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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA Jordano Francesco Gagno de Brito Pedro Silva Goldring Soares Robnelson Ribeiro dos Santo Thaine Ribeiro Santos "A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES." VITÓRIA 2015/2
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A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

Feb 16, 2016

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TCC Licenciatura
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Page 1: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE

CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA

Jordano Francesco Gagno de Brito

Pedro Silva Goldring Soares

Robnelson Ribeiro dos Santo

Thaine Ribeiro Santos

"A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES."

VITÓRIA

2015/2

Page 2: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

Jordano Francesco Gagno de Brito

Pedro Silva Goldring Soares

Robnelson Ribeiro dos Santo

Thaine Ribeiro Santos

"A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES."

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao

Departamento de Educação, Política e Sociedade, do

Centro de Educação, da Universidade Federal do

Espírito Santo, como requisito para obtenção do

grau de Licenciado(a) em Geografia.

Orientadora: Prof.ª Dra. Patrícia Gomes Rufino

Andrade

VITÓRIA

2015/2

Page 3: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

Jordano Francesco Gagno de Brito

Pedro Silva Goldring Soares

Robnelson Ribeiro dos Santo

Thaine Ribeiro Santos

EXPERIMENTAÇÃO E ANÁLISE DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA

CARTOGRAFIA COM BASE NO USO DO LIVRO DIDÁTICO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao

Departamento de Educação, Política e Sociedade, do

Centro de Educação, da Universidade Federal do

Espírito Santo, como requisito para obtenção do

grau de licenciado em Geografia.

Aprovado em ______ de ________ de _____.

COMISSÃO AVALIADORA:

________________________________________

Prof.ª Dra. Patrícia G. Rufino Andrade

Universidade Federal do Espírito Santo

(Orientadora)

________________________________________

Prof.ª Dra. Gisele Girardi

Universidade Federal do Espírito Santo

________________________________________

Wagner Scopel Falcão

Universidade Federal do Espírito Santo

Page 4: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Universidade Federal do Espírito Santo, pois foi fundamental para a formação

de degraus importantes para nossa elevação acadêmica, e permitiu a criação de elos e laços

que se tornaram essenciais em nossas vidas;

As Professoras Zenilda Souza Santos Luz e a Geonice Cipriano Carvalho, pela gentileza e

disposição prestada para a coleta de informações que auxiliaram para que este trabalho fosse

realizado;

Ao Professor Fabiano Boscaglia, pelos ensinamentos extraídos de sua conduta profissional, e

principalmente por sua amizade;

Ao Professor Genildo Ronchi, pela prontidão em nos amparar em um momento delicado e de

extrema relevância;

A Professora Dra. Gisele Girardi que despertou em nós diferentes óticas relacionadas à

cartografia, que por fim transformou-se em fonte de inspiração;

A Dra. Maria da Conceição Silva Soares pelo incentivo e pelas valiosas dicas e sugestões;

A todos os nossos amigos e familiares, pelo apoio e compreensão dedicados em cada dia de

nossas vidas, e por se tornarem a base inicial indispensável em toda nossa caminhada, pois

sem ela nada seriamos;

Por nos receber de braços abertos agradecemos as turmas de 6º ano das Escolas Municipais de

Ensino Fundamental Suzette Cuendet, Álvaro de Castro Mattos e em especial a EMEF

Tancredo de Almeida Neves.

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“O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões,

desmontável, reversível, suscetível de receber modificações

constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a

montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um

grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede,

concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou

como uma meditação” (Deleuze e Guattari, 1996).

Page 6: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

RESUMO

Com este estudo, buscamos discutir o uso do livro didático durante o ensino-aprendizagem da

cartografia, partindo da análise da linguagem dos documentos cartográficos do livro didático

como condicionantes do ensino de Geografia. Para isso, pensamos o mapa como um tipo de

apresentação imagética dos elementos naturais, humanos e sociais que, em permanente

interação e mútua afetação, constituem o espaço, informando suas localizações e

características, criando, comunicando e transmitindo conhecimentos. Ao conjunto de estudos

e operações científicas, técnicas e artísticas que orienta a elaboração dos mapas, nós

denominamos cartografia. O ensino da cartografia está presente na escola principalmente por

meio do livro didático, que acompanha o aluno em toda sua trajetória na educação básica, faz-

se presente no cotidiano escolar, tornando-o parte do desenvolvimento intelectual do aluno,

sendo este, em muitos casos, a principal fonte de pesquisa e consulta. Assim, buscamos

identificar possíveis inconsistências e/ou contradições no livro didático, verificar as principais

dificuldades de professores e alunos durante o uso do livro didático para o ensino

aprendizagem da cartografia e experimentar outras possibilidades de ensino e abordagem da

cartografia. Para isso, o trabalho foi organizado em cinco etapas: revisão bibliográfica, breve

perfil das escolas e locais de estudo, entrevistas e discussões, análise dos livros didáticos e

proposta/execução de oficina.

Palavras-chave: Livro Didático, Cartografia Escolar, Oficina.

Page 7: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

2 LINGUAGEM CARTOGRÁFICA 10

2.1 A CARTOGRAFIA E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS 16

2.2 A CARTOGRAFIA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE

VITÓRIA 17

3 CAMINHOS PERCORRIDOS 19

3.1 BREVE PERFIL DAS ESCOLAS E LOCAIS DE ESTUDO 19

3.2 ENTREVISTAS E DISCUSSÕES 21

3.2.1 Entrevista Docente 22

3.2.2 Entrevista Discente 24

3.3 ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO 31

3.3.1 Caracterização Geral 31

3.3.2 Análise do PNLD no Ensino de Geografia 32

3.3.3 Análise dos mapas apresentados nos Livros Didáticos 36

3.3.4 Atividades cartográficas do livro: novos fazeres e olhares para o ensino de geografia

50

4 A CARTOGRAFIA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: PRÁTICA EM OFICINA

PEDAGÓGICA 54

4.1 TEORIA E PRÁTICA POR MEIO DE OFICINAS 54

4.2 A OFICINA 56

4.2.1 Projeção do filme “Piratas do Caribe” e Proposta da Confecção do Mapa Coletivo 57

4.2.2 Aplicação e considerações da segunda etapa 62

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 67

6 REFERÊNCIAS 69

7 APÊNDICES ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.

Page 8: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

8

1 INTRODUÇÃO

A ciência geográfica conta com um conjunto de linguagens para o ensino-aprendizado

dos processos, fenômenos e configurações que constituem o espaço geográfico, em seu

dinamismo e permanente transformação no contexto das múltiplas interações entre natureza e

sociedade e das disputas políticas entre os diferentes grupos sociais. Uma dessas linguagens é

o mapa, que consiste em um tipo de apresentação imagética dos elementos naturais, humanos

e sociais que, em permanente interação e mútua afetação, constituem o espaço, informando

suas localizações e características, criando, comunicando e transmitindo conhecimentos. Se

tomarmos os mapas como escritas sobre o espaço, como um tipo de discurso, podemos pensar

ainda que os mapas produzem os espaços que pretendem representar, ou seja, eles instituem

os modos como vamos percebê-los e compreendê-los. Ao conjunto de estudos e operações

científicas, técnicas e artísticas que orienta a elaboração dos mapas, nós denominamos

cartografia.

O uso dos conceitos cartográficos no ensino da geografia nas escolas vem se tornando,

objeto de investigação e discussão entre professores e pesquisadores, abrindo caminho para

novos estudos relacionados às implicações e desdobramentos da cartografia escolar. Almeida

(apud SEEMANN 2011, p. 37) comenta que “a cartografia escolar vem se estabelecendo na

interface entre cartografia, educação e Geografia”. A autora considera esses três componentes,

mencionados por Almeida, como sendo fundamentais para a formação da cartografia escolar e

ressalta que na sociedade, assim como em nossas vidas, estamos constantemente produzindo

“geografias” e “cartografias” específicas, bem como formas distintas de pensar o espaço, os

lugares, os territórios e as regiões.

Segundo Girardi, (2012) os mapas, assim como outras linguagens, são gestos culturais

que de alguma forma produzem discursos sobre os territórios, os quais podem ser pensados

como um espaço coberto de signos. A geografia seria a grafia desses signos que recobrem o

espaço e produzem sentidos. A interpretação desses signos vai sempre variar de acordo com o

olhar do observador Por isso, entendemos com Harley (2009) que mapas

[...] não são por eles mesmos nem verdadeiros nem falsos. Pela seletividade de seu

conteúdo e por seus símbolos e estilos de representação, os mapas são um meio de

imaginar, articular e estruturar o mundo dos homens. [...] Eles são considerados

imagens que contribuem para o diálogo num mundo socialmente construído (p. 2-3).

Entendemos com Harley (2009), que o mapa produz percepções de mundo que

carregam simbolismos possíveis de serem associados às características geográficas. Mapas

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são, portanto, uma potente linguagem que diz sobre os lugares, as cidades, os países, as

culturais, sobre o espaço e o mundo.

Para pensarmos o trabalho com a cartografia e as propostas necessárias para um

aprendizado inventivo e significativo para os alunos no ensino da geografia na educação

básica, compreendemos, através de Girardi (apud AGUIAR 2011), que a importância do mapa

na geografia reside na sua leitura crítica e problematizadora e não exclusivamente na sua

elaboração técnica, ou seja, entendemos que é preciso investigar maneiras diferentes de

abordar e se apropriar dos mapas visto que é na leitura que a produção de sentidos se realiza.

A linguagem e, especialmente a linguagem cartográfica, pode ser abordada a partir

de diferentes pontos de vista e interpretações, mas partimos do pressuposto de que

um discurso não se limita a transmitir informações porque entre o que se diz no

discurso e o que se lê há uma trama de sentidos bem situada social e historicamente

(AGUIAR, 2009, p. 4).

Sendo assim, com base em nossas experiências durante estágios supervisionados e

com o PIBID (Programa Institucional de Bolsa Iniciação à Docência) em relação às

frequentes contradições e inconsistências durante o ensino de cartografia, à precariedade no

ensino da cartografia como linguagem, à dificuldade de abordagem desta temática, à

valorização de apenas uma possibilidade/temática em detrimento das outras, ao domínio

insuficiente da cartografia por boa parte dos estudantes e à limitação das diversas

possibilidades de usá-la, objetivamos, neste estudo, analisar o uso do livro didático durante o

ensino-aprendizagem da cartografia, partindo da análise da linguagem dos documentos

cartográficos do livro didático como condicionantes do ensino de Geografia. Com esse

propósito, buscamos identificar possíveis inconsistências e/ou contradições no livro didático,

verificar as principais dificuldades de professores e alunos durante o uso do livro didático

para o ensino aprendizagem da cartografia e experimentar outras possibilidades de ensino e

abordagem da cartografia. Para isso, o trabalho foi organizado em basicamente cinco etapas:

revisão bibliográfica, breve perfil das escolas e locais de estudo, entrevistas e discussões,

análise dos livros didáticos e proposta/execução de oficina.

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2 LINGUAGEM CARTOGRÁFICA

Simielli (1997) defende a ideia de que os objetivos das representações dos mapas são

transmitir informações para produção de conhecimento, não se limitando apenas a ser

simplesmente objeto de reprodução. Para Wood e Fels (2008), a noção de mapa deve ser

estendida como construção social ideologicamente carregada para transmitir mensagens

particulares.

Girardi (2014) aponta a linguagem como uma expressão do real, que articula-se com o

pensamento e depende de certas condições. Essa articulação envolve um universo de

significações que expressam e produzem o pensamento. Quando pensamos a linguagem

cartográfica, percebemos que a maior ênfase é dada ao potencial comunicativo do mapa,

ignorando seu caráter transformador.

O mapa se constitui como linguagem porque resulta de relações sociais e, como tal,

transforma-se numa prática significante, ou seja, prática de produção de linguagem

e, portanto, de sentido (AGUIAR, 2009, p. 4). Para a autora, a geografia seria a

grafia de signos que recobrem o espaço e produzem sentidos, que variam de acordo

com o olhar de quem observa. Por isso entendemos que “mapas são produções

culturais de discursos sobre o território” (GIRARDI, 2012, p. 43).

Para Oliveira Jr e Girardi (2011), a linguagem cartográfica como sendo

exclusivamente comunicativa, pressupõe um “antes” e por isso podemos entender que é

naturalmente representacional, atendo-se às ações que tornem possível representar o

conhecimento já adquirido. Por isso, quando pensamos a cartografia no contexto escolar,

percebemos que, muitas vezes, não há uma preocupação em problematizar o conhecimento

produzido, mas sim identificar os melhores caminhos didáticos para a execução do processo

de ensino-aprendizagem do mapa apresentado.

Abordar as diferentes linguagens é entendê-las não estritamente como elemento de

um processo de comunicação, mas como fundamento de um processo de criação, de

produção de pensamento sobre o espaço. [...] o mundo produz linguagens tanto

quanto linguagens produzem o mundo (OLIVEIRA JR e GIRARDI , 2011, p. 4).

Entendemos que não apenas o conteúdo, mas também a natureza da linguagem,

produzem uma subjetivação que nos mostram formas de agir e pensar no mundo. A escolha

da linguagem pode modificar completamente o entendimento de algum conteúdo.

Segundo Kitchin, Perkins, Dodge (apud GIRARDI 2014, p. 75), a ideia de que o

objetivo da cartografia é representar da forma mais “correta” possível os arranjos espaciais

dos fenômenos na superfície do planeta ainda são amplamente aceitos. Nesse sentido a ciência

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cartográfica seria uma busca teórica sobre as melhores formas de representar e comunicar a

verdade sobre o mundo que então existiria independentemente do observador. Permeando o

pensamento Girard (2014), a perspectiva representacional da cartografia implica em série de

pressuposições que tratam, entre outras coisas, o espaço como uma geometria explicita, onde

cabe a cartografia converter esse espaço em imagens, utilizando uma série de normas e regras,

cujo objetivo seria a redução dos erros.

Pensando como Massey (2008), percebemos que os mapas atuais do tipo ocidental,

principalmente aqueles desenvolvidos por profissionais, dão a impressão de que o espaço é

uma superfície onde os objetos se fixam, algo morto e ausente de história. Por muito tempo o

espaço foi julgado como elemento residual do tempo, a ele foram atribuídas características

como a fixação, a imobilização, o “representável”. Para conceituar essa associação, usa-se,

frequentemente, e de forma simplista, o termo espacialização. “A representação é vista

tomando aspectos de espacialização, na ação desta última de colocar as coisas lado a lado, de

dispô-las” (MASSEY, 2008, p. 47).

Aguiar (2011, p. 8) utiliza do pensamento de Deleuze e Foucault, para denunciar a

representação como forma de usar a linguagem para apresentar a racionalidade de uma lógica

baseada na arbitrariedade e na convenção. Essa lógica de se pensar o espaço como “superfície

lisa” não apenas legitima o discurso sobre “o que é o espaço”, mas também cria toda uma

normatização científica que, pretensiosamente, busca reproduzir em uma superfície aquilo que

considera ser a única versão verdadeira.

Deleuze e Guatarri (apud MASSEY 2008), rechaçam completamente esse pensamento

que toma a ciência como a representação da verdade. Para eles:

[...] o que poderíamos chamar de representação não é mais um processo de fixação,

mas um elemento em uma produção contínua, parte de toda ela, e ela própria,

constantemente, em devir. Esta é uma posição que rejeita uma estrita separação entre

mundo e texto e que compreende a atividade científica como sendo apenas isto –

uma atividade, uma prática um engajamento inserido no mundo do qual é uma parte.

