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Metodologias de descongestionamento da expressão: oficinas inter e diálogos mediados pela Arte. Cleusa Peralta Castell 1 Neste livro, entre relatos e reflexões sobre metodologias da Pedagogia das Artes, tema principal deste livro, encontraremos também, compilações e exemplos de algumas oficinas que foram sistematizadas por nosso grupo de ensino, extensão e pesquisa, ao longo de 21 anos (1987-2008). Este artigo irá discorrer, brevemente, sobre três módulos de oficinas de descongestionamento da expressão visual, pela ordem, O Exercício do Pensamento Cinestésico, O Exercício do Pensamento Imaginativo e O Exercício do Pensamento Simbólico. Não haveria como listar aqui todo o conjunto de oficinas. Por isso, iremos recortar alguns momentos mais significativos desse conjunto. Procuraremos, ainda, elencar algumas referências teóricas e metodológicas que, ao longo de duas décadas, fizeram e ainda fazem sentido em nosso trabalho, atentos(as) ao debate sobre a interdisciplinaridade (daqui em diante, inter; idem também para interdisciplinar) no currículo, a partir do qual situamos nossa pesquisa. Tais oficinas foram criadas a partir da necessidade de levar aos estudantes, tanto da Licenciatura em Artes Visuais como de Pedagogia da Educação Infantil e dos Anos Iniciais, a análise dos fundamentos da arte na infância e adolescência, especialmente o desenho, em suas relações com a Filosofia, a Psicologia do Desenvolvimento Humano e a Educação Ambiental. 1 Arte-educadora e educadora ambiental. Doutora em Educação, Mestre em Educação Ambiental. Formação em interdisciplinaridade pelo Instituto Leibniz, Universidade de Kiel, Alemanha. Docente aposentada da Universidade Federal do Rio Grande, FURG.
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Jan 19, 2016

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Metodologias de descongestionamento da expressão: oficinas inter e diálogos mediados pela Arte. Cleusa Peralta Castell

1

Neste livro, entre relatos e reflexões sobre metodologias

da Pedagogia das Artes, tema principal deste livro, encontraremos também, compilações e exemplos de algumas oficinas que foram sistematizadas por nosso grupo de ensino, extensão e pesquisa, ao longo de 21 anos (1987-2008).

Este artigo irá discorrer, brevemente, sobre três módulos de oficinas de descongestionamento da expressão visual, pela ordem, O Exercício do Pensamento Cinestésico, O Exercício do Pensamento Imaginativo e O Exercício do Pensamento Simbólico. Não haveria como listar aqui todo o

conjunto de oficinas. Por isso, iremos recortar alguns momentos mais significativos desse conjunto. Procuraremos, ainda, elencar algumas referências teóricas e metodológicas que, ao longo de duas décadas, fizeram e ainda fazem sentido em nosso trabalho, atentos(as) ao debate sobre a interdisciplinaridade (daqui em diante, inter; idem também para

interdisciplinar) no currículo, a partir do qual situamos nossa pesquisa.

Tais oficinas foram criadas a partir da necessidade de levar aos estudantes, tanto da Licenciatura em Artes Visuais como de Pedagogia da Educação Infantil e dos Anos Iniciais, a análise dos fundamentos da arte na infância e adolescência, especialmente o desenho, em suas relações com a Filosofia, a Psicologia do Desenvolvimento Humano e a Educação Ambiental.

1 Arte-educadora e educadora ambiental. Doutora em Educação, Mestre em Educação

Ambiental. Formação em interdisciplinaridade pelo Instituto Leibniz, Universidade de Kiel, Alemanha. Docente aposentada da Universidade Federal do Rio Grande, FURG.

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A inter com esses campos de conhecimento foi se

delineando porque entendíamos que os conteúdos e procedimentos da arte, pouco conhecidos dos(as) docentes de Pedagogia, poderiam ser mais bem assimilados e valorizados se vistos como um construto inter, no qual a Arte poderia ser a

base da Educação (READ, 2001). O sentido amplo e transversal da Educação Estética (DUARTE JR, 2006; 2010; MEIRA, 2001; 2003) abarcaria tanto a Arte como as demais áreas de conhecimento. Estas foram as razões iniciais de nossa proposta.

O currículo integrado é, de qualquer ângulo que se possa visualizá-lo, o desenho de um construto inter.

Assim, ao invés de planejarmos currículos integrados, ao longo de nossa pesquisa de artes, buscamos desenhar programas de aulas centrados em eixos transdisciplinares que viessem a facilitar a integração curricular.

Movidos(as) que fomos pela urgência em otimizar resultados de ensino e pesquisa em curto prazo, buscamos elaborar um conjunto de atividades para dar conta dos referenciais, em nosso entendimento, basilares para todo o processo de pré e pós alfabetização visual e estética, pois teríamos que pensar numa base comum para os cursos de Artes e Pedagogia. Os currículos de Pedagogia dos quais participamos como docentes dispunham de apenas uma disciplina anual ou semestral de artes, tempo insuficiente para trabalhar com toda a linha do tempo do grafismo.

Os resultados de pesquisas em curto prazo pretendidos, entretanto, demandaram no mínimo, duas décadas de constantes elaborações e revisões (PERALTA-CASTELL 2012A; 2012B; PERALTA, 2004).

Esse tempo de um certo ativismo metodológico, nos fez refletir sobre as bases disciplinares que sempre “davam certo” nos programas curriculares. Essas bases disciplinares foram elaboradas a partir de experimentos educacionais por nós coordenados, junto a profissionais e acadêmicos provenientes

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de, basicamente, dois quadrantes opostos e complementares do conhecimento: artes e ciências, entendendo como ciências, tanto os aportes das Ciências Humanas (especialmente a Filosofia e a Psicologia) como as do Ambiente e da Terra (especialmente, a Biologia, a Oceanografia e a Geografia).

Arrastando cadeiras em sala de aula: reflexões sobre metodologias inter Arte-Educação

As oficinas de descongestionamento da expressão eram organizadas em sequência, como uma metáfora da linha do tempo do grafismo infantil, seguindo as etapas do desenvolvimento (ARNHEIM, 1989; LOWENFELD e BRITTAIN, 1977; READ, 2001; WALLON, 1989).

A primeira oficina, O Exercício do Pensamento Cinestésico, que chamávamos, simplesmente, Oficina do Grafismo2, buscava estimular a integração dos sentidos pela música e sua tradução intersemiótica para o traçado de linhas sobre papel. Metaforicamente, refazíamos, então, o ciclo do pensamento cinestésico, do prazer pelo movimento aleatório até o fechamento da forma. Assim, ensaiávamos formas de se obter uma figuração espontânea3 (MUNARI, 2006; BERGER, 1999). Paralelamente, coletávamos desenhos de crianças das fases das garatujas e pré-esquematismo para, no final da oficina, compará-los aos produzidos pelos estudantes de

2 Os materiais eram: muitas folhas de papel jornal ou sulfite A3, 1 estojo de canetinhas

hidrográficas ou giz de cera por pessoa. Os passos eram: 1)traduzir com desenho, de olhos fechados, o som da haga indiana (linhas contínuas), trocando vários papéis; 2) desenhar sem música observando, pelo tato, as linhas de força das margens dos

papéis; 3) desenhar cruzamentos de linhas, ao som de tambores africanos, sempre trocando folhas; 4) de olhos abertos, observar os emaranhados de linhas da etapa 3 nos diversos papéis, descobrindo formas, nomeando-as e preenchendo os espaços

dessas formas (figuração espontânea); 5) integração: rodada de auto avaliação e exposição coletiva; 6) estudo comparativo entre os desenhos produzidos e desenhos originais de crianças. 3 As imagens e desdobramentos encontram-se no artigo de Luciane Germano

Goldberg neste livro: Arte-Pré-Arte: memórias, metodologias, desdobramentos e implicâncias de uma vivência-formação.

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graduação. Foram analisados, em média, 800 desenhos produzidos nessa oficina, todos obtendo o resultado esperado, que era a figuração espontânea, ou seja, desenhar sem medo de errar. Os estudantes sempre se surpreendiam com o resultado, que contrariava o lugar comum do costumeiro “não sei desenhar”. Mais importante que isso era passar pelo processo de sensações cinestésicas, análogo à produção de garatujas e melhor compreender essa estética não exigente da não figuração.

Dependendo do objetivo a ser alcançado, outros desdobramentos dessa Oficina do Grafismo

iam surgindo. Devido à importância do fechamento da forma – o traçado do primeiro círculo da criança – criamos para adultos, a Oficina do Círculo Perfeito4, oriunda das técnicas de pintura zen5 e do Tai Chi Chuang. Tratava-se de uma experiência de meditação em movimento.

Na maioria das vezes, dependendo da capacidade de concentração do(a) educando(a), o círculo já saia perfeito na primeira tentativa, mas se podia traçar quantas

4 Para a sua execução eram necessários alguns materiais especiais: um bom pincel de

caligrafia japonesa, algumas folhas A1 e nanquim tradicional artesanal. O exercício tinha três tempos: 1) Colar o papel à parede, abastecer o pincel com nanquim; 2) virar-se de costas para o papel, fechar os olhos, imaginando um círculo perfeito sobre uma

tela branca; 3) virar-se de frente para o papel, abrir os olhos e, num só golpe com o pincel, traçar o círculo imaginado. 5 Idem à nota 3.

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vezes se quisesse. Essa oficina demarcava a passagem do Pensamento Cinestésico para o Pensamento Imaginativo. Tal como a criança, o adulto passaria, a partir dessa experiência de figuração, a abastecer o seu repertório com imagens do mundo real.

As oficinas, anteriormente narradas, promoviam a inter entre Artes Visuais, Psicologia do Desenvolvimento e Filosofia e a intra(disciplinaridade) entre Artes Visuais, Cenografia,

Música e Expressão Corporal. Normalmente, fazíamos exercícios de corpo em

movimento (LABAN, 1978), de respiração e antiginástica (BERNSTEIN; BERTHERAT, 2010) antes das oficinas, por entender que num trabalho de descongestionamento da expressão gráfica, como pretendíamos, análogo ao da criança, teríamos que trabalhar com todos os nossos sentidos, com todo o corpo.

Estávamos imersos(as) na atmosfera da Estética e Educação pela Arte (dos sentidos) de Herbert Read (2001) e cuidávamos de ambientar os universos relacionais de Martin Buber6 (2008; 2012), criando nichos, espaços de diálogo e relacionamento Eu-Tu, Eu-Isso, voltados para o meio ambiente.

Sobre Martin Buber, nos diz Newton Aquiles Von Zuben, que “o fato primordial do pensamento de Buber é a relação, o diálogo na atitude existencial do face-a-face” (ZUBEN, 2008). Reconhecer a alteridade do Eu-Tu significava demonstrar, na prática das oficinas, a diversidade de competências e a riqueza plástica do desenho de formas não estereotipadas e sua importância no conjunto, no mosaico de mútuas influências e similaridades.

6 Martin Buber (Viena, 8 de Fevereiro de 1878 - Jerusalém, 13 de Junho de 1965) era

filósofo, escritor e pedagogo. Em suas publicações filosóficas, argumentava que não há existência sem comunicação e diálogo, e que os objetos não existem sem que haja uma interação com eles.

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Não conseguíamos trabalhar sem um aparato cênico, audiovisual em nossas oficinas. Sempre tínhamos que arredar e empilhar cadeiras ao iniciar uma aula ou atividade. Afinal de contas, estamos falando dos anos 1980 e 1990.

De que lado da mesa você está? Uma integração possível entre Artes e Ciências

A primeira oficina do eixo Exercício do Pensamento Imaginativo que trouxe a inter com as Ciências do Ambiente, foi a Oficina dos Fluidos7. Referimo-nos a uma oficina estruturada

para o objetivo de descongestionamento da expressão gráfica de adultos. Entretanto, a sua origem está relacionada ao trabalho de Educação Ambiental junto às crianças da rede escolar, a partir do programa Utopias Concretizáveis Interculturais, inspirado no “Princípio Esperança” e na utopia

concreta do filósofo contemporâneo Ernst Bloch (2005). Para o filósofo, ao contrário do sonho noturno freudiano, os seres humanos têm sonhos diurnos, despertos, que os estimulam

a não se conformar com o que aí está, e a não se permitir a submissão ao insuficiente e ao escasso. [ ] A existência humana traz inquietações do espírito que colocam o ser humano em efervescência utópica” (BLOCH, 2005, V1, p.194).

A imersão dos(as) estudantes no ambiente dava-se, a partir de atividades organizadas em três módulos, que correspondiam a três universos identitários e relacionais: Eu-Comigo (Quem eu sou?), Eu-Tu (Identidade Cultural: Quem se lembra?) e Nós-Ambiente (Identidade Ambiental: Qual a natureza do nosso ambiente?).

Como esse programa de Educação Ambiental influenciou as oficinas de descongestionamento da expressão? É que todos os conteúdos trabalhados eram mediados por duplas de professores ou estagiários: um de Artes Visuais, outro de Ciências do Ambiente, sempre juntos, seja no campo

7 Ver neste livro, o artigo de Cláudio Tarouco Azevedo: Oficina dos fluidos: uma

experiência interdisciplinar Artes & Ciências.

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ou na sala de aula. Na prática trabalhávamos, conceitualmente, com o corpo-a-corpo ou o face-a-face de Buber, citado anteriormente. Apostávamos na Filosofia do Encontro, que a

partir de eventos reais – da práxis mesma – é que o conhecimento integrado iria emergir, lá mesmo, no campo, no Banhado do Taim8 ou na sala de aula. De fato, isso acontecia9, já que se tratava de um projeto em parceria (FAZENDA,1991).

Assim, a partir da experiência do face-a-face entre artistas e cientistas, criamos a Oficina dos Fluidos, para que os(as) educandos(as) pudessem visualizar pares conceituais como razão-imaginação, dentro-fora, dominar-ser dominado e tantos outros. De acordo com Henri Wallon (1989) as crianças passam do pensamento sincrético10 ao categorial, mas cabe ao educador contribuir para que os pequenos caminhem rumo à categorização do pensamento sem inibir sua imaginação.

Sempre pensando em analogias com a linha do tempo do pensamento infantil, desafiamos os(as) adultos(as) numa oficina que colocava “artistas” de um lado da mesa e “cientistas” do lado oposto11, gotejando corantes reagentes em vidros de água12.

Nossa utopia concreta, de sonho diurno (BLOCH, 2005) era a de criar eventos de conhecimento integrado que valorizassem “ambos os lados da mesa”, aproximando artes e ciências, imaginação e análise, emoção e razão (JUNG, 1985).

8 Referência ao trabalho de Educação Ambiental na Escola Maria Angélica Leal

Campello, situada no Taim. 9 Ver relatos em PERALTA, 2004.

10 As crianças pequenas pensam, misturando realidade e imaginação. As informações

que elas recebem do meio, as experiências pessoais e as fantasias se misturam. 11

O passo a passo da Oficina dos Fluídos encontra-se neste livro, no artigo de Cláudio Tarouco Azevedo. 12

A técnica utilizada foi inspirada numa proposta de Bruno Munari (2006), em seu livro Arte e comunicação visual. Essa técnica foi adaptada para a nossa proposta

interdisciplinar.

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Essa oficina passou a fazer parte de diversos programas curriculares13. Até o presente foi realizada, aproximadamente, 160 vezes, gerando cerca de 3.200 protocolos de pesquisa. Esses protocolos de pesquisa mostravam que, embora os grupos sujeitos não fizessem contato prévio entre si as imagens nomeadas, a partir do que imaginavam ver nas manchas em movimento nos vidros, sempre se repetiam em todos os grupos.

As imagens registradas, que quase sempre se repetiam – projeção imaginativa analógica eram: peixes, algas, pássaros, árvores, flores, bailarinas, lingerie, entre outras, para

os corantes azul e violeta. Para as manchas pretas de nanquim, repetiam-se: tornado, fumaça, furacão, polvo, cogumelos e bomba atômica. Os registros para explicar a

progressão e o movimento das manchas dentro da água, diziam respeito às propriedades dos materiais utilizados no experimento, como densidade, viscosidade, peso, propriedades físico-químicas de líquidos, bem como os relativos à dinâmica dos fluidos, fluxo turbulento atmosférico (furacão), fluido em rotação (bailarina), comportamento de aspecto fractal (árvore), entre outros.

Ao perceber a relação dialógica entre as partes – imagens e o todo – relatos sobre os fenômenos físicos que ocorrem no experimento, um colega pesquisador14 descobriu na geometria fractal uma forma de criar um construto em que as Artes (forma) e Ciências (conteúdo) se complementam mutuamente.

13

Cursos presenciais de Artes Visuais e Pedagogia, de disciplinas dos cursos de Pedagogia semipresenciais, fora da sede para professores leigos (Santa Vitória do Palmar e Santo Antônio da Patrulha), de seminários inter dos cursos de Pedagogia a

distância (polos Mostardas, São José do Norte, Santa Vitória do Palmar e Santo Antônio da Patrulha), mas também dos módulos de integração da graduação em

Engenharias Empresariais, num período de 5 anos e, também, em duas disciplinas do Pós-Graduação em Educação Ambiental, por 2 anos. 14 Dr. Arion Kurtz, físico quântico, na disciplina de doutorado Estudos Avançados de

Educação Ambiental.

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Aos poucos, a experiência de figuração espontânea (pensamento imaginativo) ia se transformando em tentativa de desenho controlado. Não mais deixar-se dominar pelos materiais heurísticos, mas dominar a técnica da aguada. Assim, íamos integrando os pares categoriais “ser dominado” e “dominar” no desenrolar das oficinas15

Oficinas do pensamento simbólico: metáforas para espelhar a complexidade da relação forma & significado Das oficinas do Exercício do Pensamento Simbólico,

que são várias, destacamos algumas atividades com o objetivo

de aproximar os(as) educandos(as) da flexão virtuosa entre

forma e significado. Sabemos que a principal característica da

passagem do pensamento imaginativo para o pensamento

simbólico é o processo de alfabetização e letramento, paralelo

ao desenho.

A configuração icônica, plena de sentido passa, no

processo de alfabetização, para uma combinação de signos

arbitrários que é a linguagem escrita.

15

Os desdobramentos posteriores da Oficina dos Fluidos foram: 1) desenhos em papel sulfite A1, desta vez, gotejando os mesmos corantes ou nanquim sobre as folhas amassadas e abertas. Muitas vezes, ao ar livre, era possível dançar com as folhas e,

após, observar os desenhos ramificados como leitos e deltas de rios; 2) desenhos em papel de aquarela de formatos variados com pincel de caligrafia japonesa, usando os mesmos corantes reagentes e nanquim (Ver figura 2).

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A relação forma-significado vai aprimorando-se com a

aprendizagem, mediada pelo ensino de arte e acesso a

técnicas e materiais.

Como na escrita, também podemos desafiar os(as)

estudantes à troca de significados para formas conhecidas, a

partir de diversas propostas de ordem conceitual. Assim, o

desenho do grupo familiar pode ser proposto como um

desenho onde cada pessoa é desenhada como um símbolo. O

conjunto dos símbolos poderá ser considerado uma metáfora e

nomeada de acordo. Por exemplo, um estudante de 12 anos

desenhou para a mãe, um avental; para o pai, um machado;

para o irmão, uma televisão, e assim por diante. Um colega

perguntou se o pai costumava cortar lenha, ao que ele

respondeu: “Não, é que ele não nos deixa falar, ele costuma

cortar a nossa conversa”.

Outro desenho mostrava diversos objetos desenhados

ao redor da folha de papel, como tênis, bolo de aniversário,

escova de cabelo e jornal. De cada um desses objetos partiam

linhas pretas que se juntavam no desenho de um televisor no

centro da folha. O adolescente disse que a TV era o único elo

de ligação entre as pessoas da família.

Há uma analogia do tênis para o sujeito principal, do

bolo de aniversário para a mãe, da escova de cabelos para a

irmã e do jornal para o pai. A TV não representava ninguém,

não fazia uma analogia, era uma síntese, um termo de terceiro

nível que resolvia o problema.

Os exemplos acima são recortes da última etapa de um

conjunto de atividades da Oficina do Pensamento Metafórico16,

16

Os passos dessa oficina na Universidade, constavam de: 1) Desenho de trajetórias

narrativas em saída para o espaço externo, para decalcar (frotagem) texturas de

elementos escolhidos para compor vários desenhos com o tema: “Minha chegada à

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realizado numa escola da rede municipal de Rio Grande,

replicada por uma colega pesquisadora17.

Com os educandos(as) de graduação, verificamos o

quanto pode ser complexo esse desprendimento do sentido

analógico do símbolo no desenho. Por outro lado, nas

chamadas redes sociais é comum o hábito de compartilharmos

imagens metafóricas, mas estas já estão decodificadas.

Na rotina da sala de aula, em todos os níveis, os(as)

educandos(as) são pouco estimulados(as) a desenvolver o

pensamento metafórico, campo da literatura, da poesia e

também das artes de um modo geral. Pensamos que as

metáforas podem ser as formas mais avançadas do

conhecimento pelo caminho da arte, pois podem criar o novo.

