou por um cálculo de algarismos, circunstânciastodas estas muito insignificantes para não se apagaremprontamente da memória de quem a elas esteve sujeito,sobretudo se só houvessem de ser evocadas um asno depois.Seja como for, também a esse propósito assinalo que no caso emquestão os clientes não foram consultados . Postas as coisasnestes termos, como se poderia afirmar que na brevíssimaduração das duas manifestações, à distância, Górdon Davis seachasse em condições de autêntica vigília e não num estadopassageiro e imperceptível de ausência psíquica ?

E aqui, comprovando a possibilidade de estar-se, no caso deque se trata, em presença da irrupção de um elemento psíquico,posto em liberdade, da personalidade consciente de GórdonDavis, cabe reproduzir este trecho do relato do Prof . Soal

Importa notar que o Górdon Davis que se manifestou nessasessão não parece ser o Górdon Davis que eu conheci, comomenino de colégio, mas o Górdon Davis de 1916. A acentuaçãodas palavras e o modo característico de exprimir-se,reproduzidos na sessão, não me lembravam o Górdon Davis queeu conhecera na escola, porém o outro, com quem me encontreiquando era cadete militar. E é muito de notar-se que, quandoDavis alude às recordações da sua existência de menino, usaexpressões de moderníssima feitura, como a de BrighterGeography . Duvido muito que esta última expressão fosseusada sequer no ano de 1916, o do meu encontro com GórdonDavis.

Afigura que este parágrafo contém dados que na suaaparente insignificância são eloquentíssimos comodemonstração da presença, no local, de uma fração autêntica dapersonalidade psíquica de Górdon Davis, qual era no momento

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em que se comunicou e não qual existia nas recordações mais oumenos antigas do Prof . Soal .

Devo observar que nas minhas classificações se encontramoutros nove casos (cinco dos quais ocorridos com WilliamStead), em que aparece a circunstância presumível do estado devigília nos vivos que se comunicavam; mas, ao mesmo tempo,assinalo que em nenhum deles se pode afirmar isso comsegurança. Dentre esses casos, o mais interessante é o que foinarrado pelo arquiteto e arqueólogo Bligh Bond, que o obtevepela mediunidade da Senhora Margery Crandon, caso que, pormuito instrutivo, merece integralmente transcrito. Escreve BlighBond:

Passo a relatar um caso de comunicação mediúnica de umvivo, em que se apresentam manifestos os sinais da sua naturezaverídica, ou porque o comunicante logrou identificar-se a simesmo, ou porque confirmou a exatidão dos dados fornecidos, oque imprime caráter de certeza absoluta ao que concerne ãgênese do fenômeno. Ao mesmo tempo, também desta vez ovivo que se manifesta mediúnicamente demonstra não ter plenaconsciência de si no momento. Dir-se-ia que apenas uma porçãoda sua personalidade se acha em função e que tal se dá porintermédio do elemento onírico da subconsciência. Como querque seja, o fato é que ele se manifesta precisamente sob asmodalidades de alguma outra personalidade mediúnica, de sorteque, se não fossem as provas convergentes, demonstrando-lhe aidentidade, o caso resultaria um dos muitos que osmetapsiquistas ortodoxos classificam como dramatizaçõessubconscientes, oriundas de pormenores tomadostelepaticamente a mentalidade do consultante .

Na noite do primeiro do ano de 1926-27, às 21,30, ocorreu-me fazer uma experiência de escrita automática com a médiumSenhora Margery Crandon. Ela segurou o lápis entre os dedos eeu pousei ligeiramente a minha mão sobre a sua, como sempre

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faço nas minhas experiências . Nada tendo de especial emmente, disse: Ponderemos a quem se manifestar que nos dêinformações sobre o que bem lhe pareça. - Foi ditado

Es gentil; assim farei... Os velhos amigos já não são esses eoutrotanto se pode dizer dos costumes de certa época. . . Paravós, esta será uma árida noitada de Ano-Bom...

Toma os mais miseráveis destes mendigos e decepa-lhes acabeça no alto de Tor... Assim como aconteceu ao últimoAbade.

De todas estas frases, a médium Margery nada podiaentender. Expliquei-lhe que se tratava de uma burlesca alusão aotriste fato que se dera com o último Abade de Glastonbury. Toré a colina que domina a Abadia.

Continuou assim a mensagemMas, se os monges pudessem ver os teus paus sujos,

chorariam lágrimas de sangue. Refiro-me as estacas queplantaste para marcar o espaço ocupado pela antiga Abadia... Epensar-se que és um arquiteto! Vai enforcar-te nas moitas deamoras . . .

Mas, quem era esse comunicante que protestava com tantavivacidade contra as estacas alcatroadas que eu mandara plantar,como marcas das fundações por mim descobertas naquele local?As moitas de amoras têm um significado histórico que,naturalmente, a Senhora Margery não podia conhecer. Apersonalidade que se manifestava ditou outras frases chistosas e,respondendo a perguntas do mesmo gênero, informou que eraum amigo a quem eu muito conhecia. Respondi que nenhumaidéia unha sobre a sua identidade e, quando lhe perguntei onome, disse

Querido Bond, isto constituirá um enigma com queprincipiarás o ano... Nada mais me perguntes, se não quiseresque eu responda com mentiras...

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Todavia, o amigo que se manifestava deixou-se persuadir arevelar o seu nome, que não me é permitido publicar aqui, peloque recorro a um pseudônimo. Ele escreveu:

Sou originário da Ilha das Maçãs e tomei a mim vigiar osteus passos. (Assinado: Flohr).

E bem de ver que a Senhora Margery ignorava que, com adenominação de Ilha das Maçãs, se designava Avalon, isto é, aAbadia de Glastonbury, no Somerset.

Flohr continuou assim : A Ilha bendita de Avalon . Sobreum paul os frades construíram um convento... Sou o monge teuamigo e me conheces muito bem.

Tentei novamente obter o nome exato do comunicante, comdetalhes de identificação. Ele então escreveu: Flower (Flor) .

Este era o nome de um homem com quem eu trabalharalongo tempo na localidade indicada. Assim, ponderei-lhe: CaroFlower, tu então te manifestas durante o sono? - Respondeu:Não é bem isso. - Repliquei: De todo modo, neste momento, éstransportado muito longe em sonho . . . Ouve-me, pois : Desejoque, quando despertares, te recordes de todas as particularidadesdeste teu sonho atual, porquanto, neste momento, sonhas comum fato que é real. Toma nota: tens que te lembrar de todas ascoisas. Prometes? . . .

Farei como pedes.Neste instante tens consciência de que vieste ter comigo ?Aqui estou realmente.Tens consciência de que teu corpo se acha mergulhado em

sono ?Isso não sei.Fará o necessário esforço para não olvidar?Fá-lo-ei, se puder.Escreve de novo o teu nome. A médium que empunha o

lápis não te conhece. Quero que te assines com o teu nome e

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sobrenome, por intermédio da sua mão, pois, dessa forma, terei acerteza de que és tu mesmo e não outro quem se manifesta.

A médium escreveu lentamente, traçando letras longas einclinadas, o nome (substituído aqui por um pseudônimo)Harold A. Flower.

Nome e sobrenome perfeitamente corretos, parecendo-mecaracterística do indivíduo a caligrafia.

Transcrevi a comunicação inteira, reproduzi exatamente otraçado da firma e enviei tudo a meu amigo Flower. Respondeu-me o seguinte:

Recebi regularmente a tua carta com a comunicaçãomediúnica, que me interessou imensamente, pois que, nomomento em que era ditada a mensagem, estava eu a discutircom meu cunhado, se bem já fosse noite alta, sobre a novaarquitetura norte-americana e o teu nome foi mencionado váriasvezes durante a conversação. Querendo certificar-me comrelação a esse ponto, pedi a meu cunhado que me reproduzisse ode que se lembrasse acerca da nossa discussão naquela noite eele confirmou de modo preciso o que eu guardara na memória.

Devo ao demais te dizer que, com grande espanto meu,verifiquei que a minha firma, qual a consignaste, é de talmaneira o fac-símile da minha firma qual eu a grafava há muitosanos, que, à primeira vista, julguei que a houvessem copiado dealgum documento meu daquele tempo. Atualmente, assino-mecom uma caligrafia notavelmente diversa, em que o Mmaiúsculo já não é o mesmo.

Observo, finalmente, que meu nome Flower, pronunciadoFlohr, como foi ditado à primeira vez, corresponde ao modo porque o pronunciavam os familiares de meu pai. Isto,provavelmente, tu o ignoravas, como o ignoravam todos emGlastonbury... Quanto aos paus sujos a que alude a mensagemsão sem dúvida as tuas estacas alcatroadas, que eu, é certo, nãoadmiro, salvo pela utilidade que tem . Tudo bem ponderado,

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considero notabilíssimo o incidente, visto que naquele momento,eu, indubitavelmente, pensava em ti e na tua viagem à Américapara estudo da arquitetura americana... E tanto mais notável é oepisódio, quanto, bem o sabes, sou infenso às vossas doutrinasespiritualistas . . .

(Assinado) : Har . A . Flower .

E absolutamente verdade que o meu amigo Flower nãosimpatiza com as pesquisas psíquicas. Bem poucos têmdiscutido esse assunto. Mas, as ruínas da Abadia de Glastonburye a sua histórica antiguidade lhe haviam impressionado aimaginação, o que, reflexivamente, aumentara de muito assimpatias que me tinha, porquanto eu era o principal ilustradorde algumas ruínas históricas.

Levada em conta a diferença de longitude, verifica-se que,na noite em questão, ele com o seu cunhado se empenharam emdiscutir até às primeiras horas da madrugada, donde se podeinferir que, terminada a discussão, foram logo dormir, Emconseqüência, como os pensamentos do meu amigo estivessemorientados para a minha pessoa, de certo modo me alcançaram,porquanto não se recorda absolutamente da singularperegrinação que uma fração subliminal da sua mentalidaderealizou através de três mil milhas de oceano, para apresentar aoseu amigo os votos de Ano-Bom .

Além do fato importante da correta grafia da sua assinaturaqual ele a traçava dois ou três anos antes, é de acentuar-se ooutro fato notabilíssimo da revelação da sua genealogia tedescano primeiro nome que escreveu. Tenho como certo que noambiente que ele freqüentava ninguém havia que se achasse apar disso. Eu apenas sabia que e.e estivera, ou sua família, naAustrália e que desde alguns anos se estabelecera no nossodistrito para praticar o comércio. Ainda é jovem e, conquantotenhamos sido sempre bons amigos e houvéssemos realizado

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entre nós algumas transações, não posso dizer que fôssemos,nalgum tempo, amigos íntimos. Como quer que seja, parece quede certo modo a sua personalidade se imprimiu na minha, ou quea minha se imprimiu na sua, dando lugar a uma espécie desintonização subconsciente, que se manifestou sob algumasinesperadas modalidades, fornecendo-me abundante alimentointelectual para as minhas reflexões filosóficas. Há, porém, umaconsideração que se sobrepõe claramente a todas as outras e éque se não houvesse dado o incidente do amigo Flower, que seafirmou capaz de grafar a sua firma por intermédio da mão deMargery, o caso teria parecido um desses muitos episódios queos metapsiquistas ortodoxos consideram produto de sugestãoinconsciente da parte do consultante, visto que se conservariaignorada, por detrás da comunicação mediúnica, a autênticapersonalidade de um vivo. (Psychic Research; 1929, página267).

Este episódio é idêntico, em tudo, ao de Górdon Davis,exceção feita da particularidade premonitória, que, aliás, carecede importância do ponto de vista que nos interessa. Afora isso,deparam as mesmas circunstâncias de manifestação, a começarpelo fato de se tratar, em ambos os casos, de pessoas não ligadasentre si por especiais sentimentos afetivos e que, no momentoem que se manifestavam a distância, se achavam em estado devigília e tomavam parte numa conversação. Faço notar, aodemais, que, de ambos os casos, ressalta a particularidadeimportante de fornecerem os vivos que se comunicavamdetalhes pessoais ignorados pelo experimentador. Por fim, é denotar-se que, se no caso Górdon Davis o experimentadorreconhece o timbre vocal do amigo na voz direta pela qual elefalava, no outro caso se verifica que o vivo que se comunicavareconhecia a autenticidade da sua assinatura, com o detalheinteressante de ser a inicial maiúscula do nome próprio escritana forma em que ele a escrevia noutros tempos.

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São, portanto, episódios teoricamente idênticos e penso que,dada esta circunstância, não se pensará em trazer à baila atelemnesia, mediante a qual se deveria presumir que ospormenores verídicos que se obtiveram foram extraídos, pelomédium, da subconsciência do amigo distante, para, em seguida,dramatizá-las numa conversação fantástica, explicaçãoinconciliável com a circunstância de não poderem os detalhes defique se trata ser desarticulados da conversação havida,porquanto foram fornecidos em resposta a perguntas formuladasno momento. Isto demonstra que se tratava de verdadeiraconversação, a desenvolver-se no presente, entre a personalidadeintegral subconsciente do vivo distante e o experimentador, porvia da médium Margery Crandon.

A propósito, assinalo que Bligh Bond pondera que, noscasos de tal natureza, o indivíduo que escreve não se achapresente na plena consciência de si, que presente apenas estáurna fração da sua personalidade, a qual se manifesta por meiodo elemento onírico subconsciente . Ora, esta é também ahipótese de Myers e é a única que se concilia com os fatos,porquanto ajuda a explicar os erros e as falhas que comfreqüência se .notam assim nas comunicações dos vivos, comonas dos defuntos . Atente-se, contudo, em que, no caso vertente,o comunicante não cometeu o erro de crer-se defunto, comosucedeu a Górdon Davis.

Quanto à questão de um vivo em condições de vigíliamanifestar-se mediünicamente à distância, viu-se que BlighBond supõe, a seu turno que, como era noite alta, o vivo que secomunicava e o arraigo com quem ele conversava deviam achar-se ambos sonolentos ao findar a conversação, o que correspondeàs minhas conclusões. Por isso, repito que, se assiste razão aosopositores para fazer grande caso do estado de vigília em que seencontrava Górdon Davis, porque, não se conciliando essepormenor com a sua intervenção real na manifestação mediúnica

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que se produziu, o mesmo pormenor justificaria as conclusões aque eles chegam, no sentido de que tudo se deve atribuir àsfaculdades oniscientes da subconsciência ; se lhes assiste razãopara assumir essa atitude, o fato, nada obstante, é que, do pontode vista científico, achamo-nos muito mais no direito deobservar que o caso Górdon Davis está longe de provar que ovivo que se comunicava se encontrava realmente em condiçõesnormais de vigília, sobretudo se considerar que a análisecomparada de numerosos episódios análogos demonstra nãohaver casos que o provem de maneira cientificamente hábil. Ocaso aqui referido também não o prova, se atender a que bastaum minuto de semi-adormecimento, ou de ausência psíquica novivo, para legitimar a hipótese do êxodo de elementos psíquicossubconscientes, bastante individuados, para representar, àdistância, a personalidade do mesmo vivo.

Recapitulando: Vimos que Bligh Bond acentua que, se nãofosse o incidente que ocorreu, de o comunicante reproduzir a suaassinatura com identidade caligráfica, o caso pareceria aosmetapsiquistas ortodoxos um simples caso de personificaçãosubconsciente, consecutivo a um incidente de sugestão por partedo consultante, quando, em realidade, o que havia era amanifestação mediúnica de um vivo. Contrariamente, vimosque, mal grado a provas de identificação pessoal de todoeficientes, o Professor Soal prefere conservar-se metapsiquistaortodoxo, declarando que no caso Górdon Davis não há senãovestígios de provas positivas tendentes a apoiar quemsustentasse que o vivo Górdon Davis haja tomado parte ativa nasmanifestações produzidas, porquanto sabemos que, em ambos oscasos, a sua consciência pessoal se achava, no momento,ocupada em conversar com os clientes seu (pág. 561) . - Parece-me, entretanto, haver demonstrado que bem longe se ficou de terverificado em que condições psíquicas se achavam GórdonDavis nos dois fugitivos momentos em que se manifestou

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mediúnicamente, pois que o único elemento disponível de provaconsiste num canhenho de consultas dos clientes, do qual nadade precisa se pode extrair, sobretudo depois de transcorrido umano das aludidas consultas, sem contar que os clientes não foraminquiridos a respeito.

Afigura-se-me que nas considerações expendidas está.quanto basta para invalidar as conclusões do professor Soal, comgrande vantagem para as conclusões muito mais legítimas deBlïgh Bond, as quais correspondem as idéias de Myers sobre oassunto e concordam com tudo quanto se conhecia acerca dasmúltiplas modalidades de exteriorização, parcial, total, onírico-verídica, sob que consegue manifestar-se, a distância, apersonalidade integral subconsciente .

E, porém, tempo de concluir .Se bem, no presente resumo, eu tenha tido que me limitar a

discorrer sobre uma só das sete categorias em que classifiquei osfenômenos em questão, os poucos episódios analisados foramsuficientes para demonstrar que as comunicações mediúnicasentre vivos constituem a fundamental base fenomênica daspesquisas metapsíquicas, uma vez que somente por meio de taiscomunicações se chega a penetrar na gênese da fenomenologiasupranormal, visto que assim se fica em condições de considerara um tempo a causa e o efeito, o agente e o percipientes dofenômeno que se tenta investigar.

Do nosso ponto de vista, observarei, antes de tudo, que sócom o auxílio das manifestações dos vivos se adquire a certezacientífica da existência de uma personalidade integraisubconsciente, capaz de entrar em relação com outraspersonalidades integrais de vivos, ou conversandotelepaticamente a uma distância já existente ao estabelecer-se àrelação psíquica, ou no todo ou em parte, do organismosomático (bilocação), circunstâncias fenomênicas de supremaimportância, porquanto fornecem as provas experimentais de ser

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o espírito humano independente do organismo corpóreo e datranscendência das faculdades supranormais subconscientes.duas condições de fato, estas, indispensáveis à demonstraçãocientífica da existência e sobrevivência da alma, donde decorreuma confirmação ulterior da tese aqui considerada, que oAnimismo prova o Espiritismo.

Acresce que, por lei de analogia, as manifestaçõesmediúnicas dos vivos concorrem a ministrar a prova indireta,mas igualmente eficaz, da autenticidade das manifestaçõesmediúnicas dos defuntos, visto que, se com as primeiras seobtém a certeza científica de que, então, nos achamos diante deautênticas personalidades de vivos e não diante de efêmeraspersonificações sonambúlicas, em sentido idêntico se deveconcluir com referência às manifestações mediúnicas dosdefuntos que provem a sua identidade, prestando informaçõespessoais cientificamente apropriadas a esse fim.

Não ignora que a tais conclusões ainda se poderia opor umaúnica objeção, segundo a qual, mesmo que as conversaçõesmediúnicas entre vivos se produzam em forma de conversaçãoentre duas personalidades integrais subconscientes, não ficariaexcluído que os médiuns possam tomar, a pessoas distantes, sobesta ultima forma, os dados que forneçam em nome dos pseudo-espíritos de defuntos . A semelhante objeção responde fazendover que, antes de tudo, cumpre se tenha em conta a grande lei darelação psíquica, que já discuti no capítulo precedente, e dentrode cujos postulados é impossível se estabeleçam relações de talnatureza com pessoas distantes que o médium e as pessoaspresentes desconheçam . Isto bastaria para eliminar a objeção deque se trata, com respeito à classe mais importante dos casos deidentificação espirítica. Em segundo lugar, acrescento que, suaobjeção em apreço tivesse fundamento, então o automatismopsicográfico - desde que é automático - deveria escreverinevitavelmente as respostas obtidas das personalidades

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informantes, de vivos conservadas a distância, como acontecianas experiências de William Stead.

Nesse caso, surgiria a forma dialogada da conversaçãomediúnica havida e se obteria assim a prova da invasão real dascomunicações entre vivos, nos supostos casos de identificaçãoespirítica . Mas, como tal fato nunca na prática se deu, ou, seja,como nunca se verificou que na outra extremidade do fioestivesse uma personalidade integral de vivo a fornecerostensivamente informações relativas a terceiras pessoasdefuntas, segue-se que esta última circunstância de fato exclui aobjeção que estamos examinando . Assim sendo, forçoso setorna deduzir que, uma vez demonstrado pelos fatos que nãoexistem diferenças de manifestação mediúnica entre os casos deidentificação pessoal dos defuntos e os casos de identificaçãopessoal dos vivos, o que se segue logicamente é que, se de umaparte se afirma provada experimentalmente a autenticidade dasmanifestações dos vivos, de outra parte, também se tem queconsiderar provada cientificamente a autenticidade dasmanifestações dos defuntos .

Noutros termos : repito mais uma vez que a questãoessencial, do nosso ponto de vista, consiste em que acaracterística de uma conversação entre duas personalidadesespirituais se revela fundamental em ambas as categorias demanifestações aqui consideradas . Desse modo, se acaracterística de que se trata corresponde a um fatocientificamente comprovado nas manifestações dos vivos, não épossível se deixe de concluir que também corresponde a um fatoigualmente real e comprovado com relação às manifestações dosdefuntos, sempre, porém, bem entendido, sob a condição de que,em ambos os casos, as informações ministradas a título deidentificação pessoal sejam cientificamente apropriadas aoobjetivado fim.

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O que fica exposto torna quase supérfluo ponderar que tudoisso equivale a afirmar que, cientificamente falando, deve-seexcluir, de maneira categórica, a possibilidade teórica deexplicar-se, por meio da clarividência telepática a confinar natelemnesia, os casos em que os defuntos que se comunicamfornecem informações pessoais que todos ignoram e comexclusão de objetos psicometrizados . Essa possibilidade teóricadeve ser afastada pela razão de que não existem manifestaçõessupranormais de natureza análoga que a confirmem, ao passoque existem numerosas manifestações -do mesmo gênero que acontradizem. Também deve ser excluída, por se mostrarinconciliável com as modalidades sob que se produzem asmanifestações em causa. Enfim, deve ainda ser excluída, porquese mostra igualmente inconciliável com a lei imprescindível darelação psíquica . Tanto basta para a demolição de qualquerhipótese.

Em virtude das comunicações mediúnicas entre vivos,chega-se a uma quarta importantíssima conclusão teórica,demonstrativa da existência e da sobrevivência do espíritohumano, conclusão que, conjugada a outras já formuladas,concorre para formar um formidável conjunto de dadoscientíficos concretos, que confirmam, de diversos pontos devista, um postulado fundamental em metapsíquica. Essepostulado é que o Animismo e o Espiritismo sãocomplementares um do outro, porquanto esses dois fatores têmpor base única o espírito humano que, operando encarnado,provoca os fenômenos anímicos e, operando `desencarnado,determina os fenômenos espíritas. E tanto é certo isto que, sepretender excluir um ou outro dos dois fatores que constituem aquestão a resolver-se, impossível se torna explicar o conjuntodos fatos.

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CAPITULO IV

Dos fenômenos de bilocação

Pela denominação genérica de fenômenos de bilocação sedesignam as múltiplas modalidades sob que se opera omisterioso fato do desdobramento fluídica do organismocorpóreo . Daí vem que os fenômenos da, bilocação revestemfundamental importância para as disciplinas metapsíquica,porquanto servem a revelar que as manifestações anímicas,conquanto inerentes às funções do organismo físico-psíquico deum vivo, têm como sede um certo quê qualitativamente diversodo mesmo organismo . Assumem por isso um valor teóricoresolutivo, para a demonstração experimental da existência esobrevivência do espírito humano .

Por outras palavras : os fenômenos de bilocaçãodemonstram que no corpo somático existe imanente um corpoetéreo que, em circunstâncias raras de diminuição vital nosindivíduos (sono fisiológico, sono hipnótico, sono mediúnico,êxtase, delíquio, narcose, coma), é suscetível de afastar-setemporariamente do corpo somático, durante a existênciaencarnada. Inevitável, pois, a inferência de que, se o corpoetéreo é suscetível de separar-se temporariamente do corposomático, conservando íntegra a consciência de si, forçoso seráconcluir-se pelo reconhecimento de que, quando aquele seseparar deste definitivamente pela crise da morte, o espíritoindividualizado continuará a existir, em condições apropriadasde ambiente, o que equivale a admitir-se que o fato da existênciaimanente de um corpo etéreo no `corpo somático e, porconseguinte, a de um cérebro etéreo, demonstra que a sede da

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consciência, da inteligência, da memória integral das faculdadesde ordem supranormal é um corpo etéreo, que vem a ser oinvólucro sublimado e imaterial do Espírito desencarnado .

No ano de 1910 eu publicara longa monografia dedicada aosfenômenos da bilocação; mas, como se fossem acumulando emgrande número os fatos dessa natureza, decidi recentementepublicar da referida monografia uma segunda edição muitoaumentada.Acho-me. portanto, em condições de poder discutir comconhecimento de causa esse tema importantíssimo .

Naquele meu trabalho, tomei por ponto de partida ochamado fenômeno da sensação de integridade nos amputados,fenômeno em que às vezes o senso da integridade da parteamputada é tão real, que, se distrai a atenção do operado, eleexperimenta a sensação que o membro inexistenteexperimentaria, se ainda existisse. Que ali exista, com efeito, ummembro em estado fluídico, pode deduzir-se do fato de ossensitivo-videntes afirmarem que o vêem. Lembrei a essepropósito o interessante caso narrado pelo Doutor Kérner, nofamoso livro sobre a Vidente de Prevost, em que esta, quandotopava com uma pessoa a quem faltava um membro, via sempreo membro inexistente, ligado ao corpo em forma fluídica. Nomesmo trabalho, também referi um caso recente em que omembro que faltava fora engenhosamente fotografado por meiode um espectroscópio que projetava o feixe luminoso sobre umanteparo em que apareceram, não apenas traços, porém formasde mãos e outros membros fluídicos .

Como se vê, mediante estas últimas experiências, achamo-nos em presença de provas de fato, demonstrativas da existênciareal, sob forma fluídica, de membros amputados, os quais,entretanto - conforme se verifica pelas sensações queexperimentam os próprios amputados - se vão gradativamenteencurtando e aproximando do coto, até ao momento em que

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desaparecem dentro da cicatriz, qual sombra que penetra nocorpo, segundo a feliz expressão de um deles. Nenhuma dúvida,portanto, de que os fenômenos de sensação de integridade nosamputados contribuem admiravelmente para demonstrar aexistência de um corpo etéreo imanente no corpo somático,donde a importância que assumem os aludidos fenômenos para ademonstração científica da existência e sobrevivência do espíritohumano.

Em seguida aos casos dessa natureza, são considerados, namonografia a que me reporto, os casos afins de desdobramentoincipiente, nos atacados de hemiplegia, os quais, por vezes,percebem, do lado paralítico, uma secção longitudinal do seupróprio fantasma e afirmam que essa secção goza da integridadesensória que lhes falta a eles. (E este um fato que se não podeexplicar por meio da teoria cinestésica do Doutor Sollier,porquanto, nos atacados de hemiplegia, longe de deparar-se comuma exageração do senso cinestésico, há supressão destesentido) .

Seguem-se os casos de desdobramento autoscópico, em queo paciente percebe o seu próprio fantasma, conservando, porém,plena consciência de si mesmo. A esse respeito, demonstrei que,se a hipótese psicótica, formulada pelo Doutor Sollier, para daruma explicação do conjunto dos fatos, podia considerar-selegítima antes do surto das pesquisas metapsíquica, agora já nãoé assim, porquanto, do mesmo modo que as pesquisas sobre atelepatia demonstram que nem todas as alucinações são falsas,também as pesquisas sobre os fenômenos de bilocaçãodemonstram que nem todos os episódios de autoscopia sãopsicóticos .

Passei daí a analisar casos em que a consciência do pacientese transfere para o fantasma, que se vê a si mesmo diante do seucorpo exânime, casos altamente sugestivos, em que já seesboçam as faculdades de natureza supranormal.

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Depois, analisei outros setores importantes dos fenômenosde bilocação, aqueles em que o desdobramento se dá por ocasiãodo sono natural, do sono provocado, do delírio, da narcose, docoma e, sucessivamente, os casos em que o fantasmadesdobrado de um vivo, durante o sono, é visto por terceiros,para, afinal, chegar aos casos em que o fenômeno dedesdobramento fluídico se produz no leito de morte. Esta últimacategoria de manifestações é a mais importante de todas e, numdos casos que citei, o fenômeno foi constantemente observadodurante muito tempo por uma enfermeira vidente, ao passo quecom freqüência é observado coletivamente por todos ospresentes e também por muitas das pessoas que acorrem àcabeceira de um moribundo . Por fim, relatei episódios em queos presentes observam o fenômeno em todas as suas fasesevolutivas, até à reprodução perfeita de um simulacro do corposomático do moribundo, simulacro esse não só animado e vivo,como assistido por entidades de defuntos, que aparentementeintervêm, para tal efeito, junto daquele que está a morrer.

Com referência a estes últimos e importantíssimosfenômenos de desdobramento fluídico no leito de morte, muitoinsisti justamente sobre a particularidade teoricamente resolutivade que todos os videntes, qualquer que seja o povo a quepertençam - civilizado, bárbaro, selvagem - descrevem odesenvolvimento do fenômeno em termos substancialmenteidênticos, o que demonstra que eles, os videntes, descrevem umfenômeno positivamente objetivo, pois, a não ser assim, possívelnão seria que coincidissem as descrições de todos com relaçãoàs mesmas fases do fenômeno, em o qual há pormenores tãonovos e inimaginados que, dentro da hipótese alucinatória, decerto não se reproduziriam idênticos em todos os alucinados. Aesse propósito, citei o seguinte caso concernente a tribosselvagens, caso narrado por um missionário que regressara doarquipélago de Taiti (Polinésia). Escreveu ele:

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. . . Eles crêem que, no momento da morte, a; alma seconcentra na cabeça, a fim de aí sofrer um lento e gradualprocesso de reabsorção em Deus, de quem ela emanaria...Curioso e interessante o fato dos Taitianos acreditarem na saídade uma substância real que tomaria a forma. humana e o crêempor fé nalguns deles dotados de clarividência, os quais afirmamque, apenas o moribundo deixa de respirar, se lhe desprende dacabeça um vapor que se condensa pouco acima, a pequenadistância do corpo, e permanece ligado a este por uma espéciede cordão formado da mesma matéria. Essas substâncias -afirmam eles - aumenta rápido de volume e ao mesmo tempo setorna semelhante ao corpo donde emana.. Quando, afinal, esteúltimo fica gélido e inerte; dissolve-se o cordão que a eleprendia a alma e esta, libertada, voa para o alto, aparentementeassistida por mensageiros invisíveis. . . (The MetaphysicalMagazine, Outubro de 1896) .

Temos aqui uma descrição que corresponde, nos mínimosdetalhes, às dos videntes modernos. Diante disso não parecelógico, nem sério pretender-se explicar tão impressionantesconcordâncias por meio da hipótese das coincidências fortuitas .Por outro lado, como os Taitianos não podem ter ido buscar suascrenças aos povos civilizados, nem estes tão-pouco pode havertirado as suas das dos Taitianos, .forçoso será reconhecer que detais concordâncias ressalta uma valiosíssima presunção emapoio da objetividade do fenômeno, que os videntes de todas asépocas hão assinalado, no seio de todos os povos.

Como já se disse, os fenômenos de bilocação, em geral, mas,sobretudo, aqueles em que a consciência que de si mesmo tem oindivíduo é transferida para o seu fantasma, se produzem emmúltiplas graduações, durante os estados de diminuição vital daspessoas, quais são os de sono fisiológico e do sono produzidopela absorção de substâncias anestésicas. as fases sonambúlico-hipnóticas, o delíquio, o coma, as crises de convalescença, de

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esgotamento nervoso, de abatimento moral. Raramente se dá emcondições fisiológicas e psicologicamente normais, caso em quesó se produzem estando o corpo em absoluto repouso, porémmuito especialmente no período que precede ou sucede ao sono.Nestas últimas circunstâncias, o sentido do desdobramento émais ou menos vago, impreciso e de curtíssima duração.

Entre as mais notáveis características dos casos em questão,uma das que se destacam parece consistir no fato do fantasmadesdobrado perambula à distância, quase sempre ocorremincidentes vários, de percepções verídicas de coisas ou situaçõeslongínquas (lucidez, telestesia), o que. também se verificaalgumas vezes nos casos em que o fantasma desdobrado não seafasta do seu corpo.

Psicologicamente falando merece profundamente meditadoo fato de o indivíduo sentir que existe pessoalmente, naplenitude das suas faculdades sensientes e conscientes, fora docorpo e defronte do corpo. Trata-se de um sentimentodificilmente redutível a fórmulas elucidativas, deduzidas dapsicologia universitária. Porque - veja-se bem - o fenômenodifere radicalmente dos de autoscopia, em que o Eu pessoalconsciente, permanecendo com sede no organismo, divisa, àdistância, o seu próprio fantasma, fenômeno esse análogo aoutros citados nas obras de patologia mental e, a rigor, redutívela um fato de alucinação pura e simples. Aqui, ao contrário, nosachamos em presença do fenômeno inverso, constituindo casoespecial que não deixa cabimento algum para a hipótesealucinatória, dado que, do ponto de vista psicológico, há umabismo insuperável entre a sensação de alguém ver o seu próprioduplo e a de achar-se consciente fora do corpo, alheio ao corpo,defronte do corpo.

Se for certo que, combinando-se a hipótese alucinatória coma da desagregação psíquica, se consegue resolver complexosproblemas psicológicos, quais os das personalidades múltiplas,

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isto não implica que, mediante a mesma combinação e com ospostulados da psicologia, se chegue, ainda que de longe, aexplicar o sentimento acima indicado, o qual, repito, é coisamuito diversa, visto que os fenômenos das personalidadesmúltiplas, querem simultâneos, querem alternadas, têm sua sedeno corpo e não fora do corpo, diferença que, psicologicamente,assume enorme importância, denotando que, neste último caso,se encontra em jogo o sentimento do ser, que é o mesmo quedizer um estado de consciência primordial e irredutível,fundamento de todos os estados de consciência, do qualninguém pode duvidar sem pôr em dúvida também a nossaexistência e sem renunciar, por conseguinte, a todoconhecimento e a toda ciência, sentimento que se impõe à razãocomo realidade apodítica e que psicologicamente adquire valorde imperativo categórico .

Agora, desejando proceder à escolha de algum episódio comque ilustre as considerações expendidas, encontro-me numcurioso embaraço, não devido à deficiência, mas àsuperabundância de casos importantes a citar. Vem daí que osprimeiros dois casos que me limito a referir não os escolhiporque apresentem especial valor intrínseco, mas porque mefacultarão ensejo de discuta algumas objeções que formulou,sobre o tema, um homem de ciência competentíssimo noutrosramos da metapsíquica .

Este primeiro caso tiro-o do Journal of the S. P. R. (1929,pág. 126) . E um episódio da Grande Guerra. O próprioprotagonista o comunicou ao professor Oliver Lodge que, a seuturno, o transmitiu à direção daquele órgão .

Narra-o assim o protagonista:. . Deixamos Monchiet à tarde e, depois de horrível marcha

por uma estrada em que se escorregava continuamente, pois nãohavia um palmo de terreno que não fosse lama misturada à nevederretida, chegamos a Beaumetz, já noite. Brevíssima parada e

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de novo em marcha para Wailly, uma linha de fogo. Aipenetramos numa trincheira de comunicação, patinhando naágua lodosa. Era comprida de uma milha aquela trincheira e nospareceu interminável. O lodo líquido nos chegava ao joelho, aomesmo tempo em que um chuvisco gelado nos flagelavaimplacavelmente o resto, enregelando-nos até aos ossos.Chegamos, afinal, ã linha de fogo, onde substituímos umbatalhão francês. Encontramo-nos na pior das trincheiras. Desdemuitos meses, nenhuma reparação sofria. Em vários pontosestava desmoronada e não protegia ao fogo inimigo as nossascabeças; achava-se por toda parte transformada numa gamela deestrume liquido. Eu e H. fornos imediatamente mandados amontar guarda. Estávamos tão extenuados, que nem paramaldizer da sorte tínhamos forças, O corpo estava exausto,encharcado, regelado até ã medula pelo chuvisco implacável quenos flagelava; morríamos de fome, sem qualquer espécie dealimento. Não tínhamos meio de acender fogo, nem marmitaspara nos realentarmos, ao menos, com água quente. Nem umapolegada de terreno onde nos sentássemos, nem um palmoquadrado de parapeito atrás do qual fizéssemos calar a fomecom uma cachimbada. H. e eu concordamos em reconhecer quejamais houvéramos crido possível que o tal extremo pudessemconcentrar-se os sofrimentos inelegíveis a uma criatura humana.

Entretanto já tínhamos conhecido não poucas noites deinaudito martírio.

Muitas horas transcorreram naquela horrenda situação,quando, de súbito, tudo mudou para mim. Tornei-me consciente,certìssimamente consciente de achar-me fora do meu corpo.Comprovei que o meu Eu real, consciente, o espírito - poucoimporta o nome -- se havia totalmente libertado do organismocorpórea e, de fora desfie, eu contemplava aquele mísero corpovestido ai cinza-verde, que era o meu, mas olhava-o comabsoluta indiferença, pois que, embora cônscio estivesse de que

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o aludido corpo me pertencia, já não havia laços que meprendessem ao seu martírio e o considerava como se de outrem.Sabia que ele havia de estar sofrendo de maneira horrível; porémeu, isto é, o espírito, não sentia coisa alguma.

Enquanto estive naquela condição de ser, o fato me parecianatural; só quando entrei de novo no corpo me convenci de quepassara pela mais maravilhosa experiência da minha vida.. .Nada nunca poderá, abalar a minha convicção intima e profundade que naquela noite de inferna o meu espírito se separoutemporariamente do meu corpo...

A propósito desta última declaração do infeliz protagonistade tão doloroso episódio, importa notar que, em face da minhaclassificação dos fenômenos de bilocação, se evidencia quetodos quantos hão passado pela solene experiência aquiconsiderada guardam inabalável a convicção de terem assistidoao fato de seus espíritos se separarem dos respectivos corpos e,conseguintemente, conservam, também, inabalável, a certeza deque o espírito sobrevive à morte do corpo. Assim sendo, énatural se mostrem intolerantes para com as afirmativasnegativistas dos representantes da ciência oficial, os quais,nunca tendo passado pela grande aventura de se reconhecerem aexistir, com as suas personalidades conscientes, sensientes einteligentes, fora de seus corpos, estranhos aos seus corpos, empresença de seus corpos, não se acham em condições de formaropinião justa do valor prático e positivo de uma convicçãofundada em experiência de tal natureza .

O Dr. Eugênio Osty publicou e comentaram pela RevueMetapsychique (1930, págs. 191-193) três casos análogos emtudo ao precedente. Agora, porém, me limitarei a citar o queapresenta maior interesse, do ponto de vista em que me achocolocado. Trata-se de um episódio cujo relato foi enviado aoprofessor Richet, pelo Sr. L. H. Hymans, em data de Junho de1928. Diz assim o relator:

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Julgo conveniente informá-lo de um fenômeno que ai deucomigo duas vezes e que parece provar que a consciência podefuncionar independentemente do cérebro.

Duas vezes, em estado de plena consciência, vi distante demim e inanimado o meu corpo, com a sensação precisa de queeste, naquele momento, era um objeto exterior ao meu ser. Nãopretendo tentar explicar como haja podido ver sem olhos.Apenas comprovo um fato.

Da primeira vez que este ocorreu, achava-me na cadeira deum dentista. Durante o período que passei sob a ação doclorofórmio, tive a sensação de haver despertado e estarflutuando no ar, próximo ao teto, de onde contemplava, comgrande espanto, o dentista a cuidar da minha dentadura e a seulado o cloroformizador a me vigiar. Via o meu corpo inanimadotão distintamente, como qualquer dos objetos existentes nolocal. Durou pouco segundo esta experiência. Perdi aconsciência e me achei de novo na cadeira completamentedesperto, mas conservando nítida a impressão de tudo o quesucedera.

Da segunda vez, achava-me em Londres, numa hospedaria.Certa manhã, acordei adoentado (sofro de fraqueza do coração)e, pouco depois de haver despertado, tive uma síncope. Comgrande espanto meu, achei-me suspenso no ar à altura do teto,donde contemplava, presa de terror, o meu corpo inanimado e deolhos fechados. Tentei, mas inutilmente, entrar de novo nele eme convenci de que devia estar morto. Pus-me a pensar naimpressão que receberiam os donos da hospedaria, na dor dosmeus parentes e no desgosto dos amigos. Perguntava a mimmesmo se ordenariam algum inquérito acerca da minha morte;porém, o que, sobretudo, me preocupava eram os meusnegócios. E absolutamente certo que eu nada perdera da rainhamemória e da minha consciência. Via o meu corpo inanimadocomo um objeto à parte e contemplava tristemente o seu

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semblante, que se tornara lívido. Verifiquei, no entanto, que nãome ora possível sair do aposento; sentia-me, por assim dizer,acorrentado aquele lugar, imobilizado no canto onde meencontrava.

Transcorridas uma ou duas horas, percebi que batiam á porta(fechada à chave) e que batiam repetidamente, sem que eupudesse dar sinal de vida. Pouco depois, vi aparecer na janela oporteiro da hospedaria, que ali subira por uma alta escada.Entrou no quarto, mirou-me ansiosamente o rosto e abriu aporta. Logo entraram o gerente e outros empregados da casa; emseguida, veio um médico e vi que me sacudia a cabeça; depois,inclinou-se por cima de mim, colocou o ouvido sobre o meucoração e por fim me introduziu na boca uma colher. Nesseinstante perdi consciência de mim como espírito e despertei.repentinamente na minha cama. E de notar-se que esse fato seprolongou por cerca de duas horas.

A narrativa que se acaba de ler é muito interessante,principalmente o segundo episódio, em que se nos depara o fatonada comum de o indivíduo desdobrado permanecer assim,plenamente cônscio de si, a observar tudo o que se passava aoderredor do seu corpo, durante duas horas consecutivas. E umacircunstância esta teoricamente notabilíssima, porquanto eliminatoda possibilidade de qualquer sofisma baseado na fugacidadedas impressões desse gênero. Aí, o indivíduo desdobrado seconserva fora do corpo, com plena consciência. do seu estado,por duas horas seguidas.

E também digna de nota a observação do protagonista, denão poder sair do quarto, como se estivesse acorrentado ali,indício manifesto de que, se ele não se apercebeu da existênciade um cordão fluídico que o prendia ao corpo, por outro ladonão lhe escaparam as conseqüências inevitáveis desse mesmovínculo.

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Observarei, finalmente, que ele, como tantos outros, tira, dassuas próprias experiências, a lógica dedução de que aconsciência pode funcionar independentemente do corpo.

Assinalado isso, passo a expor e comentar as conclusões aque chegou o Doutor Osty, com relação aos casos por elepublicados, conclusões que naturalmente encabeçam umainterpretação alucinatória dos ditos casos. Diz ele:

Quem quer que se ache bem decidido a não exorbitar doslimites da psicologia clássica será levado a presumir que osnossos três visionários, durante a crise alucinatória em que seviram a si mesmos, tenham tido também uma percepção normalde tudo quanto lhes ocorria ao derredor, com a conseqüência deque a imaginação deles haja reunido num só bloco a alucinaçãoe a realidade, conferindo ao todo uma homogeneidadeaparente... E lícito, ao demais, pergunta se, em casos tais, nãovem à baila também um fenômeno de visão telepática daspessoas e do ambiente, o que explicaria suceder que, ãalucinação de ver-se a si mesmo, se junte o fenômenosupranormal da consciência de tudo o que acontece... Aindaoutras explicações podem conceber-se, inclusive a que sedeveria formular pela norma da psicologia clássica, isto é, quequando os fenômenos da visão de si mesmo chegam ao grauextremo alcançado mos episódios referidos, eles são apenassimples criações da imaginação, se bem que involuntárias, ou,por outras palavras, maravilhosas ilusões e nada mais. (Loc. cit.,pág. 196-7) .

Assim se pronunciou o Doutor Osty que, como todos sabem,é um poderoso e genial investigador das faculdadessupranormais subconscientes e que tem contribuído, mais do quequalquer outro, para elucidar o formidável problema daclarividência no passado, no presente e no futuro. Dir-se-ia,entretanto, que, em se tratando de fenômenos de bilocação, elejá não se encontra em campo metapsíquicos de sua competência.

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Noto que começa declarando que quem quer que se ache bemdecidido a não exorbitar dos limites da psicologia clássica serálevado a raciocinar conforme ele raciocina . Esse seu ponto departida, conquanto imprudente e pouco ponderado, pede servir-lhe de atenuante para a invulgar superficialidade dos seusargumentos, todos inteiramente gratuitos, visto que, por umlado, são destituídos de qualquer base experimental que osjustifique e, por outro lado, não levam em consideraçãomúltiplas circunstâncias de produção do fenômeno, o que tornainsustentáveis e absurdos os ditos argumentos. Assim é porexemplo, no que concerne aos fantasmas bilocação no leito demorte e que são vistos simultaneamente ou sucessivamente porvárias pessoas, assim como pelo que toca a outra circunstância, adas descrições pormenorizadas que os videntes fazem dofenômeno que observam, descrições que se verificam idênticasem todos os tempos e no seio de todos os povos : civilizados,bárbaros, selvagens

Isto posta, há-se de reconhecer que, nos limites domisoneísmo que se impôs voluntariamente a si mesmo, ele outracoisa não podia fazer, senão argumentar aèreamente, como ofez, o que não obsta a que um critico lhe observe que, no tocanteaos fenômenos de bilocação, ele raciocina à maneira de umpsicólogo que, tudo ignorando de metapsíquica, emitisse juízosobre os fenômenos telepáticos, classificando-os em massacomo fenômenos alucinatórios. Em tal caso, o Doutor Ostycertamente o declararia em erro, porquanto a metapsíquicademonstra que, a par das visões patológicas de fantasmasinexistentes, há visões verídicas de fantasmas de vivos,denominadas visões telepáticas. Entretanto, quando, a seu turno,o Doutor Osty se mete a discutir sobre os fenômenos debilocação, dos quais nada sabe, comete a não pequenaimprudência de incidir no mesmo erro, olvidando o preceitofundamental de qualquer pesquisa científica, segundo o qual não

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se deve pronunciar juízo sobre uma dada ordem de fenômenos,sem que primeiro se haja posto em prática um laboriosoprocesso de análise comparada, que abranja toda a gradaçãofenomênica em que eles se produzem. Quer isto dizer que, nonosso caso, devera ter começado pelos casos da sensação deintegridade nos amputados, para terminar pelos casosimportantíssimos das visões coletivas e sucessivas dosfantasmas desdobrados dos moribundos. Em face dessascontingências, não teria, de certo, asseverado que os fenômenosem causa são explicáveis, nas suas múltiplas formas, pela teoriaalucinatória.

Noutros termos: o Doutor Osty repete o erro em que caiu oeminente Lavoisier, com relação aos aerólitos, sentenciando:Não há pedras no céu; logo, do céu não podem cair pedras .

Repete o erro em que caiu o eminente filósofo HerbertSpencer, acerca da telepatia, quando disse : Assim como nãopodem existir fantasmas de chapéus e de bengalas, é claro eindubitável que os chamados fantasmas telepáticos são, emmassa, alucinações patológicas.

O Doutor Osty, por sua vez, conclui, em substância, destemodo: Assim como não podem existir fenômenos de bilocação,porque estariam em desacordo com a psicologia clássica, é claroe indubitável que as chamadas visões de si mesmo são, emmassa; alucinações patológicas.

O que, entretanto, é claro e indubitável, para quem quer quenão tenha a mente obnubilada por preconceitos de escola, é quea classificação que publiquei os casos dessa natureza basta parademonstrar, com fundamento nos fatos, que os fenômenos debilocação existem, da mesma forma que no céu existiam pedrase que na Terra aparecem fantasmas telepáticos. Segue-se que oDoutor Osty devera reconhecer que cometeu soleneimprudência, exprimindo-se como o fez, tal qual as duaseminentes personagens mencionadas acima.

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*

Constrangido pelos limites do espaça, citarei um só exemploem que o fantasma desdobrado começa a exercitar as faculdadesde tipo supranormal.

Meu amigo, o engenheiro José Costa, em seu interessantelivro De lá da Vida (pág. 18), narra o seguinte episódio com elepróprio ocorrido:

. . . Era uma noite abafada de um tórrido Junho, em que, eume preparava intensamente para os exames do liceu. Conquantome achasse escudado por indômita vontade de resistir ã fadigaopressiva que me trabalhava a mente, tive que me submeter,completamente extenuado, a uma imperiosa necessidade derepouso e atirei-me desmaiado, mais que adormecido, na cama,sem apagar a lâmpada de petróleo que continuou a arder sobre amesinha de cabeceira. Provavelmente com um movimentobrusco do braço, fiz que entre a cama e a mesinha caísse alâmpada, que não se havendo apagado, começou a desprenderuma fumaça densa, por tempo suficiente a encher o quarto denegra nuvem de gás acre e pesado. A atmosfera se tornava cadavez mais irrespirável e, provavelmente, na manhã seguinte, omeu corpo seria acha do exânime, se não se houvesse produzidosingular fenômeno

Tive a sensação nítida e exata de achar-me, apenas com omeu Eu pensante, no meio do quarto, separado completamentedo corpo, que continuava jazendo sobre a cama. Via, se é queposso dar essa denominação à sensação que eu experimentava,as coisas que me rodeavam como se uma irradiação visualatravessasse as moléculas dos objetos sobre que demorava aminha atenção, como se a matéria se dissolvesse ao contacto domeu pensamento...