Não uma representação, mas experimentação (p. 54).

Entendemos que dentro desses mapas que buscam a representação fiel e real do

espaço, tomando a ciência como um gesto imparcial que busca sempre a verdade dos fatos,

percebe-se o desaparecimento dos desejos das pessoas que criaram aquela obra num certo

contexto cultural e, consequentemente, um esvaziamento político. Nesse sentido, Oliveira Jr.

aponta que

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De alguma forma estou a dizer que a justificativa da razão instrumental – que se

quer neutra, laica, objetiva, cientifica, matemática – é também, uma estratégia de

retirada – das razões da política como mediadora das ações humanas, uma vez que

as obras realizadas sob os auspícios da razão instrumental são também gestos na

cultura que buscam fazer o mundo funcionar e ser pensado com algo racional e

pragmático (OLIVEIRA JR, 2011, p. 3).

Entendemos que essa relação mental/social do pensamento ocidental cristalizada em

forma de mapa indica como estão presos dentro de uma moldura, em que seus objetos podem

ser calculados e medidos. Trata-se do espaço euclidiano que refere-se a todos os fenômenos

passivos de serem delimitados em sua individualidade, sem incertezas ou ambiguidades.

Segundo Campton e Krygier (2008), o espaço euclidiano é componente-chave da

cientificização e regularização do espaço, entretanto sua natureza local ou contingente mostra

que nem todo conhecimento pode ser “cientificizado”.

Os mapas que se limitam a medir e calcular a área através de um plano cartesiano não

são capazes de alcançar as relações internas daquele local. Segundo Harvey (2012) um evento

ou uma coisa situada em determinado ponto do espaço não pode ser compreendido em

referência apenas ao que existe naquele recorte espacial, ou seja, existe uma história, existe

uma teia de relações que habitam esse espaço e estão circunscritas nas memórias desses

sujeitos.

Para compreendermos melhor essas relações seria necessário que as influências

externas fossem internalizadas em processos ou coisas especificas através do tempo. Para

Harvey (2012), esse é o papel político das memórias coletivas nos processos urbanos, as quais

somente podem ser abordadas desta maneira, visto a impossibilidade de encerrar as memórias

coletivas dentro de um espaço absoluto.

A noção relacional do espaço-tempo implica a ideia de relações internas; influências

externas são internalizadas em processos ou coisas específicas através do tempo (do

mesmo modo que minha mente absorve todo tipo de informação e estímulos

externos para dar lugar a padrões estranhos de pensamento, incluindo tanto sonhos e

fantasias quanto tentativas de cálculo racional) (HARVEY, 2012, p. 12).

Dessa forma, parafraseando Harvey (2012), entendemos que a memória reproduz

múltiplos espaços. Kitchin, Perkins; Dodge (apud GIRARD 2014, p. 76) apontam que o

espaço é constituído, dentre outras coisas, por meio de práticas de mapeamento, de forma que,

os mapas não se constituem como uma reprodução do mundo, mas uma recriação dele. Nesse

sentido, entendemos que “mapear é inventar um caminho e atravessá-lo para poder ler,

ordenar ou representar” (AGUIAR, 2009, p. 1). Para Aguiar (2009), aprender se constitui em

um movimento em que “inventamos a nós mesmos” e aprender a ler ou a pensar mapas,

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também são processos em construção que nos levam a transformar criticamente essa visão de

espaço. Em vez de procurar como podemos mapear o objeto... [poderíamos] nos preocupar

com os meios pelos quais o mapeamento e o olhar cartográfico codificaram objetos e

produziram identidades (PICKLES apud FONSECA, 2014, p. 152).

Em meio a essas discussões, alguns encontros internacionais/nacionais tendem a criar

métodos universalizantes, convencionais, estabelecendo regras para dizer o que é, e o que não

é mapa, além de tornarem o olhar rápido e conclusivo diante de sua representação/criação.

Por exemplo: estradas tornam-se linhas vermelhas, os rios são todos azuis,

independentemente de sua característica, grossas linhas tracejadas anunciam as divisas

municipais, entre outros códigos. Essa apresentação unificada do espaço e dos modos como

devemos usá-lo e de transitar por ele produz efeitos de verdade e de objetividade científica.

Para Oliveira Jr (2012), os mapas tradicionais tornaram-se clichês, porque são repetidos na

escola da mesma maneira que reproduzem os códigos e convenções construídos pelos padrões

internacionais, transmitindo informações de forma instantânea e conclusiva toda vez que

pensamos o espaço. Oliveira Jr (2012, p. 9) lembra-nos “que esta é a mais potente e a menos

notável educação que os mapas fortemente convencionais nos dão”. Com base em Oliveira Jr

(2012), consideramos que esses mapas tentam unificar, constituir uma forma naturalizada

dessas convenções, que por sua vez nos ensinam a desprezar aquilo que seria original da

informação, justamente por ele ter sido apresentado de maneira rápida e aparentemente

inequívoca, transmitindo apenas uma utilidade prática e ignorando todas as possíveis relações

e experiências vividas e compartilhadas naquele lugar. Ou seja, nessa opinião, não importa se

a água do rio em que a criança mora é barrenta – amarelada, importa que na convenção os rios

são azuis.

Compartilhar experiências de vida remete à memória, desse modo, Massey (apud

HAESBAERT 2004, p. 77) considera o lugar como processo, cuja construção se faz a partir

de uma conjunção de particularidades de relações sociais que se encontram e entrelaçam.

Assim, os lugares passam a ser pensados não como áreas rodeadas de fronteiras, mas como

momentos/processos articulados em redes de relações sociais que se constroem, em grande

parte das vezes, em uma escala muito maior do que costumávamos definir para esse momento

como o lugar em si. O mapa deixaria de seguir a relação convencional cristalizada, para

apontar as apropriações dos sujeitos.

Para pensarmos a relação envolvendo esse conjunto de normas, com os conteúdos

cartográficos do livro didático no Brasil, nos apoiamos nos estudos de Boligian (2012), que

afirma:

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A partir de 1824, os conteúdos vão se tornando cada vez mais diversificados ao

longo do tempo, com novas noções, conceitos e temas sendo agregados ao currículo

prescrito, tanto nos programas curriculares oficiais quanto nos materiais didáticos

(compêndios e livros) de Geografia (p. 54).

Segundo Aguiar (2009), os mapas funcionam como suportes operacionais de imagens

controladas e racionalizadas, regidas pelos princípios organizativos da sociedade capitalista,

atendendo, desta forma, aos interesses educacionais gerados pelo mesmo. Oliveira (2010, p.

66) também aponta que a educação no sistema capitalista é voltada para atender as demandas

do Estado e do capital, sendo essas demandas, a partir da estrutura social, que definem esses

manuais. Desta forma, é notório que o ensino de geografia estava pautado nas demandas do

capital.

Percebemos com Aguiar (2011), que a geografia enquanto disciplina escolar serviu ao

projeto Iluminista, sempre incentivada pela burguesia, com a finalidade de evidenciar e

legitimar o espaço absoluto. Essa concepção é explicitada por Joly (2013), quando este define

espaço geográfico como sendo constituído pela superfície terrestre, compreendendo também

oceanos e áreas inabitadas. O autor afirma também que o “espaço geográfico é concretamente

percebido pelos objetos materiais, visíveis e mensuráveis que o compõem” (p. 62).

Por isso, percebemos que dentro da cartografia alguns conteúdos se transformaram em

tradições escolares, formando o que Boligian (2012) chama de “núcleo duro” da cartografia

escolar. O autor destaca os conteúdos de localização e orientação, escala, coordenadas e

linhas imaginárias, enfim, representações cartográficas (bidimensionais) no que se refere a

mapa e representações cartográficas, (tridimensionais) no que se refere a globo terrestre,

perpassam praticamente todas as reformas curriculares e programas dos livros didático

durante o século XX, e adentrando o século XXI.

Boligian (2012) afirma que no século XX, mais precisamente a partir de 1970,

a cartografia torna mais abrangente os conteúdos prescritos nos programas curriculares e nos

livros, enquanto na década de 90 acontece um desenvolvimento de pesquisas mais elaboradas

na área do ensino de cartografia no Brasil, pois as discussões no âmbito acadêmico tiveram

reflexos nos trabalhos dos professores-autores dos currículos oficiais.

É possível notar que através dos séculos alguns aspectos sobre o estudo da cartografia

se mantiveram para suprir as demandas impostas pelo Estado, mas é importante observar que

a reflexão sobre o modo de ensinar cartografia também se faz presente com o passar do

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tempo. Boligian (2012) ressalta que a partir de 1995, estabeleceu-se pela primeira vez no

Brasil um fórum de discussão a respeito da cartografia e suas implicações no ensino de

geografia, por meio dos Colóquios de Cartografia para Crianças, e se transformaram em um

importante meio para a troca de informações e divulgação de pesquisas.

Trazendo essa discussão para as atuais discussões sobre o espaço geográfico e os

diferentes usos e interpretações da cartografia, observamos que há uma distinção entre o que

Boligian (2012) apresenta como “núcleos duros” da cartografia, muito utilizados na

abordagem tradicional da pedagogia escolar, e o que atualmente discutimos, como aponta

Seemann (2011), quando informa que o espaço vivido em que se constituem as práticas

sociais também são fruto de experimentações cotidianas de imagens e símbolos. Por isso, não

podemos explicar a produção do espaço apenas com dados estatísticos, embora sejam

importantes, mas entender que o espaço geográfico não se constitui apenas do visível, ele traz

informações que fogem do simples olhar.

A partir da visão metafórica de Oliveira Jr. (2012), que analisa o caráter educativo da

cartografia escolar da forma tradicional, podemos apontar que essa proposta de ensino está

voltada para a confluência de duas forças: uma força-continente e uma força-arquipélago.

Essas duas visões são utilizadas para ilustrar a micro e a macropolítica. A macropolítica se

coloca como a convenção de uma regra – continente - impondo processos mais ou menos

controlados (pelos currículos e professores) de levar crianças e jovens a acumular o mesmo

saber, enquanto que a micropolítica – arquipélogos, aponta para muitas realidades,

pluralidades linguísticas que não são legitimadas.

[...] assim, as forças-continente e as forças-arquipélago ante a variação: a primeira

propõe-se a dominar a variação (...) pois limita seu enfoque a uma questão de

organização, desenvolvimento ou formação; a segunda abre o mundo à variação para

que a vida afirme a potência da invenção (GODOY apud OLIVEIRA JR, 2012, p.

6).

Segundo Oliveira Jr (2012), o continente estaria no lugar da escola, pois este, age

como um elemento unificado voltado a organizar, desenvolver e formar os pensamentos em

uma direção pré-estabelecida. O arquipélago se encaixa como sendo os pensamentos menores,

onde o “navegador” viaja sem rota pré-estabelecida, ele deixa o mar e o vento guiá-lo. Para

alcançar o arquipélago é importante que o navegador perca o continente como referencial,

pois esse vínculo nos impede de imaginar e inventar novos percursos. Contudo, Oliveira Jr

(2012, p. 7) traz uma importante observação.

Também é importante dizer que encontrar desvios a este continente, que nos

dificulta ou impede de imaginar e inventar percursos outros para a cartografia

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escolar, não implica em negá-lo, mas muito pelo contrário exige que estabelecemos

relações tensas e intensas entre ele e os arquipélagos que vierem a se formar no

percurso “pois é ali, no trajeto definido e definitivo de todos os dias, acordar-e-ir-

para-a-escola(...) que as crianças inventam um desvio, transformando-se(...) em

arquipélagos”.

Mesmo apontando todas essas questões, não estamos aqui menosprezando o uso de

elementos tradicionais da linguagem cartográfica ocidental: título, escala, legenda, norte,

fonte, latitude, longitude, são todos ferramentas potentes para situações específicas. A questão

é a obrigatoriedade deles para que um mapa seja reconhecido como tal.

No pensamento que vamos construindo, consideramos que os mapas são dispositivos

pedagógicos que, de certa forma, nos dizem sobre modos legitimados de apreender e de

ocupar/usar os espaços. Os mapas enquanto objeto, configuram-se como uma potente

ferramenta para o desenvolvimento do pensamento crítico, são um meio de pensar sobre o

mundo e de nele agir. De acordo com Yves Lacoste, “(...) é preciso saber pensar o espaço para

saber nele se organizar, para saber ali combater” (1988, p. 189). Nesse sentido, o mapa estaria

sempre produzindo subjetividades, possibilitando novas formas de perceber e agir no espaço e

de construir trajetos. Através desses trajetos constituídos pelos indivíduos, podemos observar

a mais intensa relação entre sociedade e cartografia, expressa no ato de mapear o mundo.

“Atos de mapear são criativos, às vezes inquietos, momentos de chegar ao conhecimento do

mundo” (COSGROVE apud SEEMANN, 2011, p. 41).

Dentro desses processos é importante ressaltar que o mais interessante para nós não

são os mapas do livro didático como produto final, mas pensar como esse potente dispositivo

pedagógico se relaciona com professores e estudantes. Essa discussão parte do próprio

discurso dos professores em que apontam que o melhor instrumento para o ensino da

cartografia é o livro didático. No entanto, essas prescrições também foram recomendadas no

documento Parâmetros Curriculares Nacionais.

2.1 A CARTOGRAFIA E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS

Para subsidiar o ensino no Brasil, o MEC elaborou os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), que têm por objetivo organizar os conteúdos das disciplinas, com intuito de

trazer melhorias para a prática docente. Assim, os PCNs buscam promover a qualidade da

educação e garantir ou “minimizar” o déficit de aprendizado do aluno.

O documento “Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia” (PCNs Geografia)

destaca a cartografia como recurso para a construção e aquisição de conhecimento na análise

e interpretação do espaço. O documento afirma que:

Page 17: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

17

A cartografia torna-se recurso fundamental para o ensino e a pesquisa. Ela

possibilita ter em mãos representações dos diferentes recortes desse espaço e na

escala que interessa para o ensino e pesquisa. A Geografia, além das informações e

análises que se podem obter por meio dos textos em que se usa a linguagem verbal,

escrita ou oral, torna-se necessário, também, que essas informações se apresentem

espacializadas com localizações e extensões precisas e que possam ser feitas por

meio da linguagem gráfico-cartográfica (BRASIL, 1998, p. 33).

Além do PCN, o governo federal regulamenta de forma obrigatória para a educação

pública os livros didáticos, por meio do PNLD (Parâmetros Nacionais do Livro Didático),

sendo o livro didático uma das ferramentas de ensino mais utilizadas pelos professores e

alunos da educação básica. Desta forma, o livro didático tornou-se um instrumento

protagonista no processo de ensino-aprendizado, visto que nele concentra-se parte dos

métodos, conteúdos, e propostas para a prática do professor e é fonte de estudo e pesquisa

para os alunos. O PNLD - Geografia argumenta que:

O livro didático é um importante material de apoio para o trabalho do professor,

auxiliando-o no planejamento geral, na organização de atividades, no fornecimento

de informações corretas e atualizadas, na apresentação de conteúdo coerente com o

estágio do conhecimento científico em geral e da ciência geográfica, na utilização de

métodos e teorias educacionais em vigor e no cumprimento das diretrizes

curriculares nacionais (BRASIL, 2014, p. 8).

