UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA Jordano Francesco Gagno de Brito Pedro Silva Goldring Soares Robnelson Ribeiro dos Santo Thaine Ribeiro Santos "A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES." VITÓRIA 2015/2
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A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE
CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA
Jordano Francesco Gagno de Brito
Pedro Silva Goldring Soares
Robnelson Ribeiro dos Santo
Thaine Ribeiro Santos
"A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES."
VITÓRIA
2015/2
Jordano Francesco Gagno de Brito
Pedro Silva Goldring Soares
Robnelson Ribeiro dos Santo
Thaine Ribeiro Santos
"A CARTOGRAFIA PARA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: POSSIBILIDADES E EXPERIMENTAÇÕES."
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao
Departamento de Educação, Política e Sociedade, do
Centro de Educação, da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito para obtenção do
grau de Licenciado(a) em Geografia.
Orientadora: Prof.ª Dra. Patrícia Gomes Rufino
Andrade
VITÓRIA
2015/2
Jordano Francesco Gagno de Brito
Pedro Silva Goldring Soares
Robnelson Ribeiro dos Santo
Thaine Ribeiro Santos
EXPERIMENTAÇÃO E ANÁLISE DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA
CARTOGRAFIA COM BASE NO USO DO LIVRO DIDÁTICO
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao
Departamento de Educação, Política e Sociedade, do
Centro de Educação, da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito para obtenção do
grau de licenciado em Geografia.
Aprovado em ______ de ________ de _____.
COMISSÃO AVALIADORA:
________________________________________
Prof.ª Dra. Patrícia G. Rufino Andrade
Universidade Federal do Espírito Santo
(Orientadora)
________________________________________
Prof.ª Dra. Gisele Girardi
Universidade Federal do Espírito Santo
________________________________________
Wagner Scopel Falcão
Universidade Federal do Espírito Santo
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Universidade Federal do Espírito Santo, pois foi fundamental para a formação
de degraus importantes para nossa elevação acadêmica, e permitiu a criação de elos e laços
que se tornaram essenciais em nossas vidas;
As Professoras Zenilda Souza Santos Luz e a Geonice Cipriano Carvalho, pela gentileza e
disposição prestada para a coleta de informações que auxiliaram para que este trabalho fosse
realizado;
Ao Professor Fabiano Boscaglia, pelos ensinamentos extraídos de sua conduta profissional, e
principalmente por sua amizade;
Ao Professor Genildo Ronchi, pela prontidão em nos amparar em um momento delicado e de
extrema relevância;
A Professora Dra. Gisele Girardi que despertou em nós diferentes óticas relacionadas à
cartografia, que por fim transformou-se em fonte de inspiração;
A Dra. Maria da Conceição Silva Soares pelo incentivo e pelas valiosas dicas e sugestões;
A todos os nossos amigos e familiares, pelo apoio e compreensão dedicados em cada dia de
nossas vidas, e por se tornarem a base inicial indispensável em toda nossa caminhada, pois
sem ela nada seriamos;
Por nos receber de braços abertos agradecemos as turmas de 6º ano das Escolas Municipais de
Ensino Fundamental Suzette Cuendet, Álvaro de Castro Mattos e em especial a EMEF
Tancredo de Almeida Neves.
“O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões,
desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a
montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um
grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede,
concebê-lo como obra de arte, construí-lo como uma ação política ou
como uma meditação” (Deleuze e Guattari, 1996).
RESUMO
Com este estudo, buscamos discutir o uso do livro didático durante o ensino-aprendizagem da
cartografia, partindo da análise da linguagem dos documentos cartográficos do livro didático
como condicionantes do ensino de Geografia. Para isso, pensamos o mapa como um tipo de
apresentação imagética dos elementos naturais, humanos e sociais que, em permanente
interação e mútua afetação, constituem o espaço, informando suas localizações e
características, criando, comunicando e transmitindo conhecimentos. Ao conjunto de estudos
e operações científicas, técnicas e artísticas que orienta a elaboração dos mapas, nós
denominamos cartografia. O ensino da cartografia está presente na escola principalmente por
meio do livro didático, que acompanha o aluno em toda sua trajetória na educação básica, faz-
se presente no cotidiano escolar, tornando-o parte do desenvolvimento intelectual do aluno,
sendo este, em muitos casos, a principal fonte de pesquisa e consulta. Assim, buscamos
identificar possíveis inconsistências e/ou contradições no livro didático, verificar as principais
dificuldades de professores e alunos durante o uso do livro didático para o ensino
aprendizagem da cartografia e experimentar outras possibilidades de ensino e abordagem da
cartografia. Para isso, o trabalho foi organizado em cinco etapas: revisão bibliográfica, breve
perfil das escolas e locais de estudo, entrevistas e discussões, análise dos livros didáticos e
proposta/execução de oficina.
Palavras-chave: Livro Didático, Cartografia Escolar, Oficina.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
2 LINGUAGEM CARTOGRÁFICA 10
2.1 A CARTOGRAFIA E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS 16
2.2 A CARTOGRAFIA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE
VITÓRIA 17
3 CAMINHOS PERCORRIDOS 19
3.1 BREVE PERFIL DAS ESCOLAS E LOCAIS DE ESTUDO 19
3.2 ENTREVISTAS E DISCUSSÕES 21
3.2.1 Entrevista Docente 22
3.2.2 Entrevista Discente 24
3.3 ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO 31
3.3.1 Caracterização Geral 31
3.3.2 Análise do PNLD no Ensino de Geografia 32
3.3.3 Análise dos mapas apresentados nos Livros Didáticos 36
3.3.4 Atividades cartográficas do livro: novos fazeres e olhares para o ensino de geografia
50
4 A CARTOGRAFIA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: PRÁTICA EM OFICINA
PEDAGÓGICA 54
4.1 TEORIA E PRÁTICA POR MEIO DE OFICINAS 54
4.2 A OFICINA 56
4.2.1 Projeção do filme “Piratas do Caribe” e Proposta da Confecção do Mapa Coletivo 57
4.2.2 Aplicação e considerações da segunda etapa 62
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 67
6 REFERÊNCIAS 69
7 APÊNDICES ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
8
1 INTRODUÇÃO
A ciência geográfica conta com um conjunto de linguagens para o ensino-aprendizado
dos processos, fenômenos e configurações que constituem o espaço geográfico, em seu
dinamismo e permanente transformação no contexto das múltiplas interações entre natureza e
sociedade e das disputas políticas entre os diferentes grupos sociais. Uma dessas linguagens é
o mapa, que consiste em um tipo de apresentação imagética dos elementos naturais, humanos
e sociais que, em permanente interação e mútua afetação, constituem o espaço, informando
suas localizações e características, criando, comunicando e transmitindo conhecimentos. Se
tomarmos os mapas como escritas sobre o espaço, como um tipo de discurso, podemos pensar
ainda que os mapas produzem os espaços que pretendem representar, ou seja, eles instituem
os modos como vamos percebê-los e compreendê-los. Ao conjunto de estudos e operações
científicas, técnicas e artísticas que orienta a elaboração dos mapas, nós denominamos
cartografia.
O uso dos conceitos cartográficos no ensino da geografia nas escolas vem se tornando,
objeto de investigação e discussão entre professores e pesquisadores, abrindo caminho para
novos estudos relacionados às implicações e desdobramentos da cartografia escolar. Almeida
(apud SEEMANN 2011, p. 37) comenta que “a cartografia escolar vem se estabelecendo na
interface entre cartografia, educação e Geografia”. A autora considera esses três componentes,
mencionados por Almeida, como sendo fundamentais para a formação da cartografia escolar e
ressalta que na sociedade, assim como em nossas vidas, estamos constantemente produzindo
“geografias” e “cartografias” específicas, bem como formas distintas de pensar o espaço, os
lugares, os territórios e as regiões.
Segundo Girardi, (2012) os mapas, assim como outras linguagens, são gestos culturais
que de alguma forma produzem discursos sobre os territórios, os quais podem ser pensados
como um espaço coberto de signos. A geografia seria a grafia desses signos que recobrem o
espaço e produzem sentidos. A interpretação desses signos vai sempre variar de acordo com o
olhar do observador Por isso, entendemos com Harley (2009) que mapas
[...] não são por eles mesmos nem verdadeiros nem falsos. Pela seletividade de seu
conteúdo e por seus símbolos e estilos de representação, os mapas são um meio de
imaginar, articular e estruturar o mundo dos homens. [...] Eles são considerados
imagens que contribuem para o diálogo num mundo socialmente construído (p. 2-3).
Entendemos com Harley (2009), que o mapa produz percepções de mundo que
carregam simbolismos possíveis de serem associados às características geográficas. Mapas
9
são, portanto, uma potente linguagem que diz sobre os lugares, as cidades, os países, as
culturais, sobre o espaço e o mundo.
Para pensarmos o trabalho com a cartografia e as propostas necessárias para um
aprendizado inventivo e significativo para os alunos no ensino da geografia na educação
básica, compreendemos, através de Girardi (apud AGUIAR 2011), que a importância do mapa
na geografia reside na sua leitura crítica e problematizadora e não exclusivamente na sua
elaboração técnica, ou seja, entendemos que é preciso investigar maneiras diferentes de
abordar e se apropriar dos mapas visto que é na leitura que a produção de sentidos se realiza.
A linguagem e, especialmente a linguagem cartográfica, pode ser abordada a partir
de diferentes pontos de vista e interpretações, mas partimos do pressuposto de que
um discurso não se limita a transmitir informações porque entre o que se diz no
discurso e o que se lê há uma trama de sentidos bem situada social e historicamente
(AGUIAR, 2009, p. 4).
Sendo assim, com base em nossas experiências durante estágios supervisionados e
com o PIBID (Programa Institucional de Bolsa Iniciação à Docência) em relação às
frequentes contradições e inconsistências durante o ensino de cartografia, à precariedade no
ensino da cartografia como linguagem, à dificuldade de abordagem desta temática, à
valorização de apenas uma possibilidade/temática em detrimento das outras, ao domínio
insuficiente da cartografia por boa parte dos estudantes e à limitação das diversas
possibilidades de usá-la, objetivamos, neste estudo, analisar o uso do livro didático durante o
ensino-aprendizagem da cartografia, partindo da análise da linguagem dos documentos
cartográficos do livro didático como condicionantes do ensino de Geografia. Com esse
propósito, buscamos identificar possíveis inconsistências e/ou contradições no livro didático,
verificar as principais dificuldades de professores e alunos durante o uso do livro didático
para o ensino aprendizagem da cartografia e experimentar outras possibilidades de ensino e
abordagem da cartografia. Para isso, o trabalho foi organizado em basicamente cinco etapas:
revisão bibliográfica, breve perfil das escolas e locais de estudo, entrevistas e discussões,
análise dos livros didáticos e proposta/execução de oficina.
10
2 LINGUAGEM CARTOGRÁFICA
Simielli (1997) defende a ideia de que os objetivos das representações dos mapas são
transmitir informações para produção de conhecimento, não se limitando apenas a ser
simplesmente objeto de reprodução. Para Wood e Fels (2008), a noção de mapa deve ser
estendida como construção social ideologicamente carregada para transmitir mensagens
particulares.
Girardi (2014) aponta a linguagem como uma expressão do real, que articula-se com o
pensamento e depende de certas condições. Essa articulação envolve um universo de
significações que expressam e produzem o pensamento. Quando pensamos a linguagem
cartográfica, percebemos que a maior ênfase é dada ao potencial comunicativo do mapa,
ignorando seu caráter transformador.
O mapa se constitui como linguagem porque resulta de relações sociais e, como tal,
transforma-se numa prática significante, ou seja, prática de produção de linguagem
e, portanto, de sentido (AGUIAR, 2009, p. 4). Para a autora, a geografia seria a
grafia de signos que recobrem o espaço e produzem sentidos, que variam de acordo
com o olhar de quem observa. Por isso entendemos que “mapas são produções
culturais de discursos sobre o território” (GIRARDI, 2012, p. 43).
Para Oliveira Jr e Girardi (2011), a linguagem cartográfica como sendo
exclusivamente comunicativa, pressupõe um “antes” e por isso podemos entender que é
naturalmente representacional, atendo-se às ações que tornem possível representar o
conhecimento já adquirido. Por isso, quando pensamos a cartografia no contexto escolar,
percebemos que, muitas vezes, não há uma preocupação em problematizar o conhecimento
produzido, mas sim identificar os melhores caminhos didáticos para a execução do processo
de ensino-aprendizagem do mapa apresentado.
Abordar as diferentes linguagens é entendê-las não estritamente como elemento de
um processo de comunicação, mas como fundamento de um processo de criação, de
produção de pensamento sobre o espaço. [...] o mundo produz linguagens tanto
quanto linguagens produzem o mundo (OLIVEIRA JR e GIRARDI , 2011, p. 4).
Entendemos que não apenas o conteúdo, mas também a natureza da linguagem,
produzem uma subjetivação que nos mostram formas de agir e pensar no mundo. A escolha
da linguagem pode modificar completamente o entendimento de algum conteúdo.
Segundo Kitchin, Perkins, Dodge (apud GIRARDI 2014, p. 75), a ideia de que o
objetivo da cartografia é representar da forma mais “correta” possível os arranjos espaciais
dos fenômenos na superfície do planeta ainda são amplamente aceitos. Nesse sentido a ciência
11
cartográfica seria uma busca teórica sobre as melhores formas de representar e comunicar a
verdade sobre o mundo que então existiria independentemente do observador. Permeando o
pensamento Girard (2014), a perspectiva representacional da cartografia implica em série de
pressuposições que tratam, entre outras coisas, o espaço como uma geometria explicita, onde
cabe a cartografia converter esse espaço em imagens, utilizando uma série de normas e regras,
cujo objetivo seria a redução dos erros.
Pensando como Massey (2008), percebemos que os mapas atuais do tipo ocidental,
principalmente aqueles desenvolvidos por profissionais, dão a impressão de que o espaço é
uma superfície onde os objetos se fixam, algo morto e ausente de história. Por muito tempo o
espaço foi julgado como elemento residual do tempo, a ele foram atribuídas características
como a fixação, a imobilização, o “representável”. Para conceituar essa associação, usa-se,
frequentemente, e de forma simplista, o termo espacialização. “A representação é vista
tomando aspectos de espacialização, na ação desta última de colocar as coisas lado a lado, de
dispô-las” (MASSEY, 2008, p. 47).
Aguiar (2011, p. 8) utiliza do pensamento de Deleuze e Foucault, para denunciar a
representação como forma de usar a linguagem para apresentar a racionalidade de uma lógica
baseada na arbitrariedade e na convenção. Essa lógica de se pensar o espaço como “superfície
lisa” não apenas legitima o discurso sobre “o que é o espaço”, mas também cria toda uma
normatização científica que, pretensiosamente, busca reproduzir em uma superfície aquilo que
considera ser a única versão verdadeira.
Deleuze e Guatarri (apud MASSEY 2008), rechaçam completamente esse pensamento
que toma a ciência como a representação da verdade. Para eles:
[...] o que poderíamos chamar de representação não é mais um processo de fixação,
mas um elemento em uma produção contínua, parte de toda ela, e ela própria,
constantemente, em devir. Esta é uma posição que rejeita uma estrita separação entre
mundo e texto e que compreende a atividade científica como sendo apenas isto –
uma atividade, uma prática um engajamento inserido no mundo do qual é uma parte.