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Via o meu corpo perfeitamente reconhecível em todos osdetalhes, no seu perfil, no semblante, mas com os feixes venosose nervosos a vibrarem qual luminoso formigueiro... O quarto seachava na mais completa escuridão, pois que a chama dalâmpada caída não chegava a espalhar luz além da manga devidro enegrecida. Eu, entretanto, via os objetos, ou, melhor, via-lhes os contornos quase fosforescentes a desvanecer-se, aomesmo tempo em que as paredes, logo que sobre umas e outrasse concentrava a minha atenção, deixando-me ver de igualmaneira os objetos dos quartos contíguos. O meu Eu pensantecarecia de peso, ou, antes, não sentia a impressão da força degravidade e não tinha noção de volume ou de massa. Eu já nãoera um corpo, visto que o meu corpo jazia inerte em cima dacama: era como que a expressão tangível de um pensamento, deuma abstração, capaz de transferir-se para qualquer parte daTerra, do mar, do céu, mais rapidamente do que um relâmpago,no instante mesmo em que formulasse esse desejo e, porconseguinte, sem a noção de tempo, nem de espaço.

Se dissesse: eu me sentia livre, leve, etéreo, nemlonginquamente exprimiria a sensação que experimentavanaquele momento de ilimitada liberação. Mas, não era umaimpressão agradável; eu me sentia como que presa de angústiainexprimível, tendo a intuição de que só poderia fugir-lhe,tirando o meu corpo material da situação que o afligia. Quis,portanto, apanhar a lâmpada e abrir a janela; não conseguia,porém, efetuar a ação material que para isso era necessária,como não conseguia mover os membros do meu corpo, que meparecia só poder movimentar-se ao sopro da minha vontadeespiritual. Pensei então em minha mãe, que dormia no quarto aolado. Vi-a perfeitamente através da parede que separava os doisaposentos, a repousar tranqüilamente na sua cama. Mas, o seucorpo, ao contrário do meu, parecia irradiar uma luminosidade,uma fosforescência luminosa. Afigurou não ser preciso nenhum

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esforço para fazê-la aproximar-se do meu corpo. Logo a videscer precipitadamente da cama, correr para a janela e abri-la,como se agisse sob o influxo do último pensamento que euconcebera antes de chamá-la; vi-a sair em seguida do quarto,andar pelo corredor, entrar pela porta do meu aposento eaproximar-se, tateando, do meu corpo, com os olhos fechados.Parece-me que o seu contacto teve a faculdade de fazer que omeu Eu espiritual entrasse novamente no corpo. Achei-medesperto, com a garganta seca, as têmporas a me martelarem, arespiração opressa e o coração como a querer escapar-se-me dopeito.

Posso afirmar ao leitor que, até àquele momento, eu nadalera, nem ouvira falar acerca das teorias espíritas, dosfenômenos de bilocação, dos desdobramentos da alma e docorpo . Eram-me completamente desconhecidas àsexperimentações mediúnicas e as sessões de Espiritismo: posso,portanto, afastar, em absoluto, a idéia de que se tratasse de umfenômeno de sugestão. Tão-pouco podia tratar-se de um sonho,dada a enorme diferença entre as sensações que sobrevivem narecordação das imagens que o sonho desperta e as sensações,extremamente dessemelhante, quanto à impressão queproduzem, experimentadas par mim naquele instante. Comefeito, não se me deparava em tais recordações aquelanebulosidade, aquela indistinta sensação de quimera e derealidade que revestem as impressões do sonho. Antes, eujamais tivera a sensação de existir de modo tão real, como nomomento em que me senti separado do corpo. Interrogada pormim pouco depois do acontecido, minha mãe confirmou queprimeiro abrira a janela do seu quarto, como se ela própria sesentisse sufocada, antes de correr em meu auxílio. Ora, o fato deeu ter visto aquele seu gesto através das paredes, permanecendoinanimado o meu corpo na cama, exclui, sem mais, a hipótese da

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alucinação ou do incubo durante um sono sobrevindo emexcepcionais circunstancias fisiológicas.

Excluídas, portanto, as hipóteses da sugestão, do sonho, daalucinação e do incubo, não me restava outra dedução lógica,senão supor que o meu Eu pensante houvesse agido fora docorpo e que, nessas condições, dotado de faculdadestranscendentais, houvesse podido ver o que estava do outro ladodas paredes e reclamar para o meu corpo a assistência de minhamãe, a fim de que me socorresse. Terei tido, nesse caso, a reaisevidente prova de que minha alma se destacara do corpo durantea sua existência corpórea. Terei tido, em suma, a prova daexistência da alma e também da sua imortalidade, pois que, seera exato que ela se libertara por efeito de circunstanciasespeciais, do invólucro material do corpo agindo e pensandofora deste, com mais forte razão devera achar se pela morte, naplenitude da sua liberdade e livre de qualquer vínculo que aprenda a matéria.

E particularmente interessante este episódio, porquanto oprotagonista, meu amigo, é pessoa muitíssimo culta e, também,verdadeiro homem de ciência, de modo que logrou descreverminuciosamente suas próprias impressões, com rara penetraçãoanalítica, apresentando aos estudiosos um quadro completo ealtamente sugestivo das sensações que experimentou na fase dedesdobramento. Reveste-se de inegável valor metapsíquicoscada um dos períodos por que passou e que descreveu, acomeçar da observação de que a sua visão espiritual penetravaatravés das moléculas dos objetos, como se a matéria sedissolvesse ao contacto do seu pensamento, tornando-lheevidente o que significam as hodiernas descobertas científicasacerca da imaterialidade da matéria .

Notável igualmente o fenômeno de aloscopia, por virtude doqual ele via, à distância, no interior do seu corpo, os feixesnervosos a vibrarem como um formigueiro luminoso . E de

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notar-se também que, tendo visto, através da parede, sua mãe adormir, ele faz ressaltar uma circunstância interessante, a de quedo corpo dela emanava uma fosforescência radiosa, ao passo queo seu corpo não irradiava coisa alguma, evidentemente porque avitalidade e o espírito o haviam momentaneamente abandonado.Importa, finalmente, notar a eficácia sugestiva da sensação, queele experimentou, de estar livre. leve, etéreo, qual a expressãotangível de um pensamento, de uma abstração, capaz detransferir-se para qualquer parte da Terra, do mar, do céu, móisrapidamente do que o relâmpago, por ato da própria vontade .

Doutro ponto de vista cumpre acentuar o fato de haver elechegado a telepatizar o seu próprio pensamento para sua mãe, demaneira a despertá-la e conseguir que viesse em seu socorro,salvando-se assim de uma morte certa .

Observarei, por último, que, neste caso, como em tantosoutros, o que ocorreu leva o protagonista à convicção inabalávelde ter assistido ao fato de a sua alma destacar-se do seu corpo, eo leva a adquirir a certeza da existência e sobrevivência doespírito humano. Essa concordância de opiniões é a tal pontoracional e legítima, que se nos afigura ocioso assinalá-la denovo. Todavia, cumpre insistir nisso, em vista do grande númerodos que negam, de boa fé, a sobrevivência e em vista, sobretudo,da eficácia que adquire a opinião cumulativa daqueles que, porhaverem assistido ao ato de seus espíritos se separarem dosrespectivos corpos, são, no fundo, os únicos competentes parajulgar do fenômeno, o que não se dá com os cientistas que dassuas cátedras sentenciam gratuitamente que se deve considerartudo isso um conjunto de objetivações alucinatórias,determinadas por perturbações da cinestesia.

*

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Sempre atento em não exorbitar da índole deste trabalho,que é fazer uma síntese das minhas pesquisas no campo doAnimismo, deixo de referir casos em que terceiros percebem ofantasma desdobrado, de um vivo adormecido, a perambular emoutros sítios, à guisa dos fantasmas molestadores . Deixo defazê-lo, porque o valor teórico de tais casos ainda se apresentadiscutível, uma vez que eles se podem explicar, mais ou menosverossimilmente, pela hipótese telepática, se bem existam casosem que se verificam particularidades inconciliáveis com essahipótese . Mas, discuti-las nos levaria longe, quando para a teseaqui considerada não se faz mister nos socorramos dos casos detal natureza.

Passo, pois, a citar um de outra categoria, que ë mesmo aque reúne maior número dos de bilocação, sendo também, aomesmo tempo, a mais importante, pois que se constitui dosfenômenos de desdobramento no leito de morte, observados porsensitivos e, freqüentemente, por pessoas que não se podemconsiderar tais. Como já fiz notar, todos descrevem as mesmasfases na produção do fenômeno, embora a maioria dospercipientes nunca se haja ocupado com as pesquisas psíquicas eignore que fatos análogos outros têm observado. Estacircunstância já constitui por si só uma ótima presunção a favorda realidade objetiva dos fenômenos observados, sobretudo seponderar que certas particularidades complexas, assim comodificilmente imagináveis, peculiares à produção dos fenômenosem questão, não poderiam explicar-se pela hipótese dascoincidências fortuitas, apresentando-se estas idênticas centenasde vezes. Acrescente-se, ao demais, que bom número de casosdesse gênero foram observados coletiva e sucessivamente pordiversas pessoas, o que concorre eficazmente para lhesdemonstrar a natureza positivamente objetiva.

Referirei, em primeiro lugar, um caso que figura num grupode outros em os quais o desdobramento é incipiente e

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rudimentar, observado coletiva e sucessivamente por váriaspessoas, circunstância que assume alto valor probante no sentidoda objetividade do fenômeno. Faço notar que são sumamenteinstrutivos os casos dessa ordem, porquanto representam a faseinicial. dos fenômenos de bilocação no leito de morte, pelo qualse assiste à saída de uma substância fluídica, em estado dedifusão, do corpo carnal, substância que, depois de repetidasflutuações, motivadas pela reabsorver parcialmente o organismodurante algum tempo (em correspondência com as flutuações davitalidade no enfermo), acaba por integrar-se, em sobrevindo omomento extremo, num corpo etéreo, vivo e animado .

Decorre daí que os casos apenas incipientes não revestemmenor importância do que os outros em que o desdobramento écompleto, uma vez que aqueles servem para instruir com relaçãoàs fases iniciais da produção do grandioso fenômeno, na horasuprema da libertação do corpo etéreo . Bem se compreendeque, para lhes realçar toda a importância e extrair deles osdevidos ensinamentos, seria necessária analisar e comparar bomnúmero de casos, que aqui não me é possível reproduzir.

O episódio que segue e em que foram oito os percipientespublicou-o a Light (1922, pág. 182) .

Miss Dorothy Monk enviou ao diretor dessa revista, Sr.David Gaw, o seguinte relato do que ocorreu junto ao leito demorte de sua mãe, falecida a 2 de Janeiro daquele ano .

No nosso ambiente familiar, fomos testemunhas deextraordinário fenômeno, junto ao leito de morte da minhaadorada mãe, que faleceu a 2 de Janeiro. O fenômenoimpressionou-nos grandemente a todos,.pelo que peço sobre eleesclarecimentos ã vossa experiência.

Após longa enfermidade, agravada por um ataque deinfluenza gástrica, minha mãe veio a morrer de fraqueza docoração... No seu último dia de vida, mostrou-se em penosaagitação e, à medida que a noite avançava, repetia os nomes de

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seu pai, de sua mãe, de suas três irmãs e também o de um meuirmãozinho, que morrera antes de eu nascer. . . Ficamos a velá-laa noite inteira e éramos oito: meu pai, um irmão e seis irmãs...Ao anoitecer, começamos a divisar brilhantes luzes azuladas avagar pelo quarto, as quais com freqüência se aproximavam daenferma. Víamo-las durante alguns segundos apenas e, quasesempre, éramos duas a vê-Ias. Eu observava atentamente o fatoe, por três vezes em quatro, verifiquei que, quando via uma delasao lado de minha mãe, esta se agitava e tentava falar; mas, jánão se achava em condições de poder fazê-lo. Mais tarde, eu etrês de minhas irmãs percebemos simultaneamente umaluminosidade azul-malva pairando sobre o corpo da doente,luminosidade que se foi intensificando gradualmente até setransformar em brilhante cor purpúrea, tão densa que quaseimpedia se visse o rosto da moribunda. E essa luminosidade aidifundia por todo o leito como névoa purpurina, revelando-semais densa entre as pregas do cobertor. Uma ou duas vezesminha mãe moveu os braços e a luminosidade colorida lheacompanhou o movimento.

Tão maravilhoso nos pareceu o espetáculo, que chamamosas duas irmãs que se achavam ausentes, para verificarmos seelas, a seu turno, observariam o fenômeno. Com efeito, assimfoi. Uma delas viu passar entre duas cadeiras uma colunacinzenta, alta de três pés, e deslizar para baixo do leito. Eu meachava sentada naquele ponto, porém nada vi. No momento,também estava presente uma velha amiga da mamãe, a qualdisse que não via a nebulosidade purpúrea, concluindo dai queos nossos olhos, cansados da longa vigília, necessitavam derepouso. Chamamos a atenção para as brilhantes luminosidadescirculares que então pairavam sobre os travesseiros e eladeclarou que as via, mas ponderou que. provavelmente, eramreflexos do fogo da lareira, ou da chama do gás. Pusemosimediatamente um anteparo contra as duas fontes de luz e os

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círculos permaneceram. Ela então percorreu o quarto virandocontra as paredes os quadros e fotografias emolduradas ecobrindo o espelho, sem que qualquer alteração se produzisse.As luzes continuaram a brilhar. Colocou, finalmente, as mãossobre os círculos luminosos, sem conseguir obscurecer em nada.Feita esta última prova, sentou-se e não pronunciou mais umapalavra. Depois, já noite fechada, as duas irmãs que antestinham visto a coluna acinzentada simultaneamente se voltarampara aquele lado e exclamaram que a viam de novo. Ainda dessavez, eu nada vi. Elas, porém, a tinham visto indubitavelmente,pois que as suas descrições combinavam em todos os pontos. Airmã que primeiro a observara via agora uma grande luz azul, deforma globular, pousada sobre a cabeça da mamãe, porémnenhuma outra das pessoas presentes à via. Acrescentou ela queno interior da dita luz notava uma vibração intensa; depois,anunciou que a luz se tornara vivamente purpúrea; finalmente,que se dissipara.

Pelas sete horas, a enferma, em estado de coma, abriu a bocae, desde esse momento, todos observamos uma nuvem branca aformar-se sobre a sua cabeça, alongando-se até ao espaldar doleito. Saia da cabeça, porém ai condensava mais fortemente dolado oposto da cama. Permanecia suspensa no ar, como densanuvem de fumo branco, parecendo às vezes tão opaca, queimpedia. se visse o espaldar do leito. Entretanto, variavacontinuamente de densidade, chegando a ponto de nãopercebermos o menor movimento naquela nuvenzinha. Estavamcomigo minhas cinco irmãs e todas contemplávamos oextraordinário fenômeno. Chegaram, afinal, meu irmão e meucunhado, os quais, a seu turno, observaram o que estávamosvendo. Uma luminosidade de cor azul listrava o ambiente e dela,de quando em quando, se desprendiam vivas centelhas de luzazulada.

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Observamos que a mandíbula inferior da moribundacontinuara a abrir-se lentamente. Por algumas horas não houvealterações notáveis no fenômeno, exceto á formação de umaauréola de raios luminosos amarelados em torno da cabeça damoribunda. Contamos sete desses raios, cujo comprimentovariava de contínuo, estendendo-se de doze a vinte polegadas.Por volta da meia-noite, tudo se dissipou, conquanto a mamãe sótenha morrido pouco depois das sete da manhã. As seis e umquarto dessa mesma manhã, uma de minhas irmãs, querepousava noutro quarto, ouviu uma voz que lhe sussurrou: Maisuma hora de vida! Mais uma hora! Ela se levantouimpressionada e foi assistir aos últimos instantes da mamãe que,efetivamente, exalou o último suspiro uma hora e dois minutosdepois que minha irmã ouvira a voz premonitória... Rendemosgraças a Deus, por haver permitido observássemos a partida deuma alma, tirando as nossas lagrimas a amargura de um adeuspara sempre.

Assinado: Dorothy Monk.

Não há quem não veja quão importante e sugestivo é oepisódio acima, assim do ponto de vista metapsíquico, como doespiritualista, tanto mais que, pelo lado probante, ele se revelainvulnerável, por ser de data recentíssima, ter sido relatado depronto pelos percipientes e haver ido o diretor do Light, Sr.David Gaw, a casa da relatora para discutir com as testemunhasdos fatos e haver trazido de lá as melhores impressõesrelativamente à capacidade de observação dos oito percipientes,que ainda se encontravam sob a impressão impagável de quepresenciaram a partida de uma alma.

Do ponto de vista das complexas manifestações produzidas,nenhuma dúvida pode subsistir, dado que a fase final dasmesmas manifestações, a mais importante, foi coletivamenteobservada por todos os presentes.

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As outras manifestações, anteriores e variadas, foram, a seuturno, percebidas também coletivamente, conquanto nem semprepor todos, sendo que duas dentre elas resultaram decisivamenteeletivas . Quer isto dizer que as manifestações coletivamenteobservadas eram emanações ectoplásmica, pelo que visíveis aolhos normais, ao passo que a aparição de uma coluna como defumaça acinzentada, perceptível apenas a duas pessoas, e oglobo luminoso, perceptível a uma só pessoa, eram de naturezaqualitativamente diversa e, por conseguinte, perceptíveisunicamente a olhos de sensitivos . Nessa conformidade, dever-se-á inferir que o fenômeno da coluna fumosa, alta de três pés, eo de um globo luminosa a pairar sobre a cabeça da moribundarepresentariam a exteriorização incipiente do corpo etéreo e docorpo mental da enferma, ainda não integrados e fundidos numsó fantasma.

A este propósito, farei notar que nas minhas classificaçõesestão registrados alguns casos em que, no momento da morte, osassistentes viram sair da cabeça do moribundo um globoluminoso que, elevando-se rapidamente, desapareceria atravésdo forro do aposento, sendo por demais sabido que o DoutorBaraduc conseguiu fotografar análoga aparição de um globoluminoso, ao morrer sua própria esposa.

De outro ponto de vista, observarei que as brilhantes luzesazuladas que vagavam pelo quarto e se aproximavam comfreqüência da moribunda, mostrando esta ter consciência delaspelo agitar-se e esforçar-se para fala., eram presumivelmente deorigem exterior. Quer dizer que aquilo que para as sensitivasvidentes eram brilhantes luzes azuladas, para a moribunda eramas formas espirituais de seus parentes defuntos, o que explica acircunstância de estar ela a proferir insistentemente os nomes deseu pai, de sua mãe, de suas irmãs e de um filhinho seu, mortopouca depois de haver nascido, ao mesmo tempo em que sepresta a explicar o outro incidente ocorrido com uma irmã da

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narradora, a qual ouviu uma voz a lhe sussurrar o verídico aviso: Ainda uma hora de vida! Ainda uma hora!

E de notar-se que essa interpretação da verdadeira naturezadas luzes azuladas que vagavam concorda com o que sucedia aWilliam Stainton Moses, para quem, médium que era, aquiloque os experimentadores viam como colunas luminosas adeslocar-se pelo quarto representava as formas espirituais,perfeitamente contornadas, dos seus espíritos-guia.

Restaria abater uma dúvida concernente à fase final dasmanifestações observadas, fase em que a exteriorização fluídica,depois de levar cinco horas seguidas a desenvolver-se,desapareceu instantaneamente, havendo, no entanto, o enfermovivido mais sete horas. Porque seria que o fenômeno não seconservou perceptível até ao instante da morte? - Parece-me quea esse respeito eu poderia reportar-me a tudo quanto pondereianteriormente acerca da probabilidade das manifestações dessanatureza somente serem perceptíveis a olhos normais quando, apar da essência sublimada do corpo etéreo em via deexteriorizar-se, emanem do corpo somático fluidos de ordemfísica (ectoplasma) . Nesse caso, deverá inferir-se que o fato deo fenômeno cessar sete horas antes da morte da enferma seexplica pela suposição de que, com a total emersão do corpoetéreo, cessou a irradiação de fluidos vitais, donde a desapariçãodo fenômeno para olhos normais, embora, plenamenteconstituído e a sobrepairar o corpo somático, o corpo etéreotenha assim permanecido, mas perceptível somente a olhos desensitivos ou de médiuns .

Como quer que seja, as dúvidas relativas às modalidades sobque se produzem os fenômenos de bilocação nada têm decomum com a questão vertente sobre a realidade objetiva dosmesmos fenômenos. Desde que se classifiquem, analisem,comparem todas as várias modalidades sob que se operam osfenômenos em apreço, a começar do fenômeno eloquentíssimo

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das sensações de integridade nos amputados, para terminar noscasos dos videntes que presenciam a reintegração e odesaparecimento de um corpo etéreo perfeito, vitalizado eanimado; assistido, ao demais, por entidades de defuntos queaparentemente intervêm para esse fim, junto ao leito dosmoribundos: desde que - digo - se tenha a agudeza cientifica dejulgar, baseado no conjunto dos fatos, as dúvidas que restemperdem todo valor teórico, em sentido neutralizante, pelo que seé levado a deduzir, com. o apoio dos fatos, que já se conhece obastante, com referência aos fenômenos de bilocação, para sepoder concluir, sem receio de errar, que eles são, por si sós,suficientes a demonstrar experimentalmente a existência e . asobrevivência do espírito humano .

Nessas condições, o caso acima considerado é de molde aoferecer matéria para reflexões profundas, não só aos cultoresdas pesquisas psíquicas, como também aos psicólogos, aosfisiólogos e aos filósofos. Em verdade, quem quer que leia orelato do episódio que estamos apreciando e possua cultura noassunto e senso filosófico bastante para haver sentido algumavez a imperiosa necessidade de meditar sobre o mistério do ser,não poderá deixar de deter-se a refletir acerca do raio de luz queos fenômenos aqui apreciados -projetam sabre às trevas queenvolvem o destino humano. Em suma, quem quer que possuaum intelecto imune de preconceitos de escola não poderá deixarde reconhecer que tem diante de si fatos verificados, queprometem fornecer-nos, em futuro não distante, a chave quepermita se decifre o grande enigma. Dia virá em que todos ocompreenderão e nesse dia terá começo um novo ciclo gloriosopara a evolução social, moral e espiritual do gênero humano.

*

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Baseado em tudo quanto aduzi com relação ao caso que vemde ser exposto, em que todas as pessoas presentes perceberamcoletivamente as fases finais de um fenômeno de bilocaçãoincipiente, coisa que é de presumir-se, porquanto, o processo deexteriorização do corpo etéreo foi acompanhado de emissões defluidos vitais perceptíveis a olhos normais, é de inferir-se que háde ser extremamente raro o perceber-se, de modo coletivo, ocorpo etéreo plenamente constituído, vivo, animado e, também,depurado de qualquer emanação ectoplásmatica. Assim é comefeito. Nas minhas classificações apenas se encontram quatrocasos desse gênero, observados simultaneamente por duas outrês pessoas ; mas, ai, dado o exíguo número dos percipientes,poder-se-ia presumir que todos eram sensitivos . Ao demais, sãocasos esses dos quais prefiro não me valer para este trabalho desíntese, por se tratar de narrações feitas com insuficiência dedados .

Decido-me, pois, a referir um em que houve percepçãocoletiva de um fenômeno de bilocação ocorrido alguns diasantes da morte do enfermo. Trata-se ainda de um fenômeno dedesdobramento espontâneo e transitório de pessoa viva e não daemissão final dessas emanações vitalizantes do organismohumano, que concorrem para a exteriorização permanente docorpo etéreo.

Há uma diferença entre as duas ordens de fenômenos,porém, no fundo, essa diferença é mais teórica do que prática.

Este caso tiro-o dos Annales des Sciences Psychiques (1891,pág. 193-203) . E um episódio que nada deixa a desejar do pontode vista da documentação. Foram três os percipientes e cada umfez o seu relato em separado dos outros. Limito-me a reproduziro do principal dentre eles, o doutor em medicina Isnard, amigopessoal do Doutor Dariex, diretor daquela revista. É-lo:

Corria o ano de 1878 e eu morava em companhia de minhamãe e de duas irmãs, â rua Jacob, 28.

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Gravemente enferma, minha mãe se achava de cama, haviaquatro meses. Na noite de 9 de Maio, sentindo-se um tantomelhor, manifestou o desejo de assistir, da cama, â ceia dafamília. Chegou um amigo - o senhor Menon - que aceitou oconvite para cear conosco...

O tempo estava brumoso e absolutamente calmo aatmosfera. Sentamo-nos a mesa por volta das 21,30 horas, aconversar sobre os assuntos do dia, com ânimo isento dequalquer, preocupação, tanto mais quanto nossa mãe disserasentir-se bem. Afinal, como, ao que parece, a nossa conversaçãoanimada a estivesse fatigando, pediu fechássemos a porta, poisdesejava repousar. Encostamos as duas folhas da porta econtinuamos a conversar em voz baixa.

De súbito, a porta do corredor se abriu, ao mesmo tempo emque as duas folhas da porta do quarto de minha mãe bateramcom estrondo uma contra a outra, para em seguida escancarar-se, fazendo-se então ouvir o lamentoso uivar de um ventoinexistente. Fiquei estupefato: um golpe de vento com todas asjanelas fechadas? Como explicar isso? Olhei para o aposento deminha mãe e dei com um fantasma â sua entrada, enquadradonas cortinas que guarneciam a porta. Era à sombra de umamulher baixa, curvada, com a cabeça pendida, o braço cruzadono peito. Um como véu cinzento e espesso lhe cobria o rosto.Dir-se-ia uma monja. Avançou lentamente pela sala, deslizandosobre o assoalho e conservando sempre a mesma atitude. Não selhe podia, porém, distinguir o semblante. Passou a meu lado,dirigindo-se para a outra porta e penetrou no corredor, em cujapenumbra desapareceu. Outro golpe de vento se produziu,fechando ambas as portas. Breve tempo durara o fenômeno.

O que então experimentei não foi medo, mas uma sensaçãode solene perplexidade, partilhada pelos demais. Os três viram omesmo fantasma, mas ninguém ousava abrir a boca. Minhairmã parecia muito impressionada e o amigo Menon voltou-se

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para ela e disse: Não é nada; acalme-se. Foi um jogo desombras. - Minha irmã murmurou : Conheci uma família russa,cujos membros afirmavam que, quando uma sombra saiu doquarto de um enfermo, este morrerá no mesmo dia, ou dentro debrevíssimo tempo.

E, acabando de dizer isso, levantou-se e correu à cabeceirada minha mãe. Eu e meu amigo permanecemos pálidos nosnossos lugares.

Minha irmã mais moça. estava, no momento, em outra parteda casa. Ao voltar, contei-lhe o que ocorrera. Ficou fortementeimpressionada.

Meu amigo levantou-se para se retirar e eu o acompanhei.Voltando pouco depois, encontrei minhas irmãs â cabeceira denossa mãe. Disseram-me que ela tivera uma crise de sofrimentoe, de fato, achei-a muito abatida, fraquíssima, mal podendoresponder com voz sumida as minhas perguntas.

O que até hoje me espanta é o fato de que nós três, quetínhamos visto, evitávamos falar do que víramos, se bemtrouxéssemos a mente obsidiada pelo que se passara. Foram dosmais tristes os dias que se seguiram, agravando-se sempre ascondições da enferma.

Transcorrida uma semana, estava eu só com minha mãe, quese levantara da cama para sentar-se numa poltrona em a sala dejantar. Minhas irmãs tinham saído.. : Minha mãe se ergueu e fuitomado de espanto ao ver-lhe a atitude. Era a reprodução exatada do fantasma que observáramos: baixa, curvada, cabeçapendida, avançou lentamente para a porta do corredor. Um chalélhe cobria os ombros e a cabeça; não ai lhe percebia o rasto ètinha os braços cruzados no peito. A 26 de Janeiro, pelas 9 1/2horas, morria.

Estes os fatos, de cuja explicação me abstenho.(Assinado) : Dr. M. Isnacrd. - Boulevard Arago, 15.

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Seguem-se os dois outros relatos, ambos muitointeressantes, porém extremamente longos para serem aquireproduzidos . Cingir-me-ei, pois, a transcrever os trechos quese referem á aparição do fantasma desdobrado da enferma.

Escreveu a irmã mais velha:. . . A porta do corredor, fechada apenas com o trinco, ai

escancarou violentamente, ao mesmo tempo em que as duasfolhas da porta envidraçada do quarto de minha mãe bateramcom estrondo. Surpreendida com aquele golpe de vento, estandoa atmosfera absolutamente calma, olhei para a porta que bateracom imenso espanto, vi no limiar uma sombra de mulher que,destacando-se das cortinas, deslizava sem pressa em direção aocorredor. A principio, eu a vi imprecisamente, depois com muitanitidez, quando se aproximou da parede. Chegada ao ânguloformado naquele ponto pelas paredes, avançou pela sala,dirigindo-se sempre para o corredor. Aí a figura se lhe tornounítida sobre o fundo branco da porta aberta e eu a vi de maneiraprecisa e distinta. Era o fantasma de uma mulher, maissubstancial do que transparente; porém, ao mesmo tempo, mepareceu diáfana, como as vezes se dá com as nuvens. Era depequena estatura, curvada, trazia abaixada a cabeça e os braçoscruzados sobre o peito. Do conjunto da sua atitude transpiravaum não sei quê de recolhimento e resignação. Cobria-lhe acabeça e os ombros uma espécie de véu acinzentado, queimpedia se lhe divisasse o semblante. Dir-se-ia uma monja.Entrou no corredor, avançou e desapareceu na obscuridade.Segundo golpe de vento, menos violento do que o primeiro,fechou a porta atrás do fantasma, ao mesmo tempo em que aoutra, a do quarto de minha mãe, se fechou sem rumor. . .

O Senhor Menon Cornuet escreveu:. . . Vi uma sombra deslizar da porta do quarto onde jazia a

enferma para a outra porta que comunicava a sala com o resto doapartamento. Ela atravessou assim um ângulo do aposento. Era à

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sombra de uma mulher, de estatura mais baixa do que a normal;levava denso véu sobre o rosto, à moda de certas ordens demonjas, a cabeça abaixada... Pareceu-me que se tornava menosdistinta a medida que avançava e, quando chegou ao limiar daoutra porta, desapareceu. Dir-se-ia ter-se sumido pelo assoalho,Nesse instante, as duas portas, que se tinham aberto brusca esimultaneamente para dar passagem ao fantasma, fecharam-sede novo, brusca, e simultaneamente, mal o fantasmadesaparecera, produzindo rumor bastante forte...

Nos seus comentários, o Doutor Dariex procede à análisepenetrante dos três relatos feitos pelos percipientes e concluinestes termos:

Insisto sobre este ponto, isto é, que a ligeira diversidade nomodo por que as três testemunhas viram o fantasma correspondeàs posições que elas ocupavam com relação ao trajeto queaquele percorreu, porquanto esse fato depõe a favor daobjetividade do mesmo fantasma.

Seja como for, não ouso concluir que este fosseefetivamente objetivo e que os três percipientes tenham visto oduplo fluídico da enferma. Todavia, entendo que devo assinalarà meditação dos competentes as seguintes proposições:

1.° - Um fenômeno tão imprevisto quão singular foiobservado simultaneamente, de maneira idêntica, ecomplementar, por trás pessoas presentes, que tiveram a atençãochamada para a dito fenômeno por uma rajada de ventoinexistente.

2.° - Logo depois, a senhorita Isnard correu ao leito daenferma e a encontrou mergulhada em profundo sono.

3.° - O fantasma visto se assemelhava à enferma e lhereproduzia a atitude e o andar:

4.° - Logo depois, a enferma se sentiu muito mal; suascondições se agravaram progressivamente e ela morreu passadosalguns dias.

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5.° - E impossível que uma sombra projetada por qualquerluminosidade exterior houvesse podido percorrer o caminho queo fantasma seguiu.

6.° - A rajada de vento, que chamou a atenção dOspresentes, fazendo se, abrisse a porta por onde devia o fantasmapassar, produziu-se com tempo calmo e estando fechadas todasas janelas. Por outro lado, as testemunhas verificaram que o arnão se achava agitado, quando ouviram o uivo lamentoso de umvento que não existia...

Assim o Doutor Dariex; e a mim me parece que, em facedos argumentos eruditos e ponderados de um metapsiquistacircunspeto qual ele era, se deve considerar demonstrado tratar-se, com efeito, do desdobramento do corpo etéreo da enferma, oqual se tornou perceptível a olhos normais, porque saturado desubstância ectoplásmica. A este respeito cumpre se atenda àcircunstância muito sugestiva de escancararem-seespontaneamente as duas portas, antes da passagem do fantasma,para depois se fecharem de novo, também espontaneamente, malse dissipou o fenômeno. Foi como se tal se desse a fim depermitir a passagem de um fantasma por demais substanciosopara poder passar através da madeira das portas, como deordinário sucede nos casos de aparições puramente fluídicas .

Noto ainda que o fato de as portas se escancararemsubentende uma intencionalidade a dirigir a manifestação, aomesmo tempo em que a forma que a aparição tomou e a atitudeque assumiu, uma e outra reproduzindo exatamente a forma e aatitude cora que, alguns dias depois, a enferma se apresentaria aseu filho, confere à manifestação o valor de premonição demorte daquela. Assim sendo, também ganha um significado acircunstância de o fantasma ter aparecido coberto por um véu,como se quisesse evitar que os filhos se impressionassemexcessivamente com o acontecimento de morte que lhessobrepairava, desejando apenas .predispô-los para esse

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acontecimento, com o lhes suscitar um estado de benéficotemor, a fim de lhes atenuar as dolorosas conseqüências, o que,como é sabido, constitui uma característica comum a grandeparte das premonições de morte.

Aqui, no entanto, surge a formidável interrogação Se éverdade - como indubitavelmente é - que todas asparticularidades com que se desenrolou o caso em apreçoconcorrem para fazer se presuma uma intencionalidade a dirigira manifestação verificada, então a quem se lhe há de atribuir agênese? A subconsciência da enferma? A intervenção dosdefuntos? Quem o sabe!

Finalmente, quanto ao aparecer vestido o fantasma,ponderarei que esta circunstância não deve embaraçar o critériodo leitor, pois é o que se dá nas experiências de fotografia dopensamento, em as quais aparece na chapa fotográfica o objetoem que intensamente pensa. o experimentador. Muitas vezes,nem mesmo é preciso que este último alimente o propósito deimpressionar a chapa com o seu pensamento, dado se trato dealguma coisa que seja habitual na existência cotidiana dosensitivo que posa diante do aparelho e que essa alguma coisaexista - por assim dizer - presente no limiar da consciência domencionado sensitivo . Assim, por exemplo, na minhamonografia Pensamento e Vontade, forças plasmadoras eorganizadoras, refiro o caso clássico da senhorita Scatcherd que,solicitada pelo reverendo arcediácono Colley a deixar-sefotografar, consentiu de bom grado; mas, no momento de posarlembrando-se de que estava em trajes caseiros, pensou que seriamais conveniente achar-se com uma sua elegante blusa ornadade rendas. Pois bem: na fotografia apareceu a sombra da referidablusa, sobreposta à que ela efetivamente vestia. Aquelereverendo publicou essa fotografia na revista Light (1913, pág.350), onde se vê muito distintamente o desenho diáfano da blusanão vestida.

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Cumpre, portanto, não esquecer que o pensamento é umaforça modeladora e organizadora, o que explica o fenômeno,aparentemente embaraçoso, de aparecerem sempre vestidos osfantasmas dos vivos e dos defuntos, ou envoltos em mantosbrancos . Dá-se isso pelo simples fato de eles pensarem em sicom vestes.

*

Os casos de bilocação aqui expostos, em que o fantasma épercebido coletiva e sucessivamente, demonstram de maneiraincontestável que, em tese geral, se tem de excluir; com relaçãoa eles, a explicação alucinatória. Digo - em tese geral - porqueninguém contesta que podem dar-se casos presumidamente domesmo gênero, mas que são simples alucinações nascidas emindivíduos predispostos, casos esses que, todavia, serão semprede ordem individual, jamais de ordem coletiva. Lembro que osprofessores Carlos Richet e Henrique Morselli, ambosfisiologistas e, psiquiatras de fama mundial, declararamexplicitamente nas suas obras que não existem exemplos dealucinações coletivas, determinadas por um fenômeno detransmissão do pensamento, da parte de um indivíduo alucinado,enquanto que, ao contrário, se dão às vezes alucinações coletivaspor sugestão verbal (o que é infinitamente diverso), conformeocorre entre os loucos fanatizados por contágio místico. E équanto basta.

Tendo, pois, demonstrado convenientemente a minha tese,quer com exemplos de ordem coletiva, quer com as provascumulativas ressaltantes das concordâncias que existem entre asvárias modalidades sob que se produzem os fenômenos em foco,passo a referir alguns casos que, pela sua natureza, não sãocomprováveis, visto que se trata de manifestações no leito demorte observadas e descritas por um único vidente. Como já

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assinalei, os casos de visão do corpo etéreo liberto do corpocarnal e pronto a ascender às esferas espirituais equivalem àsvisões congêneres de espíritos desencarnados propriamente ditose são, conseguintemente, reservados a olhos sensitivos ou demédiuns, donde se segue serem raríssimos, nesse gênero, oscasos de ordem coletiva-. Entretanto, mesmo quando observadospor um só vidente, eles se mostram merecedores de estudo, dadoque são comprovados por ótimas provas indiretas, quais asvisões sucessivas e coletivas de casos análogos, mas de ordemincipiente, ou a impressionante concordância entre as descriçõesdos videntes em questão e as dos percipientes em todos osoutros grupos de manifestações congêneres, como as que seproduzem pouco antes da morte, ou no sono fisiológico,hipnótico, mediúnico, . ou nos outros estados transitórios dediminuição vital, especialmente nos de delíquio e narcose. São,todas estas, provas indiretas que, na monografia que aquiresumo, foram por mim aduzidas em adequada proporção.

Explicado isso, entro a referir alguns casos desta últimainteressante categoria de manifestações, que também são maisou menos freqüentes. Assim, quem quer que se decida a lhesaplicar os processos da análise comparada encontrará à suadisposição abundante material de estudo, donde ressalta umaderradeira e eloqüente prova indireta para a demonstração daexistência objetiva das aludidas manifestações.

*

No episódio que segue, um sensitivo de primeiríssimoquilate assiste à .progressiva, mas muitas vezes intermitente eregressiva emissão da essência espiritual constitutiva do corpoetéreo, até à total formação deste, percebendo ao mesmo tempoa presença de entidades de defuntos, vindos para acolher orecém-chegado ao plano espiritual.

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O relator-percipiente foi o Rev. William Stainton Moses e afenômeno se deu junto ao leito de morte de seu pai. O relato eleo publicou imediatamente na revista Light (9 de Julho de 1887),da qual era então diretor. Escreveu:

Recentemente e pela primeira vez na minha vida, tiveocasião de estudar os processos de transição do Espírito. Tantascoisas aprendi dessa ocorrência, que julgo ser útil aos outros,narrando quanto vi... Tratava-se de um próximo parente, velhode quase oitenta anos, que se avizinhava do túmulo, semcontudo ser para aí levado por qualquer enfermidade especial.. .Percebi, por certos sintomas aparentemente insignificantes, quevinha próximo o seu fim e cuidei de cumprir para com ele o meuúltimo e triste dever. . .

Com auxilio dos sentidos espirituais que possuo, pude verque em torno e acima do seu corpo se ia acumulando a auraluminosa com que o Espírito tem de formar para si um corpoespiritual. Verifiquei que ela aumentava gradativamente devolume e densidade, se bem sujeita a variações continuas paramais ou para menos, conforme as oscilações que a vitalidade domoribundo experimentava. Dessa maneira, foi-me dado notarque, às vezes, um alimento leve que ele ingeria, ou um influxomagnético provindo da pessoa que se lhe aproximava tinham porefeito reanimar momentaneamente aquele corpo, fazendo voltara ele o Espírito. Conseguintemente, aquela aura parecia emcontínua função de fluxo e refluxo. Assistia esse processodurante doze dias e doze noites e, se bem já no sétimo dia ocorpo dessas amostras positivas de iminente dissolução, persistiaimutável a maravilhosa flutuação da vitalidade espiritual, em viade exteriorização. Entretanto, mudara a coloração da aura que,além disso, ia assumindo formas cada vez mais definidas, âmedida que aí aproximava, para o Espírito, o momento dalibertação. Somente vinte quatro horas antes da morte, quando jáo corpo jazia. inerte, com as mãos entrelaçadas sobre o peito,

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notei o aparecimento de Espíritos guardiões, que ai acercaramdo moribundo e, sem nenhum esforço, retiraram daquele corpoexausto o Espírito.

Nesse instante, as pessoas da família declararam que oreferido corpo estava morto. Talvez assim fosse; de fato, o pulsoe o coração nenhum sinal davam de vida,, nem o espelho seembasava com o hálito . Contudo, os cordões magnéticos aindaretinham preso ao corpo o Espírito e se conservaram assim por38 horas. Acho que se, nesse período, ai realizassem condiçõesfavoráveis e sobre o cadáver houvesse atuado uma vontadepotente, o Espírito seria, chamado de novo ao corpo. Não terásido nessas circunstâncias que se deu a ressurreição deLázaro?... Quando, finalmente, os cordões fluídicos seromperam, o semblante do defunto, onde ai lia os sofrimentosexperimentados, se tornou completamente sereno e tomou umaexpressão inefável de paz e repouso.

Este caso é interessante sobretudo porque dá conta de todasas fases do processo pelo qual o corpo etéreo se desdobra docarpo carnal, até à sua perfeita formação, e da visão sucessiva deentidades de defuntos, vindas para assistir o Espírito recém-nato.

Notável a circunstância de os cordões magnéticos manteremo corpo etéreo ligado ao corpo somático por 38 horas depois deocorrida a morte do enfermo, circunstância bem rara nasdescrições dos videntes, que; quase sempre, observam adissipação do cordão fluídico, mal se verifica o traspasse . Nospoucos casos por mim colecionados, em que o vínculomagnético perdurara mais ou menos tempo, um se destaca,ocorrido num país tropical (Ilha de Cuba), em que o videnteobservou a persistência do cordão fluídico durante quase trêsdias, pelo que concitou os parentes à não enterrarem osdespojos, que se conservaram incorruptos ate quando o sensitivo

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viu dissipar-se o aludido cordão, momento em que rapidamentese manifestou a decomposição dos mencionados despojos.

Passo a referir outros dois casos do mesmo gênero,extraindo-os de um livrinho áureo intitulado: The Ministry ofAngel, cuja autora é a Senhora Joy Snell, sensitiva de educaçãoe cultura muito elevadas, que um revés da fortuna constrangeu aganhar a vida exercendo a profissão de nurse. Pois bem: éaltamente sugestivo o fato de que essa sensitiva teve deobservar, durante um vintênio, ao fenômeno da exteriorizaçãodo corpo etéreo no leito de morte dos numerosíssimos enfermospor ela assistidos, fenômeno que se combinava sempre com avisão de Espíritos de defuntos que acorriam a amparar, na horaextrema, os seus parentes ou amigos .

O caso de Joy Snell é tão importante pelas suasconseqüências teóricas, que considero necessário reproduzir aspalavras do professor Haraldur Niellson, que conheceupessoalmente a Autora. Escreveu ele:

Um dos mais belos livros que tenho lido foi escrito por umadistinta senhora inglesa, clarividente, e traz por titulo TheMinistry Ange. Chama-se Joy Snell essa senhora e foiclarividente desde a primeira infância, sem jamais haver feitoprofissão de médium... Não me contentei de ler o seu livro; fuiprocurá-la em Londres e o conhece-la foi para mim uma fontede grande conforto de verdadeira felicidade espiritual. Se euhouvesse de designar as duas pessoas que, dentre nós, considerodignas de ser chamadas apóstolos de Jesus, não hesitaria emindicar a Senhora Toy Snell e o Rev. Vale Owen. Em toda aminha vida jamais me aconteceu encontrar-me com doisverdadeiros discípulos do Cristo, qual esse são. Nunca me,sucedeu estar em contacto com uma norma de vida tãoexemplar, tão simples, com tanta capacidade de amar a tudo oque vive sobre a Terra. A amizade deles é o que a vida meofereceu de mais excelente. (Professor Haraldur Niellson,

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Minhas Experiências Pessoais em Espiritismo Experimental,pág. 16?) .

Dito isto, passo a referir o primeiro caso tirado desse livro,caso de que consta a primeira manifestação do gênero, que aSenhora Joy Snell teve de presenciar junto ao leito de morte deuma sua grande amiga, fato que se deu alguns anos antes de elase dedicar à profissão de enfermeira, pois que, como observou oprofessor Niellson, aquela senhora era uma clarividente nata. Eiso caso por ela descrito:

Uma noite, despertei, sobressaltada, de um sono profundo,dando com o quarto iluminado, embora não houvesse luzes evendo a meu lado o fantasma da minha dileta amiga Maggie,que assim me falou : Tenho um segredo a te comunicar. Sei queme reatam poucos dias de vida. Desejo fiques comigo até aomeu último instante e que confortes minha mãe depois da minhapartida. - Antes que eu me houvesse refeito inteiramente domedo e do espanto que me assaltaram à vista do fantasma, esteevanesceu e a luz se foi apagando lentamente.

Passada uma semana, mandaram chamar-me de parte dafamília da minha amiga. Encontrei Maggie atacada de umresfriamento sem febre, nada havendo de causar preocupaçõesno seu estado. E a enferma bem longe estava de terpressentimentos de morte. Parecia evidente que ela nenhumalembrança guardava da visita que me fizera em espírito. E esteum mistério que não sei explicar, tanto mais que no curso deminha vida tive numerosas aparições de vivos, que me falaram eaos quais falei, tendo sempre de reconhecer que eles nãoconservavam lembrança de se terem comunicado comigo.

Achava-me em casa de maggie havia três ou quatro dias,quando uma tarde ela foi tomada improvisamente de umatremenda crise e expirou nos meus braços, antes que o doutorhouvesse chegado.

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Era o primeiro caso de morte a que eu assistia.. Mal o seucoração deixou de bater, vi distintamente uma qualquer coisa,semelhante ao vapor que se desprende de uma panela emebulição, elevar-se-lhe do corpo, pairar a curta distancia deste econdensar-se numa forma em tudo idêntica à da minha amiga.Essa forma, de contornos, a princípio, imprecisos, se foigradativamente delineando, até tornar-se perfeitamente distinta.Envolvia-a uma espécie de cândido véu com reflexos de pérolase de sob o qual ressaltavam claramente as formas. O semblanteera o da minha amiga, mas glorificado e sem vestígios dosespasmos que a tinham torturado na agonia.

Quando, mais tarde, me fiz enfermeira, vocação em queperseverei por vinte anos, assisti a numerosas ocorrências demorte e, imediatamente após o trespasse, observei sempre acondensação da forma etérea por sobre o cadáver, forma sempreidêntica à da humana e que, mal se havia condensado, medesaparecia da vista. (Ob. cit., págs. 15-16).

No caso exposto, é notável o fato de ter sido o fenômeno debilocação no leito de morte precedido de outro fenômeno debilocação durante o sono . Não creio se possa sustentar que nesteúltimo caso houvera um fenômeno de aparição telepática, vistoque aquela que se manifestou dirigiu a palavra à amigapercipiente, predizendo-lhe sua própria morte iminente, compedido de assisti-la na hora do trespasse.

Passando a citar um segundo caso tirado do mesmo livro,notarei que nos vários episódios desse gênero, que ali sesucedem, a autora não se alonga em descrever os fenômenos dedesdobramento fluídico que observou e que se lhe tornaram detal sorte familiares, que não mais lhe pareciam maravilhosos.Limita-se a indicá-los rapidamente. Só as aparições dos defuntosjunto ao leito ai morte a interessam sempre. E o que se evidenciado seguinte exemplo.

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Achava-me junto ao leito em que morria a senhorita I . ,graciosa jovem de dezessete anos, muito minha amiga.Extinguia-se por consumação e sem sofrimento; mas, o extremolangor do corpo a tornava exausta até mesmo moralmente edesejosa do eterno repouso.

Quando lhe soou a hora suprema, vi que duas formasespirituais lhe estavam aos lados, uma à direita do leito, àesquerda a outra. Não me apercebera da entrada dessas formas..Quando se me tornaram visíveis, já estavam junto à moribunda;mas, eu as via tão distintamente, quando via as pessoas vivas.Dei àquelas radiosas entidades o nome de anjos e daqui pordiante assim lhes chamarei. Reconheci de pronto nelas duasjovens que, em vida, foram as melhores amigas da enferma etinham falecido havia um ano, ambas da mesma idade da queentão morria.

Um momento antes de aparecerem, esta última exclamara:Escureceu repentinamente, já não vejo mais nada. - Nãoobstante, viu e reconheceram lago os anjinhos amigos. Umsorriso de suprema alegria lhe iluminou o rosto e, estendendo-lhes as mãos, exclamou jubilosamente: Viestes buscar-me? Issome faz felicíssima, pois me sinto cansada.

A agonizante estendia as mãos aos dois anjos e estes faziamo mesmo: um lhe segurava a direita, o outro à esquerda.Iluminava-lhes o semblante um sorriso ainda mais doce do que oque se irradiava do rosto da moribunda, exultante de em breveencontrar o repouso por que anelava. Não mais falou, porém,durante cerca de um minuto conservou os braços erguidos, comas mãos nas das duas amigas defuntas, sem deixar um sómomento de contemplar com uma expressão de infinito júbilo.Em dado instante, as amigas lhe soltaram as mãos, que recaírampesadamente sobre o leito. A moribunda soltou um suspiro,como se dispusesse a dormir e, após breves momentos, seuEspírito se retirava para sempre do corpo, que, entretanto,

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conservou impresso o doce sorriso que lhe iluminava afisionomia, quando ela dera com as duas amigas defuntas a seulado. Estas ainda lhe permaneceram à cabeceira pelo temponecessário a que o seu corpo etéreo se reconstituísse acima docorpo inanimado. Feito isso, tomaram consigo o Espírito recémnato, que se assemelhava as duas, de sorte a me ser dado ver noquarto três anjos em vez de dois. Logo se elevaram, dissipando-se . ( Ob .cit . , págs . 17-39 ) .

*

Ponho aqui termo à citação de exemplos destinados ailustrar as gradações com que se produzem os fenômenos debilocação, depois de haver referido casos pertencentes às cincocategorias em que, na minha monografia sobre eles, taisfenômenos se subdividem.

O resumo de um longo trabalho analítico sempre se revestede especial utilidade prática, porquanto condensa em pequenoespaço a substância melhor de um laborioso esforço de análisecomparada, evidenciando de modo eficaz as gradações queconduziram o autor às conclusões propugnadas.