Vygotsky em seu livro La imaginación y el arte em la infância

faz alusão a uma “árvore com pés de galinha”, que existe em

fabulas. A fabulação se vale de imagens reais – casa e galinha

– que foram combinadas (1996, p.16). Esse exemplo ilustra

bem a capacidade combinatória, por ele descrita em seu livro,

a qual, em nosso entendimento é fundamental para a criação

de metáforas, Quanto mais imagens combinarmos, mais rica

será a metáfora, capaz de unificar todos os significados numa

ideia-chave.

sala de aula”; 2) Nova saída ao ambiente, utilizando a mesma técnica, desta vez para

criar composições livres com o decalque de formas e texturas para uma composição

livre. Tema: “Contar uma história, a partir das formas decalcadas e seus significados”;

3) Composição com a criação de metáforas, pela troca de significados para as formas,

construindo símbolos de terceiro nível; 4) Composição com as metáforas do grupo

familiar. Todas as sessões de desenho eram acompanhadas de auto avaliação

(protocolos de metacognição), avaliação interpares e avaliação do grupo. Materiais:

papéis A3 em grande quantidade, giz de cera e materiais diversos para colagem. 17

Arte-educadora Maria Tereza Ruivo; Instututo Educacional Juvenal Müller.

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Jorge Luis Borges, em sua obra traz uma infinidade de

combinações metafóricas de tal riqueza, que seria impossível

escolher qual a mais bela. Entre tantas, destacamos o “Aleph”,

de 1949. Numa passagem do texto, Borges discorre sobre uma

casa na qual, num determinado ponto do sótão, havia um

Aleph – o lugar onde estariam, sem confundirem-se, todos os

pontos do Universo. O narrador é convidado a ir até o sótão

para testemunhar a existência desse ponto. Após várias

inferências e considerações, Borges narra o que viu:

“O espaço cósmico estava ali, sem diminuição de tamanho.

Cada coisa (a lua do espelho, digamos) era coisas infinitas,

porque eu, claramente a via desde todos os pontos do

universo” (BORGES, 1974, p.625. Tradução nossa).

O texto que se seque, evocava uma infinidade de

“imagens”, cerca de 800 palavras, a partir das quais o autor

discorria sobre tudo o que via no Aleph, por exemplo: “Vi

intermináveis olhos imediatos, escrutando-se em mim como

num espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum me

refletiu” (Idem, p. 625). O próprio Borges, em seu livro A

História da Eternidade, nos fala sobre a importância da

metáfora em diversos autores, assumindo sua predileção.

O novo, em Borges, apresenta-se numa profusão de

símbolos articulados em sua escrita envolvente e enigmática,

mas ele reconhece que esse novo esbarra nos limites do

próprio texto. Ainda sobre o Aleph, ele alerta-nos que

“Chego, agora, ao inefável centro de meu relato; começa,

aqui, meu desespero de escritor. Toda linguagem é um

alfabeto de símbolos, cujo exercício pressupõe um passado

que os interlocutores partilham; como transmitir aos outros o

infinito Aleph, que minha temerosa memória apenas abarca?“

(Ibidem, p.624)

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Em nossas oficinas, a maioria encontrava dificuldade

em transgredir ou criar novas realidades, como casas com pés

de galinha ou cristais que refletem o mundo inteiro. Teria sido a

falta de leituras de Jorge Luis Borges?

Pelo mesmo motivo pelo qual criamos as oficinas

narradas, ou seja, a necessidade de sintetizar ao máximo os

conteúdos didáticos do grafismo infantil, também trabalhamos

em parceria com uma colega no sentido de elaborar oficinas e

material didático sobre a História das Artes Visuais. Entre as

imagens metafóricas do repertório de Borges, é frequente o

aparecimento de espelhos. Talvez essa tenha sido uma

influência importante para criarmos a Oficina dos Espelhos18, já

que, especialmente os(as) graduandos(as) de Pedagogia

reivindicavam os conteúdos de História das Artes que não

existiam no currículo19.

De 2001 a 2007, foram realizadas, aproximadamente,

14 oficinas sobre A Metáfora dos Espelhos, sendo quatro

performances diferentes, já que tratavam de criações coletivas

dos discentes, que, ano após ano, a iam recriando. A oficina

fez parte dos currículos de Pedagogia fora da sede, presenciais

e do curso de Artes Visuais. Eventualmente, eram feitas

18

Matéria do artigo da Drª. Ivana Maria Nicola Lopes, neste livro: ESPELHO, ESPELHO MEU... Haverá alguém mais bonita do que eu? A história da arte e seus

diferentes mo(vi)mentos. 19

Essa oficina desdobrava-se em: 1) Pesquisa em grupo sobre os movimentos, coleta

de material digital das obras de arte; 2) Elaboração de um multimídia completo (som e

imagem) com a sequência das obras de arte, organizadas pelas categorias de

espelhos; 3) Criação de performance de corpo com cenografia, figurino e

customização de espelhos reais, de acordo com cada categoria, visando a interação

com os demais professores e estudantes; 4) ensaios com a performance e o

audiovisual; 5) Apresentação em sala de aula ou em eventos externos; 6) Debate e

avaliação.

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apresentações em eventos, pelo seu caráter altamente

performático e didático.

Assim, os espelhos nos acompanharam, desde as

leituras de Borges até as metáforas pedagógicas que

precisamos criar para encurtar o caminho entre a Arte e a

Pedagogia.

Para concluir, sobre os campos de conhecimento que

entrelaçamos com as Artes, há que considerar que, no início

dessas oficinas, há mais ou menos duas décadas, a Educação

Ambiental ainda era matéria pouco conhecida, mas hoje está

na pauta dos reparos urgentes e necessários como paradigma

emergente da Educação (MORAES, 1997). O construto arte-

educação ambiental está presente, portanto, no pensamento

ambientalista, atravessando os conceitos arte e vida20.

A Educação Estética, antes propugnada por Read

(1978; 2001), hoje ganhou espaço de honra no movimento de

arte-educação, traçando trajetórias próprias que atravessaram

as áreas de conhecimento e se colocaram igualmente no

debate contemporâneo sobre a importância da educação dos

sentidos e da estesia (DUARTE JR., 2006; 2010; MEIRA, 2003)

e, ainda, da Interculturalidade e estética do cotidiano

(RICHTER, 2003).

O trabalho de corpo ganhou novas referências, a partir

dos anos 2000, com o aporte da Estética do Oprimido (BOAL,

1982; 1983), mais focados nos grupos sujeitos coletivos21,

20

Ver, neste livro, o artigo de Thaís Guma Pagel: Reconstruindo os caminhos entre a

arte e a vida. 21

Ver, neste livro, os artigos de Cilene Gonçalves Leite: Teatro Fórum: uma metodologia interativa para a Arte-Educação Ambiental e de Carolina Peralta Flores, Cláudio Rossano Trindade Trindade e Cleusa Peralta Castell: O efeito dos jogos teatrais propostos por Augusto Boal: Quando as metodologias de pesquisa se refletem no cotidiano.

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dialogando com a expressão corporal do corpo em movimento

de Laban e com a antiginástica de Therese Bertherat.

Quanto às demais vertentes filosóficas que

trabalhamos, sobre Martin Buber nos diz Newton Aquiles Von

Zuben (2008), que sua filosofia do diálogo tem influenciado a

Psiquiatria, a Psicologia, a Educação, a Sociologia e toda uma

corrente da filosofia contemporânea que se preocupa com o

sentido da existência humana.

Já a Utopia Concreta de Ernst Bloch continua nos

levando ao sonho diurno, cada vez mais desperto, embora

pouco presente dos referenciais inter que conhecemos, talvez

pela radicalidade de seu pensamento contemporâneo de

aproximação marxista, numa época em que predominam as

correntes filosóficas sobre a subjetividade nas artes.

Ao finalizar, consideramos que o que chamamos de “um

certo ativismo metodológico” levou-nos a resultados

importantes. Aprendemos com esse “ativismo” a não só festejar

os resultados, testemunhando processos de

descongestionamento da expressão gráfica de caráter

reparador, mas também acompanhar dados de pesquisa e

grupos de pesquisadores(as) cada vez mais numerosos(as) e

engajados(as) na inserção dos referenciais comuns às Artes e

à Pedagogia nos currículos de formação de professores(as),

inclusive em áreas técnicas, nas quais a legislação sobre os

cursos de licenciatura assim o requer22.

Se, por um lado, vimos como pode ser difícil de

trabalhar com parâmetros inter, ainda em mares pouco

navegados, por outro lado, a formação para este fim se torna

22

Ver, neste livro, o artigo de Viviani Rios Kwecko: O tecer da arte-educação-profissional: Imagens sínteses do ato de conhecer.

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cada vez mais facilitada por testemunhos de experiências que

“deram certo”. Esta constatação só foi possível com o passar

do tempo, a julgar pelo efeito mandala (multiplicações

concêntricas) que as oficinas produziram, motivando

acadêmicos(as) que hoje são docentes nas redes de ensino

locais e internacionais, tanto em escolas como universidades e

programas de pós-graduação.

Se os currículos de Pedagogia e as demais

licenciaturas irão incorporar novos espelhos para refletir a

importância das artes e de novos paradigmas de educação

estética, isto será outra história e irá requerer novos

aprendizados. Quem sabe, o Aleph de Borges venha nos

ensinar?

Referências

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual. São Paulo: Pioneira/ EDUSP, 1989. BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. BERNSTEIN, Carol; BERTHERAT, Therese. O corpo tem suas razoes. São Paulo:

WMF Martins fontes, 21ª Edição, 2010.

BLOCH, Ernst. O Princípio Esperança. V1. Trad. Nélio Schneider. EDUERJ:

Contraponto. Rio de Janeiro. 2005.

BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e não-ator com vontade de dizer

algo através do teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

_____. Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

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Arte-Pré-Arte: memórias, metodologias, desdobramentos e implicâncias de uma vivência-formação

Luciane Germano Goldberg23

Venho neste espaço-tempo de escrita relatar e

compartilhar minhas vivências e experiências no Projeto Arte-Pré-Arte enquanto bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq, assim como as ressonâncias dessas vivências, que se constituíram em metodologias extremamente significativas para minha prática docente constituída ao longo dos anos e atual enquanto professora de arte/educação na Faculdade de Educação na Universidade Federal do Ceará.

No decorrer do curso de Educação Artística tive o prazer de conhecer a militância em arte/educação. Grande parte de nós, estudantes dessa época, do curso de Educação Artística na FURG, que nos tornamos hoje educadoras, arte/educadoras, militantes da arte/educação traz a semente dessa luta, continuando a plantação, semeando e colhendo os resultados dessa trajetória que iniciou durante a graduação.

Como em uma árvore genealógica, em que os laços são de sangue, aqui a árvore é composta de pessoas conectadas por ideais, ideias, conhecimentos, práticas e metodologias que vêm sendo disseminadas e passadas às novas gerações por meio de processos educativos sensibilizadores que se atualizam e se multiplicam desde então.

Este artigo surge também como uma oportunidade de publicar partes de minha monografia de conclusão de curso apresentada em 199924, intitulada “Arte-Pré-Arte: um estudo

23

Graduada em Educação Artística - Artes Plásticas, Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG, Doutoranda em Educação Brasileira e Professora do Departamento de Teoria e Prática do Ensino - Faculdade de

Educação, Universidade Federal do Ceará – UFC. E-mail: [email protected] 24

Com a orientação da Profª. Drª. Cleusa Peralta Castell.

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acerca do descongestionamento da expressão gráfica”, em que apresento a metodologia do projeto, assim como narrar implicâncias futuras desse processo formativo em minha atuação enquanto arte/educadora.

Projeto Arte-Pré-Arte: memórias, contextos e teorias

Adentrar no projeto Arte-Pré-Arte como bolsista e tê-lo como

tema de minha monografia de conclusão de curso, na época, foi ter a oportunidade de compreender o contexto do ensino de arte enquanto uma causa política, uma disputa por um espaço de direito do ensino de arte de qualidade enfraquecido historicamente, renegado no ensino formal e, de certa forma, estigmatizado até os dias de hoje. Não há como atuar nessa esfera sem mergulhar em suas feridas, sem entender os preconceitos construídos historicamente, saber por que verdadeiramente se luta.

Mesclando a vivência de bolsista no projeto Arte-Pré-Arte, aspirante à pesquisadora na Iniciação Científica com a de estudante, encontrei uma causa que até hoje me acompanha: o incômodo era justamente a afirmação que muitas pessoas faziam: “eu não sei desenhar” e a causa que me movimentava era descobrir o que levava essas pessoas a pararem de desenhar e, consequentemente, a deixarem de acreditar e exercitar seu potencial criador e, a partir daí, tentar atuar no resgate de sua capacidade criadora.

O “Eu não sei desenhar” fez crescer dentro de mim uma grande curiosidade acerca dos motivos e consequências dessa afirmação – o que havia acontecido antes e depois de instaurada essa convicção? Quando e porque alguém deixaria de desenhar – de quem é a responsabilidade? Porque há tantas pessoas com essa lacuna em seu desenvolvimento gráfico? Essa afirmação resulta de um trauma? Esse tipo de situação gera lacunas para o desenvolvimento humano? Há referência a isso na literatura específica? Podemos reverter

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esse processo de congestionamento/bloqueio? Que metodologias poderiam ser utilizadas para isso?

Essas inquietações encontraram resposta no Projeto Arte-Pré-Arte e se aprofundaram teoricamente na elaboração de minha monografia de conclusão de curso. Ao pesquisar descobri que havia algo denominado como ‘Desenvolvimento Gráfico Infantil’, estudos e pesquisas voltadas especificamente para o desenvolvimento do grafismo desde os primeiros rabiscos até, aproximadamente os 15 anos de idade:

Desde o início dos estudos do desenho infantil, e para a maioria dos pesquisadores subsequentes, como Luquet (1969), Lowenfeld e Brittain (1970) Lowenfeld (1977), Kellogg (1985), Peralta-Castell (2012), Mèredieu (2004), Moreira (2009) e Iavelberg (2008), o grafismo infantil inicia com os primeiros rabiscos e vai evoluindo por meio de fases ligadas aos estágios de desenvolvimento. Cada autor varia nas denominações com semelhanças entre os estágios buscando avançar no entendimento dessa linguagem para o desenvolvimento infantil. Tais classificações variam entre aspectos sociais, psicológicos, culturais, cognitivos e pedagógicos – conhecimentos que devem ser considerados de extrema importância para os pais e/ou educadores em geral que lidam com a criança e sua arte (GOLDBERG, 2012).

E sim, havia o que se chamava, na literatura específica, de ‘bloqueio do desenvolvimento gráfico infantil’. Por meio da pesquisa foi possível verificar que a predominância da escrita, a busca da ‘perfeição’ na representação por meio do desenho e a imposição de modelos prontos - os estereótipos - representariam fatores responsáveis pelo congestionamento do processo de desenvolvimento gráfico da criança. Além desses fatores, dever-se-ia considerar também a intervenção dos adultos, sejam eles os pais ou professores (as).

Derdyk (1989), afirma que “geralmente, o adulto impõe sua própria imagem de infância ao interpretar o desenho infantil.

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Esta projeção revela a desatualização de seu próprio conteúdo” (p.50).

A necessidade de “nomear” está muito presente na atitude do adulto, que olha para um desenho e logo pergunta: O que é isso? O que representa? Existe por parte do adulto, uma exigência implícita em saber o que é aquilo que ele não sabe, o que significam estas garatujas, estes gestos inexplicáveis. Essa atitude, se exagerada, pode inibir o processo de desenvolvimento gráfico da criança (DERDYK, 1989, p.97).

Na escola, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, especialmente durante o processo de alfabetização, toda e qualquer representação por meio do desenho parece sugerir uma fidelidade ao naturalismo25 (devido a padrões e conceitos enraizados na cultura oriundos do neoclassicismo das Academias de Belas Artes), o que se torna inviável e muito difícil para as crianças, que se sentem incapazes de desenhar e passam a copiar:

Mas ela também tem consciência da imperfeição de suas cópias, as quais não conseguem, aliás, equilibrar o seu sentimento de impotência. Ela desanima, e passa a fazer decalques. Decepciona-se mais e mais; sente vergonha, e abandona: é o famoso eu não sei desenhar (PORCHER, 1973, p.128). Sendo assim, dada a problemática do congestionamento

da expressão gráfica desde cedo, devido a inúmeras causas, desde o histórico do ensino de arte no nosso país até a falta de conhecimento específico a respeito do grafismo, especialmente na educação infantil e nas séries iniciais, o projeto Arte-Pré-Arte desenvolveu uma metodologia e mostrou que este processo pode ser revertido, que aquelas pessoas que tiveram sua expressão artística congestionada em algum momento de seu desenvolvimento podem resgatar sua capacidade criadora

25

O realismo visual, foco de interesse para a representação infantil de cunho naturalista

– ver, observar e representar – faz parte da etapa do Realismo (LOWENFELD, 1977),

que ocorre numa faixa etária a partir de mais ou menos 9 anos de idade.

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a partir de atividades que vivenciam as etapas do grafismo na perspectiva do adulto e oxigenam a relação entre o ‘criador’ e sua ‘obra’, tornando a arte um processo fluido e livre de padrões e cobranças.

O método Arte-Pré-Arte: descongestionamento da expressão gráfica e resgate da capacidade criadora

O projeto Arte-Pré-Arte é resultado de pesquisas e projetos realizados a partir das questões relacionadas à arte/educação e ao resgate da capacidade criadora. A metodologia desenvolvida é fruto de anos de experimentos e foi testada com grupos diversos.

A metodologia do projeto está embasada em três módulos, representados pelos eixos temáticos: pensamentos Cinestésico, Imaginativo e Simbólico (PERALTA-CASTELL, 2012), sequencialmente, assim como nas etapas da evolução do grafismo infantil. O indivíduo adulto revive a essência das etapas do desenvolvimento gráfico infantil por meio de atividades específicas para o descongestionamento da expressão artística.

O termo Arte-Pré-Arte, nas palavras de Peralta, representa um universo: “um espaço intermediário entre a produção de arte como um objetivo em si e a produção artística incipiente que emerge de um trabalho terapêutico, portanto interdisciplinar, de recuperação do potencial de expressão plástica inerente a todos” (GOLDBERG, 1999).

O termo ‘Pré’ afirma que o objetivo não é formar artistas e sim realizar atividades ou experimentos que permitam àquelas pessoas que tiveram seu processo de desenvolvimento gráfico interrompido, expressar-se por meio de linguagens artísticas, especialmente por meio da pintura. A artisticidade dos trabalhos não é o objetivo maior, porém, frente aos resultados já obtidos, pode-se observar a eficácia desta

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metodologia, a qual ajuda o integrante no resgate de sua expressão perdida no tempo, ao mesmo tempo em que o produto final é tratado com qualidade técnica e esmero, na medida das possibilidades.

Eixos de desdobramento do método: Pensamentos Cinestésico, Imaginativo e Simbólico

O Pensamento Cinestésico é representado pela primeira fase do Grafismo Infantil, a fase das ‘garatujas’ (LOWENFELD, 1970), etapa em que não há controle motor, o uso da cor é aleatório, não há preocupação com a figuração e o prazer é unicamente sensorial, baseado no movimento. Segundo Read (1958), a cinestesia surge do prazer que a

criança tem nos seus movimentos de braços e no traço visível dos movimentos deixados no papel, representa uma atividade espontânea dos músculos, a expressão de um ritmo corporal inato, que se torna gradualmente controlada, repetitiva e conscientemente rítmica.

A passagem do Pensamento Cinestésico para o Imaginativo se dá quando a criança faz o círculo: neste ponto é interrompida a atividade rítmica, porque a criança, como se supõe, reconhece subitamente no círculo o contorno de um objeto - o rosto humano. A atividade cinestésica é suposta terminar e começar a atividade representacional (READ, 1958, p.156).

As atividades iniciam pelo exercício do Pensamento Cinestésico, no qual os adultos garatujam (Figura 1). A atividade das garatujas apresenta diferentes

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etapas, todas acompanhadas de estímulo musical, de preferência instrumental. A passagem do Pensamento Cinestésico para o Imaginativo é feita quando os participantes são levados a projetar formas representativas em suas próprias garatujas (Figura 2).

Com relação ao exercício do Pensamento Imaginativo, algumas atividades realizadas no Projeto Arte-Pré-Arte têm origem no Projeto Utopias Concretizáveis Interculturais26, como a Oficina dos fluidos (Figuras 3 e 4), desenvolvida com a finalidade de trabalhar o imaginário, a não figuração ou figuração espontânea, experimentos que podem ser usados com variados fins, sempre como fontes desencadeadoras de descobertas. Nestes experimentos, a ideia de ser dominado ao invés de dominar os materiais é trabalhada constantemente. Como num jogo, numa brincadeira, as formas vão se revelando e o participante não tem domínio sobre elas. São utilizados corantes reagentes, como a violeta genciana e o azul de metileno e o nanquim, os quais interagem com a água, assumindo e criando formas fascinantes.

26

Desenvolvido pela Profa Dr

a. Cleusa Peralta-Castell e colaboradores de 1987 a 2002,

como fruto de uma cooperação internacional entre a Universidade Federal do Rio Grande – DLA/FURG, Brasil e o Instituto de Pedagogia das Ciências Naturais – IPN,

Universidade de Kiel, Alemanha, representada pelo Prof. Dr.Wilhelm Walgenbach.