Não uma representação, mas experimentação (p. 54).
Entendemos que dentro desses mapas que buscam a representação fiel e real do
espaço, tomando a ciência como um gesto imparcial que busca sempre a verdade dos fatos,
percebe-se o desaparecimento dos desejos das pessoas que criaram aquela obra num certo
contexto cultural e, consequentemente, um esvaziamento político. Nesse sentido, Oliveira Jr.
aponta que
12
De alguma forma estou a dizer que a justificativa da razão instrumental – que se
quer neutra, laica, objetiva, cientifica, matemática – é também, uma estratégia de
retirada – das razões da política como mediadora das ações humanas, uma vez que
as obras realizadas sob os auspícios da razão instrumental são também gestos na
cultura que buscam fazer o mundo funcionar e ser pensado com algo racional e
pragmático (OLIVEIRA JR, 2011, p. 3).
Entendemos que essa relação mental/social do pensamento ocidental cristalizada em
forma de mapa indica como estão presos dentro de uma moldura, em que seus objetos podem
ser calculados e medidos. Trata-se do espaço euclidiano que refere-se a todos os fenômenos
passivos de serem delimitados em sua individualidade, sem incertezas ou ambiguidades.
Segundo Campton e Krygier (2008), o espaço euclidiano é componente-chave da
cientificização e regularização do espaço, entretanto sua natureza local ou contingente mostra
que nem todo conhecimento pode ser “cientificizado”.
Os mapas que se limitam a medir e calcular a área através de um plano cartesiano não
são capazes de alcançar as relações internas daquele local. Segundo Harvey (2012) um evento
ou uma coisa situada em determinado ponto do espaço não pode ser compreendido em
referência apenas ao que existe naquele recorte espacial, ou seja, existe uma história, existe
uma teia de relações que habitam esse espaço e estão circunscritas nas memórias desses
sujeitos.
Para compreendermos melhor essas relações seria necessário que as influências
externas fossem internalizadas em processos ou coisas especificas através do tempo. Para
Harvey (2012), esse é o papel político das memórias coletivas nos processos urbanos, as quais
somente podem ser abordadas desta maneira, visto a impossibilidade de encerrar as memórias
coletivas dentro de um espaço absoluto.
A noção relacional do espaço-tempo implica a ideia de relações internas; influências
externas são internalizadas em processos ou coisas específicas através do tempo (do
mesmo modo que minha mente absorve todo tipo de informação e estímulos
externos para dar lugar a padrões estranhos de pensamento, incluindo tanto sonhos e
fantasias quanto tentativas de cálculo racional) (HARVEY, 2012, p. 12).
Dessa forma, parafraseando Harvey (2012), entendemos que a memória reproduz
múltiplos espaços. Kitchin, Perkins; Dodge (apud GIRARD 2014, p. 76) apontam que o
espaço é constituído, dentre outras coisas, por meio de práticas de mapeamento, de forma que,
os mapas não se constituem como uma reprodução do mundo, mas uma recriação dele. Nesse
sentido, entendemos que “mapear é inventar um caminho e atravessá-lo para poder ler,
ordenar ou representar” (AGUIAR, 2009, p. 1). Para Aguiar (2009), aprender se constitui em
um movimento em que “inventamos a nós mesmos” e aprender a ler ou a pensar mapas,
13
também são processos em construção que nos levam a transformar criticamente essa visão de
espaço. Em vez de procurar como podemos mapear o objeto... [poderíamos] nos preocupar
com os meios pelos quais o mapeamento e o olhar cartográfico codificaram objetos e
produziram identidades (PICKLES apud FONSECA, 2014, p. 152).
Em meio a essas discussões, alguns encontros internacionais/nacionais tendem a criar
métodos universalizantes, convencionais, estabelecendo regras para dizer o que é, e o que não
é mapa, além de tornarem o olhar rápido e conclusivo diante de sua representação/criação.
Por exemplo: estradas tornam-se linhas vermelhas, os rios são todos azuis,
independentemente de sua característica, grossas linhas tracejadas anunciam as divisas
municipais, entre outros códigos. Essa apresentação unificada do espaço e dos modos como
devemos usá-lo e de transitar por ele produz efeitos de verdade e de objetividade científica.
Para Oliveira Jr (2012), os mapas tradicionais tornaram-se clichês, porque são repetidos na
escola da mesma maneira que reproduzem os códigos e convenções construídos pelos padrões
internacionais, transmitindo informações de forma instantânea e conclusiva toda vez que
pensamos o espaço. Oliveira Jr (2012, p. 9) lembra-nos “que esta é a mais potente e a menos
notável educação que os mapas fortemente convencionais nos dão”. Com base em Oliveira Jr
(2012), consideramos que esses mapas tentam unificar, constituir uma forma naturalizada
dessas convenções, que por sua vez nos ensinam a desprezar aquilo que seria original da
informação, justamente por ele ter sido apresentado de maneira rápida e aparentemente
inequívoca, transmitindo apenas uma utilidade prática e ignorando todas as possíveis relações
e experiências vividas e compartilhadas naquele lugar. Ou seja, nessa opinião, não importa se
a água do rio em que a criança mora é barrenta – amarelada, importa que na convenção os rios
são azuis.
Compartilhar experiências de vida remete à memória, desse modo, Massey (apud
HAESBAERT 2004, p. 77) considera o lugar como processo, cuja construção se faz a partir
de uma conjunção de particularidades de relações sociais que se encontram e entrelaçam.
Assim, os lugares passam a ser pensados não como áreas rodeadas de fronteiras, mas como
momentos/processos articulados em redes de relações sociais que se constroem, em grande
parte das vezes, em uma escala muito maior do que costumávamos definir para esse momento
como o lugar em si. O mapa deixaria de seguir a relação convencional cristalizada, para
apontar as apropriações dos sujeitos.
Para pensarmos a relação envolvendo esse conjunto de normas, com os conteúdos
cartográficos do livro didático no Brasil, nos apoiamos nos estudos de Boligian (2012), que
afirma:
14
A partir de 1824, os conteúdos vão se tornando cada vez mais diversificados ao
longo do tempo, com novas noções, conceitos e temas sendo agregados ao currículo
prescrito, tanto nos programas curriculares oficiais quanto nos materiais didáticos
(compêndios e livros) de Geografia (p. 54).
Segundo Aguiar (2009), os mapas funcionam como suportes operacionais de imagens
controladas e racionalizadas, regidas pelos princípios organizativos da sociedade capitalista,
atendendo, desta forma, aos interesses educacionais gerados pelo mesmo. Oliveira (2010, p.
66) também aponta que a educação no sistema capitalista é voltada para atender as demandas
do Estado e do capital, sendo essas demandas, a partir da estrutura social, que definem esses
manuais. Desta forma, é notório que o ensino de geografia estava pautado nas demandas do
capital.
Percebemos com Aguiar (2011), que a geografia enquanto disciplina escolar serviu ao
projeto Iluminista, sempre incentivada pela burguesia, com a finalidade de evidenciar e
legitimar o espaço absoluto. Essa concepção é explicitada por Joly (2013), quando este define
espaço geográfico como sendo constituído pela superfície terrestre, compreendendo também
oceanos e áreas inabitadas. O autor afirma também que o “espaço geográfico é concretamente
percebido pelos objetos materiais, visíveis e mensuráveis que o compõem” (p. 62).
Por isso, percebemos que dentro da cartografia alguns conteúdos se transformaram em
tradições escolares, formando o que Boligian (2012) chama de “núcleo duro” da cartografia
escolar. O autor destaca os conteúdos de localização e orientação, escala, coordenadas e
linhas imaginárias, enfim, representações cartográficas (bidimensionais) no que se refere a
mapa e representações cartográficas, (tridimensionais) no que se refere a globo terrestre,
perpassam praticamente todas as reformas curriculares e programas dos livros didático
durante o século XX, e adentrando o século XXI.
Boligian (2012) afirma que no século XX, mais precisamente a partir de 1970,
a cartografia torna mais abrangente os conteúdos prescritos nos programas curriculares e nos
livros, enquanto na década de 90 acontece um desenvolvimento de pesquisas mais elaboradas
na área do ensino de cartografia no Brasil, pois as discussões no âmbito acadêmico tiveram
reflexos nos trabalhos dos professores-autores dos currículos oficiais.
É possível notar que através dos séculos alguns aspectos sobre o estudo da cartografia
se mantiveram para suprir as demandas impostas pelo Estado, mas é importante observar que
a reflexão sobre o modo de ensinar cartografia também se faz presente com o passar do
15
tempo. Boligian (2012) ressalta que a partir de 1995, estabeleceu-se pela primeira vez no
Brasil um fórum de discussão a respeito da cartografia e suas implicações no ensino de
geografia, por meio dos Colóquios de Cartografia para Crianças, e se transformaram em um
importante meio para a troca de informações e divulgação de pesquisas.
Trazendo essa discussão para as atuais discussões sobre o espaço geográfico e os
diferentes usos e interpretações da cartografia, observamos que há uma distinção entre o que
Boligian (2012) apresenta como “núcleos duros” da cartografia, muito utilizados na
abordagem tradicional da pedagogia escolar, e o que atualmente discutimos, como aponta
Seemann (2011), quando informa que o espaço vivido em que se constituem as práticas
sociais também são fruto de experimentações cotidianas de imagens e símbolos. Por isso, não
podemos explicar a produção do espaço apenas com dados estatísticos, embora sejam
importantes, mas entender que o espaço geográfico não se constitui apenas do visível, ele traz
informações que fogem do simples olhar.
A partir da visão metafórica de Oliveira Jr. (2012), que analisa o caráter educativo da
cartografia escolar da forma tradicional, podemos apontar que essa proposta de ensino está
voltada para a confluência de duas forças: uma força-continente e uma força-arquipélago.
Essas duas visões são utilizadas para ilustrar a micro e a macropolítica. A macropolítica se
coloca como a convenção de uma regra – continente - impondo processos mais ou menos
controlados (pelos currículos e professores) de levar crianças e jovens a acumular o mesmo
saber, enquanto que a micropolítica – arquipélogos, aponta para muitas realidades,
pluralidades linguísticas que não são legitimadas.
[...] assim, as forças-continente e as forças-arquipélago ante a variação: a primeira
propõe-se a dominar a variação (...) pois limita seu enfoque a uma questão de
organização, desenvolvimento ou formação; a segunda abre o mundo à variação para
que a vida afirme a potência da invenção (GODOY apud OLIVEIRA JR, 2012, p.
6).
Segundo Oliveira Jr (2012), o continente estaria no lugar da escola, pois este, age
como um elemento unificado voltado a organizar, desenvolver e formar os pensamentos em
uma direção pré-estabelecida. O arquipélago se encaixa como sendo os pensamentos menores,
onde o “navegador” viaja sem rota pré-estabelecida, ele deixa o mar e o vento guiá-lo. Para
alcançar o arquipélago é importante que o navegador perca o continente como referencial,
pois esse vínculo nos impede de imaginar e inventar novos percursos. Contudo, Oliveira Jr
(2012, p. 7) traz uma importante observação.
Também é importante dizer que encontrar desvios a este continente, que nos
dificulta ou impede de imaginar e inventar percursos outros para a cartografia
16
escolar, não implica em negá-lo, mas muito pelo contrário exige que estabelecemos
relações tensas e intensas entre ele e os arquipélagos que vierem a se formar no
percurso “pois é ali, no trajeto definido e definitivo de todos os dias, acordar-e-ir-
para-a-escola(...) que as crianças inventam um desvio, transformando-se(...) em
arquipélagos”.
Mesmo apontando todas essas questões, não estamos aqui menosprezando o uso de
elementos tradicionais da linguagem cartográfica ocidental: título, escala, legenda, norte,
fonte, latitude, longitude, são todos ferramentas potentes para situações específicas. A questão
é a obrigatoriedade deles para que um mapa seja reconhecido como tal.
No pensamento que vamos construindo, consideramos que os mapas são dispositivos
pedagógicos que, de certa forma, nos dizem sobre modos legitimados de apreender e de
ocupar/usar os espaços. Os mapas enquanto objeto, configuram-se como uma potente
ferramenta para o desenvolvimento do pensamento crítico, são um meio de pensar sobre o
mundo e de nele agir. De acordo com Yves Lacoste, “(...) é preciso saber pensar o espaço para
saber nele se organizar, para saber ali combater” (1988, p. 189). Nesse sentido, o mapa estaria
sempre produzindo subjetividades, possibilitando novas formas de perceber e agir no espaço e
de construir trajetos. Através desses trajetos constituídos pelos indivíduos, podemos observar
a mais intensa relação entre sociedade e cartografia, expressa no ato de mapear o mundo.
“Atos de mapear são criativos, às vezes inquietos, momentos de chegar ao conhecimento do
mundo” (COSGROVE apud SEEMANN, 2011, p. 41).
Dentro desses processos é importante ressaltar que o mais interessante para nós não
são os mapas do livro didático como produto final, mas pensar como esse potente dispositivo
pedagógico se relaciona com professores e estudantes. Essa discussão parte do próprio
discurso dos professores em que apontam que o melhor instrumento para o ensino da
cartografia é o livro didático. No entanto, essas prescrições também foram recomendadas no
documento Parâmetros Curriculares Nacionais.
2.1 A CARTOGRAFIA E OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
Para subsidiar o ensino no Brasil, o MEC elaborou os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), que têm por objetivo organizar os conteúdos das disciplinas, com intuito de
trazer melhorias para a prática docente. Assim, os PCNs buscam promover a qualidade da
educação e garantir ou “minimizar” o déficit de aprendizado do aluno.
O documento “Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia” (PCNs Geografia)
destaca a cartografia como recurso para a construção e aquisição de conhecimento na análise
e interpretação do espaço. O documento afirma que:
17
A cartografia torna-se recurso fundamental para o ensino e a pesquisa. Ela
possibilita ter em mãos representações dos diferentes recortes desse espaço e na
escala que interessa para o ensino e pesquisa. A Geografia, além das informações e
análises que se podem obter por meio dos textos em que se usa a linguagem verbal,
escrita ou oral, torna-se necessário, também, que essas informações se apresentem
espacializadas com localizações e extensões precisas e que possam ser feitas por
meio da linguagem gráfico-cartográfica (BRASIL, 1998, p. 33).
Além do PCN, o governo federal regulamenta de forma obrigatória para a educação
pública os livros didáticos, por meio do PNLD (Parâmetros Nacionais do Livro Didático),
sendo o livro didático uma das ferramentas de ensino mais utilizadas pelos professores e
alunos da educação básica. Desta forma, o livro didático tornou-se um instrumento
protagonista no processo de ensino-aprendizado, visto que nele concentra-se parte dos
métodos, conteúdos, e propostas para a prática do professor e é fonte de estudo e pesquisa
para os alunos. O PNLD - Geografia argumenta que:
O livro didático é um importante material de apoio para o trabalho do professor,
auxiliando-o no planejamento geral, na organização de atividades, no fornecimento
de informações corretas e atualizadas, na apresentação de conteúdo coerente com o
estágio do conhecimento científico em geral e da ciência geográfica, na utilização de
métodos e teorias educacionais em vigor e no cumprimento das diretrizes
curriculares nacionais (BRASIL, 2014, p. 8).