Espero, pois, que todas as que decorrem deste resumo hajamconvencido os leitores da realidade objetiva dos fenômenos debilocação. Se assim for, terei alcançado o escopo que mepropusera, visto que, de acordo sobre esse ponto, asconseqüências teóricas que daí promanam levam diretamente,necessariamente a estabelecer-se o postulado da existência e dasobrevivência do espírito humano.

Assim sendo, só me restam reforçar ulteriormente asconclusões tiradas, citando, a propósito, as opiniões doscompetentes e sintetizando o que acabo de expor.

Acentuo, portanto, que os processos de análise comparadame fizeram chegar a conclusões que concordam admiravelmente

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com as a que chegou o muito conhecido metapsiquista norte-americano Hereward Carrington que, na introdução aointeressante livro de Sylvan Muldoon, The Projection of theAstral Body, assim se exprime:

Pode afirmar-se, com grande certeza de não errar, que asprovas da existência de alguma coisa de análogo ao corpo astralse foram constantemente acumulando, dor efeito das modernaspesquisas, e que essas provas já são robustíssimas. E quasesupérfluo acentuar que, se tais provas fossem tidas porsuficientes, com elas se chegaria a explicar grande número defenômenos supranormais, inexplicáveis de outra maneira, quais,por exemplo, os de casas assombradas, de aparições defantasmas vistos coletiva ou sucessivamente por várias pessoas,de fotografias transcendentais, de clarividência em geral, etc. -Se, depois, se admitisse a presunção clara de que o corpo astralé, em dadas circunstancia, capaz de mover ou modificar amatéria, também se explicariam as pancadas mediúnicas, atelemnesia, os fenômenos de poltergeist e outros fenômenosfísicos de natureza análoga. Enfim, uma vez reconhecida àexistência de um corpo astral exteriorizável, um facho de luzreveladora se projetaria sobre as manifestações metapsíquica,tanto físicas, como pesquisas. (Ob. cit., p. XIX-XX) .

Forçoso é convir em que essas considerações se mostram tãoevidentes, que nenhum metapsiquista poderia pensar emcontestar pois valem quase por demonstração da necessidadeteórica de admitir-se como postulado a existência de um corpoastral no homem, se quiser interpretar grande parte dosfenômenos supranormais. Isto posta, apresso-me a reconhecerque aos homens de ciência, por isso mesmo que lhes cabe nãopequena responsabilidade, correspondente à autoridade de quegozam como representantes oficiais dos conhecimentosadquiridos por meio da pesquisa experimental, também lhescorre o dever de procederem com extrema cautela, antes -de se

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pronunciarem definitivamente sobre a natureza de manifestaçõessupranormais, que subverteriam a orientação dominante nocampo científico . Esta circunstância faz que um homem deciência, embora pessoalmente convencido da gênese presumívelde certa ordem de fenômenos metapsíquicos, se abstenhaprudentemente de declará-lo, quando sobre isso discuteoficialmente .

Aqui, porém, se apresenta a questão: Que se faz necessário,a fim de reconhecer-se oficialmente, como admitidos pelaciência, também os fenômenos de bilocação ? - Apenas isto: quea realidade dos fenômenos de desdobramento do corpo etéreoseja demonstrada por meio de provas experimentais, de certomodo tangíveis . Ora, múltiplos são os métodos experimentaispara chegar-se a esse objetivo, quase todos já utilizados, se bemque por processos científicos freqüentemente falhos. Todavia,entre as provas experimentais já conseguidas, algumas secontam merecedoras de atenção e que levam a bem augurar dofuturo de tais pesquisas. Assim, por exemplo, já se obtiveramfotografias de duplos, entre as quais são notáveis as conseguidaspelo capitão Volpi, na Itália, pelos professores Istrati e Hasden,na Rumânia, pelo Rev. William Stainton Moses, em Londres,pelo coronel De Rochas e por Durville, em Paris, comoigualmente já se obtiveram fotografias de emanações mais oumenos fantasmáticas no leito de morte, pelo Doutor Baraduc,que teve bastante fortaleza de ânimo para realizar, ele próprio, otrabalho de fotografar sua mulher e seu filho ao morrerem.Devem ainda mencionarem-se os fenômenos de desdobramentoque os citados De Rochas e Durville conseguiram, por meio dohipnotismo,. havendo mesmo, o segundo, chegado a obter afluorescência de um papel recoberto de certa substância,colocando-o no ponto do espaço onde a sonâmbula localizava oduplo de outra pessoa que jazia à distância, para esse fim, emestado hipnótico. Citam-se, além disso, casos de duplos que

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chegaram a manifestar sua presença provocando efeitos físicos,sendo que, com a Eusápia Paladino, se obtiveram, a distância - eaqui o fato é indubitável -, impressões da sua figuraexteriorizada, o que equivale á dizer: do seu corpo etéreodesdobrado e materializada. Não se podendo alimentar dúvidasquanto à autenticidade destes últimos fenômenos, eles deveramconsiderar-se legitimamente sancionados pela ciência, o que nãoseria pouco, do ponto de vista teórico. Com referência às outrasmodalidades experimentais acima enumeradas, necessário setorna reconhecer que, em parte, elas podem ser invalidadas pordeficiência de pormenores, ou ser interpretadas por meio dashipóteses da sugestão, da auto-sugestão, da fotografia dopensamento. Assim falando, não pretendo afirmar que osapontados motivos de dúvida tenham fundamento, mas apenasque se exigem mais rigorosos métodos de pesquisa, paraadquirir-se a certeza científica.

Merecem também assinaladas as conhecidíssimasexperiências do coronel De Rochas e de Durville, porque serealizaram com método rigorosamente científico, por homensplenamente a par das dificuldades inerentes a tais pesquisas. Eis,em resumo, no que consistiam os experimentos De Rochas .

Como se sabe, ele conseguiu obter o fenômeno daexteriorização da sensibilidade nos próprios pacientes, medianteos habituais processos hipnótico-magnéticos, fenômeno quecada vez mais se acentuava, à medida que os referidos processosse prolongavam, indo até ao ponto em que as camadasconcêntricas da sensibilidade exteriorizada chegavam, por assimdizer, a polarizar-se à direita e à esquerda do sensitivo, que aspercebia em forma de duas luminosas colunas fluídicas,diversamente coloridas e que acabavam por se aproximar,reunir, fundir e formar uma espécie de fantasma, que repetiasincronicamente os movimentos todos do mesmo sensitivo. Aexistência de tal fantasma podia reconhecer-se com certa

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segurança, pelo fato de que, se, no ponto em que o paciente olocalizava, se exerciam, à sua revelia, toques e pressões, ou,mesmo; se alguém, acidentalmente, atravessava aquela zona, odito paciente logo se apercebia, pelas correspondentes sensaçõesde contacto ou de dor. Além disso, aconteceu certa vez que,havendo o paciente adormecido posto por acaso o olhar numespelho que lhe estava fronteiro, teve a ilusão de ver-se a sipróprio diante de outro fantasma, idêntico ao que via a seu lado,fantasma que era a imagem reflexa do seu duplo. Douta feita, ofenômeno se produziu espontaneamente com a EusápiaPaladino, que De Rochas hipnotizara para fim diverso. Escreveuele: Consegui rapidamente levá-la ao estado de profundahipnose ; viu então, com grande espanto, aparecer a sua direitaum fantasma de cor azul. Perguntei-lhe se esse fantasma eraJohn. - Não, respondeu ela; é dessa substância que John se serve.- De Rochas não esperava por essa resposta, altamente sugestivae instrutiva .

Quanto acabo de expender diz respeito às provas de naturezatangível que, de um ponto de vista rigorosamente científico, sereclamariam para considerar demonstrada a realidade dosfenômenos de bilocação . Entretanto, reconhecer tal fato nãoimporta em desestimar a legitimidade não menos concludentedas provas experimentais obtidas pelos métodos científicos daanálise comparada e da convergência das provas. A estepropósito, acrescento que, de acordo com os métodos depesquisa científica, jamais se deveria olvidar a máxima que lheserve de base e é que as conclusões de ordem geral nunca devemfundar-se sobre um grupo de fenômenos consideradoisoladamente, mas sobre todo o conjunto dos vários fenômenospertencentes à mesma classe.

Não é demais recordemos esta máxima elementar de todapesquisa científica, porquanto, de olvidarem-na, resulta o erroem que caem os opugnadores dá hipótese espirítica. Ora, no

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nosso caso, desde que não se submeta aos processos científicosem questão um certo número de casos de bilocação, em quefigurem todas as graduações sob que se produz o fenômenopesquisado, nenhuma dúvida pode prevalecer quanto à suaobjetividade, ainda mesmo - note-se bem - com exclusão dasprovas de natureza concreta enumeradas acima, o que quer dizerque, mesmo sem elas, se chega igualmente a excluir as hipótesesoníricas, sugestiva, auto-sugestiva, alucinatória e a da"fotografia do pensamento", que constituem o grupo das quepodem opor-se aos fenômenos do gênero a que nos referimos . Eessas conclusões ressaltam indubitáveis das consideraçõesseguintes

Em primeiro lugar, porque as graduações diversas queapresentam os fenômenos de "bilocação" se completam umas àsoutras e se corroboram admiravelmente entre si. De fato, naminha monografia sobre os fenômenos em apreço, tomo porponto de partida as chamadas “sensações de integridade nosamputados”, em os quais, por vezes, o senso da integridade domembro que falta é tão real que, se lhes distrai a atenção, elesexperimentam a mesma sensação que experimentariam setivessem o membro inexistente, e, no mesmo capítulo, refiro umcaso recente em que o membro que falta foi engenhosamentefotografado por intermédio de um "espectroscópio" queprojetava o feixe luminoso sobre um anteparo, onde apareceram,não apenas "esboços", mas formas de mãos e outros membrosfluídicos . Passo daí a considerar os . casos de desdobramentoincipiente, nos atacados de "hemiplegia", que vêem próximo desi, do lado paralítico, uma secção longitudinal do seu própriofantasma e afirmam que tal secção goza da integridade sensóriaque lhes foi tirada fato inexplicável por meio da hipótesecinestésica do Doutor Sollier, porquanto, nos atacados dehemiplegia, longe de se verificar uma exageração, verifica-se asupressão do senso cinestésico . Dai, vou aos casos de

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desdobramento autoscópico, em que o paciente vê o seu própriofantasma, conservando, porém, plena consciência de si, edemonstro, a esse propósito, que, se a hipótese psicopática,formulada pelo Doutor Sollier para explicar tal fato, podiaconsiderar-se legítima antes do advento das pesquisasmetapsíquica, agora já não é assim, pois, do mesmo modo queas pesquisas sobre a telepatia demonstram que nem todas asalucinações são falsídicas, também as pesquisas sobre osfenômenos de bilocação demonstraram que nem todos osepisódios de autoscopia são psicóticos. Passo, em seguida, aoscasos em que a consciência que o paciente tem de si étransferida para o fantasma, que se vê a si mesmo diante do seucorpo exânime, casos altamente sugestivos, nos quais járepontam as faculdades de sentido supranormal. Seguem-se osem que o desdobramento sobrevém durante o sono natural ouprovocado, no delíquio, na narcose, no coma, e, depois, os emque o fantasma de um vivo, desdobrado durante o sono, é vistopor terceiros, para chegar, finalmente, as em que o fenômeno dodesdobramento fluídico se opera no leito de morte. Esta últimacategoria de manifestações resulta a mais importante de todas e,num caso que citei, o fenômeno foi constantemente observado,no curso de vinte anos, por uma enfermeira vidente, enquantoque doutas vezes é coletivamente observado por todos ospresentes, ou, sucessivamente, por várias das pessoas queacorrem à cabeceira de um moribundo. Destacam-se, por fim,episódios em que os presentes assistem ao fenômeno em todasas suas fases evolutivas, até à reprodução perfeita de umsimulacro fluídico do corpo somático do moribundo, simulacronão só animado e vivo, como assistido por entidades de defuntosque parecem acorrer com esse objetivo, junto daquele que seextingue .

Em segundo lugar, as hipóteses onírica, sugestiva, autosugestiva, alucinatória ficam afastadas, porquanto os fenômenos

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de bilocação no leito de morte são constantemente descritos,pelos videntes de todos os povos da Terra e bem assim em todasas épocas da História, como produzindo-se sob idênticasmodalidades e com as mesmas minúcias, descrições de queressaltam particularidades igualmente novas e inesperadas, demodo a não se poder logicamente presumir que surjam idênticase saiam sempre idênticas das mentalidades de todos os videntes,sejam eles indivíduos civilizados, bárbaros ou selvagens.

Estas as condições presentes da grande questão aresolverem-se, condições que demonstram que, se não écientificamente lícito considerá-la resolvida, do ponto de vistada ciência oficial, que é obrigada a andar com calçado dechumbo, antes de acolher como definitivamente demonstrada aexistência de uma classe de fenômenos de enorme importânciateórica, do ponto de vista das convicções pessoais de quem hajapesquisado a fundo a mesma questão, pode-se, com bom direito,afirmar que a demonstração científica da existência dosfenômenos de bilocação já está alcançada, com a conseqüênciade que, para tal pesquisador, o reconhecimento definitivo, porparte da ciência oficial, não é senão questão de tempo .

E uma questão de tempo que se reduz à exigência, mais quejusta, de que outros experimentadores, em número suficiente,repitam as mesmas experiências realizadas até agora por poucosprecursores. Assim sendo, pode-se estar certo do êxitoafirmativo das provas de verificação científica e, quando se dero grande acontecimento, então no horizonte do cognoscívelhumano despontará a alvorada de uma era nova, em que as basesdo saber terreno deixarão de assentar na concepção mecanicista-positivista do Universo, para se estabelecerem sobre aconcepção dinâmico-espiritualista do ser, com todas asconseqüências filosóficas, morais, religiosas que daí decorrerão.É, com efeito, manifesto que a existência imanente de um corpoetéreo no corpo somático subentende a imanência de um cérebro

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etéreo no cérebro somático, o que bastará para dissipar de um sógolpe todas as dúvidas que sempre obstaram a que os filósofosadmitissem a existência de um espírito sobrevivente à morte docorpo, dúvidas que se resumem no fato indubitável da existênciade um paralelismo psico-fisiológica nos fenômenos dopensamento e que os levam a concluir inexoravelmente que opensamento é função do cérebro. Não há negar que osfisiologistas tinham aparentemente razão para concluir nessesentido; mas, assim já não será, quando se acharem invertidos ostermos da formidável questão, pela demonstração experimentalda existência de um cérebro etéreo imanente no cérebrosomático, caso em que este último será apenas o aparelhoindispensável a traduzir, em termos de vibrações psíquicasperceptíveis ao espírito imanente no cérebro etéreo, asimpressões que do mundo exterior lhe cheguem, por via dossentidos, sob a forma de vibrações físicas.

E de notar-se que o que fica exposto concordaadmiravelmente com as teorias da professora Gaskell, segundoquem a Vida e o Espírito constituiriam um Todo único, que seriauma quantidade inter atômica, alguma coisa de imaterial, queorganizaria a matéria, para depois se separar dela no instante damorte . E ela tira daí a postulado de que todas as formas da Vidaorgânica possuem essa quantidade inter atômica, o que banha denova luz o postulado de um sábio eminente, o físico Eddington,que disse : se os átomos constituintes do corpo humano, peloque neles se contém de substancial, fossem comprimidos unscontra os outros, o corpo humano não ocuparia maior espaço doque o que ocupa um ponto feito com um lápis bem aparado .Equivale isto a dizer que o organismo físico de um homemconsiste na quase totalidade dos espaços inter atômicos, moradapresumível do corpo etéreo e do cérebro etéreo.

Doutro ponto de vista e mediante as novas concepçõesrelativas ao ser, muito melhor se explicariam às causas por que

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um indivíduo perde temporariamente a razão sob a influência deuma bebida alcoólica, ou deixa de raciocinar continuamente, seo cérebro somático funciona em desordem, como na demência.Tornar-se-ia então evidente que, se o aparelho transformador dasvibrações físicas em vibrações psíquicas reagedesordenadamente, o cérebro etéreo, sede do espírito, já não seachará em condições de receber corretas percepções exteriores,nem, muito menos, em condições de agir na periferia compensamentos e atos apropriados, os quais continuarão a sertransmitido, porém alterados e deformados em representaçõesincongruentes pelo aparelho transformador .

Estas últimas conclusões me trazem à mente uma discussãocortês que sustentei com o professor Henrique Morsélli, algunsanos antes de sua morte . Eu me esforçava para convencê-lo dogrande fato de existir uma imensidade de provas - anímicas eespirítica - convergindo todas para a demonstração da existênciae sobrevivência do espírito humano, fato que assume valorcientífico de primeiríssima ordem, dificilmente contestável. Aenumeração das provas me obrigou a um longo discurso, que oProf . Morsélli ouviu com grande atenção, sem me interromper.Concluída a minha peroração, ele continuou a guardar silêncio,enquanto que a expressão do seu semblante indicava quemergulhara em profundas reflexões . Deduzi que, nãoencontrando objeções metapsíquica que opusesse à massaimponente dos fatos citados, ele se sentia abalado nas suasconvicções materialistas, o que me levou a romper o silênciocom a seguinte pergunta: Então, professor, não lhe parece que ahipótese espirítica está muito melhor demonstradacientificamente, do que se lhe afigurava? - Ele se recobrou e,com o olhar no vácuo, em atitude quase extática, escandiusolenemente estas palavras : Venha comigo visitar ummanicômio e se convencerá de que o pensamento é função docérebro.

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Apreendi, por essa resposta, que ele, efetivamente, nadaencontrara, no campo metapsíquico, para me objetar; que,manifestamente, o seu critério lógico fora abalado pelaevidência cumulativa das provas enumeradas, mas que, apósbreve disputa interior, o predomínio coubera ao fisiologistaprofissional, que não conseguia libertar das convicçõesprofundas, indelevelmente insculpidas nas suas vias cerebraisem meio século de prática no campo da patologia mental,convicções aparentemente mais que legítimas, porémintrinsecamente errôneas, porquanto fundadas numa única facedo Prisma-Verdade . Daí se segue que a argumentação negativado professor, não sendo metapsíquica, mas psicopatológica, nãoinfirmava, de fato, a eficiência irresistível das provas positivas,de ordem metapsíquica, que eu citara e nas quais seconsideravam todas as faces do Prisma-Verdade .

A argumentação do Prof . Morsélli significava apenas que,antes de chegar à demonstração científica da existência e dasobrevivência do espírito humano, ainda lhe era necessáriodissipar uma dúvida relativa à patologia mental. Ora, essa outradúvida se desvanecia como a névoa sob os raios solares, porvirtude de uma classe de manifestações metapsíquicas, a que eualudira, naquela discussão improvisada, a classe dos fenômenosde bilocação, com a relativa existência de um corpo etéreo, oque implicava a de um cérebro etéreo, sede da inteligência. Comefeito, este último dado, de enorme importância teórica, é queserve para conciliar a sobrevivência do espírito humano com apatologia mental, sob todas as formas: delírio alcoólico,demência, idiotia, etc . Naquele momento, porém, não meocorreu apontar a eficácia resolutiva desta ordem de fenômenossupranormais .

Se dela me houvesse lembrado, tê-la-ia podido aproveitarpara demonstrar ao Prof . Morsélli que, core a existência de umcérebro etéreo, se pode explicar um enigma psico-fisiológica, de

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que faláramos antes, a propósito de achar-se sobre a secretáriadaquele professor uma revista tedesca, em que se via longoartigo sobre alguns casos, observados durante a grande guerra,de soldados que tiveram o cérebro despedaçado por estilhaçosde granada, com abundantes perdas de matéria cerebral, e que securaram, conservando íntegras suas faculdades intelectuais .Concluía o autor do artigo, citando outros casos do mesmogênero, ainda mais extraordinários, entre os quais o muitoconhecido de um suboficial da guarnição de Antuérpia, quehavia dois anos se queixava de persistente dor de cabeça, que,entretanto, nunca o impedira de cumprir os deveres do seu posto. Tendo morrido subitamente, procederam-lhe à autópsia nocérebro e descobriram que um abscesso de evolução lenta lhereduzira todo o órgão cerebral a uma papa de pus. O Prof .Morsélli observara que tão extraordinárias exceções à regraconstituíam um enigma dos mais perturbadores da hodiernapsico-fisiológica.

Pois bem : se naquele momento eu me houvesse lembradodos fenômenos de bilocação, teria podido fazer ver ao ProfessorMorsélli que, admitida a existência de um cérebro etéreo comosede da consciência individual, o enigma dos homens quepensam sem cérebro se tornaria facilmente decifrável, porquantoé logicamente presumível que, em dadas circunstâncias desintonização fluídica especial entre o cérebro somático, e océrebro etéreo, este possa substituir temporariamente aquele,fazendo o papel de órgão das relações terrenas. Por outraspalavras: em tais contingências, é manifesto que a únicacircunstância de fato, absolutamente necessária a explicar operturbador mistério, é a de reconhecer-se que existe umaconsciência individual, independente do órgão cerebral e é o quese obtém reconhecendo a existência de um cérebro etéreo, sededa personalidade integral subconsciente, provida de faculdadesde sentido supranormal .

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A questão das funções reais do cérebro com referência àexteriorização do pensamento é tão importante, que me decido acitar um trecho de outro trabalho meu em que trateiexpressamente desse árduo tema.

Na Segunda Série das minhas Pesquisas sobre asmanifestações supranormais (págs. 286-9), assim me exprimia arespeito:

E de notar-se que Taine, comentando a doutrina doparalelismo psico-fisiológica, compara a dupla função - psíquicae física - do cérebro à de um livro escrito em duas línguas: a doautor, que representaria a função psíquica, e outra, em que otexto consistiria numa pura tradução do original, querepresentaria a função física. Feliz e sugestiva comparação, poisque ilustra as funções do cérebro, sem prejuízo da questão dasorigens da atividade psíquica propriamente dita, pelo que valepor apontar o caminho que se deve tomar, a fim de conciliar ospropugnadores do paralelismo psico-fisiológica com ossustentadores da espiritualidade da alma .

Noutros termos: é exato que a razão de ser do cérebro, comoórgão do pensamento, consiste no fato de realizar-se, por seuintermédio, uma, dupla função psíquica indispensável a que oespírito entre em relação com o ambiente terreno de um lado, afunção de traduzir as inúmeras vibrações físicas, que chegam aocérebro por meio dos sentidos, em vibrações psíquicasperceptíveis ao espírito; de outro lado, a função de transmitir àperiferia as imagens psíquicas com que o espírito responde àsvibrações específicas que lhe chegam do ambiente terreno. Ora,sendo essas as funções do cérebro, não é possível que elas seexecutem sem uma correspondente dispersão de energianervosa, em perfeita equivalência com a natureza e a intensidadedas atividades psíquica em função, com o que se dá plena razãoaos fisiologistas...

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Dessas considerações deduz-se que a feliz comparação deTaine exprime com verdade a dupla função do cérebro: numprimeiro tempo, tradução; num segundo tempo, transmissão .Para maior exatidão, dever-se-ia dizer que as multiformesvibrações físicas específicas, que do mundo exterior chegam aocérebro por meio dos sentidos, são aí traduzidas em conjugaçõessensório-psíquicas perceptíveis ao espírito (cumpre lembrar queum espírito não pode perceber vibrações físicas) . Determina-seassim um estado de consciência a que o espírito responde,contrapondo a imagem psíquica correspondente, com a qual eleatua sobre os centros de inervação eferente, que a transmitem àperiferia segundo uma certa ação especializada, emcorrespondência com o originário estimulo perceptivo.

Para corroborar o que afirmo, aponto, de passagem, o fatode os fisiologistas considerarem o córtice cerebral como umconjunto de centros de elaboração do pensamento, com o auxiliode imagens psíquicas . Assim, por exemplo, o centro dalinguagem se exercitaria por meio de imagens fonéticas daspalavras, o que explica a aparente contradição implícita no fatode que, quando lesado o centro da linguagem, dá-se à perda dafala (afasia), embora não exista verdadeira paralisia dos órgãosde fonação, o que pode ocorrer por haver a lesão em apreçotornada impossível à transmissão das imagens fonéticas daspalavras. Conseguintemente, não pode produzir-se a excitaçãopsico-motriz dos órgãos de fonação pois, certo que os centros deinervação eferente são estimulados por meio de imagenspsíquicas.

Aqui, depois de haver exposto em termos científicos a tesepropugnada, resta-me expor em termos filosóficos, observandoque, se é certo que o espírito humano contém em si umacentelha de essência divina, verdade também é que o divinoexistente no espírito humano não chega a individualizar-se,senão passando do reino do Absoluto ao do Relativo, do

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domínio do fenômeno ao do Fenômeno . Segue-se que, paraentrar em relação com as manifestações do UniversoFenomênico, o espírito precisa de um órgão transformadorapropriado e esse órgão é o cérebro. Por outra: a verdadeiratarefa do cérebro, nas suas relações com o espírito, consiste empor o espírito em condições de perceber um determinado aspectoda Realidade Incognoscível, segundo um dado sistema deaparências fenomênicas, que se manifestam sob modalidadessempre diversas, em qualquer mundo habitado do Universointeiro, aparências fenomênicas em meio das quais tem oespírito por destino viver e exercitar-se, visando elevar-se noconhecimento da Realidade Absoluta, contemplada através dasmodalidades infinitas em que se transforma, manifestando-se noRelativo. Compreende-se, portanto, a necessidade, que tem oespírito, de possuir um cérebro que faça de órgão transformadorda Realidade Absoluta em manifestações relativas oufenomênicas, encargo infinitamente grandioso, a que sãoprepostos os mundos inumeráveis que povoam o Universo.

Do ponto de vista do paralelismo psico-fisiológica,ponderarei que, com a teoria em apreço, se logra conciliar asafirmações dos fisiologistas com a tese espiritualista, pois que,de uma parte, se reconhece que a dupla função de traduzir e detransmitir, que cabe ao órgão cerebral, se executa a expensas daenergia acumulada nas células nervosas, conforme o sustentam edemonstram os fisiologistas; de outra parte, ressalta que essacondição de fato se mostra conciliabilíssima com a existência deum espírito independente do instrumento de que ele se utilizapara entrar em relações com o ambiente terreno. Daí decorre quea melhor definição do paralelismo psico-fisiológica é a queformulou o eminente filósofo italiano Pietro Siciliani, afirmandoa indubitável correlação, por lei de equivalência, das atividadesopostas, morfológica e psíquica, mas reconhecendo ao mesmotempo em que essa correlação se tem de interpretar no sentido

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de urna correspondência paralela e nunca no de uma absolutaconversão.

Assim me expressava eu no meu estudo intitulado Cérebro ePensamento e oportuno se me afigura valer-me do trechoreproduzido, em apoio de tudo quanto afirmo com relação aofato de que a existência de uma patologia mental se conciliaperfeitamente com a existência de um espírito que sobrevive àmorte do corpo, isento, pois, das enfermidades que afligem oaparelho somático, de que ele se serve para entrar em relaçõescom as manifestações do ambiente fenomênico, em que é seudestino viver e exercitar-se.

Volvendo aos fenômenos de bilocação, concluo observandoque tudo concorre para demonstrar que o formidável mistério doser, em torno do qual se afadigaram em vão tantos sistemasfilosóficos edificados em trinta séculos, estaráexperimentalmente devassado no dia em que fiquecientificamente demonstrada a existência de um corpo etéreoexteriorizável, imanente no corpo somático . Noutros termos :para devassar o enorme mistério que se conservou impenetrávela todas as filosofias, bastam unicamente os fenômenos debilocação, tanto mais quanto eles se conjugamindissoluvelmente às três formas clássicas das manifestaçõesmetapsíquica de ordem espontânea, quais as aparições dedefuntos no leito de morte, as aparições de defuntos poucodepois da morte e as visões de fantasmas nas casas assombradas,manifestações estas que representam a fase terminal e ocomplemento necessária dos fenômenos de bilocação.

Não será ocioso lembrar que as aparições de defuntos noleito de morte e depois da morte são muitíssimas vezespercebidas, coletivamente e sucessivamente, por diversaspessoas, o que importa na eliminação da hipótese alucinatória.Outro tanto pode dizer-se com relação aos fenômenos deassombração que, além de serem observadas, coletiva ou

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sucessivamente por várias pessoas, são muitas vezesidentificados por percipientes a quem se apresente um retrato dofantasma.

Assim, pois, segue-se que as aparições dos defuntos, com oserem irrevogavelmente tais, corroboram os fenômenos debilocação, demonstrando que a existência de um corpo etéreo nohomem, suscetível de exteriorizar-se com os atributos daconsciência e da inteligência, encontra sua razão de ser no fatoda sobrevivência do espírito à morte do corpo.

CAPITULO V

Não é verdade que o Animismo utiliza, as provas em favordo Espiritismo

Nas conclusões do capitulo precedente, ficou assinalada agrande importância teórica dos fenômenos de bilocação, queparecem indissoluvelmente vinculados às outras categorias demanifestações supranormais, de natureza extrínseca, que oscorroboram, completando-os. Tais são, como vimos, asaparições dos defuntos junto ao leito de morte, as aparições dosdefuntos pouco depois de ocorrida a morte, as visões defantasmas nas casas assombradas e várias outras manifestaçõessupranormais de ordem extrínseca, independentes, portanto, dasfaculdades supranormais subconscientes.

Nada, pois, melhor do que passar em rápida revista àscategorias de manifestações dessa natureza, as quais, de forme.

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complementar, confirmam a grande verdade da existência docorpo etéreo imanente no corpo somático .

Dessa revista emergirá a mole imponente e variada dafenomenologia supranormal, sistematicamente. olvidada pelosopugnadores, quando afirmam que a existência de faculdadessupranormais subconscientes inutiliza as provas de identificaçãoespirítica, tornando teoricamente impossível à demonstraçãoexperimental da sobrevivência humana.

Assim sendo, parece manifesto que os opositores - chegam aconclusões gerais, firmados em pesquisas parciais, senão mesmoparcialíssimas, com a agravante de que suas conclusões relativasaos casos de identificação espirítica são, a seu turno,mïseramente errôneas nas três proposições com que procuramlegitimar as aludidas conclusões .Quer dizer que eles erram,quando se lançam à procura de uma gênese biológica dasfaculdades supranormais subconscientes ; erram, quandoafirmam a impossibilidade de traçarem-se limites aos poderes dasubconsciência e erram quando vêem uma causa neutralizante naexistência das comunicações mediúnicas entre vivos. Daídecorre que, para, a esse respeito, conhecer-se a verdade, nadade melhor do que adotar as conclusões diametralmente opostasreconhecendo que, em realidade, os casos de identificaçãoespirítica, fundados nas informações pessoais que fornecem osdefuntos que se comunicam, deveram bastar, por si sós, paraprovar, baseado nos fatos, a sobrevivência humana.

Estabelecido isto, declaro que no presente capítulo meabsterei de aduzir provas de identificação de defuntos, danatureza indicada, dedicando-me unicamente a demonstrar, como apoio dos fatos, que os opositores hão concluído em sentidonegativo, desprezando uma série imponente de fenômenossupranormais de natureza extrínseca que, resultando, pela suaprópria natureza, independentes das faculdades supranormaissubconscientes e nada tendo, por conseguinte, de comum com o

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Animismo, fornecem provas invulneráveis aos engenhosofensivos do Animismo .

- Significa isto que, mesmo que se concedesse onisciênciadivina à subconsciência humana, não se conseguiria neutralizara eficácia demonstrativa das provas de que se trata. Com efeito,que pode haver de comum entre os poderes inquiridores dasfaculdades supranormais subconscientes e as aparições dedefuntos no leito de morte ou as aparições de defuntos poucodepois de ocorrida a morte? As aparições identificadas dosdefuntos, quando são vistas, coletiva ou sucessivamente pormuitas pessoas, não podem explicar-se, a não ser por meio dahipótese espirítica; de todo modo, porém, certamente não seexplicam recorrendo-se a faculdades supranormaisselecionadoras de informações nas subconsciências das outras,visto que, nos fantasmas reconhecidos, não há o que extrairselecionando, mas muito que meditar observando. Outro tanto sepode dizer relativamente à produção de qualquer fenômeno deordem espontânea, ligado de modo direto a um evento de morte.

Nada mais preciso acrescentar, porquanto os fatos que mecingirei a referir darão por si mesmos a mais eloqüente dasdemonstrações no sentido indicado.

*

Começarei pela última categoria supra indicada: a dosfenômenos supranormais espontâneos, ligados de modoindubitável a um fato de morte.

Dessa natureza. são os fenômenos de telecinesia e de músicatranscendental, quando se produzem logo depois de umacontecimento mortuário, ou alguns dias depois. No primeirocaso, reconheço que, embora interessantes, porque tendem aprovar o êxodo de uma força inteligente que atua, à distância.(quadros que caem, relógios que param, pancadas sonoras nas

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cabeceiras dos leitos), ainda tais fenômenos não se mostramsuficientes a comprovar a tese aqui considerada. No segundocaso, ao contrário, o dos fenômenos que se produzem algunsdias depois do fato mortuário, esses entram na órbita dosfenômenos que a confirmam, pois que, com relação a eles,afastada se conserva a hipótese telepática combinada ao, êxodopresumível de energia vital. Do moribundo. É de notar-se, aodemais, que, muito freqüentemente, nos casos em questão, setrata de pessoas que haviam prometido, em vida, manifestar-sedepois de mortas ao percipientes, de maneira especificada, como fim de dar-lhe a grande prova de que o espírito sobrevive àmorte do corpo.

Nas minhas duas monografias sobre os fenômenos em foco,refiro bom número de casos desse gênero, entre outros, oseguinte, que escolho porque conheci pessoalmente o relator -Dr. Vincenzo Caltagirone - com quem discuti longamente sobreo memorável acontecimento em que ele fora protagonista e cujanarrativa publicara, fazia pouco tempo, na revista psíquica dePalermo: filosofia delta Scíenza (Maio de 1911, pág. 65),endereçando ao seu diretor a carta seguinte:

Já que entende que o Pato que lhe relatei de viva voz podeservir como documento de estudo para a Ciência, à qual vocêdispensa tio louvável interesse, eis por escrito a narrativa fiel,com todos os pormenores, sem qualquer comentário meu .

Sabe você que me mantenho positivista, ai bem creia narealidade de alguns fenômenos mediúnicos que tive ocasião decomprovar pessoalmente, mesmo no exercício da minhaprofissão. Por isso, repito, nenhum comentário faço.

Eu era amigo do Senhor Benjamin Sirchia, de quem tambémera o médico assistente. Sirchia, conhecidíssimo em Palermo,fora um velho patriota, pelo que ficara sendo muito popular.Possuía ótimas qualidades morais e cívicas, mas era umincrédulo no mais amplo sentido da palavra.

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Vindo freqüentemente a minha casa, aconteceu, no mês deMaio do ano passado, falarmos, não sei como, nem a quepropósito, de fenômenos mediúnicos. A uma pergunta sua,respondi afirmando-lhe que eu sabia, por experiência pessoal,dia realidade de alguns fenômenos e lhe falei das variasinterpretações que se lhes dão, tanto pró como contra a teoriaespírita. Nessa ocasião, ele; em tom de gracejo, me disse:

Ouça, doutor, sé eu morrer antes do senhor, como éprovável, pois que sou velho e o penhor ainda moço, forte evigoroso, dou-lhe a mínima. palavra de honra de que virei, sesobreviver, trazer-lhe uma prova da verdade. (Estávamos, nomomento, sentados na minha sala de jantar.) Eu, a rir e nomesmo tom de gracejo, lhe respondi: Então, venha manifestar-sequebrando qualquer coisa nesta sala, por exemplo, o candelabrosuspenso sobre esta mesa - E, querendo ser Cortés com ele,acrescentei: Por meu lado, comprometo-me, se morrer antes devocê, a vir dar-lhe um sinal semelhante, em sua casa.

Repito: estas coisas foram ditas mais por brincadeira, do quepor outra causa e, direi mesmo, como que para por termo àconversação . De fato, separamo-nos e, como ele me prevenirade que partiria, dali a poucos dias, para a cidade de Licata, naprovíncia de Girgénti, onde ia residir por algum tempo, disse-lheque iria à estação saudá-lo por ocasião da sua partida. Desdeaquele dia, não mais tive noticias suas, nem direta, nemindiretamente. Isto se deu, como já disse, no mês de Maio de1910.

Em Dezembro último, não me recordo precisamente se a 1ou 2, mas com certeza num desses dias, à tarde, cerca. das 18horas, estava eu à mesa com minha irmã, única pessoa comquem convivo, quando a nossa atenção foi atraída por algumaspancadas leves, ora na guarnição do candelabro de centrosuspenso ao teto da sala de jantar, ora sobre a cobertura móvel,de porcelana, sobreposta ao tubo de cristal. A princípio,

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atribuímos essas pancadas a efeitos do aquecimento produzidopelo calor da chama, que tratei de abaixar um pouco, Como,porém, as pancadas se acentuassem e continuassem, quaseritmicamente, trepei numa cadeira, a fim de verificar maiscuidadosamente o fato, para o qual, entretanto, não acheiexplicação, pois me certifiquei de que o fenômeno não se podiaatribuir a excesso de calor produzido pela chama, quefuncionava com uma pressão normal. Ao demais, não se tratavadesses pequenos estalos que costumam produzir-se por efeito deincêndio ou de excessivo calor, mas de estalidos secos de somespecial, como se proviessem das juntas dos dedos, ou dapercussão com uma vareta de metal batendo intencionalmentenum objeto de porcelana suspenso. Procurei verificar se haveriaqualquer coisa estranha capaz de produzir aqueles estalos...Nada. Afinal, acabamos de jantar e por aquela noite o fenômenocessou.

Na tarde seguinte, repetiu-se e assim durante quatro ou cincodias consecutivos, deixando-nos presas sempre da mesmacuriosidade. Na última dessas tardes, porém, uma pancada fortee rápida partiu em dois pedaços a cobertura móvel quepermaneceu presa nesse estado ao gancho do contrapesometálico. Verifiquei-o subindo em cima da mesa, para observarde visu o efeito da última pancada. Recordamos com exatidão,eu e minha irmã, que, embora houvéssemos apagado olampadário do centro, onde se dava o fenômeno, e acendido, emsubstituição, outro bico de sãs, ligado lateralmente àquele,continuaram as pancadas neste último, sempre com a mesmaintensidade.

Devo lealmente declarar, à fé de gentil-homem, que, emtodos aqueles cinco ou seis dias de observação do fato, que nãome era possível explicar, jamais pensei no meu amigo BenjamimSirchia e muito menos na conversação do precedente mês deMaio, da qual em absoluto me esquecera.

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No dia seguinte àquela última noite, em que, como deixeidito, a cobertura se quebrara, ficando aderentes ás duas partes epresas no lugar onde estavam, achando-me, pelas oito horas damanhã, no meu gabinete e na sacada minha irmã a observar nãosei quê na rua, e tendo saído à doméstica, ouvimos na sala dejantar uma formidável pancada, como se na mesa houvessealguém dado uma violenta paulada.

Minha irmã, da janela a ouviu, como eu, e ambos corremossimultaneamente a ver o que acontecera.

Causará estranheza dizer - mas, por muito estranho que seja,garanto que é verdade - sobre a mesa, como se ali fora colocadapela mão de um homem, achava-se uma metade da coberturamóvel, ao passo que a outra metade se conservava suspensa nomesmo lugar. Evidentemente, o barulho que escutáramos nãoguardava proporção com o que ocorrera. Era o último fenômenoa coroar os fatos singulares que se haviam repetido por cinco ouseis dias, tendo-se dado esse último em pleno dia e sem a açãodo calor.

A queda daquela metade da cobertura de porcelana nãopodia ter-se verificado perpendicularmente, porque, devendopassar pelo centro da guarnição, houvera encontrado o tubo dejunção com a respectiva rede, os quais teriam de quebrar-se gatadeixar livre a passagem à meia cobertura e ambos estavamperfeitamente intactos e o espaço vazio tão era suficiente paradeixá-la passar. Se, pois, houvesse caído sobre a superfície curvado resto da peça (quebra-luz bastante grande), a dita meiacobertura, com o choque, se teria quebrado ou partido o quebra-luz. Ora, não se tendo dado isso, forçosamente caíraobliquamente num ponto distante do centro da mesa, ou mesmofora desta, nunca perpendicularmente ao eixo do candelabro.

Conseqüência: o rumor foi um aviso de que o fenômeno seproduzira; o pedaço da cobertura colocado daquele modoconstituiu a prova de que o fato não fora acidental, porquanto

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estaria em oposição às leis da queda dos corpos e às outras leisda balística.

Devo confessar, ainda uma vez, que, mesmo naquelemomento, não me lembrei absolutamente do amigo Sirchia, dassuas promessas, nem do pacto que fizera comigo em Maio doano transato.

Passados dois dias, encontrando-me com o Prof . Busci,docente nesta cidade, disse-me ele : Sabe que o pobre BenjamimSirchia morreu? - Quando? perguntei ansiosamente. - Nosúltimos dias de Novembro passado, respondeu ele, a 27 ou 28. -Últimos dias de Novembro ? E singular, pensei então; será quese ligue a sua morte os fenômenos destes dias?... - Começandodo dia 1 para o dia 2 de Dezembro, durante de 5 a 6 dias atentativa de quebrar alguma coisa do candelabro do centro dasala de jantar, exatamente o que eu indicara em Maio a Sirchia, ea tentativa não cessa, enquanto não é conseguido esse resultado!Singular também isto! Obtido o efeito desejado, como que parabem assinalá-lo, a formidável pancada de aviso : a colocaçãointencional da metade da cobertura num ponto onde ela nãopoderia cair por acaso e, portanto, para excluir todapossibilidade de acesa. Comprovo - ilustre amigo - não deduzo.O que é certo é que eu e minha irmã, sem sabermos porque,resolvemos guardar como estimada recordação de um fenômenodesconhecido os dois pedaços da cobertura, conservando-osentre as nossas coisas preciosas e caras..

(Assinado : Doutor Vicenzo Caltagirone)

Está ai já um primeiro exemplo em que se tratam defenômenos objetivos, independentes das faculdadesinvestigadoras e selecionadoras da subconsciência, fenômenosque certamente não se podem explicar pelo Animismo e de cujaexistência os opositores se esqueceram ao formularem suasconclusões negativistas.

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Mais uma vez repito que a tese desenvolvida com tantapertinácia pecos opositores consiste em presumirem que asfaculdades supranormais subconscientes para explicar todas asmanifestações, dos chamados defuntos, que forneceminformações verídicas sobre nuas existências terrenas, o queneutralizaria para sempre - segundo eles - toda possibilidade dedemonstrar-se experimentalmente a existência e a sobrevivênciado espírito humano. Quer isto dizer que os opositoresraciocinam e concluem como se na coletânea dos casosmetapsíquicos não houvesse outros fenômenos capazes deresolver experimentalmente o árduo problema, a não serem asmensagens dos defuntos que se comunicam mediúnicamente,quando é de todos sabido que naquela coletânea se cantamnumerosas categorias; grupos e subgrupos de manifestaçõesmaravilhosas, de várias naturezas, convergindo todas para, asolução espiritualista da grandiosa questão.

O caso citado representa um primeiro grupo de episódiosindicadíssimos para tal fim, conquanto não pertençam, certo, ácategoria dos fenômenos que os opositores hão investigado, pordizer respeito a uma grande variedade de incidentes, entre osmais sugestivos, em sentido espiritualista: Com efeito, nessecaso, há uma promessa feita em vida por um indivíduo céptico aum seu amigo e cumprida por meio exatamente do fenômenoque o autor a promessa previamente escolhera, comodemonstração póstuma da sua presença espiritual no lugar dofenômeno. Na ânsia de produzi-lo conforme ao que prometera, odefunto persiste em repetir por cinco ou seis dias as suastentativas, até conseguir quebrar no lampadário do amigo opedaço designado, que em seguida depõe num ponto onde omesmo pedaço não teria podido cair naturalmente. Atingido oescopo, uma pancada formidável dada na mesa avisa do fato aspessoas interessadas . Depois, cessam para sempre asmanifestações, evidentemente porque a promessa fora mantida.

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Não há quem não veja que o fenômeno, em todo o seudesenvolvimento, denota, no sítio onde se produziu, a presençareal de uma intencionalidade que sabe o que quer e ai esforçapor dar prova de si, em condições tais, que excluem qualquerexplicação naturalística do mencionado fenômeno. Segue-se quea hipótese da telemnesia a selecionar dados na subconsciênciade outrem entra por coisa alguma no episódio exposto. Ora, seassim é, o episódio adquire valor de prova de identificaçãoespírita independente da jurisdição das faculdades supranormaissubconscientes, portanto, invulnerável-, a todas as hipóteses deque dispõem os pra propugnadores Animismo totalitário,hipóteses ,que se fundam exclusivamente nos poderessupranormais da subconsciência, poderes que, por comodidadeteórica, são arbitrário estendidos a latitudes ilimitadas.

Na sua missiva o Doutor Caltagirone declara conservar-sepositivista, mal grado ao memorável acontecimento queobservou. Posso, entretanto, afirmar que foi declaração foi umamedida de precaução, justificada por interesses profissionais emperigo. Particularmente, ele me falara de modo bem diverso eterminara dizendo: Uma coisa é ler a narrativa de um fenômeno,como esse que me sucedeu, e outra coisa muito diferente é terpresenciado. Quando se lêem episódios dessa espécie, elescausam uma certa impressão, mas são de pronto esquecidos, semdeixarem vestígios. Quando, ao contrário, se lhes assiste àprodução, nunca mais são olvidados e assumem tal eloqüênciademonstrativa, que fazem mudar de opinião até um Büchner, umMaleschott, um Ernesto Haeckel .

*

Há uma classe de manifestações metapsíquica que, emborasuficientemente rica de episódios vários e não inferior a outros

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pelo seu valor teórico, há sido até hoje completamentedesprezada. E a classe das manifestações musicais.

São em grande número os escritores que relatam episódiosdessa natureza, mas nenhum deles pensou jamais em oscolecionar, classificar e analisar.

Contam-se várias categorias de manifestações de tal gênero,a começar dos casos em que a música transcendental seapresenta de forma objetiva, com o auxílio de um médium, fatoque se pode dar de maneiras diversas : ora sem instrumentos demúsica, como nas sessões de William Stainton Moses; ora pormeio de instrumentos musicais, mas sem o concurso direto domédium, como nas sessões de D. D. Home; ora, finalmente, como concurso direto do médium, mas de modo meramenteautomático, como no casa do médium pianista Aubert.

Vêm depois as manifestações de origem telepática, em que ofenômeno da audição musical coincide com acontecimentosmortuários verificados a distância.

Seguem-se casos de audição musical com caráter deassombração, isto é, que se verificam em localidadesassombradas .

Doutras, vezes, a música transcendental é percebida por umsensitivo em estado sonambúlico, ou em estado de vigília, comexclusão de qualquer coincidência de morte.

Mais freqüentes são os episódios de audição musical junto aum leito mortuário, circunstância em que podem ser percipientesora o moribundo somente, ora apenas algumas pessoaspresentes, ora, todas coletivamente.

Há, por fim, episódios de audição musical que se produzemdepois de uma morte, caso em que o fenômeno pode assumirvalor de prova de identificação espirítica.

O episódio que se segue foi colhido e investigado peloDoutor Hodgson que o publicou em o Journal of the S . P . R :E esta a narrativa que dele fez a Srta . Sarah Jenckins:

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No ano de 1845, o Senhor Hewig, musicista tedesco degrande valor morria subitamente na cidade de Boston, onderesidia desde longos anos. Eu era então muito jovem ainda esomente o conhecia pela sua fama, pois assistia a vários dos seusconcertos públicos de violino, que despertavam em mim grandesadmiração pelo artista. As minhas relações com ele consistiamapenas em que, no Inverno anterior ã sua morte, eu o encontravaquase diariamente na rua por onde me encaminhava para aescola. Era uma simples coincidência, mas aqueles encontros setornaram tão habituais, que ele acabou por notá-lo; entrou asorrir quando eu passava e, por fim, a saudar-merespeitosamente . Eu lhe correspondia, também respeitosamente,à saudação.

Pelo Outono, ele morreu subitamente., realizando-se os seusfunerais a 4 de Novembro, na igreja de Trinity, então na ruaSummer. Foi uma cerimônia solene e comovedora, em quetomaram parte todos os musicistas de Boston, bem como outraseminentes personalidades, pois que era geral a consternação pormotivo de sua morte. Assistia eu com minha irmã à solenidadee, quando esta ia a meio, fui presa de um sentimento tãoinexprimível, quanto inexplicável, o de que ele poderia, naquelemomento e naquele ambiente, levantar-se do catafalco eaparecer entre nós, como se fora vivo. E, sem me aperceber bemdo que fazia, tomei da mão de minha irmã. e exclamei quase emvoz alta: Oh. ele tem que ressurgir para nova vida! Minha irmãme olhou espantada e murmurou : Cala-te .

À noite daquele mesmo dia, em nossa sala de jantar, minhamãe, duas irmãs minhas, um amigo de Cuba e eu falávamos dosolene funeral a que assistíramos. Minha irmã narrava o singularincidente da minha exclamação, repetindo as palavras que euproferira quando de improviso, ecoou pela sala uma onde, demusica maravilhosa, qual nenhum de nós jamais ouvira. Vi umaexpressão de espanto, quase medo, nos semblantes de todos os

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presentes. Eu própria me sentia presa de uma espécie de pavordo invisível, mas continuei a falar incoerentemente do assuntode que tratava. Pela segunda vez, ecoou na sala outra onda deacordes musicais sonoros e estupendos, que lentamente foramenfraquecendo até se dissiparem. Minha irmã e eu corremos àjanela, para nos certificarmos de que nenhuma banda de músicapassava por ali no momento. A rua estava deserta, nenhum somse ouvia, exceto o murmúrio de uma chuva fraca. Subi então aescada, entrei na sala que ficava por cima da de jantar, onde seachava, sentada e a ler, uma senhora, nossa hóspede, filiada aseita das Quáquers. Na sala havia um piano e, conquantoestivesse fechado, perguntei: Porventura, alguém tocou pianoaqui? - Não - respondeu ela - mas ouvi o som de uma músicamuito estranha. Que foi?