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A partir da experiência com estes materiais, o indivíduo percebe um mundo novo, repleto de imagens não figurativas onde pode trabalhar espontaneamente. A expressão livre ou espontânea é a exteriorização sem constrangimento das atividades mentais de pensamento, sentimento, sensação e intuição (READ, 1958, p.139).

Pensamento simbólico: o círculo e as mandalas

Pode-se dizer de certa forma, que o pensamento simbólico também surge, no desenho infantil, quando a criança fecha a forma, ou seja, realiza o círculo, visto que esta é a forma mais primitiva e fundamental, a qual constituirá a base formal para muitas das representações que virão ao longo do desenvolvimento gráfico. A mesma configuração básica, partindo do círculo, pode representar diversas figuras como o ser humano, um gato, o sol, uma flor, entre outros. À medida que a criança cresce, suas representações tornam-se mais complexas e, por volta dos cinco ou seis anos, adquire ou desenvolve um conjunto de símbolos os quais serão repetidos exaustivamente.

É extremamente constrangedor ao adulto que diz não

saber desenhar, ter de fazê-lo, gerando certa frustração. Desta forma, as atividades realizadas no projeto em questão partem

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da não figuração, do exercício da imaginação e da construção espontânea de imagens, para chegar, gradativamente à expressão de símbolos, sempre com um objetivo a ser alcançado: a expressão por meio de linguagens artísticas.

Segundo Païn e Jarreau, (1994), ainda que tudo seja arranjado para facilitar desde o início a expressão pictórica, pode acontecer que alguns participantes se sintam surpresos ou inibidos pela consigna de tema livre. O tudo é possível torna-se difícil de suportar, portanto a liberdade é uma condição que se conquista passo a passo.

A segunda grande etapa do trabalho é caracterizada pelo pensamento Simbólico. O indivíduo se apresenta mais preparado para dominar o material e para trabalhar a linguagem artística por meio de símbolos. Foram escolhidos como temas principais os quatro elementos (água, ar, terra e fogo), a fim de evocar imagens simbólicas. Preservaram-se os pincéis japoneses e o grande formato em rolos de tecido, usando várias cores de tinta acrílica.

Houve a presença de um elemento muito importante, a Mandala. As mandalas, assim como o círculo, são formas primordiais na representação infantil. O círculo e a mandala, simbolicamente, encarnam um caráter transcendental muito forte. A mandala representou o exercício do pensamento simbólico. Elas apresentam um papel importante para a criança. Segundo Read (1958):

[...] o significado real destes desenhos mentais é o de nos revelarem os processos de integração no interior da mente da criança e abaixo do nível da consciência. O inconsciente é visto procurando uma ordem arquetípica, uma ordem não individual, mas uma analogia da estrutura física do próprio aparato sensorial. Basicamente, é uma cristalização das formas abstratas e das cores simbólicas, uma ordem introduzida no caos plástico (p.228).

Os quatro elementos - água, terra, fogo e ar – foram trabalhados de várias formas: por meio da pintura ou mesmo pela construção de imagens utilizando os próprios elementos.

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Desenhar com o sebo das velas sobre a água; construir imagens com a fumaça da vela sob o papel; e, pintar com tinta, terra e água são algumas atividades realizadas (Figuras 5 e 6).

O trabalho final desta grande etapa foi bastante refinado, e pretendia utilizar a representação da figura humana, tão difícil para aqueles que afirmam não saber desenhar.

Foi utilizado um rolo de tecido em tamanho maior que

todos até então utilizados. Este rolo era suspenso e, com o

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auxílio de uma luz, projetava-se a silhueta das pessoas, as quais eram capturadas com um pincel (Figuras 7 e 8).

Contribuição da Pintura Zen

Baseados em características da pintura Zen foram desenvolvidas atividades especiais, como a que prevê a realização do círculo perfeito e o treino da pincelada, inspirada na representação do bambu, tema importante na pintura japonesa.

No Zen-budismo, o círculo apresenta forte significação, muitos autores ressaltam este fato: O gesto circular comparece em várias sociedades e culturas: das mais primitivas às mais contemporâneas. Ousadamente constatamos que, além de ser uma conquista individual, o gesto circular é um gesto arquetípico, que pertence ao coletivo. O gesto circular é inerente ao homem (DERDYK, 1989, p. 89).

O círculo como símbolo do espírito absoluto, como plenitude, como vazio do universo que tudo envolve e como multiplicidade e oposição em sua duração, com essência búdica, transcendente, fora do espaço e tempo. (BRINKER, 1985).

A realização do círculo perfeito, além de encerrar forte relação do adulto com etapas importantes no desenho infantil, traz um caráter simbólico e rico, restaurando a ligação do indivíduo com o universo, representando uma expressão da maturidade, uma extensão da arte de viver, cultivando o caráter e buscando a essência das coisas. O círculo é a primeira forma reconhecida no desenho infantil e traz um marco na representação, pois a partir dele a criança relaciona e representa formas reais, ligadas ao mundo externo.

Estará descobrindo, simbolicamente, a si e ao outro e encarnando uma ligação com o universo e com o cosmos. O círculo também evidencia a passagem do Pensamento

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Cinestésico para o Imaginativo, pois à medida que fecha a forma e a relacioná-las com a realidade.

O exercício da pincelada utilizando o pincel japonês procura exercitar o domínio do material assim como experienciar as diferentes modalidades possíveis com um único pincel.

O ritmo e a qualidade da pincelada caracterizam a maestria, o domínio do pincel e a essência das coisas. O indivíduo exercita o viver cotidiano de forma clara, objetiva e sábia. Ao final destas atividades, o participante recebeu um rolo de papel

canson para a realização de um trabalho de tema livre onde aplicou os conhecimentos apreendidos com relação ao material e à técnica utilizados na pintura Zen (Figura 9). Este trabalho corresponde ao produto final das atividades inspiradas na pintura japonesa. É ressaltada a importância da composição, do vazio, que gera um equilíbrio no trabalho. Não é necessário que surjam imagens figurativas, o importante é o exercício e a percepção do espaço. Desdobramentos e implicâncias: aplicação da metodologia em diferentes contextos

Neste item compartilharei algumas iniciativas educativas

derivadas do método desenvolvido no Projeto Arte-Pré-Arte a que chamo de desdobramentos e implicâncias, um espaço de diálogo, intervenção e aplicação de metodologias. A primeira intervenção/aplicação se deu durante a graduação, no Estágio Supervisionado no Ensino Médio em que, juntamente com a colega Rita Patta Rache elaboramos um curso de extensão de

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20h/aula denominado ‘Resgate da Capacidade Criadora’ para estudantes do antigo curso de Magistério em uma escola particular tradicional do município do Rio Grande – RS.

O curso contemplou aulas teóricas e práticas, trabalhando conteúdos essenciais como definições do que é desenho e desenhar; panorama geral das fases do grafismo infantil; a importância da interdisciplinaridade e da presença do(a) arte-educador(a) na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental; o estereótipo no desenho infantil e a interrupção do desenvolvimento gráfico infantil. A parte teórica objetivou trazer subsídios e conhecimentos para as participantes em sua futura profissão. Constatou-se que a maioria teve seu processo de grafismo interrompido apoiando-se na representação de estereótipos.

A parte prática consistiu em atividades de expressão corporal, sensibilização e oficinas para a aplicação das atividades do projeto Arte-Pré-Arte (Oficinas do Grafismo, Oficina dos Fluidos, Oficina Pintura Zen) baseando-se no desenvolvimento dos pensamentos Cinestésico, Imaginativo e Simbólico. As participantes puderam reviver a essência das etapas do grafismo infantil, podendo relacioná-las com sua prática em sala de aula e com os conhecimentos teóricos

Figura 4. “Assista à minha peça, olhe o que

tenho a dizer”.

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adquiridos ao longo dos encontros. Abaixo imagens das atividades e de alguns resultados das oficinas (Figuras, 10, 11 e 12).

Escolhemos estudantes do curso de Magistério pelo fato de que serão futuras educadoras que atuarão na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, fases em que ocorre, com mais frequência, a interrupção do desenvolvimento gráfico infantil, derivada da falta de conhecimento sobre o assunto e da precária formação artística que tais estudantes têm em sua trajetória pedagógica, como alunas e professoras.

Grande parte da metodologia desenvolvida pelo Projeto Arte-Pré-Arte compõe, ao longo dos anos de minha prática educativa, oficinas criadas para disciplinas de Arte/Educação na graduação e na Pós-Graduação, especialmente as Oficinas do Grafismo que revivem as etapas do Grafismo Infantil. Atualmente, tais oficinas compõem o Plano de Ensino da disciplina de Arte e Educação, disciplina obrigatória no curso de Pedagogia Diurno e Noturno da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará onde atuo como professora efetiva. Nesta disciplina, além de vivenciarem as Oficinas do Grafismo as (os) estudantes elaboram um Portfólio do Desenho Infantil27 em que recolhem desenhos infantis de todas as etapas do grafismo e compõem um álbum ilustrado de cada fase a partir da classificação de Lowenfeld (1970) e dos pensamentos Cinestésico, Imaginativo e Simbólico de Peralta (2012) para fins de conhecimento das fases e consultas futuras no exercício da docência na Educação Infantil e nas Séries Iniciais, contextos educativos em que esse conhecimento a respeito do Grafismo Infantil é primordial.

A cada semestre concluído percebo as mudanças na visão de mundo desses futuros educadores por meio de depoimentos compartilhados na Universidade. Além de

27

Realizei esta atividade na FURG na disciplina de Arte/Educação. Dada sua importância venho propondo aos estudantes sua realização.

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relembrarem as vivências artísticas em suas vidas, reconhecendo as precariedades, traumas e fragilidades de um ensino de arte praticamente inexistente ou equivocado, ganham a oportunidade de intervir por meio da docência revertendo e promovendo novas práticas, intervenções mais subsidiadas e consistentes em defesa do respeito a cada fase de representação da criança e de uma prática pedagógica libertadora.

Finalizo este artigo com o último trecho da conclusão de minha monografia de apresentada em 1999:

Certo dia, em estágio de 1o grau, ouvi uma professora, formada em magistério responsável pelo ensino de arte na escola falar:

As minhas aulas de arte são baseadas em contos. Depois de contá-los às crianças, proponho uma atividade prática. Outro dia, contei um conto sobre uma borboleta e depois eles iriam fazê-la. É claro que eu levei modelos prontos de borboleta, pois sabe como é... crianças não sabem fazer borboletas!

Com este simples exemplo justifico e defendo a minha

proposta de trabalho. Infelizmente muitos exemplos como este podem estar acontecendo a cada segundo neste país imenso. A cada segundo, uma criança pode estar deixando de lado o seu jeito de desenhar e perceber o mundo, a cada segundo, pode haver uma criança frustrada por não conseguir desenhar como os pais ou as professoras desejam. Todas as borboletas mais lindas e diferentes que podiam surgir voaram para bem longe e sobrou apenas uma, que foi tão repetida que perdeu sua alma (GOLDBERG, 1999).

Toda e qualquer prática pedagógica empenhada por mim se instaura na luta política por um ensino de arte de qualidade, semente que virou árvore, alimentada pelas raízes de projetos como o Arte-Pré-Arte e que se ramifica cada vez mais a cada dia que passa. Obrigada!

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Oficina dos fluidos: uma experiência interdisciplinar Artes & Ciências

Cláudio Tarouco Azevedo

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As imagens foram a princípio feitas para evocar as aparências de algo ausente.

John Berger

A oficina dos fluidos29 será apresentada aqui como um

recurso pedagógico e metodológico a ser promovido em diferentes âmbitos educativos, a favor da multiplicidade dos saberes e das experiências capazes de possibilitar a produção do novo. Essa dinâmica emerge, há mais de 15 anos, como uma proposta pedagógica interdisciplinar com vias a explorar pelo menos duas perspectivas, a saber: a da Ciência e a das Artes.

A oficina fez parte de diversos programas de Artes e Pedagogia para promover a interdisciplinaridade entre Artes (lado direito da mesa) e Ciências (lado esquerdo da mesa), como uma metáfora acerca dos dois hemisférios do cérebro. A oficina buscou também compreender como se constrói o conhecimento nessas duas grandes áreas.

28

Doutorando em Educação Ambiental na Universidade Federal do Rio Grande –

FURG. Professor substituto do curso de Artes Visuais – FURG. Arte/educador formado no mesmo curso. [email protected] 29

A origem da oficina dos fluidos se deu a partir dos resultados de ensino, pesquisa e

extensão do Projeto Utopias Concretizáveis Interculturais (FURG,1987-2002), coordenado pela Profª Cleusa Peralta Castell em parceria com o Instituto de Pedagogia das Ciências – IPN da Universidade de Kiel, Alemanha.

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Planejando a oficina dos fluidos

É fundamental um bom espaço iluminado para a realização da oficina. Para que a atividade se dê de maneira interdisciplinar, é importante a presença de, pelo menos, um profissional da área de Ciências e outro da área de Artes. No entanto, caso isso não seja possível, a proposta se sustenta na possibilidade de experimentar o quanto fará falta a presença de um dos profissionais para as confluências entre disciplinas. Indicamos um máximo de 16 pessoas por sessão, de modo que se possa explorar as reflexões e experiências vividas por cada participante.

Precisaremos de uma mesa de aproximadamente dois metros (Fig. 1) e em torno de sete frascos de vidro transparente e liso. Dentre eles é importante que tenhamos três modelos diferentes e que variem entre 1,5 litros de capacidade e 2,5 litros. Próximo ao local, precisaremos de um tanque para o abastecimento dos recipientes com água.

Indicamos o uso de três tipos de corantes reagentes para realização do experimento, o nanquim preto, a violeta genciana e o azul de metileno. Além de um conta-gotas e um instrumento (pincel longo ou colher de madeira, etc.) que possa ser utilizado para movimentar a água dos potes, de maneira a criar um vórtice.

Caminho metodológico

Pelo menos uma questão se apresenta como potencial alavanca da oficina: como realizar uma atividade interdisciplinar capaz de promover o pensamento divergente e convergente?

O pensamento convergente é aquele articulado com a capacidade de encontrar uma resposta para um problema – o que está conectado com a perspectiva científica, já o pensamento divergente é aquele produzido no campo da criatividade (GUILFORD, 1977) e, por assim ser, apresenta um

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potente universo no campo das artes e suas múltiplas leituras e metáforas.

Buscando encontrar caminhos para nossa questão, a oficina é desenvolvida a partir dos seguintes objetivos: vivenciar o método de trabalho interdisciplinar; construir a interdisciplinaridade na compreensão globalizada dos conteúdos estéticos e científicos; pesquisar materiais heurísticos que possibilitem descobertas; promover o pensamento imaginativo; relacionar forma e conteúdo.

Descreveremos agora a metodologia para a execução da atividade:

Primeiro passo

Inicialmente, colocar água nos recipientes de vidro e esses sobre a mesa, orientando para que os participantes não se encostem à mesa durante o experimento, a fim de não movimentar a água. Os participantes devem pegar caneta e papel para anotações. Em seguida, solicitar que escolham um dos lados da mesa (Fig. 2), sendo que os que ficarem à

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esquerda deverão fazer uma análise a partir das Ciências, procurando responder em seus apontamentos o que, por que e como acontece?

Os que ficarem à direita da mesa analisarão da perspectiva das Artes, procurando imaginar figuras – figurações espontâneas – e apontar o que parece aquilo que vêem e o que sentem?

A seguir, pedir que façam silêncio e não se comuniquem, apenas anotem suas observações. É fundamental estimular os participantes ao longo do experimento, relembrando as perguntas correspondentes a cada um dos lados da mesa que devem ser respondidas.

Agora, podemos colocar uma música, sugerimos os “Espíritos da Chuva” do CD Infinita Alegria, de Daniel

Namkhay.

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Segundo passo

Deixar a água em repouso, pingar de uma a quatro gotas de reagente, pouco a pouco, em cada vidro e sem misturar os reagentes (Fig. 3).

Observar o que acontece – progressão da mancha na água. Dar tempo para que as análises ocorram e fazer a substituição da água, um a um, dos vidros com tinta. Repetir o processo criando vórtices antes de gotejar o reagente, com o objetivo de criar fluxos em espiral, observar o que acontece.

Logo a seguir, solicitar aos participantes que troquem de lado: quem era Ciência passa para o lado das Artes e vice-versa. Repetir o procedimento trocando a água dos frascos com corante por água limpa.

Desta vez, se faz um convite para que os participantes realizem o gotejamento dos fluidos nos recipientes (Fig. 4).

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Integração

Algumas das ações que caracterizam a atividade interdisciplinar proposta são: dialogar sobre a performance, trocando ideias sobre as anotações feitas, verificar as observações comuns interpares, trazer impressões pessoais e possíveis meta-teorias, a partir da performance, debater sobre como se constrói o conhecimento em cada “lado da mesa”, em cada hemisfério do cérebro.

Além disso, se deve avaliar como se processa o pensamento convergente e o divergente, dar os primeiros passos na construção do conhecimento sobre o conhecimento (meta-teorias), e também observar como cada um elaborou seu próprio conhecimento (meta-cognições).

Oficina dos fluidos com estudantes de pedagogia

No mês de maio de 2012 foram desenvolvidas duas

oficinas com grupos de estudantes do Curso de Pedagogia, diurno e noturno, da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, como parte do cronograma da disciplina Arte e linguagens na Educação. Entre as turmas foram produzidas 32

análises sobre as perspectivas das Artes e de Ciências. Os fluidos promovem a relação fenomenológica de

perceber e envolver-se com um efeito audiovisual proposto. Audiovisual porque a música atua na percepção, assim como o visual, quando dos fluxos e formas evocadas no experimento. Essas dimensões perceptivas instigam um novo olhar nos participantes (Fig. 5 e 6).

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John Berger diz que “nossa percepção ou apreciação de uma imagem depende também de nosso próprio modo de ver.” (1999, p. 12). Assim, a oficina dos fluidos pretende, justamente,

propiciar o exercício das distintas formas de ver, para que se possa avançar na construção de um conhecimento e de uma experiência interdisciplinar.

O momento da experiência é como a visão de um holograma que se movimenta no espaço e no tempo, nos dando a possibilidade de observá-lo em seu entorno, para além das superfícies bidimensionais. O lado esquerdo do cérebro, perguntas para a Ciência: o

que, por que e como acontece? Alguns dos resultados das análises com os estudantes de

pedagogia nos conduziram a observações sobre as diferenças entre os fluídos e as forças dos distintos vetores que atuam sobre cada reagente, de acordo com sua densidade, em contato com a água. Uma resposta em particular, analisa distintamente cada um dos fluidos (Fig. 7):

“Quando colocada a violeta na água, ela não se dissolve, atravessa o volume de água em filetes. Parece que a densidade da substância é grande.” A seguir, observa o azul de

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metileno, que “quando em contato com água, rapidamente chega ao fundo do recipiente, embora também não se dissolva.”

Finalizando, em relação ao nanquim (Fig. 8) analisa que (...) assim que mergulhado na água, se dissipa, como se estivesse dissolvido, mas aos poucos vai se acumulando mais no fundo, embora ainda apareça em todo o recipiente. O nanquim, quando colocado na água em movimento, assim como a violeta genciana, se mistura por completo.

O lado direito do cérebro, perguntas para a Arte: o que parece e o que eu sinto?

Nessa etapa, o pensamento divergente provoca a metáfora, a capacidade de enunciação de figurações espontâneas que emergem do contato das imagens visuais

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produzidas pelos fluidos em confluência com o pensamento imaginativo. Esse que brota da

capacidade de imaginar [que] é de suma importância para o conhecimento, incluindo o conhecimento científico. Imaginar é projetar, é antever, é a mobilização interior orientada para determinada finalidade antes mesmo de existir a situação concreta. (DERDYK, 1989, p. 131).

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Em especial, citamos uma análise concretizada através de uma poesia produzida por uma das participantes que, ao final do experimento, leu seu escrito emocionando o grupo.

CORES30 Na água a tinta ali se movimentou; Formas, jeitos, movimentos lentos ela formou; Uma cor mostrando o corado mar, explodindo emoção! Fantasia negra, triste, forte, caindo rápido ao fundo, como pedindo socorro; Quantas cores se é preciso misturar para minha emoção eu poder demonstrar? Na volta da água límpida e veloz é que venho responder: movimentos e misturas; cores e cores é minha voz é que vai aparecer.

Essas cores poéticas figuradas na poesia surgem das

misturas, dos fluidos. Sobre os reagentes, Luciane Goldberg, através de sua monografia engendrada com base no Projeto

Arte-pré-arte31, afirma que

a partir da experiência com esses materiais, o indivíduo percebe um mundo novo, repleto de imagens não figurativas, onde pode trabalhar espontaneamente. [...] Os corantes, como se tivessem vida, interagem construindo uma pintura espontânea, rica e cheia de contrastes. (1999, p. 38).

As imagens em movimento, engendradas nos frascos de vidro, transfiguram corantes em formas, promovendo a experiência da percepção nos fluxos das imagens mentais com as visuais, entre os afetos e o que se pode perceber. Surge então o que possibilitou o desvio e a propagação da relação

30

Esta narrativa escrita foi produzida pela estudante de pedagogia Cristiane do Rocio

Ferreira. 31

Projeto de pesquisa desenvolvido sob a coordenação da profª Drª. Cleusa Peralta

Castell de 1993 a 1999, junto ao Departamento de Letras e Artes da FURG.