Para abordamos a importância e a relevância da cartografia no ensino de geografia, a
análise deste instrumento é fundamental. Nele concentra-se um conjunto de representações
cartográficas com seus métodos de leitura, interpretações e utilizações.
O livro didático acompanha o aluno em toda sua trajetória na educação básica, faz-se
presente no cotidiano escolar, tornando-o parte do desenvolvimento intelectual do aluno,
sendo este, em muitos casos, a principal fonte de pesquisa e consulta. De acordo com Lima
(1991) “o livro didático torna-se um sujeito do processo de ensino-aprendizagem”.
2.2 A CARTOGRAFIA NAS DIRETRIZES CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE
VITÓRIA
Para o desenvolvimento do projeto, procuramos ancorar a investigação nas Diretrizes
Curriculares do sistema de ensino de Vitória, onde concentram-se as escolas que fazem parte
da pesquisa. As Diretrizes são norteadoras do ensino municipal, nela se estabelecem as
discussões para a melhoria do ensino em cada área do conhecimento.
Diretrizes Curriculares são, assim, o conjunto de definições sobre princípios,
fundamentos e procedimentos para a Educação Básica, no caso, na Educação
18
Fundamental, expressas pelo Sistema de Ensino do Município de Vitória/ES
(VITÓRIA, 2004, p .7).
As diretrizes curriculares para o ensino de geografia trazem em seu bojo algumas
discussões sobre o livro didático e a cartografia. Desta forma, as diretrizes mostram os
desafios e as problemáticas em torno deste tema. Assim, segundo as Diretrizes Curriculares
do Ensino de Geografia:
As representações dos saberes geográficos por meio dos mapas, gráficos, tabelas e
desenhos, entre outras expressões da linguagem geográfica, perdem seu valor de
ensino/aprendizagem quando considerados apenas para ilustração, reprodução e
identificação de dados, sem a correspondente análise e utilização crítica e operatória.
Nesse aspecto, o livro didático e o computador contribuem como aparatos que
fornecem o material informativo, mas precisam ser trabalhados de maneira criativa,
crítica e interativa (VITÓRIA, 2004, p. 11).
Neste sentido, podemos observar a importância e o papel do professor como mediador
do conhecimento, sendo ele o sujeito que estabelece a mediação entre o aluno e o mapa.
Assim, o livro didático é um objeto que materializa informações, não o conhecimento, para o
aluno, sendo então necessário que se faça essa mediação por vários meios.
O processo de mediação com o mundo perpassa pelos métodos adotados em sala de
aula. Muitos são professores reprodutivistas que estabelecem metodologias de reprodução do
conteúdo do livro didático, comprometendo a criatividade do aluno e seu pensamento sobre o
mundo. Sobre os métodos reprodutivistas dentro da cartografia, as Diretrizes tecem uma
crítica sobre essas práticas:
As formas mais usuais de se trabalhar com a linguagem cartográfica na escola ainda
são situações nas quais os alunos têm de colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes
de rios ou cidades, memorizar as informações neles representadas. Contudo esse
tratamento metodológico não garante que eles construam os conhecimentos
necessários, tanto para ler mapas quanto para representar o espaço geográfico
(VITÓRIA 2004, p. 15).
Compreendendo as orientações dos PCNs e das Diretrizes enquanto proposição,
coube-nos então investigar, a partir de múltiplos olhares, os processos de produção de
cartografia a partir da utilização do livro didático. Para tanto, construímos uma proposta
metodológica em que apresentamos nosso percurso investigativo.
19
3 CAMINHOS PERCORRIDOS
Nosso trabalho se aproxima de uma pesquisa exploratória, no entanto, a parte que
trataríamos como “forte” é justamente seu caráter investigativo. Através desta pesquisa,
acreditamos levantar e esclarecer alguns conceitos que ainda se encontram invisíveis por parte
de nossos colegas/alunos na formação inicial em geografia e, talvez, até mesmo de outros
teóricos e pesquisadores que considerem o ensino de cartografia.
A primeira delas foi a revisão bibliográfica, que norteou a escolha da temática de
estudo, o tipo de pesquisa e o caminho a ser percorrido. Em seguida, fizemos um diagnóstico
dos nossos locais de estudo para conhecermos melhor o ambiente escolar, como já citamos na
parte introdutória deste trabalho, a partir de nossas vivências e experiências no Pibid e Estágio
Supervisionado. Além da análise do local, realizamos entrevistas e discussões com alunos e
professores para entender quais as principais necessidades e oportunidades para o ensino-
aprendizagem de cartografia, levando em consideração o contato dos alunos com a linguagem
e os conhecimentos prévios dos mesmos. E, para um melhor embasamento, analisamos ainda
os livros didáticos de cada escola considerando a necessidade dos professores em abordar a
cartografia a partir destes materiais centrais para esta proposição de ensino. Após o
levantamento e análise de todos esses dados, elaboramos e executamos uma oficina que
atendesse à dificuldade do professor na abordagem de determinados conteúdos, ao interesse,
às objeções e às potencialidades dos alunos e a algumas fragilidades dos livros didáticos e das
instituições.
3.1 BREVE PERFIL DAS ESCOLAS E LOCAIS DE ESTUDO
A escolha das instituições ocorreu com base na proximidade do grupo com as escolas
municipais de ensino fundamental (EMEFs) apontadas e com a receptividade das mesmas.
Com as escolas E.M.E.F. Suzette Cuendet e E.M.E.F. Tancredo de Almeida Neves já
havia um maior contato de parte dos pesquisadores, tendo em vista que três autores da
pesquisa trabalharam como bolsistas de geografia pelo Programa Institucional de Bolsa
Iniciação a Docência com a parceria da Capes e da UFES. A terceira instituição, E.M.E.F.
Álvaro de Castro Mattos, foi escolhida a partir da sugestão da professora Marli Siqueira Leite,
durante a disciplina de Projeto Político Pedagógico, tendo em vista que esta executava um
projeto literário com os alunos da escola e ressaltava sempre a receptividade e bom
relacionamento da escola com a universidade. Outro ponto que colaborou para a escolha
20
destas escolas foi que as três possuíam diferentes livros didáticos de geografia, o que resultava
em mais materiais para serem analisados durante a pesquisa.
Apesar destas escolas estarem inseridas na mesma rede de ensino, o local, a estrutura
física e o público de cada instituição apresentam características particulares. A E.M.E.F.
Álvaro de Castro Mattos está localizada no bairro Jardim da Penha que, segundo a Prefeitura
de Vitória (Censo 2010), compõe a Região Administrativa Nove, uma das regiões urbanizadas
mais planas do município, que abriga a maior parte da Praia de Camburi, um dos principais
pontos turísticos da capital. Possuí bairros que estão entre os mais populosos da cidade e
reúne tipologias habitacionais diversificadas, compostas de casas térreas, prédios de porte
médio e de alto padrão, mais especificamente localizados na orla. A turma do sexto ano
matutino, com a qual pesquisamos, é composta por 32 alunos e a maior parte dos estudantes
são moradores do bairro, enquanto uma menor parcela da turma é composta por alunos
moradores das adjacências. A escola concluiu há alguns meses uma reforma de ampliação que
teve início em 2011, sendo assim, sua estrutura está revitalizada e bem planejada, tendo
auditório, laboratório de informática, refeitório, biblioteca, quadras cobertas e quase todas as
salas de aula com ar-condicionado.
Já a E.M.E.F. Suzette Cuendet está localizada no bairro Maruípe, na Região
Administrativa Quatro, a mais populosa e que abrange uma das áreas de ocupação mais
antigas de Vitória. A escola fica na base da ladeira da rua Oto Ramos, no encontro com a Av.
Maruípe, e foi fundada em uma área predominantemente residencial, composta por
residências familiares que chegam a no máximo, a quatro pavimentos, em ruas estreitas e
sinuosas, devido à proximidade de morros e afloramentos rochosos. Também é possível notar
a presença expressiva de áreas verdes, em geral nos topos dos morros. Apesar do tempo, sua
estrutura encontra-se bem conservada e organizada, atendendo bem todo o corpo docente e
discente. Possui laboratório de informática, auditório, biblioteca, quadra coberta, horta,
refeitório e as salas de aulas estão em bom estado de conservação. A turma do sexto ano
vespertino possui 33 alunos e quase todos são moradores do bairro.
Por fim, a E.M.E.F. Tancredo de Almeida Neves se encontra no bairro São José, na
Região Administrativa Sete, e seu adensamento e ocupação iniciou-se a partir do final da
década de 1970 em função do depósito de lixo existente na área. Com o lançamento de lixo no
manguezal, a área foi gradativamente sendo aterrada e hoje boa parte do bairro está sobre um
grande aterro sanitário. A região é a sétima mais populosa, oitava em área territorial e terceira
em densidade demográfica (VITÓRIA, 2015). Próximo à escola encontra-se a rodovia
Serafim Derenze, importante via de acesso à Baía de Vitória onde está o ponto turístico mais
21
famoso do local, a Ilha das Caieiras. A escola é bem organizada e apesar de ter quadras
cobertas, hortas, biblioteca, refeitório e laboratório de informática, as salas de aula possuem
um sistema de ventilação precário que causa desconforto durante os dias mais quentes. Em
compensação, possuí uma participação ativa da comunidade. A turma do sexto ano matutino é
composta por 32 alunos e a maior parte deles é morador de São José e dos bairros vizinhos.
3.2 ENTREVISTAS E DISCUSSÕES
Utilizamos entrevistas enquanto técnica de coleta/produção de dados por acreditarmos
ser bastante eficiente quando se pretende trabalhar acerca do que as pessoas sabem, sentem,
desejam e fazem (GIL, 2008, p. 109). Trata-se de um dispositivo de pesquisa bastante
flexível, em que o entrevistador pode esclarecer o significado das perguntas, simplificá-las e
adaptá-las mais facilmente às pessoas e às circunstâncias em que se desenvolve a entrevista.
Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente
ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que
interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social.
Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes
busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação (GIL, 2008, p.
109).
Optamos por entrevistas semi-estruradas, por se tratar de um método que possibilita o
tratamento quantitativo de alguns dados, tornando-se adequado para o desenvolvimento de
gráficos e tabelas. Essa tabulação permite a análise estatística dos dados, já que algumas
respostas são padronizadas. Contudo, o questionário também foi formulado com perguntas
qualitativas, para que o entrevistado pudesse se expressar e imaginar, fabular, de forma mais
livre e flexível. Acreditamos que desta forma conseguiremos nos aproximar dos problemas e
das questões que movem as relações entre cartografia e livro didático, não com a finalidade de
descobrir verdades mas de impulsionar pensamentos, problematizações e invenção de
possíveis.
Para possibilitar a conversa, formulamos dois questionários distintos, um para os
professores e o outro para os estudantes. As entrevistas foram realizadas com os professores
de geografia e estudantes do 6° ano do ensino fundamental das escolas envolvidas na
pesquisa. Devido ao elevado número de estudantes, optamos por trabalhar com uma
amostragem de 25% selecionada de forma aleatória. Nesse sentido, quantificamos um total de
três entrevistas docentes e 25 discentes.
22
Nas entrevistas feitas aos alunos, destacamos a frequência com que esses alunos
estudam com os mapas, o entendimento do que são e para que eles servem, a eficiência deles
no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos de geografia e os usos dessa linguagem
no cotidiano dos entrevistados. Nas entrevistas feitas aos professores destacamos o papel do
livro didático no ensino de geografia, como eles enxergam a linguagem cartográfica no livro
didático, com que frequência eles trazem outros mapas para dentro de sala de aula e quais as
maiores dificuldades no ensino dos/com os mapas.
Tentamos deixar os entrevistados a vontade, rejeitando qualquer discurso de verdade
sobre os temas abordados. Procuramos contextualizá-los no assunto, a fim de evitar perguntas
abruptas que pudessem causar constrangimento ou dúvida. As respostas de caráter qualitativo
foram transcritas com o objetivo de conservar da melhor forma possível a narrativa do
entrevistado.
Utilizamos as narrativas produzidas para pensar a relação entre livro didático, docente
e discente no contexto do ensino-aprendizagem da geografia.
3.2.1 Entrevista Docente
Como apresentamos anteriormente, trabalhamos em três escolas distintas no município
de Vitória, escolhemos três turmas também distintas e por sua vez tivemos três professores
parceiros. Sabemos a dificuldade de categorizar por meio de um binarismo (gosto e não gosto)
questões com tantas possibilidades e relações. O gráfico não expressa uma verdade absoluta,
ele se configura como um meio de apreender, mesmo que de uma forma generalizada, certas
relações do cotidiano escolar.
Nosso primeiro questionamento foi em relação à frequência com que os professores
utilizavam o livro didático dentro da sala de aula. Todas as respostas apontam para o uso
quase que diário deste material, reforçando nossa compreensão do livro didático como
instrumento de referência para o professor. É através dele que grande parte dos professores se
orientam e planejam suas aulas. Os alunos também foram questionados a cerca do uso do
livro didático pelo professor. Houve consenso por parte dos alunos, que afirmaram utilizar
constantemente o livro didático.
Buscamos acompanhar as tensões dos professores a cerca do ensino da cartografia no
livro didático, para pensarmos que tipos de conflitos se configuravam nessas relações. Nesse
sentido, as avaliações sobre o material foram de desaprovação, sendo este classificado como
“precário” e “pobre”. Além disso, ambos os professores alegavam já ter encontrado
inconsistências teóricas no livro didático utilizado atualmente.
23
Quando perguntamos aos professores com que frequência trabalham com mapas em
sala de aula obtivemos respostas distintas. O primeiro respondeu que utiliza a cartografia
constantemente como apoio para o ensino de outras disciplinas, já o segundo alegou utilizar
apenas durante o ensino da Unidade I (01) do livro didático – que é Introdução à cartografia.
Essa diferença de usos também é percebida na resposta dos estudantes, que não estudam com
mapas em sala de aula, limitando-se ao livro didático.
Perguntamos aos alunos com que frequência o professor utiliza mapas, com exceção
ao livro didático, durante as aulas. Dos vinte e cinco entrevistados, apenas seis disseram que o
professor não trabalha com mapas em suas aulas. Os seis alunos são da escola Suzete
Cuendet, mesma escola da professora que disse utilizar os mapas apenas durante o ensino da
Unidade I (Gráfico 1).
Gráfico 1: Estudantes cujo professo utiliza mapas durante as aulas, 2015.
Os resultados da entrevista apontam que o uso da cartografia pelos professores
consiste, grande parte, em localizar os lugares e os fenômenos. Como uma professora
comentou “perceber que um local está contido dentro do outro. As cidades dentro do estado
que estão dentro do país”. Massey (2008), argumenta que este tipo de representação do espaço
reduz nossas maneiras de “ser” no mundo, pois, torna aquilo que é gesto cultural, dotado de
aspectos humanos e políticos na manifestação da realidade por si mesma. Sem dúvidas esse
tipo de percepção é imprescindível na sociedade atual, visto que nossa mobilidade está, em
muitas situações, restrita a essa fronteira político-administrativo dos lugares. O Estado está
presente no cotidiano de várias formas, contudo, existem outras diversas relações que podem
24
ser apresentadas sem que ele esteja na posição central do mapa, como um objeto absoluto,
estático e natural.