Ora, bom é se saiba que nenhum de nós jamais foisupersticioso, que, ao contrário, fomos todos educados a zombardos fantasmas, de sorte que a nenhuma passou pela idéiaconsiderar transcendental o acontecimento. Não podíamos,porém, deixar de olhar-nos com espanto, uns aos outrosperguntando: Que foi o que sucedeu? Donde provinha àquelamúsica ? A senhora S . , a boa qualquer, se mostrourepentinamente muito preocupada e agitada. Quando suas filhasregressaram a casa, toda junta percorreram as circunvizinhanças,perguntando se alguém estivera a tocar música àquela hora danoite. Ficou, no entanto, exaustivamente provado que ninguémtocara instrumentos de música, ou ouvira que alguém tocasse narua. Por outro lado, a música que ouvíramos ressoara na nossaprópria sala e era diversa de todas as músicas até então ouvidas.Sobre isto, todos estávamos de perfeito acordo... (Assinado):Sarah, Jenckins.

A irmã da relatora confirmou nestes termos a narrativaLi atentamente o relato de minha irmã e garanto a sua

escrupulosa exatidão.

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O Doutor Hodgson fez a Srta. Jenckins algumas perguntas edas suas respostas extraio este trecho:

A Sra. S., qualquer, estava hospedada em nossa casa.Perguntei-lhe se alguém havia tocado piano, não porque amúsica que escutáramos se assemelhasse à, de um piano, masunicamente para, de certa maneira, fazê-la derivar de uma causanatural.

A todos nos pareceu que a música era tocada na própria salaonde estávamos. Começou num de seus ângulos e percorreu-atoda. Comparei aquela música a raios de Sol convertidos emsons e, ainda agora, não a posso definir melhor.

Também os casos desta natureza, casos espontâneos, deordem coletivamente audível e que ocorrem pouco depois deuma morte, independem da famigerada jurisdição das faculdadessupranormais subconscientes, afirmação que ninguém ousarácontestar.

Ora, como, certamente, não é possível recorrer-se à hipótesealucinatória, tanto mais se considerar que o Prof . Morsélli e oProf . Richet declararam acordemente que as alucinaçõescoletivas - sempre raras - se originam infalivelmente desugestões verbais em ambientes de exaltação mística e nunca deum fenômeno de transmissão telepática do pensamento; como,no caso em apreço, se teria de admitir que a .alucinação auditivafora transmitida aos presentes e aos ausentes, visto que delacompartilhou uma senhora que se achava absorta em certaleitura no pavimento superior, necessariamente se terá de aceitara única solução lógica do memorável evento: a da presença realdo defunto musicista, no lugar onde foi ouvida a música. Dir-se-á então que, dirigido com profundo pesar ao artista defunta, opensamento da relatora e de todos os presentes determinou arelação psíquica entre o espírito do mesmo musicista e aspessoas que nele pensavam. Em conseqüência, o espírito dodefunto, desejoso de revelar a sua presença, em sinal de estar

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consciente do que se passava e em sinal também de gratidão,mas não conseguindo manifestar-se diretamente, fê-lo do modomais fácil, que lhe era indicado pelas próprias idiossincrasiasmusicais.

E o estranho e inexprimível sentimento de que foi presa naigreja a relatora, fazendo-a pensar na possibilidade da presençado defunto aos funerais, significa que a relação psíquica já seestabelecera desde aquele momento entre o defunto e a suaadmiradora, que a partir de então ficou sujeita à influência doseu pensamento, o que mais admissível ainda se torna, seconsiderar tal incidente em conjugação com o outro,complementar, o da música transcendental se haver feito ouvirprecisamente quando a irmã da narradora referia o mencionadoincidente . Foi como se o espírito do defunto quisesse dessaforma sublinhar os fatos que melhor apontassem aospercipientes a origem e o objetivo da manifestação de músicatranscendental.

*

Antes de prosseguir no assunto, devo prevenir que napresente enumeração de exemplos de fenômenos, queindependem dos poderes da subconsciência, não poderei manteruma graduação regular, porque boa parte dos aludidosfenômenos cabe em diversas categorias. Assim, por exemplo, ocaso acima exposto como de música transcendental é,simultaneamente, um caso de manifestação de defunto poucodepois de sua morte, do mesmo modo que outros casos citadosantes, como de bilocação no leito mortuário, são também casosde aparição de defunto junto ao leito de morte . Portanto, nãosendo possível observar uma graduação regular, mister se faznos apeguemos a uma graduação relativa, coisa, aliás, semimportância, pois que, em nosso caso, somente importa a

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eficácia demonstrativa que dimana de muitos episódiosselecionados, pertencentes a múltiplas categorias, mas reunidasnum capítulo .

Firmado isto, passo a mencionar alguns exemplos deaparições de defuntos junto ao leito de morte, lembrando, aindauma vez, que a impossibilidade de citar exemplos dasmultiformes modalidades sob que se produzem os fenômenosredunda em prejuízo da eficácia cumulativa deles ; mas, é esteum inconveniente a que não se pode fugir.

Faço, por fim, notar que, se bem eu reconheça que os casosaqui considerados somente apresentam valor científico quandoobservados coletivamente, não posso deixar de citar um em queisso não se verifica, mas que se desenvolve em condições tais,que suprem, na minha opinião, a falta de testemunho coletiva.

Tiro-o do Journal of the American S . P . R . (1918, págs.375-390) . E o comovente episódio de uma menina enferma que,nos seus três últimos dias de vida, vê e conversa com umirmãozinho defunto e com outras entidades espirituais, aomesmo tempo em que se lhe apresentam passageiras visões doAlém. Como, porém, a exposição do caso ocupa 17 páginas darevista, limitar-me-ei à citação dos trechos essenciais.

Era pai da menina o Rev. David Anderson Dryden,missionário da Igreja Metodista, e sua mulher foi quem apanhouo que a filha proferiu nos seus últimos dias de vida. Por morteda Senhora Dryden, suas notas foram publicadas em opúsculo,com o intento de oferecer conforto a algumas almas presas dadúvida e dolentes .

Chamava-se Daisy a menina. Nascera em Marysville(Califórnia), a 9 de Setembro de 1854, e faleceu em San José, a8 de Outubro de 1864. Contava, pais, dez anos.

Atacada de febre tifóide, teve o pressentimento do seu fim,mal grado aos bons prognósticos dos médicos . Três dias antesde morrer, tornou-se clarividente, o que os seus familiares

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notaram pela primeira vez após uma citação da Bíblia feita pelopai, citação que provocou da doentinha a observação de queesperava voltar mais tarde a confortá-los. E acrescentou:Perguntarei a Allie se é possível . - Allie era o seu irmãozinhoque morrera sete meses antes, de febre escarlatina. Após brevetempo, declarou: Allie diz que é possível e que poderei voltaralgumas vezes, mas vocês não saberão que estou presente.Entretanto, eu me acharei em condições de conversar com ovosso pensamento.

Reproduzo alguns trechos das notas da mãe de DaisyDois dias antes que ela nos deixasse, veio visitá-la o Diretor

da escola. Ela lhe falou livremente da sua próxima partida emandaram um extremo adeus as suas colegas. Ao retirar-se, eledirigiu à enferma uma frase bíblica um tanto obscuro: Minhaboa Daisy - disse - estás preste a vadear o grande rio tenebroso.O pai procurou explicar-lhe esse conceito, porém ela replicou: Eum erro grosseiro; não há rios a vadear; não há cortine, deseparação; não há, nem sequer, uma linha divisória entre esta e aoutra vida. Tirou de sob as cobertas a mãozinha e, com umgesto apropriado, disse: O Além é o Aquém; sei bem que assimé, pois que vos vejo e simultaneamente vejo os Espíritos.Pedimos que nos informem acerca do Além e ela observou: Nãoposso descrever porque é muito diferente do nosso mundo e eunão conseguiria fazer-me compreendida.

Estando eu sentada a seu lado, ela apertou com a sua aminha mão e, olhando-me bem nos olhos, disse: Queridamamãe, eu quisera que pudesses ver o Allie, que se encontrajunto de ti. Involuntariamente, olhei ao meu derredor; mas,Daisy continuou: Diz ele que não o podes ver, porque teus olhosespirituais estão fechados; que eu o posso ver, porque meuespírito se acha agora ligado ao corpo apenas por um fiotenuíssimo de vida. - Perguntei então: Ele te disse isso nestemomento? - Sim, agora mesmo. - Ao que ponderei: Mas, Daisy,

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como fazes para conversar com Allie? Não te ouço falar e nãomoves os lábios. - Ela sorriu e acrescentou : Nós conversamoscom o pensamento . - Perguntei ainda: De que forma te apareceo nosso Allie? Tu o vê vestido? - Ela: Oh! não; ele não estápropriamente vestido como nós. Parece trazer o corpo envoltonuma qualquer coisa alvíssima, que é maravilhosa. Se vissescomo é delicado, Leve, resplandecente o seu manto! E como éCandido! Entretanto, não se lhe percebem pregas e não há sinaisde costura, indicio de que não é uma vestimenta. Seja como for,ajustar tão bem! - deu pai recitou este versículo dos Salmos: Eleé vestido de luz. - Oh! sim; é precisamente isso, respondeu ela.

. . . Daisy gostava muito que sua irmã Lulu lhe cantassecoisas, sobretudo do livro dos Hinos religiosos. Em dadomomento, estando Lulu a cantar um hino em que se falava deanjos alados, exclamou a enferma: Oh! Lulu, não é singular?Sempre pensamos que os anjos tivessem asas; mas, é um erro:eles, de fato, não nas têm. Lulu lhe ponderou: Mas, é preciso queas tenham para poderem voar nos céus. Daisy replicou: Eles nãovoam: transportam-se. Olha, quando penso em Allie, ele o sentee imediatamente vem aqui.

Douta vez, perguntei: Como fazes para ver os anjos?Respondeu: Nem sempre os vejo; mas, quando os vejo, afiguraque as paredes do quarto desaparecem e a minha visão alcançauma distância infinita; e não se poderiam contar os Espíritos queentão diviso. Alguns se acercam de mim e são os que conheciem vida. Os outros nunca os vi.

Na manhã do dia em que morreu, pediu-me lhe desse umespelho. Hesitei, receando se impressionasse ao ver o seusemblante tão macilento. O pai, entretanto, observou: Deixa queela contemple o seu rostinho, se lhe apraz. Dei-lhe o espelho; elase mirou longo tempo, com a fisionomia calma e triste. Dissedepois: Meu corpo já está consumido; assemelha-se ao vestido

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velho da mamãe, que está dependurado no outro quarto . Ela nãoo veste mais e eu muito em breve deixarei de usar o meu. Mas,tenho um corpo espiritual que o substituirá. Antes, já o tragovestido e é com os olhos espirituais que vejo o mundo espiritual,conquanto o meu corpo terreno ainda esteja ligado ao espírito.Revestirei, porém, outros corpos muito mais belos, semelhantesao de Allie. Mamãe, não chores; se me vou tão cedo, é para meubem. Se crescesse em anos, viria ser talvez uma mulher má,como muitas o são, Só Deus sabe o que mais convém ao nossobem... Em seguida pediu: Mamãe, abre-me a janela; querocontemplar, pela última vez, o meu belo mundo. Quandodespontar a alvorada de amanhã, já não existirei aqui. Atendi-lheao desejo é ela, voltando-se para o pai, disse: Papai, ergue-meum pouquinho . Então, amparada pelo pai, olhou pela janelaescancarada e exclamou: Adeus, meu belo céu! Adeus, árvoresminhas! Adeus, flores! Adeus, lindas rosinhas! Adeus, rosasvermelhas! Adeus, adeus, belo mundo! - E acrescentou: Comoainda o amo! Entretanto, não desejo ficar!

Aquela mesma noite, pelas 8.30, ela olhou o relógio e disse:São 8.30; quando derem as 11.30, Allie virá buscar-me. Ereclinou a cabeça no ombro do pai, dizendo: Papai, quero morrerassim. Quando chegar a hora, eu te avisarei... As 11.15, disse :Papai, ergue-me; Allie veio buscar. Logo, que se achou naposição que desejava, pediu que cantássemos. Alguém disse:Vamos chamar a Lulu. Daisy, porém, obtemperou: Não, não naperturbem; ela está dormindo. E, no momento exato em que orelógio marcava as 11:30 - hora predita para a partida - estendeupara o alto os braços, dizendo: Vou, Allie, e não mais respirou.

O pai acomodou de novo no leito o corpinho inanimado edisse: Partiu a nossa querida filhinha; agora já não sofre. Solenesilencio reinava no aposento, mas não se chorava. Porquechorar? Cabia-nos antes render graças ao Pai Soberano pelosensinamentos que, por intermédio de uma criança, nos

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ministrara naqueles trás dias sagrados à glória dos céus. E,enquanto contemplávamos o rostinho da nossa morta, sentíamosque o quarto estava repleto de anjos que nos vinham confortar euma paz dulcíssima descia aos nossos espíritos, como se osanjos nos repetissem: Ela não está aqui : ressuscitou .

O Professor Hyslop entabulou correspondência epistolarcom a irmã da vidente, Sra . Lulu Dryden, que. confirmou aescrupulosa veracidade dos fatos registrados no diário materno eo autorizou a divulgá-los pela sua revista.

Para aqui com as citações, sentindo não poder transcrever anarrativa inteira. Além do fato do insólito prolongamento dasvisões supranormais, com exclusão completo de delírio até aoúltimo instante, há neste episódio o outro fato das observaçõesda vidente sobre o mundo espiritual concordaremadmiravelmente com a doutrina espírita e tudo isso porintermédio de uma criança absolutamente ignorante daexistência dessa doutrina. Quem lhas sugeriu? Não foramcertamente os pais por transmissão telepática do pensamento,pois que, tanto quanto a filha, ignorava as doutrinas espíritasque, no ano de 1864, ainda estavam em gérmen. Que fazia elaentão para conceber por si mesma tantas verdadestranscendentais, diametralmente opostas às que aprendera nareligião de seus pais ? Como podia, espontaneamente, formularconceitos profundos, quais os implícitos nas afirmações de que oAlém é .o Aquém ? Que não existem linhas de separação entre amorada dos homens e a dos Espíritos? Que estes conversamentre si e pelo pensamento? Que percebem telepaticamente ospensamentos que os vivos lhes dirigem e acorreminstantaneamente, sem limites de distância? Que os Espíritosnão coam, transportam-se? Que somente ela podia ver oirmãozinho defunto, porque, no momento, se achava ligada aomundo dos vivos apenas por um tenuíssimo fio de vida? Que osdefuntos voltam a rever os que lhes são caros, mas que a

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presença deles é, as mais das vezes, ignorada, porque falamàqueles pelo pensamento (ou pela subconsciência) ? Que ohomem tem um corpo espiritual imanente no corpo físico? Queo mundo espiritual é muito diferente do nosso, de modo a serimpossível descrevê-lo, porquanto não chegaria, quem odescrevesse, a fazer-se compreendido? E que profunda intuiçãoda verdade nesta observação: Se me vou tão cedo, é para meubem. Só Deus sabe o que é melhor para o nosso bem!Convenhamos francamente: em tudo isto, as hipótesesalucinatória, auto-sugestiva e telepática não podem ter entrada.Segue-se que as visões da menina Daisy não podem explicar-se,senão admitindo-se que a vidente formulava suas observaçõesbaseada em dados de certo modo objetivos e externavaelucidações que lhe eram transmitidas por terceiro, conforme elaprópria declarava.

A esse propósito, são curiosos os esforços do reverendoHiggins para distinguir os fenômenos ocorridos no leito demorte da menina Daisy Dryden dos do moderno Espiritismo,com o intento de demonstrar que somente os primeiros sãoconformes aos ditames da Bíblia Sagrada e que, portanto, só elesdevem considerar-se revelações divinas. Escreveu o reverendo:

A menina não era, absolutamente, uma médium espírita, domesmo modo que não o eram Moisés ou S. João, que, a seuturno, ditaram o Livro das Revelações. Nunca espírito algum selhe apossou do corpo (a Daisy) nem por um só instante, ou faloupela sua boca. Sem dúvida, por uma concessão de Deus, ossentidos espirituais lhe foram desatados, a fim de que ela, nosseus últimos dias de vida, gozasse do espetáculo do mundoespiritual, permanecendo, entretanto, presa ao corpo, emconseqüência do fato, que o doutor acentuou, de efetivamentelevar três dias para morrer.

Não se faz mister assinalar que as observações do Rev.Higgins apenas demonstram os seus extremamente escassos

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conhecimentos sobre a doutrina impugnada. A verdade arespeito é esta : eliminada a hipótese alucinatória, as visões damenina Daisy são franca e classicamente espíritas .

O engenheiro Stanley De Brath, no seu livro : PsychieResearch (pág. 141), cita o caso da Daisy e pondera:

Na minha opinião, esta simples e comovente narração é maisdemonstrativa e convincente do que todas as dissertações dosfilósofos e do que todas as doutrinas dos teólogos.Não invejo osque logram ler esta narrativa sem se comoverem e sem lheperceberem o significado... Deixemos que os que ainda julgampoder levar à conta das alucinações patológicas as percepçõesgenuinamente transcendentais da menina moribunda mantenhamsuas cegas e desoladoras opiniões, se assim o preferem.Saibamos, entretanto, que não somos nós, porém eles, as vítimasde uma enorme ilusão...

Assim se externou De Brath e eu creio que a grande maioriados leitores pensarão como ele.

*

Há outro grupo de aparições de defuntos no leito mortuárioque, conquanto observados por um só vidente, se revestem degrande valor teórico, por serem os videntes e muitas vezestambém as moribundas crianças de menos de cinco anos,particularidade de tanta eficácia, no sentido de neutralizar ascostumadas hipóteses naturalísticas, que o Professor Richet, oProfessor Morsélli e o Doutor Mackênzie se mostram acordesem considerar aquelas hipóteses como inaplicáveis àsmanifestações de tal natureza.

Num trabalho que incluí no segundo volume das minhasPesquisas sobre manifestações supranormais, citei 14 casosdeste gênero, dos quais reproduzo aqui só dois exemplos,escolhendo-os entre os mais breves

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Na revista Light, de 7 de Abril de 1888, o reverendoWilliam Stainton Moles refere o episódio seguinte, ocorridocom a filha de um alto ministro da Igreja Anglicana e por elanarrado verbalmente ao mesmo Stainton Moles .

A Sra. H. assistia um menino que estava a morrer naparóquia de seu pai. Havia no quarto dois leitos, um dos quaisera uma caminha onde dormia um menino de três ou quatro anosirmão do enfermo, que desde muitas horas parecia em estadocomatoso . Como a mãe dos meninos, a Sra. H. se achava juntoao leito em que jazia o moribundo, já presa dos espasmos daagonia. De súbito, uma voz ecoou no quarto, partindo dacaminha. As duas se voltaram e viram sentado o menino,completamente desperto, a apontar com o dedinho para oespaço. irradiando do semblante uma, alegria extática. E gritava:Oh! mamãezinha, mamãezinha, que belas senhoras ao redor domaninho! Belas senhoras! Mamãezinha, mamãezinha, elasquerem levar o maninho. - Voltando-se de novo as duasassistentes para o leito do menino doente, verificaram que haviaexpirado.

Stainton Moles faz estes comentos:Em face do criticismo prevalente contra os fenômenos

mediúnicos, fora de grande importância recolherem-se casosanálogos ao precedente, visto que as crianças de três anos e aslactantes não podem ser tidas por prestidigitadores, nemtrampolineiros .

Estes comentos deveram completar-se com a observação deque tão-pouco as crianças podem ser tidas como telepatizadorasde fantasmas. E de lamentar que o Moses se haja olvidado demencionar a idade do menino moribundo . Como, porém, no seucomentário, ele fala de crianças lactantes, é lícito se suponha queessa fosse a condição daquele menino.

*

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Aqui agora um segundo episódio, em que o moribundo e opercipiente são ambos crianças de mui tenra idade, episódio estebem mais importante do que o primeiro, porquanto se achaindicada à idade do moribundo (4 meses), o que nos permiteexcluir de modo categórico qualquer forma de auto-sugestão domesmo moribundo, com a respectiva transmissão telepática apercipiente. A idade desta última (3 anos) exclui a seu turno apossibilidade de ela haver auto-sugestionado, a ponto de ver, porconta própria, fantasmas alucinatórios, dado que a sua pequeninamente não chegava de certo a conceber a possibilidade deaparições transcendentais, junto ao leito do irmãozinho queestava para morrer.

Busquei-o na revista Ultra (1909, pág. 91), onde o SenhorPelúsi, bibliotecário da Régia Biblioteca Vitório Emanuel, deRoma, o relatou assim, em data de 12 de Dezembro de 1908:

Em Roma. na casa da rua Régio, 21, habitada pela famíliaNasca, mora, como sublocatário, o Sr. G. Notári, com a mulher,os filhos e sua mãe viúva. Morreu-lhe, a 6 de Dezembropassado, um filhinho de 4 meses, por volta das 22.45 horas. Emtorno do leito do doentinho estavam seu pai, sua mãe, a ama alocatária da casa, Sra. Júlia Nasca, e uma irmãzinha domoribundo, Hipólita, de 3 anos, meio paralítica, e que, sentadana caminha do irmão, o olhava compassivamente. Em certomomento, uns 15 minutos antes que a morte houvesse posto fimàquela incipiente vida, Hipólita estende os braços para um cantodo quarto e grita: Mamãe, olha lá a tia Olga. E fez menção dedescer do leito para ir abraçá-la. Os presentes ficaramespantados e perguntaram à menina: Mas, onde? onde? Acriança repetiu: Ali! Ela está ali! E quis por força descer do leitopara lhe ir ao encontro. O pai ajudou-a a descer e ela correu parauma cadeira vazia. Aí chegando, ficou uma tanto perplexa,porque a visão passara para outro ponto do quarto . A pequenina

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voltou-se, dizendo : Está ali, a tia Olga. Depois, aquietou-se,quando sobreveio o falecimento do irmãozinho.

Essa Olga, irmã da mãe da pequenina, se envenenou, faz umano, por amor, e o noivo, que se achava ausente, ao saber damorte da sua dileta, se suicidou, depois de pranteá-la durantetrês meses . Na noite mesma do suicídio, ele apareceu em sonhoà irmã de Olga, isto é, ã mãe da pequena clarividente, e lhedisse: Olha, agora vou casar-me com Olga! Na manhã seguinteos jornais davam notícia do lamentável suicídio.

Garanto a veracidade dos fatos, que me foram repetidos estatarde, em seus mínimos detalhes, pela família Nasca, meuscompadres, e pela ama da clarividente . ((Assinado) : M. Pelusi,Zelador da Biblioteca V. E.)

Eis em presença de dois casos de aparições de defuntosjunto a um leito de morte, nos quais tanto os videntes como osmoribundos eram crianças de menos de 5 anos, casos, portanto,que não só independem dos poderes das faculdadessupranormais subconscientes, como também não poderiamexplicar-se por meio de qualquer outra hipótese naturalística.Faço notai que, noutras circunstâncias semelhantes, mas em queos moribundos eram adultos, a hipótese aventada pelosopositores consistia em presumirem que o próprio moribundo,devido a um fenômeno de associação de idéias geradas peloestado preagônico, tivera uma visão alucinatória de parentes eamigos defuntos e a transmitira por telepatia às pessoaspresentes. No nosso caso, porém, trata-se de moribundos aindaem idade muito tenra, circunstância que exclui categoricamentequalquer forma de auto-sugestão alucinatória nas criançasprestes a morrer, com a respectiva transmissão telepática àscrianças percipientes. Assim sendo, só resta admitir a presençaespiritual, no lugar do fenômeno, dos defuntos que são vistos .Ora, foi por isso que os três homens de ciência acima nomeadosse acharam no dever de declarar francamente e honestamente

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que, colecionados que fossem fenômenos dessa natureza emnúmero suficiente, longo trecho se teria percorrido da senda queconduz à demonstração experimental da sobrevivência humana .A bem dizer, o Professor Richet, volvendo ao assunto noutracircunstância, se tirou de embaraços declarando que, apesar detudo, mesmo esses episódios carecem de poder para me levarema concluir que as personalidades dos defuntos assistam, sob aforma de fantasmas, à morte de seus parentes!!! (Note-se que ostrês pontos de admiração se encontram no próprio texto) . Ora, éevidente que essa afirmação não constitui uma razão, nem umargumento, nem uma objeção . Em suma : nada significa ;apenas traduz a opinião do autor, no período de sua vida em quea formulou, opinião que, entretanto, se foi modificandoradicalmente nos últimos anos da sua operosa existência.

*

Aos casos eloqüentes das crianças que vêem aparições dedefuntos por ocasião da morte de outras crianças, segue-se umgrupo de episódios complementares em que crianças de menosde 5 anos vêem aparições de defuntos depois da morte. Tambémesta variedade do mesmo fenômeno não é explicável por meiode hipóteses naturalísticas, ao passo que lhe corrobora a gêneseespiritualista.

No volume de Camilo Flammarion: Après la mort, contam-se 9 casos desse gênero. Referirei um só, remetendo o leitor,para conhecimento dos demais, ao livro que os contém . A Sra .Anne E . Carrère, residente na Argélia, escreveu o seguinte (pág.265) a Flammarion:

Meu marido, um dos homens mais inteligentes, justos e bonsque já viveram no mundo, me prometera que, se morresse antesde mim, viria certìssimamente dar-me uma prova positiva dasobrevivência, desde que fosse possível. Ele morreu a 10 de

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Outubro de 1898. Nossa família se compunha dele, de mim e deuma filha nossa que ficara viúva ainda muito jovem, com trêsfilhinhos, que são três homenzinhos, o mais velho dos quaiscontava então 5 anos, o segundo 3 e meio e o outro 2 anos emeio. Durante o doloroso período da última enfermidade de meumarido, uma família amiga tomara a seu cargo as crianças, àsquais foi ocultada a morte do avô. O mais moço dos três - Guy -no dia e à hora dos funerais se achava à mesa com os nossosamigos! quando de súbito se ergueu da cadeira, exclamando:Aqui esta o vovó! Junto à janela. Olhem. E, dizendo isso, desceuda cadeira para correr ao encontro do avô.

Lembro-me de que ele tinha apenas dois anos e meio e que,não só ignorava o falecimento de meu marido, como nenhumaidéia fazia da morte.

No dia seguinte, de manhã, estava ele brincando num quartocontíguo ao meu e o ouvi de repente a saltar e a rir, gritando:Vovô! Meu vovô! Contrariada com isso, saí depressa para fazê-lo calar-se. O menino, porém, continuou a bater alegremente asmãozinhas, rindo e dizendo : Olha como o vovô está. bonito,assim vestido de branco! E tem uma roupa luminosa! Aobarulho que ele fazia, acorreram minha cunhada e osdomésticos, ficando todos impressionados com as suasexclamações e lhe perguntaram em que lugar via o avô. Omenino pareceu espantado de que todos não o víssemos eexclamou surpreendido: Está ali! Não o vêem? Seus olhosfitavam um ponto do espaço, onde poderia achar-se o vulto deum homem; em seguida, todos notaram que o seu olharacompanhava alguma coisa que se elevava no espaço e logo oouvimos exclamar: Ah! a vovó foi-se embora!

Garanto-lhe, caro Mestre, pela minha honra, a exatidãoescrupulosa dos fatos expostos. Os meus três meninos eramainda muito crianças para guardarem lembrança do que relato

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mas, minha filha, a dama de companhia e eu jamaisesqueceremos isso que para todos nós é sagrado.

Neste episódio, a única hipótese que se poderá opor àinterpretação espirítica dos fatos continua sendo a de umapresumível transmissão telepática do pensamento, feita pelosfamiliares da criança percipiente. Mas, do episódio ressaltamparticularidades que com essa hipótese não se logra explicar.Com efeito, o menino Guy vê o fantasma do avô vestido debranco e com uma veste luminosa, pormenores em que osfamiliares não podiam ter pensado e que, portanto - na hipótesede uma transmissão telepática do pensamento - o menino nãodeveria perceber. Por outro lado, uma criança de dois anos emeio, que tudo ignorava acerca da morte e ignorava, sobretudo,que os fantasmas dos defuntos se manifestam freqüentementeenvoltos em brancas vestes resplandecentes, não podia de certose sugestionar nesse sentido.. Assim, essa particularidade,correspondendo a uma forma de manifestação, verídica nosfantasmas dos defuntos, importa na eliminação também dascoincidências fortuitas, enquanto que se mostra altamentesugestivo no sentido da interpretação espirítica do caso. E essainterpretação é ulteriormente sugerida pela consideração de que,não lhe sendo aplicáveis as três únicas hipóteses naturalísticascom que se poderia pretender explicá-lo a auto-sugestão, atelepatia entre vivos e as coincidências fortuitas,necessariamente se tem de recorrer à única interpretação capazde lhe dar explicação : a de uma transmissão telepático-espíritaentre o avô defunto e o netinho percipiente. A este propósito,não se deve esquecer que o defunto prometera formalmentemanifestar-se à sua viúva, para lhe fornecer, dessa maneira, umaprova positiva da sobrevivência, pelo que se deverá reconhecerque ele cumpriu a promessa, manifestando-se ao neto vidente,antes que àquela, que não possuía faculdades de sensitiva .

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*

Refiro um segundo episódio que se me deparou no vol . X,pág . 139, do Journal of the S . P . R . , narrado assim pelaSenhora Katharina M. C. Meredith:

Quando minha filha tinha cerca de dois anos, morreu-lhe opai, que a amava com ternura. Dois meses depois, a menina,sentada na cama, no quarto que fora do pai, se entre tinha comalguns brinquedos. Eu e a ama estávamos ocupadas em lhearrumar os vestidos num baú. De repente, a pequena se pôs aconversar e a rir com alguém que não víamos. Perguntei-lhe oque fazia e com quem conversava e ela mirando-me, comcuriosa atitude de inocente espanto, respondeu : Falo com opapai . Perguntei então : Onde está o papai? Replicou ela, comar de maior surpresa ante a minha pergunta: Está aqui. Ponderei:Não, querida, o papai não está aqui . Ela insistiu que estava ecom o dedinho apontou para a cabeceira da cama . Logo, porém,acrescentou : Agora o papai foi-se embora . Em seguida, deuuma risada, exclamando: Que roupa esquisita tinha o papai: eratoda branca. Dito isso, continuou a divertir-se com os seusbrinquedos, como se nada houvera ocorrido. Ela ignorava amorte do pai, porquanto, nos tristes dias da crise fatal, foraafastada de casa . Quando voltou, nós lhe dissemos que o papaisubira para o céu, o que nada significava para uma criança dedois anos...

No episódio exposto, repete-se a particularidade interessantede uma criancinha ver o pai defunto todo vestido de branco,particularidade que tão curiosa parece à pequenina vidente, quea faz rir gostosamente. Ora, como antes já acentuei, essaparticularidade, quando se verifica com percipientes de tenraidade, basta por si só para eliminar as hipóteses imaginadas paraexplicar os fatos, de maneira naturalística. Excluída, com efeito,a auto-sugestão (porque numa criancinha de dois anos

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semelhante hipótese está fora de questão) ; excluída apossibilidade de uma transmissão telepática do pensamento(porque a mamãe não podia imaginar que o marido defuntoestivesse vestido de branco) ; excluída a hipótese dascoincidências fortuitas (porque a particularidade em apreçocorresponde a alguma coisa de verídico nas manifestações dosdefuntos), segue-se que o caso de que se trata se apresentaexclusivamente elucidavel pela hipótese espírita, sobretudo seele for considerado cumulativamente com todos os outros da suaclasse.

*

Para não separar deles os dois grupos de casos concernentesàs crianças videntes, citei o segundo grupo desses casos - o quese refere às aparições de defuntos depois da morte - antes decitar exemplos de aparições de defuntos por ocasião de morte,observados coletivamente. Retomo, pois, a graduação, dando umpasso atrás.

Tiro dos Proceedings of the S . P . R . (vol . VI, página 293)o episódio que segue e que foi comunicado a essa Sociedadepela Srta. Walker, prima da protagonista, que assim o relata

Meus pais tiveram muitos filhos que em sua maioriamorreram na infância. Sobrevivemos Susana, Carlota e eu.Devido a essas numerosas lacunas, Susana era mais velha doque eu vinte anos. Meu pai era dono de um feudo inalienável, desorte que a morte de seus filhos varões, Willian e John - oprimeiro morreu rapaz, o outro ainda pequeno - fora a maiordesventura da sua vida. Susana se lembrava dos dois irmãos.William nascera e morrera muito antes que eu viesse ao mundo.John morrera com a idade de dois anos, pouco depois do meunascimento. De William não existiam retratos. Quanto ao deJohn, tu o conheces. E um pintado a óleo, no qual ele, em

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tamanho natural, figura um menino que ainda não se firma bemnos pezinhos, vestido de branco, com sapatos azuis, tendo aolado um galgo agachado.

Eu chegara aos vinte anos, Susana tinha quarenta e Carlotatrinta. Declinava rapidamente a saúde de nosso pai. Vivíamosentão unidos e felizes numa casinha situada nos confins dacomuna de Harrogate. No dia de que agora se trata, Carlota sesentira indisposta. Fora atacada subitamente de calafrios e odoutor lhe aconselhara se metesse na cama. Depois do jantar, eladormia tranqüilamente e eu e Susana estávamos sentadas dosdois lados da cama. O Sol se escondera, o ar escurecia,conquanto ainda não fosse completa a obscuridade. Não seiquanto tempo havia que nos achávamos ali sentadas, quando mesucedeu levantar a cabeça e ver uma luminosidade purpúrea porsobre a cabeceira de Carlota e envolvidos naquela luminosidademe apareceram dois rostinhos de Querubins que fitavamvivamente a enferma. Fiquei alguns instantes a olhar extática e avisão não dava indícios de que se ia dissipar. Afinal, estendendoa mão para Susana por cima da cama, disse-lhe apenas isto:Susana, olha para o alto. Ela olhou e, dando ao semblante umaexpressão de grande espanto, exclamou : Oh. Emelina, sãoWilliam e John?

Continuamos ambas a fixar, como que fascinadas, aquelavisão, até que tudo se dissipou, à maneira de uma pintura que sedissolve.

Passadas poucas horas, Carlota era de improviso presa deum acesso inflamatório e em breve, instantes expirava.

Este caso foi relatado por Frank Podmore, que pondera, paraexplicar a visão produzida, não ser necessário supor-se apresença espiritual dos dois irmãozinhos mortos, porquanto sepode imaginar que a referida visão foi um reflexo dopensamento da enferma.

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Mesmo que se aceite como legítima a objeção de Podmore,esquecendo quanto foi anteriormente dito acerca da inexistênciade alucinações coletivas de caráter telepático, é de notar-se que,em a narrativa acima, há uma circunstância que constitui indiretademonstração em contrário. Essa circunstância está no parágrafoem que se diz que a irmã Susana se lembrava de ambos os seusirmãozinhos, ao passo que a narradora, mais moça vinte anos,não se recordava de nenhum dos dois e que do mais velho nãoexistiam retratos . Ora, se bem se considerarem as coisas, tudoisso significa que a irmã enferma, Carlota - mais moça dez anosdo que Susana - só do irmãozinho mais moço, John, devialembrar-se; pois que, a não ser assim, a narradora houverainfalivelmente escrito que ambas as suas irmãs - e não apenasSusana - se recordava das duas crianças . Não o tendo feito,resulta manifesto que a irmã moribunda, Carlota, não estava nasituação da irmã mais velha, Susana, nem da irmã mais .poça,que não se lembrava de nenhum dos dois irmãos, desde aexatidão incontestável da minha dedução . E, admitida esta,seguir-se-á que a visão percebida pela relatora não poderia serum reflexo do pensamento da irmã moribunda, desde que estaúltima desconhecia o semblante do mais velho dos irmãos queapareceram, de modo que se torna. incontestável a interpretaçãoespírita do episódio .

*

Tomo este outro ao Journal of the American S . P . R. (1921,pág. 114), episódio rigorosamente documentado, em que osrelatores tomaram imediatamente nota do ocorrido, que severificou junto ao leito de morte do conhecido poeta e prosadornorte-americano Horácio Traubel (1859-1919), que foi oBoswell de outro eminente poeta norte-americano WaltWhitman. Ele fora íntimo amigo deste último e o estudara

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durante toda a vida com imenso amor, tal como Boswellestudara Samuel Johnson . Depois da morte do amigo,publicaram um Diário em muitos volumes, ilustrativos da vida edo pensamento da morto. Horácio Traubel, a seu turno, foigenial poeta da mesma escola de Walt Whitman e, para algunscríticos, as poesias do discípulo rivalizavam cone as do mestre .

A Senhora Flora Mac Donald Denison, que assistiu à mortede Horácio Traubel, narra o que se segue

..No dia 28 de Agosto, Horácio estava de espírito muitodeprimido. A enfermidade de Ana e a partida de Bains eramamarguras fortes demais para a sua fibra. Mildred lhe fezcompanhia durante longo tempo e decidimos não o deixar sónem por um instante. Quando chegamos à varanda, a fim de otransportarmos para o interior, achamo-lo radiantes de alegria.Assim me viu, exclamou: Flora, olha! Olha! Depressa! Ele sevai embora. - Onde? Que estás vendo, Horácio? Eu nada vejo. -Lá, naquela saliência da rocha, Walt me apareceu. Vi-lhe acabeça e o busto. Trazia o chapéu. Estava esplêndido, radiante;parecia envolvido por uma auréola de ouro. Saudou-me com amão, como a me reconfortar, e me falou. Ouvi distintamente otimbre de sua voz, mas unicamente uma frase compreendeu:Vem; espero-te. Nisso chegou Frank Brains, a quem ele repetiua mesma narrativa e durante toda a noite se mostrou de espíritoalevantado, radiante, feliz...

Na tarde de 3 de Setembro, Horácio estava mal e eu lhe fizcompanhia por algumas horas. Quando vi dirigirem-selentamente para mim as suas pupilas imóveis, julguei estivesseentrando em agonia . Ao contrário, desejava mudar de posição.Enquanto lhe satisfazia ao desejo, notei que ele parecia estarescutando alguma coisa . De repente, disse : Ouço a voz deWalt. Ele me fala. Perguntei: Que te diz? Respondeu: Repete:Vem comigo. Vem. Espero-te. Passados alguns instantes,

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acrescentou: Flora, juntamente com Walt, aqui se acham todosos amigos. Está Bob, está Buck e os outros...

A noite veio o Coronel Cosgrave fazer companhia a Horácioe lhe aconteceu ver o fantasma de Walt Whitman, o qual, vindodo outro lado do leito, se lhe aproximou e bateu na mão direita,que ele tinha metida no bolso. Ao ser tocado pelo fantasma, ocoronel sentiu uma espécie de choque elétrico. Também Horácioviu Walt e o disse. Essas aparições tiveram por efeito dissipar,como por encamo, o que de tétrico havia no ambiente. Ninguémmais se sentia acabrunhado: uma sensação de júbilo triunfalsaturava a atmosfera daquela casa.

(Assinado) : Flora Mac Donald Denison.

O doutor Franklin, secretário da American Society F. P. K. ,escreveu ao coronel Cosgrave, pedindo-lhe maisesclarecimentos sobre o memorável fato. Da correspondênciaque daí se originou, extraio estes tópicos essenciais:

Nos meses de Agosto e Setembro de 1919, vivi em intimasrelações com Horácio Traubel, que todos conhecem pelas suasobras e pelas suas nobilíssimas aspirações espirituais. Antesdesse período, eu não o conhecia pessoalmente, do mesmo modoque apenas superficialmente conhecia as obras e os idealismosde Walt Whitman. Assinalo tudo isto para demonstrar que aminha mentalidade consciente e subconsciente não estava demaneira alguma influenciada pelas obras, nem pelas ideologiasdos dois mencionados escritores. Acrescento que o meuprolongado serviço militar na França, com exercito Canadensefeito quase sempre na primeira linha de Janeiro de 1915 até aoarmistício, naturalmente me familiarizara com a morte, de formaque o ambiente que cerca os moribundos, conquanto meinspirasse grande respeito, não produzia em mim a tensãonervosa e a sobre excitação emocional que comumente severificam em pessoas não familiarizadas com a morte. Também

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o faço para provar que me achava em condições normais deespírito, quando ai deu o fato a cujo respeito lhe escreveu FloraDenison, fato que confirmo em todos os pontos. Resumindo, eiso que aí passou;

Nas três noites que precederam a morte de Horácio Traubelfui passar a seu lado as últimas horas da noite. Ele se extinguiude paralisia e esgotamento, mas aparentemente não sofria.Estava semiconsciente e dificilmente articulava as palavrasdevido à paralisia da língua. Seus olhos, porém, sempre vivazese expressivos, faziam que com facilidade lhe adivinhássemos osdesejos. Na derradeira noite, pelas três da madrugada, seu estadoai agravou inopinadamente: a respiração se tornou quaseimperceptível e os olhos se fecharam; parecia haver caído emcoma. Enquanto isso, o corpo era preso de movimentosconvulsivos. Pouco depois reabriu os olhos, indicando com oolhar os pés da cama, ao mesmo tempo em que os lábios se lheagitavam num esforço vão para falar. Supondo que precisasserespirar mais livremente, recoloquei-lhe delicadamente a cabeçana posição normal; mas, ele logo se voltou, a fim de olhar denovo para o mesmo lugar, fixando extático um ponto situado atrês pés acima do leito. Fui então levado a olhar para aquelelado. O aposento estava insuficientemente iluminado porpequena lâmpada posta por detrás de uma cortina, no ângulomais distante do quarto. Gradativamente o ponto para onde sedirigia os nossos olhares foi clareando; depois, apareceu umaligeira nuvenzinha, que rápido se alargou e aumentou, tomando,dentro em pouco, a forma humana, em a qual se delineou osemblante de Walt Whitman, que afinal se apresentou de pé aolado do leito do moribundo, vestido de uma roupa grossa, com ocostumado chapéu na cabeça e a mão direita no bolso. Olhavapara Traubel e lhe sorria afetuosamente, como a reconfortá-lo edar-lhe a boa vinda. Duas vezes lhe acenou com a cabeça e, pelaexpressão do semblante, se percebia que tinha o intento de

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animá-lo. Conservou-se visível durante cerca de um minuto,para em seguida dissipar-se gradualmente... Antes, porém, deevanescer-se, enquanto Horácio e eu o olhávamos atentamente,ele se moveu, aproximando-se de Horácio. Este que, pelaparalisia, não podia permanecer longo tempo com a cabeçavoltada para um lado, foi obrigado a retomar a posição normal e,ao fazê-lo, balbuciou: Que é do Walt? Ao mesmo tempo ofantasma se dirigiu para mim, atravessando aparentemente oleito e me tocou a, mão, como em sinal de adeus. Esse contactoeu o senti qual ligeiro choque elétrico. A seguir, Walt sorriu umaúltima vez para Horácio e nos desapareceu das vistas. Deu-seisto a 6 de Setembro, duas horas antes que o enfermo expirasse,horas que lhe transcorreram, na sua maior parte, em coma,enquanto a paralisia tirava o uso da língua, mesmo nosintervalos de vigília. O olhar; todavia, se lhe mantinha cheio desilenciosas mensagens, compreendendo-se que ele percebiaoutras manifestações que não víamos.

(Assinado): Coronel Cosgrave.

Neste interessante episódio de visão coletiva junto ao umleito de marte, ressaltam indícios sugestivos em favor daobjetividade do fantasma que apareceu, antes de tudo, pelasmodalidades com que se foi produzindo, as quais começaramsob a forma de uma nuvenzinha luminosa que se alongou,condensou e aumentou de volume, até assumir as proporções e asemelhança do defunto poeta Walt Whitman, íntimo amigo dooutro poeta moribundo. E sabido que tais modalidades demanifestações, ordinariamente, são as com que se deparam nosprocessos das materializações experimentais de fantasmas, querquando se realizam de forma concreta, quer quando tomamforma imponderável (no nosso caso tratar-se-ia de um fantasmafluídico imponderável, tanto que capaz de passar através de umleito) . Em segundo lugar, a presumível objetividade da aparição

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se colige de outra circunstância, a de o fantasma aproximar-sedo percipiente e lhe tocar numa das mãos em sinal de saudação,contacto que aquele sentiu sob a forma de ligeiro choqueelétrico. Não há negar que as duas mencionadas circunstâncias,conquanto não se possam considerar resolutivas no sentido daobjetividade do fantasma, resultam suficientes para autorizar aconclusão de que as maiores probabilidades são a favor destaúltima explicação, que corroboraria fortemente a interpretaçãoespírita dos fatos, interpretação que, ao demais, seria legítima,mesmo que se tratasse de um fantasma puramente telepático,transmitido pelo pensamento consciente do defunto ao seuamigo moribundo.

Acrescentarei que o modo por que se iniciou o fenômeno daaparição, ou, seja, sob as modalidades peculiares aos fenômenosde materialização incipiente, não teria sido o empregado, nahipótese anímica de uma presumível transmissão, ao percipiente,de um fantasma alucinatório que se houvesse originado damentalidade do moribundo, hipótese esta última que insisto emdiscutir, embora os mais autorizados professores de patologiamental a tenham declarado inaplicável às manifestaçõessupranormais observadas coletivamente . Reservo-me, nadaobstante, para lhe aplicar o derradeiro golpe nos comentáriossobre o caso que segue.

Este outro do mesmo gênero foi publicado no Light (1907)O Dr. W. T. O Hara, médico dos transatlânticos da White

Star Line, narrou que numa das suas viagens na linha deYokohama, fora entregue aos cuidados do capitão uma meninade dez anos, que ficara órfã e que regressava ao Japão, onde aesperavam alguns parentes. Era tão graciosa, tão boa, tãointeligente, que para lago conquistou os corações de todos osmembros da equipagem, mas, principalmente, dos oficiais debordo, inclusive o doutor que refere ao fato. Quando otransatlântico chegou ao mar da China, a menina adoeceu

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gravemente de febre tropical e, apesar de todos os cuidados quelhe eram prodigalizados, foi piorando e todos perceberam que odesenlace seria fatal.

Nesse ponto, informa o doutor que, estando à cabeceira damenina, começou a experimentar a sensação inexplicável deuma presença no camarote, embora nada visse ao seu derredor.Cada vez mais fraco se lhe tornava o pulso e o doutor observavaansiosamente as mudanças que se lhe operavam na expressão dorosto, quando de súbito o camarote começou a iluminar-se demaneira misteriosa, se bem ainda viesse longe a alvorada. Embreve aquela luminosidade se tornou brilhante, como a auroraquando o Sol está preste a romper. Em seguida pareceucondensar-se numa radiosidade palpitante, com ondulaçõesazuis, brancas, douradas, que se concentravam em torno dacabeça da pequenina enferma. Durou isso algum tempo; depois,tudo se dissipou, voltando à sua primitiva semi-obscuridade ocamarote, onde uma lâmpada fraca e velada era a única fonteluminosa.

Durante a produção do fenômeno, a doentinha olhara para odoutor com ar de quem desejava pedir-lhe explicações, tanto quemurmurara: Olhe! Olhe! Como é belo! E, dizendo isso, os dedosde sua mão apertaram convulsivamente a mão do médico, cujanarrativa prossegue assim:

De repente, ela dirigiu para o alto O olhar. Também eu olheina mesma direção e vi, rente ao forro, por cima da suacabecinha, formar-se um globo luminoso, de contornosimprecisos, resplandecente como um fanal envolto em densanévoa. Aumentou lentamente, conforme se dera com o outrofenômeno luminoso e se tornou por fim uma esfera brilhante, deluz branco-azulada, em que a vida parecia palpitar. Apresentavacerta semelhança com os fogos de Santelmo que aparecem nostopos da mastreação, durante as tempestades saturadas deeletricidade.

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Também dessa vez a menina me olhara, murmurando Olhe.Olhe!

Lentamente - tão lentamente que por algum tempo ocontemplei - aquele globo luminoso desceu sobre a menina e lhecircunvolveu a cabeça, imprimindo-lhe ao semblante suave decriança sofredora uma glória de radiosidade espiritualliteralmente Angélica. Jamais eu tivera ensejo de assistir a umavisão de semelhante beleza e jamais a outra assistirei no futuro.

Enquanto o globo luminoso girava e brilhava em torno dacabeça da moribunda, senti que sua mãe apertava a minha, aomesmo tempo em que ligeiro frêmito lhe perpassava o corpo.Ela fez um débil esforço para erguer a cabeça, exclamando comvoz apagada e destacando as palavras: Oh! mamãe, mamãe!Sim, sim, vejo a estrada radiosa. Como é bela! Como tudoresplandece! A voz se lhe extinguiu num fraquíssimo sussurroincompreensível, do mesmo passo que o globo se elevava de umsalto, atingia o teto e desaparecia. A cabeleira anelada da meninarecaiu sobre os travesseiros. Percebi-lhe no corpo ligeiracontração dos músculos, os dedos se lhe relaxaram, o pulso setornou imperceptível, dos lábios se lhe escapou ligeiro suspiro,enquanto o seu rosto de anjo se fazia branco, branco como olinho. Ajoelhei-me, deixando correr as lagrimas que se meestrangulavam na garganta. Achava-me ali a sós com a minhamorta.

Cruzei-lhe sobre o peito as mãozinhas e maquinalmenteconsultei o relógio: eram duas e trinta da madrugada. Estando euainda ajoelhado, a porta do camarote abriu-se e entraram ocapitão e, em seguida, o primeiro, o segundo oficiais e mais doisoficiais substitutos. O capitão aproximou-se do leito, pôs a mãona fronte da morta e, voltando para mim, disse

Já o esperava. E acrescentou: Doutor, não acreditoabsolutamente em fantasmas, nem nos Espíritos, ou coisassemelhantes, e acho que entre nós não há quem acredite. Isto,

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porém, não obsta a que eu e estes quatro oficiais declaremos terassistido, neste instante mesmo, a alguma coisa deextraordinário e essa alguma coisa era tão distinta e real, queexcluí qualquer possibilidade de ilusão. Vimos um globo de luzazulada, que parecia um fogo de Santelmo em tempestade.Apareceu por sobre as nossas cabeças, no pequeno salão defumar e, estando nós a olhá-lo, ele atravessou o salão, dirigindo-se para a porta. Aí, parou um instante; depois, encaminhou-separa a porta deste camarote, onde desapareceu. Ouvindo isso,disse eu aos meus companheiros: Rapazes, a nossa Angélicacriança acaba de morrer, neste momento .