Para abordamos a importância e a relevância da cartografia no ensino de geografia, a

análise deste instrumento é fundamental. Nele concentra-se um conjunto de representações

cartográficas com seus métodos de leitura, interpretações e utilizações.

O livro didático acompanha o aluno em toda sua trajetória na educação básica, faz-se

presente no cotidiano escolar, tornando-o parte do desenvolvimento intelectual do aluno,

sendo este, em muitos casos, a principal fonte de pesquisa e consulta. De acordo com Lima

(1991) “o livro didático torna-se um sujeito do processo de ensino-aprendizagem”.

2.2 A CARTOGRAFIA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE

VITÓRIA

Para o desenvolvimento do projeto, procuramos ancorar a investigação nas Diretrizes

Curriculares do sistema de ensino de Vitória, onde concentram-se as escolas que fazem parte

da pesquisa. As Diretrizes são norteadoras do ensino municipal, nela se estabelecem as

discussões para a melhoria do ensino em cada área do conhecimento.

Diretrizes Curriculares são, assim, o conjunto de definições sobre princípios,

fundamentos e procedimentos para a Educação Básica, no caso, na Educação

Page 18: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

18

Fundamental, expressas pelo Sistema de Ensino do Município de Vitória/ES

(VITÓRIA, 2004, p .7).

As diretrizes curriculares para o ensino de geografia trazem em seu bojo algumas

discussões sobre o livro didático e a cartografia. Desta forma, as diretrizes mostram os

desafios e as problemáticas em torno deste tema. Assim, segundo as Diretrizes Curriculares

do Ensino de Geografia:

As representações dos saberes geográficos por meio dos mapas, gráficos, tabelas e

desenhos, entre outras expressões da linguagem geográfica, perdem seu valor de

ensino/aprendizagem quando considerados apenas para ilustração, reprodução e

identificação de dados, sem a correspondente análise e utilização crítica e operatória.

Nesse aspecto, o livro didático e o computador contribuem como aparatos que

fornecem o material informativo, mas precisam ser trabalhados de maneira criativa,

crítica e interativa (VITÓRIA, 2004, p. 11).

Neste sentido, podemos observar a importância e o papel do professor como mediador

do conhecimento, sendo ele o sujeito que estabelece a mediação entre o aluno e o mapa.

Assim, o livro didático é um objeto que materializa informações, não o conhecimento, para o

aluno, sendo então necessário que se faça essa mediação por vários meios.

O processo de mediação com o mundo perpassa pelos métodos adotados em sala de

aula. Muitos são professores reprodutivistas que estabelecem metodologias de reprodução do

conteúdo do livro didático, comprometendo a criatividade do aluno e seu pensamento sobre o

mundo. Sobre os métodos reprodutivistas dentro da cartografia, as Diretrizes tecem uma

crítica sobre essas práticas:

As formas mais usuais de se trabalhar com a linguagem cartográfica na escola ainda

são situações nas quais os alunos têm de colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes

de rios ou cidades, memorizar as informações neles representadas. Contudo esse

tratamento metodológico não garante que eles construam os conhecimentos

necessários, tanto para ler mapas quanto para representar o espaço geográfico

(VITÓRIA 2004, p. 15).

Compreendendo as orientações dos PCNs e das Diretrizes enquanto proposição,

coube-nos então investigar, a partir de múltiplos olhares, os processos de produção de

cartografia a partir da utilização do livro didático. Para tanto, construímos uma proposta

metodológica em que apresentamos nosso percurso investigativo.

Page 19: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

19

3 CAMINHOS PERCORRIDOS

Nosso trabalho se aproxima de uma pesquisa exploratória, no entanto, a parte que

trataríamos como “forte” é justamente seu caráter investigativo. Através desta pesquisa,

acreditamos levantar e esclarecer alguns conceitos que ainda se encontram invisíveis por parte

de nossos colegas/alunos na formação inicial em geografia e, talvez, até mesmo de outros

teóricos e pesquisadores que considerem o ensino de cartografia.

A primeira delas foi a revisão bibliográfica, que norteou a escolha da temática de

estudo, o tipo de pesquisa e o caminho a ser percorrido. Em seguida, fizemos um diagnóstico

dos nossos locais de estudo para conhecermos melhor o ambiente escolar, como já citamos na

parte introdutória deste trabalho, a partir de nossas vivências e experiências no Pibid e Estágio

Supervisionado. Além da análise do local, realizamos entrevistas e discussões com alunos e

professores para entender quais as principais necessidades e oportunidades para o ensino-

aprendizagem de cartografia, levando em consideração o contato dos alunos com a linguagem

e os conhecimentos prévios dos mesmos. E, para um melhor embasamento, analisamos ainda

os livros didáticos de cada escola considerando a necessidade dos professores em abordar a

cartografia a partir destes materiais centrais para esta proposição de ensino. Após o

levantamento e análise de todos esses dados, elaboramos e executamos uma oficina que

atendesse à dificuldade do professor na abordagem de determinados conteúdos, ao interesse,

às objeções e às potencialidades dos alunos e a algumas fragilidades dos livros didáticos e das

instituições.

3.1 BREVE PERFIL DAS ESCOLAS E LOCAIS DE ESTUDO

A escolha das instituições ocorreu com base na proximidade do grupo com as escolas

municipais de ensino fundamental (EMEFs) apontadas e com a receptividade das mesmas.

Com as escolas E.M.E.F. Suzette Cuendet e E.M.E.F. Tancredo de Almeida Neves já

havia um maior contato de parte dos pesquisadores, tendo em vista que três autores da

pesquisa trabalharam como bolsistas de geografia pelo Programa Institucional de Bolsa

Iniciação a Docência com a parceria da Capes e da UFES. A terceira instituição, E.M.E.F.

Álvaro de Castro Mattos, foi escolhida a partir da sugestão da professora Marli Siqueira Leite,

durante a disciplina de Projeto Político Pedagógico, tendo em vista que esta executava um

projeto literário com os alunos da escola e ressaltava sempre a receptividade e bom

relacionamento da escola com a universidade. Outro ponto que colaborou para a escolha

Page 20: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

20

destas escolas foi que as três possuíam diferentes livros didáticos de geografia, o que resultava

em mais materiais para serem analisados durante a pesquisa.

Apesar destas escolas estarem inseridas na mesma rede de ensino, o local, a estrutura

física e o público de cada instituição apresentam características particulares. A E.M.E.F.

Álvaro de Castro Mattos está localizada no bairro Jardim da Penha que, segundo a Prefeitura

de Vitória (Censo 2010), compõe a Região Administrativa Nove, uma das regiões urbanizadas

mais planas do município, que abriga a maior parte da Praia de Camburi, um dos principais

pontos turísticos da capital. Possuí bairros que estão entre os mais populosos da cidade e

reúne tipologias habitacionais diversificadas, compostas de casas térreas, prédios de porte

médio e de alto padrão, mais especificamente localizados na orla. A turma do sexto ano

matutino, com a qual pesquisamos, é composta por 32 alunos e a maior parte dos estudantes

são moradores do bairro, enquanto uma menor parcela da turma é composta por alunos

moradores das adjacências. A escola concluiu há alguns meses uma reforma de ampliação que

teve início em 2011, sendo assim, sua estrutura está revitalizada e bem planejada, tendo

auditório, laboratório de informática, refeitório, biblioteca, quadras cobertas e quase todas as

salas de aula com ar-condicionado.

Já a E.M.E.F. Suzette Cuendet está localizada no bairro Maruípe, na Região

Administrativa Quatro, a mais populosa e que abrange uma das áreas de ocupação mais

antigas de Vitória. A escola fica na base da ladeira da rua Oto Ramos, no encontro com a Av.

Maruípe, e foi fundada em uma área predominantemente residencial, composta por

residências familiares que chegam a no máximo, a quatro pavimentos, em ruas estreitas e

sinuosas, devido à proximidade de morros e afloramentos rochosos. Também é possível notar

a presença expressiva de áreas verdes, em geral nos topos dos morros. Apesar do tempo, sua

estrutura encontra-se bem conservada e organizada, atendendo bem todo o corpo docente e

discente. Possui laboratório de informática, auditório, biblioteca, quadra coberta, horta,

refeitório e as salas de aulas estão em bom estado de conservação. A turma do sexto ano

vespertino possui 33 alunos e quase todos são moradores do bairro.

Por fim, a E.M.E.F. Tancredo de Almeida Neves se encontra no bairro São José, na

Região Administrativa Sete, e seu adensamento e ocupação iniciou-se a partir do final da

década de 1970 em função do depósito de lixo existente na área. Com o lançamento de lixo no

manguezal, a área foi gradativamente sendo aterrada e hoje boa parte do bairro está sobre um

grande aterro sanitário. A região é a sétima mais populosa, oitava em área territorial e terceira

em densidade demográfica (VITÓRIA, 2015). Próximo à escola encontra-se a rodovia

Serafim Derenze, importante via de acesso à Baía de Vitória onde está o ponto turístico mais

Page 21: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

21

famoso do local, a Ilha das Caieiras. A escola é bem organizada e apesar de ter quadras

cobertas, hortas, biblioteca, refeitório e laboratório de informática, as salas de aula possuem

um sistema de ventilação precário que causa desconforto durante os dias mais quentes. Em

compensação, possuí uma participação ativa da comunidade. A turma do sexto ano matutino é

composta por 32 alunos e a maior parte deles é morador de São José e dos bairros vizinhos.

3.2 ENTREVISTAS E DISCUSSÕES

Utilizamos entrevistas enquanto técnica de coleta/produção de dados por acreditarmos

ser bastante eficiente quando se pretende trabalhar acerca do que as pessoas sabem, sentem,

desejam e fazem (GIL, 2008, p. 109). Trata-se de um dispositivo de pesquisa bastante

flexível, em que o entrevistador pode esclarecer o significado das perguntas, simplificá-las e

adaptá-las mais facilmente às pessoas e às circunstâncias em que se desenvolve a entrevista.

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente

ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que

interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social.

Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes

busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação (GIL, 2008, p.

109).

Optamos por entrevistas semi-estruradas, por se tratar de um método que possibilita o

tratamento quantitativo de alguns dados, tornando-se adequado para o desenvolvimento de

gráficos e tabelas. Essa tabulação permite a análise estatística dos dados, já que algumas

respostas são padronizadas. Contudo, o questionário também foi formulado com perguntas

qualitativas, para que o entrevistado pudesse se expressar e imaginar, fabular, de forma mais

livre e flexível. Acreditamos que desta forma conseguiremos nos aproximar dos problemas e

das questões que movem as relações entre cartografia e livro didático, não com a finalidade de

descobrir verdades mas de impulsionar pensamentos, problematizações e invenção de

possíveis.

Para possibilitar a conversa, formulamos dois questionários distintos, um para os

professores e o outro para os estudantes. As entrevistas foram realizadas com os professores

de geografia e estudantes do 6° ano do ensino fundamental das escolas envolvidas na

pesquisa. Devido ao elevado número de estudantes, optamos por trabalhar com uma

amostragem de 25% selecionada de forma aleatória. Nesse sentido, quantificamos um total de

três entrevistas docentes e 25 discentes.

Page 22: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

22

Nas entrevistas feitas aos alunos, destacamos a frequência com que esses alunos

estudam com os mapas, o entendimento do que são e para que eles servem, a eficiência deles

no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos de geografia e os usos dessa linguagem

no cotidiano dos entrevistados. Nas entrevistas feitas aos professores destacamos o papel do

livro didático no ensino de geografia, como eles enxergam a linguagem cartográfica no livro

didático, com que frequência eles trazem outros mapas para dentro de sala de aula e quais as

maiores dificuldades no ensino dos/com os mapas.

Tentamos deixar os entrevistados a vontade, rejeitando qualquer discurso de verdade

sobre os temas abordados. Procuramos contextualizá-los no assunto, a fim de evitar perguntas

abruptas que pudessem causar constrangimento ou dúvida. As respostas de caráter qualitativo

foram transcritas com o objetivo de conservar da melhor forma possível a narrativa do

entrevistado.

Utilizamos as narrativas produzidas para pensar a relação entre livro didático, docente

e discente no contexto do ensino-aprendizagem da geografia.

3.2.1 Entrevista Docente

Como apresentamos anteriormente, trabalhamos em três escolas distintas no município

de Vitória, escolhemos três turmas também distintas e por sua vez tivemos três professores

parceiros. Sabemos a dificuldade de categorizar por meio de um binarismo (gosto e não gosto)

questões com tantas possibilidades e relações. O gráfico não expressa uma verdade absoluta,

ele se configura como um meio de apreender, mesmo que de uma forma generalizada, certas

relações do cotidiano escolar.

Nosso primeiro questionamento foi em relação à frequência com que os professores

utilizavam o livro didático dentro da sala de aula. Todas as respostas apontam para o uso

quase que diário deste material, reforçando nossa compreensão do livro didático como

instrumento de referência para o professor. É através dele que grande parte dos professores se

orientam e planejam suas aulas. Os alunos também foram questionados a cerca do uso do

livro didático pelo professor. Houve consenso por parte dos alunos, que afirmaram utilizar

constantemente o livro didático.

Buscamos acompanhar as tensões dos professores a cerca do ensino da cartografia no

livro didático, para pensarmos que tipos de conflitos se configuravam nessas relações. Nesse

sentido, as avaliações sobre o material foram de desaprovação, sendo este classificado como

“precário” e “pobre”. Além disso, ambos os professores alegavam já ter encontrado

inconsistências teóricas no livro didático utilizado atualmente.

Page 23: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

23

Quando perguntamos aos professores com que frequência trabalham com mapas em

sala de aula obtivemos respostas distintas. O primeiro respondeu que utiliza a cartografia

constantemente como apoio para o ensino de outras disciplinas, já o segundo alegou utilizar

apenas durante o ensino da Unidade I (01) do livro didático – que é Introdução à cartografia.

Essa diferença de usos também é percebida na resposta dos estudantes, que não estudam com

mapas em sala de aula, limitando-se ao livro didático.

Perguntamos aos alunos com que frequência o professor utiliza mapas, com exceção

ao livro didático, durante as aulas. Dos vinte e cinco entrevistados, apenas seis disseram que o

professor não trabalha com mapas em suas aulas. Os seis alunos são da escola Suzete

Cuendet, mesma escola da professora que disse utilizar os mapas apenas durante o ensino da

Unidade I (Gráfico 1).

Gráfico 1: Estudantes cujo professo utiliza mapas durante as aulas, 2015.

Os resultados da entrevista apontam que o uso da cartografia pelos professores

consiste, grande parte, em localizar os lugares e os fenômenos. Como uma professora

comentou “perceber que um local está contido dentro do outro. As cidades dentro do estado

que estão dentro do país”. Massey (2008), argumenta que este tipo de representação do espaço

reduz nossas maneiras de “ser” no mundo, pois, torna aquilo que é gesto cultural, dotado de

aspectos humanos e políticos na manifestação da realidade por si mesma. Sem dúvidas esse

tipo de percepção é imprescindível na sociedade atual, visto que nossa mobilidade está, em

muitas situações, restrita a essa fronteira político-administrativo dos lugares. O Estado está

presente no cotidiano de várias formas, contudo, existem outras diversas relações que podem

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24

ser apresentadas sem que ele esteja na posição central do mapa, como um objeto absoluto,

estático e natural.