Continuando com a entrevista, perguntamos aos professores quais as maiores
dificuldades em trabalhar a cartografia com os alunos. As respostas apontavam para o ensino
da escala, curva de nível e dos fusos horários. Essas entrevistas, envolvendo as dificuldades
de se trabalhar com a cartografia, principalmente com auxílio do livro didático, juntamente
com os desejos dos alunos, nos deram subsídios para planejarmos as oficinas. Contudo, vale
destacar que as entrevistas e suas tabulações a partir de categorias necessárias a organização
de estatísticas, embora sejam úteis para informar regularidades, não dão conta dos modos de
usos, das problematizações, das apropriações e das diferenças engendradas com as tessituras
de saberes que se produzem nas relações entre os conteúdos apresentados pelo livro didático e
as redes de conhecimentos e significações criadas em outros contextos da vida cotidiana de
alunos e professores.
3.2.2 Entrevista Discente
Com os alunos observamos que a linguagem cartográfica é melhor entendida como
utilização de mapas. Este, enquanto instrumento pedagógico, pode facilitar a compreensão
dos fenômenos espaciais, materializando ações e objetos do mundo concreto em uma
linguagem cartográfica. São apresentações, que produzem conhecimento e expressam um
gesto cultural. Através das conversas com os alunos pretendemos avaliar tanto o caráter
comunicativo do mapa (potencial pedagógico) quanto os processos de subjetivação que são
engendrados nessas relações. Por isso, mostramos cinco mapas com linguagens e temas
diversos aos alunos e pedimos que apontassem aqueles que eles consideravam mapas.
Deixamos claro que as cinco podiam ou não ser interpretadas como sendo mapas.
25
Figura 1: Mapa Anamórfico
Figura 2: Mapa Turístico
26
Figura 3: Mapa Político-administrativo
Figura 4: Mapa Topográfico
27
Figura 5: Imagem de Satélite
O objetivo deste questionamento era avaliar o que os estudantes entendiam como
mapa. Como podemos observar no gráfico 2, todos os alunos consultados apontaram sem
hesitar para o mapa de número 3 (mapa político-administrativo). Os mapas 2 e 5, obtiveram a
menor aceitação. Percebemos que as justificativas dos alunos estão bastante relacionadas com
o que eles dizem já terem visto na escola. Por isso, foram muito frequentes respostas do tipo;
“parece um pouco com os mapas que eu estudo” ou “por causa do formato, lembra mapas que
já vi”. Segundo grande parte dos alunos, para serem considerados mapas é preciso que eles
contenham “as cores, os nomes dos lugares os símbolos”; “legenda, rosa dos ventos”;
“latitude, longitude, legenda” ;“rodovias, nomes dos estados, cidades e regiões”; e finalmente
“para ser mapa tem que ter as cidades e as capitais. Não aqueles outros negócios”.
28
Gráfico 2: Figuras que são consideradas mapas pelos estudantes, 2015
Essa última declaração, “não aqueles outros negócios”, deixa entender que os mapas
precisam necessariamente conter uma gama de elementos e não outros, caso contrário não
poderão ser categorizados como tal, independente do conteúdo que carreguem.
Como já dissemos anteriormente, esses elementos citados são fundamentais em
determinadas circunstâncias, mas pensarmos que essas são as únicas formas de expressar a
realidade, ou melhor, de interpretar e produzir discursos sobre o mundo em que vivemos, é
desprezar tudo que a produção humana poder nos oferecer em termos de linguagem. Por isso,
entendemos com Oliveira Jr (2011) que, o efeito de verdade absoluta dos mapas ditos oficiais,
seriam minimizados caso não fossem tomados como representação do espaço, espelho fiel do
mundo, mas como uma apresentação dotada de intencionalidades.
Outras declarações foram mais acerca do formato do território brasileiro. Os alunos
respondiam que “mostra a localização, nomes e formato do Brasil”. Sem dúvidas, os mapas
que apresentam o contorno político-administrativos do Brasil são mais reproduzidos dentro
das escolas. Percebemos uma presença maciça do molde político nos mais variados tipos de
mapas, o que naturaliza esta forma de pensar o espaço a partir daquilo que eles nos dão a ver,
ou seja, a configuração como o Estado, enquanto estrutura social, pensa este espaço e o utiliza
na manutenção de seu poder. Como ressalta Oliveira Jr (2011, p. 5), a linguagem cartográfica
parece obrigar a olhar o território como sendo sempre e, sobretudo, político.
No pensamento que vamos criando com os usos que fazemos dos dados produzidos
com a pesquisa, consideramos que os mapas são dispositivos pedagógicos que, de certa
forma, nos dizem sobre fronteiras, lugares, territórios, culturas e modos legitimados de
29
apreender e de ocupar/usar os espaços, inclusive esses mapeamentos que vamos produzindo a
partir das narrativas e gestos de alunos e professores.
Como lembra Agamben (2005), os dispositivos possuem sempre uma função
estratégica e estabelecem uma relação de poder, capaz de produzir efeitos. “O dispositivo é,
na realidade, antes de tudo, uma máquina que produz subjetivações, e só enquanto tal é uma
máquina do governo” (p. 15), portanto, produz sempre práticas e efeitos.
Percebemos, então, que está colocada sempre a possibilidade de um engessamento em
relação à noção e à prática de mapeamento. Talvez por isso, os mapas sejam pouco percebidos
no cotidiano dos estudantes dentro e fora das escolas. A maior parte dos alunos entrevistados
respondeu não utilizar mapas no dia a dia (Gráfico 3). A maioria daqueles que responderam
positivamente, alegam utilizar o mapa, por meio do celular, para se orientar quando estão
perdidos em um local que desconhecem. Apenas um estudante respondeu que os mapas estão
presentes em vários lugares, como feira e shopping e por isso utilizava frequentemente. Isso
faz sentido quando pensamos o mapa como sendo apenas uma representação gráfica para
localizar as coordenadas de um lugar. Entendemos que “cabe a cartografia escolar, entre
inúmeras práticas desenvolvidas para ensinar a ler mapas, contribuir para educar o olhar”
(AGUIAR, 2009, p. 6).
Gráfico 3: Estudantes que utilizam o mapa no dia a dia, 2015
Consideramos importante pensar, através das narrativas dos estudantes, se os mapas-
objetos auxiliam no processo de ensino-aprendizagem dos conteúdos. Nesse sentido,
30
percebemos que a maior parte dos estudantes disse ter gostado de trabalhar com mapas em
sala de aula (Gráfico 4).
Gráfico 4: Estudantes que gostaram de trabalhar com mapas, 2015
As justificativas reforçavam o potencial de localização dos mapas, o que auxiliava a
resolução de exercícios. Ouvimos várias respostas do tipo: “é mais legal, e também ajuda a
entender onde estamos”. Outro aluno argumentou: “legal, sabemos melhor os locais para não
ficarmos perdidos, para se localizar”. Também identificamos respostas que apontam a
importância de pensar um lugar dentro do outro, como uma hierarquização. O aluno disse: “é
melhor para ver, dá para ver mais as coisas, dá para ver os lugares certos, a legenda, o estado,
o Brasil”. Resposta que indica o que já apontamos anteriormente, de que alguns mapas,
principalmente os escolares, naturalizam nossa forma de ver e agir no mundo.
Também percebemos o interesse de alguns alunos em decifrar e interpretar os mapas,
independente dos exercícios trabalhados em sala de aula. Registramos esse sentimento através
de alunos que afirmavam gostar de ver o mapa por curiosidade. Alguns se interessavam por
rios, outros pelos desenhos.
Outro grupo de alunos respondeu que o uso dos mapas durante as aulas, além de
facilitar o entendimento, modificam a rotina das aulas. Sobre o papel da escola na educação
cotidiana, entendemos que “ao invés de dividir, para analisar, será preciso multiplicar – as
teorias, os conceitos, os fatos, as fontes os métodos etc.” (ALVES, 2008, p. 26). E é em meia
a essas múltiplas relações que se tecem as redes de saberes e interesses. Esse tipo de
compreensão nos ajuda a pensar desejo dos estudantes pela diversidade do mapa e suas
31
relações. Quando trazemos para dentro da sala de aula mapas com elementos e/ou linguagens
diferentes do convencional, implica um novo olhar, às vezes inquieto, instigante, curioso.
Para alguns alunos os mapas são “chatos”, “sem graça”, de “difícil memorização”.
Isso nos mostra que os mapas também podem ser pragmáticos, difíceis e confusos. Segundo
Oliveira Jr (apud BARTHES, 2011), “a pior opressão da língua é quando ela nos obriga a
dizer uma coisa de uma maneira única e não quando ela, a língua, nos impede de dizer algo”.
Novamente presenciamos a importância na diversificação da linguagem cartográfica, a fim de
atender diferentes usuários.
Cabe ao professor de geografia propor medidas criativas que se aproximem da
realidade dos alunos. É importante que a linguagem seja concebida como um processo, uma
escolha do modo de enxergar o mundo, e não como um fato. Compreender que as formas,
assim como os conteúdos são apresentados, são tão importantes quanto o próprio conteúdo,
pois “uma linguagem e um modo de conhecer que determinam nosso modo de ser e de viver
nosso cotidiano” (AGUIAR, 2011, p.12).
3.3 ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO
3.3.1 Caracterização Geral
Como forma de balizar o que foi pesquisado nas escolas, procuramos trazer algumas
considerações acerca dos livros didáticos utilizado pelos professores e alunos. Sendo o foco
da análise o tratamento cartográfico dado ao livro, foi realizada uma análise de três livros
didáticos aprovados pelo PNLD e adotados nas três escolas públicas de Vitória selecionados
para esta pesquisa.
Os livros didáticos analisados fazem parte do PNLD 2014, foram aprovados e
recomendados por esse órgão federal de fiscalização. Os três livros correspondem ao 6º ano
do ensino fundamental (segundo ciclo) e foram tomados como recorte da pesquisa para
analisarmos seu conteúdo cartográfico. Desta forma, buscamos facilitar a observação sobre os
mapas com seus conteúdos específicos para este público. Vale destacar ainda que se trata de
uma série e de um público onde se inicia o processo de alfabetização com conteúdo específico
da cartografia.
Os livros adotados para análise foram:
32
Coleção Autores Ano Editora
Jornadas Geo Marcelo Moraes Paula e Angela Rama 2011 Saraiva, São Paulo
Expedições Geográficas Melhem Adas e Sergio Adas 2012 Moderna, São Paulo
Projeto Araribá Fernando Carlo Vedovate 2011 Moderna, São Paulo
Quadro1: Relação dos livros analisados.
Nestas três coleções (Anexo 1) foi possível identificar uma preocupação dos autores
com a cartografia. Alguns conceitos e temas relacionados como escala, legenda, orientação,
título e coordenadas geográficas são mencionados nas três coleções. Podemos verificar essa
preocupação com a cartografia nas atividades apresentadas nos livros, na maioria dos
exercícios são cobrados leitura e interpretação de mapas.
É de extrema relevância trazer à ótica cartográfica e seu papel para o ensino de
geografia, pois têm um papel fundamental na compreensão dos fenômenos naturais e
humanos do mundo, sendo, portanto, necessária ser trabalhada na sala de aula para os alunos
se inserirem no processo de conhecimento da realidade que vivem.
Neste sentido, alguns autores afirmam que as imagens dos livros têm uma função de
transmitir e estabelecer a observação, a percepção da realidade e sensibilidade do aluno:
Ao propor a leitura de fotos, mapas e outras imagens, estamos partindo de um
referencial teórico. Do ponto de vista da didática, significa que, além de
desenvolvermos a observação e a sensibilidade, também estamos trabalhando com
as representações que os alunos estão construindo (CASTELLAR; MAESTRO,
2002, p. 10).
3.3.2 Análise do PNLD no Ensino de Geografia
O livro didático pode ser pensado como:
um produto cultural dotado de alto grau de complexidade que não deve ser tomado
unicamente em função do que contém sob o ponto de vista normativo, uma vez que
não só sua produção vincula-se a múltiplas possibilidades de didatização do saber
histórico, como também sua utilização pode ensejar práticas de leitura muito
diversas” (MIRANDA, e LUCA, 2004, p. 2).
Miranda e Luca (2004) constatam um movimento histórico dos governos brasileiros
em relação ao livro didático que busca estruturar uma Comissão Nacional, cujas atribuições
envolvam o estabelecimento de regras para a produção, compra e utilização do livro didático.
Entendemos com Alves (2008) que a escola é um importante espaço de produção de ideias e
de experiências, onde a teoria é um limite para o que precisa ser aprendido com a prática.
Nesse contexto, o livro didático funcionaria como um potente dispositivo, capaz de
33
desempenhar um papel estratégico na difusão dos valores requeridos pela sociedade e pelo
Estado e por conta disso, “receberia uma regulamentação exclusiva que controla a sua
produção, sua forma, os conhecimentos veiculados, sua distribuição e até mesmo o seu uso”
(FILGUEIRAS, 2013, p. 87), contudo, as apropriações feitas por discentes e docentes a partir
de seus usos não pode ser prevista nem controlada.
A coleção Geografia traz uma síntese que afirma a importância do livro didático e
como ele possibilita o conhecimento em diferentes níveis para uma construção gradativa do
conhecimento geográfico, para que o aluno possa compreender as heterogeneidades do espaço
geográfico e suas diferentes especificidades sociais, naturais, políticas e econômicas.
O PNLD Geografia afirma que para possibilitar a compreensão do espaço geográfico
são oferecidas as escolas os seguintes critérios:
Analisar a realidade, percebendo suas semelhanças, diferenças e desigualdades
sociais, e apresentar propostas para sua transformação;
Compreender as interações entre sociedade e natureza, para explicar os processos de
produção do espaço e dos territórios;
Compreender o espaço geográfico como resultado de um processo de construção
social, e não como uma enumeração de fatos e fenômenos desarticulados;
Utilizar adequadamente os conceitos de paisagem, espaço, território, região e lugar
para analisar e refletir sobre a realidade social e ambiental;
Pensar o espaço imediato, articulado a escalas mais amplas;
Utilizar variáveis básicas como distância, localização, semelhanças, diferenças,
hierarquias, atividades e sistemas de relações, para identificar e inter-relacionar
formas, conteúdos, processos e funções;
Permitir a discussão e a crítica, estimulando atitudes para o exercício da cidadania;
Favorecer a apropriação da linguagem cartográfica para estabelecer correlações e
desenvolver as habilidades de representar e interpretar o mundo (BRASIL, 2014, p.
7).
Muitos dos critérios abordados pelo PNLD perpassam pela linguagem cartográfica,
conforme serão mostradas nas análises posteriores. Para a compreensão do espaço geográfico
é necessário que a cartografia esteja correlacionada ao ensino de geografia, afim de colaborar
para a formação de alunos leitores.