No comovente episódio que se acaba de ler, aparticularidade teoricamente mais sugestiva está no fato doglobo luminoso visto pelo capitão e pelos oficiais de bordo,além de mostrar-se o mesmo globo, que o doutor e a meninamoribunda viram, ser guiado por uma intencionalidade bemdefinida, pois que se dirigiu do salão dos oficiais para a porta dobeliche onde, naquele momento, expirava a menina confiada aoscuidados do capitão, fazendo-se assim mensageiro de sua morte.Nenhuma dúvida, portanto, acerca da gênese transcendental damanifestação.

Mas, que representava aquele globo luminoso? Note-se quena coletânea dos casos mediúnicos, não são raros os em que,tanto os Espíritos dos defuntos, como os Espíritos dosmoribundos aparecem aos percipientes sob a forma de globosluminosos e já numa de minhas monografias citei bom númerode casos dessa natureza. Dentre eles destaca-se o episódio deuma mãe que, no momento mesmo em que o filho expirava, viuescapar-se-lhe da cabeça um globo luminoso que se elevourapidamente e desapareceu no teto do aposento. Lembro tambémque o Doutor Baraduc conseguiu fotografar esse globo luminosoao morrer sua própria esposa. Deve-se, portanto, deduzir que nocaso em apreço o globo de luz azulada, guiado por uma vontade

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definida e visto coletivamente por seis pessoas, representava, aseu turno, uma das formas em que se manifestam os Espíritosdos defuntos e sob a qual se manifestou aos oficiais de bordo amãe defunta da menina que se extinguia, ao mesmo tempo emque se manifestava a esta última em forma humana, com ointuito de dar-se a conhecer.

Assinalarei ainda a frase do relator ao dizer que, quando amenina entrou em agonia, ele experimentou a inexplicávelsensação de uma presença, no beliche, conquanto nada visse emtorno de si. Essa misteriosa sensação de uma presença é muitocomum nos casos de telepatia no momento da morte, nos dasmanifestações de defuntos e nos dos fantasmas que seapresentam em casas ou localidades assombradas e concorreeficazmente para demonstrar a natureza objetiva do fantasmaque se manifesta, subentendendo uma ação telepática sobre opercipiente, da parte do mesmo fantasma.

Note-se também que são freqüentes os casos em que opercipiente, absorto numa leitura, ou noutro qualquer lugar, nãodaria pelo fantasma, se este não o levasse telepaticamente avoltar-se para o lado em que se produzia a manifestação. Estaúltima circunstância - a do fantasma não ser visível senão noponto para o qual o percipiente é levado a olhar, por influênciado mesmo fantasma - se transforma em ótima prova a favor daobjetividade dos fantasmas que assim se comportam.

De outro ponto de vista, assinalo que no caso oraconsiderado foram seis as pessoas que, com a agonizante,observaram coletivamente ou uma ou outra fase dasmanifestações supranormais que se produziram, sendo quequatro dentre elas, que não se achavam no lugar onde ofalecimento ocorria, o que viram foi um fenômeno dirigido poruma vontade ostensiva. Ora, em tais condições, ocioso se tornadiscutir a hipótese alucinatória.

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Isto posta, chegou o momento de declarar que, conquantonas páginas precedentes - apenas por não querer ficasse semresposta as objeções dos opositores - eu tenha continuado adiscutir sobre a hipótese alucinatória, mesmo depois de haverinformado que e Prof . Richet e o Professor Morsélli eramconcordes em considerá-la inaplicável às manifestaçõessupranormais subconscientes, coletivamente observadas,convém insistir no fato de que, em semelhantes circunstâncias,essa hipótese é literalmente gratuita e arbitrária, uma vez quenão se conhecem exemplas de verdadeiras e legítimasalucinações coletivas que tenham por origem uma influênciacontagiosa de transmissão telepática do pensamento. Nostratados de Psicopatia, encontram-se exemplos de alucinaçõescoletivas, mas unicamente em coletividades fanatizadas porcontágio místico, o que exclusivamente se dá por sugestãoverbal e nunca por transmissão telepática do pensamento, o queequivale a dizer que entre as duas ordens de fenômenos umabismo se interpõe. É, portanto, inexplicável que os opositorespersistam em valer-se de tão arbitrária extensão da hipótesealucinatória e que entre os que desse recurso se têm validofigurem nomes de eminentes pesquisadores, quais Podmore,Marcel Eric Dingwal e o famigerado Professor Jastrow.

No rol deles, porém, não se conta o Prof .Richet que, no seu`Tratado de Metapsíquica, repetidas vezes explana o tema daspercepções coletivas de fantasmas, excluindo categoricamente ainterpretação alucinatória dessas percepções . Assim, porexemplo, à página 321, observa: Há monições, sem dúvidaobjetivas: as percebidas coletivamente. Em tais circunstâncias,bem difícil é, para não dizer impossível, que não se hajaexteriorizado qualquer coisa de objetivo, análoga aos fenômenosordinários, que nos impressionam os sentidos normais... Adiante(pág. 438): Quando duas pessoas normais e de raciocínioperfeito descrevem o mesmo fantasma, impressionando-se

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simultaneamente e permutando simultaneamente suasimpressões, as mais das vezes no momento mesmo em que aaparição se apresenta, fora absurdo presumir uma duplaalucinação idêntica, inteiramente subjetiva . . . E, de maneiraainda mais explícita, à pág. 752: Se tratasse de um único caso dogênero, ou de um único percipiente, poder-se-ia acreditar numaalucinação, ou numa ilusão; mas, em realidade, semelhanteexplicação seria nimiamente infantil. Falam de alucinação para,com um vocábulo bastante cômodo, se desembaraçarem de umfato incomum, que perturba a nossa quietude científica;semelhante modo de proceder, no entanto, é, em verdade, pordemais simplista. Chegam até a falar de alucinações coletivas ;mas, não existem alucinações coletivas; os alienistasdesconhecem tal fenômeno . .

Lembrarei, finalmente, que há um grupo de episódiosanálogos, em que é de ordem sucessiva a percepção dofantasma, o que quer dizer que um mesmo fantasma é percebidona mesma localidade por diversas pessoas, em épocas diferentes,ignorando cada pessoa o que as outras observaram. Casos sãoestes que infligem última e definitiva derrota aos propugnadoresda hipótese alucinatória estendida aos casos de percepçãocoletiva de fantasmas .

*

Antes de passarmos a citar exemplos concernentes àcategoria que, do nosso ponto de vista a mais importante, a das`aparições de defuntos algum tempo depois de serem tais, julgonecessário referir-me a alguns fenômenos de outra natureza,tratados por mim numa monografia especial, os quais, se bemnão ofereçam provas da presença de defuntos identificáveis, seproduzem sob modalidades tais, que logicamente absurdo se

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torna o atribuírem-se os fatos a façanhas de personificaçõessonambúlicas, combinadas com os poderes da subconsciência.

O primeiro exemplo que apresento pertence à coleção doscasos de telecinesia a grande distância . Tiro-o dos Proceedingsof the S . P . R . , vol . VIII, pág . 218 . Relatou-o a Sra. AnnaDavies, conhecida pessoalmente por F. W. Myers, que escreveua narrativa do caso, conforme lhe foi verbalmente contado porela, que subscreveu o relato.

...Uma noite fui procurada por uma certa Sra. Brown, nossavizinha, que me deu uma caria proveniente da 1ndia aendereçada à Sra. J. W., pedindo-me que lha fizesse chegar porintermédio de meu irmão, que costumava encontrar-se com oirmão daquela senhora. Ao que parece, houvera demora e,talvez, descuido da Sra. Brown no encaminhar ao seu destino acarta. Tomei-a, prometendo entregá-la imediatamente a meuirmão. Era uma carta suja, de formato normal, com sobrescritoevidentemente traçado por pessoa inábil. Pu-la sobre a lareira daante-sala e me Sentei pouco distante, à espera de meu irmão . Ebem de ver-se que semelhante carta não me podia interessar demaneira alguma. Decorridos poucos minutos, comecei aperceber certo batido característico sobre a coberta da lareira, oque me fez vir à mente que talvez alguém houvesse trazido parabaixo um velho relógio existente no quarto de minha mãe.Levantei para certificar-me e verifiquei que ali não havia relógionenhum, nem tão-pouco em qualquer lugar do aposento. Aquelebatido, tão claro e vibrante, parecia vir do interior da carta!Fortemente surpreendida, tirei-a dali e a coloquei em cima damesa de centro, depois sobre outros móveis mais onde quer queeu a ponha, o batido persistia, provinde, invariavelmente, dolugar em que de cada vez a colocava. Passou-se assim cerca deuma hora, ao cabo da qual, não me sentindo disposta a suportarpor mais tempo tão espantoso mistério, passei para a salacontígua, a esperar meu irmão . Quando ele afinal chegou, levei-

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o ã ante-sala e apenas lhe perguntei se percebia qualquer coisa.Ao que, sem hesitar, respondeu: Ouço o bater de um relógio debolso, ou de um despertador. Como já eu disse, não havia nasala relógio de espécie alguma. Ele, então, guiado peso som, seaproximou do lugar onde estava a carta e exclamou: Ora esta! obatido vem desta carta! Pusemo-nos ambos a escutar; emseguida, tornamos da carta e a levamos de um lugar para, outro,até que nos persuadimos, de modo absoluto, de que o batidoprovinha dela, embora o envelope só contivesse uma simplesfolha de papel. Era singular a impressão que nos produzia aquelabatida : soava para nós como um apelo urgente à nossa atenção.Pusemos ambos a escutar em seguida tomamos da carta e alevamos de um lugar para outro até que nos persuadimos demodo absoluto de que o batido provinha dela embora o envelopecontivesse somente uma simples folha de papel. Era singular aimpressão que nos produzia aquele batido:soava para nos comoum apelo urgente a nossa atenção. Não me recordo se meu irmãoexpediu a carta a Sra. J.W. naquela mesma noite (a hora já iaadiantada), ou na manhã seguinte. O fato é que ela participava àdestinatária a morte de seu marido, devida a um ataque deinsolação, e fora escrita por um empregado seu, ou por um seucompanheiro de viagem. E fora de divida que aquele batidoinexplicável teve por fim compelir-nos a expedir a carta commais pressa do que a usual.

O irmão da Senhora Davies, confirmou essa narração nostermos seguintes:

...Quando entrei, achei a carta sobre a lareira. Assim eu,como minha irmã, percebemos claramente um batido semelhanteem tudo ao de um relógio . Levamos longo tempo a escutá-lo.Produzia-se tão próximo da carta, que parecia provir do seuinterior. Nada nos foi dado descobrir que pudesse, de qualquermaneira, desvendar o inexplicável mistério. (L. A. Davies) .

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Este episódio pertence a um grupo de casos em quefenômenos do mesmo gênero ocorrer no momento preciso dorecebimento de uma carta em que se participa ao destinatário amorte de um parente, fenômenos que as mais das vezes se dãosob a forma de uma série de pancadas, ou da queda de quadros,ou do retinir de campainhas ao longe, ou do despedaçamento deespelhos . Myers faz ressaltar a importância de tais fenômenos,do ponto de vista da possibilidade de os defuntos terem, àsvezes, conhecimento de sucessos terrenos que lhes dizemrespeito. F, com efeito, manifesto que, chegando-se ademonstrar que as coincidências dessa natureza se repetem comrelativa freqüência, já elas não se podem explicar por meio dehipóteses exclusivamente anímicas, tenda-se em conta que, noscasos do gênero, a hipótese telepática fica fora de questão, pelacircunstância de elas se darem quando já passados vários diasdepois de ocorrida a morte.

Daí se segue que, no caso em apreço, eliminada a telepatia,não se sabe a que outra hipótese recorrer, para explicar omisterioso batido que se fazia ouvir próximo a uma carta em quehavia a participação de um caso de morte, carta que, com efeito,não interessava aos percipientes, que, entretanto, tiveram aimpressão de que aquela manifestação singular significava serurgente a sua expedição à destinatária, em vez de continuaresquecida, como estivera durante algum tempo, em casa deoutrem .

Frisado este ponto, repito quanto hei dito precedentemente,isto é, que, se bem do caso citado não ressaltem provas dapresença de defuntos identificáveis, .ele, contudo, se produziusob modalidades bastante eloqüentes, no sentido da presença deuma intencionalidade dirigente do fenômeno, de modo a setornar logicamente absurdo pretender-se explicar o fato com ashipóteses de que dispõem os animistas totalitários .Efetivamente, com que hipótese o explicariam ? E evidente que

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se trata de um fenômeno auditivo-objetivo; mas, porque seproduziu? Mesmo quando se presumisse que a energiaindispensável a tal efeito provinha da percipiente, por possuirestas qualidades mediúnicas, porque se teria o fenômenoproduzido aquela única vez em sua vida e só diante de uma cartaretardada, em que havia participação de morte? Convenhamosem que há coisa diversa nessa manifestação; mas, já secompreende que do ponto de vista científico, os fenômenos detal natureza apenas adquirem valor teórico sob a condição deserem considerados cumulativamente com todos os outros damesma natureza, assim como com os outros aqui contemplados.E por isso que me decidi a apreciar um deles, a título deexemplo, no presente trabalho.

*

Passo a referir um episódio constante da minha monografiasobre Fenômenos de trazimento, em que figuram incidentes emque se notam características sugestivas de intervençõesexteriores . Auguro que essa monografia venha um dia a sertraduzida em inglês ou em francês e que então alguns eminentescultores das pesquisas psíquicas, ainda duvidosos da existênciade semelhantes fenômenos, dela se convençam baseados emfatos. Faço notar a propósito que, na classificação dos casos, meative rigorosamente à regra de afastar todos os fenômenosconseguidos em plena obscuridade, exceção feita dos obtidospor solicitação, ou em que a natureza excepcional do objetotrazido tornava impossível qualquer prática fraudulenta. Emseguida, limitei-me a enumerar exclusivamente fenômenos detrazimento conseguidos em plena luz, ou com luz suficiente.

Declaro, por fim, que se trata de uma categoria defenômenos por mim experimentalmente pesquisados a fundo,durante um período nada breve de dez anos, com dois médiuns

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particulares, amigos meus caríssimos, apaixonados cultores depesquisas psíquicas, assim como sócios do Círculo CientíficoMinerva, de Gênova, e logo depois investigados, também pormim, durante outros doze anos, com a célebre médium EusápiaPaladino.

E foi precisamente a Eusápia Paladino quem me ofereceu oprimeiro ensejo de discutir a tese segundo a qual, em bomnúmero de fenômenos de trazimento, se apresentammodalidades de manifestação inconciliáveis com a interpretaçãoanímica dos mesmos fenômenos.

E este o curioso fato a que me refiro, ocorrido numa sessão aque não assisti, mas que tive de discutir longamente no diaseguinte, com as três pessoas que nela tomaram parte.

Meu amigo Félix Avelino, secretário do Círculo CientíficoMinerva, desejando obter manifestações de caráter íntimo, emrelação com a personalidade de um parente que se materializarana noite anterior, por intermédio de Eusápia Paladino, dispuseraas coisas de maneira a realizar com ela uma sessão muito íntima,na sua própria residência. À sessão assistiram apenas ele, suairmã e uma estudante russa, também sócia daquele Círculo . Nacasa ninguém mais se achava, pois que a família do amigoAvelino andava em vilegiatura. Dito isso, entro a transcrever aparte do relato, concernente ao fenômeno de trazimento que foiconseguido. Escreve Avelino:

- Setembro, 5. - . . A médium, por mim controlada, estava àminha direita e, à sua esquerda, minha irmã... Ao fim da sessão,quando já fora obtido o que se desejava em matéria de fantasmasmaterializados, eis que do alto caí rumorosamente no meio damesa qualquer coisa volumosa e pesada. Estendo o braço,palpando a mesa, e ponho a mão num objeto que não tardo aidentificar como um grande pão, dos de quatro pontasdenominado de pasta soda.

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Desejando ver e analisar melhor aquele trazimento, pedi aJohn permissão, que ele me concedeu, para acender a luz; mas,com geral surpresa, iluminada a sala, verificou-se que nadahavia sobre a mesa. Procuramos por baixo desta, revistamos osmais recônditos ângulos do aposenta, averiguamos o interior dosmóveis e, afinal, as duas senhoras presentes apalpam a médiumpor todo o corpo. Tudo inútil, o pão não apareceu.

Só me restava recorrer a John, a quem pergunto seporventura fora ele que o escondera.

Dando forte pancada na mesa, respondeu pela afirmativa.Pedi-lhe então, vivamente, que mo restituísse, para que eu omostrasse aos membros da minha família e aos meus amigos.Foi esta a resposta de John: Pertence ao padeiro aqui do lado. Sete interessa reavê-lo, dá-me dois soldos. Tirei imediatamente dobolso dois soldos e lhe pedi que os apanhasse. Ele ordenoutiptològicamente: Apaga a luz. Assim fiz, ao mesmo tempo,formamos a cadeia. Eu controlava Eusápia com a mão esquerdae, segurando entre os dedos da mão direita a moeda de doissoldos, ergui o braço. Desce do alto uma mão e me arranca dosdedos a moeda. Transcorrem mais ou menos vinte segundos eoutra queda rumorosa sobre a mesa se faz ouvir, idêntica à queanteriormente ouvíramos. Acesa de novo a luz, vê diante de nóso grande pão de pasta soda desaparecido alguns momentosantes. Quanto à moeda de dois soldos, essa se foi de uma vez;não a encontramos em parte alguma .

Para completar esse caso magnífico de trazimento elevamento do mesmo objeto, fora de desejar que, na manhãseguinte, se houvesse tentado a prova de uma investigação juntoao padeiro que John indicara. Mas, ao meu amigo Avelino nãopassou pela idéia tentá-la, por se lhe afigurar que nenhumresultado daria, tratando-se, como se tratava, de uma bodegamuito desordenada, cujo proprietário não se teria apercebido

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nem da falta de um pão, nem da existência, em caixa, d; umamoeda a mais .

Apesar disso, esse tríplice fenômeno de trazimento elevamento se conserva muito interessante, além de muito bempreservado de qualquer imputação de fraude. Tratava-se, comefeito, de um grande pão, que não era fácil de esconder-se sob assaias da médium, nem poderia escapar ao apalpamento a que asubmeteram as duas senhoras presentes. Cumpre ainda observarque uma médium que lograsse realizar fraudulentamente oprimeiro grande trazimento, de certo não se aventuraria a fazê-lodesaparecer, correndo o risco de ser apalpada, como realmentefoi. Note-se também que, quando ergueu o braço com a moedaentre os dedos, Avelino sentiu que uma mão descida do alto lhaarrebatou, gesto que não podia ser efetuado por uma médiumque se achava sentada e segura pelas mãos.

Resta comentar o ato de honestidade a toda prova implícitono fenômeno de trazimento de um pão pertencente a outrem, atode honestidade posto em evidência pela resposta do Espírito-guia John. Esta circunstância me vai oferecer oportunidade parademonstrar que as modalidades sob que se produzem osfenômenos em foco são inconciliáveis, na sua maioria, com ainterpretação anímica. Por ora, pondero que essa correção deprocedimento com relação à propriedade de outrem constituiregra geral para as personalidades mediúnicas que presidem aosfenômenos de trazimento e esta notabilíssima característica,combinada com a de carecerem de valor comercial os objetostrazidos, o demonstra de forma impressionante . Daí decorreque, do ponto de vista da gênese presumível de boa porção dosfenômenos de trazimento, aquelas circunstâncias assume enormeimportância teórica, conforme se verá pelas consideraçõesapostas ao caso que me limito a referir e que me foi transmitidopelo professor Richet. Para ilustrar os fatos, reproduzo um

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trecho da carta com que o meu grande amigo falecido me enviouo relato do mencionado caso.

Caro Colega,. . . Comunico-lhe aqui um fato, que cabe inteiramente nos

seus escritos sobre os fenômenos de trazimento.E inédito esse fato. Se lhe interessar, pode publicá-lo. A

pessoa que me escreveu esta memorável história é um dos meusexcelentes amigos, em quem deposito absoluta confiança .

E o Visconde Saul De Vitray, neto da célebre Condessa deSégur (Rostopchine em solteira), que tantos livros encantadoresescreveu para as crianças...

Parece-me belíssima esta narrativa (inédita) . Infelizmente, oConde e a Condessa De Vitray não continuaram suasexperiências. Após o transporte de seu filhinho, tiveram medo ecessaram...

- Relato do Visconde Saul De Vitray-Ségur:Estas as manifestações que se produziram em Buenos Aires,

no ano de 1891.Quatro éramos os que nos reuníamos para interrogar a mesa:

exercício que considerávamos simples passatempo.As sessões se efetuavam num compartimento amplo,

fracamente clareado por uma luz exterior, o que ocasionavarelativa obscuridade, que, entretanto, permitia a fiscalizaçãorespectiva dos nossos movimentos. No curso de uma dessassessões, pousou sobre a mesinha um grande punhado defresquíssimas violetas de Parma, flores e hastes entrecruzadas.Podiam pesar uns cem gramas.

Perguntamos à mesa donde provinha semelhante mimo empleno Inverno e a resposta foi que procediam de Mar Del Plata,retiro estival dos habitantes de Buenos Aires, distante mais de250 quilômetros dessa capital.

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Em face do nosso espanto, acrescentou a mesa: Para fazerque as flores aqui penetrassem, eu lhes decompus a matéria e emseguida a reconstitui.

Essa explicação aumentou o nosso interesse, pelo quesolicitamos: Traze-nos uma nota de banco. Transcorridos algunsmomentos, uma pancada seca nos avisou de que o fenômeno seoperara. Vimos, com efeito, sobre a mesa uma nota de banco,inteiramente nova, de cinco centavos, valor mínimo da moedanaquela época.

Já isso constituía um belo resultado; entretanto, pedimos:Traze-nos uma nota de banco de 1000 piastras.

A esse pedido respondeu a mesa: Não posso, porque seriaum furto. Trouxe-vos uma nota de cinco centavos, que tirei dacasa forte de um Banco, porque considero insignificante o danocausado; com uma soma avultada, não Posso operar.

Animado com os resultados obtidos, continuamos ainteressar-nos pelo divertimento, e, a pedido nosso, os maisdiversos objetos existentes no aposento voavam e vinhampousar sobre a nossa mesinha. Quando o leve rumor causadopelo objeto trazido nos advertia de que o fenômeno se produzira,acendíamos a luz e verificávamos o prodígio. Ainda a pedidonosso, os mesmos objetos, bibelôs de toda espécie e chavestiradas de fechaduras, soltavam a seus lugares.

Acontecia ai vezes que, a pedidos que fazíamosinsistentemente, nenhuma resposta era dada por muitas horas; alonga espera, porém, não nos cansava e prosseguíamos no nossointeressante passatempo.

Numa de tais sessões, que já durava havia trás horas e seprolongou até às onze da noite, a mesa, evidentemente enfadadacom a nossa insistência, ordenou: Vão cear e depois voltemaqui.

Erguemo-nos, a rir e pilheriar, e nos dirigimos para a sala dejantar, situada ao fundo de uma fileira de quartos, dos quais o

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primeiro era o nosso de dormir e, ao mesmo tempo, o das nossassessões. Ai dormia o nosso filho, na sua caminha de ferro,cercado de alta grade, O nosso pequeno Paulo, que a guerra de1914 nos arrebataria para sempre, tinha então nove meses eainda não andava.

Para melhor apreciar-se o que segue, direi que, a mandadomeu, a ama se recolhera ao seu quarto e que no apartamentonenhum empregado dormia. Na casa, só estávamos com omenino nós quatro invocadores do Espírito.

Acabada a ceia, tomei de uma lâmpada de petróleo e,precedendo os demais, encaminhei-me para o quarto dassessões, onde, como já disse, havíamos deixado nosso filhinho adormir. Ao chegar, porém, ao quarto contíguo, dei de improvisocom o meu Paulinho acocorado junto de uma cadeira, no meiodo aposento, com os olhos fechados, tontos de sono.

Esse espetáculo inaudito arrancou de todos nós exclamaçõesde terror. Evidentemente, a criancinha fora transportada paraaquele lugar por uma força desconhecida .

Esse acontecimento imprevisto e preocupante deu causa aque desistíssemos para sempre das nossas experiências.

(Assinado) : Visconde Saul De Vitray-Ségur.

Tal o interessantíssimo relato que me enviou o professorRichet. Aí, o fenômeno do transporte do menino, de um quartopara outro, é indubitavelmente importante ; mas, do ponto devista teórico, a sua importância é muitíssimo inferior à do outrofenômeno do trazimento de uma nota de banco de ínfimo valor,combinado com a resposta que os experimentadores obtiveram,quando pediram lhes fosse trazida uma segunda nota de valorelevado, resposta que corresponde exatamente à de que já tratei,obtida nas nossas experiências de Gênova com EusápiaPaladino. Ora, tudo isso concorre para tornar mais evidente àexistência de uma questão formidável a resolver-se, relativa à

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gênese dos fenômenos de trazimento, os quais, por serem deordem física, pareciam destituídos de qualquer valor teórico, emsentido espiritualista. Mas, ao contrário, os episódios do gênerodeste acima exposto e a própria natureza dos objetos trazidos,sempre carentes de valor comercial, tendem a sugerir conclusõesbem diversas.

Limitar-me-ei a demonstrá-lo e, com esse escopo, cumprecomeçar observando que os opugnadores da hipótese espirítica,quando discutem sobre trazimento, ai valem precisamente dacircunstância de carecerem sempre de valor comercial os objetostrazidos, para insistirem na afirmativa dos fenômenos de que setrata não podem ter por origem senão um ato de vontadesubconsciente. E, em apoio dessa afirmativa, fazem ressaltar,como absurdo o inverossímil, que uma entidade espiritual nadade melhor ache para presentear os vivos, senão uma pedra, umramalhete, ume pérola falsa e assim por diante . Pois bem : paraquem atente bastante nas coisas, essa circunstância de fato serevela, ao contrário, como sendo a mais formidável objeção quese pode infligir à tese da origem subconsciente dos fenômenosde trazimento .

Importa, antes de tudo, lembrar que as personalidadesmediúnicas explicam o fato da tenuidade e do nenhum valor dosobjetos trazidos, ponderando, acordemente, que isso se dá pornão lhes ser lícito roubar, e acrescentam às vezes que facilmentepoderiam conduzir objetos de valor, sem dono, mas que não lhesé permitido fazê-lo, por não poderem prestar-se a satisfazer abaixas ganâncias de lucro .

Reconheço que uma análise superficial das explicaçõesaduzidas leva a considerá-las magras desculpas que aspersonalidades sonambúlicas subconscientes propinam aostolos; uma análise, porém, mais aprofundada das referidasexplicações leva, ao invés, a conclusões diametralmente opostas.Reflitamos um momento.

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Com efeito, para que se houvesse de procurar a explicaçãototalitária dos fenômenos de trazimento na hipótese anímica, oque vale dizer: nos poderes inerentes à subconsciência humana,é manifesto que, em tal caso, não deveriam existir, na escolhados objetos a trazer de fora, outras restrições além das relativasao volume e ao peso deles. Significa isto que, se as vontades domédium e dos presentes se conjugassem acordemente,objetivando o trazimento de um objeto, este se transportaria aseus pés, o que, sobretudo, devera ocorrer, indiferentemente,tanto no caso de pertencer a um dos presentes o aludido objeto,como no de pertencer a estranhos; quer se tratasse de umamoeda de cobre, quer de uma de ouro; assim com relação a umapérola falsa, como a uma verdadeira. Mas, ah! todos sabem quenão existe semelhante equivalência entra os objetos trazidos, istoé: quando um experimentador deseje o trazimento de uma.moeda de bronze, de um especial cartão de visita, de uma pérolafalsa, verá com bastante freqüência satisfeito o desejo quemanifestar; quando, porém, deseje, ainda que fortemente, o deuma moeda de ouro que não lhe pertença, ou de uma nota debanco pertencente a outrem, ou de uma pérola genuína existentenuma joalheria, nunca poderá esperar seja satisfeita a suasolicitação. Porquê? Porquê? Que relação existe entre umfenômeno mediúnico de ordem física e os ditames da ética? Nãoé evidente que se alguma relação há, o fato se torna literalmenteinexplicável por meio da hipótese do subconsciente? E não é, aocontrário, evidente também que a relação de que se trata semostra plausibilíssima como base das explicações que dão aspersonalidades mediúnicas? Em outros termos: se a gênese dosfenômenos de trazimento fosse puramente anímica, os tesouroscontidos nos escrínios de terceiros poderiam ser transportadospara junto dos experimentadores que os desejassem; mas, comosemelhante portento, embora desejadíssimo por bom número demédiuns e experimentadores, nunca se realizou, nem se realizará

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jamais na prática, de que modo se hão de explicar, sem exorbitarda hipótese anímica, as severas restrições de ordem moral quepresidem aos trazimento? Com franqueza, quando se refleteserenamente sobre as misteriosas circunstâncias em apreço, nãoé logicamente lícito se persista em não querer admitirintervenções espirituais em tais fenômenos.

Para evitarem equívocos, observo que estas consideraçõesnão devem considerar-se fundadas sobre os dois casos que citeia título de exemplos, pois que são deduzidas dos resultados deoitenta anos de experiências sobre fenômenos da ordem dos queapreciamos. Os dois casos citados valem por melhorevidenciarem a verdade das mesmas considerações, devido àsrespostas explícitas que deram em tal sentido as personalidadesmediúnicas que operavam, assim como pelo trazimento efetivode uma nota de banco de valor ínfimo, prova positiva de que asmesmas personalidades podiam - se o quisessem - trazer outrasde qualquer valor. Daí a inevitável conclusão de que, se o nãofaziam, outra explicação não se podia dar, senão a explicaçãomoral implícita nas respostas dos dois Espíritos guias, um dosquais pediu lhe dessem em moeda o valor do trazimento pedido,dizendo o outro que o trazimento de notas de banco de grandevalor equivaleria a um furto, que ele não podia praticar . Estasúltimas palavras contêm uma afirmação resolutiva,corroborando as considerações expendidas. Porque, de fato, nãopodia ele operar,, quando se tratava de uma nota de alto valor?Quem lhe impedia? Não parece claro que essas palavrasequivalem exatamente às afirmações de tantas outraspersonalidades mediúnicas, que informam não poderem fazê-lo,porque entidades espirituais superiores lho interdizer ? Então,não se é obrigado a reconhecer, em homenagem à lógica, que, seos fenômenos de trazimento se produzissem com auxílio dasfaculdades supranormais subconscientes, as cobiças dos

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médiuns e dos presentes dariam em resultada virem-lhes aos pésos tesouros pertencentes a outros?

Considere-se também que, no modo de proceder daspersonalidades mediúnicas, outra particularidade há,sobremaneira eloqüente, em sentido espiritualista. E que elasigualmente se recusam a trazer objetos de valor que a ninguémpertençam, declarando que lhes é defeso fazê-lo, por nãodeverem prestar-se a satisfazer a baixas ganâncias . Como se háde explicar, com a hipótese do subconsciente. esta outraescrupulosidade, por assim dizer, exagerada das personalidadesmediúnicas, no observarem as austeras regras de umamoralidade imaculada? Pretender-se-á, porventura, que tãoadmiráveis aplicações de moral evangélica sejam dons comuns atodas as personalidades integrais subconscientes? Respondo quejamais poderei entender que na subconsciência de um ladrãoarrombador de cofres exista uma personalidade tão pura eilibada, que se recuse a conceder-lhe a posse de bens que aninguém pertençam.

Há, porém, ainda mais a assinalar, quanto a isso. Se refletirque os metapsiquistas materialistas consideram aspersonalidades mediúnicas criações efêmeras do pensamentocoletivo dos presentes, reconhecer-se-á mais que enorme aabsurdidade de atribuir-se a personalidades fictícias de talnatureza princípios morais não somente sublimes, comoigualmente em flagrante contraste com as vontades coletivasgeradoras das citadas personalidades . E, se quisesse apelar paraa outra hipótese propugnada por alguns deles, segundo a qual aspersonalidades mediúnicas seriam manifestações proteiformesda personalidade integral subconsciente dos médiuns,personalidade essa provida de faculdades supranormais capazesde produzir os fenômenos de trazimento, ainda teríamos deperguntar porque uma personalidade integral subconsciente,destinada a extinguir-se com a morte do corpo, se mostraria tão

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evangélica, tão moralmente austera, tão indiferente ao bem-estarda seção consciente de si mesma, desde que esta última, como aprimeira, é destinada a extinguir-se com a morte do corpo?Infinitamente mais lógico eram os Romanos da decadência,quando exclamava: Embriaguemo-nos de vinho e de amor,saboreemos os prazeres que a riqueza proporciona, uma vez quea vida é breve e tudo acaba com a morte .

Quando, finalmente, se quisesse recorrer à única hipóteselogicamente sustentável, aceitando a sobrevivência (portanto aespiritualidade) da personalidade integral subconsciente, para,em conseqüência, lhe atribuir a produção em massa dosfenômenos de trazimento, mais que verossímil seria então supô-la dotada de uma correspondente elevação moral. Mas, restariasempre a resolver uma questão literalmente inconciliável com amoral imácula de que a queiram dotar: é que não se saberiacomo explicar que semelhante personalidade integral houvessede mentir constantemente, insulsamente, infamemente,disfarçando-se em uma série de Espíritos desencarnados ligadosaos presentes pelos laços da afeição.

E certo que na prática se dão em grande cópia mistificaçõesde tal natureza, devidas à invasão nefasta dos pseudomédiuns ;mas, nesses casos, não se trata da personalidade integralsubconsciente dos médiuns e sim de uma efêmera personalidadesonambúlica (é sabido, com efeito, que a personalidade integralsubconsciente só emerge nos estados de profunda hipnose e quenão é sugestionável) . Assim sendo, segue-se que não se poderiadotar com o atributo sublime de imaculada moralidade umapersonalidade sonambúlica sugestionabílíssima, destituída devontade, destinada a existir por uma hora, para em seguidadissipar-se no nada.

Convenhamos, pois, em que tudo concorre para demonstrarque não se poderia cogitar de uma prova mais eficaz do que aque aqui consideramos, para demonstrar, baseado em fatos, a

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intervenção de entidades espirituais na produção dos fenômenosde trazimento .

Concluo, portanto, convidando os propugnadoresextremados do animismo totalitário, a esclarecer-se a respeito eprevenindo-os de que, se responderem acolhendo comoincontestáveis as minhas conclusões (e não pode ser de outromodo), mas objetando que não conhecem como autênticos oschamados fenômenos de trazimento, eu me declarareiplenamente satisfeito, nada mais pedirei, nem de mais coisaalguma cuidarei, uma vez que fatos são fatos e sabem impor-sepor si mesmos, a despeito de, tudo e de todos, como o demonstraa História de todos os tempos .

*

No intuito de demonstrar cada vez melhor que todos osfenômenos metapsíquicos podem ser anímicos ou espirítico,conforme as circunstâncias, devido ao fato de que essas duasgrandes categorias de fenômenos têm como causa o espíritohumano, nas duas fases de encarnação e de desencarnação, emque o dito- espírito chega às vezes a manifestar suas faculdadessupranormais, oportuno se torna eu faça notar que também nosfenômenos da clarividência sobre o futuro se apresentamcaracterísticas que não se podem atribuir aos poderes dasubconsciência, sem contar que os fenômenos de tal naturezalevam, por si mesmos, a inferir-se que existe no homem umespírito que sobrevive à morte do corpo.

Duas longas monografias publiquei sobre o assunto, nasquais foram classificados e comentados 214 casos depremonição, auto premonição, vaticínios e profecias, de sorteque me acho em condições de poder pronunciar-me, comconhecimento de causa, sobre o formidável tema, donderepontam conclusões importantíssimas de ordem metapsíquica,

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psicológica e filosófica. Desta última ordem é a prova daexistência indubitável de um fatalismo relativo (não absoluto,veja-se bem) nas vicissitudes dos indivíduos e dos povos. E tãogrande mistério - de que tratei demoradamente nas duasmonografias citadas - terei ocasião de voltar mais adiante, aocomentar o terceiro dos episódios aqui relatados e que dizemrespeito a um impressionante grupo de premonições de morteacidental, cujas vítimas não se salvam, por tácito ou expressoconsentimento da causa operante . Acrescento que essacaracterística é de regra nos vaticínios de morte.

Eis um primeiro episódio notabilíssimo desse gênero, doqual foi protagonista o relator William Stead. Publicou-o em seunúmero de Janeiro de 1909 a Fortnightly Review e o extraio doprefácio que Stead escreveu para o seu livro: Letters from Julia.Narra ele:

Faz alguns anos, tinha eu como colaboradora uma senhorade grande talento, mas de temperamento desigual e de saúdeprecária. Seus modos se tornaram tão intoleráveis, que, emJaneiro, estava a pensar seriamente em livrar-me dela, quandoJúlio escreveu pela minha mão:

Mostra longânime com E. M., que antes do fim do anodeverá estar aqui conosco.

Fiquei espantado, pois que nada nela fazia pressupor talcoisa, Guardei para mim o aviso. e desisti de mandá-la embora.O fato ocorrera, ai bem me recordo, a 15 ou 16 de Janeiro.

Em Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho, o aviso me foirepetido . De cada vez, a mensagem vinha como conclusão deuma comunicação mais longa: Lembra-te de que E. M. terá demorrer antes do fim do ano.

Em Julho, E. M. engoliu casualmente um alfinete que se lhefixou no intestino, pondo-a gravemente enferma, a ponto de seusmédicos assistentes desesperarem de salvá-la. Entrementes,

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perguntei a Julia: E esse o acidente que previas, quando meanunciaste a morte de E . M. ?

Com grande surpresa minha, recebi a seguinte resposta:Não; ela se curará; mas, ainda assim, terá de morrer antes do fimdo ano.

Efetivamente, E. M., com espanto dos médicos, airestabeleceu e, dentro em pouco, volveu à suas ocupações. EmAgosto, Setembro, Outubro e Novembro, tiveram repetido oaviso. Em Dezembro, E. M. adoeceu de influenza.

Perguntei a Júlio: E chegado o momento?Não; ela não virá para cá por efeito de morte natural; mas

virá antes de findo o ano.Eu me sentia consternado, mas sabia bem que nada obstaria

a que o fato se desse.Veio o Natal. E. M. não passava nada bem. Quando chegou

o fim do ano, ela ainda vivia. Júlio então me disse: Poderei ter-me enganado de alguns dias, porém, o que anunciei acontecerá.

A 10 de Janeiro, Júlio me comunicou: Vai amanhã visitarE.M., toma as providências adequadas ao caso e despede-te dela,porque não mais a verás na Terra.

Fui visitá-la. Tinha febre e tosse insistente pois iamtransportá-la para o hospital, a fim de lhe ser prestada melhorassistência. Conversou comigo sobre projetos que trazia emmente com relação a trabalhos que lhe cumpria executar.Quando me despedi, perguntei a mim mesmo se Júlio, aindadessa vez, não se teria enganado.

Dois dias depois, recebi um telegrama em que se meinformava que E. M., num acesso de delírio, se atirara do 4 °andar ao solo, onde se tornara cadáver.

A data do triste acontecimento ultrapassara de alguns dias osdoze meses estabelecidos na primeira mensagem.

A autenticidade de tudo o que afirmo é comprovada pelosmanuscritos de todas as mensagens originais e pelos atestados

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que firmaram os meus dois secretários, aos quais, sob promessade segredo, eu comunicara os avisos de Júlio

E teoricamente notabilíssimo esse caso e o nome de quem orefere é garantia absoluta da sua autenticidade em todos os maisminuciosos pormenores.

Apontarei de passagem a circunstância de que das duasvezes que a pessoa indicada cai enferma antes do cumprimentodo vaticínio, Stead julga chegado o momento fatídico e nãoobstante recebe resposta negativa, circunstância contrária àgênese subconsciente da mensagem premonitória e favorável àindependência espiritual da personalidade de Júlio, visto que, seassim não fosse, a ação auto-sugestiva não teria deixado deexercer-se sobre o Eu subconsciente de Stead, levando-o aconfirmar tudo quanto o Eu normal pensava.

Observarei; ao demais, que, da resposta de Júlio E. M. nãovirá para cá por efeito de morte natural, ressalta que ela, além deconsciente do fim próximo da senhora em questão, estavaplenamente informada sobre o gênero trágico da morte que aaguardava, circunstância que oferece matérias de gravesreflexões, pois que dela resulta que, se Júlia houvesse confiado ofato a Stead, este certamente houvera salvado da morte aenferma, providenciando para que a vigiassem. Surge entãoespontânea a pergunta: Porque não o fez Júlia ? Porque,podendo-o, não quis proferir uma palavra com que salvasse damorte uma pessoa? Este o perturbador mistério para cujaelucidação uma só explicação se presta ria: Fazê-lo era defesa aJúlia; por não ser permitido a um Espírito obstar ao curso dosdestinos humanos . Eis assim em cheio na hipótese fatalista .

Finalmente, as mesmas considerações facultam ótimoargumento contra a hipótese da origem subconsciente de todasas premonições. Quando, com efeito, assim fosse, não seexplicariam às reticências análogas à que acima anotamos,tendo-se em vista que para um subconsciente não podem existir

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inibições superiores que o impeçam de salvar da morte umapessoa, revelando o ,que saiba. Posta a quentão nestes termos,que outra razão aduzir para explicai os numerosos episódios emque se destacam reticências semelhantes? Em vão seriaprocurada, porquanto nenhuma pode existir.

Conforme eu disse, nas minhas monografias que contêmvariadíssimos episódios do gênero deste, todos altamentesugestivos no mesmo sentido. Não podendo inseri-los numtrabalho de síntese, como este me limito a escolher e citar,dentre eles, mais dois casos importantes.

O que se segue (nas minhas monografias) é bastante longo ecircunstanciado, pelo que vou resumi-lo. Foi investigado peloprofessor James Hyslop, que conheceu pessoalmente apercipiente.

Trata-se de uma mãe a quem morrera uma filhinha noincêndio do seu berço. Ora, aconteceu que desde Agosto de ,1897 até a hora fatal, em Dezembro desse ano, à mãe da meninateve contínuos avisos supranormais do trágico acontecimentoque a sobre pairava, mas sempre de forma bastante vaga pararesultarem inúteis. Começaram os ditos avisos com um sentidoobscuro de prova dolorosa para a família inteira, sentido que serenovou e intensificou a tal ponto, que levou a percipiente a falardo caso ao marido. Depois, uma voz subjetiva se fez ouvir,aludindo, veladamente, à natureza da prova. ou, seja, à morte dacriança, que não mais precisaria de vestidinhos, de sapatinhos,de brinquedos, etc . Em seguida, vem uma primeira alusão,também obscura, à causa da morte, sob forma olfativa, emvirtude da qual a percipientes sentia cheiro de queimado, semcausa aparente, impressão que um dia se concretizou na visãocomplementar de um berço em chamas . Daí, os temores dapercipientes se voltaram, de modo obsidente, para a idéia deperigo com relação aos fósforos, e, na véspera do dia fatídico,foi ela presa de um impulso irresistível para destruir os mais

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perigosos, o que, entretanto, não fez, devido a uma intempestivareflexão. Afinal, no momento da catástrofe, ouviu uma voz quelhe aconselhava virar o colchão (sob o qual presumivelmenteficara perdido um fósforo), operação que costumava fazersempre, mas que naquela ocasião não fez, descuido e irresoluçãoque sugerem fortemente qualquer coisa de fatal na prova asobrevir.

Ressalta, portanto, que, se a percipientes teve arepresentação subjetiva de todos os elementos integrantes doquadro da catástrofe, tal se deu de maneira tão desastrada econfusa, que lhe impediu de concretizá-la numa percepçãosintética reveladora do significado premonitório dosmencionados elementos; que, se os significados foracompreendidos, conjurados estaria a catástrofe; mas...provavelmente, aquela desalinhada representação tinha a suarazão de ser.

Como quer que seja, também neste caso é patente que apersonalidade mediúnica ou subconsciente estava perfeitamentea par do gênero de morte acidental que ameaçava a criança, desorte que ainda desta vez surge espontânea a pergunta : Porque apersonalidade mediúnica, em lugar de prevenir vagamente doperigo de incêndio, ou de aconselhar, de modo igualmente vago,que virassem o colchão, não informou que debaixo deste haviafósforos espalhados, salvando assim a vida da menina?Pretender-se-á, porventura, que as primeiras frases tenham sidotelepaticamente transmitidas do subconsciente ao consciente eque a última haja ficado impérvia às vias de transmissãotelepática? Como ninguém ousará sustentar tão absurda tese,forçoso será concluir que, em tais circunstâncias, não é depresumir se trate de personalidades subconscientes (as quaisnenhum motivo teria para esconder o que soubessem, desde que,falando, salvariam da morte uma pessoa cara), mas, sim, deentidades espirituais, às quais, por motivos imperscrutáveis,

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porém perfeitamente concebíveis, não é permitido obstar aocurso dos destinos humanos, só lhes sendo lícito, algumas vezes,avisar as vítimas do destino, por meio de frases vagas,reticentes, oraculares, indecifráveis, até que o acontecimento sedê, com o intuito de criar nas vítimas designado um estado detemor benéfico, no sentido de predispô-las para o que vaiacontecer.

Referirei agora um terceiro exemplo de premonição demorte acidental, aonde ressalta, mais que nunca, indubitável aexistência de uma fatalidade na vida, mediante a qualunicamente se podem explicar as reticências e os simbolismosque manifestamente objetivam não embaraçar a execução dosdecretos do Destino . O vaticínio de morte que vou relatar semostra de grande importância, sobretudo pelo lado probante,visto ser a data recentíssima e ter sido formulado por doissensitivos, sem nenhuma ligação entre um e outro. Dá-se aindaque um deles insistiu sobre o mesmo acontecimento durante 14sessões, depois de tê-lo anunciado 31 meses antes que serealizasse . Acrescente-se que, por uma ironia da sorte e porordem supranormal, esse vaticínio de morte foi comunicado àvítima pelo sensitivo percipientes, que ignorava quem fosse oque teria de morrer. A vítima designada, ignorando, por sua vez,que o fato lhe dizia respeito, tomou dele nota cuidadosa, com ofim de lhe pesquisar de forma científica o desenvolvimento. Erao Dr. Gustavo Geley, diretor do Instituto Metapsíquico de Paris.

O primeiro de tão memoráveis vaticínios ocorreu, sem serprocurado, nas experiências de metagnomia a que o Dr. EugênioOsty procedia com diversos sensitivos. Escreveu ele

Ponho fim à presente enumeração de premonições de morteacidental, citando fragmentariamente as frases de um vaticínio,cujo desenvolvimento acompanhei por três anos, sem meaperceber, até verificar-se o fato, de quem era a pessoa a que elese referia.

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(Extratos dos relatórios das sessões hebdomadarias depremonições, com a sensitiva-clarividente Mme. Peyroutet) .

18 de Março de 1922 - . .O senhor toma parte regularmentenum jantar em que só homem se senta à mesa. Um delesempreenderá uma viagem e sofrerá um acidente seguido demorte... - (Eu participei regularmente de um só jantar periódico– o de 13 de cada mês - ao qual unicamente homenscompareciam. Esse jantar foi combinado em Junho de 1914 eéramos quinze os comensais, todos interessados nas pesquisaspsíquicas e, na sua maioria, amigos. O Doutor Geley, diretor doInstituto Metapsíquico, era do número) .

24 de Abril de 1922 - . . . Morte de um amigo seu, pordesgraça acidental. Haverá queda e morte. E um homem deciência...

21 de Maio de 1922 - . .O senhor saberá da morte de umamigo seu, devida a acidente grave. Serão duas as mortes... (ODoutor Geley era o único passageiro do aeroplano que no dia 14de Julho de 1924 se precipitou ao solo, na Polônia. Ele e o pilotomorreram imediatamente) .

15 de Julho de 1922 - ...Vejo sempre ao seu derredor amorte de um homem de ciência, seu amigo. Mas, em queconsistirá a catástrofe?... Haverá duas mortes...

28 de Setembro de 1922 - .. .Oh! doutor, vê sempre ao seulado este acontecimento de morte por acidente, que poderá darlugar a um oferecimento que lhe será feito e que mudará a suacarreira profissional... (Para os que o ignoram, direi que foi emseguida a morte do Doutor Geley que me propuseram assumisseeu a direção do Instituto Metapsíquicos) .

20 de Janeiro de 1923 - ...O senhor virá a saber da morte,por acidente, de um homem de ciência... Morte súbita. Duplamorte, depois de uma viagem a país distante.

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17 de Fevereiro de 1923 - . . . Sempre acidente e morte deum homem de ciência muito seu conhecido. Acidente e mortepor ocasião de uma partida.

17 de Março de 1923 - ......Oh! ser-lhe-á comunicada umamorte acidental, por fratura do crânio. . . Vejo uma morte queserá para o senhor causa de alguma coisa como uma nova tarefa,um trabalho novo...

21 de Abril de 1923 - . . .Oh! essa morte de um homem deciência está sempre ao seu lado! Doutor, o senhor certamentenão tem a intenção de subir num aeroplano, não é?

1 de Dezembro de 1923 - .. .Oh! que triste noticia de morte oespera! Morte acidental por uma queda! Duas mortes.Aproxima-se o dia do senhor a receber. E sua amiga essapessoa...

22 de Março de 1921 - ...Não tardará muito que saberá damorte de um homem de ciência, a quem o senhor conhecemuito. Um doutor dará uma queda. Acidente de automóvel, oude qualquer outra coisa, longe, longe, durante uma viagem . . .

4 de Abril de 1924 - ...Em torno do senhor há um fato demorte, que continuo a ver sempre. Morte acidental, noestrangeiro; qualquer coisa como uma embarcação queafundara...

