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27/04/2020 Giorgio Agamben: “O estado de exceção se tornou norma” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU www.ihu.unisinos.br/188-noticias/noticias-2018/578473-giorgio-agamben-o-estado-de-excecao-se-tornou-norma 1/6 01 Mai 2018 Se há um filósofo característico do presente é Giorgio Agamben. Nasceu em Roma em 1942, mas sua obra globalizada não pode desligar-se de suas atividades na França, Inglaterra e Alemanha, entre outros países em que trabalhou. É fácil detectar nela a influência de Martin Heidegger, Walter Benjamin e Michel Foucault, mas também as de Kafka e do situacionista Guy Debord. Agamben chegou à universidade para estudar Direito, mas se inclinou pela filosofia depois de assistir entre 1966 e 1968 a alguns seminários com Martin Heidegger. Foi o mesmo período, recorda, em que descobriu Benjamin: “Dois autores muito diferentes. Um era o contraveneno do outro”. A reportagem é de Francesc Arroyo, publicada por El País, 30-04-2018. Sua obra, que nunca perde de vista a relação do homem com a linguagem, não se esgota na filosofia, mas se estende por todos os campos do saber: da literatura às artes plásticas, da filologia à antropologia, passando pela teologia e, claro, Giorgio Agamben: “O estado de exceção se Giorgio Agamben: “O estado de exceção se tornou norma” tornou norma”
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Feb 21, 2021

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27/04/2020 Giorgio Agamben: “O estado de exceção se tornou norma” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

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01 Mai 2018

Se há um filósofo característico do presente é Giorgio Agamben. Nasceu em

Roma em 1942, mas sua obra globalizada não pode desligar-se de suas

atividades na França, Inglaterra e Alemanha, entre outros países em que

trabalhou. É fácil detectar nela a influência de Martin Heidegger, Walter

Benjamin e Michel Foucault, mas também as de Kafka e do situacionista Guy

Debord. Agamben chegou à universidade para estudar Direito, mas se inclinou

pela filosofia depois de assistir entre 1966 e 1968 a alguns seminários com

Martin Heidegger. Foi o mesmo período, recorda, em que descobriu

Benjamin: “Dois autores muito diferentes. Um era o contraveneno do outro”.

A reportagem é de Francesc Arroyo, publicada por El País, 30-04-2018.

Sua obra, que nunca perde de vista a relação do homem com a linguagem, não se

esgota na filosofia, mas se estende por todos os campos do saber: da literatura

às artes plásticas, da filologia à antropologia, passando pela teologia e, claro,

Giorgio Agamben: “O estado de exceção seGiorgio Agamben: “O estado de exceção setornou norma”tornou norma”

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pela política. Entre as pessoas com quem estabelece estreita relação há filósofos:

Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Jean-François Lyotard, PierreKlossowski; mas também cineastas como Pier Paolo Pasolini, ou escritores:

Elsa Morante, Ingeborg Bachmann, Italo Calvino. Ensina Filosofia em

Veneza e dirigiu a edição italiana das obras de Benjamin. A editora Boitempo

acaba de lançar no Brasil sua obra O Fogo e o Relato, com o subtítulo Ensaiossobre Criação, Escrita, Arte e Livros.

Mesmo nos textos mais filosóficos, em Agamben se entrecruzam outros

discursos. Em uma de suas obras mais lidas, Homo Sacer – O Poder Soberano e

a Vida Nua (Editora UFMG), parte de Hannah Arendt para a revista Foucault,

mas não se esquece da contribuição de Kafka para definir a situação do homem

contemporâneo. “A literatura e a poesia foram sempre muito importantes para

mim. Não acredito que possam ser separadas da filosofia. Não são campos

incomunicáveis. Eu diria que são duas intensidades que atravessam o campo da

linguagem humana”, explicava Agamben em uma entrevista em 2016 a o ELPAÍS, quando foi publicado em espanhol o mesmo livro que agora sai no

Brasil. Na realidade, seriam atividades destinadas a se cruzarem. “Aquilo que a

poesia realiza com o poder de dizer, a política e a filosofia devem realizar com o

poder de agir”, sustenta em O Fogo e o Relato. Já em Hölderlin a poesia

“marca o ponto em que o poeta, que vive como uma catástrofe a ausência do

povo – e de Deus –, busca refúgio na filosofia, deve se tornar filósofo”. Mas “a

filosofia moderna fracassou em sua tarefa política porque traiu sua tarefa

poética, não quis ou não soube arriscar-se na poesia”. Heiddeger tentou, mas

“não conseguiu se tornar um poeta”.

Homo Sacer, uma de suas obras mais difundidas, prossegue os trabalhos sobre

biopolítica dos últimos textos de Foucault: a vida como objeto político. “Não

acho que na filosofia se possa distinguir, como se faz na universidade, entre

filosofia da política, da moral, da linguagem. A filosofia é única. A filosofia é

sempre política”, disse o filósofo naquela conversa com o EL PAÍS. E há um

aspecto da história recente que acaba mostrando-se como o paradigma da

sociedade moderna: os campos de concentração, um espaço onde a lei fica

em suspenso, um perpétuo estado de exceção onde, diz com Hannah Arendt,

“tudo é possível”. O homem enclausurado neles é marginalizado da sociedade

pelo próprio Estado: é o homo sacer, sagrado. Não pode ser sacrificado, mas

sua morte não constitui homicídio e pode ser assassinado impunemente.

“O estado de exceção era um dispositivo provisório para situações de perigo.