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com os fluidos em direção à poesia e a expressão, o ato de criação!

No fluxo dos fluidos

Após as experiências realizadas, acreditamos ser

fundamental o exercício constante do nosso pensamento divergente, capaz de produzir multiplicidade. Este será potente mecanismo de solução de problemas e saídas criativas, como o pensamento convergente poderá retroalimentá-lo em uma perspectiva mais ampliada de novos conhecimentos.

Como afirma Albert Einstein em seus escritos sobre Educação,

O desenvolvimento da capacidade geral de pensamento e julgamento independentes sempre deveria ser colocado em primeiro lugar, e não a aquisição de conhecimento especializado. (EINSTEIN, 1983, p. 41).

Essa capacidade geral de pensamento envolve a

perspectiva divergente e convergente, um olhar capaz de transversalizar conhecimentos e produzir o novo e a criação necessária a cada novo desafio.

De acordo com os relatos da Profª. Cleusa32, essa oficina

somou-se a tantas outras em diversos cursos de Artes e Pedagogia realizadas nos últimos 15 anos:

Os resultados coincidem, especialmente, porque são relatadas as mesmas imagens visualizadas nas manchas em movimento em diferentes grupos: tornado, furacão, redemoinho e até o cogumelo da bomba atômica. O imaginário coletivo traz também: manchas de óleo no mar, peixinhos, plantas e formas do mar, bailarinas, formas dançantes e tantas outras imagens que se

32

Narrativa de Cleusa Peralta Castell, novembro de 2010. Os relatos durante esta

oficina foram também filmados e transcritos.

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repetem a cada oficina, o que nos faz pensar: de que forma Arte e Ciências podem estar integradas interdisciplinarmente, em determinadas condições? (PERALTA-CASTELL, 2010. Oficina dos Fluidos. Narrativa filmada e transcrita)

Para tal integração, precisamos compreender que “o

ensino inteligente e sensível depende de ensaio e erro, de pesquisa, investigação e experimentação, na busca de solução de problemas que geram dúvidas, incertezas.” (DERDYK, 1989, p. 107). Nesse trânsito entre imagens mentais e visuais, pensamento convergente e divergente, podemos ir desconstruindo estereótipos e criando novas atitudes, pensamentos e valores.

Agradecemos as contribuições das turmas de pedagogia pela partilha, produção dos dados aqui apresentados e pelo envolvimento com a oficina dos fluidos.

Referências BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. Desenvolvimento do grafismo infantil.

São Paulo: Editora Scipione, 1989. EINSTEIN, Albert. Convicções e crenças. In.: SCHENBERG, Mário. Albert Einstein:

pensamento político e últimas conclusões. São Paulo: Brasiliense, 1983. GOLDBERG, Luciane Germano. Arte-pré-arte: um estudo sobre o

descongestionamento da expressão gráfica. Monografia de graduação em Educação

Artística. Curso de Educação Artística – Licenciatura plena, Habilitação em Artes Plásticas. Departamento de Letras e Artes (DLA-FURG). Rio Grande: FURG/DLA, 1999. 129 p. GUILFORD, J. P. La naturaleza de la inteligencia humana. Buenos Aires: Editorial

Paidos, 1977. Compact Disc: Daniel Namkhay. Infinita Alegria. Faixa 02 – CD1, Espaço Infinita

Alegria. Garopaba – SC. CD duplo.

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O tecer da arte-educação-profissional: Imagens sínteses do ato de conhecer

Viviani Rios Kwecko33

Este mito foi escolhido como um dispositivo através do qual pretendo tecer esta experiência de escrita que não tem por objetivo interpretar a estória citada, mas utilizá-la como superfície para problematizações e aproximações entre minhas incertezas diante do ensino formal e institucionalizado de Arte e as abordagens sobre o tema cunhadas por alguns teóricos da

33

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); especialista em Arteterapia pela Universidade Regional da Campanha (URCAMPP); Licenciada em

Educação Artística, habilitação Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG); professora nos cursos técnicos, tecnológicos e Licenciatura para Educação Técnica e Tecnológica no Instituto Federal do Rio Grande do Sul – IFRS - Câmpus Rio Grande; Membro do grupo de pesquisa em Educação Técnica e

Tecnológica.

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Arte-educação que fazem parte de minha formação, em especial por Lanier (2008), Eisner (2008), Barbosa (2008; 2010) e Peralta-Castell (1997; 2012 A; 2012 B), que, mesmo sob perspectivas diferenciadas e até mesmo conflitantes, buscam pensar sobre a especificidade no ensino da Arte. Neste sentido, desejo, como Arácne, fazer uma tecitura à luz dos pressupostos da psicologia histórico-cultural e da teoria da atividade como tentativa de entender como a atividade da aprendizagem, proposta por Vasili Davydov (1988), pode contribuir para a estruturação de uma metodologia em Arte-educação. Davydov aprofundou estudos sobre desenvolvimento cognitivo iniciados por Vygotsky (2001) e Leontiev (1978) objetivando formular uma teoria do ensino alicerçada no desenvolvimento da capacidade de orientar-se de modo independente com informações científicas.

Olhar para essa atividade perpassa por um processo de re-significação do fazer docente, aqui contextualizado a partir da Educação Profissional e Tecnológica, área do conhecimento na qual atuo como arte-educadora junto ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – IFRS, Campus Rio Grande, espaço de onde partem algumas reflexões sobre ações educativas, habilidades de pensamento e competências cognitivas nos sujeitos às quais objetivam romper com uma formação puramente técnica para criar espaços de diálogos entre Educação, Arte, Ciência, Trabalho e Formação Profissional. O IFRS nasceu de um complexo mosaico de histórias institucionais voltadas para a prática e compromisso com a educação profissional34. Parte integrante de um projeto de

34

A história do IFRS não se inicia com a promulgação da Lei 11.892 de dezembro de 2008, que implantou 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia em território brasileiro. Na verdade, a referida lei proporcionou um encontro entre experientes instituições de ensino profissional com objetivo de oportunizar e fomentar a construção identitária institucional. No conjunto de propostas de ação do IFRS destaca-se a articulação da educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampi, com foco na educação profissional e tecnológica em diferentes níveis e modalidades de ensino.

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desenvolvimento nacional que busca consolidar-se como soberano, sustentável e inclusivo, a Educação Profissional e Tecnológica está sendo convocada não só para atender às novas configurações do mundo do trabalho, mas, igualmente, a contribuir para a elevação da escolaridade dos trabalhadores. Nessa direção, a atual conjuntura histórica é extremamente favorável à transformação da Educação Profissional e Tecnológica em importante indutor da produção científica nacional, especialmente porque o espaço social das práticas de ensino, pesquisa e inovação desenvolvidas nessa área possui características diferenciadas daquelas desenvolvidas no espaço do mundo acadêmico. Os tempos da histórica servem de referências ao que se está propondo e ampliando em termos educacionais para os IFs35: formar jovens que transcendam as demandas técnicas do mundo do trabalho, articulando-as com a perspectiva de formação para o conhecimento reflexivo, crítico e relacional. Assim sendo, essa nova constituição identitária perpassa por um processo de re-significação do fazer docente, rompendo com uma formação puramente técnica para criar espaços de diálogos.

Tal constituição identitária36 não deve limitar-se à missão institucional, mas também abrir processos reflexivos sobre a constituição de cada disciplina que compõem o emaranhado da formação profissional. Anteriormente a disciplina de Artes possuía Desenho Técnico como conteúdo desenvolvido, uma

35

Missão: Promover a educação profissional e tecnológica gratuita e de excelência, em todos os

níveis, através da articulação entre ensino, pesquisa e extensão, para formação humanista,

crítica e competente de cidadãos, capazes de impulsionar o desenvolvimento sustentável da

região.

36 Durante o período que antecede essa fusão, o IFRS – Campus Rio Grande compunha o

Colégio Técnico Industrial Prof. Mário Alquati, escola fundada em maio de 1964, vinculada à Universidade Federal do Rio Grande – CTI/FURG.

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linguagem gráfica derivada da Geometria Descritiva e utilizada na indústria como padrão para representações tridimensionais. Essa visão do papel da Arte na educação brasileira retoma as influências do liberalismo de Rui Barbosa (Barbosa, 2005) que baseava a educação de massa na “ideia da necessidade de se propagar pelo povo o ensino de desenho e de educar a nação para o trabalho industrial” (Barbosa, 2005, p.53). Foi a partir do séc. XIX, com os movimentos sociais gerados pela Revolução Francesa e intimamente relacionados com os processos de divisão do trabalho induzido pela Revolução Industrial, que surgiu a tendência de imaginar que o artista e o cientista trabalhavam de maneiras diferentes e, até mesmo, antagônicas entre si. Ou seja, enquanto a Arte era, em geral, repelida pela nova sociedade industrial, a Ciência era, virtualmente, absorvida por ela. Essa histórica segregação trouxe interpretações (e resultados) negativas, a citar, por exemplo, a crença presente em muitas salas de aula e laboratórios (principalmente na formação profissional técnica e tecnológica) de que os objetivos destas duas áreas, assim como seus processos de pensamento e de construção de conhecimento, são diferentes. Em uma análise ainda pior, essa visão nos diz que apenas a ciência preocupa-se com a realidade e que a função da arte é simplesmente excitar os sentidos em um tipo de busca do ornamento e do agradável para os olhos. Desde a aprovação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Brasil, 1996) a Arte é considerada, oficialmente, área de conhecimento, estando incluída como componente curricular obrigatório nos diferentes níveis da educação básica (Lei nº 9.394/96, artigo 26, parágrafo 2º, Brasil, 1996). Em 1998 a organização dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (Brasil, 1999) ratificou a importância do ensino de Arte como uma linguagem com estrutura e códigos próprios ligados à cultura artística, e não apenas como uma atividade.

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Para Herbert Read (2001, pp.x-xii) “é apenas quando nós reconhecemos claramente a função da Arte como um modelo de conhecimento paralelo a outros modos, através dos quais o homem chega a um entendimento de sua existência, que podemos começar apreciar sua significação na história da humanidade”. Portanto, queremos chamar a atenção da Arte como tema transversal, um elemento agregador que, interpenetrando outras disciplinas, é capaz de proporcionar a produção de conhecimento integrado. Os sistemas de ensino e as escolas encontram-se frente a novas demandas formativas, transversalizadas principalmente pelas tecnologias de informação e comunicação – TICs. Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender (Libâneo, 2004) na contemporaneidade insistem que, além da acentuação do papel dos sujeitos na aprendizagem, a educação tem como necessidade desenvolver habilidades de pensamento e competências cognitivas nos sujeitos. Neste sentido, Lanier (2008) propõem a arte-educadores o desenvolvimento de uma abordagem que busque ir além da promoção do crescimento pessoal, da criatividade, da percepção do contexto físico, social e emocional, objetivando urgentemente estabelecer como foco para o ensino de arte o “progresso no domínio dos procedimentos estético-visuais dos alunos”. Na verdade o que Lanier nos propõem é que o ensino de Arte busque um “conceito central forte” vinculado aos referenciais artísticos, cuidando de enfatizar aos estudantes que devem centrar seu trabalho nos domínios dos procedimentos estético-visuais para que possamos “devolver os conceitos da Arte à Arte-educação” (Lanier, IN: Barbosa 2008, p45). Um ensino que possua como foco conceitos e saberes sistematizados pelas tendências artísticas soa, para muitos educadores, como o retorno à abordagem tradicional – um grave engano. Propomos, sim, resgatar o conteúdo conceitual, a história e a filosofia da arte, mas isso não significa romper

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com o interesse e a espontaneidade do aluno. Acreditamos que toda a construção imagética, mesmo a de origem espontânea, ao ser qualificada por um processo de discriminação estético-visual, conduz a processos de ampliação de consciência (Vygotsky, 2001; Freire, 2009) sobre os conceitos da Arte, da criação e dos processos de auto-expressão, possibilitando um controle sobre esse fazer. Vejamos isso dito de outra maneira: quando você vê uma igreja gótica, por exemplo, percebe que ela significa alguma coisa, mas como é que vai captar este significado se não conhece suas origens? Será um edifício qualquer se não souber de onde vêm suas formas e o que significam originalmente. Gombrich em entrevista a Barbosa (2008, p. 34) destaca que ao usarmos a linguagem temos que ter consciência de que essa se desenvolveu ao longo de milênios e que cada palavra, cada conceito não foi por nós inventado, mas herdado diante uma interação entre os seres humanos e seu contexto social. Na tentativa de delinear os contornos da prática docente buscamos pontos de referência sociais que auxiliem-nos a preencher os espaços de significados em torno dessa nova conceituação na educação profissional. Saramago (1997) provoca-nos a pensar sobre o processo de constituição da identidade com a afirmação “conheces o nome que te deram, mas não sabes o nome que tens”. O IFRS e a Arte iniciaram seu encontro a partir da realização do primeiro concurso (2009) para Licenciado em Artes Visuais. A disciplina de Artes no Instituto é oferecida aos alunos do 2º ano do Ensino Médio, com idades entre 16 e 17 anos, oriundos, em sua maioria (80%), de escolas públicas da rede de ensino do município do Rio Grande/RS. A carga horária semanal compreende 1h50min. sendo ministradas em média 40 aulas ao longo dos duzentos dias letivos que compõem a exigência legal do Ministério da Educação para o Ensino Básico. Os alunos estão matriculados nos cursos técnicos na

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modalidade integrada (formação geral somada à formação profissional, totalizando quatro anos de estudo) nas seguintes áreas: Automação Industrial; Eletrotécnica; Informática para Internet; Geoprocessamento; Mecânica Industrial e Refrigeração e Climatização. Diante desse cenário perguntamo-nos: qual o lugar que se pode destinar à Arte na formação profissional? Por que, no processo de constituição e organização curricular da educação profissional os aspectos estéticos, historicamente, têm recebido tratamento menos cuidadoso? Quais estratégias de problematização em Arte dialogam com os princípios e conteúdos da educação profissional? Como romper com o tecnicismo e criar um espaço de diálogo na formação da identidade profissional desse jovem? O que é Arte para o IFRS? É do enfrentamento de incertezas que emergem as verdadeiras conquistas do espírito humano. Nesse sentido, buscamos discutir as possibilidades e desafios de organização de uma proposta curricular integrada, complementar e mutuamente reforçada através da qual o objetivo profissionalizante não teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado. Isso significa explicar como a Arte se converte em potência material no processo de produção de um ensino que integre cultura e ciência, humanismo e tecnologia, visando o desenvolvimento das potencialidades humanas.

Saberes socialmente produzidos Saberes potencialmente transformadores

Arte é conhecimento construído através dos tempos, é patrimônio cultural da humanidade; é ambiente de imaginação e criação, de entendimento do mundo, de crítica das formas de vida instituídas e acorrentadas pelo senso comum. Assim,

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tratar a Arte como conhecimento é o ponto fundamental e a condição indispensável para legitimarmos seu ensino. A necessidade de repensar as sistematizações conceituais e metodológicas do ensino da Arte é um movimento que, desde a década de 80, vem se intensificando. Dentre as várias propostas formuladas a partir das condições estéticas da pós-modernidade destacam-se Critical Studies (Estudos Críticos), na Inglaterra, e, nos Estados Unidos, Discipline Based in Art Education (DBAE), ou seja, Arte-educação Baseada em Disciplina. A DBAE foi formulada por um grupo de professores-pesquisadores norte-americanos que, em vista de questionamentos sobre a prática do ensino de Artes centrada na manipulação de materiais artísticos e na redução da principal função do professor a fornecer tais materiais, propuseram pensar o ensino da Arte a partir de um conteúdo específico e, assim, o dividiram em disciplinas voltadas para o desenvolvimento de competências. Para Eisner (2008),

(...) existem quatro coisas principais que as pessoas fazem com a

arte. Elas vêem arte. Elas entendem o lugar da arte na cultura, através dos tempos. Elas fazem julgamentos sobre suas qualidades. Elas fazem arte. No DBAE, essas quatro operações constituem: a produção, a crítica, a história e a estética da Arte (EISNER, 2008, p.82).

No Brasil, contrariando essa divisão disciplinar, a Abordagem Triangular (Barbosa, 1998) busca assumir característica de um sistema epistemológico no qual as visões sistêmicas de leitura da obra de arte e da imagem em geral ao mesmo tempo em que constituem o fenômeno específico da Arte enquanto objeto de conhecimento, são capazes de revelar relações – através de seu detalhamento técnico, sentido e significado – com as demais áreas do saber. Para Barbosa as primeiras ações simbólicas de cada cultura humana sempre

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foram apreendidas, ensinadas e/ou transmitidas por meio de um processo de produção, leitura/observação/contemplação de formas e do pensamento que contextualiza esses diversos planos entre si. Mas para que esses campos de ações conduzam a processos de aprendizagem faz-se necessário uni-los a ideia da “pedagogia problematizadora” de Paulo Freire, onde aquilo que é “lido” deve ser entendido como questionamento acerca do desconhecido. Leitura da obra de arte é questionamento, é busca, é descoberta, é o desertar da capacidade crítica [...]. A educação cultural que se retende coma Abordagem Triangular é uma educação crítica do conhecimento construído pelo próprio aluno, com a mediação do próprio professor, acerca do mundo visual e não uma educação bancária. (Barbosa, 1998, p.40) Outra abordagem metodológica nos é apresentada por Peralta (1997; Peralta-Castell 2012B), a Arte-educação Ambiental, cujo objetivo constitui-se na delimitação do campo de abrangência das esferas de desenvolvimento cognitivo em Arte no trabalho interdisciplinar. Vertente metodológica essa vivenciada durante minha formação universitária junto ao Núcleo Rio Grande Utopias Concretizáveis Interculturais, um programa desenvolvido durante sete anos resultado da cooperação internacional entre a Universidade Federal do Rio Grande – FURG/RS e o Instituto de Pedagogia das Ciências Naturais (IPN), da Alemanha. No espaço concebido como um território inter (institucional), as formas de pensar e fazer arte inserem-se nos diversos campos do conhecimento a partir da adoção de uma metodologia filosófica acerca da Identidade Cultural e Ambiental que subsidia eixos geradores de conteúdo: Identidade do Indivíduo, Grupo, Ambiente e Planetária. Através de Oficinas Integradas de Artes-Ciências-Tecnologia embasadas na Teoria da Atividade (Leontiev, 1978), considerando que o sujeito ao mesmo tempo transforma e é transformado pelo objeto numa constante relação dialética,

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vincula seu processo metodológico como: a expressão criadora da percepção de si revelada por uma rede sistêmica de significados, através dos quais o sujeito imerso inicia sua compreensão de mundo. Tanto a abordagem Triangular quanto Arte-Educação Ambiental – mesmo diante de, suas especificidades – buscam convergir para o ponto proposto por Lanier (2008), qual seja a estruturação de um conceito de identidade de arte (artisticidade) em educação. Tomando como ponto de partida uma percepção particular desse mesmo mundo conceitual e existencial e sua importância no campo da arte-educação, aproximo essas abordagens às pesquisas realizadas por Davydov (apud Libâneo, 2004) acerca da Teoria do Ensino

Desenvolvimental. Segundo o autor, o conteúdo de toda a aprendizagem é o conhecimento teórico do qual derivam todos os métodos para organizar o processo de ensino. Libâneo (2004) propõe, a partir dos estudos de Davydov, que o Ensino Desenvolvimental seja estruturado a partir de uma atividade de aprender constituída por uma tarefa de aprendizagem, desenvolvida por determinadas ações que, mediante acompanhamento e avaliação, visem proporcionar ao aluno a compreensão do objeto de estudo e suas possíveis relações com a realidade no qual ambos encontram-se inseridos. Como resultado desse processo o autor destaca que “os alunos aprendem como pensar teoricamente a respeito de um objeto de estudo e, com isso, formam um conceito apropriado desse objeto para lidar com ele em situações concretas da vida” (Libâneo, 2004, p.122). Essa estratégia didática proposta por Libâneo encontra-se diretamente vinculada ao método de Davydov de ascensão do abstrato para o concreto. Conforme Davydov,

[...] ao iniciar o domínio de qualquer matéria curricular, os alunos, com a ajuda do professor, analisam o conteúdo do material curricular e identificam nele a relação geral e principal e, ao

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mesmo tempo, descobrem que esta relação se manifesta em outras relações particulares encontradas em determinado material. Ao registrar, por meio de alguma forma referencial, a relação geral principal identificada, os alunos constroem, com isso, uma abstração substantiva do assunto estudado (DAVYDOV apud Libâneo, 2004, p.125).

Esse movimento, que vai do geral para o particular, possibilita que alunos usem uma estrutura de pensamento sistêmico que, sob a estratégia de um núcleo conceitual (categoria), passa a apurar e a registrar todas as características subjacentes de um assunto em discussão empregando-o como base para a interpretação de fenômenos concretos. Quando começam a fazer uso da abstração elas convertem a formação mental inicial num conceito que registra o “núcleo” do assunto estudado. Este núcleo serve, posteriormente, aos alunos, como um princípio geral pelo qual eles podem orientar-se em toda a diversidade de material curricular factual que têm de assimilar, em uma forma conceitual, por meio da ascensão do abstrato ao concreto (Davydov apud Libâneo, 2004, p.125). O que o autor propõe para caracterizar esse método genético é, na verdade, um processo de análise e síntese da temática estudada. Além dessa estratégia de ascensão do abstrato ao concreto Davydov considera importante para a construção dos conceitos científicos que o estudante percorra uma trajetória investigativa similar àquela que gerou a organização originária do conceito. É como se assumíssemos a investigação do desconhecido.