31 de Maio de 1924 - . . . Morte acidental de um homemmuito seu conhecido. Morte por ocasião de uma partida, em paisestrangeiro...

9 de Julho de 1924 - ...Será uma morte que surpreenderágrandemente. Morte acidental. Partida durante uma viagem.Morte de um homem de ciência, que revolucionará a suaexistência...

Observa neste ponto o Doutor Osty:Cinco dias depois desta última sessão (14 de Julho de 1924)

o Doutor Geley partia de Varsóvia em aeroplano e logo depois amáquina se precipitava, causando-lhe a morte, assim como ao

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piloto. No dia 19 de Julho, a vidente, Mme. Peyroutet, tornou afalar, pela última vez, da morte acidental, que a obsidiava emtodas as sessões comigo, mas dessa vez assinalou a morte comoocorrida. (Revista Metapsíquica. 1930, pág, 50-52).

Antes de comentar o inolvidável episódio exposto, cumpre-me reproduzir um outro relativo ao mesmo caso de premoniçãode morte acidental ainda distante e que, como o primeiro,ocorreu espontaneamente, mas de forma auditiva, tendo porpercipientes o conHecido escritor, metapsiquista e tambémsensitivo-clarividente Pascal Forthuny. Numa conferência quefez, em Maio de 1926, no Instituto Metapsíquico, o tratou doscasos seguintes:

Sim, tenho a certeza absoluta de que, em muitascircunstancias, o futuro é previsível para o clarividente .. . Setodos os clarividentes tivessem o cuidado, que hei tido sempre,de datar e conservar os textos de suas profecias, depositando asem lugar seguro, para depois, há seu tempo, confrontá-las comos pormenores do acontecimento realizado, poderiam todostestificar, com plena consciência, que a previsão do que há dedar-se não é uma hipótese, porém realidade indiscutível, porquecem vezes verificada.

Limitar-me-ei agora a. divulgar um de tais documentos-prova, referente a uma profecia trágica, da qual,desventuradamente, me tocou a eu ser o comunicante.

Um dia, no silencio e na solidão do campo, estava eu nomeu escritório, absorto numa composição poética, quando, deimproviso, me ressoou ao ouvido uma voz autoritária a meordenar fosse sem demora ao Instituto Metapsíquica, em Paris,comunicar ao Dr. Gustavo Geley que eu fora prevenido da mortepróxima de um médico francês na Polônia, vítima de umdesastre de aviação. Obedeci, partindo imediatamente para.Paris, onde me dirigi à residência do Doutor Geley, que era naprópria sede do Instituto. Ele acabara, naquele momento, de

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jantar com a família e se achavam todos na respectiva sala. Fuiacolhido com a costumada gentileza e expus sem demora omotivo da minha visita, narrando o que a voz autoritária merevelara. Faço notar que, então; o diretor do InstitutoMetapsíquica nenhuma intenção tinha de ir a Polônia.Perguntou-me ele bruscamente: E de quem e trata? Foi-me ditodepois que, á essa pergunta, eu visivelmente empalidecera.Como quer que seja, eu não sabia de quer se tratava, pois quenão me fora declinado o nome da vitima. Mas, aquela perguntame deixou confuso. Procurei despertar as minhas faculdadespré-cognitivas. Pareceu-me que conseguia é mencionei umnome: o de, um doutor ilustre. Enganei-me no que dizia respeitoà pessoa; o Destino não me quis revelar completamente o seusegredo. Decorridos três meses o Doutor Geley se achava emVarsóvia; propuseram-lhe regressar de aeroplano a Paris e eleaceitou. Após um quarto de hora de vôo, o aeroplano seprecipitou ao solo, ficando horrivelmente esfacelados os doisque nele viajavam. Da minha trágica profecia, verídica, se bemque incompleta, fora feito um registro por escrito, no momentoem que a participei ao Doutor Geley, e esse documentoencontramos entre os papéis do nosso desditoso amigo. (RevueMétapsichique, 1926, página 368) .

O trágico acontecimento de que se trata, percebido 31 mesese 3 meses antes por dois videntes, com todas as particularidadesnecessárias a assinalar infalivelmente a vítima designada, massomente depois que o fato ocorresse, pode considerar-seconclusivo para demonstrar a existência de uma classe depremonições capazes de indicarem as vítimas de catástrofesacidentais, portanto, imprevisíveis, o que, do ponto de vista dahipótese fatalista, adquire enorme importância.

Procedamos, porém, com ordem. Antes de tudo, importaacentuar que o vaticínio em questão corresponde, de modoirrepreensível, a todas as exigências da documentação científica:

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de um lado, há 14 relatos do Doutor Osty, por ele escritos emface dos apontamentos tomados durante as sessões; do outrolado, há o relato de Pascal Forthuny, comprovado pelotestemunho de membros da família da vítima, bem como por umdocumento em que a profecia foi registrada, na ocasião, pelaprópria vítima que o vaticínio designava . Há-se, pois, deconcluir que, do ponto de vista probante, o caso em apreço épositivamente crucial em todos os seus minuciosos pormenores,dado que todas as particularidades que o constituem foramregistradas muito tempo antes que o acontecimento se desse.

O professor Richet, citando o caso em seu livro - (O futuroe a premonição), conclui com a observação seguinte:Verdadeiramente, a mim me parece que, depois da leitura desteíntimo episódio, deveria ser logicamente impossível duvidarainda da existência da lucidez premonitória. Assim é, comefeito, e a ninguém escapará a enorme importância teórica queapresenta o fato de possuir-se ainda que um só caso depremonição de morte por acidente em longo prazo, mas quecorresponda às mais severas exigências científicas e sedemonstre literalmente invulnerável, não só a todas as objeçõeslegítimas, como também a todas as sutilezas sofísticas dosopositores misoneístas

Firmado este ponto, se compararem os dois vaticínios,verificar-se-á que no primeiro, notabilíssimo pela insistênciacom que a vidente volvia ao aviso de morte, faltam delispormenores importantes que, ao contrário, se notam no segundo,os em que o vidente Pascal Forthuny não somente chega adesignar qual o gênero de morte acidental que aguardava avítima, isto é, morte pela queda de um aeroplano, como aprecisar que o desastre se daria na Polônia,. Contrariamente, nocaso do Doutor Osty, a vidente não mencionou o nome do paísdistante, em que a catástrofe ocorreria, nem determinou de quegênero era a morte que esperava a vítima, tanto que foi levada a

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adivinhar, apontando um presumível desastre de automóvel, oude qualquer coisa assim; depois, indicando qualquer coisa, comoo afundamento de uma embarcação. Entretanto; uma vez teveela a intuição da verdade, pois que perguntou ao Doutor Osty:Doutor, o senhor, de certo, não tem a intenção de subir emaeroplano, não é? Esta pergunta comprova que no momento elateve a intuição verídica do gênero da catástrofe que sepreparava.

Em compensação, no curso da reiteração insistente que apremonição assumiu, depara-se com grande número depormenores minuciosamente verídicos. De fato, a videntecomeçara por anunciar que a vítima era um doutor e um homemde ciência, amigo do Doutor Osty; que esse doutor participava,com o último, de um jantar periódico, a que só assistiamhomens. Depois, acrescentara repetidas vezes que a morteprevista teria uma causa acidental 2 seria determinada por umaqueda, na ocasião de uma partida; que haveria dois mortos; queo fato se daria durante uma viagem a terras distantes; e,finalmente, acrescentara repetidamente o pormenor preciso deque a morte do amigo do Doutor Osty daria lugar a que esteúltimo recebesse uma oferta que o levaria a tomar a si uma novatarefa, de que resultaria vendar defira revolução na sua carreira.

O outro vaticínio, o de Pascal Forthuny é menos difuso nospormenores secundários, mas, os essenciais, nele se encontramtodos, salvo naturalmente o nome da vítima, conquanto aentidade comunicante se haja expressado de maneira ademonstrar que sabia quem era aquele que tinha de morrer. Comefeito, a voz autoritária ordenara ao sensitivo que fosseimediatamente a: Paris, comunicar a premonição de morte aoDr. Gustavo Geley, o que quer dizer: exatamente àquele quehavia de morrer! Daí se segue, manifestamente, que a vozautoritária tinha consciência de coisas que não quis revelar e,assim sendo, é-se levado a concluir logicamente pela forma já

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antes formulada tantas vezes, isto é, que, de um lado, não podiatratar de uma premonição originária da subconsciência dosensitivo, pois, em tal caso, não existiriam motivos para que oEu subconsciente de Pascal Forthuny calasse um pormenor quehouvera salvado da morte um seu amigo; enquanto que, de outrolado, se há de concluir que, tendo-se a entidade espiritualcomunicante abstido de revelar o pormenor mais importante dapremonição, confirmava ulteriormente, com essa abstenção,tudo o que já se chegara a saber, mediante a análise comparadados casos em questão, ou, seja, que não é lícito às entidadesespirituais obstarem a que os destinos humanos se cumpram.

Como vimos, quando o Doutor Geley perguntousubitamente ao sensitivo quem era o que tinha de morrer, osensitivo, não se achando em estado de lucidez, fiou-se nainspiração e proferiu erroneamente o nome de outro doutor, fatoa cujo propósito observa: O Desuso não me quis revelar todo oseu segredo. Foi exatamente assim, porquanto, se lho houvesserevelado, o Doutor Geley teria tido o cuidado de não subir numaeroplano em Varsóvia, furtando-se desse modo ao própriodestino. Como quer que seja, desse ponto de vista deveponderar-se que a voz autoritária avançara demais - por assimdizer - na revelação das particularidades da catástrofe, pois,além de haver revelado que se tratava de um médico francês,amigo do Doutor Osty, que também era homem de ciência,pormenorizou que a morte se daria na Polônia, devida a umacatástrofe de aeroplano. Estas particularidades determinam comtanta precisão tudo quanto aconteceria, que é. de causar surpresanão se houvesse o Doutor Geley lembrado de coisa algumaquando, na Polônia., decidiu-se a aceitar o oferecimento, que lhefizeram, de regressar em aeroplano. Farei notar, entretanto, apropósito, que são freqüentes, em análogas circunstâncias, essasfatais amnésias, em relação às premonições de morte. Note-setambém que a fatalidade do que sucedeu ainda mais patente se

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mostra, desde que se reflita na circunstância de que o DoutorGeley nenhuma intenção tinha de regressar de aeroplano a Paris.Como, porém, manifestasse o desejo de partir com urgência,visto ter de ir a Londres, para iniciar experiências de fotografiatranscendental, foi-lhe sugerido viajar de aeroplano, sugestãoque ele fatalmente aceitou.

Dever-se-ia então inferir que, para a realização do vaticíniode morte acidental, concorreu um conjunto de coincidênciasfortuitas; porém. . , talvez mais próximo da verdade se esteja,observando que tais coincidências fortuitas .só na aparênciaexistiam. Dir-se-á, antes, que uma misteriosa vontade exteriorinterveio, sugestionando telepaticamente várias pessoas, entre asquais a vítima, a fim de que todas as coisas fossem dispostas demaneira que os decretos do Destino se cumprissem.

E para quem quer que haja analisado e comparado bomnúmero de manifestações desse gênero, não pode haver dúvidaquanto à verdade incontestável das conclusões acima expostas,de sorte que, cedo ou tarde, os representantes do saber, assimcomo os povos da Terra terão de convencer-se de que umafatalidade existe. Ao mesmo tempo, dou-me pressa emacrescentar que a análise comparada dos fenômenospremonitórios concorre eficazmente para demonstrar que, se écerto que uma fatalidade paira sobre os destinos humanos,respeito às grandes linhas do seu desenvolvimento, igualmentecerto e que ela deixa uma latitude de ação mais ou menos ampla(segundo a madureza espiritual de cada indivíduo) para oexercício do livre arbítrio, no tocante às iniciativas pessoais.Fatalidade relativa, portanto, e nunca absoluta. Já eu disse erepito: Nem livre arbítrio, nem fatalismo absolutos governam aexistência encarnada do Espírito, mas Liberdade condicionada .

Em reforço de tais conclusões, julgo oportuno citar umtrecho de carta que o professor Richet me escreveu, poucosmeses antes de sua morte, carta que publiquei na revista inglesa

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Psychic News (30 de Maio de 1936), e em que ele, respondendoa considerações minhas acerca. do fatalismo, me declaravafrancamente a sua opinião, nestes termos:

Sou inteiramente do seu parecer: não creio, com efeito; naexplicação simplista segundo a qual os acontecimentos da nossaexistência e a direção da nossa vida são devidas exclusivamenteao acaso, embora não seja possível apresentar prova nessesentido. O Fado existe, o que equivale a dizer: uma Força quenos guia e conduz aonde bem lhe pareça, por vias indiretas,tortuosas e muitas vezes estranhas.. E, também fora da direçãoda vida, há coincidências tão estonteantes, que é bem difícil nãose veja a obra de uma intencionalidade. (De quem? De quê?)...

(Em seguida a essas considerações, o Professor Richet mereferia algumas surpreendentes coincidências, ocorridas com elepessoalmente, mas que me abstenho de relatar, em respeito àpalavra confidencial, que as precedia) .

Essa a opinião de um eminente fisiologista, nos últimos anosda sua longa e operosa existência. Quer dizer: depois de meioséculo de pesquisas, e de meditações sobre os fenômenos daclarividência no futuro, considerados em relação às formidáveisquestões filosóficas do Livre Arbítrio e do Fatalismo. Rejubilo-me, portanto, com o haver ele, a seu turno, acabado por aderir àúnica solução racional do enorme mistério, solução que consisteem reconhecer-se a validade de ambas as questões em apreço eem reconhecer-se, pois, a existência de duas leis espirituaisantagônicas, a governarem o mistério do Ser, antagônicas, masdisciplinadas, condicionadas, harmônicas entre si, de modo aprevalecer ~ uma ou outra, segundo a elevação espiritual decada indivíduo.

Não menos verdadeiro é que, reconhecendo a existência deuma fatalidade na vida, defrontamos com outro mistérioperturbador, concernente a certos decretos do Destino,considerados em relação à concepção humana ris Justiça Eterna.

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Observa-se, com efeito, que, muito freqüentemente, o Destinofere os benfeitores da Humanidade - inclusive Jesus de Nazaré,Sócrates, Joana d Arc - e os fulmina no momento em que elesdesempenham com mais eficiência suas missões. No nosso caso,o Destino abateu, em pleno vigor da varonilidade, o mais insignesustentador da sobrevivência, cientificamente entendida, dondereponta, em todo o seu conturbado aspecto, uma formidávelinterrogação: Como explicar o fato de o Destino haverfulminado um grande apóstolo da causa espiritualista, noinstante mesmo em que tudo fazia prever que, com o seu gênio eo vasto saber que possuía, em breve tempo ele houveraconquistado para aquela causa o mundo científico, resolvendo,em sentido espiritualista, o problema do Ser? Porquê?...Porquê?...

Em face de tanto mistério, nada mais resta, senão aceitar aexplicação contida na seguinte mensagem psicografia, obtidapor uma médium inglesa:

Provavelmente, a afinidade do grande sábio espiritualista foide súbito interrompida pela morte, porque, em virtude da suaobra, se teria percorrido com demasiada rapidez a senda queconduz à demonstração científica da sobrevivência,determinando, em conseqüência, gravíssima crise para vigentesinstituições religiosas e uma perturbação geral à coletividadecivil, ainda não madura para acolher uma Verdade a que épreciso se chegue gradativamente, por lenta evolução através doséculo vinte. Assim sendo, ele terá sido chamado à existênciaespiritual, o que, do nosso ponto de vista, circunscrito e errôneo,parecerá um Mal infligido a uma vítima inocente, quando, narealidade, é um Bem e um galardão deferido a quem cumpriratodo o seu dever na Terra. A existência terrena é uminsignificante parêntese, diante da existência espiritual.

Atingido este ponto e não podendo alongar-me mais a citarcasos, informo que, no grupo das premonições de

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acontecimentos mortuários, cujas vítimas não se salvam, portácito ou expresso consenso da causa atuante, um sub-grupo secontém de autopremonição de morte devida a causas acidentais,em que, igualmente, as vítimas vão de encontro ao destino queas aguarda, porque a mensagem supranormal é dada sob formaoracular, ou simbólica, ou reticente, de maneira a não permitirque quem quer que seja lhe interprete o significado, enquantonão se haja verificado o acontecimento.

Mais que nunca, portanto, evidente se torna que essacategoria de premonições as isenta, em absoluto, de uma gênesesubconsciente; mas, se houver quem de tal duvide, eu o convidoa refletir que, então, forçoso lhe será postular a existênciasubconsciente de um Eu integral que se reconhece imortal e agede acordo com essa convicção, o que, do nosso ponto de vista,viria a dar no mesmo. E tudo isso pela consideração de que, noscasos de auto premonição de morte, fora insensato admitir-se aexistência de um Eu subconsciente, destinado a extinguir-se coma morte do corpo, senhor de si e do próprio destino e que,consciente da sorte fatal que paira sobre o seu Eu consciente -portanto, sobre si mesmo - e podendo salvá-lo da morte com olhe transmitir informações exatas relativamente ao perigo que oameaça, dele, ao contrário, as oculte cuidadosamente, ou lhasministre em símbolos impenetráveis, até que o fato hajaocorrido, com o intento preciso de deixá-lo morrer e de deixar-se morrer. Uma vez reconhecido o absurdo lógico de semelhanteinterpretação dos fatos, segue-se que também no caso em que aspremonições de que se trata tivessem origem na subconsciênciados videntes, ser-se-ia conduzido igualmente a reconhecer queas reticências intencionais em questão correspondem a umafinalidade ultraterrena. Por estas razões os que propugnam aorigem subconsciente de todas as premonições seriam obrigadosracionalmente a admitir a existência de um Eu integral, cônscioda sua imortalidade, a agir de acordo com essa certeza.

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Acrescentemos que os opositores a que nos referimos teriam deadmitir também que, se o Eu integral subconsciente oculta, sobvéus simbólicos, o sucesso de morte que paira sobre o seu Euconsciente, portanto sobre si mesmo, ele deve saber igualmenteque o dito sucesso é preestabelecido, inexorável, fatal. Daídecorre que os propugnadores da subconsciência onisciente nãopoderia furtar-se a admitir - de bom ou mal grado - as hipótesesEspiritualista e Fatalista.

Opostamente, quando se reconheça que as premonições detal natureza não podem realizar senão por obra de entidadesespirituais, logo se consegue explicar de modo claro e natural,visto não existirem dúvidas teóricas que impeçam se admita queum Espírito desencarnado, preso pelos laços da afeição a umvivo ameaçado de um acontecimento doloroso, se esforce poravisá-lo disso, telepaticamente. E se tal caixa constantemente sedá dentro dos limites de umas representações parciais ousimbólicas, capazes apenas aí fazer que o vivo o entreveja, demodo a criar nele um estado de temor benéfico, tendente apredispô-lo para o que vai acontecer, tudo se explica com ascircunstâncias de fato aqui consideradas . Quer isso dizer que oEspírito comunicante é levado a conter-se em determinadoslimites, para não obstar ao curso inexorável dos destinoshumanos, seja porque o que acontece deve acontecer embenefício dá suposta vítima, seja porque lhe é defeso fazê-lo.

Vem daí que, por meio de inferências rigorosamentededuzidas dos fatos, chegamos a conclusões espiritualistassumamente importantes, que se podem resumir nas trêsseguintes proposições:

Em primeiro, que os fenômenos premonitórios do gêneroconsiderado, como todos os outros fenômenos supranormais,podem ser anímicos ou espíritas, conforme as circunstâncias ;

Em segundo, que dos mesmos fenômenos ressaltaindubitável a existência de uma fatalidade na vida, se bem que

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em combinação com uma dose conveniente de livre arbítrio eem proporções diversas, acordemente com os graus que osindivíduos hajam galgado na escala ascendente da espéciehumana;

Em terceiro, que, nas premonições de morte, se apresentaconstantemente uma particularidade muito sugestiva, a de seremelas transmitidas em forma oracular, ou simbólica, ou reticente,de maneira a torná-las impenetráveis aos interessados, enquantoo acontecimento não se tenha dado, como se o agentetransmissor cuidasse de maneira especial de não obstar, com asua intervenção, ao curso dos destinos humanos e quisesseapenas fazer que a vítima ou os seus familiares entreveja a provadolorosa que lhes está preparada, com o fim de criar neles umestado de temor benéfico no sentido de predispô-los para a ditaprova. Tudo isso demonstra que, em tais conjunturas, o agentetransmissor não pode ser o subconsciente do médium, ou dosensitivo:

Finalmente, tomemos nota de que as premonições de casosde morte, da qual as vítimas não se salvam, por tácitoassentimento da cansa amante, não podendo ser atribuídos nem ainferências subconscientes, nem a personalidadessubconscientes, nem, ainda menos, ser explicados por meio dasinefáveis hipóteses da quarta dimensão ou do eterno presente,em face das razões acima enumeradas, forçam necessariamentea concluir-se que uma parte dos casos premonitórios não é enunca cera explicável, se antes não se admitir a existência e asobrevivência do espírito humano. E esta conclusão se impõe àrazão, com a evidência de uma comprovação de fato.

*

Sempre com o objetivo de demonstrar, baseado nos fatos,que todos os fenômenos supranormais, sem exclusão de

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nenhum, podem ser anímicos ou espíritas, conforme ascircunstâncias, vejo-me forçado a indicar também os fenômenosde psicometria, que pareceriam interpretáveis exclusivamentecom os poderes supranormais da subconsciência, tendo em contaas modalidades sob que se produzem e que consistem em que, sepuser um objeto nas mãos de sensitivos especiais, eles lherevelarão a história, ou descreverão a da pessoa que longamenteo usou. Mistério profundo, de certo modo, mas que não impedese afirme, sem medo de errar, que nada existe, em metapsíquica,melhor comprovado e de mais fácil comprovação, do que osfenômenos de psicometria . Não sendo oportuno o momentopara me alongar sobre o assunto, limitar-me-ei a recordar quepubliquei uma extensa monografia sobre os Enigmas daPsicometria, à qual envio quem quer que deseje enfronhar-se emtão formidável problema .

Tendo de cingir-me à tese aqui considerada, observarei quetambém os fenômenos de psicometria, como os fenômenospremonitórios, podem ser espirítico; mesmo quando não hajaindícios aparentes de intervenções estranhas. E o que se dá noepisódio que segue, o qual, pelas modalidades com que sedesenvolveu, até pareceria uma ótima prova em contrário ecomo tal o considerou quem o obteve. Entretanto, se quiserinvestigá-lo a fundo, descobrir-se-á nele uma particularidadeaparentemente desprezível, mas que assume importânciaresolutiva em sentido espiritualista. Trata-se de um caso muitoconhecido, mas, dado o seu valor teórico, deve ter um lugarneste capítulo de síntese geral tendente a desfazer o erro nefastode pretender-se que a hipótese espirítica, se funda unicamentenas bases inseguras dos casos de identificação pessoal dosdefuntos.

Dito . isto, passo a referir o famoso caso Lerasle investigadomagistralmente pelo Doutor Osty. (Annales des SciencesPsychiques, 1914, pág. 97, e 1916, pág. 130)

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No dia 17 de Março de 1914, o Senhor Mirault, residente emCours-les-Barres (Cher), comunicava ao Doutor Osty que, haviaquinze dias, era procurado inutilmente um velho de nomeLerasle, que, tendo saído para um passeio, não mais voltara.Primeiro os parentes e amigos, depois 80 pessoas reunidas pelosíndico, havia perlustrado metodicamente, por muitos dias, ascircunvizinhanças, sem resultado algum. Nessa conjuntura, oSenhor Mirault enviava ao Doutor Osty um lenço de cambraiapertencente ao velho e lhe pedia consultasse a respeito uma dassuas clarividentes. O Doutor Osty remeteu o lenço a SenhoraMorel, sem explicação nenhuma. A sonâmbula descreveuminuciosamente a pessoa do velho desaparecido, de que modoestava vestido, a localidade onde residia, o caminho quepercorrera na floresta no dia do seu desaparecimento,declarando, por fim, que o via próximo a um regato, cercado demato denso. Organizaram novas buscas orientadas pelasinformações da sonâmbula e quase de súbito descobriram ocadáver do velho Lerasle. Tudo o que a sonâmbula afirmara oudescrevera era escrupulosamente exato, exceção feita de umpormenor: ela vira o cadáver deitado sobre o lado direito, comuma perna dobrada, quando, em realidade, jazia em decúbitodorsal, com as pernas estendidas. Nas três consultas feitas àsonâmbula, essa visão se produziu três vezes de forma idêntica.Na segunda consulta, a sonâmbula acrescentava estasinformações: Ele não avança muito pela floresta... Sente-se mal,deita-se, morre...

Essa tríplice visão errônea, conjugada à última frasetranscrita, é de assinalar-se pelo seu grande alcance teórico,como vou demonstrar.

Antes de tudo, assinalo que o episódio em exame é um casoclássico de criptestesia psicométrica, verdadeiro e legítimo, emque não se percebem indícios de intervenção extrínseca.Todavia, desde que se investigue qual a modalidade de

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criptestesia que melhor corresponde à explicação do mesmocaso, fica-se perplexo e embaraçado, uma vez que o incidente datríplice visão errônea da sensitiva tende a excluir todas as formasem que se manifesta a criptestesia propriamente dita. Vejamos .

Se supuser tratar-se de um fenômeno de visão à distância,logo se nota que, em tal caso, resultaria inexplicável o trípliceerro de visualidade em que cai a sensitiva, vendo o cadáverdeitado sobre o lado direito, com uma perna dobrada, quando elejazia deitado de costas e com as pernas estendidas, o quedemonstra de forma resolutiva que não podia tratar-se de visão àdistância .

Pela mesma razão, tem-se igualmente de excluir a hipóteseda exteriorização do corpo fluídico da sensitiva, pois que, docontrário, esta teria, indubitavelmente percebido o cadáver naposição em que jazia.

Ainda pela mesma razão, tem-se de excluir a hipótese datelestesia, porquanto, se o objeto entregue à sensitiva houvesseservido para estabelecer a relação psíquica entre ela e o cadávera ser descoberto, ela o perceberia qual estava.

Nem tão-pouco se poderia sustentar a hipótese da memóriadas coisas (psicometria tátil), visto que no lenço que pertenceraao desaparecido não podiam existir traços de acontecimentosocorridos depois que aquele o usara pela última vez, ao passoque a outra circunstância, dos parentes e dos vivos tudoignorarem a respeito, impõe a exclusão da hipótese de umapresumível relação psíquica estabelecida entre a subconsciênciada sensitiva e a subconsciência de um vivo distante, ao correntedos fatos:

Não resta, pois, senão a hipótese psicométrico-espirítica,segundo a qual a influência contida no lenço que pertencera aovelho Lerasle servira para estabelecer a relação com o seuEspírito, pondo-o em condições de transmitir telepaticamente àsensitiva uma série de imagens pictográficas tendentes a revelar

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a dolorosa história que lhe acontecera e tudo isso com o intentode conduzir à descoberta do cadáver. Ora bem: é neste ponto queo erro de visão em que cai a sensitiva se transforma numaadmirável prova .indutiva, em favor da interpretação espiríticados fatos. Assim é, com efeito, pela consideração de que, se oinformante da sensitiva foi o Espírito do defunto, tudo concorrepara supor-se que a errônea imagem pictórica por ela percebidaproveio realmente do defunto, coma última recordação sua domomento fatal em que se deitou sobre o lado direito e, havendoadormecido, passou do sono à morte.

E lógico supô-lo, pelas seguintes considerações: emprimeiro lugar, porque se deitar de um lado é a posição naturalque toma quem se dispõe a dormir; em segundo lugar, porque,ao sobrevirem os movimentos espasmódicos da agonia, o corpodos defuntos em virtude desses movimentos, acabou por tomar aposição supina (que é a posição de equilíbrio estável em queacaba por enrijar-se um corpo agitado por movimentosconvulsivos), sendo então óbvio presumir-se que o moribundose achasse em estado comatoso e que, por conseguinte, não selembrasse disso como espírito . Nada, portanto, de mais naturaldo que, três vezes seguidas, haver transmitido à sensitiva aimagem pictórica do próprio cadáver jazendo sobre o ladodireito, com uma perna encolhida, imagem verídica da suaúltima recordação terrena.

Segue-se que, aceita essa versão dos fatos (a únicaverossímil e capaz de explicá-los), o tríplice erro de visualidade,em que caiu a sensitiva, se converte em ótima prova a favor datese sustentada, que é a de uma provável intervenção extrínseca,também em numerosos casos de psicometria .

Narrarei, em resumo, mais um episódio em apeio da verdadeque propugno . Trata-se, também desta vez, de um caso bastanteconhecido, que despertou grande interesse na época em que se

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produziu. Acha-se exposto integralmente na minha monografiasobre os Enigmas da Psicometria .

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Narrarei em resumo mais um episodio em apoio da verdadeque propugno. Trata-se também desta vez de um caso bastanteconhecido que despertou grande interesse na época em que seproduziu.Acha se exposto integralmente na minha monografiasobre os enigmas da psicometria. Quem o relatou foi o próprioprotagonista, o rico banqueiro australiano Hugh Junor Browne,que sofreu a desventura de perder seus dois filhos num cruzeiroque empreenderam, em seu iate, pelas costas de Melbourne.Vendo que os filhos não voltavam, o casal Browne, presa degraves angústias, recorreu, para informar-se do que acontecera,ao célebre médium curador Jorge Spriggs. A partir deste ponto,é a seguinte a narrativa do Senhor Browne.

O médium chegou às 8 horas da manhã. Tomou da mão deminha mulher e pouco depois caía em sono profundo. Perguntouentão: Destes algum passeio pelo mar? Minha mulher respondeunegativamente e ele continuou: Noto uma grande depressão deespírito, em relação com o mar. Durante a noite estivestes muitoagitada e chorastes. (Era verdade.) Completou o seu diagnósticoe acabou repetindo: As vossas perturbações têm relação com omar. Fiz então, pela primeira vez, ligeira alusão ao que mepreocupava, perguntando: Vedes, porventura, algum naufrágiono mar? - Ao que o médium, sempre adormecido, respondeu:Não posso ver se acham no mundo dos Espíritos; mas, se mecoar fiardes algum objeto que eles usavam e com o qual meoriente, poderei procurá-los: Tomei os livrinhos de notaspertencentes aos meus filhos e lhos entreguei: Começou ele logoa falar nestes termos: Vejo-os num pequeno barco, na curva de

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um rio, com uma vela muito grande e outra pequenina, soltas aovento.

Aqui, para não me alongar excessivamente, interrompa acitação do texto, declarando que o médium fez uma descriçãominuciosa e completa de todas as peripécias do cruzeiro que osdois filhos do banqueiro Browne realizaram, até ao momento donaufrágio, descrição confirmada posteriormente pelasinvestigações a que procedeu ao pai. .Em seguida um dosrapazes se manifestaram pelo médium, dando ulteriores notíciassobre o drama, entre as quais o trágico esclarecimento de que ocadáver de seu irmão tivera mutilado um dos braços por umcação, fato que recebeu confirmação notável, pois que um caçãofoi pescado, em cujo ventre estava o braço de Hugh, e bemassim uma parte do colete, com o relógio e algumas moedas . Orelógio parara nas nove horas, hora que o médium indicara comotendo sido a do naufrágio .

Esta a parte substancial do dramático acontecimentoverificado com a família do narrador, Senhor Browne. Agora, donosso ponto de vista, cumpre acentuar a circunstância,teoricamente notabilíssima, de que, enquanto o médium seguroua mão da Senhora Browne, isto é, da mão dos dois defuntos, elenada conseguiu revelar sobre a sorte dos rapazes, o que sólogrou quando lhe foram entregues os canhenhos que elesusavam. Desse contraste episódico ressalta, com a máximaevidência, que o papel do objeto psicometrizado é o deestabelecer a relação psíquica entre o sensitivo e a pessoa vivaou defunta, ligada fluidicamente ao objeto. Ressalta, sobretudo,a condenação de uma hipótese cara aos opositores, a de que osparentes, os amigos e os conhecidos telepatizariam todas asperipécias de suas vidas aos parentes, amigos e conhecidos,peripécias que se conservariam indelevelmente impressas nassuas subconsciências, donde os sensitivos as extrairiam,gerando-se assim a ilusão das comunicações com os defuntos. A

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circunstância assinalada confuta irrevogavelmente semelhantehipótese, pois que, se o médium, segurando com a sua a mão damãe das vítimas, nada conseguiu revelar sobre a sorte de seusfilhos, quer isso dizer que a subconsciência desta últimaabsolutamente não colhera telepaticamente as peripécias dodrama que se desenrolara, tanto mais que à dita prova negativasucedeu imediatamente a contraprova positiva de o médiumrevelai tudo, logo que a influência dos filhos, conservada noscanhenhos que eles usavam, o colocou em condições de buscaralhures as informações desejadas.

Donde as tirou ele ? Se o perquirirmos, seguindo o métodocientífico da eliminação gradativa das hipóteses insustentáveis,resultará isto: posto que o médium não podia extrair doscanhenhos dos rapazes informações acerca de um dramaocorrido depois que eles haviam partido de casa para não maisvoltarem, conseguintemente depois da última vez em queusaram os referidos canhenhos; posto que a circunstância hápouco discutida indica que o médium não as podia tomar àsubconsciência dos pais; finalmente, posto que não as podia tirarda subconsciência de nenhuma pessoa viva, dado que não haviatestemunhas do naufrágio, segue-se que a influência contida noscalepinos serviu para estabelecer a relação psíquica entre omédium e as personalidades desencarnadas àqueles que ostinham usado, conformemente a tudo quanto dissera o médiumem transe e a quanto testificaram as comunicações mediúnicasque se seguiram à análise psicométrica e que os filhos defuntosderam pela boca do mesmo médium, fornecendo ulteriorespormenores sobre o drama de que foram vítimas, entre os quaiso triste incidente autenticado e teoricamente importantíssimo, damutilação de um dos cadáveres por um cação.

Estas as deduções rigorosamente lógicas que pra manam dosfatos e, como não existem outras hipóteses capazes de explicá-los, forçoso é concluir que este segundo exemplo concorre com

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o primeiro para demonstrar que, se analisam com a maispenetrante pesquisa os casos clássicos de suposta criptestesiapsicométrica, cuja origem pareça atribuível exclusivamente àsfaculdades supranormais da subconsciência humana, se chegacom muita freqüência a Conclusões nitidamente espirítica,devido a ligeiras circunstâncias de fato, não facilmenteassinaláveis, mas que são teoricamente preciosas, visto queinexplicáveis por qualquer hipótese naturalísticas Atentem nissoos propugnadores extremados do animismo totalitário .

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Passando a citar exemplos de manifestações e aparições dedefuntos certo tempo depois da morte, dos quais já referi algunsantecipadamente, quando se combinavam com manifestações deoutra espécie, devo prevenir que, por se tratar de uma categoriade casos que compreende uma multidão de grupos e sub-gruposvários, se segue que, diante da impossibilidade de esgotar o temaneste trabalho de síntese da minha obra, terei de limitar e referirexemplos que surgem sob a forma de assombrações, deobsessões e de aparições identificadas de fantasmas vistocoletivamente e sucessivamente .

Começando pelos fenômenos de assombração, temavastíssimo de que tratei em duas longas monografias, cingir-me-ei a relatar casos que revestem as modalidades mais simples comque tais fenômenos se produzem, porém modalidades que são aomesmo tempo as mais sugestivas, do ponto de vista aquiadotado.

Numa das minhas mencionadas monografias, eu me propusdemonstrar que os fenômenos de assombração, em geral, sãoidênticos, pela sua natureza, aos que se obtêmexperimentalmente nas sessões mediúnicas e isso até a ponto dehaver casos experimentais de manifestações mediúnicas que se

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transformam em fenômenos de assombração, havendo outroscasos em que se dá o inverso: os fenômenos de assombração setransformarem em fenômenos mediúnicas experimentais. Háainda outros em que os fenômenos de assombração cessam parasempre, em conseqüência de uma sessão mediúnica realizadacom esse intuito, no ambiente assombrado, ou cessam emvirtude do cumprimento de uma promessa feita junto ao leito demorte e não mantida. Finalmente, fiz ver que numerosos casosocorrem, em que se produzem irrupções assombradores noambiente onde se haja verificado, de pouco tempo, um suicídioou um delito, ou mesmo, porém mais raramente, uma mortenatural.

Ninguém há que não veja que tão impressionanteagrupamento de fatos de ordens diversas, convergindo todospara demonstrar que os fenômenos de assombração e osmediúnicos são transformáveis, conversíveis, reversíveis unsnos outros, equivale cientificamente à prova irrecusável dessefato, tendo como conseqüência a realização de notável salto parafrente na pesquisa das causas. Considere-se, com efeito, quedessa fusão das duas ordens de manifestações surgemcombinações de episódios tão eloqüentes, que subvertemtotalmente a interpretação teórica de todos eles, no sentido deque se, considerados separadamente, os referidos episódiosparecem suscetíveis de ser interpretados por meio de hipótesesnaturalísticas, combinados uns com os outros, excluem estashipóteses.

Assim, por exemplo, num caso que citei, de campainhas quetilintavam no instante em que uma morte ocorria à distância, ofenômeno em si, quando se realizasse unicamente no instante damorte, poderia explicar-se pela hipótese telepática combinadacom a telecinesia; mas, havendo as campainhas tilintado pormais de 40 dias, transformando aquela manifestação num casode assombração, é de ver-se que as hipóteses em questão têm de

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ser excluídas, tornando forçoso admitir-se a intervenção dodefunto, que se manifestava de tal modo, por ser essa, para ele, aúnica via de menor resistência de que dispunha e insistiu durante40 dias com o objetivo de fazer notada a sua presença espiritualaos membros de uma família amiga, objetivo que conseguiurealizar .

Chegado a este ponto, para não me alongar, informo queconclusões análogas, em sentido espiritualista, são aplicáveis atodas as variedades de casos que colecionei na classificação deque se trata.

Referirei, pois, apenas dois episódios do gênero,concernente, um, aos casos em que os fenômenos cessam emseguida a uma sessão mediúnica realizada para esse fim, nolocal da assombração ; referente o outro a irrupções deassombração em lugar onde ocorreu um suicídio e, maisraramente, uma morte natural . `

O caso seguinte pertence ao primeiro dos dois gruposindicados. Tomo-o à revista Psychic Science (Janeiro de 1935),narrado e comentado pelo diretor da própria revista, oengenheiro Stanley De Brath . No episódio estão mudados osnomes dos dois protagonistas, por motivos que se tornarãopatentes ao leitor. E este o resumo do episódio.

No último andar de um velho edifício de Johannesburg (Sulda África), uma Sociedade de Arquitetos tinha os seusescritórios. Denominar Sociedade Clarkes e Munroe,acrescentando que, embora ambos fossem associados na maiorparte das construções empreendidas, cada um havia reservadopara si a clientela que já possuía e com relação à qual operavapor conta própria, sem dividir com o outro os lucros.

Havendo-lhe morrido a mulher e. achando-se só, oengenheiro Munroe mobiliara um quarto da sede social e aipassara a morar definitivamente .

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Aconteceu, no entanto, que também ele veio a morrer. Oquarto que ocupava não era necessário à sociedade, pelo queretiraram dali a mobília pertencente ao escritório, deixandoapenas um guarda-roupa e uma cômoda que pertenciam aodefunto. O quarto foi alugado a um jovem guarda-livros, quenele passou duas noites e se foi embora .

A segunda ocupante foi uma professora, que, depois depassar lá uma noite, se mudou.

O terceiro foi um construtor de viaturas, que apenas passoutrês noites.

Cada um contava a mesma história de rumoresinqualificáveis que consistiam em estarem sempre a bater asportas do guarda-roupa e do gabinete, que se abriam e fechavamcom estrondo, e em serem puxadas e empurradas,rumorosamente as gavetas da cômoda. Mal se acendia a luz,cessava todo ruído e tudo se encontrava nos seus lugares.

Nessas conjunturas, um dia, o filho do defunto, Sr. CarlosMunroe, telefonou ao médium Victor James, seu amigo, parainformá-lo de que o quarto em que seu pai residira estavaassombrado.

Realizou-se então nesse quarto uma sessão em que tomaramparte o médium James, sua mulher e o filho do morto . Quase desúbito, como costuma suceder com o médium em questão,entrou a condensar-se sobre a mesa uma nuvenzinha deprotoplasma, que se dirigiu para o lado, tomando a forma de umhomem. Conquanto se conservasse vaporosa, sua luminosidadepermitiu reconhecessem naquela forma a efígie do morto, oqual, entretanto, não chegou a ficar em condições de falar.Conseguiu, porém, impressionar a mentalidade da Sra. James,por meio de cuja mão ditou o que ele desejava comunicar e queera referente a um rolo de desenhos do projeto de um edifício dedez andares a ser construído para um Bazar, na rua dosComissários. Carlos exclamou: Mas, este é o projeto em que

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está trabalhando atualmente o engenheiro Clarkes, que dele,entretanto, fala como de um projeto seu. Lenta e solenemente, aSra. James pronunciou então estas palavras: Não, o projeto émeu. A Sociedade que vai construir esse edifício foi semprecliente minha exclusiva. Terminei os desenhos de todo o projetohá cerca de um ano; mas, deixei de enviá-los logo por motivosparticulares... O projeto é de propriedade de meu filho Carlos enão de Clarkes.

A pedido do médium Victor James, o morto prometeu nãomais provocar fenômenos de assombração naquele local,acrescentando, porém, que desejava descobrir e depois indicaronde tinham ido parar os desenhos do seu projeto. Propuseram-lhe então que ditasse o que houvesse de dizer ao médium James,em sua casa. Ele assim fez, informando que descobrira osdesenhos e pedindo que realizassem uma sessão com a presençado filho . Durante essa sessão, ditou pelo médium asinformações acerca do lugar onde se achavam os desenhos.

O filho ficou profundamente impressionado com o que foraescrito e no dia imediato, aproveitando o momento oportuno, foiao escritório do Senhor Clarkes verificar o que havia de verdadenos fatos que seu pai revelara e encontrou guardados ouescondidos por detrás da grande prancheta de desenho doengenheiro Clarkes todos os traçados, plantas, secções e cotasdo edifício em projeto e na prancheta uma cópia quase idênticados desenhos paternos, que Clarkes tencionava apresentar comoseus. Sem dizer. palavra, Carlos Munroe se apoderou dosdesenhos paternos, que estavam completos, e os apresentouimediatamente ã Sociedade interessada,, que os examinou eaprovou com ligeiras modificações. A nova construção nãotardou á ser iniciada, sob o nome e a direção do jovemengenheiro Carlos Munroe, sem que o engenheiro Clarkesousasse manifestar suas pretensões. Ele compreendera.

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Resta acrescentar que o quarto de que se trata acha-se agoraocupado por um empregado de Banco, que está satisfeitíssimocom a sua habitação e de nenhuma perturbação se queixou, nemde dia, nem de noite. (Loc. citada,, pás: 850-251) .

Neste caso, adquire importância teórica de primeira ordem,para demonstração da presença real do defunto que secomunicou, a circunstância de seguir-se aos fenômenos deassombração uma sessão mediúnica em que se manifestou oaludido defunto, fornecendo provas de identificação pessoal econseguindo que lhes reconhecessem a efígie. Considere-se,com efeito, que, se não houvessem produzido antes osfenômenos de assombração no local em que vivera o morto, osopugnadores sistemáticos da hipótese espirítica teriam dito que,não se podendo assinar limites à telepatia, era lícito afirmar-seque o médium houvera apanhado a informação verídica nasubconsciência do sócio da firma, ainda vivo, o qual sabia bemque não era seu o projeto arquitetônico concebido e desenhadopelo outro.

Naturalmente, as pessoas de bom senso nenhum valor teriamdado a tão absurda quão arbitrária extensão da hipótesetelepática, extensão que a lei da relação psíquica, assim comotodas as experiências telepáticas ate agora empreendidasinfirmam. Porém, nada obstante, os opositores teriam triunfado,pois que desse modo propunham uma hipótese irrefutável, porser indemonstrável. E o que constantemente se dá com osopositores sistemáticos: valem-se sempre de hipótesesirrefutáveis, Por não serem demonstráveis. Ainda recentementese viu o Prof . Barnard publicar um volume refutando ainterpretação espiritualista. dos fenômenos mediúnicos, volumeem que, toda vez que defronta dificuldades intransponíveis doponto de vista anímico totalitário ele se apega tenazmente àhipótese da telepatia onisciente com relação ao passado e aopresente, combinando-a com as hipóteses da quarta dimensão e

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do eterno presente, hipóteses estas ultrametafísicas eindemonstráveis, porquanto se conservarão eternamenteimpensáveis.

Acontece, porém, que no caso que estamos considerando,nem mesmo tais hipóteses, combinadas com a da telepatiaonisciente, poderiam explicá-lo, devido à assombração queprimeiro se produziu, ligada indissoluvelmente à manifestaçãode um morto que vivera naquele mesmo local. Quer isto dizerque a precedência da assombração demonstra positivamente queno caso em apreço os fenômenos dessa natureza eramprovocados pelo defunto, com o intuito de chamar a atenção dosvivos e chegar desse modo a comunicar-se com seu filho, paraavisá-lo de que se lhe arrebatara o fruto do labor paterno, intuitoque realizou, cessando, em conseqüência e de súbito, o.sfenômenos de assombração . Insisto, mais uma vez, sobre o fatoda cessação imediata desses fenômenos de acordo com apromessa feita pela entidade que se comunicara. Porquecessaram tão intempestivamente? Porque o mesmo fato ocorreem tantos casos análogos? Não será esta, porventura, umapreciosa contraprova, a confirmar que os causadores dosfenômenos eram mesmo os defuntos que, depois de se haveremdeclarado seus autores, o demonstravam por fatos, prometendonão os repetir e mantendo a promessa? Como, então, explicar-setoda essa concatenação de eventos, eloquentíssimos no sentidoespirítico, mediante a hipótese telepática! ou à dosubconsciente?

Não duvido de que semelhante empresa pareça desesperadaaos animistas totalitários ; mas, como quer que seja, eu desejariaconhecer de que modo eles raciocinam em semelhanteconjuntura, uma vez que - diga-se francamente - para quem querque raciocine com lógica, é evidente que tão feliz combinaçãode fenômenos de assombração, seguidos de manifestaçõesmediúnicas vigorizadas por provas de identificação pessoal,

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manifestações que determinam cesse a assombração, é evidente- digo - que tão eloqüente combinação de acontecimentosacarreta inevitavelmente a exclusão das hipóteses da telepatia edo subconsciente. Quanto às outras hipóteses a que recorrem osopositores em circunstâncias extremas: a da quarta dimensão edo eterno presente, de maneira alguma cabem em semelhantesmanifestações.

Segue-se que desta vez se pode considerar assegurado otriunfo do bom senso.

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Este segundo exemplo, da mesma natureza, se refere àsirrupções de assombrações num local onde se haja dado umsuicídio .

O Senhor Will Goldston, conhecido prestidigitador,publicou recentemente um volume de memórias, intitulado AMagicians Swan Song (O Canto de Cisne de umPrestidigitador), em que se encontra um episódio do gênero dosque estamos considerando. Esse episódio ele o havia publicadoantes, quando se produzira, na revista semanal Titbit (12 deDezembro de 1931), pelo qual aí soube que o suicida fora seuinquilino e que certo dia lhe declarara não poder pagar o aluguel,ao que lhe respondera: Está bem, bom homem; não se preocupecom isso . Pagar-me-á quando puder e não pensemos mais nocaso.

No livro reproduz com maior cópia de detalhes o episódio,narrando-o assim:

Para que uma pessoa fique convencida da sobrevivência,nem sempre necessita recorrer a um médium. As provas muitasvezes se nos impõem espontaneamente: Alguns anos faz, umcomerciante que alugara um escritório, no último andar doedifício em que neste momento trabalho (Green Street,

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Londres), se suicidou, asfixiando-se com gás de iluminação.Algumas semanas depois, achando-me no meu escritório emhora avançada da noite, inteiramente absorvido por um trabalhoimportante, fui de improviso despertado pelo ruído de passospesados que subiam a escada. Sabia eu perfeitamente que àquelahora o portão do edifício estava fechado ã chave, pelo que nãoera provável que o locatário de algum outro escritório viessetrabalhar a tal hora. Corri para o patamar da escada; exclamando: Quem estas ai? Que desejas? Continuei a ouvir os mesmospassos, parecendo que havia chegado ao ultimo andar. Renoveipor isto as perguntas. Como não recebesse qualquer resposta,subi a correr a escada, repetindo as mesmas perguntas. Emseguida inspecionei a escada com uma lâmpada elétrica: nãohavia ninguém e todas as portas estavam fechadas.

Voltei ao escritório e retornei o meu trabalho. Pouco depois,ouvi novamente os passos pesados a descerem á escada. Corrioutra vez ao patamar mais inutilmente não havia ninguém.Comecei então a pensar no que seria aquilo e, quando me retirei,gostei bem de ter no bolso uma lâmpada elétrica:

Passadas algumas noites, repetiu-se o mesmo fato, que sereproduziu em seguida com tanta freqüência que quando meachava no escritório há horas tardias, escutava sempre o arrastardos passos assombradores, sem finais mais me incomodar com acoisa.

Outro fenômeno curioso: quando negócios urgentes meobrigavam a prolongar excessivamente á minha estada noescritório, acontecia que três ou quatro pancadas fortes noespaldar da cadeira me sobressaltavam: Esse fato ocorreu muitasvezes durante aquele Inverno, em que tive de dar conta de umtrabalho enorme. Persuadi-me então, que as .pancadas eramvibradas para me avisar de que já trabalhara bastante aqueledia...