H j t i t t l d C d l d

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Hoje se tornou um instrumento normal de governo. Com a desculpa da

segurança diante do terrorismo, se generalizou. A exceção, por isso se chamava

estado de exceção, é norma. O terrorismo é inseparável do Estado porque

define o sistema de governo. Sem o terrorismo, o sistema atual de governo

não poderia funcionar. Há dispositivos como o controle das impressões digitais,

ou o escaneamento que te fazem nos aeroportos, que foram adotados para

controlar os criminosos e agora são aplicados a todos. Da perspectiva do Estado,

o cidadão se transformou em um terrorista virtual. Do contrário, não se

explica o acúmulo de câmeras que nos vigiam em todas as partes. Somos

tratados como criminosos virtuais. O cidadão é um suspeito, numerado, como

em Auschwitz, onde cada deportado tinha seu número”. Com algo a não perder

de vista: o estado de exceção dos campos é o mesmo que impera nos organizados

para os refugiados.

Tudo isso conduz a uma quebra da legitimidade do poder. “Isso se dá em

muitos Estados: há legalidade, porque as leis são cumpridas, mas não há

legitimidade. Como consequência os cidadãos confiam menos nas urnas, e a

abstenção cresce. Um fenômeno que não havia ocorrido antes e que está

relacionado com o fato de as pessoas terem se dado conta de que os Governosnão são verdadeiramente legítimos. Legais, sim; mas não legítimos.”.

Dessa perspectiva, Agamben considera a relação entre ética e política. “A ética

moderna, desde Kant, se constitui como uma ética do dever, dominada pelo

imperativo. Tentei criticar a ética do dever e substituí-la por uma doutrina,

procedente do mundo clássico, que valorize a ideia de felicidade, a vida boa. Em

um sentido político. O dever é uma ideia de origem cristã. O homem é um ser em

dívida. Isso significa dever: estar em dívida.”

A ideia do dever não só regula a ética kantiana, também se estende ao mundo

da economia. “A economia de hoje está baseada na ideia da fé e do dever, do

crédito e do débito. São dois conceitos que provêm do mundo da fé. ‘Fé’, em

grego, se chama ‘pistis’. Há uma história muito bonita. Um historiador da

religião, professor em Jerusalém, estava trabalhando sobre o conceito de fé(’pistis’). Pretendia entender o que é. Um dia estava em Atenas, levantou os

olhos e viu escritas as palavras: ‘Banco de pisteos’. Banco da Fé, leu, mas na

realidade o que estava escrito era Banco de Crédito. Foi sua iluminação: fé

significa crédito. É o crédito que se outorga à palavra de Deus. E, para nós, é o

débito para com Deus. É muito esclarecedor: a economia e a ética estão baseadas

nos mesmos conceitos: débito e crédito. Porque, o que é o dinheiro senão um

crédito? Sobretudo depois que Richard Nixon separou o dólar do padrão ouro.

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27/04/2020 Giorgio Agamben: “O estado de exceção se tornou norma” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

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O que resta nas notas é um puro crédito sem conteúdo. Temos crédito em um

débito que não está garantido por nada.”

Leia maisGiorgio Agamben e a impossibilidade de salvação da modernidade e da

política moderna. Revista IHU On-Line, nº 505

Hölderlin. O trágico na noite da Modernidade. Revista IHU On-Line, Nº. 475

Michel Foucault, o cuidado de si e o governo de si (enkrateia). Revista IHU

On-Line, Nº. 466

Forma de vida e os dispositivos biopolíticos de exceção e governamentalização

da vida humana. Entrevista especial com Castor Bartolomé Ruiz. Revista IHU

On-Line, Nº. 450

Banalidade do Mal. Revista IHU On-Line, Nº. 438

Agamben e o horizonte biopolítico como terreno de escavação. Entrevista

especial com Daniel Arruda Nascimento. Revista IHU On-Line, Nº. 420

A autonomia do sujeito, hoje. Imperativos e desafios. Revista IHU On-Line,

Nº. 417

Homo sacer. O poder soberano e a vida nua. Artigo de Castor Bartolomé Ruiz.

Revista IHU On-Line, Nº. 206

O mundo moderno é o mundo sem política. Hannah Arendt 1906-1975.

Revista IHU On-Line, Nº. 206

Kant: Razão, Liberdade e Ética. Revista IHU On-Line, Nº. 93

"Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro". Entrevista com Giorgio Agamben

Giorgio Agamben: "O estado de emergência não pode ser permanente"

Estudantes. Artigo de Giorgio Agamben

Estado de Exceção: um paradoxo jurídico de excelência

A crise infindável como instrumento de poder: uma conversa com Giorgio

Agamben

Giorgio Agamben: “O cidadão é um terrorista em potencial para o Estado”

Estado de exceção e biopolítica segundo Giorgio Agamben. Entrevista especial

com Jasson da Silva Martins

Agamben: o pensamento como coragem

Auschwitz revisitada pelo olhar de Giorgio Agamben

Quando a religião do dinheiro devora o futuro. Artigo de Giorgio Agamben

Benjamin e o capitalismo. Artigo de Giorgio Agamben

Cristianismo como religião: a vocação messiânica. Artigo de Giorgio Agamben

Lançadas obras inéditas de Martin Heidegger

O marxismo da adversidade: Hannah Arendt e Walter Benjamin

Michel Foucault. Trinta anos de influência

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27/04/2020 Giorgio Agamben: “O estado de exceção se tornou norma” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

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Guy Debord e a clandestinidade da vida privada. (Prólogo de “O Uso dos

Corpos” de Giorgio Agamben)

O anti-Édipo, de Deleuze e Guattari: o desejo como produção e a crítica à

civilização ocidental

''Quando o Estado mata, somos todos Sócrates.'' Artigo de Jacques Derrida

Pier Paolo Pasolini, um trágico moderno e sua nostalgia do sagrado

O homo sacer e o campo como paradigma político moderno

A verdadeira força de João XXIII. Artigo de Hannah Arendt

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