Para Davydov,

[...] os componentes de uma tarefa de aprendizagem apresentada pelo professor são: a) análise do material factual para descobrir nele alguma relação geral que tenha uma conexão regular com as diversas manifestações desse material; b) a dedução, em que as crianças deduzem determinadas relações no conteúdo estudado,

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formando um sistema unificado dessas relações, isto é, o “núcleo” conceitual; c) o domínio do modo geral pelo qual o objeto de estudo é construído, mediante o processo de análise e síntese (apud, LIBÂNEO, 2004, p.126).

Para tanto, é necessário que os alunos reproduzam o processo pelo qual se criam conceitos, imagens, valores, normas. Conforme Davydov esse é o núcleo mais rico de sua abordagem teórica por superar a dicotomia entre a ênfase nos conteúdos escolares e o desenvolvimento dos processos mentais, ou seja, entre a formação dos conceitos científicos e o desenvolvimento das capacidades do pensar.

Composições Metodológicas O método de ensino que compomos surge como uma proposta integrada de educação baseada nas ideias de Davydov unida a elementos dos mais variados campos relacionados à área de ensino e aprendizagem como os conceitos de: Zona de Desenvolvimento Proximal (Vygotsky, 2001); construção do conhecimento como uma obra social (Freire, 1983); aprendizagem conceitual da arte (Barbosa, 2008, 2010, Eisner, 2008); percepção de si como identidade Ambiental (Peralta 1997; Peralta-Castell 2012B). A articulação desses ingredientes busca organizar um percurso para desenvolver os conteúdos de Artes no Ensino Médio.

Essa composição no campo da educação inicia-se quando concebemos a aula como um “evento” de aprendizagem no qual o assunto é explorado pelo mediador/professor e o grupo de alunos de um modo aberto e significante. O desenvolvimento desta aula/evento é centrado na elaboração de um objeto estético resultante das descobertas realizadas pelos alunos frente a um conceito (pesquisa) que desejam descobrir. Será a partir da constituição desse momento, no qual o ato de conhecer é fruto dos desejos individuais de cada

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aluno, que todas as subsequentes e recorrentes fases do processo metodológico serão estabelecidas:

A atividade em grupo consiste em (re)construir o conceito. Em nossa experiência no IFRS assumimos como problematização inicial o conceito da própria disciplina: “O que é Arte?”. A análise proposta inicialmente percorreu o conhecimento de senso comum apresentado pelo aluno para, paulatinamente, aprofundar-se a investigação em direção à unidade germinal científica originária. Observamos que o simples fato de os alunos terem de criar uma argumentação e percorrê-la através de um questionamento sistemático, identificando cada vertente possível de ser aventurada e desvendada, constitui-se em nosso maior desafio. Como síntese desse processo os alunos conceberam “Arte como linguagem e, portanto, como sistema de representação pelo qual olhamos, agimos e nos tornamos conscientes da realidade, com código (gramática) próprio que a cada período artístico revela marcas singulares”.

Esse conceito construído em equipe assumiu novo foco de problematizações, originando duas categorias: “Arte como representação do real” e “Gramática da Linguagem Artística”. A partir dessas delimitações passamos a observar as alterações dos sentidos e significados do real em relação ao tempo-espaço, aos conceitos estéticos e filosóficos, à sociedade de consumo, etc... Passamos, também, a tentar entender a organização dos códigos específicos da Arte que compõem estudos sobre composição. O resultado dessa investigação consistiu em experimentar criações estéticas. Buscou-se traduzir, em imagens, sínteses das “informações” obtidas durante a verificação dos conceitos. Esse processamento

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instaurou-se pela análise combinatória conceitual aplicada sobre a realidade dos estudantes (percepção de si).

Eixo gerador: conto “De Noite” e ”Diante da Lei”, de Franz Kafka.

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Tal processo metodológico permite a revelação, pelo aluno, do conceito desconhecido em seu movimento de análise e síntese. Consideramos que a obra de arte percorre semelhante processo em um contexto de aprendizagem. Diferente do objeto conhecido, em que o processo de construção é pré-determinado, o objeto desconhecido (objeto artístico) exige uma análise específica de uma determinada ideia/conceito para dissecar, determinar e construir as relações (sínteses) entre os elementos (tempo, materiais e procedimentos empregados) necessários à elaboração do objeto final. E serão esses diversos elementos que, articulados em suas variáveis, constituirão esse bem socioambiental (obra estética) sobre o qual operam processos de circulação e apropriação do saber (percepção de si). Assim, ideias e processos abstratos são

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desenvolvidos pela criação de conceitos estéticos e procedimentos organizacionais, concretizando-se e, ao serem registrados sobre a materialidade (suporte), refletem-se e retornam como as unidades conceituais germinais do sistema. A imagem vista como a organização visual representa a interdependência de todos os elementos e processos envolvidos em sua construção, formando um todo. As imagens resultantes desses diálogos iniciais são agrupadas e categorizadas em problematizações a serem respondidas a partir de investigações conceituais abrangentes nos campos da ciência, da construção estética e da história da arte. Na verdade esse olhar é princípio para contextualizarmos uma questão bem maior, a ressaltar, a construção coletiva de um conteúdo a ser desvelado em seus aspectos estéticos, intuitivos, composicionais, linguístico, em suas operações lógicas, matemáticas, etc. Outras categorias surgem ao longo do trabalho sempre associando os conceitos e as formas estéticas à percepção de realidade dos jovens.

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Enfim, a aprendizagem pode ser vista como um processo de expansão de dentro para fora; uma evolução do individual para o universal seja na apreensão de conhecimento (reconhecer o conhecido) ou na produção de conhecimento (revelação do desconhecido). A avaliação ocorre através da verificação da manipulação conceitual, ou seja, o quanto a ideia original foi reinventada (reciclada) em nova contextualização. Nos exemplos apresentados, produção de fotografia representativa do conceito surreal e elaboração de um sistema composicional contemplando raciocínio lógico-matemático na demonstração abstrata da evolução de um tempo-espaço. Essa abordagem metodológica permite que os estudantes criem os próprios conceitos enfatizando o processo em vez do produto.

Considerações finais

Acreditamos que esse processo facilita o acesso, a assimilação e a contextualização de conhecimento pelos alunos, levando-os a elaboração de meios para a produção e articulação do próprio conhecimento de forma individual ou como agente em empreendimentos coletivos. A integração da teoria à prática se viabiliza quando os alunos trabalham a mesma problemática enfrentada por artistas na construção da obra. A análise de problemas de formas diferenciadas, empregando as diversas formas de pensar, utiliza, positivamente, as divergentes tendências dos alunos de processar informações na construção do seu conhecimento. Assim, entendemos que os eixos de aprendizagem visados para trabalhar a área de Artes no ensino regular são praticáveis quando se consegue estabelecer uma relação dinâmica entre o conhecimento existente e a produção de conhecimento novo através de uma contextualização do pensamento dos alunos como ponto de partida para a expansão de suas habilidades intelectuais.

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Rompendo com a concretude material que está diante dos olhos cada jovem passa a tecer com sua rede de significados existenciais em imagens sínteses desse inicial ato de conhecer. Acreditamos que quando o aluno olha o espaço e nele tem a possibilidade de traduzir seus desejos abre-se para um mundo de possibilidades, de tentativas e erros que muitas vezes se transformam em uma nova versão para sua história educativa. Assim, concordamos com Davydov e Peralta, para quem todo conceito científico é, simultaneamente, uma construção do pensamento e um reflexo do ser.

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ensino das artes e cultura visuais. São Paulo: Cortez, 2010. BARBOSA, Ana Mae (orgs.), Arte-educação: leituras no subsolo. 7.ed.São

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – Arte. Secretaria da Educação Básica. Brasília. MEC/SEB, 2006. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf EISNER, Elliot. Estrutura e mágica no ensino da Arte. IN; BARBOSA (orgs.), Arte-

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1978. LIBANEO, José Carlos. Aprendizagem escolar e a formação de professores na

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OVÍDIO. Metamorfosis. trad. Ruben Bonifaz Nuño. México: Universidad Nacional

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ESPELHO, ESPELHO MEU... Haverá alguém mais bonita do que eu? A história da arte e seus diferentes mo(vi)mentos Ivana Maria Nicola Lopes

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O texto abaixo trata de uma experiência prática, que tem como eixo norteador buscar através de alguns momentos da história da arte, elementos que facilitassem essa história dos feitos humanos para qualquer pessoa, fossem alunos do curso de graduação em artes, fosse outro público leigo, desde aqueles discentes de outros cursos até a própria comunidade.

Tornar mais simples e acessível o conhecimento, era o objetivo dessa experiência vivida e que iniciou em 200138. A ideia transformou-se em projeto de ensino e experienciar tal proposta foi levada a cabo, de forma satisfatória, através de diversos grupos de acadêmicos.

A metodologia constava de performances de corpo com espelhos que metaforizavam a História da Arte e de multimídia com as obras de arte. Os espelhos foram divididos em:

1. Espelho Naturalista; 2. Espelho Deformante; 3. Espelho Quebrado; 4. Espelho Vazio (sem espelho); 5. Espelho Onírico.

Espelho naturalista – desejo, necessidade, vontade...

Segundo historiadores de arte clássicos como o britânico Ernest Gombrich (1983) e o alemão Arnold Hauser (2000), o primeiro momento da arte se deu através da

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Professora Associada do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande. Doutora em História da Arte. 38

O projeto A Metáfora dos Espelhos, idealizado pela autora e por Cleusa Peralta

Castell manteve-se atuante de 2001 a 2007. Esteve vinculado a três disciplinas dos cursos de Artes Visuais e de Pedagogia.

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necessidade de subsistência e, portanto, a arte foi naturalista, pois o homem da época, caçador e coletor, fazia uma espécie de ritual mágico, no qual as imagens tinham grande poder de força e de realização. O espelho então retratava a vida. Em especial, o que os circundava. Qual a razão para isso? Como foi dito, a arte prestava-se a um ritual mágico-religioso. Aquele homem que ia até o fundo mais recôndito da caverna para desenhar o bisonte que mataria no dia seguinte, não fazia distinção entre a imagem e o animal verdadeiro. A imagem era a coisa representada...

Essa suposição acabou legitimando, através dos tempos, como a hipótese mais provável, segundo os historiadores de arte. Mais tarde, com a passagem do homem coletor e caçador para uma economia agrícola, as imagens passam a ser não mais naturalistas e figurativas, mas sim estilizadas. O homem desse período é agricultor, a vida se transforma, e a sua maneira de enxergar o mundo também. A estilização das formas se dá espontaneamente. A própria demarcação do território, os sulcos na terra, o fazem pensar. Inclusive os primeiros impérios agrários são prova disso.

No Egito e na Mesopotâmia, as figuras humanas são estilizadas, obedecem a um padrão de linhas para compor a figura e as normas são bastante rígidas e imutáveis. Talvez um dos primeiros espelhos distorcidos do real faça sua aparição, neste momento... Levará, ainda, bastante tempo, na história da humanidade e da arte para que as distorções que as vanguardas propunham apareçam.

Mais tarde, no auge da arte grega, mais exatamente no período clássico, a arte como imitação do real aponta seus tentáculos com extrema força. Influência direta deste momento pode-se observar na arte romana e muito mais tarde, no renascimento e na arte neoclássica. O real mimetizado em arte, o real beirando uma supra-realidade na qual os corpos são ungidos pelo perfeito, pela forma que requer um corpo que se mostra nos mínimos detalhes. Os músculos, as veias,

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saltam aos olhos, projetando nas figuras uma verdade absoluta e mostrando ao mundo, a confiança e o estudo incansável do corpo humano.

As vestes, as pregas e plissados, esculpidos no pétreo mármore dão a impressão de que são feitos de tecidos finos e vaporosos que deixam antever a anatomia que os cobre. O espelho mostra uma realidade que vai além do real. Sedutor, projeta nas figuras esculpidas e nas telas, um ideal de beleza espartana, vigorosa, que mais tarde servirá para que um regime totalitarista faça desta arte a sua... E as outras artes sejam classificadas como degenerada. Ou seja aquela arte que não

estava dentro de um padrão de beleza clássica e não tivesse em seu halo a felicidade terrena e eterna.

Foi exatamente por isso que a arte expressionista com seus momentos de dor e solidão, que retratava a miséria humana e tão demasiada humana, foi banida e proibida pelo regime nazista nos anos 30 do século XX. Os ideais de padrão clássico, de beleza que eleva a alma, não combinavam com a arte da finitude, do não-terno. Uma arte que se dava ao luxo de pintar o que lhe aprouvesse da cor mais bizarra, uma arte que fazia questão de mostrar a dor da alma e do próprio corpo, uma arte que fragmentava a própria vida? Que fragmentava o próprio espelho? Para melhor refletir o mundo... Inadmissível pala alguns. Inadmissível para muitos até hoje.

O corpo do espelho assim formado de encantos de ideais, que foram paulatinamente, traçados e corrigidos com e através dos diferentes processos históricos ainda está longe de fenecer. Aquele ideal de beleza clássica que faz sua aparição em diversos e distantes momentos da história da humanidade é, ainda hoje, cultuado. Cabe lembrar aqui, que o corpo perfeito estava atrelado a uma moral aristotélica que preconizava que o belo era o bom, o justo e o verdadeiro. Poder-se-ia dizer que a natureza representada se encarregava de moldar o espelho, de aperfeiçoar o que na realidade não havia. Por isso a arte era o espelho da realidade. Um espelho ideal...

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No entanto, outras artes merecem atenção. A arte dos povos distantes de uma cultura letrada, de um europeísmo branco, de outra forma de ver e perceber o mundo. Uma arte mais visceral porque está atrelada a vida da comunidade. Uma arte que não está no centro, mas que influenciou direta ou indiretamente muitos homens e mulheres que estavam dispostos a percebê-la. Uma arte de povos e etnias oprimidas que não se deixaram calar. Uma arte dos indígenas, dos africanos, dos sul-americanos. De todos enfim que estavam ao borde de uma arte centralizada.

A arte corporal, as pinturas de festas e de rituais. A arte das cestarias que servem para o uso diário, mas que são feitas obedecendo a um padrão estético, pois servem para embelezar a vida, a rotina diária...

O corpo do coletivo, o corpo individual tudo é feito para que haja um entrelaçamento de belezas, de performances estéticas que servem também para colorir o dia a dia. Uma arte a serviço do humano e para o humano. Não uma arte para catequizar ou convencer. Para roubar e/ou possuir. Vários foram os artistas (homens e mulheres) que viram nesta arte um caminho para encontrar a inspiração e sair da mesmice. Cabe lembrar que se traçou uma trajetória da arte, obedecendo a uma sequência que inicia com o espelho naturalista, passa-se por diferentes momentos da historiografia da arte e pode-se voltar ao ponto de partida (como em uma espécie de espiral). A sequência, portanto, servirá apenas como base para entender a leitura através das imagens e também com a preocupação didática e de aprendizado, para com aqueles que nunca tiveram contato com a arte e sua história. Comecemos pois com os caminhos através dos espelhos...

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Espelho Naturalista

As pinturas (...) eram a “ratoeira” em que a caça havia de cair, ou a ratoeira com o animal já capturado. É que os desenhos constituíam simultaneamente a representação e a coisa representada; eram simultaneamente o desejo e a realização do desejo. O caçador e o pintor da era paleolítica supunham encontrar-se na posse do próprio objeto desde que possuíssem a sua imagem; julgavam adquirir poder sobre o objeto por intermédio da sua representação. (HAUSER, 2000, p.16)

A assertiva acima se refere aquele homem tão distante e longínquo no tempo e no espaço, que não percebemos que o processo mental que o levou a tal idéia a respeito da imagem e de seu poder, está entranhado (enraizado) em nosso imaginário coletivo. O ritual mágico realizado no lugar mais ao fundo da caverna e mais apropriado para tal fim, tinha como função primordial “abater” a caça. Na medida em que o pintor desenhava o animal abatido ou ainda estertorando, ele produzia um animal real, segundo as idéias hauserianas. Será que podemos imaginar a confiança com que este homem de um tempo tão remoto, conseguia graças à arte que praticava? O ritual tinha como princípio a representação fiel da realidade. Portanto, o desenho deveria ser exatamente igual ao animal retratado. Será graças aos seus dotes de observador, sua percepção visual acurada que o homem soube retratar tão bem o animal que pretendia caçar. Mais tarde, na passagem para o período neolítico, ele torna-se agricultor e pastor. A arte modifica-se. Aparece o geometrismo, a estilização das formas, das imagens. O pensamento muda e a arte também, na medida em que a própria vida, a domesticação dos animais, o plantio, a moradia; tudo está a organizar-se. Tanto o espaço habitável, terreno, quanto o espaço mental, do mundo das idéias.

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Os rituais com suas imagens se sucedem. Para que a mulher procrie, para que a deusa terra seja generosa e dê também ela, bons frutos... Garantindo, assim, um futuro mais tranqüilo. As deusas da fertilidade fazem sua aparição. Imagens carregadas de desejo de que tudo saia a contento: que filhos nasçam, que grãos e sementes germinem, que a mulher e a terra deem bons frutos...

Corpos exuberantes, matrizes generosas que alimentam os desejos humanos. Rosto não há. São deusas sem rosto. O corpo é a medida... Do desejo (fig. 1).

Mais tarde, os frutos disseminados ganham, em vários momentos da história humana, uma idéia deveras sedutora com o conceito de mimesis. A arte imita a natureza. E aqui surge a pergunta: Mas desde o início não fora assim? A arte imitando o real, a realidade circundante? Sim. Porém, a imitação da natureza se legitima de uma maneira nunca vista, graças aos gregos. Se tomarmos, por exemplo, o Renascimento (XVI) se percebe que a imitação da realidade é tão bem arquitetada que ela é mais real que o que ela imita. Assim também aconteceu com o período Neoclássico (XVIII) que significou um verdadeiro revival dos modelos e temas da arte do período clássico da

arte grega e da arte romana. Do mesmo modo, o próprio Renascimento foi um olhar para o passado aliado às descobertas e invenções tanto na arte quanto nas descobertas científicas do século seiscentista.

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Na contramão do equilíbrio tanto dos corpos quanto das emoções humanas que, geralmente, observamos no período do século XVI, surge um grito de protesto e de anseio de novos ares. Jovens artistas que se rebelaram contra os ditames da razão. O Maneirismo foi o movimento contracultural do século XVI que chocou a mentalidade da época. Reivindicavam a máxima rodriguiana “a vida como ela é” e a arte na esteira da

vida, surgiu sob a forma de corpos deformados, pescoços alongados, poses afetadas e teatrais. O excesso sem a medida de todas as coisas... Jovens modernos e inconformados com

aquele suposto mundo equilibrado... Cabe lembrar que o termo moderno tal como utilizamos até os dias de hoje data exatamente deste período (1526). O Barroco (séc. XVII) será o excesso do excesso que aqueles jovens proclamaram. As paixões, as cores reluzentes, os vermelhos, a teatralidade, o dramático...

O espelho naturalista seduz através dos tempos. Alguns o acham mais fácil de ser (ad) mirado, outros alegam que corresponde a uma espécie de leitura do próprio mundo, só que mais exato. Mais perfeito. No entanto, aqueles homens e mulheres que romperam a estrutura desse espelho queriam ir além. Inconformados possuíam a necessidade da busca, fora dos padrões vigentes. Será em busca de outra verdade, ou do que havia na outra face do espelho que artistas do final do século XVIII e início do XIX, aliam-se as invenções e descobertas científicas e as novas próteses da época (aliás como sempre...) para dar vazão as suas diferentes maneiras de fazer arte, perceber o mundo e traduzí-lo. Podemos começar com duas linguagens que poderiam ser o espelho de uma natureza trágica. Uma, é o Romantismo que busca uma vez mais o excesso (sempre ele), o corpo desgarrado, o sofrimento. Em última análise, vai atrás da

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alma e de suas dilacerações e de seus arrebatamentos. Igualmente, a natureza trágica social faz sua aparição (fig. 2).

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O Realismo é... real. Mostra a camponesa ou o operário como sujeitos trabalhadores e exaustos, seja pela questão latifundiária, seja pela questão urbana. O corpo é subjugado pelo tempo, pelas vicissitudes e... principalmente, pela exploração através do trabalho.

E aqui, no palco ainda do século XIX, surgem duas invenções, duas próteses que farão frente ao mundo da arte e que a tudo e a todos atrapará. O cinema e a fotografia. A transfiguração...

Espelho Deformante/ Espelho Quebrado?