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Finalmente, uma noite fui abalada por sim estrondotremendo, semelhante ao ribombo do trovão, junto à porta elomeu escritório. Chamei; nenhuma resposta..: Por algunsinstantes, fez de novo silêncio. Em seguida, troou uma pancadafortíssima na porta interna, do escritório, não mais sobre a quedava para o patamar. Foi a violência da pancada, que o meusobretudo, perdurado a um cabide pregado na porta, se agitouvisivelmente . Dirigi a palavra à entidade que se manifestavadaquele modo. Nenhuma resposta; mas, a pancada não se repetiue desde aquela, momento não mais ouvi pancadas, nem passosna escada. - Porquê? - Naturalmente, nada de positivo se podeafirmar a respeito. Sempre, porém, achei que a grande pancadafinal dada na porta equivalia a uma saudação . Fora,provavelmente, um último adeus. Acabara encontrando paz oEspírito errante do suicida, até então preso ao lugar ondepraticara o ato insano. Esta, pelo menos, a explicação que meparece mais satisfatória.

Concluiu assina à testemunha dos fatos e difícil me pareceencontrar-se explicação melhor do que essa da presença doEspírito do suicida, naquele local, esforçando-se, como lhe erapossível, por manifestar-se a quem se mostrara generoso paracom ele. Semelhante explicação se revelará mais acertada quenenhuma outra, desde que se tenha presente que os casos danatureza do de que se trata nunca são consideradosisoladamente, mas cumulativamente com todos os outrosanálogos, entre os quais são freqüentes os em que se produzemmanifestações inteligentes de toda espécie e provas deidentificação dos defuntos que se manifestam. Se assim é, se, emlugares onde se deram tragédias ou suicídios, ou mesmo, porémmais raramente, simples morte natural, com freqüência severifica o fato de ocorrerem fenômenos espontâneos deassombração, ora sob a forma de passos pesados, de pancadas, .de estrépitos e derribamento de objetos, ora sob a de fantasmas

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que não raro são reconhecidos pelos que os vêem, ou, aindamelhor, desconhecidos a quem os vê, mas identificados por esteà vista de retratos, que se lhe mostrem; se for assim e se talfenômeno se há produzido através dos séculos, necessariamentese terá de concluir da maneira acima dita, isto é, que existemrealmente os Espíritos dos defuntos e podem por vezesmanifestar-se aos vivos, em circunstâncias especiais, nãoconforme o queiram, mas como possam, de acordo com osfluidos e as forças de que disponham .

Inversamente, pergunta-se: de que maneira a telepatia entranos casos de defuntos que se manifestam durante meses e anosdepois que morreram? E de que modo entram em tudo isso ashipóteses da psicometria do local e da persistência das imagens,dado que alguns fantasmas assombradores andam livrementepelos sítios e se mostram positivamente inteligentes, assim comocônscios do lugar onde se encontram, mirando os vivos,fazendo-lhes acenos, ou, ate, com eles conversando? E de quemaneira se há de fazer entrar a hipótese da telecinesia pura esimples, na produção dos fenômenos de pancadas, ruídos earremesso de objetos, quando esses fenômenos vêm diretamentede uma inteligência que amiúde se comporta de formasupranormal, como quando os projeteis que atingem as pessoasnenhum mal lhes causam, ao passo que estilhaçam a louça emque batem?

Reconheço que os processos da análise comparada aplicadaàs convicções humanas ensinam que o meio em que vive ohomem e os conhecimentos que assimilou em longos anos deestudos dominam a tal ponto a orientação do pensamento, que osfatos mais evidentes rirão bastam para converter aquele queesteja em erro. Que é, então, que se faz preciso para debelar omisoneísmo humano? Isto: pelo que concerne às manifestaçõesassombradoras, direi que uma coisa é ler-lhes as descrições,outra coisa observá-las. Se aquele que lê tem uma mentalidade

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obscurecida por preconceitos de escola, sentir-se-á em dúvidapor um instante, para depois tudo esquecer prontamente e tornar-se mais negador do que antes. Se, porém, o mesmo individuoassistir a uma manifestação de tal natureza, já não meiaduvidaria, porquanto uma experiência dessa ordem põe por terraqualquer preconceito de escola.

Digo isto por experiência pessoal: Em Setembro de 1907,suicidou-se um íntimo e muito querido amigo meu, por excessode escrúpulos em ponto de honra. Foi envolvido num desastrefinanceiro e, temendo não poder fazer face aos seuscompromissos (o que não se daria), preferiu a morte. Fui oexecutor do seu testamento. Logo depois de sua morte, surgiramgraves contendas entre herdeiros e, por ordem do Tribunal,foram apostos selos á porta da casa. E este um pormenorimportante em relação ao que sucedeu um mês depois. Era, comefeito, indubitável que naquele apartamento ninguém podiapenetrar, sem arrancar os selos de metal cravados nas duasfolhas da porta.

Pois bem, passado cerca de um mês, uma família inglesa queresidia no andar inferior, teve que se mudar à pressa, para evitarque a criadagem, inclusive uma ama de leite, se despedisseimediatamente. E que, durante a noite, ouviam as cadeiras e osoutros móveis do apartamento de cima ser arrastadosrumorosamente pelos aposentos, ao mesmo tempo em quepassos pesados faziam tremer o forro. As oito famílias que alimoravam no edifício se acharam em grande barafunda, querendoir-se embora, mal grado os contratos de locação. Fui de tudoinformado pelo porteiro; mas, quando tentei reunir testemunhospara citar num relatório, chamou-me o advogado consultor dosproprietários e me proibiu com palavras pesadas de falar ouescrever a respeito, sob a ameaça de me acionar por danos, comseqüestro preventivo e outros vexames legais que me fizeramempalidecer de horror. Esta a razão por que tive de renunciar à

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publicação de uma narrativa dos fatos. Agora, porém,transcorridos 30 anos, ouso timidamente falar deles, esperandoque não me lancem entre a cabeça e o pescoço os raios da lei.No subúrbio de Gênova, onde os fatos ai deram, ainda hojefalam deles, mas... eu não o mencionei .

Concluindo: o que me importa assinalar, a propósito dotriste acontecimento a que me refiro, é a repercussão psicológicaque teve em : mim . Já naquela época eu me ocupava, havia 17anos, de pesquisas psíquicas e tinha conhecimento de centenasde fatos idênticos ao que acabo de expor. Pois bem, foi paramim como se nunca houvesse sabido que se dão tais fenômenos,tão profunda e indelével impressão me deixou aqueles, a cujorespeito eu tinha a certeza absoluta de que quem se manifestavade tal maneira, por não conseguir manifestar-se de outra, era omeu infeliz amigo. Por isso é que disse, em começo, que umacoisa é ler descrições e outra assistir pessoalmente aosfenômenos das manifestações dos defuntos pouco depois de seterem tornado tais.

Entendamo-nos: reconheço que se pode adquirir umaconvicção científica da sobrevivência, fundada exclusiva esolidamente nas experiências de outrem, o que se conseguecolecionando e classificando bom número de manifestaçõessupranormais de toda espécie, para em seguida lhes aplicar osmétodos de pesquisas científicas, os da análise comparada e daconvergência de provas, trabalho que já então eu realizara,donde o já possuir uma convicção racional e científica, nosentido indicado. Muitíssima diversa, porém, ela se me revelou,em confronto com uma fria aquisição do intelecto, que ainda nãopenetrara nos recessos da personalidade integral subconsciente,onde amadurecem as convicções e se tornam inderrocaveis porefeito do elemento emocional que as vitaliza. Esse elemento seme patenteou em toda a sai potencialidade quanto tive ensejo deassistir em pessoa ao desenvolvimento de uma manifestação

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com caracteres indubitáveis da intervenção post mortem, de umapessoa que me era cara, intervenção presumivelmentedeterminada pelo desejo ansioso que tinha o defunto decomunicar com os vivos, para reivindicar seus direito ansiosoque tinha o defunto em comunicar com os vivos, parareivindicar seus direitos de testador, direitos trapaceados peloscavilosos sofismas de um advogado sem escrúpulos e que aodemais venceu a partida. Assim o móvel de manifestação depoltergeist a que tive de assistir foi idêntico ao anterior relatadode um arquiteto morto a cujo filho queiram arrebatar o fruto dotrabalho paterno.

Explicado isto advirto que bem longe estou de esperar queos outros hajam de convencer baseados no que passou comigo.Pretendi apenas expor as condições psicológicas que produziuem mim o caso poltergeist em que me achei diretamenteenvolvido, desempenhando a função de testamenteiro.

*

Passando a citar exemplos de fenômenos de obsessão temaainda controvertido no campo das pesquisas metapsíquica devoantes expender breves considerações.

Faz alguns anos publiquei extensa monografia intitulada “Dos Fenômenos de Obsessão e Possessão e muito hesitei antesde escrever, ponderando que poderia ser pré maturo tratandosistematicamente de uma intricada e obscura fenomenologia emque se contemplava a possibilidade da existência de indivíduosobsidiados ou possessos por entidades espirituais de defuntos,quase sempre – mas nem sempre – de categoria baixa, degrada emaléfica.

O professor Hyslop a quem aconteceu topar com algunscasos espontâneos de manifestações supranormais de caráterobsidente acabara por se convencer da realidade dos fatos e

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tendo concebido a idéia de escrever um livro sobre o assunto mepediu lhe enviasse todos os casos desse gênero registrados nasminhas classificações . Atendi ao pedido. Ele, porém, de súbito,morreu e, do livro que trazia em mente, não teve tempo deescrever senão o primeiro capítulo, que o Jornal of the AmericanS.P.R. publicou. Nesse capítulo, observa:

Mesmo depois de haver alcançarão a firme convicção daexistência de um mundo espiritual - e foi preciso transcorressemdez anos de perseverantes pesquisas para chegar a esse ponto -outros dez anos se passaram antes que me convencesse darealidade dos fenômenos de obsessão... Mas, as minhasprevenções se quebraram de encontro a evidencia dos latos...

Em seguida, expõe e comenta três casos notabilíssimos, porele próprio investigados. (Loc. cif., Janeiro de 1925).

Alguns anos depois, era publicada no Estados Unidos, sobreo mesmo tema, a obra do Dr. Carlos A. Wickland, sob o título :Thirty Years among the Dead (Trinta anos entre os mortos),obra de alto valor, mas que o teve um tanto diminuído pelo fatode haver o Autor exagerado à freqüência de tais fenômenos, epretendido mesmo descobrir-lhes os sintomas, nalgumasenfermidades do corpo, nalguns hábitos viciosos e nas bruscasalterações do caráter. Sem dúvida, há nisso, com freqüência,erro, escusável, porém, até certo ponto, dadas as circunstânciasem que se achava o Doutor Wickland que, aplicando seu métodoeletromecânico de cura a numerosos pacientes atacados demorfinomania, cleptomania, dipsomania, conseguira curarradicalmente. Como quer que seja, os resultados que eleconseguiu são importantes, devendo-se ao demais reconhecerque, para obtê-los, contribuiu eficazmente a mediunidade da suaconsorte, embora isso não baste para provar a origemobsidiantes dos casos de tal natureza, cuja cura se poderiaatribuir como mais provável à bem conhecida eficácia daspráticas de sugestão e auto-sugestão. Reconheço, todavia, que da

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obra de que se trata ressaltam numerosos episódios que asugestão e a auto-sugestão seriam impotentes para explicar,porquanto de não poucos dentre eles repontam manifestas eespontâneas as provas da presença de entidades espirituais.

Na minha monografia citei diversos desses notabilíssimosepisódios; aqui, no entanto, prefiro referir dois casos devidos àspesquisas do Doutor Magnin, de Genebra, que apresentou sobreeles longo relatório ao Congresso de Pesquisas Psíquicas deCopenhague (Resenha, página 128), relatório em que expõe ecomenta com critério rigorosamente científico alguns casos decuras notabilíssimas obtidas na sua clinica hipnótico-magnética.Escreve ele:

. . . Nestes últimos anos, entre os muitos doentes atacados devárias formas de neuroses e entregues aos meus cuidados poreminentes neurologistas e alienistas, quis a sorte se contassemalguns casos que parecem abrir novos horizontes à ciênciaterapêutica, pelo que me sinto no dever de dá-loa a conhecer aoseminentes doutores e psicologistas que aqui se encontramreunidos, visto que são todos altamente competentes noassunto...

Antes de expor, a título de exemplos, os dois casos incluídosno relatório do Doutor Magnin devo adiantar algumasconsiderações indispensáveis à compreensão do singularcomportamento de algumas personalidades obsidiantes queaquele doutor conseguiu catequizar, levando-as a sinceroarrependimento. Comportamentos singulares, com efeito, mas,ao mesmo tempo, muito instrutivos, porque, se analisam ecomparam numerosos fatos desse gênero, forçoso é concluir quetudo concorre para demonstrar que, salvo casos excepcionais, oarrependimento dos Espíritos obsessores é mera conseqüênciade que as práticas mediúnicas e hipnóticas, pondo-os emcontacto com os experimentadores, logram despertar maisdepressa, tirando-os das condições de monodeismo sonambúlico

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em que se achavam e operavam. Essas condições determinavamnos aludidos Espíritos um estado permanente de credulidadeanáloga à dos estados hipnóticos, ou dos que, durante o sono,sonham, de modo que, na ilusão de ainda estarem vivos e nãoconseguindo perceber a situação absurda em que os punha essasilusões, continuavam a querer executar a mesma ação especialque constituía o monodeismo de que eram presas. Era, como oscasos dos Espíritos obsessores são, em sua maioria,determinados pelo fato de se acharem eles possuídos dedesespero ou de ódio, ou tomados de instintos perversos, ouvítimas voluntárias de práticas viciosas, segue-se que se sentemestimulados com grande insistência a satisfazer seus ardentesdesejos, pois que para eles, como para o hipnotizado, ou paraaquele que sonhe., a noção de tempo não existe. Assim, se lhesacontece ser atraídas para a órbita de um sensitivo que no seupróprio temperamento tenha alguma afinidade com omonodeismo que os domina, eles influenciam o vivo no mesmosentido, instigando-o ao vício e aos excessos ou tornando-oaparentemente dementado. E tudo isso fazem mantendo-seirresponsáveis, ou quase, do mal que causam, do mesmo modoque um paciente hipnótico ou um sonâmbulo são irresponsáveispelo que realizam. Com efeito, analisando-se os casos deobsessão, verifica-se que, se alguma vez os Espíritos executamsuas façanhas em prejuízo doa vivos, com propósitos bemdeterminados, demonstrando-se capazes de uma forma suigeneris de raciocinar esta é sempre a forma de raciocínio que senota nos sonhos e .nos pacientes hipnóticos, raciocínio que, seconduz à meta desejada, não é, entretanto, judicioso, porque, sehá nele, como realmente há, uma lógica de execução nunca selhe descobre a lógica da razão.

Estas considerações precisariam ser completadas por outrasobservações contidas na minha monografia; mas, para a

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compreensão dos dois casos que seguem, me parecemsuficientes as que deixam expandidas.

Refere o Doutor Magma:A senhora M., de 52 anos de idade, segundo, os diagnósticos

de quatro médicos consultados, ai achava atacada de escleroseda medula espinhal. Acontecia continuamente ser atirada aochão sem causa aparente e com tal violência, que já. fraturaraum braço, um pulso e o nariz. Essas estranhas quedas haviamcomeçado sete anos antes e se tinham tornado constantementemais amiudadas e mais violentas. Havia dois anos, ela ai achavaconstrangida a andar de ,gatinhas peta casa e, na rua, se encolhiatoda para tornar menos graves as conseqüências das inevitáveisquedas. Os Doutor Iglesias, André Thomas, Abadie e Cardoneltentaram em vão toda espécie de tratamento.

Comecei por experimentar a cura pela reeducação psíquica,exigindo da enferma que deixasse de andar de gatinhas ouagachada. Ela ai submeteu de boa vontade e, apesar defreqüentes quedas, continuou a me procurar todos os dias. Certavez, depois do jantar, enquanto a doente esperava a sua vez nosalão comum, entrou uma médium clarividente que eu chamarapara lhe utilizar as faculdades em favor de outro doente. Quandomais tarde chamei a médium ao meu gabinete, ela, certa de meser útil, informou ter visto, na aura da doente de quem ai trata, ofantasma de uma entidade autoritária, brutal, malvada. Possogarantir que a médium não conversara com a Sra. M. e que não avira caminhar. Quanto a mim, nunca lhe falara a respeito dessasenhora.

Semelhante visão, tida espontaneamente, me fez vir à menteque a enferma me dissera que seu pai morrera de congestãocerebral fulminante, num furibundo acesso de cólera, emseguida a uma discussão que com ela tivera. Esta concordânciade dados me levou a por em relação às duas senhoras, deixando-as ambas reciprocamente ignorantes do que lhes dizia respeito:

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Adormeci a médium, que imediatamente incorporou oEspírito pouco antes descrito e, conforme a descrição, a suafisionomia se contraiu, tomando uma expressão de inflexíveldureza. Voltou-se em seguida para a Sra. M., dizendo: Minhafilha, pobre da minha filha... Tenho-te feito tanto mal... E,entrando a lamentar-se, falou de dores nas pernas, fez largosmovimentos com os braços, como se vestisse um capote e,depois de algumas inspirações profundas, tomou as mãos da Sra.M., repetindo: Luísa, minha pobre Luísa, tenho feito muito mal.E continuou: Mas, porque me impedias de sair? Porque meseguias nos meus passeios?... Lembrais-te... o capote... Não deverepreender-me... Ah!... Este capote! . . . Aqui, reproduziu oimovimentos largos com os braços, como se vestisse umsobretudo.

E de notar-se: 1.°, que o nome Luísa estava certo, conquantoeu e a médium o ignorássemos completamente; 2°, que a causada discussão entre o pai e a filha, discussão a que se seguiu amorte repentina do primeiro, fora o capote, que o pai se recriavaa vestir, não obstante a sua idade avançada (80 anos) e estar friaa temperatura.

Afirmo que me eram desconhecidos todos esses pormenores.

O estado em que se achava a médium correspondia ao deincorporação espirítica. O pai figurava como presente e aenferma, bem como sua filha declarava reconhecer-lhe aidentidade em todos os pormenores da representação espirítica:na voz, na expressão fisionômica, nos gestos, na ênfase com quefalava e na manifestação do seu caráter. Diante disso, dispus-mea escutar com a máxima atenção o que a personalidade tinha adizer por exculpar-se. Disse que, durante muitos anos antes demorrer, sua filha o vexava coxa excessivos cuidados, precauçõese resguardos; que ele sempre tomara à má parte os seusconselhos, considerando-os uma verdadeira usurpação de

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autoridade, pelo que jamais quisera submeter assim como jamaisquisera saber dos chamados progressos realizados no fim da suavida, quais a eletricidade, os banhos, as modas e as comodidadesmodernas. E acrescentou: Morri possuído da idéia fixa de queminha filha Luísa criava obstáculos à minha vida, à minhaindependência, impedindo-me de sair, de dar os meus passeios e,por isso, me vinguei dela, para lhe fazer compreender o seu erro.Vós me abristes os olhos, libertando-a fisicamente e moralmentede mim . . .

A vista do bom rumo que levavam os acontecimentos, tomeia eu falar e agir como um bom espiritista, exortando o Espíritopresente a extirpar de si aquele rancor injustificável e infundado,restituindo à sua filha a liberdade de caminhar.

No correr do nosso diálogo, o Espírito comunicanteperguntou à queima roupa: E Maurício, ainda tem muita raiva demim ? Fi-lo passar bons pedaços . Maurício chamava-se omarido da doente, o que ignorávamos . Em seguida, acrescentouo Espírito : Renato, bom coração, bela alma, tentou repetidasvezes afastar me de sua mãe, livrando-a da minha perseguição.Mais eu, morto, me conservei qual era em vida: um teimosoirredutível e nunca quis ceder. Agora, lamento-o, Assinalo quetambém o nome de Renato estava certo; era o de um filho dadoente, morto na guerra. Eu ignorava não só o nome, como aexistência desse filho e as circunstancia em que morrera...

A minha conversação com o Espírito que se comunicavaterminou com a resposta que ele deu ao meu pedido de restituir aliberdade à sua filha. Voltou-se para esta e disse-lhe: Loisa,estou disposto a abandonar, coma Espírito, a casa que foi minha,tal como a abandonei quando tinha um corpo . Terás de novo ouso das tuas pernas; eu me vou embora com o Renato .

A médium despertou e estava para retirar-se, quando levenovamente a visão do mesmo homem autoritário e brutal, mascom a expressão fisionômica muito modificada, quase branda.

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Ela me fez dele a seguinte descrição textual: Aparenta cercade 78 anos, de tez uniformemente vermelho escuro, nariz longoe reto, olhos encovados, pálpebras intumescidas, maçãspronunciadíssima faces cavadas, fronte convexa, ossos do crânioem relevo e marcadíssimos, cabeça calva, cabelos brancos emcoroa, sobrancelhas espessas, enormes, desgrenhadas em todosos sentidos. E um velho, mas bem constituído, e nadaabsolutamente encurvado. Calculo a sua estatura em 1 metro e70 centímetros. Vejo-lhe por cima da cabeça o número 1913.

Era de exatidão maravilhosa esta descrição e o fato aindamais notável se torna, porque o pai da enferma nunca consentiuem fotografar-se. A data 1913 correspondia ao ano de sua morte.Perguntei, com relação a esta, a data precisa e a médiumrespondeu: 17 de Dezembro. A data exata, porém, era 18 deDezembro de 1913.

Descreveu também a médium o sobretudo fatal: cinzentoescuro, porém não preto, muito amplo, muito comprido, poisque lhe chegava aos tornozelos; na parte da frente, vejo duaspregas pretas, ou sombras verticais, que não consigo distinguir oque sejam. Igualmente exatíssima se verificou ser essa outradescrição. Às duas sombras verticais parece que eram as pregasdo pequeno manto que se usava com os antigos sobretudos.

Agora me permito assinalar que a cura miraculosa da Sra.M. - como de muitos outros enfermos - consegui obtê-la, porqueme julguei no dever de não descurar certas indicações,freqüentemente fortuitas, algumas vezes banais, a que a grandemaioria dos médicos nenhuma importância teriam atribuído...Faço votos para que os médicos psicopatas, depois de haveremlançado mão, no interesse de seus doentes, de todos os recursoscientíficos autorizados, não se abstenham de empregar outrosrecursos ainda empíricos. Aludo às visões e audições que têmcertas pessoas sujeitas a hiperestesias dos sentidos, pessoas aqual chamamos, certo ou errado, médiuns... Não vacilo em dizé-

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lo: o fato de não os der desprezado, embora ainda se trate deprocessos ocultos, me prestou inestimáveis serviços notratamento das neuroses que algumas sumidades médicas deParis confiaram aos meus cuidados. Graças a esses métodosempíricos, foi que cheguei a curar grande número deenfermidades consideradas incuráveis, curas que, devido àignorância das causas, foram qualificadas de milagrosas .

O caso acima relatado se recomenda, antes de tudo, àatenção dos competentes, pelo método rigorosamente científicocom que foi investigado, assim como pelos testemunhos dequatro doutores em Medicina e alienistas, que lheacompanharam o desenvolvimento, o que faz que cada um dosincidentes nele contidos apresente o seu valor teórico, pois quese tem a certeza de estar em presença de fatos verificados .Assim sendo, cumpre se tomem em consideração tambémalguns pormenores de importância secundária, mas difíceis deconceber-se.

O episódio teoricamente mais importante é o em que amédium descobre casualmente que na aura psíquica de umasenhora que lhe era desconhecida se encontra um Espírito defisionomia autoritária e brutal. Se considerar que a médium nãoestava em sessão e que ninguém lhe pedira que observassepsiquicamente a senhora M., há-se de convir em que essacircunstância basta para excluir de modo absoluto as hipótesesde sugestão e de auto-sugestão, porquanto com elas se poderiaatribuir caráter subjetivo à visão. Assim sendo, dever-se-áconcluir que a médium viu um fantasma na aura psíquica daSenhora M . , porque efetivamente o fantasma ali se encontrava.

Note-se mais que, do fato dessa visão espontânea, surgeoutra consideração teoricamente importante, visto que serve paraeliminar uma terceira hipótese muito cara aos opositores: a daobjetivação das formas do pensamento . Sabe-se, com efeito,que, na fotografia transcendental, em que ficam impressas na

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chapa sensível formas espirituais que os experimentadoresreconhecem, os opositores explicam que aqueles tinham emmente os defuntos fotografados, pelo que, na realidade, elespróprios haviam inconscientemente objetivado ascorrespondentes formas do pensamento, formas capazes deimpressionar as chapas fotográficas. Pois bem: no caso emapreço, nem mesmo essa especiosa objeção teria qualquer valor,porquanto a Sra . M . , que ia ao Dr . Magnin para se submeterao tratamento magnético, muitíssimo longe estava de imaginarque a sua enfermidade tivesse origem num fenômeno deobsessão em que seu pai era a protagonista. Não podia ela, porconseguinte, pensar tão intensamente neste último, de modo alhe objetivar a forma.

De tudo o que fica dito decorre que, para explicação davisão de que se trata, devem afastar-se em absoluto as hipótesesda sugestão, da auto-sugestão e da projeção de formas dopensamento . Mas, como não existem outras hipóteses àdisposição dos opositores, só resta se admita a presença real doEspírito obsessor, no lugar da sua aparição, o que, ao demais,tem a confirmá-lo o fato de o mesmo Espírito dar em seguida,por sua própria conta, uma série admirável de provas deidentificação espirítica .

Parece-me, portanto, que se há de considerar resolvida, emsentido afirmativo, a questão fundamental, a de que a estranhaenfermidade de que sofria a Sra. M. tinha origem num fenômenode obsessão. Apenas ficam por discutir as modalidades - porvezes difíceis de entender-se - sob que o fenômeno se produz.

Já fiz notar que o modo por que procedia ao Espíritoobsessor demonstrava claramente achar-se ele em estado demonoideísmo, estado análogo ao em que atua um indivíduohipnotizado, e que, por conseguinte, se devia concluir que, se eletinha uma consciência sui generis do que fazia em prejuízo dafilha, não tinha a responsabilidade do que praticava, porquanto,

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embora se notasse no seu modo de agir uma lógica de exceção,não havia aí a lógica da razão. E de assinalar-se, a estepropósito, o automatismo dos movimentos largos doa braços,como se envergasse um sobretudo, automatismo que demonstraestar o Espírito obsessor agindo em estado de monoideísmo,com repetição automática da ação constituinte dessemonoideísmo tal como se dá na grande maioria dos casos deassombração, em que o fantasma repete incessantemente os atosque constituem o monoideísmo que o prende ao lugar ondeviveu, condições análogas às do hipnotizado e do sonhador.

Assim, até certo ponto se compreende a circunstancia de oEspírito obsessor, reproduzindo automaticamente na aura deuma pessoa viva uma cena por ele vivido, não ter consciência domal que faz. No caso aqui considerado, dever-se-ia dizer que oEspírito obsessor, reproduzindo automaticamente dentro da aurapsíquica da filha a cena do capote que lhe custara à vida, repeliacom tal violência, imaginária, a mesma filha, quando insistiapara que ele o vestisse, que lhe causava inconscientementecontínuas quedas. Aliás, vimos que, quando as práticasmagnéticas do Doutor Magnin lograram despertar o Espíritoobsessor, este lhe ponderou: Luísa não deve guardar rancor demim... Eu não sabia que lhe estava a fazer mal. . . Foi o senhorque me abriu os olhos, libertando-a fisicamente e, a mim,moralmente.

Afigura pois, que o caso em apreço demonstra de formaexperimentalmente manifesta a existência dos fenômenos deobsessão, visto que as únicas hipóteses naturalísticas àdisposição dos opositores para explicarem o incidentefundamental da visão do fantasma por parte da médium, ashipóteses da sugestão, da auto-sugestão e da projeção de formasdo pensamento, são absolutamente inaplicáveis ao aludidoincidente.

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*

Este outro episódio, tirado também do relatório do DoutorMagnin, apresenta a preocupaste questão das obsessões de umponto de vista diverso, que evidencia a necessidade científica ehumanitária de pesquisar-se a fundo a mesma questão. Escreveaquele doutor

A Sra. G., de 25 anos de idade, sofria, de cefalalgiaperiódica, com a qual lhe vinha um obsidiante impulso aosuicídio. Não apresentava taras físicas, mas, pelo lado psíquico,deixava muito a desejar: era emocionável, imaginosa,sugestionável. Insista principalmente num sintoma de pressãoangustiosa na nuca, de fazê-la enlouquecer, acompanhada deuma sensação intolerável de peso sobre as espáduas. O fato maisgrave consistia que, quando tais sintomas ai manifestavam, elase sentia fortemente impelida ao suicídio.

Submetida por mim a um interrogatório íntimo, a doente meinformou que antes do seu casamento, fora cortejada por umoficial estrangeiro que ela amava, mas com quem seus pais nãoconsentiram se casasse. O oficial acabara por engajar-se naLegião Estrangeira e em breve morna. Foi pouco depois destamorte que começaram seus males, com a propensão obsedantepara o suicídio. Concluí dessas informações que,indubitavelmente, a idéia obsedante se ligava à morte do oficialamado e me pareceu que se impunha, antes de tudo, umtratamento psicoterápico. Muitas conversações demoradas com adoente, em estado de vigília, nenhum resultado deram. Tenteientão a sugestão em estado de hipnose, mas inutilmente. Afinal,experimentei a psicanálise do conteúdo subconsciente da suapsique, valendo-me de todos os métodos conhecidos, porém nãocheguei a descobrir novos elementos capazes de esclarecerem asituação. Entretanto, era urgente salvar aquela moça fatalmente

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condenada ao suicídio, visto que, mais cedo ou mais tarde, semdúvida cederia à obsessão que a dominava.

Apeguei-me, pois, a um último recurso e, à revelia daenferma, fiz intervir uma vidente que, por várias vezes, medeixara estupefato com a nitidez das suas visões e com as suasdescrições de personalidades de defuntos, respeito aos quais tivefreqüentemente ensejo de verificar a identidade .

Mais penetrou no aposento onde a enferma jaziaprofundamente adormecida, a vidente me descreveu um ser queparecia agarrar-se às costas da paciente. Sem deixar transparecero meu espanto e o imenso interesse que ligava a essa visão, pedià vidente que me descrevesse a posição exata em que via o serpara mim invisível. Ela o fez nestes termos: Com a mão direitaele aperta a nuca desta senhora e com a esquerda cobre-lhe afronte. Em seguida, com a voz sufocada pela emoção, exclamou:Ele se suicidou e quer que a senhora se lhe vá juntar. - A outropedido que fiz, descreveu o semblante, a estranha expressão doolhar e o caráter do ser que estava vendo. Eu a escutava comcrescente interesse e, embora céptico, lhe imitei o exemplo,pondo-me a conversar com aquele ser hipotético, como o fariaum fervoroso discípulo de Allan Kardec. A médium mantinhafixo a olhar sobre a doente, transmitindo-me as respostas doEspírito perseguidor.

Foi longa e muito movimentada a conversação. As respostasdo Espírito denotavam uma natureza violenta, apaixonada,obstinada. Por isso mesmo, a despeito do meu cepticismo,experimentei uma sensação de verdadeiro alivio quando amédium me disse que as minhas calorosas exortações acabaramconvencendo o Espírito perseguidor que, compadecido da suavitima, se comprometera a não persistir nos propósitosdelituosos que alimentava, deixando-a em paz.

Só duas horas depois de ter-se ido a médium foi quedespertei a paciente, de sorte que ela até ignora a existência da

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primeira. Naturalmente, não lhe daí palavra sobre o queocorrera, o que tudo era preciso ignorasse para sempre. Aodespedir-se de mim, notei que pesa primeira vez se sentia muitoaliviada de espírito, observação animadora, que acolhi comverdadeiro júbilo.

Dois dias depois, a paciente se apresentou no meuconsultório literalmente transformada, tanto na expressão dosemblante, quanto na maneira de proceder e, até, no toalete.Tudo nela demonstrava mudança completa quanto ao modo depensar. Declarou-me, com efeito, que de um momento paraoutro recuperara o seu caráter anterior; renascera-lhe ajovialidade perdida e lhe voltara o gosto pela arte e pelaliteratura .

Após a memorável sessão, tão fecunda em resultadospráticos, a Sra. G. nunca mais teve a sensação de pressão nanuca, nem a sensação física de um peso sobre os ombros, nem,tão-pouco, a obsessão psíquica do suicídio. A saúde se lhetornou perfeita em todos os sentidos e, ultimamente, fuiinformado de que agora é mãe ditosa de dois gêmeos vigorosos.

Ainda desta vez me abstive de tirar uma conclusão qualquerdo caso exposto. Limito-me a referir escrupulosamente fatos.Julgo, entretanto, dever novamente recordar que a senhora G.estava fatalmente destinada ao suicídio e que para restituí-la àvida bastou que eu não cerrasse os olhos diante de um fenômenode vidência, sob o especioso pretexto de que se tratava de umamanifestação inexplicável. Não devemos, ao contrário, ver; emTudo isso um dos mais belos resultados a que já nos conduziramas pesquisas sobre os fenômenos psíquicos?...

Assim falou o Doutor Magnin. Em outros relatórios quepublicou sobre essa mesma ordem de fenômenos. exprime-se demodo a deixar transparecer sua convicção íntima de que os fatosdessa natureza só são explicáveis mediante a hipótese daobsessão espirítica. Contudo, na reunião solene do Congresso de

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Copenhague, onde defrontava eminentes homens de ciência que,embora persuadidos da existência das manifestaçõesmetapsíquica em geral, se conservavam, em sua maioria,cépticos, ou, mesmo, hostis, no tocante à hipótese espírita, elenão só se absteve de expender a sua opinião acerca dessahipótese, como, relativamente ao caso em questão, assinalou queo fato de a vidente ter visto um Espírito obsessor em atitudecorrespondente aos sintomas de que a enferma se queixavatendia a fazer supor que, em tal circunstância, a idéia obsedanteera tão intensa, que criava uma Forma-pensamento perceptívelao médium .

Como estou certíssimo de que o Doutor Magnin não crênessa interpretação dos fatos, apresso-me a declarar que asconsiderações mais ou menos elementares que se seguem eu nãoas formulo para instruir sobre o assunto quem já o conheça afundo, mas para servir aos leitores que, não sendo bastanteversados sobre a técnica das manifestações metapsíquica, nãochegarão talvez a discernir por que razões é insustentável ainterpretação aventada. São as seguintes as principais razões:

1.° - Porque as formas-pensamento, consistindo em vagasrepresentações efêmeras, ou em simulacros fluídicos, não podemtomar parte ativa numa conversação, não podem sercatequizadas e não podem mostrar-se arrependidas de suasculpas.

2 ° - Porque, para que a enferma objetivasse o defunto, forapreciso se verificassem duas circunstâncias de fato : uma, queela cresse na existência dos fenômenos de obsessão ; a outra,que estivesse convencida de que quem a obsedava era o seunamorado defunto. Ora, ela nunca se ocupara de pesquisaspsíquicas, ignorava tudo o que lhes diz respeito e estavamuitíssimo longe de relacionar com aquele defunto os impulsos,que q dominavam, para o suicídio .

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3° - Porque, à falta de qualquer sugestão da parte do DoutorMagnin (tendo sido ele quem adormecera a paciente, eratambém a única pessoa que se achava com ela em relaçãopsíquica), não haveria como explicar o fato eloquentíssimo de adoente se sentir curada logo que despertou, fato esse emcorrespondência com a promessa feita pelo Espírito obsessor dedeixar em paz s sua vítima .

4.° - Porque não se deve olvidar a circunstância de que, nocaso análogo anteriormente referido, ficou demonstrado que ahipótese das formas-pensamento não resiste à análise dos fatos,de modo que, se, naquele caso, havia com efeito um genuínofantasma obsessor, outro tanto se deverá afirmar, por lei deanalogia, no caso de que se trata, em que a percepção dofantasma foi obtida por intermédio da mesma vidente.

E me parece que basta para, também nesta outracircunstância, eliminar a hipótese especiosa das formas-pensamento .

Passando a discutir a questão puramente teórica dascondições de consciência em que se encontrava o Espíritoobsessor, forçoso será reconhecer que, nas circunstâncias emque se deram os fatos, não devia tratar-se de monoideísmosonambúlico post-mortem. Quer isto dizer que não se trataria deum caso de automatismo irresponsável, mas de ummonoideísmo raciocinante, porquanto brutal e queegoisticamente se apresentava, visto que o Espírito obsessortinha por escopo impelir ao suicídio a pessoa por ele amada, afim de se lhe reunir. Todavia, tendo-se em conta que, por efeitodas exortações e dos argumentos do Doutor Magnin, ele acaboupor se convencer de que fazia mal a quem amava,demonstrando-se arrependido, se tem de inferir que, se não épossível considerá-lo irresponsável pelo mal que praticava, detodo modo a sua responsabilidade resultaria atenuada por uma

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forma sui generis de incompreensão moral, muito semelhante àque caracteriza as obras dos pacientes hipnóticos .

Como quer que seja, repito que o caso exposto e o outrocitado antes, em ambos os quais os espíritos obsessores parecematé certo ponto consciente do mal que fazem às suas vítimas, nãoinfirmam absolutamente a tese, aqui sustentada, dairresponsabilidade morai na grande maioria dos protagonistas dafenomenologia que consideramos, tese que se funda na análisecomparada de 38 casos do gênero, por mim colecionados.

Concluo chamando a atenção de todos para o temaimportantíssimo que apreciamos. Ele não só se reveste deimenso valor teórico, do ponto de vista metapsíquico, como ésuscetível - conforme se há visto - de conduzir a finseminentemente práticos e humanitários, quais os de curarenfermidades misteriosas, tidas por incuráveis, de salvar a vidade muitos infelizes obsidiados por tendências suicidas e arestituir o senso e a liberdade a muitos desgraçadoserroneamente metidos nos manicômios .

*

Agora, referirei e comentarei alguns exemplos de apariçõesde defuntos após certo tempo de suas mortes trata-se de umacategoria de manifestações que, quando observadascoletivamente e sucessivamente por várias pessoas, excluem, demodo absoluto, as hipóteses da sugestão, da auto-sugestão econsecutivas objetivações alucinatórias, resultando muitoparticularmente eficazes em sentido espiritualista

Este primeiro caso foi publicado por Myers, no volume VI,pág . 26, dos Proceedings af the S . P . R, . .

A percipiente e relatora - Sra. P. - não quiseram fossempublicados os nomes dos protagonistas e os motivos ressaltarãoda exposição dos fatos. Eis o que narrou:

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No ano de 1807, casei-me... Minha vida correu tranqüila efeliz até aos fins do ano de 1869, quando a saúde de meu maridopareceu entrar em declínio, tornando-se ele de caráter sombrio eirritável. Em vão procurava descobrir as causas dessa mudança,insistindo nas minhas inquirições. Respondia-me que eu estava afantasiar, que ele se sentia muitíssimo bem. Desisti deimportuná-lo e os dias continuavam a correr tranqüilos, até avéspera de Natal. Na nossa vizinhança residiam dois tios nossos,que nos convidaram para almoçar com eles naquele dia.

Tendo de levantar-me cedo cuidamos, à noite, de deitar-nosmais cedo do que de costume e, assim, às 3 horas subimos paraos nossos aposentos, depois de havermos, como semprefazíamos, fechado cuidadosamente pomas e janelas. Eram 9.30.Nossa filhinha, que contava então 15 meses, tinha o hábito dedespertar a essa hora para beber um gole de leite e dormir denovo. Não havendo ainda acordado, pedi a meu marido que aideitasse sem apagar a luz, enquanto ou ficava, recostada nacama do lado do berço, à espera de que a menina despertasse...

Como Gertrudes tardasse a acordar, eu me dispunha a tomaruma posição mais cômoda, quando, com grande espanto, vi empé, ao fundo da cama, um gentil-homem com . as divisas deoficial de Marinha, trazendo à cabeça um boné de pala... paramim, seu rosto ficara na sombra, tanto mais que ele apoiava ocotovelo no espaldar da cama e com a mão sustentava a cabeça.Fiquei por demais espantada para ter medo; apenas perguntei amim mesma quem poderia se:-. Bati no ombro de meu maridoque se achava voltado para o lado oposto, murmurando: Willie,quem é este? Ele se voltou, mirou por alguns instantes o intrusoe, erguendo-se de um salto, gritou: Senhor, que viestes fazeraqui?

A forma se alçou lentamente e, em seguida, exclamou, comvoz autoritária e indignada: Willie! Willie!

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Olhei para meu marido: fizera-se lívido e se mostravaagitadíssima. Pulou da cama, como para investir contra ointruso, mas, de súbito, parou perplexo ou espantado, enquanto aforma atravessava, impassível e solene, o quarto, dirigindo-seem linha reta para a parede. Quando passou por diante da luz,uma sombra escura se projetou sobre a parede e sobre nós, comose tratasse de uma pessoa viva. Entretanto, desapareceu demodo inconcebível, através da parede. Sempre agitadíssimo,meu marido tomou da lâmpada, dizendo: Vou percorrer a casa,para descobrir onde ele se meteu. Também eu estava perturbada;contudo, lembrando-me de que a porta se achava fechada e queo misterioso visitante não se encaminhara para aquele lado,observei: Más, ele não saiu pela porta. Nada obstante, meumarido puxou o trinco, abriu a porta e se pos a correr a casa.Tendo ficado só, pensava comigo mesma: Vimos uma aparição.Que nos anunciará? Talvez meu irmão Artur esteja mal. (Ele eraoficial de Marinha e andava em viagem pelas índias) , Sempreouvi dizer que sucedem coisas dessas. Pensava e tremia,apertando ao peito minha filha, que despertara, até que, por fim,meu marido reapareceu, ainda mais lívido e agitado. Sentou-se àborda da cama, cingiu-me com o braço e sussurrou: Sabes quemfoi que vimos? - Sim -- respondi - um Espírito; temo que se tratedo Artur, mas não lhe vi o rosto . - Ele retorquiu : Não, era meupai .

O pai de meu marido morrera, havia 14 anos. Quando moço,fora oficial de Marinha; depois, por motivos de saúde, deixara oserviço antes do nascimento de meu marido, que apenas uma ouduas vezes o vira fardado. Quanto a mim, nunca o conheci.

No dia seguinte, contamos aos tios o que ocorrera e todostivemos ensejo de notar que não diminuíra a perturbação de meumarido, embora fosse céptico feroz com referencia Amanifestações que parecessem sobrenaturais.

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À medida que os dias passavam, ele deperecia, até que tevede meter-se na cama gravemente enfermo. Só então me inteireigradativamente do seu segredo. Andava, desde algum tempo, emgraves dificuldades financeiras e, no momento em que seu pailhe apareceu, estava para dar ouvidos aos tristes conselhos deum homem que o teria arrastado à ruína e, talvez, a coisa piorpor isso que tenho de me conservar reticente, ao falar dosucedido.

...Nem estados de sobre excitação nervosa, nem medossupersticiosos poderiam provocar semelhante manifestação e,tanto quanto pudemos verificar pelos acontecimentos que seseguiram, aquele foi um aviso providencial, dado a meu maridopela voz e pela fisionomia da entidade a quem ele mais veneraraem vida e a quem, acima de todos, teria obedecido.

(O Dr. C. e sua esposa confirmam esta narrativa. O maridoda relatora, Sr. P., a seu turno, a confirma nestes termos: Nãopreciso acrescentar outros pormenores ao incidente narrado porminha mulher. Limito-me, pois, a testificar que a narração érigorosamente exata e que os fatos se passaram como foramdescritos) .

O memorável episódio que se acaba de ler é de ordemcoletiva e sucessiva ; mas, como as duas fases da percepção severificaram com os percipientes no mesmo lugar, poderia dar-seque algum propugnador extremado da hipótese telepática aconsiderasse suficiente para tudo explicar. Observo, portanto,que, em tal caso, se deveria supor que o marido da narradora,estando prestes a meter-se numa empresa lesiva da sua, honra,houvesse pensado intensamente na memória honrada do pai,provocando uma correspondente alucinação telepática em suamulher que, a seu turno, atraindo-lhe a atenção para o campo dasua objetivação, lha teria transmitido, de sorte que ele, presa deremorso à vista do fantasma paterno, houvera sido vítima deuma complementar auto-alucinação verbal com que o mesmo

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fantasma lhe redargüia em tom imperioso e desdenhoso, auto-alucinação verbal que ele teria retelepatizado para a mulher.

Como se v ê, tratar-se-ia de uma explicação tão fantástica,contorcida e absurda, que qualquer pessoa sensata se negaria adiscuti-la.

Excluída, portanto, tem que ser a explicação telepática .Mas, desde então, adquirem verdadeira eloqüência resolutiva,em demonstração da presença real, no lugar em que se deu ofenômeno, do fantasma paterno, vindes para impedir o filho deaventurar-se numa empresa lesiva da honra, as circunstâncias deter sido a mulher a primeira a ver o fantasma, que lhe eradesconhecido, e quem o assinalou ao marido, que o seu turno oviu, reconheceu e lhe dirigiu uma frase arrogante, provocandoimediata reação do mesmo fantasma, que lhe retrucousolenemente, pronunciando-lhe duas vezes o nome em tomautoritário e desdenhoso.

E esta explicação é sobremodo revigorada pelo fato dehaverem os dos percipientes observado de maneira idêntica àsparticularidades com que o fato se desenrolou: as deambulaçõesdo fantasma pelo quarto, a projeção da sombra à sua passagempor diante da lâmpada e o seu misterioso desaparecimentoatravés da parede.

Ressalta daí evidente a enorme importância dos casos destanatureza, do ponto de vista adotado no presente capítulo, em quese propugna a grande verdade de que a demonstraçãoexperimental da existência e sobrevivência do espírito humano,longe de depender exclusivamente da identificação dos defuntos,tendo por base as informações pessoais que eles fornecem(como constantemente o subentendem os opositores nas suasconclusões animistas), se tunda, ao contrário, inabalàvelmente,numa imponente série de manifestações supranormais de todaespécie, entre as quais devem também se ter na devida conta as aque aludem os opositores, isto é, as informações que fornecem

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os defuntos que se comunicam. Não se esqueça, porém, que asmanifestações dessa espécie não representam mais do quesimples unidade de prova, entre as variadíssimas unidades deprova - anímicas e espirítica - resultantes da coletânea de casossupranormais e convergentes todos para a demonstraçãoexperimental da sobrevivência humana. Ter-nos-emosentendidos desta vez ?

*

Tomo este segundo episódio ao vol. V, pág. 440, dosProceedings of the S. P. R. Quem o relatou, a Sra. L. H., erapessoalmente conhecida de F. W. Myers, que, a pedido, lhecalou o nome.

A Sra. L. H. refere que no dia 24 de junho de 1874 (épocaem que contava 8 anos), deu-se o falecimento de sua mãe naresidência familiar em Malta e que, por lhe respeitarem avontade, seu sepultamento foi retardado até ao sétimo dia de suamorte. Daí, prossegue, assim:

Na noite daquele dia, era sufocante o calor e calmo o tempo.Haviam-me levado para a cama mais cedo do que de costume;mas, as janelas estavam abertas e a noite era tão bela que oquarto parecia suficientemente iluminado. A porta que dava paraa sala estava semi aberta, de modo que eu percebia a sombra dagovernante curvada sobre o seu trabalho e lhe contemplava asmãos a ir e vir com irritante monotonia, até que, por fim,adormeci. Passou algum tempo acordei e, voltando-me para o,lado da janela, vi minha mãe, de pé, ao lado da minha cama, acontorcer as mãos, chorando. Não me achava suficientementedesperta para no momento me lembrar de que ela morrera (tantomais que costumava freqüentemente velar junto de mim, quandoeu dormia) . Por isso, exclamei em tom muito natural: Porquechoras, mamãe ? Depois, lembrando-me do que acontecera, pus-

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me a gritar. O governante acorreu de pronto e começou a orar ea chorar. Quase ao mesmo tempo chegou meu pai pelo ladooposto e eu o ouvi exclamar: Júlia! minha dileta Júlia! A essaspalavras, minha mãe volveu o olhar para aquele lado; depois,olhou-me e, contorcendo novamente as mãos em sinal de dor, seencaminhou para a sala e desapareceu.. A governante disse, emseguida, que a sentira distintamente passar a seu lado, rias era talo estado de terror em que ai mostrava que não se lhe podia darvalor ao testemunho. Meu pai lhe ordenou que se retirasse,depois do que se dirigiu mim, dizendo que eu sonhara e não sefoi dali enquanto não adormeci de novo. No dia seguinte,entretanto, ele me confessou que também tivera a visão eesperava ter novamente prevenindo-me de que, se mamãe meaparecesse outra vez, eu não devia amedrontar-me, antes deviadizer-lhe que o papai deseja falar-lhe, o que prometi fazerfielmente.

Inútil acrescentar que ela nunca mia aparecei.. . Muitos anospassados, falando-se de tal aparição, meu pai me declarou queminha mãe lhe prometera muitas vezes que, se fosse possível,lhe apareceria depois de morta.

(A Senhora NI.S.H., segunda esposa do pai da Sra. L.H., jáfalecido, confirma a narração acima, como também Lady E.,amiga de L.H, e conhecida pessoalmente de Myers)

Não há como recorrer à hipótese alucinatória com relação aeste caso, que é de visão coletiva e sucessiva, porquanto aprimeira a ver o fantasma foi uma criança de oito anos que,despertando, tão pouco se emocionou ao dar com sua mãe, quelhe dirigiu a palavra., crendo-a viva. Os testemunhos sucessivosdo pai e da governante que, mal chegaram à porta do quarto,viram o fantasma, também excluem aquela hipótese .

Há, além disso, a circunstância de o defunto volver o olharpara o marido, quando este a chamou pelo nome, e em seguidaolhar amorosamente para a filha, prova de que também não se

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tratava de um simulacro subjetivo projetado telepaticamentepelo Espírito da morta, mas da sua presença espiritual naquelelugar. Assim sendo, explicável também se torna o gesto de dorcom que se manifestou aos seus entes caros, desde que seconsidere que a morta era uma esposa muitíssimo jovem,prematuramente arrancada ao seu ninho de amor.