Para tanto, cabe ressaltar que para a formação de alunos leitores é preciso de
professores que saibam utilizar da melhor forma este instrumento da geografia. Assim, de
acordo com Lima (p. 66), “A cartografia sendo uma especificidade necessária para a ciência
geográfica, o professor precisa dominá-la para poder ser autônomo”. Sendo o livro didático
um dos meios que possibilitam ensinar cartografia, e não o único.
Essa percepção de Lima é fundamental, principalmente quando pensamos na
existência de um conjunto de forças que produz o livro didático. Munakata (2012) demonstra
sua preocupação com o público do livro didático, visto que este material também se apresenta
34
como mercadoria valiosa, capaz de movimentar cifras milionárias e estando imerso a lógica
capitalista de produção. Nesse aspecto, o PNLD assume uma posição estratégica no mercado
de livros didáticos.
No Brasil, a relação entre o Estado e o mercado de livros didáticos é, atualmente,
mediada pelo Programa Nacional de Livro Didático (PNLD), criado em 1985, pelo
qual o governo compra os livros solicitados pelos professores para serem
distribuídos a todos os alunos das escolas públicas[...] A partir de 1996, instituiu-se
a avaliação prévia, pela qual os livros didáticos inscritos no Programa passaram a ser
examinados por especialistas. Somente os livros que obtivessem o parecer favorável
poderiam ser escolhidos pelos professores. Não é impossível que tal situação tenha
incentivado a produção de livros direcionada não diretamente aos professores e aos
alunos, mas aos avaliadores, geralmente recrutados da universidade e, segundo a
crítica corrente, nem sempre habituados às práticas de sala de aula (MUNAKATA,
2012, p. 61).
Através desta ótica entendemos que a produção do livro didático está diretamente
relacionada a aprovação do grupo de profissionais da área (geografia e ensino de geografia)
contratados para avaliar o cumprimento dos itens expostos em edital, o que exige, dentre
outras coisas, que os livros didáticos favoreçam “a apropriação da linguagem cartográfica
para estabelecer correlações e desenvolver as habilidades de representar e interpretar o
mundo” (PNLD, 2014, p. 10). Para que essas exigências sejam cumpridas, o guia de livros
didáticos de geografia lista uma série de falhas que culminariam na eliminação dos produtos
analisados. Destacamos três que repercutem consideravelmente no contexto de ensino-
aprendizagem da/com cartografia.
1. legendas incompletas: ausência e/ou equívoco de datas e de autoria nas
ilustrações;
2. seleção de figuras pouco adequadas ao ensino, contendo propagandas demarcas
comerciais e/ou fora do contexto da discussão;
3. localização imprecisa dos fenômenos geográficos, geralmente, relacionada às
reduções da escala do mapa, induzindo ao erro ao indicar uma localidade enquanto a
seta mostra outra; (PNLD, 2014, p .10).
Percebemos uma exigência de certos elementos que são considerados essenciais para a
cartografia tradicional e representam o “núcleo duro” do ensino cartográfico no Brasil. Essa
regulação do que deve ter no livro didático é uma postura política que permite regular certos
conteúdos que são considerados indispensáveis. Contudo, a lógica capitalista também
atravessa esses interesses políticos e culturais. Muitas vezes essa lógica se converte em
pragmatismo. Não interessa se o norte vai auxiliar ou não o uso mapa, as editoras vão colocá-
la, caso contrário, poderão ser desqualificadas.
35
Segundo Fonseca (2012), os autores dos livros didáticos não se empenham na
construção de cartografias adequadas para o conteúdo apresentado. Isso se deve em grande
parte a pressão das editoras, que não aceitam novas linguagens cartográficas por conta do
risco de não serem aprovadas pelo PNLD. A autora denuncia ainda, que essas cartografias são
produzidas por profissionais da informática e não por cartógrafos, muito menos por
geógrafos. Os mapas são quase sempre produzidos por softwares que se apropriam de uma
lógica euclidiana, independente do conteúdo. Por isso, como afirma a autora, o cardápio
oferecido pelos livros didático é sempre limitado e pré-definido.
O fundo do mapa é a dimensão constituinte do mapa que resulta da combinação da
escala, da projeção e da métrica. Sobre ele se estrutura a linguagem propriamente
dita. [...] Os fundos de mapa são escolhidos pelo editor das obras didáticas:
pressionados pelo mercado e também pelo Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD), que afinal é o maior comprador de livros didáticos no país, os editores
responsáveis pelas obras percebem como grande risco a diversidade dos fundos dos
mapas e isso, mesmo no interior do paradigma euclidiano [...] Não é incomum
encontrar nas comissões avaliadoras oficiais a força da cartografia naturalizada
(FONSECA, 2012, p. 179-181).
Para Fonseca (2012), a cartografia escolar é muito propensa às práticas naturalizadas.
A autora lamenta o fato da cartografia ter sido “abandonada” pelo movimento de renovação
da geografia, deixado de lado por ser identificada como algo próprio da geografia tradicional.
Por fim, a análise enfatiza a preocupação com a cartografia e seus conceitos básicos, e
se o livro didático propõe a dar continuidade ao processo de alfabetização cartográfica.
Entretanto, podemos observar em que alguns dos volumes analisados há falta de localização
dos fenômenos geográficos, o que pode comprometer o entendimento dos conteúdos
trabalhados.
As informações básicas apresentadas na coleção são corretas e atualizadas. Os
mapas estão isentos de problemas de representação e há indicação da fonte e de
legendas. Os recursos gráficos são bem trabalhados e esclarecem conceitos e
fenômenos. As atividades são direcionadas aos conteúdos propostos na unidade [...]
Do ponto de vista das figuras e material ilustrativo, a coleção apresenta-se
alicerçada, trazendo um bom acervo [...]. Os aspectos escalares e cartográficos são
bem contemplados nos mapas e suas legendas, trazendo sempre suas fontes e
créditos [...] (BRASIL 2014 p. 11,42 e 54).
Os dados citados serão melhor discutidos e analisados ao longo do trabalho.
Entretanto, vale ressaltar que, os problemas encontrados no PNLD (BRASIL, 2014) foram
discutidos ao longo da investigação. A seguir, será apresentada a análise dos três livros
propriamente dita.
36
3.3.3 Análise dos mapas apresentados nos Livros Didáticos
A primeira observação a se fazer em cada coleção é em relação à riqueza de elementos
visuais (fotos, figuras, mapas, gráficos). É possível verificar que a maioria dos capítulos de
cada coleção têm pelo menos um mapa. Cabe ressaltar que os capítulos que apresentam uma
maior quantidade de mapas são os que trabalham com o conteúdo específico de cartografia,
com exceção do Projeto Araribá que apresenta uma organização bastante peculiar. Os
conteúdos deste livro são divididos em oito unidades com quatro temas cada. No final de cada
unidade o livro desenvolve um tipo específico de representação gráfica. O que vemos aqui é
uma tentativa de representar cada conteúdo de forma diferenciada, respeitando suas
particularidades. Contudo, o que percebemos é uma fragmentação dos conceitos cartográficos.
Nos outros livros, que apresentam, capítulos específicos para o ensino-aprendizagem da
cartografia, foi notória que a quantidade de mapas diminui significativamente nos capítulos
seguintes.
Percebe-se ainda que a cartografia continua a ser vista como um capítulo isolado e que
na maioria das vezes não é retomada nos capítulos seguintes. É importante salientar que há
conteúdos de cartografia em todos os capítulos do livro didático. E para isso, é fundamental o
papel do professor em perceber essas fragilidades cartográficas do livro para que possa pensar
e repensar suas práticas de ensino, partindo de uma reflexão crítica sobre suas práticas para
entender as necessidades do aluno e tentar oferecer metodologias de ensino que preencham as
lacunas metodológicas do livro didático.
Optamos por analisar apenas alguns mapas apresentados nos três livros, e trazer
apontamentos e reflexões sobre as fragilidades e potencialidades destes documentos
cartográficos ancorados no referencial teórico do trabalho. Desse modo, trouxemos mapas
com temas diferenciados. A análise seguinte mostra dois mapas de curvas de nível, entre
outros.
37
Figura 6: Mapa Topográfico. Extraído de ADAS, M.; ADAS, S. Geografia 6º ano, p. 65, 2011.
O mapa da Figura 6 mostra uma das formas de se representar o relevo com as curvas
de nível e perfil topográfico. Este mapa encontra-se no capítulo sete do livro Expedições
Geográficas em que aborda a representação gráfica do relevo da superfície terrestre. No
capítulo são apresentadas várias formas de representar o relevo, como mapa de curvas de
nível, bloco diagrama, cartas topográficas e mapa de altitude. Nesta unidade do livro trabalha-
se primeiro as técnicas de se representar o relevo, apenas posteriormente são abordadas as
formas do relevo. Desse modo, o livro traz a técnica antes de problematizar o conceito de
relevo, como surgiu, para que serve, suas formas, como está apresentado na superfície
terrestre. Introduz informações técnicas sem produzir reflexões teórico-práticas, resultando
em um conteúdo desconexo, fragmentado e desarticulado, podendo comprometer o
entendimento do aluno, e até mesmo, a prática do professor. Para apresentar o conteúdo de
forma coerente, os mapas de relevo poderiam vir juntos aos conteúdos, assim, essa temática
geográfica teria seu suporte indispensável, o mapa.
38
Figura 7: Mapa Topográfico. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º ano, p. 97, 2012.
O mapa apresentado na Figura 7 traz o mesmo tema do mapa anterior, porém este
trouxe uma proposta de atividade para se trabalhar com os alunos. No livro didático Jornadas
Geo o mapa é encontrado no capítulo quatro que trata do relevo terrestre, ações humanas e da
natureza. O capítulo aborda o relevo e suas transformações, entretanto o tema é tratado com
pouquíssimos recursos cartográficos, contando apenas com um bloco diagrama para se
representar o relevo. No entanto, nas atividades o livro traz como proposta um mapa
topográfico para se trabalhar curvas de nível. Este livro trouxe um problema parecido com o
anterior, conteúdo sem mapas e atividades que cobram leitura e interpretação cartográfica.
Neste sentido, percebemos que a cartografia e o ensino de geografia não estão
correlacionados em alguns capítulos dos livros didáticos. A cartografia é tratada como um
conteúdo isolado do ensino de geografia de maneira desarticulada com as temáticas do livro.
Além das desconexões entre conteúdo e mapa, outras questões permeiam a temática de
curvas de nível (Figuras 6 e 7), a complexidade e a densidade. Trata-se de um mapa técnico,
cartesiano e euclidiano. Essas peculiaridades dos mapas topográficos refletem diretamente no
entendimento do aluno sobre as dinâmicas da superfície terrestre, remetem ao imaginário uma
verdade, como se o relevo fosse apenas um recorte cartesiano imutável, deixando em segundo
plano todas as interações geomorfológicas como a erosão e deposição de sedimentos em um
determinado período.
39
Sobre o discurso da verdade cartográfica e as naturalizações praticadas no ensino,
Fonseca (2012) afirma que
A cartografia escolar é muito propensa às práticas naturalizadas. Ela é um campo de
reprodução e está envolvida por tradições de longa data que subsistem sob a
proteção de uma imagem de precisão e de verdade localizacional. Dito de outro
modo: está submetida á ideologia da verdade, no caso a ideologia da verdade
topográfica [...] (p. 177).
Ambos os mapas apresentam o mesmo recorte territorial, o Pão de Açúcar e o Morro
da Urca localizado no Rio de Janeiro. A geomorfologia destes lugares é frequentemente
utilizada devido a sua potencialidade didática. Abarca uma série de características que ajudam
no processo de ensino-aprendizagem, como: curvas de nível elevadas e baixas, inclinações
íngremes e suaves além de uma silhueta bastante midiática.
Comumente os livros didáticos trazem exemplos de mapas com a cidade do Rio de
Janeiro e São Paulo para mostrar parcelas de seus territórios com suas redes e fluxos. Duas
das maiores cidades brasileiras que configuram uma das mais expressivas metrópoles globais.
Devido a impossibilidade do livro didático abranger as particularidades dos diversos
territórios nas quais é difundido, percebemos a presença constante dessas cidades em maior
evidência, secundarizando outras, criando assim, no imaginário do aluno a valorização de
cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, em detrimento das outras. Desta forma, os
elementos de suas localidades, que também possuem potencial didático, não são explorados.
O livro didático Projeto Araribá, não traz mapas nem conceitos referentes à curva de
nível. Neste caso, cabe exclusivamente ao professor decidir se o conteúdo deverá ou não ser
apresentado aos estudantes.
O mapa apresentado no capitulo 4, Território e poder (Figura 8), nos diz muito sobre a
produção de subjetividade engendrada com a cartografia dos livros didático.
40
Figura 8: Mapa Político. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º ano, p. 30, 2012.
A Figura 8 mostra um mapa político do mundo com seus territórios, seus limites e
fronteiras. O livro discute os conceitos de território, nação, fronteiras e limites, e tenta mostrar
as diferenças entre os termos. Especifica que existem fronteiras naturais e artificiais, e que os
limites e fronteiras podem resultar de acordos entre países para delimitar seus territórios e
afirmar poder e soberania nacional.
Estes mapas reforçam no imaginário do aluno o discurso de Estado Nação e suas
ideias nacionalistas para legitimar seu poder e controle sobre os sujeitos em processo de
formação e escolarização. Como afirma Oliveira Jr. (2011, p. 4), esse discurso “naturaliza esta
forma de pensar o espaço a partir daquilo que os mapas nos dão a ver, ou seja, o modo como o
Estado, enquanto forma social, pensa este espaço e o utiliza na manutenção do seu poder”.
41
O mapa, como um produto cultural, materializa em suas formas o discurso de um
grupo social. Ou seja, os mapas do livro didático reproduzem o discurso da classe dominante.
Enquanto gestos da cultura, os mapas refletem o atual modelo de sociedade, pois, como
afirma Bourdieu (apud SILVA, 2004, p. 34), “a dinâmica de reprodução social está centrada
no processo de reprodução cultural”.
Nesse discurso os mapas trazem a ideia de verdade absoluta, como se o espaço fosse
imutável, como se o mundo sempre fosse do mesmo jeito. Partindo do discurso hegemônico
do Estado Oliveira Jr. (2011, p. 7) argumenta que
Os mapas fazem parte, portanto, parte da ficção que o Estado cria, dos discursos de
verdade que circulam entre nós. Eles, os mapas, estão a nos educar o pensamento
por meio da educação dos olhos para esta ficção, uma educação que nos leva a
memorizar fronteiras políticas como a única maneira de nos movimentarmos –
encontrarmos os lugares, referenciá-los, relacioná-los uns aos outros – nas obras
cartográficas [...]. Podemos dizer que este é um gesto cultural nada inocente, de
apagamentos de outras maneiras de imaginar o espaço [...]
Assim, o mapa torna-se um produto da máquina estatal que o utiliza para exercer seu
poder e esta cartografia obedece à lógica do Estado, traz para os livros didáticos um recorte
capitalista do espaço geográfico.