O impressionismo é uma espécie de “senhor do tempo”. Tempo, tempo, tempo. Luz, luz, luz. Ação! O segredo de tudo e que tem com os objetos uma relação amorosa. Não são os corpos que interessam exatamente, mas sim, a luz que os banha. A luz e o passo do tempo aliado ao movimento dos mesmos transfiguram a tudo e a todos. E ainda suplica para aquele que contempla, um corpo distanciado para melhor ver (fig.4). Outro momento

revolucionário se deu, quando um artista francês resolve pintar a sua transfiguração pessoal. Simplesmente retira o corpo feminino nu do seu lugar comum e o coloca em meio ao parque, em uma cena sem relação nenhuma com a questão histórica ou mitológica. A provocação não foi pouca... (fig. 5).

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Èdouard Manet (1863) revoluciona a questão do corpo livre, o nu feminino, sem artifícios ou quaisquer relações com o que ele -até então- se prendia: com cenas históricas ou mitológicas. O choque foi enorme para a sociedade vitoriana da época. Até porque as roupas das figuras masculinas são parte da indumentária desta mesma sociedade o que prova, a sua atualidade. Aparece aqui, o nu profano, pagão. Inadmissível...

Na mesma esteira da deformação, temos os pós-

impressionistas que contribuíram e muito para que a transfiguração com suas diferentes faces continuasse a ocorrer ( ex. Toulouse-Lautrec, Modigliani...).

Dentre aqueles artistas, jovens que em seus lugares de origem ou mesmo na cidade que os acolhia em toda a sua efervescência artística no cenário parisiense, surgirão três artistas que são responsáveis por fazer a grande revolução que viria a seguir, graças aos seus estudos e possibilidades pictóricas. O espelho, uma vez mais, seria rompido por novos valores e, também, uma vez mais seria responsável por novos olhares.

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E neste ponto é preciso deixar claro que as ideias arganianas servirão de base para falar sobre o que vem a seguir do impressionismo quando o mesmo começa a estertorar no cenário artístico. Segundo Argan (1992) o Impressionismo teve a impressão que se imprime no objeto como

mote e o Expressionismo a expressão. Este último mostrará ao mundo a sua força através de novos paradigmas, criados a partir daqueles jovens que se reúnem tanto na Alemanha quanto na França para fazer coisas novas no cenário artístico.

Como exemplo da tensão dinâmica e elástica do Expressionismo terá em França, por volta de 1905, o movimento denominado Fauvismo (Fig. 6) e quase simultaneamente, na Alemanha, o Die Brüke – A Ponte – (Fig. 7). Mais tarde, o fauvismo desemboca no Cubismo (Fig. 8) e na Alemanha, o Der Blaue Reiter – O Cavaleiro Azul – (Fig. 9). Todos eles, do ponto de vista arganiano são expressionistas, pois deformam a realidade e, expressam o mundo através da cor ou da deformação de corpos e objetos. Ainda segundo Argan, tanto o Cubismo quanto o Cavaleiro Azul, têm origem comum que é a tendência antiimpressionista que ocorre no próprio Impressionismo e que se manifesta no final do século XIX. (p.

227) Assim, o espelho deformante pode ser, igualmente, o

espelho quebrado posto que deforma e quebra a realidade. Podemos reunir junto a estes movimentos o Futurismo italiano.

O artista alemão Max Pechstein escreveu em 1920:

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Trabalhar! Êxtase! Esmagar os cérebros! Mastigar, devorar, engolir, pôr em desordem! Dores voluptuosas de parto! Estalidos do pincel, mergulhar nas telas com alegria. Pisar com os pés os tubos de tinta. O choque, a provocação, os jovens insurgindo-se contra a tradição. Este era (para ele) o motor do Expressionismo (WOLF, 2011, p. 143).

O exagero deformante do Expressionismo combinava

sobremaneira com a estética não mais do belo, mas sim, da fealdade, o espelho disforme. Combinava, igualmente, com uma estética da brutalidade, por isso a razão de ser do espelho quebrado...

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Espelho Vazio / A Moldura sem Espelho

O espelho sem espelho. O não-espelho o que espelha? A não-natureza. A transfiguração. A natureza e sua imagem desaparecem aqui. Nada mais reflete a natureza?

A arte abstrata revela-se com a independência dos objetos, do mundo enfim. Ela, mais do que revelar, desvela-se. Retira a sua camada que a unia, umbilicalmente, com o mundo e seus objetos. Não há mais representação. O espelho assim está vazio. Não há mais a imperiosa necessidade de ligação com a natureza, com a realidade circundante. A imagem agora não é mais narcísica. Não precisa do real para refletir-se... Ela por si só existe. Ela é a própria moldura. E, narciso acha feio o que não é espelho...

Poderíamos mencionar que dentro deste item, podemos perceber, por exemplo, que o Neoplasticismo holandês de Piet

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Mondrian (Fig. 10), o Abstracionismo Geométrico, o Abstracionismo Lírico de Vassili Kandinsky (Fig. 11), o De Stjil, as chamadas Vanguardas Russas, o Expressionismo Abstrato do norte-americano Jackson Pollock (Fig. 12), e todos aqueles que de uma forma ou outra se abstiveram do uso das formas e objetos reais, são similares na busca de não mais representar o mundo.

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Espelho Onírico

Na história da humanidade, homens e mulheres sonharam, construíram mundos imaginários e viveram feitos notáveis. A realidade tecida de sonhos pertence àqueles que não têm medo de buscar em seus corações e mentes a poeira brilhante da irrealidade e da fantasia para dar colorido e graça

as suas vidas e a de seu entorno (Fig. 13).

Independente de época, independente de idade, o seu humano busca na imaginação e na fantasia, material que possa ser aproveitado no mundo real para a ressignificação da sua vida. Para colori-la... Para torná-la mais bela... Para que a felicidade possa pousar ali.

Inúmeros os artistas que deram vazão a sua verve poética e, poetizaram assim o mundo, tornando-o menos inóspito e mais

agradável para si e para os demais. O mundo dos sonhos com sua aura adocicada de mistério, o mundo das veleidades e imaginários, a fantasia acompanhada de um corcel branco...

Se não fossem os homens e mulheres que ousaram ver além do espelho real, o mundo seria bem diferente e para pior, acreditem.

Os artistas que ousaram e transgrediram para ver além da imaginação podada pela sociedade, os que foram vilipendiados em sua época por não serem aceitos por sua visão além daquilo que o contexto lhes oferecia. Aos que ousaram, aos que criaram, aos que inventaram, aos que

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buscaram viver suas vidas de outra forma que não a convencional...

A todos eles, o meu apreço e mais profundo respeito, além de sinceros agradecimentos. Todos são fonte de inspiração para uma professora que os professa incondicionalmente. Através deles vejo e me percebo no mundo. E não apenas o tempo que me tocou viver.

Através deles posso navegar por outros períodos, ora de calmaria, ora de grande desespero, pois eles me contam e narram outras vidas, outros lugares, outras humanidades.

A história da humanidade pode ser lida de maneira circular e assim, voltamos em um período no qual as grandes conquistas e feitos passavam pela necessidade de estar protegido na caverna, aquecido pelo fogo e a certeza do alimento no dia seguinte.

Supridas as necessidades básicas, o sonho e o mundo onírico se instalam... O sonho, sempre ele. Ele é também o nosso elemento básico para que possamos seguir em frente. Seja em um tempo mais remoto, seja hoje ou futuramente.

É o sonho que acorda a nossa imaginação e é ele, também, que nos dá o real significado de maravilhoso... (Fig. 14 e 15).

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GOMBRICH, E. História da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. HAUSER, A. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2000. __________. O Maneirismo. São Paulo: Perspectiva, 1993.

WOLF, Norbert. Arte Moderna: do Impressionismo à actualidade. V.II. São Paulo:

Taschen, 2010.

WEB: Figura 1 - Vênus de Willendorf Fonte: http://ladeojosglaucos.blogspot.com.br/2010/11/venus-esteatopigicas.html

Figura 2 – Liberdade conduzindo o povo de Eugéne Delacroix Fonte:http://didgiwidgiphotography.blogspot.com.br/2011/12/paintings-by-eugene-delacroix-french.html

Figura 3 – Vagão do trem de Honoré Daumier Fonte:http://en.wikipedia.org/wiki/File:Honor%C3%A9_Daumier_034.jpg Figura 4 – Tempo de verão de Mary Cassat

Fonte: http://emptyeasel.com/2007/07/18/mary-cassatt-an-american-female-painter-in-paris/ Figura 5 – Almoço na relva de Èdouard Manet

Fonte: http://seboeacervo.blogspot.com.br/2010/11/almoco-na-relva-edouard-manet.html#axzz21Zq1Pe8G Figura 6 – (à esquerda) Harmonia em vermelho de Henri Matisse

Fonte: http://www.sampa.art.br/cursos/ Figura 7 – (à direita) Capa da revista, autoria de Kirchner Fonte:http://www.centresocialsaintetulle.fr/UTD/2010_UTD/m5611.html

Figura 8 – auto retrato de Pablo Picasso Fonte:http://lacucarachadesign.blogspot.com.br/2008/09/desenho-continuao-para-o-cubismo-amador.html

Figura 9 – (à direita) Retrato da dançarina, Alexei Jawlensky Fonte: http://www.cosmopolis.ch/cosmo6/Reiter.htm Figura 10 – Cores retas e ângulos primários, Mondrian

Fonte: http://www.storyboardtoys.com/gallery/Piet-Mondrian.htm Figura 11 – Pintura abstrata 7, Kandinsky Fonte: http://www.invisiblebooks.com/Kandinsky.htm

Figura 12 – Pollock e sua arte Fonte: http://blog.austinkids.org/tag/jackson-pollock/ Figura 13 – Inverno de Arcimboldo

Fonte:http://pforpett.blogspot.com.br/2010/08/silence-is-indeed-golden.html Figura 14 – Objeto do Fluxus, Wolf Vostell Fonte: http://www.videoartworld.com/artist_1479.html

Figura 15 – O espelho falso de Magritte Fonte: http://www.pucpr.edu/facultad/pperez/101/arte_surrealista.htm

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Reconstruindo os caminhos entre a arte e a

vida

Thaís Guma Pagel39

Na qualidade de doutoranda em Educação Ambiental, busco transitar por diversos campos do conhecimento, ciente de que estou diante de um cenário multidisciplinar por excelência, como pedagoga, e com especial foco nas questões sobre a atividade criadora dos sujeitos, busquei uma entre as infinitas relações intrínsecas entre arte e vida em espaços

39

Graduada em Pedagogia – Ensino Médio. Especializada em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande – PPGEA/FURG. Doutoranda em Educação Ambiental pela Universidade

Federal do Rio Grande – PPGEA/FURG. E-mail: [email protected].

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politicamente independentes de mídias, como o jornal Le Monde Diplomatique Brasil e o jornal Brasil de Fato, que apresentam uma mostra significativa da realidade problematizada a partir das concepções de uma Educação Ambiental transformadora, que ”enfatiza a educação enquanto processo permanente, cotidiano e coletivo pelo qual agimos e refletimos, transformando a realidade de vida” (LOUREIRO, 2004, 81). Assim, esse trabalho apresenta-se a partir de um recorte da minha dissertação como um exemplo de metodologia de análise qualitativa.

Minha escolha em pesquisar jornais que se dizem politicamente independentes apresenta-se, mais especificamente, a partir da busca por tensões entre o trabalho alienado e a atividade criadora, assim como suas repercussões socioambientais. Na medida em que o sujeito busca em sua totalidade, e de forma histórica, a capacidade de se reinventar a partir de um imaginário que se pretende ser concreto, ele tem a possibilidade de transformar sua realidade para além da alienação proposta pela sociedade do consumo.

A Educação Ambiental crítica40, transformadora41 e emancipatória42 traz em sua concepção a qualidade de desmitificar para transformar as relações sociais e com o ambiente, ou seja, promove um desvelamento da realidade para uma melhor compreensão e reconstrução dessas relações pelo viés da emancipação. Assim, a partir de um comprometimento político, o trabalho tensionado à atividade criadora e aos princípios da Educação Ambiental demanda um novo paradigma, para além de uma racionalidade científica e

40

Por posicionar as relações socioambientais a partir de sua raiz histórica e no contexto

socioeconômico de cada período de tempo societal, objetiva questionar para superar

formas existentes da realidade concreta através da práxis (LOUREIRO, 2012). 41

Por visar uma mudança no padrão de sociedade através do movimento concomitante das transformações subjetivas e condições concretas da realidade (LOUREIRO, 2012). 42

Por objetivar a autonomia dos atores sociais através das transformações das relações de exploração humana e ambiental, dominação e opressão (LOUREIRO, 2012).

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das concepções consumistas de relacionamentos entre sujeitos e ambiente.

Como forma de ilustração de como a arte simplesmente imita a vida, e/ou vice-versa, apresento uma poética construída a partir de bases históricas e concretas sobre um processo de luta a favor dos direitos às relações sociais, incluindo as relações com o meio ambiente. Procurei mostrar algumas das muitas tensões socioambientais que são capazes de responder metodologicamente às inquietações concretas da nossa realidade. Segundo Minayo (2006),

Os pesquisadores que buscam a compreensão dos significados no contexto da fala, em geral, negam e criticam a análise de frequências das falas e palavras como critério de objetividade e cientificidade e tentam ultrapassar o alcance meramente descritivo da mensagem, para atingir, mediante inferência, uma interpretação mais profunda (p. 307).

Segundo a autora, a metodologia significa incluir

simultaneamente a teoria da realidade abordada, a prática executada através de técnicas e a qualidade criativa do pesquisador (MINAYO, 2010).

Trago, assim, um especial recorte de realidade, simbolicamente construído pelo jornal Le Monde Diplomatique Brasil, através de uma análise de conteúdo em sua versão

prática sobre um exemplo de luta socioambiental pelo viés da arte cinematográfica a partir do artigo publicado no jornal citado, em setembro de 2010, intitulado “Militância Avatar”, de Henry Jenkins, que aborda a capacidade dos sujeitos de metaforizarem seu ambiente. Ressalto que, esse recorte foi escolhido por sua representação tanto do mundo cinematográfico quanto do universo das artes em sua totalidade, principalmente como forma de comprometimento político do sujeito com seu meio.

Neste artigo, o destaque é para os militantes palestinos, israelenses e de outras nacionalidades que, em fevereiro de

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2010, como crítica à ocupação israelense, através de manifestações na Cisjordânia, pintaram seus corpos de azul para representar os Na’vi, povo herói do filme Avatar, de James

Cameron. Os manifestantes relacionaram o combate vivido pelo povo Na’vi em defesa de seu Éden com as próprias tentativas de recuperar suas terras, seu ambiente, suas relações. Assim, a partir da abordagem de uma antiga linguagem de protesto popular, o texto traz outros exemplos atuais e históricos da realidade em que sujeitos trocam de papéis em busca de transformações sociais e ambientais para uma melhor qualidade de vida.

Na análise do artigo “Militância Avatar” que apresentarei a seguir, procurei, a partir de Minayo (2010), fazer uma decomposição do material analisado em partes (a partir da tensão entre atividade criadora e trabalho alienado, bem como suas repercussões socioambientais); classifiquei as partes em categorias; fiz uma descrição do resultado da categorização (com a exposição dos achados encontrados na análise); construí inferências a partir dos resultados obtidos anteriormente; interpretei os resultados através da fundamentação teórica adotada. É a partir desta perspectiva que procedi a análise de conteúdo neste trabalho qualitativo.

Ressalto que, a análise e a interpretação em uma perspectiva de pesquisa qualitativa não têm “como finalidade contar opiniões ou pessoas” (MINAYO, 2010, p. 79). Assim, utilizei o método com o intuito de “caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado” (MINAYO, 2010, p. 84). Assim, as categorias analíticas escolhidas para este trabalho são: atividade criadora, trabalho alienado e repercussões socioambientais. Entretanto, surgiram novas

categorias, denominadas empíricas, ou seja, categorias que emanaram da realidade para melhor compreendê-la.

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Categorias analíticas: Atividade criadora

A categoria analítica atividade criadora é contemplada

no artigo “Militância Avatar” como força reflexiva e prática contrária ao sistema vigente atrelada à arte emancipatória, pois os sujeitos relacionados no artigo utilizam a arte e o imaginário como forma de manifestação social.

Trabalho alienado

A categoria analítica trabalho alienado não se

apresenta de forma explícita no artigo de Henry Jenkins, mas pode-se esperar que esteja nas manifestações e reivindicações futuras de forma criativa, explícita e reflexiva.

Repercussões socioambientais

A categoria analítica repercussões socioambientais aparece no artigo de Henry Jenkins a partir das manifestações dos meios de comunicação de massa, pois as mídias que são usadas para abranger um grande número de receptores podem instigar e gerar críticas conscientes sobre um imaginário concreto como, por exemplo, através das repercussões do filme “Avatar”.

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Categorias empíricas: Dominação, repressão e opressão: relações sociais e ambientais historicamente construídas

Criei a categoria empírica Dominação, repressão e

opressão: relações sociais e ambientais historicamente construídas, por considerar fundamental ressaltar as relações

que, historicamente são construídas pelos indivíduos, pois elas representam a própria realidade concreta. Assim, essa categoria mostra-se através do objetivo de superar as formas constantes de opressão, dominação e repressão sentidas e vivenciadas por muitos sujeitos, até mesmo pelos que dominam, reprimem e oprimem, pois segundo Freire (2005), “a violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação – a do ser menos” (p. 32). Dessa forma, no artigo de Henry Jenkins são destacados alguns exemplos de relações de opressão construídas ao longo dos séculos em várias partes do mundo na tentativa de alertar para sua superação.

Imaginário concreto

A categoria analítica imaginário concreto foi criada para valorizar o imaginário frente a situações concretas da realidade, pois “a imaginação criativa nasce do interesse, do entusiasmo de um indivíduo pelas possibilidades maiores de certas matérias ou certas realidades. Provém de sua capacidade de se relacionar com elas” (OSTROWER, 2008, p. 39) e “as indagações constituem formas de relacionamento afetivo, formas de respeito pela essencialidade de um

fenômeno” (OSTROWER, 2008, p. 39). Esse imaginário concreto constrói-se com a ajuda dos meios de comunicação, principalmente através da internet que, em muitas situações,

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permite que um número maior de indivíduos reflita e se manifeste sobre os mais diversos problemas da realidade.

Novos espaços de mídias

A categoria analítica novos espaços de mídias analisa

as novas relações sociais promovidas pelas mídias emergentes, como os meios digitais, e que permitem e valorizam a participação de um número maior de indivíduos sobre objetos da realidade.

Concluindo por ora...

A contribuição de iniciativas editoriais singulares como os artigos do jornal Le Monde Diplomatique Brasil nos traz a

possibilidade de leituras politicamente independentes e culturalmente inclusivas. Através do artigo analisado, foi possível contemplar a abundância de significados que um conteúdo pode nos oferecer, pois ao revelar-se, ele pode ser compreendido de diferentes e infinitos modos, mas sempre a partir dos sentidos adotados por cada pesquisador(a).

Trabalhei para que todo processo de escolha categórica do artigo analisado resultasse em uma análise conclusiva relacionada à questão norteadora desta pesquisa, ou seja, o desvelamento da tensão entre atividade criadora e trabalho alienado, a partir da leitura de artigos de jornais politicamente independentes, para além dos meios de comunicação de massa, como forma de contribuição para uma Educação Ambiental não formal.

Entendo que os jornais, o Le Monde Diplomatique Brasil e o Brasil de Fato, autodenominados politicamente

independentes, os quais considero contra-hegemônicos, podem contribuir de forma satisfatória para a Educação Ambiental não formal, crítica, transformadora e emancipatória (LOUREIRO, 2004), na busca pela emancipação dos sujeitos.

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Esta tentativa de superação da alienação pode ser uma real contribuição quando mídias de longo alcance podem imprimir visibilidade às condições entre o trabalho alienado e a atividade criadora, assim como sobre outros problemas sociais e ambientais vividos pela sociedade do consumo. Assim, é transformador pra nós que as mídias ajudem a desvelar a realidade ao invés de mascará-la.

Contudo, o artigo de Henry Jenkins, apresenta a capacidade dos sujeitos em metaforizar a realidade através da atividade criadora na busca pela emancipação social e cultural. A tensão entre atividade criadora e alienação aparece de forma explícita através da luta dos manifestantes palestinos contra a ocupação de suas terras pelo exército israelense na Cisjordânia, pois a ocupação apresenta-se através da dominação social, cultural e da exploração dos sujeitos e do ambiente pelo viés da alienação proposta pelo grupo dominante para manter sua hegemonia. É possível perceber, a partir do artigo, uma proposta que permeia as concepções de uma Educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória enquanto valoriza formas criativas de transformação da realidade e de protagonismo social.

Considero que, a tensão entre atividade criadora e trabalho alienado esteve sempre presente no artigo, possibilitando a problematização da realidade a partir de seu desvelamento, principalmente através dos problemas vividos pelos protagonistas do artigo, seja na busca por transformações emancipatórias, seja no desejo de recuperação de suas terras metaforizado pelos militantes Avatar. Nesse caso, a atividade artística transmitiu sua mensagem, fizeram a diferença, lançaram-se como instrumentos de luta para metaforizar a vida (PERALTA-CASTELL, 2007).