Continuando com a entrevista, perguntamos aos professores quais as maiores

dificuldades em trabalhar a cartografia com os alunos. As respostas apontavam para o ensino

da escala, curva de nível e dos fusos horários. Essas entrevistas, envolvendo as dificuldades

de se trabalhar com a cartografia, principalmente com auxílio do livro didático, juntamente

com os desejos dos alunos, nos deram subsídios para planejarmos as oficinas. Contudo, vale

destacar que as entrevistas e suas tabulações a partir de categorias necessárias a organização

de estatísticas, embora sejam úteis para informar regularidades, não dão conta dos modos de

usos, das problematizações, das apropriações e das diferenças engendradas com as tessituras

de saberes que se produzem nas relações entre os conteúdos apresentados pelo livro didático e

as redes de conhecimentos e significações criadas em outros contextos da vida cotidiana de

alunos e professores.

3.2.2 Entrevista Discente

Com os alunos observamos que a linguagem cartográfica é melhor entendida como

utilização de mapas. Este, enquanto instrumento pedagógico, pode facilitar a compreensão

dos fenômenos espaciais, materializando ações e objetos do mundo concreto em uma

linguagem cartográfica. São apresentações, que produzem conhecimento e expressam um

gesto cultural. Através das conversas com os alunos pretendemos avaliar tanto o caráter

comunicativo do mapa (potencial pedagógico) quanto os processos de subjetivação que são

engendrados nessas relações. Por isso, mostramos cinco mapas com linguagens e temas

diversos aos alunos e pedimos que apontassem aqueles que eles consideravam mapas.

Deixamos claro que as cinco podiam ou não ser interpretadas como sendo mapas.

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25

Figura 1: Mapa Anamórfico

Figura 2: Mapa Turístico

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26

Figura 3: Mapa Político-administrativo

Figura 4: Mapa Topográfico

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27

Figura 5: Imagem de Satélite

O objetivo deste questionamento era avaliar o que os estudantes entendiam como

mapa. Como podemos observar no gráfico 2, todos os alunos consultados apontaram sem

hesitar para o mapa de número 3 (mapa político-administrativo). Os mapas 2 e 5, obtiveram a

menor aceitação. Percebemos que as justificativas dos alunos estão bastante relacionadas com

o que eles dizem já terem visto na escola. Por isso, foram muito frequentes respostas do tipo;

“parece um pouco com os mapas que eu estudo” ou “por causa do formato, lembra mapas que

já vi”. Segundo grande parte dos alunos, para serem considerados mapas é preciso que eles

contenham “as cores, os nomes dos lugares os símbolos”; “legenda, rosa dos ventos”;

“latitude, longitude, legenda” ;“rodovias, nomes dos estados, cidades e regiões”; e finalmente

“para ser mapa tem que ter as cidades e as capitais. Não aqueles outros negócios”.

Page 28: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

28

Gráfico 2: Figuras que são consideradas mapas pelos estudantes, 2015

Essa última declaração, “não aqueles outros negócios”, deixa entender que os mapas

precisam necessariamente conter uma gama de elementos e não outros, caso contrário não

poderão ser categorizados como tal, independente do conteúdo que carreguem.

Como já dissemos anteriormente, esses elementos citados são fundamentais em

determinadas circunstâncias, mas pensarmos que essas são as únicas formas de expressar a

realidade, ou melhor, de interpretar e produzir discursos sobre o mundo em que vivemos, é

desprezar tudo que a produção humana poder nos oferecer em termos de linguagem. Por isso,

entendemos com Oliveira Jr (2011) que, o efeito de verdade absoluta dos mapas ditos oficiais,

seriam minimizados caso não fossem tomados como representação do espaço, espelho fiel do

mundo, mas como uma apresentação dotada de intencionalidades.

Outras declarações foram mais acerca do formato do território brasileiro. Os alunos

respondiam que “mostra a localização, nomes e formato do Brasil”. Sem dúvidas, os mapas

que apresentam o contorno político-administrativos do Brasil são mais reproduzidos dentro

das escolas. Percebemos uma presença maciça do molde político nos mais variados tipos de

mapas, o que naturaliza esta forma de pensar o espaço a partir daquilo que eles nos dão a ver,

ou seja, a configuração como o Estado, enquanto estrutura social, pensa este espaço e o utiliza

na manutenção de seu poder. Como ressalta Oliveira Jr (2011, p. 5), a linguagem cartográfica

parece obrigar a olhar o território como sendo sempre e, sobretudo, político.

No pensamento que vamos criando com os usos que fazemos dos dados produzidos

com a pesquisa, consideramos que os mapas são dispositivos pedagógicos que, de certa

forma, nos dizem sobre fronteiras, lugares, territórios, culturas e modos legitimados de

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29

apreender e de ocupar/usar os espaços, inclusive esses mapeamentos que vamos produzindo a

partir das narrativas e gestos de alunos e professores.

Como lembra Agamben (2005), os dispositivos possuem sempre uma função

estratégica e estabelecem uma relação de poder, capaz de produzir efeitos. “O dispositivo é,

na realidade, antes de tudo, uma máquina que produz subjetivações, e só enquanto tal é uma

máquina do governo” (p. 15), portanto, produz sempre práticas e efeitos.

Percebemos, então, que está colocada sempre a possibilidade de um engessamento em

relação à noção e à prática de mapeamento. Talvez por isso, os mapas sejam pouco percebidos

no cotidiano dos estudantes dentro e fora das escolas. A maior parte dos alunos entrevistados

respondeu não utilizar mapas no dia a dia (Gráfico 3). A maioria daqueles que responderam

positivamente, alegam utilizar o mapa, por meio do celular, para se orientar quando estão

perdidos em um local que desconhecem. Apenas um estudante respondeu que os mapas estão

presentes em vários lugares, como feira e shopping e por isso utilizava frequentemente. Isso

faz sentido quando pensamos o mapa como sendo apenas uma representação gráfica para

localizar as coordenadas de um lugar. Entendemos que “cabe a cartografia escolar, entre

inúmeras práticas desenvolvidas para ensinar a ler mapas, contribuir para educar o olhar”

(AGUIAR, 2009, p. 6).

Gráfico 3: Estudantes que utilizam o mapa no dia a dia, 2015

Consideramos importante pensar, através das narrativas dos estudantes, se os mapas-

objetos auxiliam no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos. Nesse sentido,

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30

percebemos que a maior parte dos estudantes disse ter gostado de trabalhar com mapas em

sala de aula (Gráfico 4).

Gráfico 4: Estudantes que gostaram de trabalhar com mapas, 2015

As justificativas reforçavam o potencial de localização dos mapas, o que auxiliava a

resolução de exercícios. Ouvimos várias respostas do tipo: “é mais legal, e também ajuda a

entender onde estamos”. Outro aluno argumentou: “legal, sabemos melhor os locais para não

ficarmos perdidos, para se localizar”. Também identificamos respostas que apontam a

importância de pensar um lugar dentro do outro, como uma hierarquização. O aluno disse: “é

melhor para ver, dá para ver mais as coisas, dá para ver os lugares certos, a legenda, o estado,

o Brasil”. Resposta que indica o que já apontamos anteriormente, de que alguns mapas,

principalmente os escolares, naturalizam nossa forma de ver e agir no mundo.

Também percebemos o interesse de alguns alunos em decifrar e interpretar os mapas,

independente dos exercícios trabalhados em sala de aula. Registramos esse sentimento através

de alunos que afirmavam gostar de ver o mapa por curiosidade. Alguns se interessavam por

rios, outros pelos desenhos.

Outro grupo de alunos respondeu que o uso dos mapas durante as aulas, além de

facilitar o entendimento, modificam a rotina das aulas. Sobre o papel da escola na educação

cotidiana, entendemos que “ao invés de dividir, para analisar, será preciso multiplicar – as

teorias, os conceitos, os fatos, as fontes os métodos etc.” (ALVES, 2008, p. 26). E é em meia

a essas múltiplas relações que se tecem as redes de saberes e interesses. Esse tipo de

compreensão nos ajuda a pensar desejo dos estudantes pela diversidade do mapa e suas

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relações. Quando trazemos para dentro da sala de aula mapas com elementos e/ou linguagens

diferentes do convencional, implica um novo olhar, às vezes inquieto, instigante, curioso.

Para alguns alunos os mapas são “chatos”, “sem graça”, de “difícil memorização”.

Isso nos mostra que os mapas também podem ser pragmáticos, difíceis e confusos. Segundo

Oliveira Jr (apud BARTHES, 2011), “a pior opressão da língua é quando ela nos obriga a

dizer uma coisa de uma maneira única e não quando ela, a língua, nos impede de dizer algo”.

Novamente presenciamos a importância na diversificação da linguagem cartográfica, a fim de

atender diferentes usuários.

Cabe ao professor de geografia propor medidas criativas que se aproximem da

realidade dos alunos. É importante que a linguagem seja concebida como um processo, uma

escolha do modo de enxergar o mundo, e não como um fato. Compreender que as formas,

assim como os conteúdos são apresentados, são tão importantes quanto o próprio conteúdo,

pois “uma linguagem e um modo de conhecer que determinam nosso modo de ser e de viver

nosso cotidiano” (AGUIAR, 2011, p.12).

3.3 ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO

3.3.1 Caracterização Geral

Como forma de balizar o que foi pesquisado nas escolas, procuramos trazer algumas

considerações acerca dos livros didáticos utilizado pelos professores e alunos. Sendo o foco

da análise o tratamento cartográfico dado ao livro, foi realizada uma análise de três livros

didáticos aprovados pelo PNLD e adotados nas três escolas públicas de Vitória selecionados

para esta pesquisa.

Os livros didáticos analisados fazem parte do PNLD 2014, foram aprovados e

recomendados por esse órgão federal de fiscalização. Os três livros correspondem ao 6º ano

do ensino fundamental (segundo ciclo) e foram tomados como recorte da pesquisa para

analisarmos seu conteúdo cartográfico. Desta forma, buscamos facilitar a observação sobre os

mapas com seus conteúdos específicos para este público. Vale destacar ainda que se trata de

uma série e de um público onde se inicia o processo de alfabetização com conteúdo específico

da cartografia.

Os livros adotados para análise foram:

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32

Coleção Autores Ano Editora

Jornadas Geo Marcelo Moraes Paula e Angela Rama 2011 Saraiva, São Paulo

Expedições Geográficas Melhem Adas e Sergio Adas 2012 Moderna, São Paulo

Projeto Araribá Fernando Carlo Vedovate 2011 Moderna, São Paulo

Quadro1: Relação dos livros analisados.

Nestas três coleções (Anexo 1) foi possível identificar uma preocupação dos autores

com a cartografia. Alguns conceitos e temas relacionados como escala, legenda, orientação,

título e coordenadas geográficas são mencionados nas três coleções. Podemos verificar essa

preocupação com a cartografia nas atividades apresentadas nos livros, na maioria dos

exercícios são cobrados leitura e interpretação de mapas.

É de extrema relevância trazer à ótica cartográfica e seu papel para o ensino de

geografia, pois têm um papel fundamental na compreensão dos fenômenos naturais e

humanos do mundo, sendo, portanto, necessária ser trabalhada na sala de aula para os alunos

se inserirem no processo de conhecimento da realidade que vivem.

Neste sentido, alguns autores afirmam que as imagens dos livros têm uma função de

transmitir e estabelecer a observação, a percepção da realidade e sensibilidade do aluno:

Ao propor a leitura de fotos, mapas e outras imagens, estamos partindo de um

referencial teórico. Do ponto de vista da didática, significa que, além de

desenvolvermos a observação e a sensibilidade, também estamos trabalhando com

as representações que os alunos estão construindo (CASTELLAR; MAESTRO,

2002, p. 10).

3.3.2 Análise do PNLD no Ensino de Geografia

O livro didático pode ser pensado como:

um produto cultural dotado de alto grau de complexidade que não deve ser tomado

unicamente em função do que contém sob o ponto de vista normativo, uma vez que

não só sua produção vincula-se a múltiplas possibilidades de didatização do saber

histórico, como também sua utilização pode ensejar práticas de leitura muito

diversas” (MIRANDA, e LUCA, 2004, p. 2).

Miranda e Luca (2004) constatam um movimento histórico dos governos brasileiros

em relação ao livro didático que busca estruturar uma Comissão Nacional, cujas atribuições

envolvam o estabelecimento de regras para a produção, compra e utilização do livro didático.

Entendemos com Alves (2008) que a escola é um importante espaço de produção de ideias e

de experiências, onde a teoria é um limite para o que precisa ser aprendido com a prática.

Nesse contexto, o livro didático funcionaria como um potente dispositivo, capaz de

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33

desempenhar um papel estratégico na difusão dos valores requeridos pela sociedade e pelo

Estado e por conta disso, “receberia uma regulamentação exclusiva que controla a sua

produção, sua forma, os conhecimentos veiculados, sua distribuição e até mesmo o seu uso”

(FILGUEIRAS, 2013, p. 87), contudo, as apropriações feitas por discentes e docentes a partir

de seus usos não pode ser prevista nem controlada.

A coleção Geografia traz uma síntese que afirma a importância do livro didático e

como ele possibilita o conhecimento em diferentes níveis para uma construção gradativa do

conhecimento geográfico, para que o aluno possa compreender as heterogeneidades do espaço

geográfico e suas diferentes especificidades sociais, naturais, políticas e econômicas.

O PNLD Geografia afirma que para possibilitar a compreensão do espaço geográfico

são oferecidas as escolas os seguintes critérios:

Analisar a realidade, percebendo suas semelhanças, diferenças e desigualdades

sociais, e apresentar propostas para sua transformação;

Compreender as interações entre sociedade e natureza, para explicar os processos de

produção do espaço e dos territórios;

Compreender o espaço geográfico como resultado de um processo de construção

social, e não como uma enumeração de fatos e fenômenos desarticulados;

Utilizar adequadamente os conceitos de paisagem, espaço, território, região e lugar

para analisar e refletir sobre a realidade social e ambiental;

Pensar o espaço imediato, articulado a escalas mais amplas;

Utilizar variáveis básicas como distância, localização, semelhanças, diferenças,

hierarquias, atividades e sistemas de relações, para identificar e inter-relacionar

formas, conteúdos, processos e funções;

Permitir a discussão e a crítica, estimulando atitudes para o exercício da cidadania;

Favorecer a apropriação da linguagem cartográfica para estabelecer correlações e

desenvolver as habilidades de representar e interpretar o mundo (BRASIL, 2014, p.

7).

Muitos dos critérios abordados pelo PNLD perpassam pela linguagem cartográfica,

conforme serão mostradas nas análises posteriores. Para a compreensão do espaço geográfico

é necessário que a cartografia esteja correlacionada ao ensino de geografia, afim de colaborar

para a formação de alunos leitores.

Para tanto, cabe ressaltar que para a formação de alunos leitores é preciso de

professores que saibam utilizar da melhor forma este instrumento da geografia. Assim, de

acordo com Lima (p. 66), “A cartografia sendo uma especificidade necessária para a ciência

geográfica, o professor precisa dominá-la para poder ser autônomo”. Sendo o livro didático

um dos meios que possibilitam ensinar cartografia, e não o único.

Essa percepção de Lima é fundamental, principalmente quando pensamos na

existência de um conjunto de forças que produz o livro didático. Munakata (2012) demonstra

sua preocupação com o público do livro didático, visto que este material também se apresenta

Page 34: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

34

como mercadoria valiosa, capaz de movimentar cifras milionárias e estando imerso a lógica

capitalista de produção. Nesse aspecto, o PNLD assume uma posição estratégica no mercado

de livros didáticos.