Outra coisa que podemos perceber em todos os mapas apresentados no livro didático é
o uso da escala, independente de sua extensão ou projeção. Percebemos com Fonseca (2012,
p. 182) que a escala cartográfica se refere ao fundo do mapa e a sua projeção, tratando-se,
portanto, de “uma relação geométrica entre duas realidades de tamanho e formatos (curvos e
planos diferentes)”. Quando colocamos escala no mapa induzimos o leitor a pensar que este
servirá para estabelecer uma correspondência igual com qualquer parte do mapa. Fonseca
(2012) nos mostra como essa percepção é equivocada, especialmente quando trabalhamos
com mapas de pequenas escalas, como, por exemplo, o mapa-múndi apresentado na Figura 8.
Em uma projeção cilíndrica, por exemplo, a escala cartográfica só é correspondente na Linha
do Equador. Quanto mais direcionamos para os polos, menor torna-se a correspondência.
Todas as “projeções têm suas variações, que não só não aparecem na cartografia escolar,
como ao contrário, se trata como se essas projeções não produzissem essa complexidade de
resultados diferentes extensões do mapa” (FONSECA, 2012, p. 183).
42
Figura 9: Mapa do Brasil, Redes de Transportes. Extraído de ADAS, M.; ADAS S. Geografia 6º ano, p. 50,
2011.
A Figura 9 mostra um mapa do Brasil com suas redes de transportes. O intuito do
mapa é tentar introduzir ao aluno sua leitura e interpretação acerca dos conjuntos de
elementos que o compõe. Assim, o mapa sugere ao aluno que seus principais elementos são: o
título, a fonte, a rosa dos ventos (orientação), a escala, a legenda, as coordenadas geográficas
e a localização no espaço terrestre.
O nível de complexidade do mapa é notório. Foram sobrepostos excessos de
informações desnecessárias para o objetivo do mapa, que trata justamente de esclarecer ao
aluno suas principais características. No entanto, esse emaranhado de simbologias deixou o
mapa obscuro e confuso, podendo dificultar sua leitura e interpretação.
43
Nota-se rios, estradas pavimentadas, estradas em pavimentação, estradas sem
pavimentos, divisões políticas, toponímia, portos, aeroportos internacional e doméstico,
terminais hidroviários, hidrovia, ferrovia. Cabe-nos pensar: por que e para quê tanta
informação em um único mapa?
Como já discutido, o Estado utiliza o mapa como suporte para mostrar suas
potencialidades territoriais. Este mapa reflete este discurso, mostra em suas simbologias as
potencialidades do território e, ao mesmo tempo, o torna hierarquizado e invisibiliza outras
formas de apresentar o território com suas tramas de relações.
No livro didático Projeto Araribá, as representações gráficas da Unidade I explicam
resumidamente o que é croqui, planta, carta, mapa, bloco-diagrama, maquete e infográfico,
mas não discorrem nada sobre os elementos que as compõem, nem mesmo a escala
responsável por designar as dimensões dos lugares no mapa. Em nenhum momento o livro
discute a relação entre escalas e o nível de detalhamento, responsável por diferenciar croqui,
planta e carta. Praticamente todos os mapas do livro apresentam escala, legenda, norte e título,
mas eles só são discutidos de forma bastante simples no final da Unidade 3.
A partir dessa constatação, fica o questionamento: se o livro didático não diz para que
serve escala, legenda, norte e título até o final da terceira unidade, porque utilizam esses
elementos nas unidades anteriores? Como esperam que os estudantes interpretem esses
elementos dos mapas? Parece que esses elementos estão no livro mais por uma “precaução”,
contra possíveis rejeições dos avaliadores contratados pelo PNLD, do que realmente por
necessidade pedagógica.
Observamos também a forma como os instrumentos de orientação geográfica são
apresentados no livro didático Projeto Araribá. Consideramos pertinente por parte do livro
não se limitar a explicar apenas para que eles servem e como utilizá-los. Podemos perceber na
Figura 10 que o livro traz informações do contexto histórico cultural no qual o instrumento foi
criado. Desta forma, o aluno pode compreender que a bússola, o astrolábio e o GPS são
ferramentas construídas pelo homem para atender objetivos diferentes, em situações
diferentes, com narrativas diferentes.
44
Figura 10: Instrumentos de orientação. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 28-29, 2010.
Infelizmente o mesmo não acontece com as outras linguagens cartográficas e os
elementos que o compõem. Seemann (2011) explica que os conteúdos cartográficos no
currículo e também no livro didático de geografia se apresentam como “carto-fatos”, pois
raramente são ensinados e aprendidos nos seus contextos histórico-culturais. Como aponta
Santos apud Aguiar (2011)
A abordagem cartográfica parte do postulado de que os interesses grupais ou de
classe fazem acontecer tudo, mas não explicam nada. E isto porque a explicação
nunca explica o que acontece ou, por outras palavras, porque o “que” do acontecer
só é susceptível de explicação enquanto “como” do acontecer, enquanto via de
acesso única ao “quê” do acontecer (p. 4).
A forma como o livro aborda os fusos horários e os meridianos é um bom exemplo da
indiferença acerca das tramas e histórias que sustentam a utilização desses elementos. O livro
explica que a linha imaginária foi criada a partir de uma convenção internacional realizada em
1884, nos Estados Unidos, portanto, uma criação humana. Contudo, existe uma teia de
relações que implicaram na escolha de Greenwich enquanto meridiano central e que não
foram explicadas no livro. Segundo Seemann (2011), a Grã-Bretanha, principal potência
econômica e militar da época, foi colocada no centro do mundo, tornando-se referência a
45
todos os outros países. Os países rivais como França e seus aliados resistiram durante décadas
a essas medidas. Quando entendemos os processos que dão origem à linguagem cartográfica,
a forma como olhamos o mapa se transforma, pois somos capazes de pensar o jogo de forças
que organizam as informações. Entendemos com Seemann (2011) que atrás das divisões
globais, das projeções cartográficas ou da criação dos meridianos estão contidos acordos,
negociações, tramas e atores que desencadeiam as ações e que são, quase sempre, ignorados.
Por isso, a importância de não aceitarmos a cartografia como representação neutra de fatos
naturalmente dados.
Durante as análises feitas com os livros didáticos, percebemos, com Fonseca (2012),
que existem muitas formas de projeção, mas poucas são utilizadas nesses materiais escolares.
A projeção de Mercator é ainda a mais utilizada. Contudo, como explica Fonseca (2012), a
soberania dessa projeção nas escolas foi abalada pela “revelação do seu papel ideológico, já
que entre suas infidelidades geométricas, a ampliação das dimensões das terras em altas
latitudes, daria aos “países do Norte” uma supremacia territorial”, como podemos observar na
Figura 11.
Figura 11: Mapa de zonas térmicas da terra. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 41, 2010.
Nesse mapa, ficamos com a sensação de que a zona tropical compreende uma porção
de terra muito inferior às zona polares. Outra possibilidade de projeção cartográfica foi
desenvolvida por Peters (1973). Embora deforme as fronteiras dos países e continentes, ela
permite que nós visualizemos as dimensões de terra com maior “fidelidade”. Desta forma, as
porções territoriais inseridas na zona tropical se apresentariam maiores do que as da zona
46
polar. Contudo, outra característica importante dos mapas do livro didático podem ser
facilmente percebidas nesta imagem. A Europa sempre no centro do mundo, mesmo sem
nenhuma razão geométrica para isso. Fonseca (2012) conta que essa característica não é
exclusiva da cartografia escolar, ela é percebida também em outros trabalhos científicos e
publicitários.
Fonseca (2012) nos mostra que a naturalização das projeções centradas na Europa
contribui também para uma visão naturalizada dos continentes. Embora essa divisão às vezes
pareça óbvia por acreditarmos que continentes são grandes porções de terra separados por
oceanos, Grataloup apud Fonseca (2012) nos lembra que essa divisão é resultado de ações
humanas, fruto de extrapolações dos mapas-múndi medievais.
Figura 12: Mapa político europeu. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 69, 2010.
Percebemos na Figura 12, que os lugares fora do continente europeu foram
completamente ignorados. Não existe relação com as informações externas, nem os nomes
dos países são informados. Fonseca (2012) explica que a fronteira oriental da Europa
encontra-se nas montanhas de Ural devido a interesses políticos do então império Russo, no
início do século XVIII. Esse tipo de informação é completamente ignorado nos livros
didáticos analisados.
47
Outro elemento de representação gráfica que aparece em todos os mapas é a rosa dos
ventos. Esse importante elemento cartográfico permite determinarmos, por meio de pontos
cardeais, as direções Norte, Sul, Leste e Oeste. Contudo, a rosa dos ventos é utilizada de
forma desnecessária e, às vezes, até inconsequente, como discutiremos por meio da Figura 13.
Figura 13: Mapa político asiático. Extraído de VEDOVATE, F. Geografia 6º ano, p. 70, 2010.
Esse mapa apresenta o continente asiático através de uma projeção cônica. Nesse tipo
de projeção as distorções próximas ao paralelo de contato com o cone são pequenas e
aumentam à medida que as superfícies representadas se distanciam desse paralelo. Por isso,
essa projeção se torna muito eficiente em mapas que representem porções de terras em
latitudes médias, como, por exemplo, os continentes. Contudo precisamos ficar atentos as
relações envolvendo a rosa dos ventos. Na projeção cônica, ao contrário da de Mercator, a
rosa dos ventos só aponta para norte quando colocada no cento do mapa. Se colocarmos o
desenho da rosa dos ventos em cima de países distantes do meridiano central do mapa, as
direções serão desfiguradas. Para que isso não ocorra é preciso que a rosa dos ventos
acompanhe o anglo de inclinação dos paralelos, caso contrário, poderemos interpretar, por
48
exemplo, que a Inglaterra está ao norte da Turquia. Esse tipo de observação não é explicitado
em nenhum momento no livro didático.
Figura 14: Mapa de Vegetação Nativa e Áreas Devastadas. Extraído de ADAS, M.; ADAS, S. Geografia 6º ano,
p. 194, 2011.
O mapa apresentado na Figura 14 mostra o predomínio da vegetação nativa no Brasil e
suas áreas devastadas. Porém, a legenda com o mapa que indica onde o fenômeno ocorre não
trouxe para a representação a Mata dos Cocais, sendo que o conteúdo do livro sugere a
presença dela neste mapa. Apesar disso, a legenda e o mapa não mostram essa vegetação, o
que pode prejudicar o aprendizado do aluno e comprometer seu entendimento acerca do
assunto.
Além da questão de mapa e legenda, essa representação conta com problemas
em relação à escala do fenômeno. A vegetação litorânea está distorcida nesta escala pequena.
Por exemplo, o manguezal ficou mal representado, passando uma impressão que ocorre
pequenos fragmentos no litoral brasileiro, sobretudo, no Espírito Santo, que mostra a
ocorrência do ecossistema manguezal apenas na região norte. Assim, devido à escala pequena,
o fenômeno sofreu um elevado grau de redução dentro da representação.
49
Figura 15: Mapa do Brasil, previsão do tempo - 15 de fevereiro de 2011. Extraído de ADAS, M.; ADAS, S.
Geografia 6º ano, p. 171, 2011.
A Figura 15 apresenta uma previsão do tempo feita no ano de 2011. O mapa mostra
fenômenos climáticos de forma estática. Dessa forma, as dinâmicas do clima tornam-se
imutáveis no mapa, enquanto que o tempo é um fator climático totalmente dinâmico, que a
todo o momento se transforma, muda suas direções, sua temperatura, umidade e precipitação,
ou seja, é um fenômeno que sofre constantes processos de transformações. Em curtos
períodos de tempo podem ocorrer mudanças bruscas e imediatas. É um fenômeno vivo,
carregado de energias e forças que se chocam a todo instante.
O mapa traz um quadro com uma pergunta relacionada à previsão do tempo da região
onde o aluno mora. De certa forma, a previsão do tempo da representação poderia se tornar
um dispositivo dinâmico se o professor fizesse uma comparação da temperatura do ano e mês
indicado no mapa com a temperatura do mesmo mês do ano atual. Assim, o aluno teria um
parâmetro comparativo entre a temperatura de fevereiro de 2011 para a data atual. Porém, o
mapa traz apenas a previsão de fevereiro de 2011, ou seja, o aluno só poderia estabelecer o
parâmetro de comparação se os meses fossem equivalentes, caso contrário, o mapa não
serviria para o aluno relacionar as alterações do tempo de 2011 para a atualidade.
50
Assim, o mapa não fornece informações necessárias para o aluno pensar as dinâmicas
do tempo, não contribui para ele perceber como o tempo sofre constantes processos de
transformação. O mapa traz um recorte de uma previsão obsoleta, portanto, insuficiente para
os alunos mediarem com seu cotidiano.
3.3.4 Atividades cartográficas do livro: novos fazeres e olhares para o ensino de geografia
Os livros analisados contam com um conjunto de atividades ao final de cada capítulo.
Nem todas as atividades propostas nos livros são remetidas à reprodução do conteúdo, pois os
autores trazem em alguns capítulos de cada livro propostas de atividades que possibilitam o
aluno a pensar criticamente os fenômenos que ocorrem no espaço geográfico. Selecionamos,
aqui, algumas destas atividades (Figuras 16, 17 e 18) reflexivas acerca da cartografia.
Figura 16: Atividade – confecção de croqui de aldeias. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º
ano, p. 76, 2012.
51
Figura 17: Atividade – confecção de croqui de aldeias. Extraído de PAULA, M.M; RAMA, A. Geografia 6º
ano, p. 77, 2012.
Conforme mostram as Figuras 16 e 17, é notória a preocupação dos autores em propor
atividades que façam os alunos refletirem sobre outras formas de organização social. No texto
sobre as aldeias indígenas os autores tentam quebrar estereótipos estabelecidos sobre os povos
nativos, como, por exemplo, que todo índio mora em ocas, sendo que na verdade o texto
esclarece que cada nação indígena organiza seu espaço de acordo com sua cultura. Ou seja,
nem todos os povos indígenas moram em ocas propriamente. Essas informações buscam
52
quebrar paradigmas equivocados acerca das nações indígenas e, de alguma forma, tentam
mostrar a heterogeneidade de alguns povos.
A confecção do croqui emerge como proposta para reforçar junto ao texto a
diversidade de organização territorial dos povos indígenas. Assim, pela produção do croqui os
alunos podem estabelecer parâmetros comparativos das formas de organização social de cada
aldeia e, ao mesmo tempo, perceberem as diferentes relações que os povos tecem com seu
território. Nesse caso, o aluno poderá notar que os povos organizam seu território de acordo
com sua cultura e seu modo de vida, podendo até mesmo comparar com a organização da
cidade ou do bairro em que mora.
Figura 18: Brasil: regiões hidrográficas. Extraído de ADAS, M.; ADAS S. Geografia 6º ano, p. 160, 2011.
Conforme mostra o mapa da Figura 18, o Brasil está dividido em doze regiões
hidrográficas, com características naturais, sociais e econômicas semelhantes. Essa divisão foi
53
elaborada para orientar o aproveitamento dos recursos hídricos do país, e tentar assegurar o
uso racional da água e seu gerenciamento.