Procurei, ainda, apresentar a categoria atividade criadora (OSTROWER, 2008), e sua relevância social, como possibilidade de educação estética (MEIRA, 2003; DUARTE Jr, 2006). Assim, talvez essa possa vir a ser uma importante ideia

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de uma mídia independente: o de contribuir para o descongelamento de nossa sensibilidade, percorrendo um caminho contrário à anestesia de nossa existência (DUARTE Jr, 2006), tão programada e robotizada pelas mídias de massa.

Recomendo aos leitores e leitoras deste trabalho, a intimidade com os jornais aqui destacados, pois estou certa que eles vão ajudar e inspirar esta nossa constante busca por transformações nas relações socioambientais, relações estas que permeiam todos os momentos de nossas vidas.

REFERÊNCIAS

DUARTE Jr. João F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar Edições, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. JENKINS, Henry. Militância Avatar. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, v. 4, n. 38, p. 34, Set. 2010.

LOPEZ VELASCO, Sírio. Ética para o século XXI: rumo ao ecomunitarismo. São Leopoldo: Unisinos, 2003. LOUREIRO, Carlos F. B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São

Paulo: Cortez, 2004. ____________. Educação Ambiental Transformadora. In LAYRARGUES, Philippe

Pomier (org.). Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: MMA, 2004.

____________. Sustentabilidade e Educação: um olhar da ecologia política. São Paulo: Cortez, 2012. MEIRA, Marly Ribeiro. Filosofia da Criação: reflexões sobre o sentido do sensível.

Porto Alegre: Mediação, 2003. MINAYO, Maria C. de Souza. O desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. São Paulo: Hucitec, 2006.

MINAYO, Maria C. de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2010. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2008.

PERALTA CASTELL, Cleusa Helena Guaita. Metaforizando a vida na terra: um recorte sobre o caráter pedagógico do Teatro-Fórum e sua mediação nos processos de transição agroecológica e cooperação em Rio Grande-RS. Porto

Alegre, 2007. Tese [Doutorado em Educação] – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/8964/000592269.pdf?sequence=1

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Teatro Fórum: uma metodologia interativa

para a Arte-Educação Ambiental

Cilene Gonçalves Leite43

Andar pelo lugar onde moro me “estesia” (Duarte JR, 2001). Desperta meu lado sensível e me faz refletir, passando por vários de meus sentidos: visão, audição e o olfato.

Há tanto tempo vivo neste lugar que minha trajetória de vida fica entrelaçada aos trajetos que fiz: indo até o ponto de ônibus, visitando amigos, caminhando a passeio, nas descobertas lúdicas da infância.... E estes trajetos estimularam as minhas percepções em relação às transformações deste espaço-moradia e me levou a buscar a história desse bairro e quais foram as suas transformações recentes.

O conjunto habitacional bairro Parque Marinha está situado no município do Rio Grande, sul do RS, junto a estrada Rio Grande-Pelotas(BR-392), entre os Bairro Parque São Pedro e o Parque Residencial Jardim do Sol. Os primeiros moradores receberam suas casas em 16 de março de 198444, quando foram entregues 3111 casas. É um dos bairros mais populosos da cidade, conforme o Censo oficial realizado em 1991, com uma população em torno de 11.839 habitantes. Atualmente, conforme entrevista realizada com Marcelo Domingues45, estima-se que a população deste bairro esteja em torno de 16 mil habitantes.

De tal forma, o conjunto habitacional Parque Marinha constitui-se como um dos bairros mais populosos da cidade.

43

Arte Educadora, mestre em Educação Ambiental, facilitadora de teatro interativo. Diretora do Grupo de Teatro Interativo Chá de Alecrim. 44

Edição Extra do Jornal Agora de oito de dezembro de 1983. 45

Marcelo Vinicius de La Rocha Domingues possui graduação em Licenciatura Em Geografia é professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande. Tem experiência na área de Geografia , com ênfase em Geografia Humana.

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Foi projetado para atender a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento do setor secundário na cidade, principalmente da zona portuária, sendo projetado com plantas padronizadas. Contudo o município não alcançou o desenvolvimento desejado, assim o bairro acabou exercendo um outro papel, abrigando diferentes camadas populares atuantes nos diversos setores econômicos.

Porém o Parque Marinha não era um lugar pronto, foi construído pelo homem para atender a esse imperativo de cidade que esse possui, e as necessidades muitas vezes ampliam-se. E aqueles que moravam ali tiveram filhos, que cresceram e o espaço começou a ampliar-se. Porém, sem políticas públicas que dessem conta desse crescimento, os lotes livres (áreas ainda não habitadas) começaram a ser ocupados, o que acabou mudando a configuração e as necessidades do bairro.

Cabe neste momento então, elucidar como ocorreu o processo de ocupação (Rodrigues,2002). Com o apoio do MNLM46, a demarcação de terrenos foi feita durante a madrugada, tática que evitou o confronto com a polícia, a fim de facilitar a ocupação.

Inicialmente surgiram pequenas casas, com apenas uma peça, e em seguida, quando a permanência era concretizada, eram construídos outros cômodos. As moradias eram feitas através de mutirões e auto-construção, especialmente aos finais de semana, com a ajuda de parentes, amigos e vizinhos, em condições inicialmente precárias, mas que, com o passar do tempo, foram organizados como moradia. Contudo, as obras acabaram sendo tratadas como ilegais, visto que os moradores não possuem registro do imóvel (o que progressivamente está sendo regularizado) e também por elas não obedecerem a uma lógica social – capitalista – determinante, a partir da qual, moradia é o lugar pelo qual o os

46

Movimento Nacional de Luta pela Moradia.

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consumidores pagam para possuir. Também não obedeciam ao modelo habitacional do bairro, sendo então, as ocupações contraventoras a essa sistemática, interpretadas como irregulares, informais, feias, pois não seguem o padrão estético que é imposto pelo controle do governo, no que se considera e se determina – social, histórica, cultural e economicamente – que deva ser uma moradia popular, de baixa renda.

Passos & Sato (2002) afirmam que não há como discernir o humano da estética. A estética define nosso rosto e nossa identidade. É o pão diário de nossa existência e nela o conteúdo traveste-se na incisividade das formas. A forma que vemos nas construções, nos mostra um problema social, e ao mesmo tempo, uma nova alternativa estética, uma ruptura com padrões estereotipados de forma.

Dentre as dificuldades47 encontradas no Parque Marinha podem-se destacar: Estação de Tratamento de Esgoto localizada no interior do bairro e na sua adjacência, que libera mau cheiro e contribuiu para a proliferação de mosquitos.

Esse me parece que é grande problema ambiental, que desvaloriza o patrimônio das pessoas, fora o incomodo de mau cheiro e mosquitos. Isso tudo joga contra a imagem do bairro, portanto joga a auto estima da comunidade. (Marcelo Domingues, 2009)

Enfim, um estudo sobre esse grupo está diretamente ligado a Educação Ambiental48, definida por Loureiro (2003) sendo aquela com o propósito assimilar a perspectiva dos sujeitos sociais excluídos, não reforçando a desigualdade de classes, mas, através do reconhecimento de que elas existem, estabelecer uma E.A. plena, contextualizada e crítica que evidencie os problemas estruturais e as causas básicas do baixo padrão qualitativo da vida que levamos (Loureiro, 2003).

47

Estas problemáticas foram abordadas no questionário aplicado ao grupo-sujeito. 48

Daqui em diante, E.A.

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A relação das problemáticas do bairro com a E.A. está na crença em uma Educação Ambiental Emancipatória, crítica da realidade, que se propõe não só à denúncia, mas, ao anúncio de novas possibilidades de vida em sociedade, como: respeito, ética, melhor distribuição de renda, educação pública de qualidade, cidadania, participação social, enfim, uma sociedade com justiça e eqüidade social, que se contrapõe ao modelo capitalista de ver o mundo, segregando o espaço natural do espaço social. Além disso, este trabalho não pretende dicotomizar Educação Ambiental Formal, aquela praticada em instituições reconhecidas, e a Educação Ambiental Não-Formal, aquela que busca sistematizações de processos grupais participativos, geradores de conscientização.

Como forma de sustentar esse pensamento, encontramos em Loureiro, a definição para uma E.A. de caráter emancipatório, como sendo aquela em que: possui um conteúdo emancipatório, em que a dialética entre

forma e conteúdo se realiza de tal maneira que as alterações

da atividade humana, vinculadas ao fazer educativo, impliquem

mudanças individuais e coletivas, locais e globais, estruturais e

conjunturais, econômicas e culturais. (LOUREIRO, 2004, p.

89).

Assim, a E.A. representa uma possibilidade de intervenção no mundo, de transformação da realidade sócio – histórica, não estando separada de uma educação política, conforme nos coloca Freire:

Uma tal separação entre educação e política, ingênua

ou astutamente feita, enfatizemos, não é apenas irreal, mas

perigosa. Pensar a educação independentemente do poder que

a constitui, desgarrá-la da realidade concreta que se forja, nos

leva a uma das seguintes conseqüências. De um lado reduzi-la

a um mundo de valores e ideais abstratos, que o

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pedagogo[educador ambiental] constrói no interior de sua

consciência, sem querer perceber os condicionamentos que o

fazem pensar assim; de outro, convertê-la num repertório de

técnicas comportamentais. Ou ainda, tomar a educação como

alavanca de transformação da realidade. (Freire, 1982, p.146)

Ainda seguindo por Loureiro (2004) entendo a E.A. como uma educação que propõe a transformação social que tem no diálogo crítico com a tradição dialética um ponto fundamental, e na pedagogia libertadora seu registro. E no entendimento de Loureiro (2004) E.A.,antes de tudo, é educação.

E como cada um de nós percebe concebe a E.A. ou a dimensão ambiental da educação?

No levante dessas problemáticas, pergunto, como a minha experiência em Teatro do Oprimido poderia ser válida para essa comunidade onde moro? Poderia um método estético ser transformado em um método de pesquisa para a Educação Ambiental? Poderia ainda ajudar a compreender o lugar onde moro e colaborar com soluções para problemáticas ambientais? São essas as questões que busco responder, olhando para o lugar onde moro. E comecei a recordar todas as performances realizadas com o grupo Clowndestino e Chá de Alecrim49 voltadas para a temática ambiental. A vertente metodológica na qual me insiro, portanto, parte de um conceito comum ao meu grupo de pesquisa, a arte-educação ambiental50. A partir da minha formação de arte-educadora, pude interagir interdisciplinarmente com o campo amplo da

49

Para saber mais sobre o grupo ClownDestino e Chá de Alecrim ver o artigo “O efeito

dos jogos teatrais propostos por Augusto Boal: Quando as metodologias de pesquisa se refletem no cotidiano” neste livro. 50

O construto interdisciplinar arte-educação ambiental está presente na minha

dissertação de Mestrado (LEITE, 2009).

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E.A., movida pela minha experiência antecedente em projetos de pesquisa interdisciplinares51.

E como o teatro pode entrar nessa história? Ele pode entrar através do Teatro Fórum52, que é uma das linguagens do Teatro do Oprimido e foi sistematizado por Augusto Boal53(1980, 1983, 2004, 2005). Nesta proposta o teatro é tomado como uma ferramenta de libertação através de denúncias, um meio de transformação subjetiva, pois para o Teatro do Oprimido o teatro seria um meio privilegiado para descobrirmos quem somos, uma vez que ao criamos imagens representamos os nossos desejos.

Além disso, é um teatro interativo: o espectador/espectator entra em cena para contar sua vivencia. No Teatro do Oprimido. o espectador é um elemento ativo, protagonista do espetáculo. É também um meio de intervenção política e social, buscando formas estéticas (BOAL, 1980) de problematizar o cotidiano e de interagir no mundo.

Especificamente o T.F. é uma encenação sobre temas diversos, relacionado com um problema existente em uma comunidade e o oprimido fracassa; o público é convidado pelo Curinga54 a entrar em cena, substituir o protagonista e buscar alternativas para o problema encenado.

51

Principalmente, o Projeto Utopias Concretizáveis Interculturais, coordenado pela

Profª Dra. Cleusa Peralta-Castell e colaboradores (FURG,1987-2002), como fruto de

uma cooperação internacional entre a Universidade Federal do Rio Grande – DLA/FURG, Brasil e o Instituto de Pedagogia das Ciências Naturais – IPN, Universidade de Kiel, Alemanha. 52

Daqui em diante T.F. 53

Augusto Boal foi um dramaturgo, diretor, produtor teatral e escritor, natural da cidade

do Rio de Janeiro e criador do Teatro do Oprimido,que é uma forma de se fazer teatro em favor da população que sofre algum tipo de opressão. (BRASIL DE FATO, apud

PERALTA CASTELL, 2007, p 39) 54

E para realizar essa interposição entre realidade e ficção existe a figura do Curinga

(Boal 1980, 1983, 2004), que é o mediador entre os espectatores e os atores. O

Curinga pode ser, a principio, comparado a um apresentador que orienta como o público deve proceder para realizar uma intervenção. Contudo seu papel extrapola essa função, pois cabe também ao Curinga o convite ao espectator para tornar-se

protagonista da ação, além de realizar a condução dessas intervenções, permitindo entrada e saída dos espectatores da cena.

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De acordo com o dramaturgo o T.O. é um teatro que encontra o limite entre a ficção e a realidade (Boal, 1980), pois simultaneamente é ficção e realidade. Esse limite só é possível por causa do método de aplicação do T.O., visto que este toma a realidade para a criação de uma performance fictícia, ensaiando textos, preparando personagens diálogos e movimentos, e a devolve ao espectator como realidade

novamente, pois a performance recria a realidade através da intervenção do público.

Assim, para aplicação do método do T.F. a pesquisa na comunidade do bairro Parque Marinha – Rio Grande/RS, primeiramente rememorou a história do bairro com a pesquisa bibliográfica, e através de entrevistas com moradores e um especialista55 descobrir quais eram os problemas ambientais do local. O trabalho também foi realizado junto ao grupo Chá de Alecrim, que foi o executor do fórum: “Bom Ar! Um aroma que engana!”

O resultado inicial foi obtido a partir da análise categorial de três categorias: emancipação, poluição socioambiental e opressão.

Com esse resultado, compreendi quais eram os problemas ambientais da comunidade. Com os problemas definidos, construí um fórum: “Bom Ar! O Aroma que engana!”, baseado nos arquétipos das pessoas que foram entrevistadas.

Os sujeitos de pesquisa deste trabalho foram os moradores do bairro Parque Marinha, selecionados para fazerem parte da pesquisa.

Como colaboradores foram escolhidos dois consultores. Marcelo Domingues foi escolhido para esclarecer quais seriam as problemáticas ambientais; e Carolina Peralta Flores, consultora teatral por ser curinga, criadora de fóruns, multiplicadora da metodologia e diretora dos grupos: Clowndestino e Chá de Alecrim.

55

Integrante do Conselho de Defesa do Meio Ambiente do Município

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O grupo Chá de Alecrim foi escolhido como equipe executora do antemodelo brasileiro, levando em conta sua experiência em replicar e adaptar outros antemodelos.

Sendo mais clara, para realizar o fórum, precisei utilizar um método que consistiu nas seguintes etapas:

Pesquisa antecedente:

Trata de toda a pesquisa anterior em teatro, minha experiência com o grupo Clowndestino e Chá de Alecrim e as análises do local, bairro Parque Marinha.

Falo dessa pesquisa antecedente baseada em Barcelos (2005), pois a temática escolhida nada mais é do que um problema antigo que percebido após um processo de análise. Iniciou com o desagrado do aspecto visual do bairro que levou a uma investigação que apontou o mau cheio, e a proliferação de mosquitos, causados pela Estação de Tratamento de Esgoto.

Baseada em recordações pessoais e recordações dos entrevistados, busquei uma reconstituição de como era o bairro Parque Marinha e as mudanças que me motivaram a criar a performance de teatro analisada neste trabalho.

Com a ajuda dos estudos de Bosi (1983) percebi que a história contada pelos sujeitos56, não é apenas uma mera repetição dos acontecimentos, é uma reflexão, uma compreensão do presente. Ao tomar minhas memórias e dos sujeitos de pesquisa, como pesquisa antecedente, abordo uma memória de caráter pessoal, familiar, grupal e social.

É aí que se situa minha pesquisa antecedente. A análise das vivências que passaram despercebidas, ao menos por mim, sobre o local onde resido, mas que em um

56

A autora refere-se a histórias contadas por pessoas mais velhas, defendendo a função social do velho na propagação de acontecimentos antigos. Porém, contaminada pela autora, analisei relatos de sujeitos de várias faixas etárias, que contam acontecimentos recentes, de acordo com suas percepções.

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determinado momento houve um despertar, e que serviu de impulso para o começo deste trabalho.

Pesquisa exploratória:

Essa etapa subsidiou o levantamento das questões de fundo que cercam os grupos-sujeito de pesquisa e que merecem um aprofundamento teórico e uma apurada observação. As pesquisas exploratórias, segundo Gil (1999) visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo.

A pesquisa exploratória serviu para o levantamento de questões de fundo e ainda com a finalidade básica de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias para a formulação de abordagens posteriores, visando proporcionar um maior conhecimento acerca do assunto, a fim de que eu possa formular problemas mais precisos ou criar novas hipóteses.

Pesquisa bibliográfica:

A pesquisa bibliográfica ocorreu ao longo de toda a pesquisa e serviu de subsidio tanto para os referenciais bibliográficos quanto para a metodologia aplicada.

Encontros e entrevistas:

Uma das etapas foi a aplicação de um questionário para coleta de dados através de entrevistas reflexivas que supõe um encontro interpessoal que inclui a subjetividade dos protagonistas (Szymanski & Yunes, 2005). O método consiste em o entrevistado refletir sua narrativa, ouvindo e avaliando a reflexão do entrevistador.

Essa metodologia foi escolhida tendo em vista que o pesquisador já está inserido no ambiente/contexto a ser investigado.

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As questões foram divididas pelos seguintes temas: 1- Compreensão da razão de escolha do bairro Parque Marinha como local de residência; 2- Análise das mudanças mais significativas que ocorreram no bairro em relação às problemáticas ambientais; 3- Verificação da existência de políticas públicas que amparem as problemáticas ambientais existentes no Parque Marinha.

Essas narrativas que surgiram a partir das entrevistas foram analisadas as narrativas para a criação de antemodelo (esquete) e para balizar os resultados da investigação.

Análise dos dados e Análise Categorial:

A análise dos dados foi realizada a partir de três categorias: poluição socioambiental, emancipação e opressão e em dois momentos: durante as entrevistas e após a realização do T.F.

As categorias foram analisadas antes da criação do fórum, a partir das entrevistas realizadas com a comunidade, e após a performance, quando o grupo entrou em cena e realizou as intervenções para a solução da problemática proposta.

Com a análise dessas categorias foi possível a criação de quatro papéis: a moradora Ieda, que tem problemas com a poluição provocadas pela Fedilll57 e o fiscal da prefeitura Roberval, os quais personificam os conflitos existentes entre o poder público e os moradores da localidade; O personagem Sérgio representa a Universidade e seu caráter de pesquisa, porém não extensionista, visto que muitas pesquisas podem ser realizadas sobre impactos ambientais (não somente referente ao bairro Parque Marinha), mas poucas se aproximam das comunidades, e, por último, o personagem

57

Nome fictício dado para uma estação de tratamento de esgotos que apresenta como um dos problemas de poluição o mau cheiro liberado, devido a processos químicos de tratamento do esgoto. O nome Fedilll foi escolhido por ter uma sonoridade sugestiva.

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João, que participa da associação de moradores, mas não se encontra a par das problemáticas do local.

Roteiro resumido: Ieda chega mais cedo na associação de moradores para organizar e limpar a sala onde será realizada a palestra do professor Sérgio. Junto com ela chega João, que participa da associação. João reclama do mau cheiro do local, porém não compreende que esse cheiro vem da estação de tratamento Fedilll, culpando primeiramente Ieda e depois os cachorros da rua, que estariam fedendo. Chega Sérgio, professor universitário, que foi até a associação ministrar uma palestra sobre hortas urbanas. Sérgio também sente o cheiro e explica, de maneira científica, para os dois moradores, que o odor vem é da Fedilll.Sérgio acaba sendo interrompido por Roberval, fiscal da prefeitura, que foi até o local entregar uma notificação de multa para Ieda. Neste momento o curinga congela a cena dizendo STOP! e expõe ao público a tensão existente em cena. Assim o curinga pede para recomeçar a performance para que o público possa realizar as intervenções.

De tal maneira, foi necessário encontrar as intersecções entre o método estético do T.O. e E. A., portanto a vertente da educação ambiental emancipatória com educação estética, pois ambas buscam a problematização e a desacomodação em relação a estereótipos.

Como resultado da pesquisa houve a criação de um antemodelo que foi performatizado junto ao grupo Chá de Alecrim. Ao longo desse processo percebi a relevância do Teatro do Oprimido, através do T.F. para a E.A..

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REFERÊNCIAS BARCELOS, V. Navegando e traçando mapas: uma contribuição à pesquisa m educação ambiental. In: GALIAZZI, M.C.& FREITAS, J.V.(orgs) Metodologias emergentes de pesquisa em educação ambiental. Ijuí: Unijuí, 2005. BOAL, A. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

_____. Teatro do Oprimido e outras poéticas politicas. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1983. _____. Stop: C’est Magique. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1980.