No Brasil, a relação entre o Estado e o mercado de livros didáticos é, atualmente,

mediada pelo Programa Nacional de Livro Didático (PNLD), criado em 1985, pelo

qual o governo compra os livros solicitados pelos professores para serem

distribuídos a todos os alunos das escolas públicas[...] A partir de 1996, instituiu-se

a avaliação prévia, pela qual os livros didáticos inscritos no Programa passaram a ser

examinados por especialistas. Somente os livros que obtivessem o parecer favorável

poderiam ser escolhidos pelos professores. Não é impossível que tal situação tenha

incentivado a produção de livros direcionada não diretamente aos professores e aos

alunos, mas aos avaliadores, geralmente recrutados da universidade e, segundo a

crítica corrente, nem sempre habituados às práticas de sala de aula (MUNAKATA,

2012, p. 61).

Através desta ótica entendemos que a produção do livro didático está diretamente

relacionada a aprovação do grupo de profissionais da área (geografia e ensino de geografia)

contratados para avaliar o cumprimento dos itens expostos em edital, o que exige, dentre

outras coisas, que os livros didáticos favoreçam “a apropriação da linguagem cartográfica

para estabelecer correlações e desenvolver as habilidades de representar e interpretar o

mundo” (PNLD, 2014, p. 10). Para que essas exigências sejam cumpridas, o guia de livros

didáticos de geografia lista uma série de falhas que culminariam na eliminação dos produtos

analisados. Destacamos três que repercutem consideravelmente no contexto de ensino-

aprendizagem da/com cartografia.

1. legendas incompletas: ausência e/ou equívoco de datas e de autoria nas

ilustrações;

2. seleção de figuras pouco adequadas ao ensino, contendo propagandas demarcas

comerciais e/ou fora do contexto da discussão;

3. localização imprecisa dos fenômenos geográficos, geralmente, relacionada às

reduções da escala do mapa, induzindo ao erro ao indicar uma localidade enquanto a

seta mostra outra; (PNLD, 2014, p .10).

Percebemos uma exigência de certos elementos que são considerados essenciais para a

cartografia tradicional e representam o “núcleo duro” do ensino cartográfico no Brasil. Essa

regulação do que deve ter no livro didático é uma postura política que permite regular certos

conteúdos que são considerados indispensáveis. Contudo, a lógica capitalista também

atravessa esses interesses políticos e culturais. Muitas vezes essa lógica se converte em

pragmatismo. Não interessa se o norte vai auxiliar ou não o uso mapa, as editoras vão colocá-

la, caso contrário, poderão ser desqualificadas.

Page 35: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

35

Segundo Fonseca (2012), os autores dos livros didáticos não se empenham na

construção de cartografias adequadas para o conteúdo apresentado. Isso se deve em grande

parte a pressão das editoras, que não aceitam novas linguagens cartográficas por conta do

risco de não serem aprovadas pelo PNLD. A autora denuncia ainda, que essas cartografias são

produzidas por profissionais da informática e não por cartógrafos, muito menos por

geógrafos. Os mapas são quase sempre produzidos por softwares que se apropriam de uma

lógica euclidiana, independente do conteúdo. Por isso, como afirma a autora, o cardápio

oferecido pelos livros didático é sempre limitado e pré-definido.

O fundo do mapa é a dimensão constituinte do mapa que resulta da combinação da

escala, da projeção e da métrica. Sobre ele se estrutura a linguagem propriamente

dita. [...] Os fundos de mapa são escolhidos pelo editor das obras didáticas:

pressionados pelo mercado e também pelo Programa Nacional do Livro Didático

(PNLD), que afinal é o maior comprador de livros didáticos no país, os editores

responsáveis pelas obras percebem como grande risco a diversidade dos fundos dos

mapas e isso, mesmo no interior do paradigma euclidiano [...] Não é incomum

encontrar nas comissões avaliadoras oficiais a força da cartografia naturalizada

(FONSECA, 2012, p. 179-181).

Para Fonseca (2012), a cartografia escolar é muito propensa às práticas naturalizadas.

A autora lamenta o fato da cartografia ter sido “abandonada” pelo movimento de renovação

da geografia, deixado de lado por ser identificada como algo próprio da geografia tradicional.

Por fim, a análise enfatiza a preocupação com a cartografia e seus conceitos básicos, e

se o livro didático propõe a dar continuidade ao processo de alfabetização cartográfica.

Entretanto, podemos observar em que alguns dos volumes analisados há falta de localização

dos fenômenos geográficos, o que pode comprometer o entendimento dos conteúdos

trabalhados.

As informações básicas apresentadas na coleção são corretas e atualizadas. Os

mapas estão isentos de problemas de representação e há indicação da fonte e de

legendas. Os recursos gráficos são bem trabalhados e esclarecem conceitos e

fenômenos. As atividades são direcionadas aos conteúdos propostos na unidade [...]

Do ponto de vista das figuras e material ilustrativo, a coleção apresenta-se

alicerçada, trazendo um bom acervo [...]. Os aspectos escalares e cartográficos são

bem contemplados nos mapas e suas legendas, trazendo sempre suas fontes e

créditos [...] (BRASIL 2014 p. 11,42 e 54).

Os dados citados serão melhor discutidos e analisados ao longo do trabalho.

Entretanto, vale ressaltar que, os problemas encontrados no PNLD (BRASIL, 2014) foram

discutidos ao longo da investigação. A seguir, será apresentada a análise dos três livros

propriamente dita.

Page 36: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

36

3.3.3 Análise dos mapas apresentados nos Livros Didáticos

A primeira observação a se fazer em cada coleção é em relação à riqueza de elementos

visuais (fotos, figuras, mapas, gráficos). É possível verificar que a maioria dos capítulos de

cada coleção têm pelo menos um mapa. Cabe ressaltar que os capítulos que apresentam uma

maior quantidade de mapas são os que trabalham com o conteúdo específico de cartografia,

com exceção do Projeto Araribá que apresenta uma organização bastante peculiar. Os

conteúdos deste livro são divididos em oito unidades com quatro temas cada. No final de cada

unidade o livro desenvolve um tipo específico de representação gráfica. O que vemos aqui é

uma tentativa de representar cada conteúdo de forma diferenciada, respeitando suas

particularidades. Contudo, o que percebemos é uma fragmentação dos conceitos cartográficos.

Nos outros livros, que apresentam, capítulos específicos para o ensino-aprendizagem da

cartografia, foi notória que a quantidade de mapas diminui significativamente nos capítulos

seguintes.

Percebe-se ainda que a cartografia continua a ser vista como um capítulo isolado e que

na maioria das vezes não é retomada nos capítulos seguintes. É importante salientar que há

conteúdos de cartografia em todos os capítulos do livro didático. E para isso, é fundamental o

papel do professor em perceber essas fragilidades cartográficas do livro para que possa pensar

e repensar suas práticas de ensino, partindo de uma reflexão crítica sobre suas práticas para

entender as necessidades do aluno e tentar oferecer metodologias de ensino que preencham as

lacunas metodológicas do livro didático.

Optamos por analisar apenas alguns mapas apresentados nos três livros, e trazer

apontamentos e reflexões sobre as fragilidades e potencialidades destes documentos

cartográficos ancorados no referencial teórico do trabalho. Desse modo, trouxemos mapas

com temas diferenciados. A análise seguinte mostra dois mapas de curvas de nível, entre

outros.

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37

Figura 6: Mapa Topográfico. Extraído de ADAS, M.; ADAS, S. Geografia 6º ano, p. 65, 2011.

O mapa da Figura 6 mostra uma das formas de se representar o relevo com as curvas

de nível e perfil topográfico. Este mapa encontra-se no capítulo sete do livro Expedições

Geográficas em que aborda a representação gráfica do relevo da superfície terrestre. No

capítulo são apresentadas várias formas de representar o relevo, como mapa de curvas de

nível, bloco diagrama, cartas topográficas e mapa de altitude. Nesta unidade do livro trabalha-

se primeiro as técnicas de se representar o relevo, apenas posteriormente são abordadas as

formas do relevo. Desse modo, o livro traz a técnica antes de problematizar o conceito de

relevo, como surgiu, para que serve, suas formas, como está apresentado na superfície

terrestre. Introduz informações técnicas sem produzir reflexões teórico-práticas, resultando

em um conteúdo desconexo, fragmentado e desarticulado, podendo comprometer o

entendimento do aluno, e até mesmo, a prática do professor. Para apresentar o conteúdo de

forma coerente, os mapas de relevo poderiam vir juntos aos conteúdos, assim, essa temática

geográfica teria seu suporte indispensável, o mapa.

Page 38: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

38

Figura 7: Mapa Topográfico. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º ano, p. 97, 2012.

O mapa apresentado na Figura 7 traz o mesmo tema do mapa anterior, porém este

trouxe uma proposta de atividade para se trabalhar com os alunos. No livro didático Jornadas

Geo o mapa é encontrado no capítulo quatro que trata do relevo terrestre, ações humanas e da

natureza. O capítulo aborda o relevo e suas transformações, entretanto o tema é tratado com

pouquíssimos recursos cartográficos, contando apenas com um bloco diagrama para se

representar o relevo. No entanto, nas atividades o livro traz como proposta um mapa

topográfico para se trabalhar curvas de nível. Este livro trouxe um problema parecido com o

anterior, conteúdo sem mapas e atividades que cobram leitura e interpretação cartográfica.

Neste sentido, percebemos que a cartografia e o ensino de geografia não estão

correlacionados em alguns capítulos dos livros didáticos. A cartografia é tratada como um

conteúdo isolado do ensino de geografia de maneira desarticulada com as temáticas do livro.

Além das desconexões entre conteúdo e mapa, outras questões permeiam a temática de

curvas de nível (Figuras 6 e 7), a complexidade e a densidade. Trata-se de um mapa técnico,

cartesiano e euclidiano. Essas peculiaridades dos mapas topográficos refletem diretamente no

entendimento do aluno sobre as dinâmicas da superfície terrestre, remetem ao imaginário uma

verdade, como se o relevo fosse apenas um recorte cartesiano imutável, deixando em segundo

plano todas as interações geomorfológicas como a erosão e deposição de sedimentos em um

determinado período.

Page 39: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

39

Sobre o discurso da verdade cartográfica e as naturalizações praticadas no ensino,

Fonseca (2012) afirma que

A cartografia escolar é muito propensa às práticas naturalizadas. Ela é um campo de

reprodução e está envolvida por tradições de longa data que subsistem sob a

proteção de uma imagem de precisão e de verdade localizacional. Dito de outro

modo: está submetida á ideologia da verdade, no caso a ideologia da verdade

topográfica [...] (p. 177).

Ambos os mapas apresentam o mesmo recorte territorial, o Pão de Açúcar e o Morro

da Urca localizado no Rio de Janeiro. A geomorfologia destes lugares é frequentemente

utilizada devido a sua potencialidade didática. Abarca uma série de características que ajudam

no processo de ensino-aprendizagem, como: curvas de nível elevadas e baixas, inclinações

íngremes e suaves além de uma silhueta bastante midiática.

Comumente os livros didáticos trazem exemplos de mapas com a cidade do Rio de

Janeiro e São Paulo para mostrar parcelas de seus territórios com suas redes e fluxos. Duas

das maiores cidades brasileiras que configuram uma das mais expressivas metrópoles globais.

Devido a impossibilidade do livro didático abranger as particularidades dos diversos

territórios nas quais é difundido, percebemos a presença constante dessas cidades em maior

evidência, secundarizando outras, criando assim, no imaginário do aluno a valorização de

cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, em detrimento das outras. Desta forma, os

elementos de suas localidades, que também possuem potencial didático, não são explorados.

O livro didático Projeto Araribá, não traz mapas nem conceitos referentes à curva de

nível. Neste caso, cabe exclusivamente ao professor decidir se o conteúdo deverá ou não ser

apresentado aos estudantes.

O mapa apresentado no capitulo 4, Território e poder (Figura 8), nos diz muito sobre a

produção de subjetividade engendrada com a cartografia dos livros didático.

Page 40: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

40

Figura 8: Mapa Político. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º ano, p. 30, 2012.

A Figura 8 mostra um mapa político do mundo com seus territórios, seus limites e

fronteiras. O livro discute os conceitos de território, nação, fronteiras e limites, e tenta mostrar

as diferenças entre os termos. Especifica que existem fronteiras naturais e artificiais, e que os

limites e fronteiras podem resultar de acordos entre países para delimitar seus territórios e

afirmar poder e soberania nacional.

Estes mapas reforçam no imaginário do aluno o discurso de Estado Nação e suas

ideias nacionalistas para legitimar seu poder e controle sobre os sujeitos em processo de

formação e escolarização. Como afirma Oliveira Jr. (2011, p. 4), esse discurso “naturaliza esta

forma de pensar o espaço a partir daquilo que os mapas nos dão a ver, ou seja, o modo como o

Estado, enquanto forma social, pensa este espaço e o utiliza na manutenção do seu poder”.

Page 41: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

41

O mapa, como um produto cultural, materializa em suas formas o discurso de um

grupo social. Ou seja, os mapas do livro didático reproduzem o discurso da classe dominante.

Enquanto gestos da cultura, os mapas refletem o atual modelo de sociedade, pois, como

afirma Bourdieu (apud SILVA, 2004, p. 34), “a dinâmica de reprodução social está centrada

no processo de reprodução cultural”.

Nesse discurso os mapas trazem a ideia de verdade absoluta, como se o espaço fosse

imutável, como se o mundo sempre fosse do mesmo jeito. Partindo do discurso hegemônico

do Estado Oliveira Jr. (2011, p. 7) argumenta que

Os mapas fazem parte, portanto, parte da ficção que o Estado cria, dos discursos de

verdade que circulam entre nós. Eles, os mapas, estão a nos educar o pensamento

por meio da educação dos olhos para esta ficção, uma educação que nos leva a

memorizar fronteiras políticas como a única maneira de nos movimentarmos –

encontrarmos os lugares, referenciá-los, relacioná-los uns aos outros – nas obras

cartográficas [...]. Podemos dizer que este é um gesto cultural nada inocente, de

apagamentos de outras maneiras de imaginar o espaço [...]

Assim, o mapa torna-se um produto da máquina estatal que o utiliza para exercer seu

poder e esta cartografia obedece à lógica do Estado, traz para os livros didáticos um recorte

capitalista do espaço geográfico.

Outra coisa que podemos perceber em todos os mapas apresentados no livro didático é

o uso da escala, independente de sua extensão ou projeção. Percebemos com Fonseca (2012,

p. 182) que a escala cartográfica se refere ao fundo do mapa e a sua projeção, tratando-se,

portanto, de “uma relação geométrica entre duas realidades de tamanho e formatos (curvos e

planos diferentes)”. Quando colocamos escala no mapa induzimos o leitor a pensar que este

servirá para estabelecer uma correspondência igual com qualquer parte do mapa. Fonseca

(2012) nos mostra como essa percepção é equivocada, especialmente quando trabalhamos

com mapas de pequenas escalas, como, por exemplo, o mapa-múndi apresentado na Figura 8.

Em uma projeção cilíndrica, por exemplo, a escala cartográfica só é correspondente na Linha

do Equador. Quanto mais direcionamos para os polos, menor torna-se a correspondência.