Os autores trouxeram uma proposta interessante para o aluno entender como estão
organizadas as bacias hidrográficas e articularam junto ao mapa um texto síntese para cada
bacia, com suas principais características e funções. Assim, o aluno poderá compreender a
disposição das bacias no território brasileiro, bem como entender que os sistemas
hidrográficos não se limitam às divisões políticas e administrativas do Brasil. Neste sentindo,
num âmbito nacional, o mapa não trouxe uma divisão limitada e hierarquizada do fenômeno,
pois mostra aos alunos que os rios se estendem além das fronteiras estaduais. Apesar respeitar
as áreas das bacias hidrográficas em território nacional, o mapa excluiu as partes das bacias
que estão além da área brasileira, limitando ou comprometendo a aprendizagem de que estes
elementos se expandem além das fronteiras políticas.
Portanto, embora o mapa se apresente como uma ferramenta objetiva e estática, a sua
leitura, tanto por parte dos alunos quanto por professores, pode produzir movimento,
problematização, fissuras no que é tido como dado e natural. Fazer mapa como uma arte de
usar, de ler esse texto imagético, pode ser um processo potente para engendrar outras
possibilidades de pensamento que não aquele baseado na representação, impulsionando a
invenção de outros mundos e outros processos de subjetivação. Afinal, como disseram
Deleuze e Guattari (1995), é preciso fazer um mapa, não um decalque, que traduz o mapa em
imagem ocultando o movimento implicado em sua produção, isto é, a cartografia. “Um mapa
tem múltiplas entradas, contrariamente a um decalque que sempre volta ao “mesmo”. Um
mapa é uma questão de performance, enquanto que o decalque remete sempre a uma
presumida competência (p.22).
54
4 A CARTOGRAFIA ALÉM DO LIVRO DIDÁTICO: PRÁTICA EM OFICINA
PEDAGÓGICA
4.1 TEORIA E PRÁTICA POR MEIO DE OFICINAS
Esta etapa da pesquisa se consistiu no desenvolvimento de uma oficina pedagógica
com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, o que possibilitou relacionar os conteúdos
propostos no livro didático com as vivências dos alunos no cotidiano, levando em
consideração seus saberes e suas percepções acerca do meio em que vivem.
Nas etapas anteriores da pesquisa, constatamos por meio de questionários e conversas
informais com alunos e professores que os mapas topográficos (curvas de nível) são alguns
dos mais complexos para se trabalhar e entender cartografia. Além dos relatos, na análise dos
livros percebemos fragilidades no conteúdo em relação aos mapas topográficos. Assim, para
tentar preencher as lacunas metodológicas do livro didático, optamos por desenvolver uma
oficina pedagógica, cuja ideia surgiu a partir de observações e reflexões acerca do tema. Neste
sentindo, buscamos soluções para uma das problemáticas em comum encontradas nos três
livros e, ao mesmo tempo, propor uma alternativa lúdico-cartográfica para o professor(a)
trabalhar suas aulas.
O processo de ensino aprendizagem não está apenas centrado na figura do
professor/mediador, mas nos saberes que são construídos pelos alunos. Esses valiosos saberes
devem ser apropriados pelo professor para pensar suas práticas de ensino.
Segundo Paviani e Fontana (apud FALCÃO, 2013):
Uma oficina é, pois, uma oportunidade de vivenciar situações concretas e
significativas, baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos pedagógicos.
Nesse sentido, a metodologia da oficina muda o foco tradicional da aprendizagem
(cognição), passando a incorporar a ação e a reflexão. Em outras palavras, numa
oficina ocorrem apropriação, construção e produção de conhecimentos teóricos e
práticos, de forma ativa e reflexiva (p. 31).
De acordo com Cuberes (apud FALCÃO, 2013, p. 31), uma oficina pedagógica pode
ser entendida como “um tempo e um espaço para aprendizagem; um processo de
transformação recípocra entre sujeito e objeto; um caminho com alternativas, com
equilibrações que nos aproximam progressivamente do objeto a conhecer”.
Neste sentido, as oficinas pedagógicas possibilitam ao aluno um novo olhar acerca do
que é ensinado, tornando-o protagonista na construção do conhecimento, sendo a oficina uma
ferramenta que pode potencializar os saberes dos alunos, e assim, transformar a teoria em
aprendizagem. Esses saberes podem ser transformados, somados, multiplicados e
55
incorporados aos “novos conhecimentos” que serão trabalhados. Assim, o processo de
construção do conhecimento se daria a partir da prática coletiva entre os sujeitos envolvidos,
buscando por meio de diálogo estabelecer trocas de conhecimento, desta forma, a construção
do conhecimento seria coletiva e os saberes compartilhados entre todos os atores envolvidos.
Para Figueirêdo (apud FALCÃO, 2013):
[...] as oficinas são um espaço de interação e troca de saberes, esta ocorre através de
dinâmicas, atividades coletivas e individuais que proporciona ao educando expor
seus conhecimentos sobre a temática em questão e assimilar novos conhecimentos
acrescidos pelos educadores. Esse processo de conhecimento dar-se a partir da
marca da horizontalidade na construção do saber inacabado. Esta experiência
enquanto prática democrática e participativa, se realiza mediante uma abertura do
educador, que não se coloca como o único detentor de conhecimento (p.32).
A construção de uma oficina é uma etapa importante para o desenvolvimento da
pesquisa, quando devem ser consideradas todas as etapas do processo, desde o planejamento
até sua etapa final, à avaliação e análise dos resultados. Para Paviani e Fontana (apud
FALCÃO, 2013, p.32), são considerados “o planejamento de projetos de trabalho, a produção
de materiais didáticos, a execução de materiais em sala de aula e a apresentação do produto
final dos projetos, seguida de reflexão crítica e avaliação”.
A proposta da primeira etapa da oficina abordou em seu bojo o seguinte tema: “A
Cartografia do Tesouro: Construção Coletiva de Mapas Imaginários de Curvas de Nível”.
O objetivo principal da oficina foi introduzir os mapas de curvas de nível e seus níveis
altimétricos de uma forma pouco convencional, trazendo como proposta a criação coletiva de
um mapa físico (curvas de nível) de uma área hipotética. Desse modo, o aluno se tornaria
sujeito mapeador, ele desenharia um mapa de uma ilha imaginária com suas curvas de níveis,
e nessa ilha um suposto “tesouro” estaria enterrado.
Para estimular a imaginação dos alunos, buscamos trazer para a atividade um
personagem da cultura pop do cinema hollywoodiano: o “Capitão Jack Sparrow” (Filme:
Piratas do Caribe). O personagem dependeria do mapa criado pelos alunos para esconder o
seu “tesouro” em uma determinada ilha. Assim, os alunos teriam a missão de “ajudar” o
Capitão a esconder seu tesouro, sendo seus cumplices piratas.
O “mapa do tesouro” surge como alternativa lúdico-cartográfica para trabalharmos
mapas topográficos, que nos livros didáticos são abordados de forma muito técnica, densa e
complexa para crianças do 6° ano.
A segunda etapa da oficina consistiu em desenvolver “Curvas de Nível Afetivas”, cujo
objetivo era o de representar coisas que os alunos gostam numa escala de importância. Quanto
56
mais importante for, mais alto ela deve ficar, ou seja, deve estar numa curva de nível com
maior altitude.
Assim, durante o desenvolvimento da oficina, buscamos trazer aos alunos os fazeres e
pensares cartográficos, considerando o seguinte: “[...] uma cartografia para crianças seria
aquela que cartografa o real das crianças. Em outras palavras, aquela que dá grafia em forma
de carta, mapa, ao pensamento sobre o espaço que as crianças ou uma criança tem”
(OLIVEIRA JR., 2009, p.3).
Durante as oficinas, os registros foram feitos por meio de anotações por parte dos
pesquisadores. Foram catalogados os principais fatos observados e escutas dos alunos no
processo de criação das ações propostas. Além disso, os materiais produzidos pelos alunos
foram guardados para posteriores análises, bem como os registros fotográficos das atividades.
Portanto, a avaliação de todas as etapas implementadas no decorrer da pesquisa foi
realizada durante e após o desenvolvimento da oficina, tendo como objetivo introduzir o
processo de criação de mapas imaginários de curva de nível, para analisarmos como o aluno
pode construir e imaginar o espaço sem as normatizações e convenções cartográficas
presentes no livro didático.
4.2 A OFICINA
Após o planejamento da oficina com base na análise das bibliografias e dos dados
levantados, entramos em contato com os professores das respectivas escolas para retornarmos
e aplicarmos nossa proposta. Apesar de demonstrarem interesse na oficina, eles solicitaram
para que realizássemos a atividade no final de novembro, pois estavam finalizando os
conteúdos de geografia para aplicarem as provas e trabalhos avaliativos finais, e nossa
proposta poderia comprometer o cumprimento do currículo. Como não foi possível a
disponibilização das aulas para aplicarmos a oficina por nenhum dos professores de geografia
das escolas em tempo hábil para finalizarmos o presente trabalho, recorremos ao professor de
artes da E.M.E.F. Tancredo de Almeida Neves para trabalharmos com o sexto ano durante sua
aula. O professor aceitou a proposta, tendo em vista que além de adaptar nossa atividade para
as necessidades de sua disciplina ele entendia a importância da realização da mesma para o
aprendizado tanto dos alunos graduandos em geografia quanto dos alunos do sexto ano. Além
disso, esta interação permite que os conteúdos de geografia perpassem pelos de artes e vice-
versa, tornando a proposta interdisciplinar, uma vez que a cartografia é considerada ao mesmo
tempo arte, técnica e ciência.
57
A oficina aconteceu na sala de artes, colaborando para seu desenvolvimento, já que a
mesma possuía mesas grandes e materiais como lápis de cor e giz de cera para uso dos alunos,
além dos já disponibilizados pelos autores. Como o cronograma escolar estava bastante
sobrecarregado, não foi possível realizar a oficina em apenas um dia com duas aulas
geminadas. Sendo assim, executamos a primeira parte dela na quarta aula do dia 12/11/2015 e
a segunda parte na última aula do dia 13/11/2015, com duração de 50 minutos cada, ou seja,
uma aula.
Por meio de conversas informais com alunos e com o professor de artes percebemos
uma peculiaridade na forma como suas aulas são trabalhadas. Como nos lembram Correa e
Preve (2011), a prática escolar tradicional obriga os alunos a permanecerem sentados em sala
de aula durante todo tempo, ensinando ao estudante o exercício da imobilização do corpo
antes mesmo dos outros conteúdos. Essa imobilização funciona como uma ação em busca do
equilíbrio ideal entre o que pode e o que não pode ser feito. Rompendo com essa prática
tradicional, as aulas de artes funcionam como uma válvula de escape para os alunos, durante
este espaço-tempo eles encontram brechas nas forças disciplinadoras da escola que os
obrigam a ficarem sentados em fileiras, a ouvirem antes de falar, a pedirem permissão para se
levantar.
A partir disto, o que buscamos com nossa atividade foi uma maior autonomia e
liberdade para que os alunos pudessem criar e inventar caminhos. Tal condição para
derivações e invenções da oficina permitiu que os objetivos pré-estabelecidos de ensinar
curva de nível ganhassem outros caminhos, além daqueles que obrigam sua fixação no mapa,
como uma sugestão, uma alternativa ao invés de uma obrigação. Essa implicação da curva de
nível formou-se como fios ou como teias, resultado das discussões mediadas durante a
oficina. Desta forma, o conteúdo se apresentou como uma oportunidade, algo a ser pensado e
discutido. Nesse sentido, a educação não se contrapõe ao conteúdo escolar, pelo contrário, se
faz junto, criando deslizes e rasuras, “permitindo que este escolar entre em devir com outro de
si mesmo, abrindo um porvir que incluiria parcelas e práticas, antes não configuradoras da
escolarização” (OLIVEIRA JR. 2012, p. 6).
4.2.1 Projeção do filme “Piratas do Caribe” e Proposta da Confecção do Mapa Coletivo
Iniciamos a aula nos apresentado e conversando um pouco sobre nossas propostas,
apesar dos alunos já conhecerem alguns dos pesquisadores e já terem sido informados no
primeiro encontro, em que realizamos a entrevista, que posteriormente haveria uma oficina.
Boa parte dos alunos demonstrou interesse e, apesar de certa euforia, tentavam prestar atenção
58
nas nossas orientações. Em seguida, mostramos um vídeo com recortes da série de filmes
“Piratas do Caribe” dirigidos por Joachim Ronning e Espen Sandberg, tendo como
protagonista Johnny Depp no papel de Jack Sparrow, em que o pirata utilizava ferramentas de
navegação como mapas, bússolas, luneta, globo terrestres entre outros, em suas aventuras. O
filme operou como um dispositivo para problematizarmos a cartografia e sua funcionalidade
no espaço geográfico. No caso do filme, o personagem utiliza mapas como um objeto de
estratégia, para conquistar riqueza e domínio marítimo (Figura 19).
Figura 19: Cenas do Filme "Piratas do Caribe".
Com o termino do vídeo, a carta de Jack foi projetada para a turma, na qual ele
solicitava aos alunos que escondessem seu tesouro e confeccionassem um mapa.
Carta do Jack Sparow aos alunos:
“Marujos e marujas, conto com a ajuda de vocês para esconder meu tesouro na Ilha
Secreta e recuperá-lo depois! Para isso, além de escondê-lo vocês deverão desenhar um
Mapa do Tesouro ilustrando a ilha e o local onde está.
Para que apenas vocês e eu consigamos interpretar o mapa, peço que utilizem as
curvas de nível para me orientar e indicar onde o tesouro foi escondido.
59
Lembro ainda que o ponto mais alto da ilha tem 100 metros de altura, sendo assim,
dividam-na em dez curvas de nível com intervalo de 10 metros de altura partindo do nível dor
mar.
Conto com a ajuda de vocês para ficarmos ricos!
Boa sorte,
Jack Sparow”
Após a projeção da carta, solicitamos que um aluno iniciasse a leitura, em seguida
vários outros se prontificaram a continuar. No entanto, sua brevidade não possibilitava texto
para todos. A narrativa emergiu como uma ferramenta intermediadora do filme com a
proposta de trabalho, possibilitando que os alunos trabalhassem um conceito cartográfico
técnico de forma lúdica.
Para que apenas eles soubessem onde estaria o tesouro, o pirata pediu que os alunos
utilizassem as curvas de nível para guiá-lo, dividindo a ilha em dez curvas de nível com
intervalo de dez metros cada. A partir daí fizemos uma breve explicação para os alunos sobre
o que era curva de nível e mesmo eles não conhecendo uma definição detalhada e clara sobre
o conceito era notável que boa parte já havia tido contato com o termo.
Em seguida, dialogamos com os alunos questionando o que a “ilha do tesouro” deveria
ter além do tesouro e das curvas de nível. A participação deles foi intensa, vários alunos
sugeriam coisas diversas, desde árvores à areia movediça, e todas as sugestões foram escritas
no quadro e acordadas com a turma para que depois desenhássemos no mapa (Figuras 20 e
21).
60
Figura 20: Sugestões de elementos para o
mapa.
Figura 21: Confecção coletiva do mapa do
tesouro.