BOSI, E. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994. DUARTE Jr., J. F. O sentido dos sentidos - a educação do sensível. Curitiba: Criar,

2001. FREIRE, Paulo. Ação cultural para liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1982. LEITE, C.G. Ambiente performático: a contribuição do teatro fórum como metodologia mediadora na Educação Ambiental Rio Grande, RS, 2009. Dissertação [Mestrado em

Educação Ambiental] - Universidade Federal do Rio Grande.

LOUREIRO, C. F. B. _____. Premissas teóricas para uma educação ambiental transformadora. In: Ambiente & Educação – Revista de Educação Ambiental da FURG,

v.8, Rio Grande: Editora da FURG, 2003.

_____. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2004. PASSOS, L.A.& SATO, M. Estética da carta da terra: pelo prazer de (na tensividade) com-viver com a diversidade!. In: RUCHEINSKY, A.(org). Educação Ambiental:

abordagens múltiplas.Porto Alegre: Artmed, 2002. PERALTA CATELL, C. H. G. Metaforizando a vida na terra: um recorte sobre o caráter pedagógico do Teatro-Fórum e sua mediação nos processos de transição

agroecológica e cooperação em Rio Grande/RS. Porto Alegre, 2007. Tese [Doutorado

em Educação] - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. RODRIGUESS, E. F. A construção de um espaço-moradia popular na cidade do Rio Grande: o bairro Parque Marinha. In: BIBLOS – Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, v.14, Rio grande: Editora da Furg, 2002.

SZYMANSKI, H. & YUNES, M.A.M. Grounded-theory & entrevista reflexiva: uma

associação de estratégias metodológicas qualitativas para a compreensão da

resiliência em famílias. In: GALIAZZI, M.C.& FREITAS, J.V.(orgs) Metodologias

emergentes de pesquisa em educação ambiental. Ijuí: Unijuí, 2005.

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O efeito dos jogos teatrais propostos por Augusto Boal: Quando as metodologias de

pesquisa se refletem no cotidiano

Carolina Peralta Flores58

Cláudio Rossano Trindade Trindade

59

Cleusa Peralta Castell60

Nem precisa ser ator para fazer teatro. Augusto Boal61 defendia esta ideia e seus exercícios tornaram isto possível. O efeito dos jogos teatrais propostos por Augusto Boal (1982) se reflete em cena e no cotidiano de quem teve a oportunidade de jogar. Segundo Boal, o Teatro do Oprimido (T.O.) é uma forma de se fazer teatro em favor da população que sofre algum tipo de opressão. Boal nos revela a atmosfera que envolveu a criação dessa linguagem, lembrando que

em 1970 [ ] a gente não podia mais fazer teatro, tinha censura, invasão da polícia, prisões e tudo. Aí a gente falou: em vez de dar o produto acabado, vamos dar os meios de produção, a plateia produz o seu teatro (BOAL, 2003-2004).

Assim, Augusto Boal criou o que chama de método estético, que sistematiza exercícios, jogos e técnicas teatrais que objetivam a desmecanização física e intelectual de seus

praticantes e a democratização do teatro, além de estabelecer

58

Pedagoga, facilitadora de teatro interativo. Diretora do Grupo de Teatro Interativo

Chá de Alecrim. 59

Biólogo, Mestre em Biologia de Ambientes Aquáticos Continentais. Integrante do Grupo de Teatro Interativo Chá de Alecrim. 60

Arte-educadora e educadora ambiental. Doutora em Educação. 61

Dramaturgo, diretor, produtor teatral e escritor, Augusto Boal é natural da cidade do Rio de Janeiro e criador do T.O.,

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uma comunicação direta, ativa e propositiva (BOAL, 1983). Dessa modalidade deriva o Teatro Fórum62, um espetáculo baseado na participação direta do público, que confronta opressores e oprimidos e também o Teatro do Invisível, uma atuação junto ao público que não percebe que o ator está representando algo fictício e confunde esta atuação com a realidade.

Em nossa vivência como multiplicadores(as) das técnicas de T.O. com atores, atrizes e não atores, ouvimos muitos relatos de reflexões e atitudes sobre a desopressão de si mesmo. Tais relatos e atitudes são os mais diversos, pessoas que entraram em cena para desabafar – se perdendo do foco do fórum, gente encenando sua própria vida em fórum – como um espelho do problema proposto em cena. Houve atriz que aprendeu a lidar com a Chefe, a partir da práxis metodológica, não ator que hoje é ator amador de teatro interativo. Muitas histórias nos fizeram pensar sobre a eficácia dos exercícios de teatro interativo na vida de pessoas. Apenas pessoas.

O trabalho de Boal (1982), ao sistematizar um repertório de exercícios corporais e técnicas de interação dos grupos em torno de significados políticos, facilitou, sobremaneira, o trabalho de mediação feito pelos artistas e encurtou o caminho entre estes e o público. Por isso, consideramos o T.O. de Boal (1980), para além de uma metodologia de teatro, um instrumento de trabalho social.

Longe de pretender, neste trabalho, abordar os desdobramentos das modalidades de T.O., passamos a recortar alguns momentos de nossa imersão nesta vertente, destacando a perspectiva pós-moderna na qual arte e vida se interpenetram e criam elos importantes com nosso cotidiano. Desnecessário dizer das reverberações destas vivências na

62

De acordo com a publicação Metaxis (2001) do Centro do T.O. – CTO, Rio de

Janeiro.

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trajetória dos envolvidos sejam atores, atrizes ou protagonistas de sua própria história, espelhadas nas performances.

Iniciamos nossa caminhada, ministrando cursos e mediando vivências junto a programas de pesquisa e extensão da Universidade Federal de Rio Grande.63 Como metodologia de pesquisa, propugnamos, com os exercícios de Teatro Fórum, que qualquer pessoa poderia fazer teatro como um elemento para buscar a sua desopressão. Foi um desafio no sentido de buscar “mudar o mundo”, pelo menos, o nosso mundo restrito às atividades acadêmicas, que pouco a pouco foi ganhando espaço para o mundo urbano.

Este trabalho exigiu muito da corporeidade, da disciplina, de te colocar para fazer os exercícios, de permanecer dentro do jogo. Tu estas ali pra jogar, para fazer as experiências, tu acabas te percebendo melhor, porque a nossa aposta é de que quando o corpo começa a trabalhar, começa a produzir, nem sempre o intelecto responde imediatamente.

Um exercício simples de troca de peso, do jogo, ora opressor, ora oprimido, coloca o teu corpo a praticar essas teorias, de que tudo tem dois lados, de que nunca é uma pessoa só que tem a razão, mas que todos têm os seus motivos e que muito provavelmente o nosso opressor também é oprimido.

Então, através desses exercícios de teatro (BOAL,1982), acompanhamos processos de pessoas se soltando mais, se conhecendo melhor e tendo mais paciência consigo mesmas. Assim, para mudar o nosso pequeno mundo, descobrimos na prática, que poderíamos tentar mudar a nós mesmos. Aprendemos a jogar no coletivo, para além da Universidade, criando e organizando grupos para trabalhar nos projetos de pesquisa e extensão.

63

Curso Formação em Teatro Fórum promovido pelo Programa TEIAS e pelo Grupo de Teatro Interativo Chá de Alecrim ambos vinculados à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Rio Grande, RS.

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A metodologia de pesquisa consistia, justamente, em conhecer a realidade a partir da qual trabalharíamos. Os(as) multiplicadores(as) – os atores e atrizes – deveriam ir a campo, pesquisar nessa comunidade, falar com moradores, de acordo com quem nos pede este trabalho, para saber qual é o lado que eles querem trabalhar. A seguir, ver quais são as questões que eles querem discutir. Depois, se for possível, também, fazer a pesquisa com o outro lado, com aquele que está supostamente oprimindo determinada comunidade, para buscar os dois lados, construindo um argumento, um diálogo para fazer um antemodelo (esquete) de Teatro Fórum, uma provocação para que eles criem propostas inovadoras em relação ao próprio cotidiano.

O que consideramos inovação em termos de pesquisa, é que não vamos a campo levar um questionário para ser respondido, mas interagir com as comunidades com o foco no ambiente, questões da própria sobrevivência, da saúde pessoal e ambiental. Também trabalhamos na flexão dialética entre ambiente e cultura, na base conceitual do construto transdisciplinar arte-educação ambiental, para problematizar o

cotidiano daquelas pessoas. Em que momento vimos esse cotidiano acontecer no teatro?

Um momento marcante para a multiplicadora e curinga Carolina, foi o caso de um ator que não conseguia representar o papel do oprimido. Então ele criou uma cena que o oprimia, mas que acontecia com terceiros, sobre a situação dos velhinhos que não têm prioridade numa sala de espera de hospital. Mas perguntado sobre o que o oprimia, não conseguia responder essa questão, ele não conseguia fazer esse contato. Então lhe foi sugerido que apresentasse essa cena, mesmo sem ser o protagonista da opressão, para ver se ele conseguia fazer esse contato. Assim, criou-se uma situação em que o protagonista não era o oprimido da cena, era oprimido pelo coletivo.

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Assim, a metodologia propicia, em alguns momentos, que o ator e a atriz se coloquem no centro do antagonismo opressor e oprimido, para que ele possa acessar, num ambiente controlado, uma atuação-reação, experimentar o ficar de pé, experimentar o olhar de novo, o olhar agora com os olhos do próprio opressor, o que o opressor sentia naquele momento.

Criava-se, então, uma possibilidade de vivenciarmos papéis opostos e complementares, não no sentido psicológico de resolução de problemas, mas de identificação de potencialidades para os atores, atrizes e espectatores, como

Augusto Boal costumava chamar o próprio público, na medida em que a interatividade proposta, instigava a todos(as) à sair da passividade.

Às vezes, alguns exercícios se parecem ou te lembram alguma coisa do Psicodrama (MORENO, 1972), que não está diretamente relacionado aos jogos do T.O.. Entretanto, em muitos momentos o aspecto terapêutico dos jogos se evidencia, porque o educando está em processo. Na medida em que ele vai vivenciando os jogos, ao mesmo tempo, vai ampliando o seu processo interno em relação à arte da representação centrada no processo de “fisicalização”. Stanislawski (2002) propunha que a realidade só pode ser “física” – fisicalizar está em oposição a uma abordagem intelectual e meramente psicológica. Então essa questão desse aluno nos chamou a atenção por ele não saber o que era a própria opressão, o que o oprimia.

Outro relato que chamou a atenção, de que realmente o trabalho funciona do indivíduo para o coletivo, foi feito por um grupo da Enfermagem. Depois de fazer o jogo do opressor versus oprimido no mesmo curso de formação, contaram que haviam aplicado o exercício numa reunião com a chefia. Após aceitarem passivamente uma preleção, depois que a Chefe vira as costas e sai da sala de reunião, esse grupo vai para o banheiro e vira o jogo! Então elas fizeram a primeira parte,

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como no ambiente controlado, o oprimido aceitando toda a ação do opressor, mas, em seguida, no banheiro, enfrentaram a Chefe, criando um Teatro Fórum. Disseram que ela não prestava atenção no trabalho feito, que ela estava errada e então viraram o jogo com a resposta que ela não ouviu. E como quase todo o final de exercício que fazíamos, o jogo acabou com boas risadas para fazer essa dor passar. Então com esse retorno, constatamos que é possível estar falando de questões bem sérias, de hierarquia, de relações de poder, enfim, e preparar-se para lidar com uma Chefe de carne e osso!

Outros casos nos chamaram igualmente muita atenção, já na segunda formação do Grupo de Teatro Chá de Alecrim, pela dialética arte e vida. Por exemplo, um dos educandos-atores era especialmente tímido, mas apresentava grande potencial, muita gana pelo resultado do trabalho, ainda mais do que pelo processo. Mas sabíamos que ele só poderia dar continuidade à sua formação se passasse pelo processo dos jogos. Ele acompanhou todos os jogos, fez todos os exercícios, mas a experiência marcante ainda estaria por vir. O próprio ator, Cláudio, nos conta que:

Na tarde de 16 de março de 2010, nas comemorações do Dia Internacional do T.O., realizamos uma atividade no calçadão da cidade do Rio Grande.

Para contar essa história é preciso voltar um pouco no tempo, pois, os fatos e acontecimentos desta tarde têm uma relação direta com nosso processo de aprendizagem e vivências com o teatro interativo e com os jogos e praticas do T.O.

Em 2009 participamos do curso Formação em Teatro Fórum. Após este curso e algumas experiências com o teatro interativo, iniciamos uma busca por informações sobre Boal e descobrimos que no dia do seu aniversário, comemorava-se o Dia Internacional do T.O. e que grupos do mundo inteiro

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homenageariam Boal e sua obra com os mais variados tipos de manifestações.

Organizamos a atividade que chamamos de “Um Chá para Boal”64, a partir da qual estavam previstas a divulgação do T.O. e as ações do grupo do Chá de Alecrim, bem como realizar entrevistas com os transeuntes a respeito de nossa pergunta de pesquisa: “_O que te oprime?”

Durante o processo de criação desse evento, assistimos a uma entrevista de Boal65, de quando havia sido indicado para o Nobel da Paz. Nessa entrevista, Boal, questionado de como gostaria de ser lembrado, respondeu: “Eu quero ser lembrado na prática do T.O.”, e falou também da facilidade de empregá-lo em qualquer situação, como por exemplo, o Teatro do Invisível, “que o fizera para cinco pessoas no elevador de um prédio ou para mais de mil como em Calcutá, na Índia”.

Assim, foram surgindo alternativas para nosso evento até que visualizamos uma forma de homenagear a todos, praticando o Teatro do Invisível.

Chegamos à conclusão de que praticarmos um invisível na rua como estávamos propondo, sem ser descobertos pelo próprio grupo de teatro, era uma tarefa quase impossível. Foi quando pensamos no mendigo, o único ser humano que vaga pelas ruas das cidades que é pouco notado. Incorporar o mendigo seria a maneira ideal de homenagear a todos, inclusive Boal, “que queria a pratica”.

Foi assistindo seus vídeos que percebemos em sua fala que sua obra havia sido criada sem a pretensão de ser tão grande e importante quanto é, mas com a intenção de surtir

64

Acampamento no Largo Doutor Pio, no calçadão do centro de Rio Grande, RS. Neste local, o Grupo de Teatro Interativo Chá de Alecrim havia montado uma instalação de arte com lona preta com textos de Augusto Boal. Ofereciam chá de alecrim à população e entrevistavam os transeuntes sobre a pergunta de pesquisa. 65

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=dsIa0B_eVIs&feature=relmfu. Acesso em: 17/09/2012.

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efeitos de acordo com as circunstâncias que oprimiam a liberdade do ser humano.

Ninguém do grupo sabia desta intervenção, seria uma surpresa para todos. Inicialmente pretendíamos interagir com o grupo e com as pessoas no local onde estávamos realizando a homenagem para Boal, tudo muito de improviso, pois, o desenrolar dessa história seria conduzido pelas reações do público durante as intervenções. Como acompanhante dessa imersão, levamos nossa vira-lata Kenna.

Ao chegarmos ao local nos dirigimos à instalação “Um Chá para Boal” para o primeiro teste. Assim, em silêncio confrontamos o mendigo com nosso grupo de teatro, o “povo mais culto” que, para nossa surpresa, ignorou o mendigo. Ficamos perplexos, pois, aquele grupo estava treinado para lidar com este tipo situação. Essa foi a aprovação para continuação da atuação. A partir deste momento a tensão de ator iniciante deu lugar à descontração, começava então o jogo.

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Na medida em que, o mendigo e Kenna, perambulávamos pelo calçadão da cidade, fomos pedindo comida, dinheiro, sentamos ao lado de pessoas, tentamos entrar na igreja e lojas. Todas estas ações foram negadas e algumas repudiadas. Contraditoriamente, percebíamos que o mendigo, esse ser invisível da sociedade, trazia na sua imagem desfigurada, suja, esfarrapada, e em suas ações a figura do opressor que causava desconforto para alguns.

Percebíamos também, que a cada tentativa de interação com os espectadores oprimidos pela situação, ocorria uma espécie de transformação muito rápida que fazia com que suas reações mudassem de oprimido para opressor. Assim, solitariamente, fomos experimentado essa mistura de opressor e oprimido ao longo do calçadão. Como mendigo, assistíamos sem ser notados, agíamos de acordo com as circunstâncias, oprimíamos e éramos oprimidos.

Durante as intervenções com o público fomos dando vida ao mendigo, através das emoções e percepções sentidas a cada interação. O fato de estarmos praticando a técnica do “Invisível”, embora não seja tão fácil quanto pareça, supria nossa inexperiência como ator e nos exonerava de uma atuação implacável e perfeita. Acreditamos que um ator treinado conduziria a situações de uma maneira diferente, talvez com mais frieza e com métodos aprimorados. Por outro lado, “incentivados por Boal”, sentíamos a cada troca com público o gosto pelo jogo e descobríamos o T.O., vivenciando o opressor e o oprimido na pele do mendigo em um espaço real.

Ao interagirmos com o povo na rua, tivemos a oportunidade de vivenciar emoções extremas de uma única vez e, assim, sentir na prática o poder do opressor e a fragilidade do oprimido. Sem pretensões, esperamos que Boal tenha gostado.

Após esse relato de Cláudio, é possível perceber esses estremecimentos iniciais de desopressão, com a consciência de que o primeiro movimento tem que vir de quem está em

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maior dificuldade. Assim, aprendemos em Teatro Fórum e Teatro do Invisível, a duras penas, após tentativas frustradas de mudar a imagem real pra imagem ideal, que não é o opressor que vai fazer esse primeiro movimento, ele pode até fazer o último, te libertando. Mas, o primeiro movimento é sempre do mais oprimido, seja no fórum, seja na vida. Não se pode querer um mundo melhor sem começar a fazer os primeiros movimentos. Encontrar um meio termo pra conseguir dar o primeiro passo. Então, uma vez praticados os jogos, o corpo já tomou conhecimento do que ele deve fazer, porque ficar sentindo e não conseguir fazer nenhum movimento para mudar é duro demais.

A formação real já está no teu corpo, já está no teu ser, como no jogo do espelho, até que a gente consiga verdadeiramente se olhar no espelho é muito complicado. Iniciamos, acreditando que é um jogo de imitação, um jogo de mímica, e não é! É um jogo de resposta. O que o mundo te dá,

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como todo mundo te vê quando tu dizes alguma coisa, propõe um gesto agressivo, todos os outros do grupo te retornam a mesma coisa.

É um trabalho para fazer! Interagir nas comunidades e apresentar isso pra todos, seja a comunidade que for. E a gente já sabe que o T.O., ele tem qualquer cenário, qualquer lugar, qualquer ambiente controlado ou não.

Só tem um meio para conseguir a tomada de consciência, que é através dos exercícios.

A partir das três situações de formação em T.O. narradas, a do estudante que não conseguia se colocar no papel de um sujeito oprimido, o das enfermeiras que “viraram o jogo com a Chefe” e, finalmente, a do integrante do nosso grupo que incorporou o Mendigo, pensamos na importância dos jogos teatrais propostos por Boal como mediadores entre a arte e o cotidiano, arte e vida, especialmente nos processos de formação em pesquisa e extensão.

Ao mesmo tempo em que os(as) educandos(as) preparavam-se para jogar com o público, especialmente numa situação de pesquisa: _O que te oprime? (caso do estudante oprimido pelo coletivo, na sala de espera do hospital), faziam desse jogo um ensaio de atuação no mundo real (as enfermeiras), enfrentando seus próprios conflitos (o Mendigo).

Além do Teatro, outros âmbitos da experiência humana se entrecruzaram, dando sentido à corporeidade experienciada, de caráter reparador. “Sendo o homem, como é, multidimensional, cada arte e cada ciência não podem ocupar-se apenas de uma dessas dimensões, que nele estão confundidas”. As diversas abordagens do conhecimento, para Boal, são perspectivas “a partir das quais os seres humanos, multiformes e complexos, podem ser estudados” (BOAL, 1980).

Como no exercício do espelho, estudamo-nos uns aos outros, enfim, relacionamo-nos corpo-a-corpo, criando novos múltiplos espelhos.

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Assim, a prática dos exercícios coloca o sujeito para pensar em grupo e atuar no coletivo. Como nos ensinou Augusto Boal, o T.O. pode ser usado como uma arma, porque é capaz de libertar.

Passados mais de quarenta anos de sua criação, o T.O. tornou-se um dos métodos teatrais mais difundidos e praticados no mundo, talvez porque essas modalidades de T.O. auxiliam seus protagonistas a ensaiarem situações futuras

na resolução de conflitos e dilemas, sem, contudo, perder seu caráter virtuoso de linguagem de teatro, capaz de recriar e metaforizar o nosso cotidiano, rindo muito para fazer a dor passar.

Referências

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_____. Teatro do Oprimido. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. _____. Entrevista com Augusto Boal. Teoria e Debate, n. 56, dez. 2003-jan. 2004.

Entrevista concedida a Rose Spina e Walnice Galvão. _____. Entrevista com Augusto Boal. Metaxis – A Revista do Teatro do Oprimido, CTO-

Rio, ano 1, n. 1, dez. 2001. MORENO, Jacob. Psicodrama. Buenos Aires: Hormé, 1972.

STANISLAWSKI, Constantin. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 2002.