Todas as “projeções têm suas variações, que não só não aparecem na cartografia escolar,

como ao contrário, se trata como se essas projeções não produzissem essa complexidade de

resultados diferentes extensões do mapa” (FONSECA, 2012, p. 183).

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42

Figura 9: Mapa do Brasil, Redes de Transportes. Extraído de ADAS, M.; ADAS S. Geografia 6º ano, p. 50,

2011.

A Figura 9 mostra um mapa do Brasil com suas redes de transportes. O intuito do

mapa é tentar introduzir ao aluno sua leitura e interpretação acerca dos conjuntos de

elementos que o compõe. Assim, o mapa sugere ao aluno que seus principais elementos são: o

título, a fonte, a rosa dos ventos (orientação), a escala, a legenda, as coordenadas geográficas

e a localização no espaço terrestre.

O nível de complexidade do mapa é notório. Foram sobrepostos excessos de

informações desnecessárias para o objetivo do mapa, que trata justamente de esclarecer ao

aluno suas principais características. No entanto, esse emaranhado de simbologias deixou o

mapa obscuro e confuso, podendo dificultar sua leitura e interpretação.

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43

Nota-se rios, estradas pavimentadas, estradas em pavimentação, estradas sem

pavimentos, divisões políticas, toponímia, portos, aeroportos internacional e doméstico,

terminais hidroviários, hidrovia, ferrovia. Cabe-nos pensar: por que e para quê tanta

informação em um único mapa?

Como já discutido, o Estado utiliza o mapa como suporte para mostrar suas

potencialidades territoriais. Este mapa reflete este discurso, mostra em suas simbologias as

potencialidades do território e, ao mesmo tempo, o torna hierarquizado e invisibiliza outras

formas de apresentar o território com suas tramas de relações.

No livro didático Projeto Araribá, as representações gráficas da Unidade I explicam

resumidamente o que é croqui, planta, carta, mapa, bloco-diagrama, maquete e infográfico,

mas não discorrem nada sobre os elementos que as compõem, nem mesmo a escala

responsável por designar as dimensões dos lugares no mapa. Em nenhum momento o livro

discute a relação entre escalas e o nível de detalhamento, responsável por diferenciar croqui,

planta e carta. Praticamente todos os mapas do livro apresentam escala, legenda, norte e título,

mas eles só são discutidos de forma bastante simples no final da Unidade 3.

A partir dessa constatação, fica o questionamento: se o livro didático não diz para que

serve escala, legenda, norte e título até o final da terceira unidade, porque utilizam esses

elementos nas unidades anteriores? Como esperam que os estudantes interpretem esses

elementos dos mapas? Parece que esses elementos estão no livro mais por uma “precaução”,

contra possíveis rejeições dos avaliadores contratados pelo PNLD, do que realmente por

necessidade pedagógica.

Observamos também a forma como os instrumentos de orientação geográfica são

apresentados no livro didático Projeto Araribá. Consideramos pertinente por parte do livro

não se limitar a explicar apenas para que eles servem e como utilizá-los. Podemos perceber na

Figura 10 que o livro traz informações do contexto histórico cultural no qual o instrumento foi

criado. Desta forma, o aluno pode compreender que a bússola, o astrolábio e o GPS são

ferramentas construídas pelo homem para atender objetivos diferentes, em situações

diferentes, com narrativas diferentes.

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Figura 10: Instrumentos de orientação. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 28-29, 2010.

Infelizmente o mesmo não acontece com as outras linguagens cartográficas e os

elementos que o compõem. Seemann (2011) explica que os conteúdos cartográficos no

currículo e também no livro didático de geografia se apresentam como “carto-fatos”, pois

raramente são ensinados e aprendidos nos seus contextos histórico-culturais. Como aponta

Santos apud Aguiar (2011)

A abordagem cartográfica parte do postulado de que os interesses grupais ou de

classe fazem acontecer tudo, mas não explicam nada. E isto porque a explicação

nunca explica o que acontece ou, por outras palavras, porque o “que” do acontecer

só é susceptível de explicação enquanto “como” do acontecer, enquanto via de

acesso única ao “quê” do acontecer (p. 4).

A forma como o livro aborda os fusos horários e os meridianos é um bom exemplo da

indiferença acerca das tramas e histórias que sustentam a utilização desses elementos. O livro

explica que a linha imaginária foi criada a partir de uma convenção internacional realizada em

1884, nos Estados Unidos, portanto, uma criação humana. Contudo, existe uma teia de

relações que implicaram na escolha de Greenwich enquanto meridiano central e que não

foram explicadas no livro. Segundo Seemann (2011), a Grã-Bretanha, principal potência

econômica e militar da época, foi colocada no centro do mundo, tornando-se referência a

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45

todos os outros países. Os países rivais como França e seus aliados resistiram durante décadas

a essas medidas. Quando entendemos os processos que dão origem à linguagem cartográfica,

a forma como olhamos o mapa se transforma, pois somos capazes de pensar o jogo de forças

que organizam as informações. Entendemos com Seemann (2011) que atrás das divisões

globais, das projeções cartográficas ou da criação dos meridianos estão contidos acordos,

negociações, tramas e atores que desencadeiam as ações e que são, quase sempre, ignorados.

Por isso, a importância de não aceitarmos a cartografia como representação neutra de fatos

naturalmente dados.

Durante as análises feitas com os livros didáticos, percebemos, com Fonseca (2012),

que existem muitas formas de projeção, mas poucas são utilizadas nesses materiais escolares.

A projeção de Mercator é ainda a mais utilizada. Contudo, como explica Fonseca (2012), a

soberania dessa projeção nas escolas foi abalada pela “revelação do seu papel ideológico, já

que entre suas infidelidades geométricas, a ampliação das dimensões das terras em altas

latitudes, daria aos “países do Norte” uma supremacia territorial”, como podemos observar na

Figura 11.

Figura 11: Mapa de zonas térmicas da terra. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 41, 2010.

Nesse mapa, ficamos com a sensação de que a zona tropical compreende uma porção

de terra muito inferior às zona polares. Outra possibilidade de projeção cartográfica foi

desenvolvida por Peters (1973). Embora deforme as fronteiras dos países e continentes, ela

permite que nós visualizemos as dimensões de terra com maior “fidelidade”. Desta forma, as

porções territoriais inseridas na zona tropical se apresentariam maiores do que as da zona

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46

polar. Contudo, outra característica importante dos mapas do livro didático podem ser

facilmente percebidas nesta imagem. A Europa sempre no centro do mundo, mesmo sem

nenhuma razão geométrica para isso. Fonseca (2012) conta que essa característica não é

exclusiva da cartografia escolar, ela é percebida também em outros trabalhos científicos e

publicitários.

Fonseca (2012) nos mostra que a naturalização das projeções centradas na Europa

contribui também para uma visão naturalizada dos continentes. Embora essa divisão às vezes

pareça óbvia por acreditarmos que continentes são grandes porções de terra separados por

oceanos, Grataloup apud Fonseca (2012) nos lembra que essa divisão é resultado de ações

humanas, fruto de extrapolações dos mapas-múndi medievais.

Figura 12: Mapa político europeu. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 69, 2010.

Percebemos na Figura 12, que os lugares fora do continente europeu foram

completamente ignorados. Não existe relação com as informações externas, nem os nomes

dos países são informados. Fonseca (2012) explica que a fronteira oriental da Europa

encontra-se nas montanhas de Ural devido a interesses políticos do então império Russo, no

início do século XVIII. Esse tipo de informação é completamente ignorado nos livros

didáticos analisados.

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47

Outro elemento de representação gráfica que aparece em todos os mapas é a rosa dos

ventos. Esse importante elemento cartográfico permite determinarmos, por meio de pontos

cardeais, as direções Norte, Sul, Leste e Oeste. Contudo, a rosa dos ventos é utilizada de

forma desnecessária e, às vezes, até inconsequente, como discutiremos por meio da Figura 13.

Figura 13: Mapa político asiático. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 70, 2010.

Esse mapa apresenta o continente asiático através de uma projeção cônica. Nesse tipo

de projeção as distorções próximas ao paralelo de contato com o cone são pequenas e

aumentam à medida que as superfícies representadas se distanciam desse paralelo. Por isso,

essa projeção se torna muito eficiente em mapas que representem porções de terras em

latitudes médias, como, por exemplo, os continentes. Contudo precisamos ficar atentos as

relações envolvendo a rosa dos ventos. Na projeção cônica, ao contrário da de Mercator, a

rosa dos ventos só aponta para norte quando colocada no cento do mapa. Se colocarmos o

desenho da rosa dos ventos em cima de países distantes do meridiano central do mapa, as

direções serão desfiguradas. Para que isso não ocorra é preciso que a rosa dos ventos

acompanhe o anglo de inclinação dos paralelos, caso contrário, poderemos interpretar, por

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exemplo, que a Inglaterra está ao norte da Turquia. Esse tipo de observação não é explicitado

em nenhum momento no livro didático.

Figura 14: Mapa de Vegetação Nativa e Áreas Devastadas. Extraído de ADAS, M.; ADAS, S. Geografia 6º ano,

p. 194, 2011.

O mapa apresentado na Figura 14 mostra o predomínio da vegetação nativa no Brasil e

suas áreas devastadas. Porém, a legenda com o mapa que indica onde o fenômeno ocorre não

trouxe para a representação a Mata dos Cocais, sendo que o conteúdo do livro sugere a

presença dela neste mapa. Apesar disso, a legenda e o mapa não mostram essa vegetação, o

que pode prejudicar o aprendizado do aluno e comprometer seu entendimento acerca do

assunto.

Além da questão de mapa e legenda, essa representação conta com problemas

em relação à escala do fenômeno. A vegetação litorânea está distorcida nesta escala pequena.

Por exemplo, o manguezal ficou mal representado, passando uma impressão que ocorre

pequenos fragmentos no litoral brasileiro, sobretudo, no Espírito Santo, que mostra a

ocorrência do ecossistema manguezal apenas na região norte. Assim, devido à escala pequena,

o fenômeno sofreu um elevado grau de redução dentro da representação.

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Figura 15: Mapa do Brasil, previsão do tempo - 15 de fevereiro de 2011. Extraído de ADAS, M.; ADAS, S.

Geografia 6º ano, p. 171, 2011.

A Figura 15 apresenta uma previsão do tempo feita no ano de 2011. O mapa mostra

fenômenos climáticos de forma estática. Dessa forma, as dinâmicas do clima tornam-se

imutáveis no mapa, enquanto que o tempo é um fator climático totalmente dinâmico, que a

todo o momento se transforma, muda suas direções, sua temperatura, umidade e precipitação,

ou seja, é um fenômeno que sofre constantes processos de transformações. Em curtos

períodos de tempo podem ocorrer mudanças bruscas e imediatas. É um fenômeno vivo,

carregado de energias e forças que se chocam a todo instante.

O mapa traz um quadro com uma pergunta relacionada à previsão do tempo da região

onde o aluno mora. De certa forma, a previsão do tempo da representação poderia se tornar

um dispositivo dinâmico se o professor fizesse uma comparação da temperatura do ano e mês

indicado no mapa com a temperatura do mesmo mês do ano atual. Assim, o aluno teria um

parâmetro comparativo entre a temperatura de fevereiro de 2011 para a data atual. Porém, o

mapa traz apenas a previsão de fevereiro de 2011, ou seja, o aluno só poderia estabelecer o

parâmetro de comparação se os meses fossem equivalentes, caso contrário, o mapa não

serviria para o aluno relacionar as alterações do tempo de 2011 para a atualidade.

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50

Assim, o mapa não fornece informações necessárias para o aluno pensar as dinâmicas

do tempo, não contribui para ele perceber como o tempo sofre constantes processos de

transformação. O mapa traz um recorte de uma previsão obsoleta, portanto, insuficiente para

os alunos mediarem com seu cotidiano.

3.3.4 Atividades cartográficas do livro: novos fazeres e olhares para o ensino de geografia

Os livros analisados contam com um conjunto de atividades ao final de cada capítulo.

Nem todas as atividades propostas nos livros são remetidas à reprodução do conteúdo, pois os

autores trazem em alguns capítulos de cada livro propostas de atividades que possibilitam o

aluno a pensar criticamente os fenômenos que ocorrem no espaço geográfico. Selecionamos,

aqui, algumas destas atividades (Figuras 16, 17 e 18) reflexivas acerca da cartografia.

Figura 16: Atividade – confecção de croqui de aldeias. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º

ano, p. 76, 2012.

Page 51: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

51

Figura 17: Atividade – confecção de croqui de aldeias. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º

ano, p. 77, 2012.

Conforme mostram as Figuras 16 e 17, é notória a preocupação dos autores em propor

atividades que façam os alunos refletirem sobre outras formas de organização social. No texto

sobre as aldeias indígenas os autores tentam quebrar estereótipos estabelecidos sobre os povos

nativos, como, por exemplo, que todo índio mora em ocas, sendo que na verdade o texto

esclarece que cada nação indígena organiza seu espaço de acordo com sua cultura. Ou seja,

nem todos os povos indígenas moram em ocas propriamente. Essas informações buscam

Page 52: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

52

quebrar paradigmas equivocados acerca das nações indígenas e, de alguma forma, tentam

mostrar a heterogeneidade de alguns povos.

A confecção do croqui emerge como proposta para reforçar junto ao texto a

diversidade de organização territorial dos povos indígenas. Assim, pela produção do croqui os

alunos podem estabelecer parâmetros comparativos das formas de organização social de cada

aldeia e, ao mesmo tempo, perceberem as diferentes relações que os povos tecem com seu

território. Nesse caso, o aluno poderá notar que os povos organizam seu território de acordo

com sua cultura e seu modo de vida, podendo até mesmo comparar com a organização da

cidade ou do bairro em que mora.

Figura 18: Brasil: regiões hidrográficas. Extraído de ADAS, M.; ADAS S. Geografia 6º ano, p. 160, 2011.

Conforme mostra o mapa da Figura 18, o Brasil está dividido em doze regiões

hidrográficas, com características naturais, sociais e econômicas semelhantes. Essa divisão foi

Page 53: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

53

elaborada para orientar o aproveitamento dos recursos hídricos do país, e tentar assegurar o

uso racional da água e seu gerenciamento.

Os autores trouxeram uma proposta interessante para o aluno entender como estão

organizadas as bacias hidrográficas e articularam junto ao mapa um texto síntese para cada

bacia, com suas principais características e funções. Assim, o aluno poderá compreender a

disposição das bacias no território brasileiro, bem como entender que os sistemas

hidrográficos não se limitam às divisões políticas e administrativas do Brasil. Neste sentindo,

num âmbito nacional, o mapa não trouxe uma divisão limitada e hierarquizada do fenômeno,

pois mostra aos alunos que os rios se estendem além das fronteiras estaduais. Apesar respeitar

as áreas das bacias hidrográficas em território nacional, o mapa excluiu as partes das bacias

que estão além da área brasileira, limitando ou comprometendo a aprendizagem de que estes

elementos se expandem além das fronteiras políticas.