Dividimos os alunos em grupos de cinco componentes para que eles pudessem
confeccionar o mapa por etapas. Cada grupo construiu uma parte do mapa permitindo que
todos participassem da confecção. O envolvimento de cada aluno foi diferenciado, alguns se
concentraram mais na delimitação das curvas de nível e na escolha da localização dos
elementos do mapa, enquanto outros nos desenhos lúdicos e em pintar a ilha. Durante a
elaboração do mapa, não conseguimos cumprir a orientação da carta do pirata, que solicitava
dez curvas de nível, pois a proximidade e frequência das curvas impedia que os alunos
fizessem seus desenhos nos locais e tamanhos que queriam. Sendo assim, reduzimos a
quantidade para cinco curvas de nível, ainda intercaladas em alturas de dez metros até os 50
metros que seria o ponto mais alto da ilha, e sem contar com a delimitação da ilha onde
indicava o encontro dela com o mar.
Questionamos aos alunos onde eles queriam desenhar cada um dos itens levantados
anteriormente e a partir de suas escolhas e identificamos no mapa as áreas correspondentes a
cada altitude nos orientando pelas curvas de nível já desenhadas, permitindo que os alunos
praticassem a interpretação de um mapa topográfico. A partir dessa introdução aos conceitos
de altitude, os alunos passaram a associar as características peculiares de cada curva. Entre a
61
curva de 0 a 10 metros os alunos desenharam predominantemente praias, pintando a maior
parte da área de amarelo. Na área fora da ilha, além do limite do mar, os alunos desenharam
ondas, um peixe e pintaram o tecido de azul. Decidiram também esconder o tesouro no ponto
mais alto da ilha, marcando um “X” vermelho na curva de nível de 50 metros. Porém, minutos
depois, alguns alunos decidiram desenhar um vulcão na parte mais alta da ilha, o que
acarretou em uma nova curva de nível que demorou a ser notada.
Assim, percebemos que a prática de criação de mapas pelos alunos permite inseri-los
em um contexto de experimentação e relação com o espaço. Nesse sentido, Aguiar (2009, p.
8) afirma que o desenho se constitui como “prática através da qual nossos alunos podem
deixar-se afetar pelos signos, por uma experimentação-limite no devir criança reconhecendo
nos mapas um engenho inventado por eles próprios”. Pensamos que, desta forma, os
estudantes são capazes de operar suas ações no espaço, criando suas próprias regras,
organizações e funcionamentos.
Após os 50 minutos de aula, agradecemos a colaboração de todos e avisamos que
teríamos uma nova atividade na aula seguinte. Alguns alunos ficaram tão envolvidos com a
oficina que pediram para continuar desenhando e pintando o mapa durante o recreio. Aqui
percebemos, com Correa e Preve (2011), que um dos pontos mais importantes da oficina
enquanto estratégia educativa, foi a ligação do oficineiro com a proposta escolhida. Assim, a
oficina começa quando se quer conhecer algo. Percebemos que a duração de uma oficina
depende também do interesse dos participantes. Enquanto alguns estudantes não participaram
diretamente da produção do mapa, outros dedicaram o momento do intervalo, normalmente
tempo de descontração e divertimento, para continuarem a oficina.
Além de permitir que eles dessem continuidade à atividade, aproveitamos para
explorar as criações deles e questionarmos sobre seus desenhos. Ao perguntarmos para um
aluno porque ele estava pintando de azul toda a área entre a curva de nível de 20 e 30 metros,
ele nos respondeu que antes não havia entendido, achava que ali ainda era mar, e mesmo
depois de ter compreendido que não era, decidiu continuar a pintar de azul e unir a um rio
formando um poço que protegia a ilha, assim, como os que protegiam os castelos. Desta
forma, o mapa confeccionado (Apêndice 4) surgiu a partir do imaginário dos alunos, saiu de
um plano cartesiano, perdeu suas convenções e suas normatizações, constituindo-se em um
produto de criação dos sujeitos que produziram sua própria linguagem e leitura acerca do
espaço.
62
4.2.2 Aplicação e considerações da segunda etapa
Atividade 2
“Curva de Nível Afetiva” - Mapa Lúdico de Curvas de Nível
A segunda etapa da oficina foi realizada na sexta-feira dia 13 de novembro, durante a
última aula do dia. Para a conclusão do trabalho resgatamos alguns conceitos básicos sobre
curvas de nível. Para isso, utilizamos o quadro para desenhar o perfil topográfico da ilha
(Figura 22). Algumas perguntas foram feitas para aproveitar os saberes dos alunos acerca do
conteúdo. Em seguida, apresentamos o mapa produzido na aula anterior.
Figura 22: Apresentação do perfil topográfico da ilha imaginária.
Em relação ao mapa, elaboramos perguntas sobre as altitudes em que estavam os
desenhos, quais os pontos mais baixos e mais altos da ilha. No momento dos questionamentos
sobre a altura dos elementos desenhados no mapa, percebemos que os adolescentes se
sentiram valorizados por verem seu desenho como um ponto de referência da ilha imaginária,
assim como um ponto de referência da própria aula, mostrando dessa forma a relevância de se
construir um produto onde eles possam ser protagonistas. O mapa da ilha se tornou atraente e
foi o momento da aula que mais prendeu a atenção e a participação e produção deles,
tornando-se um artefato potente para unir o interesse dos alunos ao conteúdo, pois respondiam
a nossas perguntas com empolgação. Em um dado momento, estendemos o mapa desenhado
sobre as mesas e quando puxamos o tecido pela parte mais alta da ilha fizemos uma projeção
3D (Figura 24). Desta forma, apresentamos um método alternativo e didático para pensar a
topografia da ilha, diferente da que os alunos estão habituados a ver no livro didático.
63
Figura 23: Efeito 3D do mapa com seu ponto mais alto, o vulcão.
Em seguida, pedimos aos alunos que fizessem um mapa afetivo com as curvas de nível
(Figuras 24 e 25). Explicamos a ideia principal do mapa, que poderiam desenhar sua própria
ilha imaginária e nela representar coisas que gostam em uma ordem de importância. Quanto
mais importante for, mais alto deveria ficar em uma escala de nível com maior altitude. Foram
distribuídas folhas A4, lápis de cor e giz de cera colorido para que os alunos pintassem e
desenhassem seguindo as prévias instruções.
Figura 24: Mapa afetivo feito por uma aluna. Figura 25: Momentos da confecção.
Obtivemos os mais variados resultados, pois em um primeiro momento nem todos
realmente entenderam a proposta, talvez, pelo fato do tempo ser curto e da atividade ser
novidade, a explicação da tarefa devesse ter levado mais tempo ou talvez também por alguns
alunos não se sentirem motivados a participar da atividade. Enquanto um grupo trabalhava
64
com o mapa, outros cantavam e tocavam instrumentos musicais, como tambor e pandeiro na
sala de artes. Apesar do barulho, a música não atrapalhou a produção dos demais, pelo
contrário, criou um ambiente descontraído de diversão e socialização entre os alunos.
O fato dos alunos não se conterem nas carteiras a maior parte do tempo, não significou
que o processo de ensino-aprendizagem não aconteceu. Pode ser que a educação
escolarizante, vinculada aos poderes políticos do Estado com a finalidade formar cidadãos
úteis, não estivesse vigorando neste caso. Pois a educação é algo mais abrangente, como
explica Correa e Preve (2011, p. 187): “Educação é qualquer coisa que produza variação em
termos de compreensão ou de perspectiva ou de visão”. Assim, a educação não seria nem boa
nem ruim, mas um processo de modificação, que pode acontecer por meio de práticas caóticas
que não dependem de uma organização, ao contrário da escolarização.
O movimento dos alunos foi constante durante toda a oficina. Através dela, os alunos
desenhavam hora com base no conteúdo, hora apenas por diversão, depois brincavam,
cantavam, discutiam, faziam as pazes e novamente voltavam a fazer as atividades propostas.
Nesse contexto, pensamos que o ensino-aprendizagem aconteceu mesmo no caos, em uma
turma extremamente heterógena, com interesses diversos e momentâneos, sempre
estabelecendo relações, sempre criando caminhos. Percebemos também, durante a oficina, a
produção de efeitos não escolarizantes, o que significa “abrir espaço para o desconhecido,
reduzir o investimento na segurança do mesmo” (CORREA e PREVE, 2011, p. 197).
Continuando com a oficina, preferimos atender os alunos individualmente para que
pudessem entender melhor a proposta. Notamos que os estudantes que optaram por desenhar e
que no primeiro momento não entenderam a dinâmica se sentiram atraídos e queriam mais
tempo para entregar os desenhos ou queriam refazê-los. Realmente, houve muita entrega por
parte de alguns durante os dois dias de atividade. Com base nos desenhos dos mapas afetivos
e nas conversas com os estudantes durante o decorrer da oficina, que se propuseram a
desenhar os mapas, constatamos que a maior parte dos alunos valoriza as relações
interpessoais e as atividades práticas como forma de lazer. Por outro lado, o que os alunos
identificam como o que menos gostam é o ato de estudar. Interpretamos que o fato de
colocarem a família nos lugares mais ao centro e estudar, talvez por verem esse ato como uma
obrigação ou um ato penoso, nos lugares mais afastados do centro, indicam que eles
conseguiriam ter uma percepção das áreas mais altas e das áreas mais baixas, pois colocaram
a família no topo (Figura 26), sendo que alguns até lembraram de colocar a altitude de cada
curva.
65
Figura 26: Mapa afetivo com legenda indicativa das preferências do aluno (a).
Neste sentido, a produção e criação de mapas em oficina oportunizaram novas
abordagens acerca da cartografia, possibilitando novos caminhos e novas formas de
compreender o espaço geográfico, significando andar por:
[...] percursos em aberto, onde crianças e jovens são expostos a obras da cultura
(escolar ou não escolar) que promovam conexões múltiplas entre a cultura
(linguagem) cartográfica dispersa em nossa sociedade e os universos culturais dos
alunos, com suas singularidades, criando uma zona contaminada de pensamentos
variados, onde as obras expostas são atravessadas por esta multiplicidade de
pensamentos e sensações que para elas converge das singularidades dos estudantes e
estes últimos são atravessados pelos inusitados outros modos de existir da
cartografia (OLIVEIRA JR., 2012, p. 5).
A aula que nos foi cedida para a realização da oficina foi a aula de Educação Artística.
Talvez esse fato tenha causado certo desgosto nos alunos, que preferiam as aulas
convencionais de artes em detrimento das aulas de geografia. Pode ser levado em conta que
essa oficina pode muito bem ser feita aliando o estudo de artes com a geografia já que a
imaginação e as expressões artísticas possuem extrema importância para os produtos finais. A
aula ter ocorrido no ultimo horário de uma sexta-feira também pode ser um fator que
contribuiu para deixar os alunos inquietos. Talvez por isso, parte da turma participou de forma
66
menos ativa na oficina, pois já estavam cansados com a carga da semana inteira e empolgados
para o final de semana.
Durante a oficina os alunos ficaram divididos entre o fazer o mapa e não fazer, pois
enquanto aplicávamos as atividades outras coisas aconteciam na sala ao mesmo tempo e
acabavam despertando a curiosidade. Alguns alunos tocavam instrumentos musicais e
cantavam. Alguns dos que estavam participando da oficina ficaram tentados a entrar na
brincadeira dos outros e, como a aula nos foi cedida com muita boa vontade do professor de
artes, não nos sentimos no direito de obrigar os alunos a realizarem a atividade, dando a eles a
opção de participar por livre e espontânea vontade.
Figura 27: Encerramento da oficina com os alunos e os autores do trabalho.
67
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As vivências durante a pesquisa nos permitiram imergir e compartilhar experiências
com o cotidiano das escolas e dos alunos e, nesse processo, percebemos que a aprendizagem
da cartografia pode ser manifestada por meio dos saberes dos alunos, materializados em uma
linguagem de signos e símbolos inseridos em um desenho, dentro de um espaço aberto ao
imaginário. Nesse processo imagético e aberto a outros fazeres cartográficos, compartilhamos
novas experiências e novos olhares acerca do fazer cartografia.
O “fazer” emergiu como proposta problematizadora sobre o “refazer” (reproduzir)
cartografia, de modo que ao “fazer” o mapa o aluno manifesta em um plano seu saber sobre o
mundo, ou seja, sobre seu próprio mundo, e ali, no mapa, cristaliza seu pensamento acerca do
espaço em que vive, da sua realidade, de seus gestos, gostos e emoções. Neste sentindo, o ato
de mapear inserem os alunos em um espaço construído por eles mesmos, permitindo por meio
dessa construção problematizar esse espaço, possibilitando, de certa forma, uma mediação
com o ensino de geografia, de modo, que, o aluno produza conhecimento e autonomia.
No entanto, salientamos que os conceitos de mapa estabelecidos nos livros didáticos se
mostraram insuficientes para se pensar o espaço geográfico, uma vez que traz limitações
metodológicas e mostram um mundo a partir da visão de seu construtor. Assim, durante
nossas experiências nas escolas percebemos que para se trabalhar a cartografia é necessário
pensar metodologias alternativas e, até mesmo, criativas para estimular os alunos a
compreenderem essa temática. Para tanto, cabe ao professor saber utilizar da melhor forma
essa ferramenta indispensável no ensino de geografia. Não se prender aos métodos prontos do
livro didático, mas pensar criticamente suas práticas de ensino para fazer o melhor uso da
cartografia.
A prática do desenho em mapas propõe práticas que abordam a poética do espaço,
outros olhares, as subjetividades advindas do cotidiano. Assim, relacionar o cotidiano com a
construção de mapas é bem interessante, pois os mapas são bem mais que uma mera
representação do território, são a materialização das experiências vividas. Neste sentido, o
mapa torna-se um instrumento aberto à criação dos indivíduos, sendo que o ato de mapear
pode subverter convenções e normatizações estabelecidas.
Os saberes dos alunos são materializados no mapa, sendo este, o produto final do
processo de criação e leitura. A imaginação se cristaliza em forma de mapa, porém a
imaginação é mais importante que o mapa, ela é abstrata sofre constantes processos de
mutações, já o mapa é um objeto concreto imutável. Portanto, o mapa é instrumento criado
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pela imaginação e nesta relação, o imaginário se sobrepõe ao objeto (mapa) criado por ela
mesma, sendo o mapa apenas um ponto de partida para uma reflexão bem mais profunda e
complexa.
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6 REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? Outra Travessia, v. 5, p. 9-16, 2005.
AGUIAR, L. M. B. O Mapa como Superfície de Agenciamento. In: VI Colóquio de Cartografia para
Crianças e Escolares e II Fórum Latinoamericano de Cartografia para Escolares, 2009, Juíz de Fora.
_______________. Para que serve a educação geográfica? Outras funções do mapa além da
organização do espaço. Vertentes, v. 19, n. 1, p. 1-14, 2011.
ALVES, N. Tecer conhecimento em rede. In. ALVES, N.; GARCIA, R. L.(orgs.). O sentido da escola.
Petrópolis: DP et Alii, 2008.
Anais do VI Colóquio de Cartografia para Crianças e Escolares e II Fórum Latinoamericano de
Cartografia para Escolares. Juíz de Fora : UFJF, 2009. v.1.
BOLIGIAN, Levon. Uma viagem sócio-histórica pelas noções e pelos conceitos de Cartografia nos
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Guia Nacional do Livro
Didático: Geografia. Brasília: MEC/SEF, 2014.
_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Geografia. Brasília: MEC/SEF, 1998.
Brian Harley. Mapas, saber e poder. Confins [Online], 2009, posto online em 24 abril 2009.