Os acontecimentos desta natureza são de uma eloqüência tal,em sentido espiritualista, que o próprio Dr. Eugênio Osty,adversário tão pouco sereno da hipótese espírita, que faz pensarnas bandeirolas vermelhas que enfurecem os touros nas touradasespanholas, o próprio Doutor Osty fica embaraçado, quando lheacontece ter de aludir a casos de aparições de defuntos, algumtempo depois de suas mortes, percebidas coletiva ousucessivamente por muitas pessoas. Ele então foge à dificuldade,dizendo:

Compreende que, qualquer que ela seja, a explicação que seimagine carecerá de base sólida, quando se trate de projeçõesalucinatórias do tipo aparições que se manifestem, transcorridosmeses ou anos após a morte daquele que aparece, tanto mais se,como às vezes acontece, ele fala ou desempenha encargos queassumiu em vida, que os percipientes desconhecem e queresultam verídicos, ou dá ao percipientes um conselhoproveitoso. Estas circunstancia conferem a tais acontecimentosuma aparência imperiosa de iniciativa da parte do defunto.

E verdade, porém, que os casos deste gênero se encontramnas coletâneas em número menos do que os de aparições demoribundos. Todavia, entre os colecionados, alguns se contamque apresentam garantias de autenticidade, idênticas as que seobtém noutros casos dos melhor autenticados.:. Além disso,teoricamente falando, os acontecimentos dessa natureza parecemverossímeis, por serem análogos em tudo a outros conseguidosexperimentalmente com pacientes a quem ai sugira que entremem relação com pessoas mortas desde algum tempo... Entre as

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duas séries de fatos, outra diferença não existe, senão a de seremdiversas as explicações que a diversidade das circunstânciasaconselha se lhes atribua... (Revue Métapsychique, 1933, págs.34-35).

E precisamente assim.. Entre os casos de aparição de mortospouco tempo depois da morte e os casos de aparições telepáticasdos vivos, não há outra diferença, senão a de serem diversas asexplicações que a diversidade das circunstâncias aconselha selhes atribuam . Isto, porém, equivale a reconhecer que, no casodas aparições dos defuntos pouco depois das respectivas mortes,se trata, com efeito, de um fenômeno que pode ser objetivo ousubjetivo, conforme as circunstâncias, mas que, de ambas asformas, se originam positivamente da vontade do defunto que semanifesta, do mesmo modo que, no caso das apariçõestelepáticas dos vivos, se trata, efetivamente, de um fenômenoque pode ser objetivo ou subjetivo, conforme as circunstâncias,mas que, de ambas as formas, se origina positivamente davontade do vivo que se manifesta.

O Doutor Osty não se exprime exatamente nestes termos;porém, é constrangido a admitir a mesma verdade, adotandouma fraseologia prudentemente velada, o que não altera asubstância e a importância de tudo quanto ele é levado a admitir,por força de imperiosa necessidade lógica .

*

Este terceiro episódio tiro-o da revista norte-americanaPsychic Research (1928, pág. 430), órgão da American Societyfor Psychical Research.

Malcolm Bird, o oficial investigador dos casos que chegamao conhecimento dessa sociedade, ouviu da boca dospercipientes a narrativa do fato sobre o qual escreveu ele:

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Relativamente a este episódio, não me acho obrigado a calaro nome do percipientes que me relata. E o Sr. D. L. Dadirrian,membro da American Society for Psychical Research eindustrial muito conhecido. Escrevi o relato do caso, conforme oditou ele, que o aprovou, depois de lhe eu ler o que escrevera.

Devo, antes de tudo, dizer que o Senhor Dadirrian é quasetotalmente cego, de tal modo que apenas consegui distinguir aluz da sombra a dez ou doze metros de distância, quandomoderada a luminosidade

...No dia 7 de Setembro de 1922, pelas 07:15 horas, oDoutor Dadirrian e sua prima, a Senhora Hattie, se achavamsentados sob o alpendre de seu palacete. Essa sua parenteassumira a direção dos negócios domésticos desde a morte,então ainda recente, da Senhora Dadirrian. Na ocasião a que nosreferimos, a Senhora Hattie estava sentada do lado sul e oSenhor Dadirrian do lado norte do alpendre. Esperavam seuautomóvel particular, para levar ao cemitério. Esperavam emsilencio e o Senhor Dadirrian informa que naquele momento,não pensava em coisa alguma de particular: aguardavapassivamente a chegada do automóvel. De repente, ouviu passosno saibro da afeia, vindos do lado sul do alpendre, a certadistancia deste. Teve despertado a sua curiosidade, porquanto nacasa não havia hóspedes, mas unicamente os empregadosdomésticos. Falou então sua prima:

Hattie, ouço passos no saibro da afeia. Provavelmente, éalgum dos criados que vai sair. Quando estiver perto de ti, diga-me quem é.

A Senhora Hattie respondeu que não ouvia rumor algum depassos, ponderando que ele porventura tomara como passos naareia o arruído que faziam alguns meninos que brincavam narua. (A rua distava uns cem pés do gabinete) . O SenhorDarridian estava bem certo de que os passos que ouviraressoando na afeia avo provinham do lado da rua. Insistiu, pois:

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Não; trata-se de alguém que passeia pela afeia, bem defrontede nós.

Enquanto falava, os passos se aproximavam cada vez mais eo rumor deles se tornava cada vez mais distinto. Chegaram,afinal, perto da escadaria... Ele perguntou novamente Hattíe,Hattíe, não ouves esses passos? Ressoam agora bem a nossafrente. Quem chega?

Dessa vez a Senhora Hattíe não respondeu. O SenhorDarridian imaginou que se expressara com certa impaciência eque ela por isso se agastara.

Entretanto, os passos continuavam a fazer-se ouvir mas, emvez de subirem a escada e de reboarem no pavimento,prosseguiram pela aleis que contornava o edifício, dirigindo-separa o lado norte e tornando-se gradativamente mais fracos.

Desistindo de obter qualquer resposta da Senhora Hattíe,que ele supunha momentaneamente aborrecida, o SenhorDadirrian perguntou em voz alta: Quem está andando ai? Poteu,Márgarida, Cecilva, Roy?

Nenhuma resposta, E o rumor dos passos ai foigradualmente extinguindo, a distancia. Ele concluiu queprovavelmente se tratava de algum empregado que não lheouvira a voz, ou fingira não a ter ouvido.

Nesse ínterim chegaram o automóvel e ambos partiram parao cemitério. Durou cerca de uma hora a excursão e o SenhorDadirrian notou que sua prima se conservara calada todo otempo, preocupada, moralmente abatida . . .

E costume do Senhor Dadirrian levantar-se de manhã cedo,vestir-se e esperar no quarto uma xícara de café, fumando umcigarro, depois do que habitualmente sua prima lhe vem ler osjornais.

Aquela manhã, a Senhora Hattíe, mal entrou, lhe dirigiupalavra, exclamando:

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Tenho algo para te dizer, mas não quero te impressionar. OSenhor Dadirrian bem longe estava de imaginar do que era quelhe queria falar sua prima, que continuou assim:

Lembras-te de que ontem à tarde, quando estávamos sob oalpendre, me disseste que ressoavam passos no saibro da aleis eme pediste visse quem era que se aproximava da casa? Respondique não ouvia coisa alguma e que provavelmente confundias oruído que faziam uns meninos que brincavam na rua com passosna aleis. Respondeste que ouvias os meninos a brincar, mas quetambém escutavas claramente passos que pisavam a areia dojardim e que se aproximavam de nós. Lembras-te de que logodepois me falaste, repetindo que os passos ressoavam à nossafrente e me perguntaste se eu não via quem estava ali? Pois bem:olhei então e sabes quem vi ? No ponto indicado estava Dolly (aSra . Dadirrian), de fisionomia sorridente e feliz! Trazia umaveste comprida e tinha soltado os cabelos; mas, não lhe vi nemos pés, nem as mãos. Parecia deslizar pela aleis. Continuou nadireção norte e desapareceu na vereda que atravessa o pinheiral.Não respondi à tua pergunta, porque fiquei tão impressionada eaturdida, que sentia a fronte baldada em suor frio. Ouviraalgumas vezes falar de pessoas que tinham visto fantasmas; eu,porém, nunca acreditara em semelhantes histórias, pelo que,quando vi Dolly na minha presença, fiquei assombrada e muda.Terás notado que, quando voltamos do cemitério, ocupei denovo o mesmo lugar no alpendre, embora já fosse tarde? Fi-lo,porque contava tornar a vê-la Nada, porém, apareceu.

...O Senhor Dadirrian julgou dever acentuar que, durante oacontecido, ele nada disse que pudesse indicar à, sua prima adireção que tomaram os passos que ouvia e que avançaram parao norte, além da escadaria. Entretanto, como se há de ter notado,sua prima viu a aparição percorrer exatamente o caminho que oSr, Dadirrian percebera, no meio de uma impressão auditiva, o

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que exclui, de modo resolutivo, a hipótese de que sua prima hajainventado uma fábula.

O relator comenta o fato nestes termos:Pelo que me é dado saber, fundado nos conhecimentos que

adquiri sobre metapsíquica, este episódio é único, devido acircunstancia de a aparição ter sido vista por quem tinha osentido da visão e ouvida pelo observador que apenas dispunhado sentido da audição para pôr em relação com o meio exterior.Não tenho bastante certeza de que, do ponto de vista daexistência objetiva da aparição, essa circunstância de fatoconstitua prova ainda mais decisiva do que a que oferecem oscostumeiros casos de visões coletivas de fantasmas. Como querque seja, ela indubitavelmente forma uma variante muitosugestiva dos casos deste último gênero.

Relativamente a estas últimas considerações do relator,observarei que os casos de aparições telepáticas de naturezacoletiva, com as variantes que apresentam, de vidas àdiversidade dos médiuns, os quais percebem a mesmamanifestação mediante impressões diversas dos sentidos, sãobastante freqüentes na coletânea dos fatos telepáticos, comotambém na das aparições dos defuntos. Dentre os desta últimacategoria, lembrarei um episódio que referi noutro trabalho,episódio em que três percipientes tiveram três impressõesdiversas, mas igualmente exatas, da presença do mesmofantasma. Um deles o viu, o outro lhe ouviu a voz e o terceirosamba um perfume de violetas silvestres, o que correspondia acircunstancia de ter sido o cadáver da que aparecerá literalmentecoberto de violetas silvestres em seu leito de morte .

Todavia, o caso aqui considerado é realmente único, pelaparticularidade seguinte : aquele dos percipientes que pressentiua presença do fantasma por uma impressão auditiva não poderiapercebê-lo de outra maneira, dado que era cego. Dir-se-á,portanto, que sua falecida esposa, de intento, lhe impressionou

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telepaticamente o sentido da audição, por saber que não poderiamanifestar-se-lhe de outra forma, e que, simultaneamente, semanifestou de forma objetiva à prima, a fim de que o maridoviesse a saber donde provinha o eco dos passos que ele escutava.Conseguiu assim a morta que as impressões dos doispercipientes se completassem recíproca e admiravelmente e coma particularidade, também importante, de perceberem ambos ocaminho por ela percorrido, de sorte a dar-lhes e ao mundo dosvivos uma prova incontestável da sua sobrevivência.

Devo, além disso, acrescentar que, do ponto de vista dequem propugna a presença espiritual, no lugar do fenômeno, debom número de fantasmas telepáticos e de aparições dedefuntos, o episódio em questão é mas demonstrativo, nessesentido, do que aqueles em que a percepção dos fantasmas,embora coletiva, é unicamente visual, porquanto 0 outro contémem si duas provas distintas, que convergem para taldemonstração.

Em suma, no caso de que ora tratamos, a presença espiritualda defunta, no local da sua aparição, parece confirmada pelacircunstância de o fantasma haver surtido para seus parentes,sinal de que não era uma projeção puramente telepática dopensamento da morta. De todo modo, compreende-se que;caiando mesmo se propendesse para esta última explicação, agênese do caso não mudaria, visto que se trataria, ainda esempre, de uma defunta a projetar telepaticamente a visão doseu simulacro aos entes que lhe eram caros, com o escopo deinformar da sua sobrevivência.

Tomo ao Light (1923, pág. 729) este quarto episódio e quemo refere é o Sir Waliam 13arrett, físico célebre, membro daRoyal Society e fundador da Society for Psychical Research.Trata-se de um episódio notabilíssimo, em que o fantasma deum pastor anglicano foi visto por cinco pessoas numa igreja deDublin, onde ele oficiara durante 50 anos .

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Sir William Barrett descreve assim o fato:Poucos dias depois da morte do cônego CarmichaeI LL. D.,

meu amigo íntimo, ele foi visto a subir os degraus do púlpito deuma igreja de Dublin, onde pregara durante 60 anos. Apareceurevestido de sobrepeliz e capa. Cinco pessoas o virão colocar-seao lado do seu sucessor - o reverendo R. U. Murray - quandoeste pregava sobre o tema da sobrevivência. Disse-me o Rev,Murray que nada vira, mas que tivera a sensação de umapresença invisível, sensação a que nenhuma importânciahouvera atribuído ao cabo das duas horas do serviço religioso, setrês senhores e uma Senhora não tivessem acorrido a narrar-lheo que tinham visto, antes mesmo que houvessem falado arespeito com outras pessoas. Achavam-se os quatro em pontosdiversos da Igreja e três deles não se conheciam . A essastestemunhas uma quinta se veio juntar, na pessoa da SenhoraDixon, filha do cônego Carmichael, que logo depois do serviçoreligioso contou o que vira a um amigo e ao marido, ignorandoabsolutamente que outras pessoas houvessem percebido ofantasma de seu pai.

Ressalta absurda qualquer suspeita de um embustecombinado e por trás do púlpito não havia objeto algum quepudesse produzir uma ilusão de tal natureza. quanto aosobservadores - todos cépticos em matéria de aparições - nadapedia predispor a se tornarem coletivamente alucinados. Note-setambém que todos mencionaram pormenores idênticos comrelação ao que tinham visto; o que quer dizer que todos foramacordes em referir que o cônego vestia a longa sobrepeliz docostume, que a suspendera ao subir os degraus ao púlpito, talcomo fazia em vida; que, pelo aspecto, parecia absolutamentevivo e feliz, porém mais jovem do que quando subia ao púlpitonos últimos tempos. Além disso, todos haviam notado quedirigira um sorriso à filha, sentada próximo ao púlpito (ela mefez de tudo uma impressionante descrição. Ainda mais: cada um

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dos percipientes observara que o barrete do fantasma tinha umacercadura vermelha, ao passo que na do Rev. Murray acercadura era azul. Essa diferença existe os distintivosacadêmicos de LL. D. (doutor em leis) e de Litt. D doutor embelas letras diferença que os observadores realmente ignoravam.

E impossível encontrar-se uma hipótese naturalística queexplique todos esses testemunhos concordantes e independentes,assim como não é fácil reduzi-los a impressões subjetivas.Minha opinião pessoal é que o Espírito pode às vezes revestirtemporariamente uma forma intangível, porém visível, em rarascircunstâncias favoráveis de ambiente em virtude de um atosubconsciente de vontade criadora, de modo a dar a ver aosvives uma forma-pensamento, que é o simulacro de si mesmo,qual era em vida. Há ótimas provas de que o fenômeno tambémse produz muitas vezes no sono profundo. Tudo isto parecemaravilhoso e incrível, mas a criação de uma criança no seiomaterno não é sem dúvida menos maravilhosa e incrível, desdeque se pondere que a influencia inconsciente da mãe guia asmoléculas tangíveis da matéria para construir o simulacro físicoe mental dos seus progenitores.

Esse o interessante caso referido por Sir William Barrett, emprimeira mão . Quer dizer que o defunto era seu amigo íntimo eque os pormenores do caso lhe foi dado colhê-los de doisprotagonistas principais: a filha do morto e o Rev. Murray. Esteúltimo, com efeito, sentira próximo de si uma presença, aomesmo tempo em que os cincos percipientes viam junto dele ofantasma do seu antecessor. Nenhuma dúvida acerca daautenticidade dos fatos, que são perfeitamente averiguados.Cumpre, pois, explicá-los e se este encargo parece simplíssimocom a intervenção real do defunto que se manifestou,inexeqüível é, ao contrário, por meio de qualquer hipótesenaturalística.

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Como se viu, Sir William Sarrett, a seu turno, assinais essafortíssima condição do caso, em sentido espiritualista.Entretanto, legítimas se apresentam as suas consideraçõeselucidativas da maravilhosa reprodução, no fantasma, das maisminuciosas características de identificação física, reproduçãoque ele atribui ao muito conhecido poder do pensamento e davontade, capazes de plasmar, mesmo no mundo dos vivos,perfeitos simulacros físicos, até fotografáveis. Contudo, no casoem questão, tal fenômeno se deveria interpretar em sentido umtanto diverso, isto é, supondo-se que por ato da sua vontade odefunto haja revestido seu Espírito de um perfeito simulacro desi mesmo em paramentos sacros. Variante d esta necessária aexplicar a circunstância importantíssima de o fantasma haversorrido para sua filha, demonstrando com isso estar presente emespírito no seu simulacro. Acrescente-se que a outracircunstância, do Rev. Murray ter tido a sensação de uma,presença próximo de si, localizada no ponto em que os outrosviram o fantasma do defunto, concorre fortemente parademonstrar a sua presença espiritual ali.

De outro ponto de vista, pondero que, em meio século depesquisas, os casos de aparições de defuntos vistoscoletivamente ou sucessivamente por várias pessoas se foramacumulando em número imponente, contando-se nas minhasclassificações muitas centenas deles . Ora, é preciso nãoesquecer que se trata de fatos que excluem qualquer explicaçãonaturalística e que, em conseqüência,tomam aspecto de provasresolutivas em favor da sobrevivência. Assim sendo, mais umavez insisto em assinalar o erro deplorável em que caem os que,na ilusão de haverem demonstrado não ser possível provar-secientificamente a sobrevivência humana, tendo por base asinformações pessoais que fornecem os defuntos que se,comunicam, pensam que desse modo neutralizaram para sempreas esperanças de quem afirma, baseado em Fatos, que a

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sobrevivência humana será um dia demonstradaexperimentalmente,cientificamente, definitivamente, por meiodas pesquisas metapsíquica.

E, se assim é, se as aparições dos defuntos pouco depois damorte, observadas coletiva ou sucessivamente por váriaspessoas, também bastam, por si sós, para confundir e desbarataros propugnadores do animismo totalitário, como explicar, o fatode haver, embora novos casos dessa natureza se sucedamconstantemente, muitos pesquisadores científicos dosfenômenos mediúnicos que se conservam inamovíveis nas suasconvicções materialistas ?

Acrescente-se que o mesmo se dá com a grande maioria daspessoas cultas que têm relatos de acontecimentos análogos, semcolherem deles nenhum ensinamento. Nada disto se conciliacom a lógica sã da razão; entretanto, assim é. Desde que, porém,se perquira a causa de tais coisas, ela ressalta patente ao critériodo pensador, é simplíssima, podendo resumir-se na frase queformulei ao apreciar o caso de assombração ocorrido comigomesmo. Essa frase se adapta, com ligeira variante, à presentecircunstância: Uma coisa é ler a narrativa dos casos de apariçõesde fantasmas de defuntos, outra coisa, muito diversa, é assistir auma ocorrência dessa natureza . Trata-se, pois, de umainteressante questão psicológica; sobre a qual será convenienteinsistamos, ilustrando-a ulteriormente .

Na minha monografia citei o caso impressionante daSenhora Winifred Mundella, a quem, numa crise bastante graveda vida, apareceu o fantasma de sua mãe, a lhe indicar ocaminho a seguir. O fantasma foi percebido simultaneamentepor um cãozinho da defunta, o qual correu para o simulacro dasua dona., a lhe fazer festa. Aquela senhora terminou com asseguintes palavras a sua narrativa: Os que hão visto sabem, deciência certa, que não existe a morte. Pois bem: esta últimaobservação grande impressão produziu em mim, porquanto

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coincidia com a observação idêntica que eu fizera relativamenteao fato de assombração a que me foi dado assistir.

E absolutamente verdadeiro que os que hão visto osfantasmas autênticos de seus entes caros, a quem estes hajamsorrido ou dirigido à palavra, ou provado de outras formas quesão fantasmas sensientes e inteligentes (como acontece nosepisódios acima referidos), é absolutamente verdadeiro, digo,que esses nunca mais duvidarão, por toda a vida, do que severifica para lá da tumba. Nunca mais duvidarão, vistoconhecerem, por experiência, a verdade sobre o assunto.Somente eles sabem quais as sutis e infalíveis impressõesobjetivas e subjetivas do espírito que os fizeram chegar, de umgolpe, à solução do mistério do ser. Segue-se que seustestemunhos afirmativos são muitíssimo mais importante, doque as opiniões gratuitas emitidas por teóricos catedráticos, queperdem o tempo a cunhar neologismos e a apresentá-lo comodemonstrações. Do mesmo modo, é igualmente verdadeiro que agrande maioria dos que se limitam a ler ou ouvir a narrativa degatos sucedidos a outros, embora concordem, às vezes, emreconhecer o caráter espírita do último episódio de que tiveramciência, se bem se conservem ,por certo tempo abalados emeditabundos, acabam invariavelmente esquecendo-se dele,como já haviam esquecido muitos outros análogos, de que antessouberam. O resultado é que recaem inevitavelmente na dúvidaanterior, continuando por toda a vida a comportar-se da mesmamaneira, passando de um caso a outro, de uma prova à outra,esquecendo sempre, esquecendo tudo, nada conservando e,portanto, aturdindo-se perpetuamente no vazio .

E esse fenômeno psicológico não se verifica somente comos leitores apressados e superficiais, destituídos de sensofilosófico, mas com todas as classes de leitores e de estudiosos,mesmo com os mais eminentes cultores das disciplinasmetapsíquica. E verifica-se com tal freqüência que se é obrigado

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a deduzir que se trata de uma imperfeição congênita damentalidade humana, que não consegue manter presente naconsciência senão uma parte mínima do que virtualmente lograconhecer acerca de determinado assunto, donde decorre que oraciocínio humano quase sempre induz e deduz baseando-se emdados parcialíssimos e chegando a conclusões miseramenteerrôneas. Nada mais resta, então, senão nos resignarmos ante oinelutável, embora essa imperfeição do raciocínio humano sejamotivo de espanto para os poucos que se encontram na posse damodesta, ruas capitalíssima faculdade de ter sempre em mentetodos os dados da questão a resolver, dados que em nosso casoconsistiriam nas inúmeras variedades de episódiosmetapsíquicos inexplicáveis por meio de qualquer hipótesenaturalística. Considerando-se esses episódios reunidos numasíntese formidável, eles se transformam numa prova cumulativa,logicamente irresistível, da intervenção experimentalmenteverificada dos Espíritos dos defuntos nas manifestaçõessupranormais . Para os que possuem tal faculdade, ademonstração da existência e sobrevivência da alma é, de hámuito tempo, conquista da ciência, baseada nos fatos e somentea imperfeição congênita do raciocínio humano impede que osdemais o reconheçam.

E, já que entrei no assunto, vale a pena assinalar outra classede pesquisadores cépticos, que o são por ai acharem atacados deuma forma bem mais conspícua de imperfeição do raciocínio, aqual lhes causa notáveis desvios do critério lógico.Confrontando estes últimos com os primeiros, dever-se-ia dizerque os primeiros são cépticos normais e racionais, para os quaishá sempre a possibilidade de renderem-se um dia às provascumulativas dos fatos, ao passo que os segundos, entre os quaisse arrolam pessoas cultíssimas e respeitáveis, se mostrampossuídos de formas de cepticismo que já não sã,o raciocináveise que nunca se dissiparão, nem mesmo que se lhes pusesse à

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disposição o imponente conjunto de todas as provas multiformese admiráveis vindas à luz no passado e no presente, apenasporque suas mentalidades não se acham preparadas para acolhera grande verdade nova que surge no horizonte do cognoscívelhumano. Assim sendo, eles não chegam a assimilar amaravilhosa coletânea dos casos. Daí o assistir-se ao curiosoespetáculo desses gentis-homens, que se entusiasmam empresença dos mais modestos incidentes de telecinesia, detelestesia, de psicometria, permanecerem impassíveis em facedos mais extraordinários fenômenos de aparições de defuntosjunto ao leito mortuário, de aparições de defuntos pouco depoisda morte, de correspondências cruzadas, de xenoglossia egípcia,árabe e chinesa, de identificação espirítica e assim por diante.Conquanto assimilem os primeiros, eles não lhes compreendemo valor e, não chegando a assimilar os segundos, se mantêmindiferentes.

Cumpre, por fim, acrescentar que, para eles - como para osoutros a quem precedentemente aludimos - não existe a eficáciairresistível das provas cumulativas, uma vez queconstantemente, sucessivamente, rapidamente, esquecem todosos episódios que contrastam com os seus preconceitos, masconservam imperecível lembrança de todas as dúvidasinseparáveis de uma ciência que dá os primeiros passos, dúvidasque, conquanto reais, são de ordem secundária e não infirmamde modo algum fato de havermos conseguido organizarimponentes classificações de variadíssimos fenômenossupranormais - anímicos e espirítico - todos convergentes para ademonstração da existência e da sobrevivência do espíritohumano, fenômenos que se convertem em provas cumulativasinvulneráveis a todas as hipóteses e a todas as sutilezas sofísticascom que os assaltam desesperadamente os animistas totalitários .

Aplicam portanto as seguintes considerações do DoutorGibier:

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E maior do que se possa crer o número das inteligênciaspadecentes de lacunas psíquicas . Assim cano há indivíduostotalmente refratários d música ou às matemáticas, também oshá que não chegarão nunca a assimilar as verdades existentesfora de tudo quanto se pode denominar a sua zona lúcida,tomando esta imagem à função desses refletores elétricos que, ànoite, lançam seu feixe luminoso em determinado ponto além doqual somente existem trevas ou caliginosidade. Todos oshomens possuem sua zona lúcida, ai bem que com amplitude eluminosidade infinitamente diversas. Daí decorre que b.áVerdades manifestas que se conservam inconcebíveis paramuitas inteligências, o que se dá porque tais Verdades estãocolocadas fora de suas respectivas zonas lúcidas. (Doutor Gibier,Análise, das Coisas, págs. 33-54).

E precisamente assim e a feliz imagem das zonas lúcidas serevela de tal modo correspondente à verdade, que resultaaplicável à humanidade inteire, sob múltiplos aspectos, mas,aplicável, sobretudo, ao nosso caso, não o esqueçamos. Exorto,portanto, os leitores a tê-la presente, para dela se serviremoportunamente, suando se lhes apresente ocasião.

Resta assinalar o corolário curioso e inevitável dessacaracterística psico-fisiológica das zonas lúcidas na mentalidadehumana. Esse corolário é que aqueles que não possuem umazona lúcida orientada para a compreensão da nova Ciência daAlma vivem na ilusão do possuir discernimento integro emtodas as direções e, por conseqüência, lançam aos outros a penhade serem vítimas de preconceitos místicos . Posta a questãonestes termos, não há porque insistir querer convencer a quemnão pode compreender.

Apresso-me, porém, a dizer que, se é certo que eminenteshomens de ciência se acham em condições análogas, de parcialobnubilação psíquica, isso não impede que lhes tributemosinalterada admiração e a nossa gratidão porque, com as zonas

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lúcidas de suas mentalidades, potentes em outras direções, elestêm trabalhado com proveito para a ciência em geral e para ametapsíquica em particular, uma vez que seus méritos não ficamdiminuídos por uma condição psicológica inerente á constituiçãomorfológica- e à função fisiológica do órgão do pensamento .

CONCLUSÕES

O presente trabalho, embora seja apenas um resumosubstancial de numerosas publicações minhas sobre o tema queme sugeriu o Conselho diretor do Congresso Espírita deGlasgow, não deixa de revestir notável valor teórico, porquanto,da síntese de múltiplas publicações condensadas num livro depequeno porte, faz ressaltar longa série de importantesconclusões secundárias, ou de categoria, tiradas dasmanifestações supranormais - anímicas e espirítica - em todas assuas graduações . Conquanto de ordem particular, essasconclusões convergem, e imponente massa cumulativa, parauma conclusão solene, de ordem geral: a solução espírita daformidável questão pesquisada pela nova ciência que ai chama -Metapsíquica.

Não me parecendo oportuno repetir aqui todas as conclusõesde ordem secundária a que cheguei, limitar-me-ei a recordarapenas três delas, de importância fundamental .

Em primeiro lugar, lembro haver demonstrado que asfaculdades supranormais subconscientes não podem ser osgermens de novos sentidos destinados a surgir e fixar-se deforma permanente na humanidade do futuro e isso pelasmúltiplas razões que aduzi baseado nos fatos, mas,principalmente, porque tudo concorre a provar que a posse desentidos supranormais não se conciliaria com a natureza

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humana, de modo que as instituições civis, sociais, morais,longe de retirarem daí qualquer vantagem, seriam abaladas emseus fundamentos, anuladas, demolidas, dando em resultado quea evolução psíquica da espécie pararia, degenerando, por nãomais funcionar a grande lei biológica da luta pela vida .

Uma vez conseguida essa demonstração, aplanado estava ocaminho para o conhecimento da verdadeira natureza dasfaculdades supranormais em apreço, fator dadas que sê.o ossentidos espirituais da personalidade integral subconsciente, osquais existem pré-formados, em estado latente, nos recessos dasubconsciência, aguardando o momento de emergir e atuar nomeio espiritual, depois da crise da morte, do mesmo modo queos sentidos terrenos existem pré-formados, em estado latente, noembrião, esperando o momento de emergir e atuar no meioterreno, depois da crise do nascimento.

Por outras palavras: se for indispensável que o embriãohumano, destinado a viver e a atuar no meio terreno, tem de aíchegar provido de sentidos apropriados e pré-formados, prontosa exercitar-se depois da crise do nascimento, igualmenteindispensável há-de ser que o Espírito desencarnado tenha dechegar ao meio espiritual provido de sentidos apropriados e pré-formados, prontos a ser utilizados depois da crise da morte,porquanto não é possível que os sentidos espirituais sejamcriados do nada no instante da morte. Segue-se que, se o Espíritosobrevive, tem que os possuir pré-formados, em estado latente,prontos a entrar em relação com o novo meio que o acolhe. Seassim não fosse, o Espírito não sobreviveria à morte do corpo.Donde se depreende que os fenômenos Anímicos são os quefacultam ao homem a prova mais solene e incontestável dasobrevivência.

Em segundo lugar, lembro que ficou demonstrado já serpossível circunscrever-se dentro de limites bem definidos ospoderes supranormais da subconsciência, poderes designados

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pelos nomes de clarividência no espaço e no tempo, telepatia,psicometria, telemnesia (esta última no sentido de leitura nassubconsciências de outros, sem limites de distância),demonstração cuja conseqüência é privar os opositores dahipótese espírita da mais formidável arma de que dispunhampara combatê-la e de que se prevaleciam até ao absurdo.

Em terceiro lugar, lembro que também ficou demonstradoque, mesmo quando se admita - a título de concepção teórica -que as faculdades subconscientes possuem o atributo divino daonisciência, não se conseguir neutralizar a possibilidade deobter-se um dia a prova científica da sobrevivência humana,possibilidade solidìssimamente firmada no conjunto inteiro dasmanifestações supranormais - anímicas e espirítica - e nãoapenas sobre provas de identificação espírita fundada nasinformações pessoais dadas pelos defuntos que se comunicam,conforme presumem constantemente os opositores.

Evidente, portanto, se faz que a solução, no sentido aquiindicado, das três questões fundamentais em apreço equivale àsolução do problema do Ser, em sentido espiritualista, donde sesegue que o Animismo prova ò Espiritismo e de tal modo que,sem o Animismo, o Espiritismo careceria de base.

Ao mesmo tempo e como complemento das conclusões aque cheguei, discuti a fundo, em dois capítulos extensos, oscasos das comunicações mediúnicas entre vivos e os fenômenosde bilocação, duas categorias de manifestações teoricamenteimportantíssimas por corroborarem as referidas conclusões, emsentido espiritualista .

No capítulo sobre casos de comunicações mediúnicas entrevivos, comecei por explicar que, produzindo-se por processosidênticos àqueles pelos quais se produzem às comunicaçõesmediúnicas de defuntos, aquelas outras ofereciam apossibilidade de apreender-se melhor a gênese destas últimas,lançando luz nova sobre as causas dos erros, das interferências,

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das mistificações subconscientes que nelas se deparam e,sobretudo, contribuindo a provar com rara eficácia a realidadedas comunicações mediúnicas com os defuntos, pelaconsideração de que, nas comunicações entre vivos, se podeverificar a realidade integral do fenômeno, interrogando aspessoas colocadas nas duas extremidades do fio e comprovandoque os fatos se desenrolam conforme o diálogo supranormal ofazia supor. Daí a sugestiva dedução de que, quando na outraextremidade do fio se acha uma personalidade mediúnica queafirma ser um Espírito de defunto e o prova dando informaçõesbiográficas que todos os presentes ignoram, racionalmente sedeve concluir que do outro lado do fio está o Espírito de defuntoque se declara presente, do mesmo modo que nas comunicaçõesentre vivos é positivamente certo que no outro extremo do fioestá o vivo que se manifesta mediúnicamente .

Uma vez posta à questão a resolver sobre bases, de fato,positivas, restava dissipar uma dúvida relativa às modalidadessob que se produzem as duas ordens de fenômenos, dúvida queconsiste na aplicação da hipótese telepática como faculdadeselecionadora de informações pessoais nas subconsciências deterceiros, sem, limites de distância (telemnesia), hipótese estaúltima em que se escudavam os opositores para afirmar que,quando uma personalidade mediúnica dá informaçõesbiográficas que todos os presentes ignoram, isso não demonstraque o Espírito de um certo defunto esteja com efeito presente,uma vez que, não se podendo pôr limites às faculdadestelepáticas, é sempre de supor-se que o médium haja extraído dasubconsciência de pessoas distantes as informações que tenhaprestado. Vimos, porém, que essa arbitrária hipótese está emerro na sua primeira proposição, porquanto demonstramos quese podem circunscrever, dentro de limites bem definidos, asfaculdades inquirentes da telemnesia. Em seguida, analisando ascomunicações mediúnicas entre vivos, chegamos igualmente a

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demonstrar que a referida hipótese erra também na sua segundaproposição, porquanto tais comunicações, longe de consistiremnum processo fantástico da natureza. citada, consistem numaverdadeira conversação entre duas personalidadessubconscientes, o que equivale a colocar a questão, em basesradicalmente diversas, uma vez que se tem de inferir que, se estaúltima circunstância de fato transforma as comunicaçõesmediúnicas entre vivos em provas resolutivas de identificaçãopessoal dos vivos que se comunicam, forçosos será concluir-seno mesmo sentido, relativamente às comunicações mediúnicascom os defuntos, transformando-se estas, a seu turno, em provasresolutivas de identificação dos defuntos que se comunicam,tudo isso, bem entendido, sob a condição de que, num casocomo no outro, se comprove que as conversações são danatureza indicada.

Firmado isto, segue-se que a solução, no sentido apontado,da importante questão referente às modalidades sob que sedesenvolvem as relações supranormais entre dois psiquismos devivos assume notabilíssimo valor teórico. Não será, pois, ociosoinformar que o Dr Eugênio Osty já chegara à.s mesmasconclusões, investigando os fenômenos de metagnomia (lucidezsonambúlica), respeito aos quais assinalara que, longe de tratar-se de faculdades supranormais capazes de selecionarinformações na subconsciência de terceiros, o que há é umaconversação entre dois psiquismos postos em relação entre si.Eis como ele se exprime:

. . Na realidade, é-se vítima de uma ilusão quando, fundadoem aparências, se imagina que o sensitivo tira de umamentalidade latente as informações que fornece. Semelhanteilusão o observador a perde, desde que peça a prática àexplicação ao fenômeno. Só então ele apreenderá de que modo ofenômeno se produz, verificando que, quando um sensitivo sepropõe a revelar a outras informações sobre vidas vividas, o seu

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psiquismo se torna o incitado que provoca a atividade dopsiquismo de revelar. E, pois, por penca espécie de conversaçãosubconsciente e atual que a reprodução mental elabora essesconhecimentos supranormais. Dai decorre que não se tem depedir ao sensitivo que revele o que, no momento da experiência,pense uma pessoa distante, porem que se comporte como seEssa pessoa se achasse na sua presença. Só desse modo seconsegue fazer que duas subconsciências conversem uma com aoutra e o resultado de tal colaboração entre dois psiquismos setraduz pelas indicações que o sensitivo ministra sobre apersonalidade distante e sobre as vicissitudes da sua vida.(Revista Metapsíquica, 1926, págs. 14-15).

Assim se exprimiu o Doutor Osty, que é a maior autoridadeem pesquisas dessa ordem. Como se vê, não fiz mais do quetrazer uma contribuição de fatos excepcionalmente eficazes àconfirmação e à corroboração de tudo quanto já ele assinalara,por sua conta, acerca do assunto.

Observarei agora que essa importantíssima solução teóricavale pela condenação definitiva da absurda hipótese segundo aqual as indicações que os médiuns fornecem com relação aosdefuntos, e que muito freqüentemente todos os presentesignoram, são tiradas pelos mesmos médiuns as subconsciênciasde pessoas distantes que se conheceram em vida, selecionando-as prodigiosamente no imenso emaranhado de impressõesmnemônicas aí existentes em estado de latência (telemnesia).

Nenhuma dúvida tem, portanto, de que a preciosacomprovação em apreço sirva a simplificar admiravelmente aquestão das provas de identificação espirítica., restituindo todo oseu valor teórico às manifestações dos defuntos que forneçamindicações pessoais ignoradas de todos os presentes, sobretudo,portanto, em se tratando de defuntos que todos os presentesdesconheçam, caso em que o exemplo das comunicaçõesmediúnicas entre vivos, por meio das quais se demonstra ser

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impossível estabelecer-se a relação psíquica com pessoasdesconhecidas, tornaria incontestável a interpretação espírita dasaludidas manifestações.

A fim de não ser mal compreendido, lembro tudo quantooportunamente expliquei a esse respeito, isto é, que dos casos decomunicações entre vivos também ressalta a possibilidade deestabelecer-se a relação psíquica com pessoas distantes,desconhecidas de todos os presentes, mas só sob a condição deapresentar-se ao sensitivo um objeto que haja trazido consigolongo tempo o indivíduo distante com quem se deseje entrar emcomunicação (psicometria) . E uma exceção que confirma aregra, visto que não muda por isso a base indispensável a todarelação psíquica, que consiste na sintonização entre vibraçõesespecíficas, sintonização que existe entre pessoas que seconhecem e que se pode conseguir indiretamente por meio deum objeto que tenha absorvido as vibrações específicas doindivíduo em questão. Ao mesmo tempo, faço notar que essemétodo indireto de conseguir-se a relação psíquica corroboratudo o que se dá nas comunicações mediúnicas com os mortos,nas quais é analogamente possível estabelecer-se a relaçãopsíquica com defuntos que todos os presentes desconheçam, soba condição de apresentar-se ao médium um objeto que o defuntodesconhecido, com quem ai deseja comunicar, haja trazidolongo tempo consigo. Lembro que este fenômeno se produziaordinariamente com a mediunidade da Senhora Piper, como deregra se produz com qualquer médium que genuinamente o seja.Faço notar ainda, a esse propósito, que a analogia da telegrafiasem fio ajudará a compreensão de como se dá e fenômeno dasintonização - se assim me posso exprimir - entre vivos que nãose conhecem e entre defuntos e vivos em condições idênticas.Quer dizer que o objeto saturado de fluidos vitalizados (ouvibrações específicas) do vivo ou do defunto desconhecidos domédium atua à maneira de uma estação emissora e outra

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receptora, sintonizadas sobre o mesmo comprimento de onda,entre as quais as mensagens expedidas pela primeira chegaminfalivelmente à meta, porquanto as ondas elétricas se expandemglobalmente ao infinito.

Passando a falar de outro capítulo em que trateiresumidamente dos fenômenos de bilocação, capítulo que, doponto de vista teórico, é sobremodo importante, limitar-me-ei aobservar que tive de insistir muito particularmente sobre osfenômenos dessa natureza; quando se dão no leito de morte,evidenciando que esta última modalidade sob que se opera oanímico bastaria por si só a demonstrar, com os fatos, asobrevivência humana. E bastará, sobretudo, se considerar que,com essa modalidade, se passa, sem solução de continuidade,dos fenômenos anímicos, quando tomam a forma de fantasmasde vivos exteriorizados na crise pré-agônica, aos fenômenosespíritas, quando tomam forma de fantasmas de. defuntos que semanifestam pouco depois da morte, ou de aparições de defuntosjunto ao leito dos moribundos, sem levar em conta as outrassugestivas modalidades sob que se manifestam os defuntos,modalidades referidas e comentadas amplamente no capítuloquinto .

Este capítulo é o mais importante do presente livro,porquanto nele se demonstra, baseada em fatos a demonstração,que, embora se concedesse a onisciência divina à subconsciênciahumana, não se chegaria a anular a possibilidade de provar-secientificamente a sobrevivência. Ora, assim sendo, lícito se tornaafirmar que o material de fatos por mim reunido e comentadonesse capítulo derroca todas as hipóteses e todas as objeçõeslegítimas ou sofísticas de que dispõem os opositores, fazendotriunfar a causa da verdade, por maneira teórica menteresolutiva. Digo teoricamente, porque, praticamente, haverásempre os grupos dos irredutíveis, que descrevi nas conclusõesdo aludido capítulo, os quais, embora não consigam refutar o

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que ali se contém, se manterão do mesmo modo recalcitrantesou cépticos, devido à existência bastante conhecida de umaforma de idiossincrasia psíquica que torna impermeáveis averdades novas as vias cerebrais (misoneísmo) .

Mesmo que se pusesse em plena claridade à verdade simplesque aqui se propugna, manifesto se faz que a objeção acerca dapresumível existência de uma criptestesia onisciente constituirásempre a arma não só preferida dos opugnadores, como atéreconhecida legítima por alguns dos mais eminentespropugnadores da hipótese espírita, os quais se esforçam por lheanular a eficiência demolidora, invocando as razões do bomsenso, que, segundo esses propugnadores, deveram bastar paraexcluir uma hipótese com que se conferem poderes divinos àsfaculdades subconscientes. Tinham eles razão de apelar para obom senso contra as audácias inverossímeis da fantasia adversa;mas, as invocações desse gênero eram impotentes para demoliras afirmações dos que se faziam fortes com uma objeçãoirrefutável, porque indemonstrável. Era necessário, antes,demonstrar-lhes o enorme erro metapsíquicos em que incorriam,pretendendo que as provas experimentais da sobrevivênciaassentavam exclusivamente nos casos de identificação espirítica,fundados em informações pessoais fornecidas pelos defuntosque se comunicam, quando, na realidade, se fundam solidamenteno conjunto inteiro da fenomenologia supranormal - anímica eespírita - em que todas as manifestações convergem para ademonstração da existência e da sobrevivência do espíritohumano. Ora, é esta última verdade que se acha demonstrada nopresente trabalho, baseando-se a demonstração em exemplostomados às várias categorias de manifestações supranormais,reunidas e comentadas no capítulo quinto.

E realmente curioso que, até hoje, a ninguém houvesseocorrido mostrar aos opositores o erro enorme em que caíram epersistiam, bem como que ninguém haja pensado em apontar a

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alguns eminentes propugnadores de hipótese espírita o errodeplorável em que, a seu turno, haviam incorrido, reconhecendopor justificada a hipótese dos adversários. Entre eles contava-seo genial propugnador de um espiritismo cientificamentecompreendido, o Dr. Gustavo Geley, que considerou legítima aobjeção de que se trata, reconhecendo-lhe a eficácianeutralizante e declarando-a, por enquanto, impossível de sereliminada, embora fosse ela indubitavelmente fantástica efilosoficamente absurda. Por entender assim é que invocava asrazões do bom senso . Erro curioso, num pensador da sua força,tanto mais se ponderar que ele perseverou nesse erro durantetoda a sua vida, porquanto, depois de haver admitido a eficáciaanulatória de tal objeção, num de seus primeiros Livros,admitiu-a francamente ainda no ultimo período da sua nobreexistência, dirigindo ao Congresso de Copenhague umamensagem, onde se expressava nestes termos:

. . . Por enquanto, seja qual for à prova direta e imediata emfavor da sobrevivência, ela corre o risco de ser afastadaperemptoriamente pela imensa maioria dos homens de ciência,inclusive os versados em metapsíquica, os quais observam que,a rigor, qualquer fenômeno pode explicar-se par meio dasfaculdades supranormais da subconsciência. E é manifesto que,se reconhecerem nos médiuns capacidades multiformes demanifestação, poderes de ideoplastia subconsciente, decriptomnésia, de leitura do pensamento e de lucidez, não maishaverá lugar para uma prova segura de identificação espírita. Ameu ver, seria inútil negá-lo, para permanecer obstinadamentena senda das identificações pessoais. A demonstração direta dassobrevivências humanas, dadas seja possível, não constituirá abase, mas o coroamento do edifício metapsíquicos. (anais, pág.38) .

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Conforme deixei dito, muitos anos antes havia ele externadoo mesmo conceito em seu livro: O Ser Subconsciente, destemodo:

E evidente que, se admitir um desenvolvimento ilimitadoaos fenômenos de exteriorização e um poder correlato àsfaculdades subconscientes, se conseguirá explicar tudo, semnecessidade de recorrer-se à intervenção de entidades espirituais.

Era, portanto, natural que o Doutor Osty colhesse de relanceas infelizes declarações do Doutor Geley ao Congresso deCopenhague, para se valer delas como prova de que este último,no derradeiro período de sua vida, renunciara. às convicçõesespíritas. Não perdeu ele a oportunidade, para comentar o fato,observando que a bela inteligência do Doutor Geley, aberta atodas as verdades, não deixara de perceber que tudo, emmetapsíquica, é explicável por meio, dos poderestranscendentais dos vivos, conclusão distanciada da verdade,quer quanto à substância, quer quanto à referência pessoal. Mas,pelo que concerne à referência pessoal, dou-me pressa emacrescentar que o Doutor Osty estava de perfeita. boa fé, quandoassim se exprimia, pois ignorava que o Doutor Geley houvesseformulado o mesmo conceito num dos seus primeiros livros, istoé, quando, incontestavelmente, era espiritualista convicto, qual,aliás, se conservou por toda a sua vida, conforme quem istoescreve o pode atestar, baseado nas últimas cartas que delerecebeu. O que, ao contrário, ressaltava efetivamente dela areiteração do mesmo erro ao Congresso de Copenhague era isto:o Doutor Geley perseverara toda a sua vida em dar importânciaà suposição falaz de que não existiam outras manifestaçõessupranormais em favor da sobrevivência, além dos casos deidentificação espirítica fundados nas informações pessoaisministradas pelos defuntos que se comunicam.

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A este propósito, ocorre acentuar que o erro em que caíram,de um lado, o Doutor Geley e, de outro lado, o Doutor Osty,constitui eloquentíssimo exemplo a confirmar tudo o que afirmeinas conclusões do quinto capítulo, com relação ao fenômenopsicológico referente à grande dificuldade - Singularmentegeneralizada - de terem-se presentes sempre ao critério da razãotodos os dados constitutivos da questão a resolver-se, dadosperfeitamente conhecidos daquele que os olvida . Aconseqüência é que o raciocínio humano quase sempre induz ededuz fundado em parciais ou, mesmo, parcialíssimos processosde síntese, tirando conclusões miseramente errôneas. Ora, nonosso caso, tanto o Doutor Geley, quanto o Doutor Ostyconheciam a fundo todas as categorias de fenômenos queenumerei no capítulo quinto; todavia, em chegando o momentode utilizá-las, antes de concluírem, esqueceram-nascompletamente, pelo que foram ambos ter a conclusões erradas,um no empenho de defender, o outro no de destruir as bases dasolução espiritualista do problema do Ser!

Tudo isso revigora, de modo eficientíssimo, a seguinteobservação de Stanley De Brath

E notabilíssimo o fato de que a grande maioria dosespiritualistas e, sobretudo, a grande maioria dos seus opositoresdão prova de deplorável incapacidade para firmaremsolidamente suas convicções, ou suas opugnações, sobre oconjunto dos fatos pesquisados.

E precisamente assim e essa comprovação tem o valor deum ensinamento solene, que nunca se deverá esquecer.

Concluo, epilogando novamente as resultantes obtidas e ofaço em forma de resposta à questão que me submeteu oConselho Diretor do Congresso Espírita Internacional deGlasgow: Animismo ou Espiritismo?

Qual dos dois explica o conjunto dos fatos? Respondo: Nemum, nem outro, pois que ambos são indispensáveis à explicação

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do conjunto dos fenômenos supranormais, cumprindo seobserve, a propósito, que eles são efeitos de uma causa única: oespírito humano que, quando se manifesta em momentosfugazes, durante a existência encarnada, determina osfenômenos Anímicos e, quando se manifesta na condição dedesencarnado no mundo dos vivos, determina os fenômenosEspíritas . Decorre daí um importante ensinamento : que osfenômenos metapsíquicos considerados em conjunto, a começarpela modestíssima tiptologia da trípode mediúnica e pelosestalidos no âmago da madeira, para terminar nas aparições dosvivos e nas materializações de fantasmas vitalizados einteligentes, podem ser fenômenos anímicos ou espíritas,conforme as circunstâncias. E racional, com efeito, supor-se queo que um Espírito desencarnado pode realizar também devepodê-lo - embora menos bem - um Espírito encarnado, sob acondição, porém, de que se ache em fase transitória dediminuição vital, fase que corresponde a um processo incipientede desencarnação do Espírito (sono fisiológico, sonosonambúlico, sono mediúnico, êxtase, delíquio, narcose, coma) .

Segue-se que, em metapsíquica, se é obrigadoconstantemente a analisar, caso a caso, os fenômenossupranormais, antes de concluir acerca da gênese anímica ouespírita de cada um, o que equivale a reconhecer que o erro maisgrave em que pode cair um pesquisador o de apressar-se ageneralizar, estender a todo um grupo de fenômenossupranormais as conclusões legitimamente aplicáveis a um sóepisódio . E é esse o erro em que muito amiúde incorrem tantoos animistas totalitários como os espiritistas . Nos primeiros,porém, semelhante erro constitui regra sistemática, pois, seassim não fosse, eles não seriam animistas totalitários .

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FIM