Portanto, embora o mapa se apresente como uma ferramenta objetiva e estática, a sua

leitura, tanto por parte dos alunos quanto por professores, pode produzir movimento,

problematização, fissuras no que é tido como dado e natural. Fazer mapa como uma arte de

usar, de ler esse texto imagético, pode ser um processo potente para engendrar outras

possibilidades de pensamento que não aquele baseado na representação, impulsionando a

invenção de outros mundos e outros processos de subjetivação. Afinal, como disseram

Deleuze e Guattari (1995), é preciso fazer um mapa, não um decalque, que traduz o mapa em

imagem ocultando o movimento implicado em sua produção, isto é, a cartografia. “Um mapa

tem múltiplas entradas, contrariamente a um decalque que sempre volta ao “mesmo”. Um

mapa é uma questão de performance, enquanto que o decalque remete sempre a uma

presumida competência (p.22).

Page 54: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

54

4 A CARTOGRAFIA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: PRÁTICA EM OFICINA

PEDAGÓGICA

4.1 TEORIA E PRÁTICA POR MEIO DE OFICINAS

Esta etapa da pesquisa se consistiu no desenvolvimento de uma oficina pedagógica

com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, o que possibilitou relacionar os conteúdos

propostos no livro didático com as vivências dos alunos no cotidiano, levando em

consideração seus saberes e suas percepções acerca do meio em que vivem.

Nas etapas anteriores da pesquisa, constatamos por meio de questionários e conversas

informais com alunos e professores que os mapas topográficos (curvas de nível) são alguns

dos mais complexos para se trabalhar e entender cartografia. Além dos relatos, na análise dos

livros percebemos fragilidades no conteúdo em relação aos mapas topográficos. Assim, para

tentar preencher as lacunas metodológicas do livro didático, optamos por desenvolver uma

oficina pedagógica, cuja ideia surgiu a partir de observações e reflexões acerca do tema. Neste

sentindo, buscamos soluções para uma das problemáticas em comum encontradas nos três

livros e, ao mesmo tempo, propor uma alternativa lúdico-cartográfica para o professor(a)

trabalhar suas aulas.

O processo de ensino aprendizagem não está apenas centrado na figura do

professor/mediador, mas nos saberes que são construídos pelos alunos. Esses valiosos saberes

devem ser apropriados pelo professor para pensar suas práticas de ensino.

Segundo Paviani e Fontana (apud FALCÃO, 2013):

Uma oficina é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e

significativas, baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos pedagógicos.

Nesse sentido, a metodologia da oficina muda o foco tradicional da aprendizagem

(cognição), passando a incorporar a ação e a reflexão. Em outras palavras, numa

oficina ocorrem apropriação, construção e produção de conhecimentos teóricos e

práticos, de forma ativa e reflexiva (p. 31).

De acordo com Cuberes (apud FALCÃO, 2013, p. 31), uma oficina pedagógica pode

ser entendida como “um tempo e um espaço para aprendizagem; um processo de

transformação recípocra entre sujeito e objeto; um caminho com alternativas, com

equilibrações que nos aproximam progressivamente do objeto a conhecer”.

Neste sentido, as oficinas pedagógicas possibilitam ao aluno um novo olhar acerca do

que é ensinado, tornando-o protagonista na construção do conhecimento, sendo a oficina uma

ferramenta que pode potencializar os saberes dos alunos, e assim, transformar a teoria em

aprendizagem. Esses saberes podem ser transformados, somados, multiplicados e

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55

incorporados aos “novos conhecimentos” que serão trabalhados. Assim, o processo de

construção do conhecimento se daria a partir da prática coletiva entre os sujeitos envolvidos,

buscando por meio de diálogo estabelecer trocas de conhecimento, desta forma, a construção

do conhecimento seria coletiva e os saberes compartilhados entre todos os atores envolvidos.

Para Figueirêdo (apud FALCÃO, 2013):

[...] as oficinas são um espaço de interação e troca de saberes, esta ocorre através de

dinâmicas, atividades coletivas e individuais que proporciona ao educando expor

seus conhecimentos sobre a temática em questão e assimilar novos conhecimentos

acrescidos pelos educadores. Esse processo de conhecimento dar-se a partir da

marca da horizontalidade na construção do saber inacabado. Esta experiência

enquanto prática democrática e participativa, se realiza mediante uma abertura do

educador, que não se coloca como o único detentor de conhecimento (p.32).

A construção de uma oficina é uma etapa importante para o desenvolvimento da

pesquisa, quando devem ser consideradas todas as etapas do processo, desde o planejamento

até sua etapa final, à avaliação e análise dos resultados. Para Paviani e Fontana (apud

FALCÃO, 2013, p.32), são considerados “o planejamento de projetos de trabalho, a produção

de materiais didáticos, a execução de materiais em sala de aula e a apresentação do produto

final dos projetos, seguida de reflexão crítica e avaliação”.

A proposta da primeira etapa da oficina abordou em seu bojo o seguinte tema: “A

Cartografia do Tesouro: Construção Coletiva de Mapas Imaginários de Curvas de Nível”.

O objetivo principal da oficina foi introduzir os mapas de curvas de nível e seus níveis

altimétricos de uma forma pouco convencional, trazendo como proposta a criação coletiva de

um mapa físico (curvas de nível) de uma área hipotética. Desse modo, o aluno se tornaria

sujeito mapeador, ele desenharia um mapa de uma ilha imaginária com suas curvas de níveis,

e nessa ilha um suposto “tesouro” estaria enterrado.

Para estimular a imaginação dos alunos, buscamos trazer para a atividade um

personagem da cultura pop do cinema hollywoodiano: o “Capitão Jack Sparrow” (Filme:

Piratas do Caribe). O personagem dependeria do mapa criado pelos alunos para esconder o

seu “tesouro” em uma determinada ilha. Assim, os alunos teriam a missão de “ajudar” o

Capitão a esconder seu tesouro, sendo seus cumplices piratas.

O “mapa do tesouro” surge como alternativa lúdico-cartográfica para trabalharmos

mapas topográficos, que nos livros didáticos são abordados de forma muito técnica, densa e

complexa para crianças do 6° ano.

A segunda etapa da oficina consistiu em desenvolver “Curvas de Nível Afetivas”, cujo

objetivo era o de representar coisas que os alunos gostam numa escala de importância. Quanto

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56

mais importante for, mais alto ela deve ficar, ou seja, deve estar numa curva de nível com

maior altitude.

Assim, durante o desenvolvimento da oficina, buscamos trazer aos alunos os fazeres e

pensares cartográficos, considerando o seguinte: “[...] uma cartografia para crianças seria

aquela que cartografa o real das crianças. Em outras palavras, aquela que dá grafia em forma

de carta, mapa, ao pensamento sobre o espaço que as crianças ou uma criança tem”

(OLIVEIRA JR., 2009, p.3).

Durante as oficinas, os registros foram feitos por meio de anotações por parte dos

pesquisadores. Foram catalogados os principais fatos observados e escutas dos alunos no

processo de criação das ações propostas. Além disso, os materiais produzidos pelos alunos

foram guardados para posteriores análises, bem como os registros fotográficos das atividades.

Portanto, a avaliação de todas as etapas implementadas no decorrer da pesquisa foi

realizada durante e após o desenvolvimento da oficina, tendo como objetivo introduzir o

processo de criação de mapas imaginários de curva de nível, para analisarmos como o aluno

pode construir e imaginar o espaço sem as normatizações e convenções cartográficas

presentes no livro didático.

4.2 A OFICINA

Após o planejamento da oficina com base na análise das bibliografias e dos dados

levantados, entramos em contato com os professores das respectivas escolas para retornarmos

e aplicarmos nossa proposta. Apesar de demonstrarem interesse na oficina, eles solicitaram

para que realizássemos a atividade no final de novembro, pois estavam finalizando os

conteúdos de geografia para aplicarem as provas e trabalhos avaliativos finais, e nossa

proposta poderia comprometer o cumprimento do currículo. Como não foi possível a

disponibilização das aulas para aplicarmos a oficina por nenhum dos professores de geografia

das escolas em tempo hábil para finalizarmos o presente trabalho, recorremos ao professor de

artes da E.M.E.F. Tancredo de Almeida Neves para trabalharmos com o sexto ano durante sua

aula. O professor aceitou a proposta, tendo em vista que além de adaptar nossa atividade para

as necessidades de sua disciplina ele entendia a importância da realização da mesma para o

aprendizado tanto dos alunos graduandos em geografia quanto dos alunos do sexto ano. Além

disso, esta interação permite que os conteúdos de geografia perpassem pelos de artes e vice-

versa, tornando a proposta interdisciplinar, uma vez que a cartografia é considerada ao mesmo

tempo arte, técnica e ciência.

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57

A oficina aconteceu na sala de artes, colaborando para seu desenvolvimento, já que a

mesma possuía mesas grandes e materiais como lápis de cor e giz de cera para uso dos alunos,

além dos já disponibilizados pelos autores. Como o cronograma escolar estava bastante

sobrecarregado, não foi possível realizar a oficina em apenas um dia com duas aulas

geminadas. Sendo assim, executamos a primeira parte dela na quarta aula do dia 12/11/2015 e

a segunda parte na última aula do dia 13/11/2015, com duração de 50 minutos cada, ou seja,

uma aula.

Por meio de conversas informais com alunos e com o professor de artes percebemos

uma peculiaridade na forma como suas aulas são trabalhadas. Como nos lembram Correa e

Preve (2011), a prática escolar tradicional obriga os alunos a permanecerem sentados em sala

de aula durante todo tempo, ensinando ao estudante o exercício da imobilização do corpo

antes mesmo dos outros conteúdos. Essa imobilização funciona como uma ação em busca do

equilíbrio ideal entre o que pode e o que não pode ser feito. Rompendo com essa prática

tradicional, as aulas de artes funcionam como uma válvula de escape para os alunos, durante

este espaço-tempo eles encontram brechas nas forças disciplinadoras da escola que os

obrigam a ficarem sentados em fileiras, a ouvirem antes de falar, a pedirem permissão para se

levantar.

A partir disto, o que buscamos com nossa atividade foi uma maior autonomia e

liberdade para que os alunos pudessem criar e inventar caminhos. Tal condição para

derivações e invenções da oficina permitiu que os objetivos pré-estabelecidos de ensinar

curva de nível ganhassem outros caminhos, além daqueles que obrigam sua fixação no mapa,

como uma sugestão, uma alternativa ao invés de uma obrigação. Essa implicação da curva de

nível formou-se como fios ou como teias, resultado das discussões mediadas durante a

oficina. Desta forma, o conteúdo se apresentou como uma oportunidade, algo a ser pensado e

discutido. Nesse sentido, a educação não se contrapõe ao conteúdo escolar, pelo contrário, se

faz junto, criando deslizes e rasuras, “permitindo que este escolar entre em devir com outro de

si mesmo, abrindo um porvir que incluiria parcelas e práticas, antes não configuradoras da

escolarização” (OLIVEIRA JR. 2012, p. 6).

4.2.1 Projeção do filme “Piratas do Caribe” e Proposta da Confecção do Mapa Coletivo

Iniciamos a aula nos apresentado e conversando um pouco sobre nossas propostas,

apesar dos alunos já conhecerem alguns dos pesquisadores e já terem sido informados no

primeiro encontro, em que realizamos a entrevista, que posteriormente haveria uma oficina.

Boa parte dos alunos demonstrou interesse e, apesar de certa euforia, tentavam prestar atenção

Page 58: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

58

nas nossas orientações. Em seguida, mostramos um vídeo com recortes da série de filmes

“Piratas do Caribe” dirigidos por Joachim Ronning e Espen Sandberg, tendo como

protagonista Johnny Depp no papel de Jack Sparrow, em que o pirata utilizava ferramentas de

navegação como mapas, bússolas, luneta, globo terrestres entre outros, em suas aventuras. O

filme operou como um dispositivo para problematizarmos a cartografia e sua funcionalidade

no espaço geográfico. No caso do filme, o personagem utiliza mapas como um objeto de

estratégia, para conquistar riqueza e domínio marítimo (Figura 19).

Figura 19: Cenas do Filme "Piratas do Caribe".

Com o termino do vídeo, a carta de Jack foi projetada para a turma, na qual ele

solicitava aos alunos que escondessem seu tesouro e confeccionassem um mapa.

Carta do Jack Sparow aos alunos:

“Marujos e marujas, conto com a ajuda de vocês para esconder meu tesouro na Ilha

Secreta e recuperá-lo depois! Para isso, além de escondê-lo vocês deverão desenhar um

Mapa do Tesouro ilustrando a ilha e o local onde está.

Para que apenas vocês e eu consigamos interpretar o mapa, peço que utilizem as

curvas de nível para me orientar e indicar onde o tesouro foi escondido.

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59

Lembro ainda que o ponto mais alto da ilha tem 100 metros de altura, sendo assim,

dividam-na em dez curvas de nível com intervalo de 10 metros de altura partindo do nível dor

mar.

Conto com a ajuda de vocês para ficarmos ricos!

Boa sorte,

Jack Sparow”

Após a projeção da carta, solicitamos que um aluno iniciasse a leitura, em seguida

vários outros se prontificaram a continuar. No entanto, sua brevidade não possibilitava texto

para todos. A narrativa emergiu como uma ferramenta intermediadora do filme com a

proposta de trabalho, possibilitando que os alunos trabalhassem um conceito cartográfico

técnico de forma lúdica.

Para que apenas eles soubessem onde estaria o tesouro, o pirata pediu que os alunos

utilizassem as curvas de nível para guiá-lo, dividindo a ilha em dez curvas de nível com

intervalo de dez metros cada. A partir daí fizemos uma breve explicação para os alunos sobre

o que era curva de nível e mesmo eles não conhecendo uma definição detalhada e clara sobre

o conceito era notável que boa parte já havia tido contato com o termo.

Em seguida, dialogamos com os alunos questionando o que a “ilha do tesouro” deveria

ter além do tesouro e das curvas de nível. A participação deles foi intensa, vários alunos

sugeriam coisas diversas, desde árvores à areia movediça, e todas as sugestões foram escritas

no quadro e acordadas com a turma para que depois desenhássemos no mapa (Figuras 20 e

21).

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60

Figura 20: Sugestões de elementos para o

mapa.

Figura 21: Confecção coletiva do mapa do

tesouro.

Dividimos os alunos em grupos de cinco componentes para que eles pudessem

confeccionar o mapa por etapas. Cada grupo construiu uma parte do mapa permitindo que

todos participassem da confecção. O envolvimento de cada aluno foi diferenciado, alguns se

concentraram mais na delimitação das curvas de nível e na escolha da localização dos

elementos do mapa, enquanto outros nos desenhos lúdicos e em pintar a ilha. Durante a

elaboração do mapa, não conseguimos cumprir a orientação da carta do pirata, que solicitava

dez curvas de nível, pois a proximidade e frequência das curvas impedia que os alunos

fizessem seus desenhos nos locais e tamanhos que queriam. Sendo assim, reduzimos a

quantidade para cinco curvas de nível, ainda intercaladas em alturas de dez metros até os 50

metros que seria o ponto mais alto da ilha, e sem contar com a delimitação da ilha onde

indicava o encontro dela com o mar.

Questionamos aos alunos onde eles queriam desenhar cada um dos itens levantados

anteriormente e a partir de suas escolhas e identificamos no mapa as áreas correspondentes a

cada altitude nos orientando pelas curvas de nível já desenhadas, permitindo que os alunos

praticassem a interpretação de um mapa topográfico. A partir dessa introdução aos conceitos

de altitude, os alunos passaram a associar as características peculiares de cada curva. Entre a

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61

curva de 0 a 10 metros os alunos desenharam predominantemente praias, pintando a maior

parte da área de amarelo. Na área fora da ilha, além do limite do mar, os alunos desenharam

ondas, um peixe e pintaram o tecido de azul. Decidiram também esconder o tesouro no ponto

mais alto da ilha, marcando um “X” vermelho na curva de nível de 50 metros. Porém, minutos

depois, alguns alunos decidiram desenhar um vulcão na parte mais alta da ilha, o que

acarretou em uma nova curva de nível que demorou a ser notada.

Assim, percebemos que a prática de criação de mapas pelos alunos permite inseri-los

em um contexto de experimentação e relação com o espaço. Nesse sentido, Aguiar (2009, p.

8) afirma que o desenho se constitui como “prática através da qual nossos alunos podem

deixar-se afetar pelos signos, por uma experimentação-limite no devir criança reconhecendo

nos mapas um engenho inventado por eles próprios”. Pensamos que, desta forma, os

estudantes são capazes de operar suas ações no espaço, criando suas próprias regras,

organizações e funcionamentos.

Após os 50 minutos de aula, agradecemos a colaboração de todos e avisamos que

teríamos uma nova atividade na aula seguinte. Alguns alunos ficaram tão envolvidos com a

oficina que pediram para continuar desenhando e pintando o mapa durante o recreio. Aqui

percebemos, com Correa e Preve (2011), que um dos pontos mais importantes da oficina

enquanto estratégia educativa, foi a ligação do oficineiro com a proposta escolhida. Assim, a

oficina começa quando se quer conhecer algo. Percebemos que a duração de uma oficina

depende também do interesse dos participantes. Enquanto alguns estudantes não participaram

diretamente da produção do mapa, outros dedicaram o momento do intervalo, normalmente

tempo de descontração e divertimento, para continuarem a oficina.

Além de permitir que eles dessem continuidade à atividade, aproveitamos para

explorar as criações deles e questionarmos sobre seus desenhos. Ao perguntarmos para um

aluno porque ele estava pintando de azul toda a área entre a curva de nível de 20 e 30 metros,

ele nos respondeu que antes não havia entendido, achava que ali ainda era mar, e mesmo

depois de ter compreendido que não era, decidiu continuar a pintar de azul e unir a um rio

formando um poço que protegia a ilha, assim, como os que protegiam os castelos. Desta

forma, o mapa confeccionado (Apêndice 4) surgiu a partir do imaginário dos alunos, saiu de

um plano cartesiano, perdeu suas convenções e suas normatizações, constituindo-se em um

produto de criação dos sujeitos que produziram sua própria linguagem e leitura acerca do

espaço.

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62

4.2.2 Aplicação e considerações da segunda etapa

Atividade 2

“Curva de Nível Afetiva” - Mapa Lúdico de Curvas de Nível

A segunda etapa da oficina foi realizada na sexta-feira dia 13 de novembro, durante a

última aula do dia. Para a conclusão do trabalho resgatamos alguns conceitos básicos sobre

curvas de nível. Para isso, utilizamos o quadro para desenhar o perfil topográfico da ilha

(Figura 22). Algumas perguntas foram feitas para aproveitar os saberes dos alunos acerca do

conteúdo. Em seguida, apresentamos o mapa produzido na aula anterior.

Figura 22: Apresentação do perfil topográfico da ilha imaginária.

Em relação ao mapa, elaboramos perguntas sobre as altitudes em que estavam os

desenhos, quais os pontos mais baixos e mais altos da ilha. No momento dos questionamentos

sobre a altura dos elementos desenhados no mapa, percebemos que os adolescentes se

sentiram valorizados por verem seu desenho como um ponto de referência da ilha imaginária,

assim como um ponto de referência da própria aula, mostrando dessa forma a relevância de se

construir um produto onde eles possam ser protagonistas. O mapa da ilha se tornou atraente e

foi o momento da aula que mais prendeu a atenção e a participação e produção deles,

tornando-se um artefato potente para unir o interesse dos alunos ao conteúdo, pois respondiam

a nossas perguntas com empolgação. Em um dado momento, estendemos o mapa desenhado

sobre as mesas e quando puxamos o tecido pela parte mais alta da ilha fizemos uma projeção

3D (Figura 24). Desta forma, apresentamos um método alternativo e didático para pensar a

topografia da ilha, diferente da que os alunos estão habituados a ver no livro didático.

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63

Figura 23: Efeito 3D do mapa com seu ponto mais alto, o vulcão.

Em seguida, pedimos aos alunos que fizessem um mapa afetivo com as curvas de nível

(Figuras 24 e 25). Explicamos a ideia principal do mapa, que poderiam desenhar sua própria

ilha imaginária e nela representar coisas que gostam em uma ordem de importância. Quanto

mais importante for, mais alto deveria ficar em uma escala de nível com maior altitude. Foram

distribuídas folhas A4, lápis de cor e giz de cera colorido para que os alunos pintassem e

desenhassem seguindo as prévias instruções.

Figura 24: Mapa afetivo feito por uma aluna. Figura 25: Momentos da confecção.

Obtivemos os mais variados resultados, pois em um primeiro momento nem todos

realmente entenderam a proposta, talvez, pelo fato do tempo ser curto e da atividade ser

novidade, a explicação da tarefa devesse ter levado mais tempo ou talvez também por alguns

alunos não se sentirem motivados a participar da atividade. Enquanto um grupo trabalhava

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64

com o mapa, outros cantavam e tocavam instrumentos musicais, como tambor e pandeiro na

sala de artes. Apesar do barulho, a música não atrapalhou a produção dos demais, pelo

contrário, criou um ambiente descontraído de diversão e socialização entre os alunos.

O fato dos alunos não se conterem nas carteiras a maior parte do tempo, não significou

que o processo de ensino-aprendizagem não aconteceu. Pode ser que a educação

escolarizante, vinculada aos poderes políticos do Estado com a finalidade formar cidadãos

úteis, não estivesse vigorando neste caso. Pois a educação é algo mais abrangente, como

explica Correa e Preve (2011, p. 187): “Educação é qualquer coisa que produza variação em

termos de compreensão ou de perspectiva ou de visão”. Assim, a educação não seria nem boa

nem ruim, mas um processo de modificação, que pode acontecer por meio de práticas caóticas

que não dependem de uma organização, ao contrário da escolarização.

O movimento dos alunos foi constante durante toda a oficina. Através dela, os alunos

desenhavam hora com base no conteúdo, hora apenas por diversão, depois brincavam,

cantavam, discutiam, faziam as pazes e novamente voltavam a fazer as atividades propostas.

Nesse contexto, pensamos que o ensino-aprendizagem aconteceu mesmo no caos, em uma

turma extremamente heterógena, com interesses diversos e momentâneos, sempre

estabelecendo relações, sempre criando caminhos. Percebemos também, durante a oficina, a

produção de efeitos não escolarizantes, o que significa “abrir espaço para o desconhecido,

reduzir o investimento na segurança do mesmo” (CORREA e PREVE, 2011, p. 197).

Continuando com a oficina, preferimos atender os alunos individualmente para que

pudessem entender melhor a proposta. Notamos que os estudantes que optaram por desenhar e

que no primeiro momento não entenderam a dinâmica se sentiram atraídos e queriam mais

tempo para entregar os desenhos ou queriam refazê-los. Realmente, houve muita entrega por

parte de alguns durante os dois dias de atividade. Com base nos desenhos dos mapas afetivos

e nas conversas com os estudantes durante o decorrer da oficina, que se propuseram a

desenhar os mapas, constatamos que a maior parte dos alunos valoriza as relações

interpessoais e as atividades práticas como forma de lazer. Por outro lado, o que os alunos

identificam como o que menos gostam é o ato de estudar. Interpretamos que o fato de

colocarem a família nos lugares mais ao centro e estudar, talvez por verem esse ato como uma

obrigação ou um ato penoso, nos lugares mais afastados do centro, indicam que eles

conseguiriam ter uma percepção das áreas mais altas e das áreas mais baixas, pois colocaram

a família no topo (Figura 26), sendo que alguns até lembraram de colocar a altitude de cada

curva.

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65

Figura 26: Mapa afetivo com legenda indicativa das preferências do aluno (a).

Neste sentido, a produção e criação de mapas em oficina oportunizaram novas

abordagens acerca da cartografia, possibilitando novos caminhos e novas formas de

compreender o espaço geográfico, significando andar por:

[...] percursos em aberto, onde crianças e jovens são expostos a obras da cultura

(escolar ou não escolar) que promovam conexões múltiplas entre a cultura

(linguagem) cartográfica dispersa em nossa sociedade e os universos culturais dos

alunos, com suas singularidades, criando uma zona contaminada de pensamentos

variados, onde as obras expostas são atravessadas por esta multiplicidade de

pensamentos e sensações que para elas converge das singularidades dos estudantes e

estes últimos são atravessados pelos inusitados outros modos de existir da

cartografia (OLIVEIRA JR., 2012, p. 5).

A aula que nos foi cedida para a realização da oficina foi a aula de Educação Artística.

Talvez esse fato tenha causado certo desgosto nos alunos, que preferiam as aulas

convencionais de artes em detrimento das aulas de geografia. Pode ser levado em conta que

essa oficina pode muito bem ser feita aliando o estudo de artes com a geografia já que a

imaginação e as expressões artísticas possuem extrema importância para os produtos finais. A

aula ter ocorrido no ultimo horário de uma sexta-feira também pode ser um fator que

contribuiu para deixar os alunos inquietos. Talvez por isso, parte da turma participou de forma

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66

menos ativa na oficina, pois já estavam cansados com a carga da semana inteira e empolgados

para o final de semana.

Durante a oficina os alunos ficaram divididos entre o fazer o mapa e não fazer, pois

enquanto aplicávamos as atividades outras coisas aconteciam na sala ao mesmo tempo e

acabavam despertando a curiosidade. Alguns alunos tocavam instrumentos musicais e

cantavam. Alguns dos que estavam participando da oficina ficaram tentados a entrar na

brincadeira dos outros e, como a aula nos foi cedida com muita boa vontade do professor de

artes, não nos sentimos no direito de obrigar os alunos a realizarem a atividade, dando a eles a

opção de participar por livre e espontânea vontade.

Figura 27: Encerramento da oficina com os alunos e os autores do trabalho.

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67

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As vivências durante a pesquisa nos permitiram imergir e compartilhar experiências

com o cotidiano das escolas e dos alunos e, nesse processo, percebemos que a aprendizagem

da cartografia pode ser manifestada por meio dos saberes dos alunos, materializados em uma

linguagem de signos e símbolos inseridos em um desenho, dentro de um espaço aberto ao

imaginário. Nesse processo imagético e aberto a outros fazeres cartográficos, compartilhamos

novas experiências e novos olhares acerca do fazer cartografia.

O “fazer” emergiu como proposta problematizadora sobre o “refazer” (reproduzir)

cartografia, de modo que ao “fazer” o mapa o aluno manifesta em um plano seu saber sobre o

mundo, ou seja, sobre seu próprio mundo, e ali, no mapa, cristaliza seu pensamento acerca do

espaço em que vive, da sua realidade, de seus gestos, gostos e emoções. Neste sentindo, o ato

de mapear inserem os alunos em um espaço construído por eles mesmos, permitindo por meio

dessa construção problematizar esse espaço, possibilitando, de certa forma, uma mediação

com o ensino de geografia, de modo, que, o aluno produza conhecimento e autonomia.

No entanto, salientamos que os conceitos de mapa estabelecidos nos livros didáticos se

mostraram insuficientes para se pensar o espaço geográfico, uma vez que traz limitações

metodológicas e mostram um mundo a partir da visão de seu construtor. Assim, durante

nossas experiências nas escolas percebemos que para se trabalhar a cartografia é necessário

pensar metodologias alternativas e, até mesmo, criativas para estimular os alunos a

compreenderem essa temática. Para tanto, cabe ao professor saber utilizar da melhor forma

essa ferramenta indispensável no ensino de geografia. Não se prender aos métodos prontos do

livro didático, mas pensar criticamente suas práticas de ensino para fazer o melhor uso da

cartografia.

A prática do desenho em mapas propõe práticas que abordam a poética do espaço,

outros olhares, as subjetividades advindas do cotidiano. Assim, relacionar o cotidiano com a

construção de mapas é bem interessante, pois os mapas são bem mais que uma mera

representação do território, são a materialização das experiências vividas. Neste sentido, o

mapa torna-se um instrumento aberto à criação dos indivíduos, sendo que o ato de mapear

pode subverter convenções e normatizações estabelecidas.

Os saberes dos alunos são materializados no mapa, sendo este, o produto final do

processo de criação e leitura. A imaginação se cristaliza em forma de mapa, porém a

imaginação é mais importante que o mapa, ela é abstrata sofre constantes processos de

mutações, já o mapa é um objeto concreto imutável. Portanto, o mapa é instrumento criado

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68

pela imaginação e nesta relação, o imaginário se sobrepõe ao objeto (mapa) criado por ela

mesma, sendo o mapa apenas um ponto de partida para uma reflexão bem mais profunda e

complexa.

Page 69: A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES

69

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7. APÊNDICES

ANEXO 1- Livros didáticos adotados na pesquisa

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APÊNDICE 1 - Carta fictícia do personagem "Jack Sparrow"

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APÊNDICE 2

Questionário Diagnóstico – Alunos

Escola:________________________________________________________________

Nome:_________________________________________________________________

Idade:__________ Gênero:______________________ Id Aluno:________________

1- Você já estudou com algum mapa?

( ) Sim ( ) Não

2- Você gostou?

( ) Sim ( ) Não

2.1 - Por quê?

_____________________________________________________________________

_________________________________________________________________

3- Você aprendeu/entendeu?

( ) Sim ( ) Não

3.1 - Por quê?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

4- Você sabe o que é um mapa?

( ) sim ( ) Não

5- Quais dessas figuras você acha que são mapas?

( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5

5.1 - Então, o que é um mapa?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

6- O professor utiliza o livro didático?

( ) sim ( ) Não

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85

7- Existem mapas no seu livro didático? (Você percebe a existência de mapas no livro

didático?)

( ) sim ( ) Não

8- Seu (sua) professor(a) utiliza mapas (além dos do livro didático) durante as aulas?

( ) sim ( ) Não

9- Os mapas estão presentes no seu dia-a-dia? (Que tipos de mapa você utiliza no dia-a-

dia?)

9.1 - Como?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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APÊNDICE 3

Questionário Diagnóstico – Professor

Escola:_____________________________________________________________________

Nome:_____________________________________________________________________

Formação__________________________________________________________________

Tempo de trabalho como professor:_____________________________________________

Idade:__________ Gênero:______________________ Id Professor:_____________

1- Com que frequência você utiliza o livro didático?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

2- Como você avalia o ensino de Cartografia no livro didático?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

3- Você já encontrou algum erro nos mapas do livro didático? Se sim, qual? Os mapas

são bem elaborados?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

4- Com que frequência você trabalha a Cartografia com o 6º ano?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

5- Como você tem trabalhado a Cartografia com o 6º ano?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

6- Você já pensou/trabalhou outras propostas/metodologias para trabalhar a Cartografia?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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7- Você utiliza a cartografia para trabalhar outros conteúdos?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

8- Quais são as principais dificuldades em trabalhar a Cartografia?

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

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APÊNDICE 4 – Mapa da Ilha do Tesouro produzido pelos alunos